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ALFABETIZAÇÃO E TERCEIRA IDADE: INCLUSÃO SOCIAL................................................................. 912
O CONTEXTO LÚDICO NA VILA RURAL.................................................................................................... 917
O IDOSO EM AMBIENTE DIFERENCIADO E SUA FORMA DE REPRESENTAÇÃO ............................. 921
O NEXO CAUSAL ENTRE O SOFRIMENTO PSÍQUICO E O TRABALHO ............................................... 927
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ALFABETIZAÇÃO E TERCEIRA IDADE: INCLUSÃO SOCIAL
Angélica Aparecida Valenza¹ Hugo Pires Junior²
¹ Discente do Bacharelado em Psicologia do Centro Universitário de Maringá – Cesumar. Maringá – Paraná. E-mail: [email protected]. ² Orientador docente do Bacharelado em Psicologia do Centro Universitário de Maringá – Cesumar. Maringá – Paraná. E-mail: [email protected] Palavras-chave: Terceira idade, alfabetização, inclusão social. Introdução
Os idosos fazem parte de uma camada significativa da população tendo sido, em
períodos diversos, indivíduos que contribuíram para o desenvolvimento das suas
comunidades. Estes indivíduos deparam-se, na atualidade, com realidades em que se
percebem incapazes levando-os a transformar-se em excluídos potenciais. Tais realidades são
representadas pelas novas tecnologias e pelo limitado acesso a elas, sendo este determinado,
via de regra, pela não habilitação intelectual dos idosos decorrente da ausência do processo de
alfabetização, gerador da interação pessoal e social destes indivíduos. Ouvir esta população
em suas necessidades, para em seguida criar mecanismos que levem à efetiva participação
social, integrando-a no processo informativo por meio da habilitação intelectual (princípio
básico da alfabetização), econômica e cultural parecer ser necessário. Este trabalho tem o
objetivo de caracterizar a concepção do idoso integrado a grupo social diferenciado (vila
rural) a respeito da alfabetização, visando, a partir dos dados levantados, propor métodos e
técnicas que sejam facilitadores no processo de aprendizado das vivências sociais futuras.
Método
A amostra foi constituída por dez indivíduos idosos sendo cinco do sexo masculino e
cinco do sexo feminino integrados a um núcleo social diferenciado (vila rural). O instrumento
de observação foi um roteiro de entrevista gravada sendo as falas transcritas e analisadas. Os
dados foram organizados em três categorias: (a) alfabetização na infância, (b) educação no
decorrer da vida e (c) opinião a respeito da alfabetização na terceira idade.
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Resultados OBS: As transcrições foram feitas tal como as falas coloquiais.
a) A alfabetização na infância feminina:
S. 1 O pai e a mãe não me colocou na escola; Eu casei meu marido também não sabia ler. S. 2 Porque tinha que trabalhar. S. 3 Só aprendi assina meu nome, ainda assim mesmo porque depois eu precisava de assina
meu nome; Minha mãe não parava em lugar nenhum; Tamém parei, devido ao serviço. S. 4 Ele me tirou da escola; Porque o papai não deixou; Diz ele que nois ia escrever carta
pra namorado; Quando ele viu que nóis prendia lê, ele ranco fora. S. 5 Meu pai não aceitava; Fia muié só ia prender estuda, a lê, pra mode escrever carta pra
macho; A gente até que não se importava; Foi criado daquele jeito; Na barra da mãe; Falta de compreensão do Governo.
b) A educação no decorrer da vida feminina:
S. 1 Eu podia ir todo lugar; Agora eu não posso; Capacidade de viajar sozinha; Não posso; Não sei nada; Preciso de receber; Fez muita falta pra mim, faz ainda; A gente fica assim desligado; Sei mesmo só mexer na cozinha.
S. 2 Serviço melhor; Pode ajudar; Pode melhorar; Sabe muita coisa; Aprende mais. S. 3 Não vê nem o preço das coisas; É mais ruim pra gente; Ajuda e bastante; Lê a Bíblia
não consigo; Vontade de i lá na frente lê uma palavra. S. 4 Faz muita falta; Vejo os outro lê, eu tenho vontade; Não posso; Não sei nada; Ajuda
muito; Tenho saudade. S. 5 Sinto vergonha; Faz muita farta; Pra trabalha não faz; Pra se comunicar; Pra mim
trabalhar não foi difícil; Pra muitas coisa é difícil; Pega um emprego hoje; Pra varre rua; Fala uma língua diferente; Pra saber viajar; Tem pessoas que estuda pra pode sair de casa; Pra conhecer outras pessoas; Não é tanto através de melhorar a vida.
c) Opinião feminina sobre a alfabetização na terceira idade:
S. 1 Eu gostaria; É difícil que eu tomo conta da casa aqui; Agora a minha cabeça; Não dá pra mim estudar mais não; É bom; É difícil.
S. 2 Tem muita gente da terceira idade que já aprendeu muita coisa; Tá aprendendo muito mais. Os alunos junto com o professor; Todo dia; Aprende mais pra frente; Apostila pra casa hoje você não faz; Vai fazer você já esqueceu metade; Não vai aprender.
S. 3 Eu gostaria; A canseira é demais; Tenho vontade; É bom; Você aprende mais; Fui aqui na escola; Parei devido ao serviço; Faz tempo, em noventa e sete; Não aprendi nada; A cabeça acho que não é boa; Era junto; Todo dia; Escola normal; Queria pegar e já saber; Mas é devagar; É que nem uma criança quando entra na escola.
S. 4 Agora não posso mais; Tinha vontade e tenho; Tem aquela cegueira; É boa; Eu queria.
S. 5 Vontade eu até tenho mais não vale a pena; Tudo que eu tenho de faze depende das mãos; Eu tenho vontade de aprende a escreve; Escreve uma carta pra eles; Se comunicar com as pessoas.
a) A alfabetização na infância masculina:
S. 1 Estudei um pouquinho; Fiz a quinta série; Tinha que tê muito dinheiro; Não tinha poder
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de estuda; Parei porque a gente morava no sítio; Tinha que trabalha; Ajuda em casa; Não tinha condição; Ajudar o pai em casa.
S. 2 Nove noite; Meu pai era ignorante; Só sabia uma coisa, cada ano um fio; Professor mudou.
S. 3 Até o terceiro ano primário; Não tinha condição; Foi mudano daqui. S. 4 Só o primeiro ano primário; Fiquei órfão de pai e mãe; Não tinha condições; Criança
era no cabo da inchada; Trabalhando pra mim ganhar o pão de cada dia; No sítio era difícil; Depois de casado que eu fiz o primeiro ano.
S. 5 Estudei até a quinta série; Fiz supletivo; Parei porque comecei a andar. b) A educação no decorrer da vida masculina:
S. 1 Se eu tivesse bastante estudo eu num tava aqui na roça; Podia ta na cidade trabaiano; Podia até se um bancário; Podia se qualque uma pessoa de mais alta capacidade, gabarito; Não tive essa oportunidade; O primeiro presidente da Vila fui eu; Não tenho carro; Não tenho bastante coisa; Tive muita oportunidade mais; Largar minha mãe com meu pai aqui; Pai meio doente; Foi por isso aí que eu não subi um pouco na vida.
S. 2 Tem tanta gente estudada pra vale e perde pra mim ainda; Pode ajudar, eu acredito. S. 3 A gente acha falta do estudo; Hoje em dia ta ocupando muito o estudo; Depende do
estudo; Dificulto; Era difícil pra arruma as coisa; Só na lavora não depende muito do estudo; Na cidade ocupa muito estudo.
S. 4 Em certos pontos dificultô; Tendo estudo tem às vezes um trabalho mais sossegado; Tive sempre que pegar no pesado; Até peguei um serviço bom depois de veio ainda; Um serviço bom sem estudo; Peguei como semi analfabeto; Peguei e to lá a vinte e cinco ano; O estudo tem necessidade; tem uma necessidade muito grande; A boa vontade da pessoa ajuda talvez até mais que o estudo; Tendo mais estudo ele sabe mais conversa com o povo; Não sei conversa com ninguém.
S. 5 A falta do estudo ela dificulta; O estudo hoje que vale. c) Opinião masculina sobre a alfabetização na terceira idade:
S. 1 Muito ótimo; É uma beleza; Só que aí pra mim volta, eu já sei um poquinho, entrar num mobral, não compensa.
S. 2 Se a pessoa tivé saúde; Não concordo mais com isso pra mim; Minha saúde tá péssima; Não consigo mais.
S. 3 Tem hora que dá vontade; Quem tivé condições, tivé saúde hoje em dia, deve estuda; Um pouco que a pessoa aprende já serve; Eu gostei muito.
S. 4 Eu não, pra que? Daqui três ano eu me formasse, eu morria. Nóis veio não precisa de estudo; Quem puder, que quiser estudar, estuda, quem não quiser, não adianta; Demora quantos anos pra se formar hoje? Não vai ajudar nada; Nós fazemo hora extra encima da Terra; Se fosse pra mim estudar, eu queria todos os dias.
S. 5 Se fosse um lugar apropriado; Eu gostaria; Aqui é meio longe; É passa tempo; Quanto mais aprende melhor é; Se a pessoa interessa; Deve continua; Acreditá; Todo dia à noite.
Discussão dos resultados
Em relação à categoria (a) os dados demonstram uma carência quase absoluta do
processo educacional entre os sujeitos dos dois gêneros, a tradição do “não estudo” aliado a
dificuldades para a aquisição de instrução básica redunda na realidade futura de aceitar
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qualquer trabalho por não ter tido oportunidade de estudar (“teve que trabalhar para ajudar na
casa”; “o trabalho é pesado, não se pode escolher serviço”). Observa-se a mesma tendência
em relação à categoria (b) a carência inicial persiste e as necessidades básicas não resolvidas
alijam o indivíduo de oportunidades de transformação da sua realidade. Na categoria (c) as
falas privilegiam a necessidade do aprendizado, “quanto mais aprende melhor é” ... “um
pouco que a pessoa aprende já serve”, como levam a uma descaracterização do processo “pra
que estudar hoje!!... daqui três ano eu me formasse, eu morria! Prá que estuda? Nois véio não
precisa de estuda!” (sic). Esta posição pode ser compreendida, no entanto, devem ser
consideradas as possibilidades de readaptação e de criação do homem ao seu meio, que é
possível principalmente pelo processo educacional de formação, mesmo quando este
apresenta idade avançada (idoso). No entanto, a abordagem educacional com idosos requer
uma imersão no seu universo para compreendê-lo e uma prática pedagógica específica,
considerando as características físicas, psicológicas e sociais dessa faixa etária.
Conclusão
A vida do idoso na Vila Rural não prioriza as atividades intelectuais, decorrentes do
processo de alfabetização, não requer “homem letrado” a realidade é de subsistência (plantio
de lavouras, criação de animais para o próprio consumo), pois num ambiente rural, o que
conta mesmo é a prática. Estas atividades rotineiras, no entanto, não apagam a percepção dos
sujeitos a respeito das suas necessidades de conhecimento e de acesso a ele possibilitado pela
leitura. O que gera no idoso uma sensação de tempo perdido, levando-o a acalentar sonhos de
um dia aprender a ler e escrever, para ser uma pessoa autônoma. Os sujeitos valorizam a
alfabetização e anseiam, no entanto, qualquer proposta a ser implantada deverá considerar a
realidade desta população (saúde, dificuldades de locomoção, p.ex.) o que exigirá o esforço,
constante, da pesquisa para a sua implementação.
Referências BEAUVOIR, Simone. Trad. Maria Helena Franco Monteiro. A velhice: o mais importante ensaio contemporâneo sobre as condições de vida dos idosos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. DEPS, Vera Lúcia. Atividade e bem-estar psicológico na maturidade. In: NERI, Anita Liberalesso. Org. Qualidade de vida e idade madura. 3ª ed. Campinas: Papirus, 1993. FERRARI, Maria Auxiliadora Cursino. Lazer e ocupação do tempo livre na terceira idade. In: PAPALÉO NETTO, Matheus. Gerontologia: a velhice e o envelhecimento em visão globalizada. São Paulo: Atheneu, 2002. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 35ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 41ª ed. Rio de janeiro: Paz e terra, 2005. FURTER, Pierre. Educação e reflexão. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1973. KACHAR, Vitória. Terceira idade & informática: aprender revelando potencialidades. São Paulo: Cortez, 2003. MARTINS, Ademar. Fórum de Valência estuda perspectivas para idoso no século XXI. Obtido via internet, http://www.techway.com.br/techway/revista_idoso, 2007. NERI, Anita Liberalesso. Qualidade de vida no adulto maduro: interpretações teóricas e evidências de pesquisa. In: NERI, Anita Liberalesso. Org. Qualidade de vida e idade madura. 3ª ed. Campinas: Papirus, 1993. NERI, Anita Liberalesso; CACHIONI, Meire. Velhice bem-sucedida e educação. In: NERI, Anita Liberalesso; DEBERT, Guita Grin. Orgs. Velhice e sociedade. Campinas: Papirus, 1999. PAIM, Paulo. Estatuto do idoso. Brasília, 2004. Obtido via internet: http://www.senado.gov.br, 2007. REIS, Iraci Ozéas dos. Projeto vilas rurais. São Paulo: Programa de Gestão Pública, 1998. SALGADO, Marcelo Antonio. Envelhecimento populacional: desafio do atual milênio. Seminário de Gerontologia. Maringá: SESC, 2007. SANTISO, Teresa Porcile. Terceira idade: tempo para viver. São Paulo: Paulinas, 1983. SINÉSIO, Neila Barbosa Osório. Universidade da melhor idade: uma proposta salesiana para idosos. Campo Grande: UCDB, 1999. TELLES, José Luiz. Perspectivas e desafios das ações do pacto pela vida/saúde da população idosa. Seminário de gerontologia. Maringá: SESC, 2007. TRILLA, Jaume; PUIG, Josep Maria. A pedagogia do ócio. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. VENTURI, Gustavo. Pesquisa idosos no Brasil - vivências, desafios e expectativas na 3ª idade. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; SESC. Obtido via internet, http://www2.fpa.org.br, 2007. ZIMERMAN, Guite I. Velhice: aspectos biopsicossociais. Porto alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
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O CONTEXTO LÚDICO NA VILA RURAL
Marina Tiemi Kobiyama Sonohara¹ Aline Fernanda Sartori Kanegusuku²
Keila Mary Gabriel Ganem³ ¹Discente do Curso de Psicologia. Departamento de Psicologia do Centro Universitário de Maringá – Cesumar, Maringá – Paraná. Bolsista PROBIC. [email protected]²Discente do Curso de Psicologia. Departamento de Psicologia do Centro Universitário de Maringá – Cesumar, Maringá – Paraná. [email protected] ³Orientadora Docente do Curso de Psicologia. Departamento de Psicologia do Centro Universitário de Maringá – Cesumar, Maringá – Paraná. [email protected] PALAVRAS-CHAVE: Lúdico, vila rural, criança. INTRODUÇÃO
Partindo do pressuposto que a vila rural surgiu como uma opção do governo para a
retirada das famílias de trabalhadores rurais volantes das periferias, devolvendo-as ao seu
próprio meio, promovendo um sentido de vida com mais dignidade, verificou-se de que forma
são realizadas as atividades lúdicas das crianças neste ambiente e como a vila rural participa
(interfere) neste processo. A partir da divulgação de problemas ambientais na natureza
ocasionados pela interferência do homem, iniciou-se grande interesse pela área da vila rural.
O desenvolvimento acontece em um ambiente restrito a poucas moradias, sem recurso
de lazer, internet ou atividades extracurriculares, buscou-se investigar o contexto em que as
atividades lúdicas estão inseridas, assim como caracterizar as condições em que ocorre o
processo de socialização.
As inter-relações entre a criança e o ambiente na vila rural, permitirá sugerir políticas
públicas mais eficientes que colaborem para o desenvolvimento mais adequado da criança,
possibilitando maior integração deste indivíduo à sociedade.
MATERIAL E MÉTODOS
O propósito da presente pesquisa foi de realizar um estudo do tipo qualitativo e
descritivo, visando à compreensão e interpretação dos fatos e informações levantadas em um
estudo de campo. A análise se sustentou no referencial sócio-histórico e dentro das teorias do
desenvolvimento infantil.
Fizeram parte deste estudo seis crianças do sexo masculino e seis crianças do sexo
feminino totalizando doze crianças moradoras da vila rural. Essas crianças foram divididas em
faixas etárias: com idades entre três e cinco anos, seis e sete anos e oito a dez anos de idade.
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O material utilizado como instrumento para obtenção de dados foi a entrevista por
pautas e observação participante. Esta entrevista apresentou certo grau de estruturação, já que
se guiou por uma relação de pontos de interesses explorados ao longo de seu curso. Foram
realizadas perguntas diretas permitindo o livre discurso do entrevistado. Através da
observação participante foi possível obter maior acesso a várias informações juntamente com
a cooperação do grupo. Os objetivos desta observação foram revelados desde o inicio da
atividade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante a observação participante, de forma geral as crianças com idade entre 3 a 5
anos, fixaram-se em atividades que remetem a situação escolar embora ainda não freqüentem
a escola, tais como: leitura de livros, pintura com canetinha e tinta guache, recorte com
tesoura, desenhos e colagem. Começavam uma atividade e a interrompiam passando a outra,
sem nunca concluir a primeira, ficando apenas na exploração de objetos. Interagiram com
outros sujeitos e eventualmente, olhavam ou pediam ajuda ao observador.
As crianças com idade entre 6 e 7 anos selecionaram materiais para as brincadeiras
que remetem à situação escolar, tais como: papel sulfite, pincéis, tinta guache e livros.
Exploraram todo o material e depois se fixaram em brinquedos específicos que se assemelham
às tarefas domésticas e seu dia-a-dia de criança como, por exemplo: “kit-cozinha”, ferro de
passar roupas, brincar de boneca, casinha. As brincadeiras não tinham início – meio e fim,
começavam uma atividade e a interrompiam, passando a outra, sem concluir a primeira como,
por exemplo: desenhos inacabados, brincavam um pouco e desistiam rapidamente
abandonando o objeto em qualquer lugar e escolhendo outro para brincar. Eventualmente
selecionavam materiais figurativos como: câmera fotográfica, dado mágico e pula-pula.
A atividade e material escolhidos pelas crianças com idade entre 8 e 10 anos como a
leitura dos livros e massa de modelar repetem a situação escolar com criatividade.
Exploraram todo o material inicialmente e depois se fixaram em algum brinquedo como jogos
para brincar, estabelecendo regras, fazendo estimativas e cálculos mentais durante o jogo.
Utilizaram o corpo na medida do necessário, movimentando-se, trocando de posição,
ocupando bem o espaço, bem como utilizando a coordenação grossa e fina necessária às
atividades. Brincaram sozinhos e com seus colegas em uma socialização harmoniosa e,
observavam constantemente o observador sem dirigir-lhe a palavra.
Foram indicadas como brincadeiras preferidas das crianças moradoras da vila rural em
seu dia a dia a bicicleta, a casinha, a bola, a televisão e a boneca.
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No aspecto social, percebemos como afirma Rappaport, Fiori e Davis (1981) e
Wadsworth (2003) o inicio do desligamento da família em direção a uma sociedade de
crianças na fase pré-escolar, onde a criança começa a se interessar por outras de sua mesma
idade, porém caracterizado por um brincar paralelo, um fazer as coisas juntos, mas sem
interação nas atividades lúdicas como na escola, ou seja, várias crianças brincando juntas,
mas cada uma brincando sozinha com o seu brinquedo, não considerando o outro como uma
pessoa com sentimentos, atitudes e vontades diferentes da suas próprias. Já no final dessa
fase há um declínio do egocentrismo intelectual e inicio do pensamento lógico através da
formação de esquemas conceituais. Bem como, um grande declínio da linguagem
egocêntrica, como demonstram as crianças com idade de 7 anos com o uso de linguagem
socializada, uma linguagem intercomunicativa, uma clara troca de idéias. Isto é, a interação
social com as crianças do grupo e a presença do conflito dos próprios pensamentos com os
pensamentos dos outros, obriga a criança a verificar e a questionar os seus pensamentos, e a
fonte desse conflito a “interação social” entre os colegas é um fator importante para
gradativamente dissolver o egocentrismo cognitivo.
Rappaport, Fiori e Davis (1981) e Wadsworth (2003) relatam que o período das
operações concretas de Piaget de 8 a 10 anos de idade passa a ser cada vez mais social e
menos egocêntrica ao se fazer o uso da linguagem, tornando-se num ser verdadeiramente
social, pois o uso da linguagem é um meio comunicativo onde os conceitos são verificados
ou negados através das trocas de argumentações com os outros nesta interação, constatado
através das atividades lúdicas e na observação na escola.
A percepção das crianças moradoras da vila rural em seu ambiente, no espaço em que
vivem, na singularidade, na valorização das pequenas coisas, no vivenciar o desenvolvimento
dos animais e das plantas, na criação de brincadeiras é muito mais rico do que o da criança
moradora da vila urbana. O ser criança no campo está vinculado ao próprio lugar como relata
Souza (2004), é correr livre, desfrutar da natureza, ter os animais como companhia e
brinquedo, ou seja, é ter uma infância caracterizada pelo lúdico que faz uso de espaço e
elementos naturais.
CONCLUSÃO
As crianças da vila rural exploram muito mais o meio em que vivem dos que as
crianças moradoras da vila urbana. No que diz respeito ao manuseio de materiais
pedagógicos, não se diferenciam das crianças que moram na cidade, ao contrário, apresentam
facilidades como elas e demonstram o mesmo interesse.
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REFERÊNCIAS FERNANDES B. M.; PONTE, K. F. As vilas rurais do estado do Paraná e as novas ruralidades. Obtido via internet em: www4.fct.unesp.br/nera/uso_restrito.php, 2008. RAPPAPORT, C. R. FIORI, W. R.; DAVIS, C. Psicologia do desenvolvimento, vol. 1 São Paulo: EPU, 1981. REIS, I. O. Projeto Vilas Rurais, Programa Gestão Publica e Cidadania. Obtido via internet em:inovando.fgvsp.br/conteudo/documentos/20experiencias1997/14%20-%20vilas.pdf, 2008 RIBEIRO, S. A. O viver e o brincar de crianças no contexto rural. In: I Congresso Internacional Pedagogia Social. Anais eletrônico faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.obtido via internet em: www.scielo.br, 2007. SOUZA, E. L. A literatura regional e a representação da infância rural. Obtido via internet em www.cchla.ufpb.br/paraiwa/05-emilene.html , 2008. WADSWORTH, B. J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget, São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.
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O IDOSO EM AMBIENTE DIFERENCIADO E SUA FORMA DE REPRESENTAÇÃO
Angélica Aparecida Valenza¹
Hugo Pires Junior ² ¹ Discente do Bacharelado em Psicologia do Centro Universitário de Maringá – Cesumar; Maringá – Paraná; E-mail: [email protected]; Bolsista do: PIBIC/CNPq. ² Orientador docente do Bacharelado em Psicologia do Centro Universitário de Maringá – Cesumar; Maringá – Paraná; E-mail: [email protected]. Palavras-chave: Terceira idade, representação social, vila rural. Introdução
Este trabalho produziu dados a respeito da situação do idoso em ambiente diferenciado
(vila rural) e é parte das atividades do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Humano,
Ambiente e Sociedade: Pesquisa e Intervenção. Esse grupo, apoiado na Psicologia Sócio-
Ambiental, procura investigar a relação entre indivíduo/ambiente, considerando o indivíduo
como o agente de transformação do seu meio ao mesmo tempo em que sofre influência e tem
seus comportamentos e experiências alteradas por este mesmo meio. Direcionar o foco da
pesquisa sobre o idoso e suas vivências em ambientes diferenciados, representado pelas vilas
rurais que se transformam em fronteira entre o urbano e o rural sendo povoada por indivíduos
com vida direcionada ao campo, mas que recebem benefícios das cidades, parece ser
relevante, principalmente quando se observa o aumento desta população no Brasil. Esta
pesquisa tem o objetivo de caracterizar as representações sociais predominantes para a
formação da concepção de idoso, visando compará-las com a percepção do próprio idoso.
Para compreender a representação do idoso para ele e para essa sociedade, será usada a teoria
das representações sociais. A representação é sempre uma representação de alguma coisa ou
de alguém. Ela torna possível a reconstrução do real através da interpretação dos elementos
constitutivos do meio-ambiente, em uma dimensão ordenada e significante para os membros
de uma comunidade determinada. Esta interpretação da realidade é traduzida em um conjunto
lógico do pensamento que vai constituir a visão de mundo para uma certa coletividade
MOSCOVICI (1961) apud MOREIRA (2001). As representações sociais são criadas por
grupos (no caso a comunidade) e não individualmente, ao longo da existência e experiência
intrapessoais, levando cada sujeito a uma interpretação diferenciada, que se atraem e se
repelem, gerando novas representações enquanto as velhas são deixadas de lados ou
“morrem” (MOSCOVICI, 2003).
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Método
Esta pesquisa teve caráter qualitativo-descritivo, visando à compreensão e
interpretação dos fatos e informações que foram levantadas em um estudo de campo. A
análise se sustentou no referencial sócio-histórico e também dentro da teoria das
representações sociais. A amostra acidental (é aquela na qual os sujeitos são determinados
acidentalmente, ou seja, os primeiros elementos que são identificados são utilizados como a
amostra da pesquisa), constituída por 12 indivíduos, se caracterizou por: seis idosos, três do
sexo masculino e três do sexo feminino e seis adultos da comunidade acima de 25 anos, sendo
três do sexo masculino e três do sexo feminino, todos residentes em vila rural. Como
instrumento para obtenção de dados, utilizou-se a entrevista por pautas. A entrevista por
pautas apresenta certo grau de estruturação, já que se guia por uma relação de pontos de
interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso. As pautas devem ser
ordenadas e guardar certa relação entre si. O entrevistador faz poucas perguntas diretas e
deixa o entrevistado falar livremente à medida que se refere às pautas assinaladas. Quando
este se afasta delas, o entrevistador intervém embora de maneira suficientemente sutil, para
preservar a espontaneidade do processo (GIL, 1999). A coleta de dados foi realizada pela
pesquisadora no decorrer de três visitas à vila rural, sendo as informações gravadas com a
ajuda de um gravador e transcritas na íntegra. Em seguida, os dados obtidos com os 12
indivíduos entrevistados foram organizados para análise e discussão em duas categorias de
acordo com o objetivo da pesquisa: a) opinião do idoso sobre o que ele representa para a
comunidade e, b) opinião da comunidade sobre o que o idoso representa para ela. Para
compreender a representação do idoso para ele e para essa sociedade, foi usada a teoria das
representações sociais de MOSCOVICI (1961) apud MOREIRA (2001).
Resultados
Nos quadros das categorias estão destacadas as evocações das palavras com cores
diferentes e numeradas pela quantidade em que se repetem.
a) A opinião dos 6 idosos sobre o que eles representam para a comunidade da vila rural: S. 1 É uma coisa bem esquisita (1) da gente explicar; Eu tinha tanto medo (1), aquela
cisma (1) de viver depois de velho; Agora está melhor (1) do que quando era mais moço, a gente tem mais liberdade (1); A gente faz o negócio da gente, a gente toca o barco conforme a gente gosta; Pros idoso hoje está bem mais fácil (1); Deus vai confortando a gente; A gente vive (1) e toca o barco pra frente; Luta (1) com a vidinha da gente.
S. 2 Não estou vendo diferença (1); Pra mim é a mesma coisa; Não mudei nada; Talvez...uma ajuda (1), porque tem muitos coitados (1) que não tem condições de fazer nada; Capaz de passar fome, não tem condições (1) de trabalhar, doente (1);
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Mesma coisa de ter vinte anos; Fazendo uma horinha extra; Isso aí é duro. S. 3 A gente vai chegando avançado; Vai chegando mais cansado (1); Mais fadigado;
Hoje se tem de tudo e mais difícil (1), mais poluído, mais violência, é o que tem. S. 4 Muita velhice (1); É pior (1), porque eu não tenho força (1), eu perdi minha força (2);
Dependo (1) dos outros; Os outros que me leva; Eu sou doente (1) das pernas; Eu to com osteoporose.
S. 5 É a coisa mais linda que eu já vi no mundo; Eu sou feliz (1) por estar aqui; Deus é maravilhoso com os idosos; Tem idoso que gosta de ficar em festa, é clube; Eu gosto de ser idosa no meu canto, sou mais caseira.
S. 6 O que a gente passou (1), o que a gente já sofreu (1); Porque a gente já sofreu (2) demais da conta; Mais gosta ou não gosta, fazer o que, agora já ficou, fazer o que?
b) A opinião dos 6 adultos da comunidade sobre o que os idosos representam para eles. S. 1 Como um ponto muito de referência (1); Porque eles têm muitas qualidades (1); Tem
pessoas antigas que hoje ainda trabalham e são responsáveis (1) por família ainda; Eles passam pra gente muitas coisas boas (1), porque na verdade eles têm muita experiência (1); Um ponto de referência (2) pra gente.
S. 2 Meu patrão deu muita chance (1) pras pessoas mais velhas; Eu já gosto (1) das pessoas mais velhas; O diálogo que a gente conversa com eles é mais avançado; A gente já aprende (1) muita coisa.
S. 3 Uma coisa importante (1); Aprende (2) com ele; Porque eles tem uma certa bagagem (1), tem uma experiência (2) de vida maior; E muitas coisas eles podem passar pra gente; Tenho dó (1) de muitas pessoas, da situação (1), muitos abandonados (1); Tem pessoas que abandona, as vezes no asilo (1); Deveria dar um pouquinho mais de atenção (1), porque queira ou não, eles são exemplo de vida (1).
S. 4 Igual a todos (1); A gente tem que cuidar (1) muito da pessoa, ter muito respeito (1), ter muito carinho (1), cuidado (1); Porque a vida ele já viveu; Ele tem muita experiência (3) pra passar pra gente.
S. 5 Uma pessoa importante (2); Pode ajudar (1) de muitas formas. S. 6 Um exemplo de vida (2); Você vai sempre levar alguma coisa deles; Você vai sempre
se espelhar (1) em alguém mais velho que você; A geração nossa hoje, são os futuros velhinhos de amanhã.
As palavras mais evocadas são as que fazem parte do núcleo central, as menos
evocadas pertencem ao sistema periférico, enquanto as demais são consideradas
intermediárias. Isto considerando que quanto mais aparecem mais estáveis estão no discurso
social. O núcleo central tem uma função geradora e organizadora, ou seja, ele é o elemento
pelo qual se cria, ou se transforma a significação dos outros elementos constitutivos da
representação tomando um sentido, um valor. Em torno dele organizam-se os elementos
periféricos da representação que, provendo a interface entre a realidade concreta e o sistema
central, atualizam e contextualizam as determinações normativas do núcleo central. Ou seja,
com relação a sua função organizadora, é o núcleo central que determina a natureza dos laços
que unem entre si os elementos da representação. Ele é o elemento unificador e estabilizador
da representação.
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Representação das palavras por categorias: Nesta figura é ilustrada a representação das
palavras por categoria da opinião do idoso sobre o que ele representa para a comunidade e da
opinião da comunidade sobre o que o idoso representa para ela, partindo do eixo central ao
periférico.
Assim, o núcleo central é determinado, por um lado, pela natureza do objeto representado;
por outro lado, pela relação que o indivíduo mantém com esse objeto. Ele é um subconjunto da
representação constituído por um ou vários elementos, cuja ausência desestruturaria ou daria uma
significação diferente à representação em seu conjunto. Uma representação é suscetível de evoluir
e de se transformar superficialmente por uma mudança do sentido ou da natureza de seus
elementos periféricos. Mas ela só se transforma radicalmente (muda de significação) quando o
próprio núcleo central é posto em questão.
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Discussão dos resultados
Os dados indicam percepções dos idosos a respeito da terceira idade como algo ou
“coisa esquisita de explicar”, demonstram sentimentos de “medo, cisma de viver depois de
velho”; Percepções sobre “idade avançada, se sentem mais cansados, dependência de outros
para realização de tarefas simples”, “o quanto sofreram e agora se conformam com a chegada
à terceira idade”. Segundo a pesquisa Idosos no Brasil - vivências, desafios e expectativas na
3ª idade 2007, de modo geral a imagem da velhice é mais negativa que positiva, sobretudo na
perspectiva da população idosa, que percebe tantos aspectos negativos quanto positivos em
sua condição. Os resultados da pesquisa ainda apresentam percepções dos idosos, que indicam
compreender a vida como “mais fácil, com maior liberdade” não percebendo diferenças em
relação à idade, pois “trabalham como sempre trabalharam”, sentindo-se jovens “como se
tivessem vinte anos”. Esse dado pode ser comparado ao dado da Pesquisa Idosos...2007, onde
os idosos avaliam que ser da Terceira Idade hoje é melhor do que já foi ser idoso ou idosa na
época em que eram mais jovens. A pesquisa Idosos...2007, mostra a consciência de que
existe um forte preconceito social contra a pessoa idosa, enquanto os resultados dessa
pesquisa deixam evidente que para os indivíduos da comunidade da vila rural, a pessoa idosa
é um ponto de referência, pela experiência de vida, pelo esforço de se manter ativo porque
“muitos ainda trabalham e são responsáveis pela família”. E quando se menciona a questão do
trabalho, esse dado se assemelha a pesquisa Idosos...2007, que mostra que ainda a maior parte
da população idosa vive em núcleos familiares, partilhando da companhia de esposa (no caso
dos homens idosos), filhos (idosos e idosas) e muitas vezes netos, sendo, em grande parte,
responsável pelos cuidados com eles. Participam ativa e economicamente na vida da família,
sendo boa parte das vezes o chefe ou um dos principais provedores e ajudando a família,
ainda que dela também dependam, sobretudo para atividades fora de casa. Para as pessoas da
comunidade da vila rural, os idosos são pessoas importantes; são trabalhadores e aprende-se
muito com eles, passam coisas boas por terem certa bagagem; são exemplo de vida e afirmam
que “a gente sempre vai se espelhar em alguém mais velho”. O contrário da pesquisa
Idosos...2007, que mostram no entanto, que as opiniões das pessoas idosas, são menos
solicitadas, muito embora a freqüência com que opinam nas decisões familiares seja
considerada satisfatória pela maioria.
Conclusão
Os dados permitem concluir que apesar da variação apresentada nas categorias em
análise é possível evidenciar representações sociais positivas em relação à presença do idoso
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na comunidade da vila rural em questão. A presença das expressões evocadas leva a
percepção de posições estáveis do idoso no discurso social, podendo concluir que as
representações sociais são ao mesmo tempo estáveis e móveis, rígidas e flexíveis, entretanto
marcadas por fortes diferenças interindividuais.
Referências
CAMPOS, Luiz Fernando de Lara. Métodos e técnicas de pesquisa em psicologia. 3ª ed. Campinas: Alínea, 2004. GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. KACHAR, Vitória. Terceira idade & informática: aprender revelando potencialidades. São Paulo: Cortez, 2003. LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social. 22 ed. São Paulo: Brasiliense, 2002. MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Trad. Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2003. MOREIRA, Antonia Silva Paredes (Org.). Representações sociais: teoria e prática. João Pessoa: Universitária, 2001. NERI, Anita Liberalesso; DEBERT, Guita Grin. Velhice e sociedade. Campinas: Papirus, 1999. NERI, Anita Liberalesso (Org.). Qualidade de vida e idade madura. 3ª ed. Campinas: Papirus, 1993. PINHEIRO, José Q; et al; org. TASSARA, Eda Terezinha de Oliveira. Programas interdiciplinares para uma psicologia ambiental do urbano. São Paulo: EDUC; FAPESP, 2001. REIS, Iraci Ozéas dos. Projeto vilas rurais. São Paulo: Programa de Gestão Pública, 1998. SANTISO, Teresa Porcile. Terceira idade: tempo para viver. São Paulo: Paulinas, 1983. VENTURI, Gustavo. Pesquisa idosos no Brasil - vivências, desafios e expectativas na 3ª idade. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; SESC. Obtido via internet, http://www2.fpa.org.br, 2007.
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O NEXO CAUSAL ENTRE O SOFRIMENTO PSÍQUICO E O TRABALHO
Aline Cristina Trentino Bacharel em Psicologia – Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI) E-mail:[email protected]
Cassiano Ricardo Rumin Especialista em Saúde Pública (FCF-Unesp) – Mestre em Ciência Médicas (FMRP-USP) Docente das
Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI) E-mail: [email protected]
Palavras-chave: Psicopatologia do Trabalho; Saúde Mental; Saúde do Trabalhador INTRODUÇÃO
Neste trabalho serão discutidas as possibilidades de manifestações de sofrimento
psíquico desencadeadas em razão da execução de atividades produtivas. Para isto serão
apresentados dois estudos de caso que podem contribuir para a compreensão do sofrimento
psíquico determinado pelas ações profissionais.
As concepções teóricas entre saúde mental e trabalho destacam distintas situações
onde o modo de organização do trabalho e suas condições são determinantes para a
manifestação de agravos à saúde mental. Neste sentido, discutem-se quais elementos
compreenderiam os fenômenos psicopatológicos ligados à atividade produtiva. Diante
disso, a relação estabelecida entre trabalho e saúde psíquica tem sido considerada sob
diferentes aportes teóricos. Assim, torna-se pertinente abordar distintas definições de
sofrimento psíquico. De acordo com Borges e Argolo (2002, p.272) assim definem saúde
mental:
A definição de saúde mental na perspectiva clínica ou epidemiológica dá-se por presença de sintomas que classifiquem uma situação de mau funcionamento psíquico com alterações em alguma das seguintes áreas: personalidade, pensamento, percepção, memória, inteligência, etc. Porque o sofrimento psicológico requer uma auto-referência ou indicação de pessoas próximas que percebam modificações no comportamento, assim como exames clínicos que atestem o tipo de afecção a ser detectada.
A partir do momento em que se discute a saúde mental relacionada ao trabalho é
importante destacar que o indivíduo submetido às relações produtivas, logo, se submete a
condições de desgaste físico, exigências psíquicas e conflitos nas relações interpessoais.
Assim, se entende que o trabalhador fica exposto a componentes agravantes de sua saúde
mental e que as condições e a organização do trabalho influenciam intensamente o desgaste a
saúde mental. A Psicodinâmica do Trabalho enfatiza esta concepção ao definir que:
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O sofrimento começa quando a relação homem-organização do trabalho está bloqueada; quando o trabalhador usou o máximo de suas faculdades intelectuais, psicoafetivas, de aprendizagem e de adaptação. Quando um trabalhador usou de tudo que dispunha de saber e de poder na organização do trabalho e quando ele não pode mais mudar de tarefa: isto é, quando foram esgotados os meios de defesa contra a exigência física. Não são tanto as exigências mentais ou psíquicas do trabalho que fazem surgir o sofrimento (se bem que este fator seja evidentemente importante quanto a impossibilidade de toda evolução em direção ao seu alívio). A certeza de que o nível atingido de insatisfação não pode mais diminuir marca o começo do sofrimento (DEJOURS, 1992 p. 52).
Por estas razões neste trabalho discutiu-se as relações entre a atividade produtiva e
os componentes psicodinâmicos que contribuiriam para a manifestação de sofrimento
psíquico em trabalhadores.
OBJETIVO
Esta pesquisa tem como objetivo investigar as manifestações de sofrimento psíquico
em trabalhadores afastados das atividades produtivas.
METODOLOGIA
Adotou-se como metodologia o estudo de caso de dois indivíduos afastados do
trabalho em razão de agravos à saúde mental. Estes indivíduos foram entrevistados a partir de
roteiro de entrevista semidirigida e o conteúdo foi analisado conforme as proposições da
psicopatologia e psicodinâmica do trabalho. A entrevista semidirigida permitiu a expressão do
discurso subjetivo do trabalho (Dejours, 1999). Assim, pudemos averiguar a materialização de
vivências conflituosas que contribuiriam para o adoecimento.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caso A
O caso A foi diagnosticado pelo serviço público de saúde como transtorno
adaptativo (CID X–F.43.2). O entrevistado A destacou como componente de seu adoecimento
um evento “que ocorreu num carro forte” e, posteriormente, sua alocação como vigia de uma
agência bancária.
Em sua concepção estas foram situações determinantes para suas vivências
depressivas que culminaram com o desejo de suicídio. Como trabalhava cotidianamente com
uma arma, as condições de trabalho poderiam facilitar este intento. Em seu discurso verifica-
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se uma situação traumática obscura ocorrida no transporte de valores que pode se caracterizar
como episódio de violência ou transgressão a lei. Assim, suas vivências depressivas poderiam
se caracterizar como um Transtorno Pós-Traumático.
Ainda, destaca-se que o conteúdo significativo da tarefa foi completamente alterado
com a troca de posto de trabalho. Anteriormente, atuava numa função que envolvia circulação
territorial e caracteres fálicos estariam mobilizados na execução do transporte de valores
financeiros. Como vigia de uma agência bancária pode ter ocorrido um esvaziamento do
conteúdo significativa da tarefa e o trabalhador vivenciou uma humilhação social em razão do
rebaixamento de salário e atividade profissional nas ações de vigilância.
O entrevistado A relata em vários momentos a vontade que possuía de trabalhar na
Polícia, sonho este não realizado, pois, o próprio entrevistado indicado que foi interrompido
por terceiros no local que trabalhava de segurança em um Banco. Deste modo, nota-se um
distanciamento do investimento libidinal da identidade profissional constituída.
Nesta perspectiva, haveria uma ruptura entre a identidade profissional e as relações
desejantes. Pode-se considerar que e o desejo de morte derivaria do direcionamento da
agressiva contra o próprio ego. Conforme a proposição de Seligmann-Silva (1986), sobre o
desejo de morte entre trabalhadores desempregados, a impossibilidade de dirigir a
agressividade a um objeto difuso e onipotente representado pela organização do trabalho
determinaria a direção desta agressividade contra os componentes das relações sociais do
trabalhador ou o seu próprio ego.
Caso B
A entrevistada B recebeu o diagnóstico de esquizofrenia paranóide (CID X–F.20.0).
Quando questionada sobre o sofrimento psíquico, diz que o início se deu na época que
trabalhava em um supermercado. A entrevistada B indica, na descrição de seu cotidiano de
trabalho, a exposição a um intenso volume de trabalho com reduzidas possibilidades de
descanso remunerado. Assim, como no caso de Carlos, descrito por Lima, Assunção e
Francisco (2002), em que o trabalho alienante e repressivo causou efeitos nefastos ao sujeito,
notamos que, para a entrevistada, os mecanismos de controle, o risco, e a responsabilidade
sobre terceiros, exerceram uma forte ação tensiógena.
Os relacionamentos interpessoais, especialmente aqueles que ocorrem entre
subordinados e chefia, também emergem como fonte de tensão e sofrimento, fazendo parte
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dos fatores que compõem o que designa-se como organização patogênica do trabalho
(Dejours, 1992).
Apesar do diagnóstico de esquizofrenia paranóide, a entrevistada apresentava-se
com a fala organizada, articulava objetivamente as relações temporais, definia suas
possibilidades de engajamento a novos postos de trabalho e relatou desconfiança quanto ao
diagnóstico de esquizofrenia. A verificação de componentes psicodinâmicos que poderiam
contribuir para a manifestação de sofrimento psíquico indicou o trabalho realizado em
solilóquio, com elevada responsabilidade e incerteza quanto suas ações e uma condição
externa de realidade que constantemente aludia punições as falhas na ação produtiva. Estas
características psicodinâmicas posicionavam a entrevistada numa relação conflituosa entre
onipotência e impotência que contava com a severidade das ações de controle materializadas
pelas punições. Deste modo, mecanismos defensivos como a idealização, a negação e a
projeção passariam a ser utilizados maciçamente. Neste conflito, poderia ter emergido a cisão
identitária e decorrido as formações delirantes diagnosticadas como esquizofrenia sem
considerações sobre a proposição freudiana da psiconeurose de defesa denominada Paranóia.
CONCLUSÃO
Concluí-se que para o caso A não houve uma delimitação dos elementos
psicodinâmicos componentes do agravo à saúde mental. A definição do transtorno adaptativo
não define o nexo causal entre o trabalho e o sofrimento psíquico e focaliza sobre o indivíduo
a incapacidade para adaptar-se ao trabalho. Já para o caso B não houve o reconhecimento do
nexo causal entre saúde mental e trabalho. O diagnóstico de esquizofrenia paranóide
descaracterizou a relação entre o agravo à saúde e as relações de trabalho e, ainda, destaca-se
a concepção da presença de formações delirantes como elemento determinante para o
diagnóstico de esquizofrenia paranóide.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
BORGES, L.O; ARGOLO, J.C.T. Estratégias organizacionais na promoção de saúde mental do indivíduo podem ser eficazes? In: CODO, W. Saúde Mental e Trabalho: leituras. Petrópolis: Vozes, 2002. DEJOURS, C. A Loucura do Trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez, 1992. ___________. A banalização da Injustiça Social: Rio de Janeiro: FGV, 1999. LIMA, M. E. A.; ASSUNÇÂO, A. Á; FRANCISCO, J. M. S. D. Aprisionado pelos ponteiros de um relógio: o caso de um transtorno mental desencadeado no trabalho. In: CODO, W.; JACQUES, M.G. Saúde mental e trabalho: leituras. Petrópolis: Vozes, 2002.
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SELIGMANN-SILVA, E. Crise econômica, trabalho e saúde mental. In: ANGERAMI. V. A. Crise, trabalho e saúde mental no Brasil. São Paulo: Traço, pp.54-131, 1986.
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