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ALGARVE INFORMATIVO #63 1 LÍDIA JORGE veio a Albufeira falar de Cultura, do Amor e de Angola DIA DE CASTRO MARIM MUSEU DO TRAJO FILIPE DA PALMA FADO EM TAVIRA ALGARVE INFORMATIVO WWW.ALGARVEINFORMATIVO.BLOGSPOT.PT #63

ALGARVE INFORMATIVO #63

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Revista semanal de http://algarveinformativo.blogspot.pt/

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LÍDIA JORGEveio a Albufeira falar de Cultura,do Amor e de Angola

DIA DE CASTRO MARIMMUSEU DO TRAJOFILIPE DA PALMAFADO EM TAVIRA

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A mesquinhez dos anti-heróisDaniel Pina - 10

O Algarve é mais Algarve aquém e além agosto!Paulo Cunha - 34

Chegou o Verão, e então?Há Mar e Mar, há ir e não voltar!

Augusto Lima - 38

E se comemorássemos o Dia da Cidade?!José Graça - 36

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Lídia Jorge - 54Castro Marim - 12

Museu do Trajo - 40

Filipe da Palma - 66

Concurso de Fado de Tavira - 24

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Comecei a semana numa tertúlia com Lídia Jorge ehouve uma consideração da conceituada escritoraalgarvia que caiu que nem ginja na semana que

vivemos. Disse a autora que Portugal continua a ter umaestrutura cultural básica bastante arcaica, o que a tornavulnerável a ser colonizada, e assim se entende a famosamáxima «santos de casa não fazem milagres» e afamigerada noção de que aquilo que vem de fora é melhordo que aquilo que temos, de que os outros são melhoresdo que nós.

Ainda durante o serão literário, Lídia Jorge considerouque esta falta de crença nas nossas capacidades, no nossovalor intrínseco, foi fruto das décadas de ditadura em quePortugal viveu mergulhado durante o Estado Novo, queesmagou a vontade dos portugueses, a sua autoconfiança.E, por isso, não acreditamos em nós. Pior ainda, souobrigado a admitir que por vezes somos mesquinhos,rancorosos, invejosos.

Como nos julgamos inferior aos outros, temos inveja dosfeitos dos nossos vizinhos, seja daqueles que vivem dooutro lado da rua, seja do outro lado da fronteira.Levamos a mal que eles tenham sucesso onde nós nãoconseguimos, umas vezes porque falhamos, outras vezesporque, simplesmente, nem sequer tentamos. E somosmesquinhos, rápidos a criticar, a usar da má-língua, aapontar defeitos aos outros, quando eles existem, mastambém quando não existem. E esta semana tivemos umepisódio que atesta na perfeição esse traço que seinfiltrou na nossa personalidade no século XX e que teimaem não desaparecer.

De um lado a nossa figura desportiva principal, umatleta cujo valor é reconhecido em todo o planeta, comuns a considerá-lo o melhor do mundo naquilo que faz,outros a entender que é apenas o segundo melhor. Comose ser o segundo melhor do mundo já não fosseigualmente positivo para um cidadão dum pequeno paíscomo Portugal. Do outro lado, um órgão de comunicaçãosocial que personifica e fomenta o pior que temos de nós,essa tal mesquinhez, inveja, rancor, um jornal, agoratambém canal de televisão, que se preocupa apenas ematirar pedras a figuras públicas, sem se preocupar se estáa atingir a pessoa certa ou se há sequer motivo para atiraressa pedra. O que interessa é haver sangue, na primeirapágina do jornal ou abrir o noticiário do horário nobre.

Infelizmente, Portugal tem a sua quota-parte deheróis, mas também de anti-heróis. Aqueles quecontinuarão sempre a defender que Cristiano Ronaldonão chega aos calcanhares de Leonel Messi. Aquelesque, por exemplo, diriam que Luís de Matos é umacópia barata de David Copperfield. Aqueles queconsiderariam que Herman José é uma imitação rascade Jerry Seinfeld. Raios, esses mesmos provavelmentediriam que Amália Rodrigues cantava mais ou menos,mas que a Adele é a Adele. Pessoas que, por muitobons que sejam os portugueses, encontram semprealgum estrangeiro que seja mil vezes melhor.

Apesar de tudo, Portugal continua a produzir heróistodos os dias, uns mais mediáticos do que outros, masexcelentes nos seus ramos de atividade. Temos umaSandra Correia, que já foi considerada a melhorempresária da Europa e que todos os anos ganhaprémios com a sua PELCOR e a cortiça de São Brás deAlportel. Temos uma start-up criada por Ricardo ViceSantos, um jovem que desenvolveu o ROGER, umaaplicação já presente em milhões de smartphones ecom um brilhante futuro pela frente nas novastecnologias. Temos um milagre da ciência made inHospital de São José, um bebé que nasceu saudáveldepois de ter estado em gestão com a mãe em mortecerebral durante 15 semanas. Uma história que pareceum filme de Hollywood, alguma vez nos passaria pelacabeça que uma nova vida pudesse ser criada nestascondições? Mas aconteceu, e em Portugal.

Estes casos, como não são tão mediáticos ou nãosuscitam as tais invejas e rancores, não geraram osseus anti-heróis, mas os nossos artistas de maiorprojeção estão sempre sujeitos a comparações semsentido, motivadas apenas pela mesquinhez que aindaperdura em muitos portugueses. Uma postura que emnada motiva as novas gerações para se excederem,para serem os melhores naquilo que fazem, quandotodos os dias têm que lutar contra a falta deinvestimento na Cultura, Educação e Ciência. Depois,admiram-se quando os melhores preferem emigrar,estes não por falta de oportunidades de trabalho emPortugal, mas por não verem o seu mérito reconhecidopelos seus conterrâneos .

A mesquinhez dos anti-heróisDaniel Pina

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Castro Marim festejou, no dia 24 de junho, o seu feriado municipal, com umprograma marcado por música de qualidade, a distinção a personalidades, jovensem destaque e melhores alunos do concelho e a inauguração do Espaço EME e daexposição «Alm’Algarvia».

Texto: Fotografia:

Castro Marim assinaloumais um Dia do Município

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Os festejos do Dia Municipal de Castro Marim arrancaram logo nodia 23 de junho, com a inauguração, no mercado local, daexposição de trabalhos da Universidade do Tempo Livre Desfile«Atelier Arte & Património», e com a entrega de prémios doConcurso de Mastros Populares. A festa prosseguiu, a partir das

20h, com o grande Arraial de São João, na Praça 1.º de Maio.

A manhã do feriadomunicipal, 24 de junho,começou com a habitualalvorada pela BandaMusical Castromarinensee o hastear da Bandeirano edifício dos Paços doConcelho. Às 10h foicelebrada uma missasolene na Igreja Matriz e,uma hora depois, tiveraminício as cerimóniasoficiais no Auditório daBiblioteca Municipal, coma realização da SessãoSolene, onde foramhomenageados osmelhores alunos de cadaturma e os jovens talentosque se destacaram a nívelnacional, no âmbito deconcursos.

Na ocasião, FranciscoAmaral, presidente daCâmara Municipal deCastro Marim, enalteceuas virtudes de umconcelho que vai daecológica Ribeira daFoupana às belas praiasdo litoral, e do concelhode Tavira ao formoso Rio

Francisco Amaral, presidente da Câmara Municipal de Castro Marim

José Luís Afonso Domingos, presidente da Assembleia Municipalde Castro Marim

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Guadiana. “Um municípioque deve orgulhar os seusfilhos e os seus amigos eque tem tudo para nosencantar, além de umagente boa e hospitaleira quesabe receber bem osvisitantes”, afirmou o edil,aproveitando para fazer umabreve síntese dasdificuldades sentidas e dosêxitos alcançados nestesquase três anos de mandato.

E, nesse sentido,relembrou que, face à novaLei das Finanças Locais, a Leidos Compromissos e a criseque se instalou em Portugal,os municípios passaram,todos eles, por dificuldadesaté aqui nunca sentidas. “Osorçamentos reduziram-se,em média, para metade doseu valor, a concretizaçãode obras dificultou-se e acolocação de novosfuncionários camaráriostornou-se praticamenteimpossível. Ouvindo oscastromarinensespermanentemente, tendosempre a porta aberta acada um, inteirei-me dasmaiores dificuldadessentidas pela maioria dapopulação”, frisou FranciscoAmaral.

O autarca destacou que as

Miguel Carvalho com José Luís Afonso Domingos

Filomena Sintra, vice-presidente da Câmara Municipal de CastroMarim, com Elias Rodrigues Nunes

Hugo Madeira com Nuno Pereira, vereador da Câmara Municipalde Castro Marim

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prioridades foramrapidamente definidas eque têm sidoescrupulosamentecumpridas, referindo-se aoapoio às famílias com maisdificuldades e que foramatingidas pelo flagelo dodesemprego, “que noslevou a fazer protocolosfinanciados pelo municípiocom as instituições desolidariedade social e quepermitiu a contratação demuitos desempregadosatravés de programasocupacionais”. “Por outrolado, face ao eminentedesalojamento de váriasfamílias, apoiámos opagamento doarrendamentohabitacional”, acrescentou.

No que concerne às obras,o executivo municipal deuprioridade à colocação deágua domiciliária e potávela mais de meia centena depovoações que ainda eram abastecidaspor fontenários com água não potávele que, nos meses Verão, praticamenteficavam sem água. “Esta situação deveenvergonhar qualquer autarca empleno século XXI numa Europacivilizada. Já resolvemos algumasdessas situações, no Cerro do Enho,Campeiros, Alcarias Grandes, Cabeçoda Junqueira, Monte Novo, NoraNova, Nora Velha, Casa Nova, Monte

das Pereiras e Alta Mora, e sódescansaremos quando todos osmunícipes tiverem água potável nassuas casas”, salientou FranciscoAmaral.

O responsável recordouigualmente que o estado de muitasestradas e arruamentos do concelhoé calamitoso e que nem sequerexistiam projetos de pavimentação,

João Pereira com Carlos Nóbrega

Miguel Rodrigues Pereira com Francisco Amaral

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cenário que foi sendo alterado nodecorrer destes anos, nomeadamente navila, aldeias e nas povoações maiores.“Concretizámos várias obras, a estradados Fortes, o Edifício Multifuncional deEmpresas de Castro Marim, a Casa doSal, a requalificação do Mercado deCastro Marim e de Altura, apavimentação da estrada de acesso àPraia Verde e da Rua Dr. José AlvesMoreira, em Castro Marim, osarruamentos na Foz de Odeleite, oacesso à Unidade de CuidadosContinuados do Azinhal, a instalação docais acostável, a rotunda do cavaleiromedieval”, enumerou.

E como o futuro e desenvolvimento deCastro Marim passa pelo turismo e todasas atividades que com ele se relacionam,

direta ou indiretamente, FranciscoAmaral falou dos galardões BandeiraAzul, Praia Acessível e Qualidade deOuro atribuídos às praias do concelho,mas também do clima, dagastronomia, da beleza natural, doartesanato, das salinas, da segurança,da paz, da história, da cultura e dahospitalidade dos castromarinenses.“Torna-se fundamental criar cicloviase ligar a vila de Castro Marim a VilaReal de Santo António, à Praia Verde,à Altura, ao Monte Francisco, àReserva Natural do Sapal e àJunqueira, e estamos a desenvolveresses projetos, que avançarão paraobra mal haja financiamento. Poroutro lado, o autocaravanismoselvagem que sempre se praticou iráser disciplinado e rentabilizado com a

Vítor Neto, presidente do NERA, Francisco Amaral, presidente da Câmara Municipal de Castro Marim, Ana de Freitas,vice-reitora da Universidade do Algarve, e Álvaro Araújo, do Instituto do Emprego e Formação Profissional, na cerimóniade inauguração do EME

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criação de dois parques, um em Alturae outro na vila de Castro Marim, cujosprojetos estão em conclusão”,adiantou.

Mais projetos estão a serdesenvolvidos, casos da Praia Fluvial deOdeleite, da Estalagem de Odeleite, daampliação da Queijaria do Azinhal, darequalificação do Centro de Saúde doAzinhal, do Largo Paco de Lucia, noMonte Francisco, e do espaçoenvolvente à Casa do Sal, com parquede feira e outros equipamentos.“Estamos muito envolvidos eempenhados numa parceria com aassociação Cegonha Branca e com aSanta Casa da Misericórdia naconstrução do Lar de Altura e do Larpara doentes com Alzheimer emCastro Marim”, prosseguiu,sublinhando igualmente que o apoio aoempreendedorismo e aos empresáriostem sido um apanágio desta gestãoautárquica, dando o exemplo dodesbloquear do processo de ampliaçãodo Hotel da Praia Verde, que está afuncionar, atualmente, com o dobro dequartos e de funcionários.

A Saúde, Educação, Cultura eDesporto têm sido tambémdevidamente desenvolvidas noconcelho de Castro Marim, em estreitacolaboração com as instituições ecoletividades locais, o que levaFrancisco Amaral a acreditar estar-se nobom caminho. “Cumprindo ademocracia e respeitando cada um,estimulando a concórdia entre aspessoas, ouvindo todos e contando

com a oposição que positivamentequeira colaborar. Estamos a dar umcontributo importante para que,apesar das dificuldades sentidas,possamos tornar o concelho deCastro Marim mais apetecível, commais qualidade de vida e queorgulhe os seus filhos”, referiuFrancisco Amaral, garantindo quenão irá promover ou alimentar“guerras fratricidas que não levam alugar nenhum, ou ódios politiqueirosque só consomem os seusprotagonistas, sobrando poucotempo para fazer algo de útil pelodesenvolvimento de Castro Marim”.“Os tempos são de dar as mãos etrabalhar com os que connoscoquiserem colaborar, visando o

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interesse da maioria. Só assim seitrabalhar e sinto que a grande maioriada população está connosco. Estacaminhada está a ser possível com aparticipação ativa e sentida doscolaboradores do município, doscastromarinenses e dos amigos deCastro Marim”, finalizou.

Empreendedorismoe acordeão em destaque

Concluída a Sessão Solene, seguiram-se dois dos momentos altos destascomemorações: a inauguração doEdifício Multifuncional de Empresas(EME) de Castro Marim e a inauguraçãoda exposição «Alm’Algarvia», na Casa doSal, desenvolvida por uma equipa de

trabalho do município, em estreitaparceria com a Mito Algarvio. O EME,localizado no centro histórico da vilade Castro Marim, visa apoiar aconstituição de empresas quepretendam iniciar ou dinamizar a suaatividade, tendo por objetivo aincrementação do tecido económicolocal. “O EME surgiu da conjugaçãoda vontade de reabilitar umconjunto de prédios que aquiestavam devolutos com anecessidade de se criar um espaçomultifuncional, mediante as fontesde financiamento disponíveis.Verbas para reabilitação não havia,para sedes de associações ouempresas também não, e foi feito,no âmbito do INTERREG, em 2008,uma candidatura com um projeto de

Imagem da exposição «Alm’Algarvia», na Casa do Sal

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cooperação do qual fizeram parte umconjunto de entidades algarvias eespanholas”, recorda Filomena Sintra,falando de um investimento na ordemdos 700 mil euros, com a autarquiacastromarinense a entrar com 25 porcento desse valor.

A empreitada de requalificaçãoacabou por se tornar uma construçãode raiz com o intuito de ali surgir umpolo incubador de empresas, ondeficará instalada igualmente a empresamunicipal Novbaesuris. “Os demaisgabinetes vão ser objeto de umconcurso com um regulamento próprioe ficarão disponíveis para a instalação

de microempresas que interessemao concelho de Castro Marim.Queremos valorizar empresas dosetor primário, por exemplo, ligadasao sal e à agricultura, do setorsecundário e, finalmente, do setorterciário. Estas, apesar de estaremem terceiro lugar da hierarquia,poderão ser escolhidas em primeirolugar se tiverem um caraterempreendedor, inovador e com umgrande cunho de empregabilidadede jovens”, explicou a vice-presidente da Câmara Municipal deCastro Marim.

No fundo, trata-se de uma start-up

João Pereira, presidente da Mito Algarvio, Francisco Amaral, Filomena Sintra e Alexandra Gonçalves,Diretora Regional da Cultura do Algarve

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à escala do concelho de Castro Marim,mas que apoiará também empresas jáexistentes e que careçam de um espaçopróprio para se puderem projetar.“Também vamos ter escritórios virtuais,isto é, há muitas empresas que nãoprecisam de um espaço físico, masnecessitam de uma caixa de correio oude e-mail, de alguém que lhe tire umafotocópia ou receba uma encomenda,enfim, de uma sede social”, acrescentouFilomena Sintra, referindo ainda que oEME será gerido pela Novbaesuris. “Eacreditamos que as empresas sóprecisarão estar aqui cinco anos e que,depois, se tudo correr bem, já terãopernas para andar noutro local. Istosignifica que haverá sempre umarotação de empresas neste espaço”.

Já na Casa do Sal acompanhou-se ainauguração da exposição«Alm’Algarvia», que ficará patente atéao final de agosto, traz-nos a coleçãoparticular de acordeões de Vítor Faleiro,fundador da Associação Mito Algarvio,com um enquadramento histórico,mundial, nacional e regional.

Desenvolveram-seconteúdos,formularam-sepesquisas,filmaram-se 16diferentes registos eestilos musicais, emtodo o Algarve,concluindo-se assimuma exposiçãoetnográfica emusicológica,inédita na região,

inspirada numa coleção particular de30 instrumentos. No mesmo âmbito,a presença da oficina do Mestre JoséDomingos Horta, que constrói, deraiz, este instrumento musical queexprime tão bem a «alm’algarvia».

Ao final da tarde, decorreu a estreiado documentário «A Saberia na pontados dedos – o Mito do AcordeãoAlgarvio», na Biblioteca Municipal e oprograma das comemorações do 24de junho terminou no Revelim deSanto António, em Castro Marim, comdois grandes momentos musicais. Oprimeiro, pelas 21h, um concerto como Duo «Amar Guitarra», um projetode João Cuña e Luís Fialho, numdeslumbrante diálogo entre as suasguitarras em vários temas, originais ede outros autores, e em diversosestilos musicais. O último, pelas 22h,foi o concerto de Jorge Fernando, umdos maiores músicos e produtoresportugueses .

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Integrado no programa cultural «Viva a Primavera» realizou-se, a 18 de junho, afinal do I Concurso de Fado de Tavira, uma organização da Associação CulturalFado com História com o apoio da autarquia local. Uma noite calorosa, nofabuloso cenário da Praça da Restauração, nas margens do Rio Gilão, e queconsagrou Mickael Salgado como grande vencedor dum concurso que superou asexpetativas e cuja continuidade já está assegurada.

Mickael Salgado venceuI Concurso de Fado de Tavira

Texto: Fotografia:

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Mickael Salgado, Jorge Botelho, presidente da Câmara Municipal de Tavira, Virgílio Lança, presidente da AssociaçãoCultural Fado com História e Otília Cardeira, presidente da Junta de Freguesia de Cachopo

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Mafalda Vasques, 2ª classificada, com Virgílio Lança, presidente da Associação Cultural Fado com História

Ana Tareco, 3ª classificada, com Jorge Botelho, presidente da Câmara Municipal de Tavira

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Enquanto unsacabavam dejantar e outrosnão despegavamos olhos da

televisão para assistir aoempate entre as seleções dePortugal e da Áustria noCampeonato da Europa quese disputa em França, asbancadas montadas emplena Praça da República,em frente ao edifício daCâmara Municipal de Tavira,iam ficando preenchidas deresidentes e turistas paraacompanhar a final do IConcurso de Fado de Tavira.A iniciativa fazia parte doprograma cultural «Viva aPrimavera» dinamizado esteano pela primeira vez pelaautarquia tavirense, emcolaboração com asassociações do concelho, daíque o concurso de fadotenha passado primeiropelas seis freguesias destemunicípio do sotaventoalgarvio para se apurarem os13 finalistas que, na noite de18 de junho, iam mostrar osseus dotes de fadista.

Assim, por volta das 22h,fez-se silêncio que se iacantar o fado, numespetáculo apresentadopelos também fadistasPedro e Teresa Viola, querevelaram terem participadocerca de meia centena deconcorrentes provenientes

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Renato Néné

Elsa Jerónimo

Rui Baptista

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de todos os pontos dePortugal e com idadescompreendidas entre oscinco e os 96 anos. Equalidade era de esperar,até porque do júri faziamparte cinco fadistas – PedroViola, Teresa Viola, SaraGonçalves, EmanuelaFurtado e Márcio Gonçalves,a que se juntavam avereadora da CâmaraMunicipal de Tavira, AnaPaula Martins, e a vice-presidente da AssociaçãoCultural Fado com História,Elisabete Coelho.

Feitas as introduções, foihora de atuarem os 13concorrentes,designadamente RenatoNéné, Elsa Jerónimo, RuiBaptista, Mickael Salgado,Mafalda Vasques, CarlosFilipe, Cecília Valentim,Cecílio Santos, João Limpo,Ana Rato, Luís Saturnino,Ana Tareco e Alcino Bom.Conhecidos os finalistas, eenquanto os elementos dojúri somavam os pontos,cantaram Carlota Rodrigues,vencedora da vertenteinfantil do evento, bemcomo os jurados EmanuelaFurtado, Márcio Gonçalves,Sara Gonçalves, Teresa Violae Pedro Viola. Depois, foitempo de preencher opódio, com o triunfo a cabera Mickael Salgado, deCoimbra, Mafalda Vasques,

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Mickael Salgado

Mafalda Vasques

Carlos Filipe

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de Beja, a ficar em 2.º lugare Ana Tareco, também deBeja, a ocupar a 3ª posição.Os três vencedoresreceberam um prémiomonetário no valor de 500,200 e 150 euros,respetivamente, para alémde serem contratados paraseis espetáculos, um emcada freguesia do concelhode Tavira, durante esteVerão.

Tavira ao saborda cultura

Terminou em apoteosouma noite repleta deemoções, com o Rio Gilãonas costas e um céuestrelado por cima donumeroso público e JorgeBotelho, presidente daCâmara Municipal de Tavira,não escondia a satisfaçãoface ao êxito da primeiraedição deste concurso defado. “Tivemos aqui umamoldura humana com maisde 1500 pessoas, o queatesta o sucesso desteespetáculo de grande nível.Foram mais de duas horasde hino ao nossopatrimónio, o fado, mastambém PatrimónioImaterial da Humanidade eTavira demonstrou maisuma vez que sabe organizargrandes eventos e para

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Cecília Valentim

Cacílio Santos

João Limpo

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públicos diferentes”, frisou oedil, confirmando que,durante o Verão, haveráespetáculos praticamentetodos os dias na Praça daRepública. “É a nossa formade viver o Verão,aproveitando locais idílicos acéu aberto e os nossosfantásticos espaçosarquitetónicos e tudo issoleva a que as pessoas adirammuito mais aos eventos”.

E como estava prestes aterminar a primeira ediçãodo programa cultural «Viva aPrimavera», Jorge Botelhoaproveitou para fazer umbalanço extremamentepositivo da iniciativa. “Noinício do ano já tínhamospreenchido o nossocalendário de Verão, quearranca com as Festas daCidade, a 23/24 de junho, equisemos dinamizarigualmente a Primavera, até30 de junho, envolvendo asassociações locais”, explica oautarca, acrescentando que otecido associativo foi célere aaderir a este programacultural e com sugestõesbastante diversificadas,desde o jazz à dança, da artecontemporânea à poesia emúsica.

Foi nesse contexto quenasceu o I Concurso de Fadode Tavira, pelas mãos daAssociação Cultural Fado com

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Ana Rato

Luís Saturnino

Ana Tareco

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História, com o sucesso que jáse referiu, sendo agora omomento de avaliar todas asiniciativas. Há, contudo, já acerteza de que, em 2017,teremos nova edição do «Vivaa Primavera», logo a partir demarço e possivelmente comum reforço do orçamento,consoante a qualidade daspropostas apresentadas e daprópria situação financeira daautarquia na altura. “Odinheiro não é tudo, masajuda a enriquecer toda estapanóplia de eventos eafetaremos ao programa umadotação financeira condigna.Para além de envolver acomunidade cultural doconcelho, estas iniciativasatraem verdadeiramentepúblicos e é isso quepretendemos para combatera sazonalidade da região e doconcelho”, salienta JorgeBotelho.

Uma aposta claramenteganha, num processo quedecorreu de forma horizontale com o envolvimento dasassociações culturais deTavira, indo assim aoencontro do desejo destascontribuírem com umprograma feito por elas eassente na prata da casa.“Correu tudo muitíssimobem, as associações estãobastante motivadas paracontinuam a trabalharconnosco e nós queremos

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Alcino Bom

Carlota Rodrigues, vencedora da vertente infantil

Emanuela Furtado

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programar em conjuntoaquilo que é Tavira”,afirmou o presidente daCâmara Municipal,garantindo que a cultura éuma ferramenta essencialpara dinamizar ainda mais oAlgarve durante a épocabaixa.

Certo é que Tavira não vaiparar nos próximos meses,com junho a terminar aosabor dos festejos do Dia daCidade, com as encenaçõesda Moura Encantada, osArraiais de São João e oconcerto de Miguel Araújo.“A partir de 1 de julhocomeçam as «Cenas naRua» e as feiras temáticas,entre elas a Feira de Caça ePesca. Em agosto temosquatro concertos com oRodrigo Leão, a CucaRoseta, o António Zambujoe os «Deolinda» no Parqueda Cidade. Prosseguimoscom a Feira da DietaMediterrânica, de 1 a 4 desetembro, com umprograma alusivo à época euma grande manifestaçãocultural em honra dopadrão da comunidaderepresentativa da DietaMediterrânica. A finalizar oVerão temos a Semana daJuventude, para que osnossos jovens possamretomar as aulas em grandenível”, adiantou JorgeBotelho .

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Márcio Gonçalves

Sara Gonçalves

Rita Viola, Teresa Viola e Pedro Viola

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“Então e agora que toda a gente foi lápara «baixo» é que os senhores vêm cápara «cima»!?...”, é o comentário que

recorrentemente oiço quando me perguntam deonde venho, sempre que em agosto deambulocom a família pelo Portugal profundo edesconhecido. E a resposta que damos éinvariavelmente a mesma: “ Fugimos de tudoaquilo que nos fez precisar de ter férias!”.

Não é necessariamente a profissão que noscoloca em estado de esgotamento, fadiga oustress. Resultante de uma soma de fatoresexógenos que nos condicionam o quotidiano, anossa psique despoleta uma série de reaçõesfisiológicas que nos levam a precisar de procurarrefúgio em sítios em que a influência e aintervenção do homem são diminutas ou atéinexistentes.

Há mais de meio século a viver nesta provínciaabençoada pelo melhor que a natureza poderiaproporcionar, cedo percebi que uma simplessaída para o campo ou para junto do mar operavaum efeito calmante, regenerador e atéterapêutico no que ao meu bem-estar concerne.Percebi também que afastar-me das pessoas e,consequentemente, da excessiva carga negativaque transportam e emanam podia ser benéficopara a minha saúde e a dos “meus”. Volvidosestes anos concluí que não estou sórelativamente ao usufruto daquilo que o Algarvetem para oferecer: a sua natureza tal comosempre foi e continua a ser.

Um privilégio ao alcance dos autóctones quedurante quase onze meses têm ao seu dispor o

melhor que esta “ilha entalada entre Espanha, oAlentejo e o mar” nos tem para dar.Condicionados por um calendário escolar em queo mês de agosto se torna, na maioria dos casos, omês de todas as férias, grande parte dosportugueses desce ao Algarve no mês em que,afinal de contas, o Algarve é menos Algarve.

São as temperaturas excessivas; é a colonizaçãolinguística; são os preços inflacionados; são asfilas intermináveis para tudo e mais alguma coisa;é a falta de paciência e de civismo em situaçõesde grandes ajuntamentos; é a falta de espaçopara estacionar; é a ocupação quase selvática danossa zona de conforto na praia; é o uso indevidoe desrespeitoso de algum património natural eedificado; é o abandono temporário duma formade estar identitária em nome duma subserviênciamercantilista, a todos os níveis bacoca etacanha… enfim, razões mais do que suficientespara sair de cá (Algarve) no mês em que, pelomenos para mim, agosto não é a gosto.

Saio, mas volto… Sempre! Até porque o“paraíso mora à nossa porta” grande parte doano. Queiram e saibam os portugueses descobri-lo na devida altura, coisa que muitos estrangeirosaposentados que por cá moram já há muitotempo fizeram, e sentirão na pele e no coraçãotudo aquilo que aqui escrevo. Pode parecer umcliché ou até um chavão publicitário já estafado,mas: “O Algarve é mais Algarve aquém e alémagosto!” .

O Algarve é mais Algarve aquém e além agosto!Paulo Cunha

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Há municípios que celebram o dia da cidade evilas que comemoram o dia do município,outros deixam-se levar pelo calendário das

festividades locais de caráter sazonal e acumulam asfestas esquecendo o seu passado ou pouco fazendopara valorizar a sua história…

No Algarve, na falta de uma data comemorativa daunidade regional, os dezasseis concelhos (ou serámunicípios?!) assinalam tais efemérides da mesmaforma, alinhando as celebrações com as festas daEspiga (Loulé e Monchique) ou dos Santos Populares(particularmente do São João, como são os casos deCastro Marim e Tavira), numa tradição que remontaao Estado Novo, ou comemorando as datas deelevação a cidade (13 de maio – Vila Real de SantoAntónio, 7 de setembro - Faro e 11 de dezembro -Portimão)…

Albufeira comemora o seu feriado municipal no dia20 de agosto, data que simboliza a entrega da Carta deForal, em 1504, pelo rei D. Manuel I. Por outro lado,segundo José Varzeano, “Alcoutim até tem um feriadomunicipal sem data e sem qualquer significado!”

Em Aljezur, a data escolhida recai nas ancestraistradições dos povos locais, recriando o tradicionalbanho 29 na praia de Monte Clérigo ou noutra maisperto. Ainda acontece coisa parecida nas praias deCacela ou de Lagos, mas sem tal honra institucional.Em Lagoa, celebram-se a 8 de setembro asfestividades de Nossa Senhora da Luz. Mais abarlavento, em Vila do Bispo e Lagos, nos dias 22 dejaneiro e 27 de outubro, o Dia do Município écelebrado em honra dos respetivos padroeiros, SãoVicente e São Gonçalo de Lagos, que deu nome à novafreguesia urbana.

Em plena invasão francesa, o movimentorestaurador da soberania iniciou-se no dia do Corpo deDeus, em 16 de junho de 1808, tendo os olhanensesconseguido impor-se perante as forças napoleónicas.Também já lá vão uns aninhos, São Brás de Alportelcontinua a celebrar ou a elevação da freguesia aconcelho (1 de junho de 1914), marcando a suaindependência em relação a Faro!

Em Silves, em 3 de setembro, continua a celebrar-sea tomada da então capital do reino do Algarve aosmouros, não obstante Al-Mut’amid e Ibn Ammar

serem consideradas cada vez mais personagensincontornáveis da sua história.

No primeiro quartel do século XIV, a vila de Taviraera considerada a maior urbe do Algarve, suplantandoa cidade de Silves, devido ao crescimento económico edemográfico que apresentava, quando lhe é atribuídoo primeiro foral. No terceiro volume da sua História dePortugal, Joaquim Veríssimo Serrão considera-amesmo como a terceira cidade dos reinos de Portugale dos Algarves, apenas ultrapassada em dimensão eimportância política por Lisboa e Coimbra.

A então “Nobre e Leal Villa de Tavilla” foi elevada acidade a 16 de março de 1520 por D. Manuel I,confirmada por carta régia de D. João III de 10 denovembro de 1525 (trasladado no 1.º Livro deReforma dos Tomos da Câmara de 1733): "(…) fazemosa dita villa cidade e queremos e havemos por bem quedaqui em diante se chame cidade e como tal gouva detodallas honrras graças mercês previlegios Liberdadese franquezas(…)".

Segundo a carta régia de D. Manuel I, Taviramereceu o novo estatuto graças ao “mayorcrecimento e por ser considerada (…) huma dasprincipaes Villas de nossos Reynos e munto Povoadade fidalgos, Cavalleiros e outra gente de Mericimentoe que estão sempre aparelhados pêra nos serviremcom armas homens cavallos Navios e como por todasestas Rezoeis de Couza Justa que a dita villa façamos oacreçentamento de honra (…)".

Esta carta régia veio confirmar um estatuto que hámuito se vivia em Tavira. A demonstrá-lo existedocumentação no Arquivo da Misericórdia, datada demaio de 1513, onde Tavira já era designada comocidade. E, no futuro, que tal comemorarmoscondignamente mesmo este verdadeiro Dia daCidade?! .

NOTA – Poderá consultar os artigos anteriores sobreestas e outras matérias no meu blogue(www.terradosol.blogspot.com) ou na páginawww.facebook.com/josegraca1966

(Membro do Secretariado Regional do PS-Algarve eda Assembleia Intermunicipal do Algarve)

E se comemorássemos o Dia da Cidade?!José Graça

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Chegou o Verão, e então?Há Mar e Mar, há ir e não voltar!

Augusto Lima

Chegou o tão falado, almejado e efémeroVerão, o tal que todos os anos obriga anovas, algumas, contratações, firmadas

com acordo sazonal, alegando uma maiorafluência de clientes, mantendo bem presente opapão da precariedade. Pintaram-se portas eparedes, comprou-se mais meia dúzia decadeiras, investiu-se num armário frigorífico ouainda se mandou fazer umas Cartas novas, maismodernas…

Todos os anos, este ciclo se repete, devontades e esperanças renovadas para alguns ea certeza de uma lancheira cheia de euros, livresde impostos, para outros. E todos os anos vejogente boa, aficionados da Arte restaurativa compegas de cara, a pé, destemidos, virem morrerna Praia do descontentamento, na arena semplateia, sem as mesmas contrapartidas dostubarões que abundam neste mar deoportunidades clandestinas.

A crise trouxe o fecho de milhares deestruturas organizadas no leque da restauração.Se tenho algo a dizer? – Sim, tenho! Quelamento, mas que me agradou também. Nessetempo como agora, eram e são demasiados osque vendem comida e bebida.

Para quando um protocolo que obrigue aprovar quem somos em matéria desta natureza.Restauração é sinónimo de saúde pública ecomo tal, deveria ser entregue apenas a quemprove que tem valor na prática dessa arte.

Aconselho aqui que façam uso da reclamaçãoem caso de incompetência ou outra situaçãoaberrante. Reclamar é meio caminho andadopara a autocrítica.

Boas férias, comam bem e reclamem, pelavossa saúde! .

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Museu do Trajode São Brás de AlportelUm museu especial e diferente dos outros

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As comemorações do Dia do Município de São Brás de Alportel incluíram umavisita ao Museu do Trajo, uma imponente residência familiar de outros temposconvertida, nos anos 80, em museu e que marca a diferença precisamente por serdiferente de todos os outros equipamentos culturais da mesma índole. Por isso,algumas semanas depois e com mais vagar, regressamos ao Museu do Trajo paraconversarmos com o diretor Emanuel Sancho, que explicou a razão deste espaçoconstituir um caso de estudo internacional graças ao seu modelo de gestão e àdinâmica cultural que imprime nesta vila do interior algarvio.

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Pouco faltava para as 10hquando Emanuel Sanchonos recebeu no Museu doTrajo de São Brás deAlportel, equipamento

cultural que entrou em funcionamentoem 1984 e que é pertença daMisericórdia de São Brás de Alportel.Outra diferença em relação aos seuscongéneres é estar filiado na correnteda Museologia Social, que valorizaparticularmente a relação dos museuscom as suas comunidades, relegandopara segundo plano a função turísticamais privilegiada na chamadamuseologia convencional. "Porestarmos no interior do Algarve, numazona menos turística, desenvolvemosbastante esta função social e somosintensamente utilizados pelacomunidade local. No entanto, sendoum museu que representa a terra,

também apresenta exposições cominteresse turístico”, explica o diretordo Museu.

Sobre a designação «Museu doTrajo», Emanuel Sancho entende quea museologia não deve ser repetitiva,até porque existem várias temáticasque podem ser exploradas de formasaudável. “Para além disso, temos asegunda melhor coleção de trajehistórico do país, em quantidade eem qualidade”, salienta,aproveitando para recuar um poucona história para que se percebamelhor o caminho trilhado até àatualidade. “O Museu começou adar os primeiros passos, em 1982,pela mão do Padre José da CunhaDuarte, que começou a juntar estacoleção impressionante de vestuárioantigo. Com o tempo, acabamos por

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polarizar esse tema ao nível doAlgarve e se há uma família em Lagos,ou Vila Real de Santo António, quetem algumas peças de roupa dos seusantepassados, há uma tendência parase pensar logo em nós como um bomlocal para entregar esses materiais”,indica, revelando que no Museu de SãoBrás de Alportel estão trajes étnicos devários lugares do mundo, embora ogrosso do acervo provenha da regiãoalgarvia.

De referir igualmente que, quando secomeçaram a dar esses primeirospassos, o Museu do Trajo ainda nãotinha casa própria, não existiaenquanto espaço físico, situação quefoi resolvida com o aproveitamento daresidência de uma família rica da terraque faleceu sem deixar descendentes e

que deixou a propriedade à SantaCasa da Misericórdia de São Brás deAlportel. “Já na altura existia umaideia bastante comum de que, numedifício antigo, fica bem é ummuseu, e assim aconteceu. Só oedifício principal tem 26 divisões ecerca de 500 metros quadrados e,em anexo, possui as casas agrícolas,as antigas cavalariças, os armazénsdas ferramentas e alfaias agrícolas.Posteriormente, ainda construímosmais um edifício, de raiz, para fazera conservação dos objetos emcondições ideais”, conta EmanuelSancho.

Como se adivinha, nada aconteceucom um estalar de dedos, aliás,chegou a equacionar-se a demoliçãodo edifício, que estava bastante

Emanuel Sancho, diretor do Museu do Trajo de São Brás de Alportel

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degradado, e tal não sucedeu apenasporque ali se instalou, entretanto, oMuseu do Trajo. “É pela via da culturae do património que, nestes 30 anos,tem sido possível angariar fundos econquistar financiamentos pararecuperar tudo isto”, salienta oentrevistado, confirmando que criarvida para um espaço tão amplo não

seria fácil se o museu se limitasse àsatividades que lhe estãotradicionalmente associadas. “Hámuitas iniciativas dinamizadas porvoluntários que têm cabimentonum museu, porque tratam damemória e do património, e quepodem funcionar lado a lado com avertente das exposições, onde os

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objetos antigos estão no centro dasatenções. Só para se ter uma ideia, oMuseu do Trajo movimenta 30organizações diferentes que aquiestão instaladas: três grupos demúsica popular, um clube de jazz, umclube de artes plásticas, um clube defado, entre outras, umas associaçõesformais, outras informais, que se

articulam de maneira muitoharmónica para utilizar os váriosespaços do Museu”, indica EmanuelSancho.

Outra diferença que se encontrano Museu do Trajo de São Brás deAlportel prende-se com os serviçoseducativos que estes equipamentosculturais prestam à comunidade,funcionando, neste caso concreto,quase como um laboratório deexperiências. “Criamos um projetoespecial para os alunos do 1.º ciclo,o «Mão na Mão – o Museu naEscola», para incutir nestascrianças uma relação muitopróxima da escola com o museudurante quatro anos. Pelo menosuma vez por mês, uma turma visitao museu e faz aqui uma aula, comatividades integradas no currículo eno programa escolar. Ao fim dequatro anos, veja-se o número devezes que aqui estiveram, a relaçãode grande afetividade que seestabelece entre as crianças e osfuncionários”, descreve,assegurando que muitos destesjovens, depois de transitarem paraoutras escolas, continuam arecorrer ao museu para concretizaras suas ideias e projetos.

Um museu totalmentesustentável

Conforme já se percebeu, oMuseu do Trajo de São Brás deAlportel não segue a matriz dosmuseus tradicionais, portanto, não

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é de espantar que o perfil do seupúblico também seja diferente dohabitual. Deste modo, o turista quepaga o seu bilhete, visita o espaço, vaiembora e dificilmente regressa nospróximos tempos, é designado por«visitante», enquanto o cliente local échamado de «utilizador» e é cincovezes superior ao primeiro, porquevem assistir a um espetáculo ouparticipar num workshop, porqueintegra o clube de fotografia ou deteatro. “É mais uma característica quenos torna um museu especial e porisso estamos a ser estudados porvários investigadores da área damuseologia”, revela, com uma pontade orgulho.

Fruto de toda esta dinâmica, gerir ascontas do Museu do Trajo até nem é obicho-de-sete-cabeças que se possa

imaginar, por também ser feito deuma forma bastante interessante.“Somos um conjunto de 30entidades autónomas, por exemplo,as cotas da Associação dos Amigosdo Museu, que tem cerca de 800sócios, não revertem para o Museu.Existe um diálogo constante paraque esta gente toda se entenda napartilha dos espaços e há umaintensa valorização dos recursosexistentes. Não é necessário haverum equipamento de som para cadaassociação, a mesma saladesempenha funções diferentes emcada dia da semana e a cada horado dia”, demonstra Emanuel Sancho,acrescentando ainda que o Museu jáatingiu a sua sustentabilidadefinanceira, sendo que a Misericórdiasuporta apenas os custos dosordenados dos três funcionários e

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das obras de conservação do edifício.“Tudo o que é investigação,exposições, publicações, é pago porrecursos gerados pela Loja e Bar doMuseu, pelo valor dos bilhetes e porreceitas advindas de prestações deserviços a várias entidades,nomeadamente à Câmara Municipal”.

Peça importante neste puzzle temsido a Associação dos Amigos doMuseu, cujos recursos são utilizadosna melhoria das condições desteequipamento cultural, com os últimosinvestimentos a terem sido a comprade um piano de cauda e a instalaçãode ar condicionado em algumas salas,para além de pagarem o vencimentode uma funcionária. “Temos umagestão extremamente horizontalonde o diretor não é um líder

autoritário, mas sim um facilitadorde relações”, afirma o entrevistado,um modelo inovador de gestão queé para ser aprofundado emelhorado continuamente. “Equeremos que o Museu seja umainstituição central em São Brás deAlportel. Não temos as ambiçõescomuns aos grandes museus, dealargar, expandir. Queremos, sim,melhorar a qualidade dos serviçosque prestamos, que as pessoasfrequentem cada vez mais o museue tirem partido desta realidade eque o Museu seja um laboratóriode onde possam sair coisas novaspara a museologia em geral”.

E porque foi inauguradarecentemente uma nova exposiçãono Museu do Trajo, não podíamos

Uma sala dedicada a César Correia, antigo árbitro internacional de futebol natural de São Brás de Alportel

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Imagens alusivas à participação dos são-brasenses na Primeira Guerra Mundial

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sair sem uma breve explicação do quese pode assistir nas várias salas destacasa especial, e que ainda é umareminiscência das comemorações docentenário de existência do Municípiode São Brás de Alportel. “Participamosativamente no programa de iniciativase ficamos sem capacidade logísticapara montar a exposição que estavaplaneada para aquela altura. Istolevou a que esta mostra tenhademorado mais de dois anos apreparar e montar e reflete 30 anos deSão Brás de Alportel, entre 1900 e1930”, explica Emanuel Sancho sobre«As Engrenagens do Tempo», ondevários momentos são relatados nasdiferentes salas. “O período foimarcado pelos últimos anos daMonarquia, pela implantação daRepública, pela Primeira GuerraMundial, onde participaram 114

jovens são-brasenses, e algunsficaram lá. Passamos pela expansãodos anos 20 e acabamos no EstadoNovo”, ilustra.

Curiosamente, a própria populaçãoacabou por acompanhar amontagem da exposição e, emalguns casos, até participarativamente nesse processo, já que oMuseu manteve sempre as portasabertas ao longo desse período.“Trouxeram objetos que tinham emcasa, fotografias de família, e oesqueleto da exposição foievoluindo de forma bastanteinteressante. É um modelodiferente que provavelmenteiremos repetir no futuro, para queas pessoas sintam que fazem parteda exposição, da história” .

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O livro de contos «O Amor em Lobito Bay», da conceituada escritora algarviaLídia Jorge, deu o pontapé de saída para o ciclo «Obra Aberta», tertúlia queteve lugar no dia 21 de junho, na Biblioteca Municipal de Albufeira. Uma noitede palavras soltas, sem filtro, onde a premiada autora falou de tudo um pouco,respondendo aos desafios que lhe foram colocados pela assistência e onde acultura, o amor e Angola tiveram uma especial preponderância.

veio a Albufeira falar de Cultura,do Amor e de Angola

Lídia Jorge

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O Ciclo «Obra Aberta»arrancou, no dia 21 dejunho, na BibliotecaMunicipal de Albufeiracom uma convidada

de peso, precisamente a patrona desteequipamento cultural, a escritora LídiaJorge, natural de Boliqueime e comfortes ligações ao concelho deAlbufeira. Em cima da mesa estava asua mais recente obra, o livro decontos «O Amor em Lobito Bay», omote para uma entrevista informalconduzida por Luísa Monteiro e quecontou com várias intervenções de«seguidores» da obra da convidada,desde o encenador Paulo Moreira, àescritora Josefa Lima, passando peloespecialista em política internacional,Cristiano Cabrita.

A noite decorreu sem roteiro, semum fio condutor demasiado rígido, ecomeçou logo com Lídia Jorge adescrever as pessoas que, atualmente,gostam de cultura como uma espéciede clã, de grupo místico, à parte dosoutros. “Poucas serão as pessoas queaqui estão presentes que eu não aspossa chamar pelo nome e os serõesliterários deveriam ser assim, entreamigos, para nos entendermos, parafalarmos uns com os outros”, afirmoua algarvia, ao mesmo tempo quereconhecia que a cultura básica dopovo português ainda é muitoprimária. “Somos filhos e netos depessoas que, na sua maioria, foramanalfabetos. Não quer dizer com issoque não tenham sido curiosos,criativos, poetas, artistas,simplesmente, foram-no com os

instrumentos da sua própriainteligência, do seu própriocoração, faltando-lhes depois abase que a cultura formal fornece”,entende.

Nesse sentido, Lídia Jorge defendeque é preciso termos bastantepaciência connosco próprios eassumir os nossos defeitos, paradepois os tentarmos corrigir. “Não

Lídia Jorge : (…)Quando há uma crisenum país, vai-se semprever o que dizem osescritores, os poetas, osartistas, porque elesaprenderam a estarisolados na opinião esão desempoeiradoscomo falam. Dizem sempensar que amanhãserão presos, ou queperderão o emprego (…)

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nos conhecemos nem estimamos eum povo assim está apto a sercolonizado. Estamos sempre a pensarque aquilo que vem de fora tem maisvalor e que alguém só presta se forreconhecido além-fronteiras”,sublinha, perante uma plateia atenta.“Há uma espécie de hiato entreaquele que cria cultura e aquele queconsome cultura, temos que serrealistas. A facilidade da expansão da

comunicação hoje é imensa, masoferece também o seucontraditório e a escola e a culturapromovida pelas autarquiasdesempenham um papelfundamental no caminho queestamos todos a percorrer”.

Falando das escolas, e daeducação artística, Lídia Jorge nãojulga que se estejam a criar artistas,

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mas sim a sensibilizar pessoas para ovalor da arte, o que é bastante diferente.“Se 15 ou 20 rapazes entrarem para umaturma de teatro, possivelmente eles nãoirão ser todos atores, mas ficam comessa experiência de pisar o palco, deperceber o que é um texto, de dizê-lo emvoz alta, de compreender que há textosdramáticos que têm uma estruturaprópria, que há perspetivas depersonagens e da tensão que se geraentre elas. Essas pessoas podem vir a sertaxistas, médicos, enfermeiros,vendedores, proprietários de uma horta,mas não serão as mesmas pessoas,porque olharão para as questõesculturais de uma outra forma”, asseguraa escritora.

Lídia Jorge não deixou, porém, de lançaruma crítica aos meios de comunicação

Lídia Jorge: (…) Quandoos jovens passam as horasdo serão a ver telenovelas,estão a perder o seutempo de juventude. Nãoestão a adquirir arte, massim no entretenimentomais básico de todos, queé a repetição doselementos da vida (…)

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pela forma como promovem, ou não, acultura nacional e pelos programas emque apostam para ganhar audiências,dando o exemplo concreto do «PreçoCerto». “É um programa intocável,mas eu olho para esse fenómeno esinto uma profunda pena do meupaís. Infelizmente, essa é a respostaque se dá a um país que tem umaestrutura cultural ainda muito arcaicae as pessoas, com uma grandesimplicidade, sem vergonhanenhuma, expõem-se de toda amaneira”, observa, fazendo tambémuma clara distinção entre cinema etelenovela. “O cinema vive da elipse,daquilo que não é narrado, do que éapenas sugerido, do que não se diz,mas que se intui. É uma arte de umagrande subtileza. A telenovela é oarrastar daquilo que é previsível edaquilo que não faz falta. Quando osjovens passam as horas do serão a vertelenovelas, estão a perder o seutempo de juventude. Não estão aadquirir arte, mas sim noentretenimento mais básico de todos,que é a repetição dos elementos davida”, alerta.

Ainda em torno da cultura, LídiaJorge recorda que a literaturaportuguesa imitou, no século XVI, ositalianos, no século XVII copiou osespanhóis, no século XVIII seguiu osfranceses e, no século XIX, baseou-senos ingleses e alemães. “A fraca escolaportuguesa permitiu que houvessegénios, mas não houvessem elitescultas. No século XX, aparecem pelaprimeira vez, na arquitetura,literatura, pintura e cinema, autores

portugueses que influenciam osoutros povos. Cientificamente, osportugueses estavam no grau zero,eram apenas colaboradores e, derepente, no espaço de 20 anos, háuma capacidade dos jovenscientistas portugueses colaboraremcom os grandes eventos edescobertas no exterior”, enaltecea patrona da Biblioteca Municipal deAlbufeira.

Arte existe paranos inquietar e paraser um contrapoder

Perante este cenário, Lídia Jorgerealça que os artistas, sejam de queárea forem, não são pessoas quepactuam com a realidade como elaslhes é apresentada e que oscriadores não se acautelam, nãobuscam a estabilidade, não temem amudança. “Não pensam na suasegurança, mas na coerência doque fazem. Quando há uma crisenum país, vai-se sempre ver o quedizem os escritores, os poetas, osartistas, porque eles aprenderam aestar isolados na opinião e sãodesempoeirados como falam.Dizem sem pensar que amanhãserão presos, ou que perderão oemprego”, salienta. “A nossamissão é olhar para o mundo ealterá-lo, não aceitá-lo como ele é.É dizer a verdade. Por isso, a artevai ter que continuar a ser umcontrapoder, caso contrário,passará apenas a ser um enfeite desalões, paredes e ruas”, acrescenta.

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Comparando a cultura e a religião,Lídia Jorge explica que ambasrespondem à ideia de que nós nãosabemos nada, de que podemos muitopouco ou quase nada, daí queandemos numa constante procura datotalidade, de algo que nos indique umcaminho. “A diferença é que a religiãonomeia essa totalidade e acreditanela, enquanto a cultura põe emcausa essa mesma totalidade eperguntará sempre «para que é queeu nasci?», «por que é que associedades são assim?», «por querazão nascemos para a perenidade?»,«qual é o sentido da nossa vida?». Acultura está permanentemente aquestionar e, em geral, não cria livrosde autoajuda”, distingue. “A arte vempara nos inquietar sobre o nossopróprio destino, mas dá uma

companhia, pois pertencemostodos a um clube, todos fazemos asmesmas perguntas”, diz, com umsorriso.

Colocando o olhar sobre «O Amorem Lobito Bay», trata-se de umconjunto de nove contos, escritossem o novo acordo ortográfico,assunto que Lídia Jorge preferiunem sequer abordar, sob pena datertúlia se prolongar pelamadrugada adentro. E, recuandoaos seus primeiros passos comoescritora, a convidada da noitelembra que, quando tinha os seus18 anos, estava na moda o romancefrancês, um estilo que não lhedespertava grande entusiasmo. “Eramuito interior, íntimo, sem o apeloàs grandes questões do mundo, eeu vivia com as memórias da

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infância desta terra.Quando era criança, avida do campo era muitodura. Os funerais, osnascimentos, a gravidezdas mulheres, oshomicídios, as vinganças,os roubos, eram tudocoisas tenebrosas”,lembra Lídia Jorge,notando-se sinais de concordância dehomens e mulheres da sua geraçãoque estavam na plateia,provavelmente com as mesmasimagens bem marcadas nas suasmemória. “Havia as eiras, onde cadaagricultor tinha o chamado roleiro,punha lá os molhos de trigo e ficava-se à espera que viesse uma máquinapara debulhar aquilo. Era um períodohorrível, porque os camponesescolocavam a sua fortuna uns ao ladodos outros e existia uma forte

rivalidade entre as pessoas. Oproblema é que, quando chegavamaquelas máquinas, havia imensosincêndios”, recorda.

Angola está à beirade rebentar

Com essas imagens em mente,Lídia Jorge queria escrever, mas nãosabia que modelo utilizar, já que aliteratura da época era

Lídia Jorge: (…)Às vezes

pensamos quePortugal está mal

em termos deliberdades, o quenão é verdade, o

nosso problema éque somos

mórbidos naatuação (…)

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demasiadamente sofisticada para oseu gosto. “Era o programapsicológico da existência, mas eupensava que a existência era algo quevinha da brutalidade da vida. Derepente, descubro um livro doWilliam Faulkner que me disserespeito, a história de doisprisioneiros que estavam numacolónia penal no Mississippi e que,devido a umas intempéries, sãoobrigados a sair para ir salvarpessoas”, indica a autora. “Percebique, se pegasse naquilo que vivi,naquilo que sabia, nas relações entreos homens, não precisava imitar osfranceses ou ingleses”.

E porque se estava a falar de Lobito,a conversa assume um tom mais sérioquando se abordam os valoresdemocráticos, a liberdade política, osdireitos humanos, tudo o que se passaem Angola, um estado consideradopor analistas internacionais como«neo-patrimonial», que vive à custa doclientelismo e da corrupção,privilegiando poucos à custa dos

esforços de muitos. “É uma questãodolorosa e atual que nos deixa atodos perplexos, porque nãosonhávamos que isto viesse aacontecer. Às vezes pensamos quePortugal está mal em termos deliberdades, o que não é verdade, onosso problema é que somosmórbidos na atuação”, frisa LídiaJorge, pegando mas palavras quelhe disse em tempos um escritormoçambicano, José Craveirinha:«Vocês querem que hajademocracia em África, mas isso éum erro. As democracias só sealcançam depois de em África sepassar por furiosas plutocracias e deelas se esgotarem». “Os paísesprecisam passar por evoluções eexistem, em muitas regiões deÁfrica, situações tribais promovidasa relações de Estado, com aagravante de que foram oseuropeus, no final do século XIX,início do século XX, que lhesdesenharam os países e osexploraram, em graves posiçõescoloniais, até há bem poucotempo”, enfatiza.

Para Lídia Jorge, o que se passa emAngola é bastante claro, é um casochocante, uma nódoa no mundo. “E,parece-me a mim, está à beira derebentar. Contudo, o facto domundo inteiro estar de olho abertoe de Portugal, e a Europa, teremtido a coragem de não dar todos osdoces à filha do presidente deAngola, já é alguma coisa. Portugaltem uma situação muito delicadacom Angola e Moçambique, porque

Lídia Jorge: (…) acho quenão existe um únicoportuguês que esteja deacordo com o regime deEduardo dos Santos. Aspessoas podem nãolevantar a voz, mas achoque desprezam aqueleregime (…)

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aparece como antigo colonizador epermanecem laços afetivos bastantefortes, e interesses concretos,relações comerciais e políticas difíceisde gerir”, indica, salientando quePortugal se tem portado, apesar detudo, com alguma altivez nesteprocesso. “É preciso paciência, masacho que não existe um únicoportuguês que esteja de acordo com oregime de Eduardo dos Santos. Aspessoas podem não levantar a voz,mas acho que desprezam aqueleregime”, reforça.

E regressando ao contexto nacional,Lídia Jorge não esquece que Portugalviveu muitos anos numa ditadura, quefoi branda para alguns, mas bastanteferoz para outros, o que deixou osportugueses numa apatia difícil decombater. “Uma das coisas que a

pobreza e os plutocratas fazem éesmagar a vontade dos povos. Aspessoas têm medo de perder ascoisinhas poucas que possuem,receiam pela sua sobrevivência e ohistórico transformou-se emgenético”, alerta, preocupada. “Osportugueses perdem facilmente acabeça, ficamos logo desvairados,não temos frieza, ficamos commedo de nós próprios. Nós somoslivres, mas não sabemos utilizar aliberdade”, lamenta,exemplificando esse sentimentocom o que acontece na política. “Ospolíticos têm medo uns dos outros,não dizem as coisas e, quandoquerem argumentar, insultam.Temos medo até de omitir a nossaopinião, enervamo-nos, batemoscom a porta, vamo-nos embora. Éuma herança terrível” .

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Filipe da Palma tem percorrido o Algarve de lés-a-lés nos últimos anos pararegistar em fotografia testemunhos das riquezas arquitetónicas de uma épocaanterior ao boom do turismo de massas, que deitou por terra muita da história daregião para dar lugar a empreendimentos turísticos e blocos de betão.Especializado em platibandas, o fotógrafo tem um olhar clínico sobre o que étradicional, o que faz parte da traça genuína algarvia, que depois partilha com osoutros através das suas exposições.

Filipe da Palmaregista em fotografiaum Algarve já esquecido

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Foi na sessão inaugural dociclo «Obra Aberta», queaconteceu no dia 21 dejunho, na BibliotecaMunicipal de Albufeira, que

estivemos à conversa com Filipe daPalma. O portimonense de 45 anos,fotógrafo de profissão, ia participarnuma tertúlia literária com a escritoraLídia Jorge mas, antes disso, houveoportunidade para se dar a conhecerum pouco melhor ao «AlgarveInformativo», revelando que a paixãopela fotografia apareceu por volta dos16/17 anos, durante o ensinosecundário.

Como no Algarve não existia nenhumaescola para se tirar um cursoespecializado, mudou-se para Lisboa,frequentou o ArCo – Centro de Arte eComunicação Visual e entrou ao serviço

de um grupo editorial que possuíadiversas revistas, ou seja, estava afazer aquilo que gostava. “Sempreme fascinou o ato da tomada daimagem e, depois, estar com aimagem impressa na mão. Era umprocesso que implicava bastantetrabalho no laboratório a preto ebranco até se conseguir umafotografia boa”, recorda,considerando que fotografar eimprimir são duas artes bemdistintas. Uma distinção só possívelde fazer porque Filipe da Palma aindafaz parte da geração da fotografiaanalógica, do velhinho rolofotográfico, da sala escura com a luzvermelha, mas não é um saudosista,antes pelo contrário, aderiurapidamente ao digital e às novasferramentas desta profissão.

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O nascimento do primeiro filhoacabou por motivar o regresso àsorigens, ao Algarve, diriam alguns quefoi um passo atrás em termosprofissionais, mas a família estava emprimeiro lugar. “Vida de estudante emLisboa é uma coisa, para se criar umafamília, a história é completamentediferente, a não ser que tenhasexcelentes condições, o que não era omeu caso. Por isso, vim para baixo edeu-se uma redescoberta do Algarve”,conta, um género de epifania em queteve papel preponderante um livro deJacinto Palma Dias – «O AlgarveRevisitado». “Comeceicompulsivamente a fotografar os sinaisainda tangíveis, pulsantes, de umAlgarve que ainda fez parte da minhainfância, mas que estava a desaparecerrapidamente. O Algarve era uma

região diferente de todas as outrasmas, com o passar do tempo, vaificando igual a tudo o resto”,desabafa.

Não são, assim, as paisagensalgarvias sobejamente conhecidasdos turistas por via dos postais e dasrevistas que encantam Filipe daPalma, que o fazem parar e sacar derepente da sua objetiva. “O turistatradicional do Algarve conheceessencialmente a praia. Aliás, sefizermos uma pesquisa na rede como termo «Algarve», só aparecemimagens de praias. Isso para mimnão significa nada, o Algarve que meinteressa está acima da EN 125, daVia do Infante”, confirma, triste porconstatar que esse «Algarve» estácada vez mais abandonado, deixadoà sua sorte, por não estar no

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mediático litoral, junto à costa, nosgrandes centros urbanos.

Testemunhos fotográficos que vãoganhando quantidade consoante adisponibilidade, pois estas buscasimplicam coordenar a atividadeprofissional com o tempo dedicado àfamília, mas também estãodependentes de existirem condiçõesclimatéricas propícias para o ato decaptar a imagem. “Fotografar exigesempre um céu imaculadamente azulpara que os elementos, principalmenteos arquitetónicos, consigam saltarfacilmente à vista. Tenho andado atrásde uma arquitetura que era única eque se vai tornando difícil deencontrar. Às vezes regresso a locais

que visitei há uma ou duas décadasà procura de uma platibanda ouchaminé e, ou estão adulteradas, ouruíram, ou têm uma edificação nova.No sotavento é mais fácil deencontrar precisamente porque aatividade turística se começou adesenvolver mais tarde do que nobarlavento”, analisa.

Mas se a perda deste patrimónioentristece Filipe da Palma, maispreocupado fica ao verificar quemuitos algarvios nem estão cientesda sua cultura, das suas raízes. “Nãose reveem na sua arquitetura, nassuas cores. Se tivessem carinho eamor, tentavam manter o máximopossível desta traça”, critica,

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consciente que este cenáriodificilmente se vai alterar, até porqueboa parte das pessoas que residem noAlgarve, neste momento, não sãonaturais da região.

Fotografiaestá de boa saúde

Os registos de Filipe da Palmapermitem que esse património não caiano esquecimento das novas gerações,mas ajudam o próprio entrevistado alidar com o stress do dia-a-dia, com asexigências do trabalho de fotógrafo, demodo que nem está com demasiadaspreocupações artísticas no momentodo clique. “A minha principalpreocupação é tentar chegar ao maiornúmero possível de testemunhosainda existentes e captá-los enquantolá estão”, garante o portimonense.

Maiores cuidados existem quandoestá a montar exposições, umafaceta que surgiu por desafio de RosaMendes, quando este era diretor daBiblioteca da Universidade doAlgarve, nas Gambelas. “Convidou-me a fazer uma exposição e concebium género, um estilo, que dura atéhoje, volvidos que estão vários anos.Pegando na ideia de que a imagemque temos do Algarve é só areia,utilizo mesas com tampos em vidro,coloco areia por cima, e as pessoas,num exercício quase arqueológico,para terem acesso às imagens do«outro» Algarve, têm que destapá-las, tirar a areia dos olhos”,descreve.

Descobrir uma região diferente dapromovida pela comunicação socialde massas e pelas agências deturismo que implica, pelos vistos, um

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esforço menor do que se possaimaginar, considera Filipe da Palma,cujo próximo projeto passa pelaprodução de um livro de fotografias. “Éuma edição bastante cara e há unsanos fiz uma primeira tentativa, mas asportas fecharam-se uma atrás daoutra. Entretanto, já me deram forçapara voltar a tentar e, desta vez, soueu que estou a falhar”, reconhece oentrevistado. “Houve uma série depercalços, não sinto que as coisasestejam prontas para o livro e vai levaralgum tempo para bater outra vez àsmesmas portas”, justifica.

Quanto à fotografia na atualidade,defende que está de boa saúde, apesarda proliferação de amadores que tiramimagens sem saberem muito bemcomo, já que as máquinas modernas eos telemóveis de ponta fazempraticamente tudo sozinhos. “Háespaço e tempo para todos e afotografia nunca conheceu um boom,

em termos de qualidade e dequantidade, como agora. Peloaparecimento das câmaras digitais,pela facilidade com que se utilizamos programas e pela internet, quenos permite conhecer trabalhos que,de outra maneira, teriampouquíssima visibilidade. Hoje,contatamos com uma pessoa queestá no Paquistão e que faz umtrabalho fantástico sobre cabos deeletricidade numa cidade”,exemplifica, embora haja semprenecessidade de se separar o trigo dojoio.

Com a tertúlia prestes a arrancar,Filipe da Palma teve ainda tempopara indicar que vai participar emduas exposições em julho, uma emFerragudo, coletiva, outra emMessines, individual. “O livro, vai-sepensando e fazendo devagarinho,mas é o grande projeto para ospróximos tempos”, confirma .

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