1

Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

ABRACOR Associação Brasileira Conservadores Restauradores Bens Culturais

Anais do VIII Congresso

Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil 3 a 8 de novembro de 1996

Page 2: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONSERVADORES/RESTAURADORES DE BENS CULTURAIS

ANAIS DO VIII Congresso

Políticas de Preservação

Pesquisas e Técnicas em Conservação/Restauração

Formação Profissional

OURO PRETO - MINAS GERAIS BRASIL

03 A 08 DE NOVEMBRO DE 1996

Page 3: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

DIRETORIA ABRACOR 1995/1996

Presidente - Maria Luiza Ramos Soares

Vice-Presidente - Beatriz Ramos de Vasconcellos Coelho

Coordenador Técnico - Luiz Antônio Cruz Souza

Primeiro-Secretário - Maria Aparecidade de Vries Másico

Segundo-Secretário - Claudia Regina Nunes

Primeiro-Tesoureiro - Denise de Oliveira

Segundo-Tesoureiro - Vacância

Conselho de Administração:

Adriana Cox Hóllos Jayme Spinelli Júnior Mário Mendonça de Oliveira Sérgio Burgi Solange Sette Garcia de Zuniga

Conselho Filcal:

Glória Cristina Morta Júlio Eduardo Corrêa Dias de Moraes Taluhama Arenas Rocha

Suplentes:

Bethânia Reis Veloso Suely Deschermayer

Realização do Seminário: Associação Brasileira de Conservadores/Restauradores de Bens Culturais- ABRACOR e Claussen e Associados (organizadores).

Page 4: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

SUMARIO - Plenárias

APRESENTAÇÃO 7

POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO

GOREN, M. Silvio - O Distress e a saúde do conservador 11

BERNDT, Angelita; BASTOS, Rossano Lopes - IPHAN e suas mudanças desde sua criação 16

ROCHA, Solange; Silva, M. Celina M. e; Hannesch, Ozana - Política de preservação de acervos institucionais 23

BERNDT, Angelita - Políticas de Preservação: comparação entre Brasil e Inglaterra 27

FANTINI, Mara Solange; MORESI, Claudina M. D.; LAMPERT, Denise -Identificação de bens culturais da cidade de Piranga/MG: sua preservação e conservação 33

Mello, M. Cristina Fernandes - São João Marcos, a cidade cujo tombamento foi cancelado 37

MAIA, Marilene Corrêa - Museu de Arte da Pampulha: uma experiência em conservação 45

PAIVA, Angela Maria de Oliveira - Laboratório de estudos e pesquisas - Laguna 47

OLIVEIRA, Gilson Cruz de - Plano de ação para o gerenciamento e melhoria da qualidade nos serviços de preservação do acervo documental do Núcleo de Documentação/ UFF 51

SILVA Filho, José Tavares da - Diagnóstico do acervo de obras raras das Biblioteca da Universidade Federal do Rio de Janeiro 55

LUCCAS, Lucy Aparecida; SERIPIERRI, Dione - O processo de implantação de um plano de preservação nas Bibliotecas da Universidade de São Paulo 61

ROSSETTO, Lourdes - Organização do acervo fotográfico da 11. Coordenadoria 65 Regional/IPHAN, Santa Catarina

MÉSSI, M. Cleide Therezinha - FUNARTE, Coleção "Cenários e figurinos": um projeto de preservação 71

FORMAÇÃO PROFISSIONAL

SCHARF, Cláudia P. - O desenvolvimento da restauração de bens culturais: uma abordagem histórica 79

Page 5: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

MATURANA, Lilia; BAHAMONDEZ, Mónica - Conservadores/Restauradores: formación y capacitación profesional en Chile 87

CARVALHO Júnior, Raul Machado; NAKANDAKARE, Ana Lúcia - Metodologia complexa de ensino e sua aplicação pedagógica no curso de restauro 91

VELOS O, Bethânia Reis - O curso de especialização em Conservação/Restauração de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Minas Gerais 97

AZEVEDO, Marlice N. Soares de; MELLO, M. Cristina Fernandes de - A Universidade para todos: Paraty, uma experiência 103

COCCO, Beatriz Bresser Milled - IV curso internacional de Conservação de Papel Japonês, ICCOM/95 107

BARUKI, Sandra C ; LEÃO, Eridan - O Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da FUNARTE: Dez anos de Pesquisa, capacitação técnica e preservação de acervos fotográficos 113

SPERB, Angela Tereza - Conscientizando e preparando para a preservação do 119 patrimônio arquitetônico

PESQUISAS E TÉCNICAS EM PRESERVAÇÃO, CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

Arquitetura 127

RIBEIRO, Nelson Porto; CALDAS, Wallace - O projeto de restauro da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro 129

IGNÁCIO, Claudemir - Theatro Pedro II: im restauro ousado e desmitificador 135

SABAH, Kleber do Nascimento - Restauração da fachada do Real Gabinete Português de Leitura 141

KANAN, Maria Isabel - Análise e conservação do material construtivo da arquitetura da imigração de Santa Catarina 145

TONERA, Roberto; NAPPI, Sérgio C. B. - Alvenarias degradadas por umidade e salinidade: estudo de caso na Fortaleza de Anhatomirin 151

MENDES, Débora - Igreja de N. Sra. do Rosário dos Homens Pretos de Olinda e Laboratório Municipal de Preservação de Bens Culturais Móveis e Integrados 157

Escultura/Madeira 161

MEDEIROS, Gilca Flores de - Restauração de escultura em tecido policromado 163

Page 6: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

COELHO, Beatriz Ramos de V.; HILL, Marcos C. de Senna - Francisco Servas e os

anjos toucheiros de Congonhas 169

ARGÔLO, José Dirson - Restauração dos retábulos da Igreja de São Raimundo 179

QUEIROZ, Moema Nascimento; PAIVA, Zilma Fontes - Estudo, resconstituição de suporte e remontagem do painel "Esponsáis de Nossa Senhora e São José" 185 QUITES, Maria Regina Emery; MEDEIROS, Gilca Flores de - Olhos de vidro: tecnologia e restauração 189

SEHN, Magali Melleu - Materiais modernos: estudos da escultura "A soma de nossos dias" de Maria Martins 195

MARTINS, Maria Helena Pires - Materiais e técnicas de mobiliário: um estudo comparativo Brasil-Itália-Inglaterra 201

Pintura Mural e de Cavalete 209

MORAES, Júlio Eduardo C. Dias de - Restauro de pintura mural no Brasil: tradição, situação e perspectivas 211

MENDES, Marylka; OLIVEIRA, Denise - Projeto para a restauração dos painéis do Palácio Pedro Ernesto, Câmara Municipal do Rio de Janeiro 217

RIBEIRO, Nelson Porto; HORVART, Patrícia; PEREIRA, Myriam - O restauro dos

painéis da Escola Edmundo Bitencourt 225

BUSTILLO, Alejandro - Estúdio y tratamiento de Ia serie chica de Santa Catalina 229

VERA, Florence White de - Coniderações sobre a conservação e a restauração de obras de arte do século XDC 235 DE VERAS Arte, Atelier de Restauração - Pintura de grande porte: uma proposta de tratamento para problemas estruturais (por: FANTA, Maria de Los Angeles; PEARSON, Hilda de; PEREIRA, Carlos V. & SCAGLIANTI, Ana M. Caires 239

RAMOS, Adriano Reis - A comunidade novaerense e a restauração dos elementos decorativos da Matriz de São José da Lagoa 243

Papel/encadernação 249

MENDEN, Susana; LUCCAS, Lucy Aparecida - Analisis dei estado de conservación 251 de encuadernaciones dei período 1850-1950

MOTTA, Glória Cristina - Conservação de livros: critérios, problemas de tratamento 255 e soluções adotadas

HOLLÓ,», Adriana Lúcia Cox - O processo de reintegração mecânica com reforço 261

Page 7: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

COURY, Maria de Nazareth Bezerra - Aplicação de Técnicas de restauração em fotografia de grande formato. "Um estudo de caso" 267

Têxteis 273

CARDOSO,Helena; ROSA, Marly - "A pequena notável" 275

SILVEIRA, Luciana Coutinho da - A escolha de abordagens na conservação de têxteis arqueológicos, vista no tratamento de duas túnicas pré-colombianas 281

Materiais Arqueológicos e Etnográficos 287

MESQUITA, Simone de Sousa; FERREIRA, M. das Graças; QUEIROGA, Isabella R. de - Cerâmicas antigas da Quinta da Boa Vista 289

NADAL, Laura Filloy - Prehispanic rubber balls: conservation and deterioration in the archeaological context 293

FIOL, Frida Montes de Oca - The ethnographic collection of sweets at the Museo Nacional de Antropologia in México city 299

Ciências Aplicadas à Conservação/Restauração 305

TIRADO, Carolusa González; ALVAREZ, Araceli Pena - Obtención, usos y caracterización de tzauhtli, mucílago de orquídeas 307

MORESI, Claudina M. Dultra; WOUTERS, Jan; PEREIRA, Marília O. da Silva -Estudo da laça de garança americana e seu uso na identificação de laças vermelhas usadas em obras de arte mineira 313

SELDES, Alicia M.; ABAD, Gonzalo; MAIER, Marta S. - Estúdio químico de materiales de Ia serie de Santa Catalina 319

TELLECHEA, Domingo Issac - BEVA-Vermiculita: um novo material para nivelamento de lacunas de pinturas 327

TIRADO, Carolusa González; CERVERA, Use Cimadevilla - Pastas de resane para Ia conservación de metales antigos 333

MIRANDA, Luiz Roberto Martins de; LAGO, Dalva C. B. do; SANTANDRÉA, Rodney - Aplicação de "spot tests" na restauração do Palácio Pedro Ernesto, Rio de Janeiro 339

LAGO, Dalva C. Baptista do; MIRANDA, Luiz R. Martins formados em monumentos de bronze

- Produtos de corrosão 343

Page 8: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

I

Apresentação A ABRACOR tem a satisfação de apresentar os ANAIS referente ao seu VIII

Congresso, a realizar-se em Ouro Preto - Patrimônio Histórico da Humanidade -, Minas Gerais, de 03 a 08 de novembro de 1996, na Semana da Cultura.

As conferências, comunicações e fóruns de debates, além de uma agenda de eventos artísticos, culturais e turísticos do VIII Congresso da ABRACOR se desenvolverão em torno de três grandes temas:

• Pesquisas e técnicas em preservação, conservação e restauração. • Política e administração de bens culturais. • Formação profissional.

Extrapolando os assuntos mais estritamente vinculados à área técnica propriamente dita, eda qualfazem parte ascomunicaçõesora publicadas, o VIII Congresso da ABRACOR apresentará mesas redondas onde estarão presentes temas atuais como a integração via MERCOSUL, o turismo cultural em cidades históricas e a cidtura e patrocínio cultural.

Nos nossso 16 anos de existência, a ABRACOR já tem consolidada uma linha de ação que reflete a preocupação de significativa parcela da sociedade envolvida com a preservação do patrimônio cultural.

A realização do VIII Congresso da ABRACOR apresenta uma força de alerta e compromisso com a preservação do patrimônio. Vale lembrar que esse tipo de evento provoca o entrosamento com renomadas entidades de todos os continentes, fazendo com que as iniciativas neste campo se tornem mais objetivas, pois traduzem experiências vividas.

O esforço gigantesco de se elaborar um congresso desse porte está justificado pela carência de que padecem os profissionais da área em busca de espaço e tempo para debates, troca de idéias e experiências, mas, principalmente, porque estes congressos representam um grande encontro das pessoas.

Ao abrir-se mão da escolha de um tema específico que norteasse esse VIII Congresso, teve-se a intensão de trazer à ABRACOR e a seus associados, neste momento, um perfil mais próximo daquele existente quando de sua fundação e retomar uma discussão que não foi esgotada ao longo de sua existência:

As pesquisas e técnicas em preservação, conservação e restauração. A política e administração de bens culturais. A formação profissional.

A DIRETORIA

Page 9: Anais Do VIII Congresso ABRACOR
Page 10: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

ff>e olétloa &

adminásfoaçiw

Page 11: Anais Do VIII Congresso ABRACOR
Page 12: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso ABRACOR Política de Preservação

O DISTRESS E A SAÚDE MENTAL DO CONSERVADOR

M. Silvio Goren Restaurador y docente en matéria de Conservación-Restauración Privado

J. A. Cabrera 3035 - Buenos Aires CEP 1186, Argentina. TeleFax: 962-6855

Resumo

Em algumas ocupações existem fatores que determinam às claras uma tendência ao stress. Por exemplo, se sabe que as pessoas que fazem tarefas manuais -repetidas freqüentemente-; encabeçam a relação dos que padecem um maior stress.

Porém, o assunto da Conservação é diferente. Os fatores estressantes nem sempre são reconhecidos com facilidade, devido que se acham ocultos sob diferentes imagens que envolvem aspetos da cultura; e uma pretendida "distinção "por estar relacionada à arte e às ciências. A tarefa tem uma aura de prestígio -falsamente outorgada pela sociedade-, que não concebe que a profissão possa implicar uma quantidade de tensões efrustrações, provenientes do mesmo trabalho.

Embora não se haja estudado o stress especifico da profissão do Conservador, não se deve esquecer que a tarefa possui características muito especiais, que provavelmente a fazem mais tensa do que muitas outras ocupações; reconhecíveis como afetantes.

Não obstante, sim existe uma problemática característica, só que ainda não se encontra devidamente catalogada, o que outorga a posibilidade de definir todos os aspetos deste mal; para reconhece-lo e soma-lo como um dos inimigos da especialidade.

1. Os mecanismos da deterioração

Os entendidos indicam que certa dose de stress é necessária para a vida ativa. Na realidade o stress é uma resposta geral e normal que lhe permite ao organismo adaptar-se a qualquer demanda, e manter sua saúde e equilíbrio. De fato não é uma reação enferma ou negativa, senão que se pode comparar com a adrenalina que corre pelo sangue, quando um estímulo é bastante forte como para produzir um "aumento suplementar " de energias.

Porém sua permanência produz instabilidade emocional - o que se deriva em diferentes tipos de acidentes - diminuindo as reservas de energia; originando tristeza, pessimismo, baixo rendimento e uma paulatina diminuição das defesas físicas, em relação as doenças.

afetar a saúde física e mental dos trabalhadores; e determinou-se que não só o excesso mas também a falta de trabalho, constituem as principais causas da sua origem: um trabalhador que não é consultado ou que não é tido em consideração, sofre tanto como aquele que trabalha em um ambiente pouco saudável.

As pessoas podem fazer face ao stress , mediante sua diferenciação individual na capacidade para suportá-lo. Nisto influem a personalidade, os fatores genéticos, o estado físico e o ambiente onde cada um se desenvolve. O médico francês Soly Bensabat - autor do livro " Stress " -, define a questão descrevendo-a como um caudal de energia que se traz ao nascer, diferente em cada pessoa, e que se esgota na medida em que se faz uso uma e outra vez.

Conforme a Organização Internacional do Trabalho, o stress reflete na produtividade ao

Outro entendido do tema, o Professor Hans Selye, diz que perante cada nova situação, o

- 1 1 -

Page 13: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Política de Preservação

organismo responde com modificações no sistema nervoso, no imunológico e no hormônio; e esta Síndrome geral de adaptação, se produz quer por situações negativas quer por positivas de grande magnitude. Por conseguinte a hiperestimulação como a monotonia, podem gerar o Distress, afetando os câmbios e adaptações necessários para manter o equilíbrio.

No entanto, ficar nervoso ante uma agressão, é uma resposta adequada a esse estímulo. Mas alguns fatos muito importantes ou a acumulação lenta de problemas , originam uma falência nas respostas de adaptação, onde o indivíduo se desorganiza e não pode afrontar certo tipo de situações. Isto é o Distress.

2. A Conservação e o Distress

Para relacionar a tarefa da Conservação e o Distress, se faz necessária uma reflexão que abrange os sistemas de valores imperantes; e assim poder compreender as variáveis existentes entre o espaço anímico e o espaço social de um indivíduo.

Nestes tempos, é difícil para nós sermos a própria pessoa. A pressão social insiste nos modelos de como temos que atuar e mostra-nos, só que no mundo atual; o modelo assemelha-se mais a um insensível mecanismo anti-natural; e toda pessoa que tenta empreendê-los contra a inconsciencia geral, é sutilmente criticada, recusada e finalmente detestada. A sociedade moderna promove a imagem de "certo tipo de êxito" ligado a "uma forma determinada de obrar", que finda gerando nos indivíduos que se opõem a elas, uma sensação de impotência e vazio (aflição existencial), que conclui "enchendo" com pensamentos negativos e ações nocivas - ao próprio indivíduo e aos demais.

A luta, continua enquanto a autonomia do sujeito resiste, mas a dificuldade de empreender projetos dentro do espaço social que ocupa; vai diminuindo sua vontade até que se torna insensível, imprudente, negligente e finalmente desidioso.

Congresso ABRACOR

Tudo isto acontece, porque existe uma oculta e profunda dissidência entre a missão do Conservador, as mensagens inconscientes e as pressões da sociedade: enquanto o técnico trabalha na recuperação, a realidade diz que nada importa, e que o esforço é só individual e não vale a pena. Perante esses estímulos negativos, dificilmente uma pessoa pode sustentar seus braços no alto. Para que vai consumir energia em algo que não pode modificar ?...

3. A contradição: O inimigo do Con­servador

A contradição é " a negação de alguma coisa que teoricamente se afirma ", e o cumprimento da tarefa conservativa está cheia de divórcios conceituais e contrariedades. Provavelmente isto faz que o Conservador se transforme num testemunho molesto dessas negações, e num receptáculo de tensões e frustrações.

A contradição é um desgaste permanente. Por exemplo:

1) O trabalho do Conservador é anônimo, contradizendo as tendências sociais, que impulsionam a procurar popularidade e a exibição.

2) Os benefícios de sua ação sao essecialmente conceituais, dificilmente reconhecíveis e podem-se avaliar dentro de um determinado tempo; pelo estado de uma coleção. Tampouco esses aspetos são premiados, já que normalmente o que se procura é a rapidez e as definições estéticas; se bem que os resultados respondem á mediocridade.

3) Provavelmente, o profissional jamais se enriquecerá com sua profissão. Outra contradição muito importante, devido a sobrevalorização dos aspetos materiais.

Em resumo: para a sociedade moderna esses são uma verdadeira antítese conceituai de seus próprios preceitos. E a polêmica será inevitável, coisa que o profissional só poderá atenuar tendo às claras sua meta..

Page 14: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso ABRACOR

Para isto, existem uma série de fundamentos, que são necessários ter em conta para poder atuar com coerência no desempenho da profissão.

Um deles é o objetivo mesmo da disciplina - e a realidade está muito pouco mencionada nos livros museulógicos -: Conservar é uma quimera.... É uma luta em contra a seleção natural. E tentar tirar da natureza, alguns anos mais de tempo para prolongar o contato com artefatos e obras, que funcionam como testemunhos históricos. Se o profissional não compreendesse isto, dificilmente poderia adotar decisões precisas, na questionável seleção que se debe fazer quando determinam-se as prioridades da sobrervivência.

De forma que para iniciar, os Conservadores têm um primeiro inimigo na natureza, na sua luta contra a degradação e a seleção natural da matéria.

Depois - como também foi dito - , têm um segundo inimigo nos costumes sociais, já que vão contra a moda e o consumo.

Também têm a terrível função de assinalar aos colegas e chefes sobre seus erros; e são uma lembrança permanente das equivocações passadas, que a onipotência de um funcionário nem sempre poderá perdoar.

E são os encarregados de controlar as ações das instituições, cuja política está muitas vezes dirigida ao exibicionismo e a arrecadação.

Além disso, em quase todos os países os profissionais conscientes sentem que sua tarefa é atrapalhada por uma falta de repercussão e sensibilidade, até as vezes proveniente da mesma ação do movimento cultural. E a explicação é simples:

a) A cultura, de fato, não cria grande prestigio político, exceto quando se empreendem empresas muito atraentes - no seu início -, e que podem chegar a ser desprotegidas posteriormente.

Política de Preservação

b) A questão museulógica, ao mesmo tempo, é um assunto de menor importância dentro das categorias da cultura.

c) Finalmente, o conservativo - como é anônimo e bastante ignorado ainda -, fica totalmente opaco dentro do movimento museulógico; onde persiste uma política dedicada ao desenvolvimento da exibição. Sempre costuma ser a Conservação, um dos últimos pontos a serem levados em conta, amparados os funcionários após o argumento da limitação do orçamento - entretanto continua a desaparição do Acervo.

Ainda não há suficientes razões para que o Conservador se transforme num distressado ? Mas sem dúvida, poderia-se resumir que a falta de reconhecimento é um dos problemas mais fortes, que terminam diminuindo os preceitos e as forças do profissional.

4. A estratégia anti-distress

A museulogia, como movimento, há muito tempo que existe no mundo; e aquilo que no início eram problemas próprios da falta de difusão, hoje se transformou praticamente em desídia, devido à falta de apoio governamental e a leveza com que geralmente, se administra o Patrimônio Cultural.

Não existem fórmulas mágicas, e sim a vocação e o antídoto natural da atitude saudável, verdadeiros resguardos da saúde mental. Na busca de um critério profissional, de nada valerão os postulados e definições teóricas se a pessoa não racionaliza com firmeza a função que deve desempenhar, os limites da suas ações, mais a vontade para cumprir o lema: continuar lutando por suas convicções.

O Conservador deve-se firmar em seus propósitos, tendo perfeitamente em conta que se faz cargo de uma tarefa um pouco esquisita para esta sociedade, que avassala e parece querer apagar todo o passado; sob o pretexto do modernismo, a revolução técnica e os câmbios da moda.

Page 15: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Política de Preservação Congresso ABRACOR

Para fazer face a estas realidades se impõe uma troca de mentalidade:

• Partir sempre da realidade, e criar sistemas próprios de desenvolvimento com base em possibilidades factíveis do meio. Os exem­plos de outras instituições servem até onde a própria estabelece as diferenças.

• Determinar prioridades dentro do Acervo. Qué é o que se pensa conservar? Sob que conceito?.

• Dirigir os esforços em políticas de cuidado preventivo e conservação a longo prazo, evi­tando a intensificação das intervenções indi­viduais.

• Postergar a intervenção das Obras prediletas ou "estéticas", em benefício da maior parte do Patrimônio, que -já se sabe -, encontra-se em grave perigo.

• Ter em conta que às instituições lhes custa incorporar uma área de consciência tão dura como a Conservaão, porque devem aceitar tudo aquilo mal feito. A gente tem que so­mar-se às tarefas e colaborar, dando tempo para a mudança de consciência.

O ingrediente mais importante - que não há que perder -, é o otimismo. Mas não um otimismo romântico, parecido a um sorriso complacente das propagandas de televisão; senão aquele resutante de uma decisão definitivamente assumida, onde a pessoa se sente suficientemente comprometida com suas ações.

5. A atitude de queixa

Devem lembrar que na ânsia de ser exigentes, corre-se o risco de perder a orientação. O Conservador tem que ser uma pessoa agradável, do contrário será odiado e sua pregação cairá no vazio: não é fácil obter rapidamente coisas, como o "sentido comum"; porque se sabe que é justamente esse o " menos comun dos sentidos".

O Conservador deve ser muito cauteloso. Sua melhor estratégia será tentar não ferir a suscetibilidade de ninguém. Porque se bem a tarefa da Conservação tem muito a ver com a revisão e o questionamento, o Conservador não pode atuar como um queixoso histérico, já que em vez de um colaborador vai parecer um personagem totalmente insuportável.

É fundamental eliminar a atitude de queixa: todas as correntes introspectivas fazem referencia ao "Decreto da Voz", que é o limite da convicção, sobre um objetivo determinado. A queixa transforma o indivíduo num ser carente de reflexos e atitudes criativas, devido principalmente ao "efeito boomerang " que produz na pessoa a convicção de que "tudo está mal" e que "nada tem solução". No entanto , a energia da queixa deverá dirigir-se a procurar os caminhos de ações positivas e factíveis: embora sejam mínimos, porém concretizaveis. Isto bastará para evitar os sentimentos de frustração, e permitirá o desbloqueio para começar outra etapa; mais criativa e disposta.

Cada pessoa implicada no meio museulógico, deve-se transformar num Conservador. Embora a carreira não exista num país, não é pretexto para não incorporar os conceitos da Conservação, no mínimo enquanto o que à consciência se refere.

Toda capacitação de técnicos e daqueles que se preocupam pelo assunto, deve estar dirigida a compreender a dimensão social da Conser­vação. Se deve prepará-los para modificar o estilo de trabalho no "âmbito fechado" das oficinas, e para criar programas mais orientados à comunidade; determinando definitivamente seu perfil como um " trabalhador da cultura ". De nada valerão todos os Conservadores e Restauradores que puderem trabalhar num país, enquanto não exista uma cultura de revalorização social; que verdadeiramente considere a exibição, investigação e difusão do Patrimônio Cultural da Humanidade.

O CONSERVADOR DEVERÁ SER:

Realista: deve manobrar no limite do factível e não se propor objetivos "teóricos" e inatingíveis . Não deverá exigir mais satisfações do que a realidade indica.

E metódico: deve saber cumprir com seus próprios ordenamentos, e semear e difundir as idéias com todo tipo de pessoa ou instituição que assim lhe permita; pois alguém sempre lhe ouvirá.

- 1 4 -

Page 16: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso ABRACOR Política de Preservação

Mas não deve ser pretensioso: as idéias da conservação não são o único eixo da verdade, e simplesmente devem acompanhar a outras áreas de atividade, para produzir um trabalho mancomunado.

Nem molesto: os conhecimentos a transmitir devem ser firmes e claros, tentando mostrar-se como um colaborador e não como um crítico externo à realidade. Por isto sua intervenção deve ser oportuna e moderada, porém não excessiva ou incisiva.

Deve esquecer a arrogância de pensar que se não se faz Conservação, na realidade não se faz nada. Tem que compreender que as instituições também carregam sua própria e dificultosa luta de subsistência.

E respeitar profundamente o esforçado labor do pessoal dos Museus, geralmente pouco remunerados e seguramente de boas intenções, embora desconheçam as técnicas de Conservação.

Devem procurar ser competentes tratando de melhorar o próprio critério profissional e evitar a intenção de superar " aos demais ". Essa atitude produz um enorme desgaste, é facilmente reconhecível pelo meio e origina um

latente mal-estar que prejudica a relação com seus colegas.

Em síntese: é inútil gastar tempo na busca de culpáveis ou inimigos. Essas distrações diminuem as energias e impedem a atividade empreendedora. Em algum momento a ética se impõe, mas para logra-lo é importante pensar que sempre alguma coisa pode-se fazer.

Para quem se reconhece como agente de uma ação social, não lhe caberá o stress da frustração, porque existirão a decisão e a consciência de estar fazendo o que corresponde. Um calmo otimismo se contraporá aos efeitos da negação e da desídia.

Conservar não é uma melancolia, senão um engajamento ao sentimento universal. É uma necesidade, mas sobretudo: uma obrigação....

Então, perante à pergunta:

- É a Conservação uma profissão " de risco "?.

Embora o meio tente que assim seja; você responda firmemente:

- Que não...

Bibliografia

La angustia vital. J. J. López Ibor, Edit. Montalbo, Madrid, 1950. Psychosomatic Medicin: its principies and applications. Norton & Co., New York, 1952. El hombre y su enfermidad. A. Jores, Ed. Labda, Barcelona, 1961. Diccionario de Psicologia Bela Scekely - Bruno, Edit. Claridad, Argentina. La ansiedad. Como diagnosticar y superar ei estres, Ias fobias y Ias obsesiones. Enrique Rojas, Edit. Planeta,

Técnicas de autocontrol emocional, Martínez Roca, Edit. Barcelona, 1988. Comentários sobre ei stress laborai, Organización Internacional dei Trabajo, (ANSA 1993).

- 1 5 -

Page 17: Anais Do VIII Congresso ABRACOR
Page 18: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso ABRACOR Política de Preservação

IPHAN E SUAS MUDANÇAS DESDE SUA CRIAÇÃO

Angelita Berndt Professora, Pesquisadora, Artista Plástica

Instituição de Trabalho: Departamento de Expressão Gráfíca/UFSC, Campos Universitário - Trindade, C. Postal 476

88040-900 - Florianópolis-SC Fone: (048) 231-9285

E-mail: [email protected]

Rossano Lopes Bastos Arqueólogo, Pesquisador

Instituição de Trabalho:IPHAN Rua Cons. Mafra,141

Antiga Alfândega Centro, 88000-000 - Florianópolis-SC

Resumo

Este artigo apresenta uma análise das principais mudanças ocorridas no IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde sua criação. As mudanças de nome do órgão (IPHAN) refletem muito a situação política e econômica do período em que as mudanças ocorreram. Este artigo tenta mostrar algumas questões referentes a atual situação do IPHAN, as quais são reflexos de mudanças ocorridas no órgão em outros períodos de sua história.

Abstract

This paper presents an analysis ofthe main changes occurred in IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Artísticos Nacional) since its creation. The changes ofthe nome of this body (IPHAN) reflectsome ofthe political andeconomic periods when these changes were made. This paper tries to bring up some questions related to thepresent situation of IPHAN, which are results of changes made in this urban preservation body in other periods qfits history.

1. Introdução

Este artigo analisa a trajetória do "IPHAN -Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional", desde sua criação em 1936, com relação aos seus diferentes nomes. As mudanças ocorridas na instituição federal de proteção ao Patrimônio Histórico Nacional através da representação de seus nomes e siglas envolvem à primeira vista mudanças de governo. As mudanças de nome foram significativas não só

do ponto de vista da identidade, mas também com relação à posição política da instituição.

Essas transformações no nome da instituição federal de proteção ao Patrimônio Histórico Nacional demonstram os diversos entendimentos dos tecnocratas de plantão em cada governo. Essas transformações na sua grande maioria caracterizaram desconti-nuidades das políticas culturais, que refletiram negativamente junto à sociedade, aos órgãos

- 1 7 -

Page 19: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Política de Preservação Congresso ABRACOR

internacionais de preservação e fundamen­talmente prejudicaram a preservação e conservação do Patrimônio Histórico Nacional.

Estas mudanças acarretaram prejuízos nas mais diversas áreas do Patrimônio Histórico. Podemos destacar algumas delas: desestimulação e redução do corpo técnico da instituição; descontinuidade ou ausência de diretrizes políticas; falta de investimento financeiro que acarretou no abandono de obras, e de restaurações inacabadas; falta de veículos de comunicação com a sociedade; e ausência da instituição em momentos importantes, onde seria necessário uma tomada de posição forte e determinada para garantir a salvaguarda dos bens culturais.

2. Criação do SPHAN

Em 1936 o Ministro da Educação, Gustavo Capanema, contou com a ajuda de Mário de Andrade para a criação de um órgão a nível federal para cuidar de assuntos referentes ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Mário de Andrade propôs a criação do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), hoje IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional). A proposta de Andrade passava pela questão técnica, ou seja, como deveria ser o quadro técnico, bem como a organização e hierarquia dos funcionários. Ele sugeriu que houvesse em cada capital uma delegacia do SPHAN. Seu projeto foi baseado em experiência de outros países como Itália e França (MEC, SPHAN & Pró-Memória, 1980). Foi frisado no seu projeto a importância de se manter uma revista publicada por este órgão, bem como livros de técnicos do órgão e acadêmicos de áreas afins, catálogos de museus, bem como folhetos e outros materiais impressos para informar turistas.

O SPHAN foi criado em base experimental e ficou com este status por 8 meses quando então em Janeiro de 1937 foi considerado um órgão

oficial. Nesta época o órgão era ligado ao Ministério da Educação e Saúde.

3. Criação do DPHAN

Em 1946 uma nova constituição foi aprovada dando responsabilidade aos três níveis de governo, Federal, Estadual e Municipal, para proteger o patrimônio histórico, arquitetônico, artístico, e o patrimônio natural e paisagens de especial beleza. Em Janeiro de 1946 o decreto No. 8534 transformou o SPHAN em DPHAN (Diretoria do Patrimônio Histórico Artístico Nacional). Este decreto também criou 4 distritos (filiais) regionais, Recife, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo, todas ligadas ao DPHAN.

Os primeiros trintas anos deste órgão (SPHAN/DPHAN) é conhecido como "fase heróica", que significa que nesta fase não havia condições de se atingir mais do que os objetivos citados abaixo:

1) Listar o patrimônio artístico, histórico, arquitetônico e paisagem natural, de maior importância.

2) Salvar alguns prédios e monumentos artísticos, que tenham entrado no estado de decadência.

3) Introduzir novas leis a nível nacional, não apenas com relação ao tombamento, mas também referente às conseqüências advindas deste processo, especialmente em propriedade privada.

Uma das razões das limitações do DPHAN era o número reduzido de profissionais envolvidos no trabalho de preservação por causa da reduzida verba designada ao órgão. Sendo assim, nesta primeira fase do órgão algumas importantes obrigações foram deixadas de lado por causa da contenção de verbas. Outro importante aspecto que deve ser considerado é que no começo do século XX ocorreu um processo intenso de urbanização em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro e mais tarde em outras capitais. Então, mesmo antes da

- 1 8 -

Page 20: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso ABRACOR Política de Preservação

existência do SPHAN muitas coisas referentes ao patrimônio histórico nacional já haviam sido destruídas. Cidades como Ouro Preto (MG) e Laguna (SC) foram preservadas em parte por sorte e devido a uma estagnação econômica. As questões de desenvolvimento e modernização estavam muito latentes no setor privado da construção civil nesta primeira fase do SPHAN/DPHAN e isto dificultava muito o trabalho do órgão.

4. Criação do IPHAN

A segunda fase do órgão é relacionada com a administração de Renato Soeiro, que foi presidente de 1967 até 1979. Em 1970 o artigo 14 do decreto No. 66967 transformou o DPHAN em IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional). Em Março de 1976 a Portaria no. 230 tornou oficial o regimento interno do IPHAN. Como conseqüência os distritos (filiais) regionais foram transformados em diretorias regionais, sendo no número de nove, e sete museus e casas históricas começaram a fazer parte do IPHAN.

Em cada capital de outros estados sem diretorias regionais havia um corpo técnico responsável, que era subordinado a uma das diretorias regionais. Por exemplo, Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, tinha um corpo técnico, que era subordinado à diretoria de Porto Alegre, a qual foi instalada em 1983. Podemos ver através da lista de diretorias que algumas tinham mais força que outras. O estado de Minas Gerais, por exemplo, tinha uma diretoria responsável apenas por seu estado, ao passo que a diretoria de São Luiz era responsável por 5 estados. Esta situação poderia ser atribuída à importância da reinvenção do barroco mineiro no cenário nacional. Outra explicação para esta grande diferença em termos da distribuição de técnicos e verbas é devido à importância histórica de alguns estados sobre outros no contexto político nacional (Berndt, 1995).

Durante esta segunda fase do órgão o foco de atenção passou mais para o tombamento de

grupos de prédios no lugar de prédios individuais. Ou seja, esta fase caracterizou-se pela proteção de núcleos e centros históricos. O rápido crescimento urbano e a industrialização fizeram com que o IPHAN olhasse mais atentamente para uma nova política de preservação para grandes centros. Outras questões como o crescimento do turismo e a poluição também já eram contempladas pelo IPHAN. No litoral, onde o turismo é mais desenvolvido, o IPHAN percebeu mais estragos no patrimônio do que outras cidades onde o turismo não era tão forte.

5. Criação do SPHAN

A terceira fase do órgão pode ser localizada em 1979 quando IPHAN foi transformado em SPHAN (Subsecretária do Patrimônio Histórico Artístico Nacional) pela lei No. 6757. A idéia da criação da Fundação Pró-Memória foi levantada como resultado das dificuldades que o órgão central tinha em administrar todas as diretorias regionais, que tinham diferentes necessidades. O problema de autonomia havia causado problemas no SPHAN, visto que a verba vinha do Governo Federal. A solução para este problema era criar a Fundação Pró-Memória, que sendo uma fundação teria autonomia financeira e estaria mais perto da realidade onde esta verba estaria sendo empregada (Araújo Santos, 1987).

O decreto No. 84.396 de 1980 regulamentou a situação da Fundação Pró-Memória. Este decreto se preocupa mais com a questão legal da Fundação. A fundação passa a substituir as antigas diretorias regionais, na parte operacional. A partir de então, o SPHAN passa a elaborar as diretrizes de atuação, detêm as prerrogativas de acautelamento e proteção, enquanto que a Fundação Nacional Pró-Memória executa as ações de preservação no âmbito operacional. Neste período podemos destacar a importante e significativa contribuição de Aloísio Magalhães, criador e idealizador da Fundação Nacional Pró-Memória

- 1 9 -

Page 21: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Política de Preservação Congresso ABRACOR

6. Criação do IBPC

Em Setembro de 1990 o decreto No. 99.492 transformou SPHAN em IBPC (Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural). O IBPC era subordinado à Secretaria da Cultura da Presidência da República-SEC. A Fundação Pró-Memória deixou de existir pela circular No. 1 de Janeiro de 1991. A partir desta data a Fundação se transformou em escritório regionais, no total de 14.

Essa talvez tenha sido a maior transformação sofrida pela instituição, a que mais impactos gerou em todas as direções. Foi executada uma reforma de maneira abrupta, autoritária, desrespeitosa, não só em relação aos técnicos da casa, mais sobretudo ultrajando a história e a memória da própria instituição. A estrutura que com todos os defeitos e fragilidades funcionava de forma a responder pelo menos às demandas mais imediatas de preservação foi desmantelada e se criou um vácuo, um vazio, um instituto sem diretrizes claras, sem história, sem vontade, onde imperou as práticas fascistas e a "caça às bruxas".

Esta situação só veio a refluir a partir do impeachement do Presidente Fernando Collor de Mello. Mesmo assim, num primeiro momento só ocorreram mudanças cirúrgicas, que conservaram ainda alguns elementos autoritários da gestão anterior, que foram paulatinamente modificados também a partir de um engajamento do corpo técnico empenhado em resgatar a sua dignidade e da instituição.

7. Criação do IPHAN

O IBPC passa a se chamar IPHAN pela Medida Provisória No. 610 de 08 de Setembro em 1994. Esta última mudança ocorreu como forma de resgatar o antigo nome do órgão, que assim

simbolizava uma volta às raízes dos idealizadores do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como já vimos no começo deste artigo. Devido à pressão do corpo técnico, ou seja dos funcionários deste órgão, é que se efetivou esta mudança. O nome IBPC não era identificador e tradicional e causava estranha­mento na população acostumada com as siglas "PHAN". Acima de tudo isto, é importante ressaltar que o IBPC foi uma herança trágica do Governo Collor, que desmanchou as estruturas do SPHAN/Pró-Memória, demitiu muitos profissionais especializados, fechou museus, casas de culturas, delegacia regionais, escritórios técnicos,* e isto foi um golpe tão grande que até hoje o IPHAN ainda não se recuperou. Esta mudança foi significativa do ponto de vista da instituição, pois mobilizou a grande maioria dos segmentos historicamente comprometidos com a história, com a cultura, enfim, como o patrimônio histórico nacional.

8. Conclusão

Podemos afirmar que a montagem do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) teve como incentivo de partida, segundo Miceli (1996, p. 16), "a reinvenção do barroco mineiro como de ouro de uma atividade autóctone e capaz de ombrear-se com experiências estrangeiras de idêntico calibre". O SPHAN na sua origem, foi o braço direito na política Vargas da construção da identidade cultural brasileira: "a brasilidade"

Este que foi sem dúvida até hoje o único projeto bem sucedido de toda a história das políticas culturais no Brasil, que foi tão fortemente marcada na sua origem, que mesmo assistindo a mudanças de nomes, desmandos, reformas e outras intemperes, segue em frente na tarefa da construção da nossa identidade e da nossa memória.

Bibliografia

Andrade, R. M. F. Anteprojeto elaborado para o Ministro da Educação e Saúde. Brasil, 1936. Andrade, R. M. F. Rodrigo e o SPHAN: Coletânea de Texto Sobre Patrimônio Cultural. MEC, SPHAN &

Fundação Pró-Memória, 1987.

- 2 0 -

Page 22: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso ABRACOR Política de Preservação

Araújo Santos, A. O. de. Restaura-se o Patrimônio. In: Revistado Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, No. 22,19è7.

Berndt, A. Urban Conservation: Comparison Between Brazil and England, University of Manchester, UK,

MEC, SPHAN & Pró-Memória. Proteção e Revitalização do Patrimônio Cultural no Brasil: Uma Trajetória. Brasília, 1980.

Miceli, S. Imagens Negociadas. Companhia das Letras, 1996.

Resume dos Autores

Berndt, Angelita Arte Educadora, habilitação em Artes Plástica (UDESC, 1990) Mestre em Planejamento Urbano (University of Manchester, 1995)

Bastos, Rossano Lopes Arqueólogo (UNESA, 1982) Especialista Arqueologia Pré-histórica (Museu Nacional/UFRJ, 1983)Mestre em Geografia (UFSC, 1994)

- 2 1 -

Page 23: Anais Do VIII Congresso ABRACOR
Page 24: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso ABRACOR Política de Preservação

POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO DE ACERVOS INSTITUCIONAIS Maria Celina Soares de Mello e Silva, Arquivista

Ozana Hannesch, Conservadora-Restauradora Solange Rocha, Conservadora-Restauradora

Museu de Astronomia e Ciências Afins Rua General Bruce, 586 São Cristóvão - Rio de Janeiro-RJ

20.921-030 Fone 580-7010 Fax 580-4531 E-Mail: [email protected]

[email protected]

Resumo

Apresentação da publicação "Política de Preservação de Acervos Institucionais", realizada por profissionais de diversas áreas, que trabalham em instituições ligadas à preservação de acervos, sob a coordenação do Museu de Astronomia e Ciências Afins e o Museu da República.

Abstract

Presentation of the publication "Preservaton Policy for Institutional Collections", carried on by professionals from several áreas, working in institutions releated to collections preservation, under coordination of Museu de Astronomia e Ciências Afins e Museu da República.

Palavras-Chave: Preservação - Política; Acervo-Política de Preservação.

1. O Projeto

O Museu de Astronomia e Ciências Afins e o Museu da República desenvolveram um projeto para elaborar uma política de preservação de acervos, com a participação de técnicos de diversas instituições do país.

Este projeto nasceu da necessidade que os profissionais do MAST sentiram de estudar e estruturar uma política que atuasse como diretriz de condutas voltadas para conservação de seu acervo. A partir de 1989, o Departamento de Informação e Documentação do Museu de Astronomia e Ciências Afins deu início a estudos para a estruturação de uma Política de Preservação de âmbito interno, a qual foi apresentada no último Seminário ABRACOR em Petrópolis, 1994.

A inexistência de documentos que orientassem e/ou normatizassem as ações ligadas à preservação da integridade dos bens culturais de caráter global, motivou o MAST para, em parceria com o Museu da República, abrir a discussão a outros profissionais de áreas afins, objetivando a formulação de uma política que auxiliasse as instituições na elaboração de normas e critérios gerais, e que envolvesse os principais aspectos que caracterizam a preservação do bem cultural.

Foram convidados profissionais, ligados à instituições públicas, que efetivamente atuavam nas áreas abrangidas pela preservação, dividindo-os em grupos de estudo: conservação; documentação; seleção/aqui­sição; processamento técnico; pesquisa; acesso; disseminação; treinamento e capacitação; restauração; segurança.

- 2 3 -

Page 25: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Política de Preservação Congresso A BR A COR

O trabalho teve início em junho/95, com calendário preestabelecido. Para cada grupo foi designado um coordenador, que agendava reuniões periódicas entre seus membros. Os profissionais de outros Estados participaram via fax, através dos coordenadores. O documento apresentado por cada grupo de estudo foi entregue à coordenação geral, após 45 dias de trabalho. Esta compilou o documento final que, após submetido à aprovação dos grupos, é aqui apresentado.

O resultado deste projeto foi a publicação do documento "Política de Preservação de Acervos Institucionais", apresentado em 1995, no "Encontro sobre Política de Preservação de Acervos Institucionais", realizado no Rio de Janeiro.

2. A Política De Preservação

O documento foi estruturado em princípios gerais e específicos. O item princípios gerais da preservação é visto num nível mais amplo de resgate histórico, deixando claro que no âmbito do documento, a preservação é entendida como a forma de retardar a deterioração dos bens culturais.

Os princípios específicos estão divididos de acordo com os grupos de estudo:

Conservação - os princípios gerais deste item tratam da priorização da conservação em detrimento à restauração, da interdiscipli-naridade que o trabalho exige e da continuidade e integração das ações de conservação; os princípios específicos tratam das questões quanto à guarda de acervo, à higienização, ao processamento técnico, à utilização e ao transporte;

Documentação - trata da documentação como atividade complementar ao bem cultural, e da necessidade de normas e padronizações de seus procedimentos;

Seleção/aquisição - basicamente enfatiza a criação de uma política de seleção e de uma

política de aquisição institucionais, incluindo a questão do descarte;

Processamento técnico - este item aborda a adoção de terminologia padranizada e dos procedimentos que sejam de uso comum, respeitando-se as normas nacionais e internacionais já estabelecidas;

Pesquisa - destaca a pesquisa como um importante fator de preservação na medida em que garante o resgate das informações e da memória do bem cultural;

Acesso - aborda a garantia do acesso através de critérios que levem em consideração os aspectos envolvidos no uso, na reprodução e na preservação do bem cultural;

Disseminação - enfatiza a necessidade de ampla disseminação não só dos bens culturais, como também dos trabalhos realizados sobre estes;

Treinamento e Capacitação - incentiva a elaboração de Programas de Treinamento e Capacitação, que considerem a equipe permanente e a passível de rotatividade;

Restauração - destaca a necessidade deste trabalho ser realizado por técnico capacitado, da adesão do técnico a um código de ética, bem como enfatiza que a restauração deve-se voltar para fins de resgate da funcionalidade, obedecidos os limites de intervenção;

Segurança - aborda os principais critérios para o estabelecimento de uma política de segurança, que abrange os aspectos que a instituição deve considerar para proteger pessoas, acervos e prédios;

Glossário - No decorrer do trabalho, foi sentida a necessidade de se definir um glossário específico para este documento, tendo em vista a diversidade de profissionais envolvidos, seja em número ou em heterogeneidade das áreas, estabelecendo um vocabulário comum.

- 2 4 -

Page 26: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso ABRACOR Política de Preservação

3. Conclusão

Com a publicação da Política de Preservação de Acervos Institucionais, o MAST e o Museu da República tiveram a intenção de reunir profissionais para discutir e propor diretrizes com o objetivo de estabelecer normas e critérios institucionais que envolvessem o acervo, a instituição e o seu quadro técnico. O documento pretende ser o passo inicial para uma discussão mais ampla, que resulte numa ação efetiva de se estabelecer uma política geral de preservação dos bens culturais.

Os grupos de trabalho não consideram o documento publicado exaustivo, mas

procuraram envolver os principais aspectos quanto à formulação de políticas internas de proteção.

Para o ano de 1996, a coordenação geral pretende cumprir mais uma etapa do projeto: a divulgação dessa publicação junto aos principais organismos de cultura do Brasil e do exterior, para uma avaliação mais ampla e com a participação de técnicos com experiências inteiramente diversas. Para tanto, foi realizada a tradução do documento para o inglês, com o objetivo de enviar para alguns comitês do ICOM, apresentando o trabalho realizado por profissionais brasileiros.

Bibliografia

Museu de Astronomia e Ciências Afins & Museu da República. Política de preservação de acervos institucionais. Rio de Janeiro: MAST, 1995. 33p.

Participantes

Iara Madeira Museóloga, Sítio Burle Marx Estrada da Barra de Guaratiba, 2019 Barra de Guaratiba - RJ, 23.020-240 Fone 410-1412 Fax: 410-1171

Norma Marques Museóloga, Museu da República Rua do Catete, 153, Catete Rio de Janeiro - RJ, 22.220-000 Fone 245.3150 Fax 285-6320

Resume dos Autores

SILVA, Maria Celina Soares de Mello e. Arquivista, graduada pela Universidade Federal Fluminense/UFF, 1987. Especialista em Documentação e Informação, pela UFRJ/IBICT, 1989. Mestre em Memória Social e Documento, UNÍ-RÍO, 1995. Participa da equipe do Serviço de Arquivo do Departamento de Informação e Documentação/MAST, desde 1985, realizando atividades de organização de arquivos particulares de cientistas e institucionais na área de ciência e tecnologia. Dedica-se, desde 1990, a organização do acervo iconográfico. Atualmente ocupa a chefia do Serviço de Arquivo. Faz parte da Coordenação Geral que elaborou o encontro e a publicação "Política de Preservação de Acervos Institucionais".

HANNESCH, Ozana. Conservadora-restauradora, graduada em Arquivologia pela Universidade Federal Fluminense, 1988. Especialista em Conservação de Bens Culturais Móveis, pela UFRJ, 1992. Realizou curso de Conservação, Restauração e Encadernação de Documentação Gráfica pelo convênio ABER/SENAI - SP. Participa da equipe do Serviço de Arquivo do Departamento de Informação e Documentação/MAST, desde 1987, realizando atividades de conservação e restauração, em suporte papel, no Laboratório

- 2 5 -

Page 27: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Política de Preservação Congresso ABRACOR

deste Departamento. Faz parte da Coordenação Geral que elaborou o encontro e a publicação "Política de Presrevação de Acervos Institucionais".

ROCHA, Solange. Conservadora-restauradora, bacharel em História pela Universidade Santa Úrsula, 1978. Cursou disciplinas isoladas de conservação e restauração na Escola de Belas Artes/UFRJ, 1981. Trabalhou na Fundação Oswaldo Cruz, 1980-1983; no Arquivo Nacional, 1983-1984, na área de pesquisa e restauração em papel; em restauração; no Museu Nacional de Belas Artes, 1984-1986, especializando-se em obras de arte em papel. Participa da equipe do Serviço de Arquivo do Departamento de Informação e Documentação/M A ST, desde 1985, tendo implantado as atividades de conservação e restauração, em suporte papel, neste Departamento. Faz parte da Coordenação Geral que elaborou o encontro e a publicação "Política de Presrevação de Acervos Institucionais".

-26-

Page 28: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

I

Congresso ABRACOR Política de Preservação

POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO: COMPARAÇÃO ENTRE BRASIL E INGLATERRA

Angelita Berndt Professora, Pesquisadora, Artista Plástica

Instituição de Trabalho: Departamento de Expressão Gráfica/UFSC, Campos Universitário - Trindade, C. Postal 476

88040-900 - Florianópolis-SC Fone: (048) 231-9285

E-mail: [email protected]

Resumo

Este artigo apresenta uma análise comparativa entre a Inglaterra e o Brasil referente às políticas de preservação urbana. Nos estudos de casos foram analisados duas cidades inglesas, Manchester e Chester, e duas cidades brasileiras, Ouro Preto e Belo Horizonte.

Abstract

This paper presents a comparative analysis between England and Brazil relatedto urban conservation policies. In the case studiesfour cities were analysed, two English cities, Manchester and Chester, and two Brazilian cities, Ouro Preto and Belo Horizonte.

1. Introdução

Este artigo tem como objetivo principal apresentar uma análise comparativa quanto à preservação urbana, entre o Brasil e a Inglaterra, levando em consideração aspectos como história e arquitetura local, legislações locais relacionadas com preservação urbana e suas formas de "colocação em prática". Esta analise é feita com base nos resultados de minha pesquisa de Mestrado feita na University of Manchester na Inglaterra em 1994 e 1995. A análise comparativa foi restrita aos centros históricos das cidades de Manchester e Chester na Inglaterra, e de Ouro Preto e Belo Horizonte no Brasil. O enfoque principal da pesquisa foi referente às políticas de preservação e planejamento empregadas na Inglaterra e no Brasil, como áreas de conservação e edifícios listados (tombados).

Um país sem história é como um homem sem memória. Esta frase é bem conhecida pelos profissionais da área de preservação, e foi com base nela que Sandys (1972) disse que cada

cidade tem suas próprias características, que são familiares a quem trabalha e vive nela. Estas características devem ser mantidas e respeitadas para que se possa ter um melhor futuro para novas gerações.

Preservação urbana é ainda um novo tópico em termos de pesquisa se comparamos com outros como por exemplo transportes, e está em constante evolução. Pessoas envolvidas com preservação urbana estão se tornando cada vez mais experientes, e erros ocorridos no passado estão começando a ser analisados cuidadosamente (Worskett, 1969).

Segundo Hanna and Binney (1983), a Segunda Guerra Mundial teve um grande impacto na Grã-Bretanha, quando então grandes áreas de várias cidades foram destruídas por bombas. Entretanto, o período pós-guerra na Inglaterra foi tão ruim quanto a própria destruição da guerra em termos de políticas de preservação. Os novos planos diretores se espelhavam nas modernas cidades dos EUA. Felizmente, devido à situação econômica do pós-guerra não houve

- 2 7 -

Page 29: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Política de Preservação Congresso ABRACOR

dinheiro suficiente para colocar os planos diretores em prática na íntrega. A cidade de Manchester, por exemplo, não teria mais o estilo Vitoriano, tão caraterístico do período da Revolução Industrial, caso seu plano diretor fosse colocado em prática integralmente.

2. Metodologia Empregada no Estudo

Inicialmente foi efetuada uma revisão bibliográfica referente à historia e aos estilos arquitetônicos de cada cidade estudada. Esta revisão foi importante para se perceber como um período da história e/ou um determinado estilo arquitetônico foi ou é previlegiado em relação a outros. Nesta primeira fase foram analisados mapas e fotos antigas, a partir dos quais foi possível verificar que algumas carateristicas da antiga cidade, ou seja, das diversas fases históricas da cidade, ainda estão presentes nas cidades do estudo. Uma análise evolutiva dos planos diretores nas cidades inglesas desde 1945 e das leis municipais e dos planos diretores das cidades brasileiras também foi efetuada. Os estudos de casos foram baseados também em questionários e entrevistas com profissionais das prefeituras ligados à preservação e com representantes de grupos e sociedades civis ligados às questões de preservação urbana.

3. Comparação entre Brasil e Inglaterra

Analisando e comparando as 4 cidades foi possível concluir que os trabalhos de preservação urbana têm crescido em volume e qualidade desde as primeiras legislações referentes a este assunto em ambos os países. Entretanto, ainda existem alguns problemas apesar dos esforços dos profissionais da área. A preservação urbana em geral é ainda considerada por muitos como um tópico/assunto elitista e isto criou opiniões distorcidas sobre o que é, realmente, preservação urbana. Outro problema, ainda, é que as pessoas percebem preservação urbana como uma perda de liberdade e uma invasão à propriedade privada, especialmente quando se

trata de tombamento de prédios. Isto é muito verdadeiro no Brasil, onde existe uma relutância geral em termos de envolvimento com questões relacionadas com preservação urbana.

Segue abaixo alguns problemas e diferenças entre os dois países em estudo:

Necessidade de um Programa Educativo

A pesquisa indicou que existe necessidade de uma maior particicipação do público em questões referentes à preservação urbana. O processo de tombamento (designation) é freqüentemente elitista (decedido por poucos), porém seu sucesso depende do apoio e envolvimento da população em geral. Isto ocorre porque a população pode fazer pressão junto aos políticos para criar e aplicar a legislação de maneira a proteger o patrimônio local. E importante que se tenha mecanismos para envolver e educar o grande público para um maior envolvimento nestas questões de preservação. A mídia, TV, Jornais, revistas, etc, é um bom meio de buscar atenção de uma boa parcela da população. Publicações de livros, não apenas técnicos, bem como guias turísticos, literatura infantil, folhetos e outros materiais impressos, que divulguem o que está sendo feito para preservar o patrimônio nacional também é de vital importância para o público. Desta forma o público tem melhores condições de saber o que está sendo feito pelos órgão responsável pelo patrimônio histórico. Na Inglaterra a educação referente às questões de preservação estão bem mais adiantadas e o órgão responsável pela preservação a nível nacional não só publica livros, revistas, livros infantis, bem como vende serviços para empresas privadas, e explora o turismo para a sua sobrevivência. As emissoras de TV fazem, com certa freqüência, programas relacionados com a questão da preservação urbana. No Brasil as tentativas de ser fazer um programa educativo acabam não tenho continuidade por falta de verba ou interesse político. Esta preocupação com as questões de publicações e divilgação do que os órgões estão fazendo já foi expressa nos primeiros documentos sobre o assunto no

- 2 8 -

Page 30: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

I

Congresso ABRACOR

Brasil. A falta de publicação nesta área também cria dificuldades para que os pesquisadores avancem nos estudos sobre a da questão da preservação urbana.

Necessidade de se Avaliar a Capacidade de Cidades Históricas

Hoje em dia áreas verdes são tão importantes quanto centros históricos, portanto deveríamos proteger ambos com o mesmo respeito. O estudo sobre "capacidade de cidade histórica" que começou a ser feito em Chester em 1993 avalia não apenas a questão física da cidade, bem como as questões socio/econômicas, como comércio local, artesanato, turismo e moradia (Harrison, 1993). Este estudo surgiu com a apresentação do ante-projeto de plano diretor à comunidade. Uma parte da área verde que circunda o centro histórico seria, segundo este plano diretor, liberada para futuras construções, mas isto não foi aceito pela comunidade. Em função disto, o governo central decidiu por criar uma comissão para avaliar a necessidade de se criar (na cidade de Chester) novas áreas para desenvolvimento urbano em detrimento da área verde. Ou seja, o governo central decidiu por efetuar um estudo da capacidade da cidade, fincando a aprovação do plano diretor condicionada aos resultados deste estudo. Este estudo poderia servir como exemplo para Ouro Preto, visto que esta cidade também já mostra sinais de sua limitação física e está na mesma situação de Chester onde a área verde também é preservada pela prefeitura. Em ambas as cidades o turismo é muito forte e isto pressiona para a construção de novas edificações fora do centro histórico. Ouro Preto possui ainda a limitação geográfica, pois é cercada por morros e mudanças feitas neste morros afetam esteticamente o centro histórico.

Necessidade de se Entender as Caraterísticas Locais

É de suma importância entender as caraterísticas sociais, históricas, econômicas e arquitetônicas das cidades para se conseguir os

Política de Preservação

melhores resultados das preservação urbana. Novamente, o estudo de capacidade em Chester pode ser considerado um bom exemplo de como um estudo relacionado com preservação deve ser conduzida, levando em consideração todos os aspectos locais. Não existe uma fórmula definitiva para se fazer estudos deste tipo, portanto cada cidade deve ser analisada levando-se em consideração as caraterísticas locais. Por exemplo, o que pode ser aplicado em Chester pode não ser apropriado para a realidasde de Ouro Preto, e vice-versa. Entretanto, este estudo da capacidade em Chester possibilitou o desenvolvimento de uma metodologia para este tipo de estudo, o que pode contribuir para estudos desta natureza em cidades como Ouro Preto.

Pode-se dizer a partir da pesquisa que os aspectos econômicos dos programas de preservação urbana devem ser analisados cuidadosamente. Pode-se concluir que, no caso de cidades históricas que possuem um programa de preservação urbana que incentiva o turismo, pequenos negócios como lojas de antiquidades, cafés, artesanatos, etc, são essenciais para manter a atmosfera tradicional das cidades.

Suporte Financeiro

Hoje em dia, por causa das dificuldades econômicas, prédios tombados e áreas de conservação não estão recebendo o mesmo suporte financeiro do governo. Percebeu-se a partir da pesquisa que isto ocorre nas quatro cidades estudadas. Em função de dificuldades econômico-financeiras os governos têm reduzido o suporte aos trabalhos de preservação. Pode-se dizer que no caso da Inglaterra o governo atual tem reduzido os impostos como forma de permanecer no poder, tendo que reduzir gastos em projetos culturais de forma geral. Um solução que tem sido encontrada pelo governo brasileiro é a obtenção de recursos junto às empresas privadas através de incentivos fiscais. Esta solução foi colocada em prática no Brasil desde 1985 com a Lei Sarney, a qual foi extinta em 1990. Este tipo de incentivo fiscal foi reintroduzido em 1992 com a Lei Rounet, estando ainda em vigor.

Page 31: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Política de Preservação Congresso ABRACOR

Necessidade de Legislação mais Detalhada no Brasil

No Brasil a legislação federal referente à preservação urbana é muito geral, e por causa disto as prefeituras precisam criar sua própria legislação. Com excessão de algumas cidades tombadas a nível federal, as prefeituras no Brasil têm o poder de decidir o que deve ser feito com seu patrimônio histórico porque a legislação federal não determina detalhadamente como as prefeituras devem proceder. Sem uma legislação federal adequada para regular os trabalhos de preservação a nível municipal, as decisões tomadas nos municípios ficam dependentes dos interesses políticos dos grupos que se encontram no poder. Na Inglaterra todos os prédios e áreas de preservação são tombados a nível nacional. Isto evita que os grupos políticos que passam pelo poder nas cidades modifiquem ou descontinuem trabalhos de preservação. É muito importante que as prefeituras tenham normas e diretrizes para os trabalhos de preservação ditadas pelo governo federal, pois assim evita-se a falta de uniformidade com relação às políticas empregadas por diferentes prefeituras. Na Inglaterra a ênfase dada pelas prefeituras aos trabalhos de preservação é determinada em seus planos diretores, os quais são preparados com participação da comunidade.

Pressão para Desenvolvimento

Podemos afirmar que Belo Horizonte e Manchester tem problemas parecidos referentes a pressão econômica para o desenvolvimento. Ambas as cidades dependem da insdustria, do comércio e de universidades, e também são centros administrativos. A realidade de Belo Horizonte e Manchester é bem diferente da realidade de Ouro Preto e Chester, visto que as duas últimas dependem do turismo como forma de geração de receitas. O centro histórico é, então, uma parte fundamental para atrair turistas. Desta forma, existe uma conciencia e preocupação maoir da população e das prefeituras para preservar seu patrimônio.

4. Conclusão

Conclui-se a partir desta pesquisa que tanto a Inglaterra como o Brasil tem evoluído bastante no que se refere às políticas de preservação urbana. Entretanto, devido às questões históricas, econômicas e sociais a Inglaterra apresenta uma situação mais favorável no que diz respeito à preservação de seu patrimônio nacional. Ao analisarmos a história da Inglaterra vemos que quando o Brasil ainda era colônia de Portugal, a Inglaterra usava o ouro vindo do Brasil para acelerar a sua Revolução industrial (sendo que o berço desta revolução foi a cidade de Manchester). Além disto, a Inglaterra tinha várias colônias, sendo que, muitas só deixaram de ser colônias recentemente. Ou seja, a Inglaterra tinha e tem uma condição econômica e política mais privilegiada que o Brasil. Esta condição econômica/política reflete muito na postura da população, ou seja, como a questão cultural é refletida no processo de preservação. Isto ficou claro no caso de Chester, quando da analise do ante-projeto do plano diretor, quando a comunidade opiniou no plano. Segundo relatos, a comunidade não é contra as políticas de preservação urbana, porém a parte verde que circunda a cidade também foi vista como parte integrante da qualidade de vida.

Na Inglaterra, a população pressiona mais o governo no que diz respeito à questão relacionada com a preservação urbana. Entretanto, isto não significa que a realidade da Inglaterra seja ideal, e deve ser copiada pelo Brasil. As questões relacionadas com a preservação urbana são complexas e requerem uma abordagem multidisciplinar, ou seja, já não basta apenas se preocupar com a questão urbana, de estrutura de prédios ou áreas de preservação, mais sim entender como funciona a economia, a política e a cultura local. As preocupações com o meio ambiente (com áreas verdes) ou com a qualidade de vida urbana (por exemplo, transporte urbano, qualidade do ar, poluição sonora e visual) devem estar sempre presentes em estudos e processos de tomada de decisão referentes às questões do patrimônio histórico.

- 3 0 -

Page 32: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso A BR A COR Política de Preservação

Bibliografia

Berndt, A. Urban Conservation: Comparison between Brazil and England. M. Phil Thesis, University of Manchester, 1995.

Cheshire County Council. Chester-The Future of an Historie City. UK, 1994.

Hanna, B. 7 Binney, M. Preserve and Prosper: The Wider Economic Benesfits of Conserving Historie Buildings. Save Britain's Heritage, London, 1983.

Harrison, T. Why Capacity? Paper presented at the 'English Historie Towns Fórum: Environmental Capacity and Development in Historie Towns' Conference, 17-19 November, Cheshire Country Council, Cnester, UK, 1993.

Sandys, D. The Changing City. ín: European Heritage: Issue One, Publishing Company, London, 1974.

Worskett, R. The Character of Towns: An Approach to Conservation. Architectural Press, London, 1969.

Resume do Autor

Berndt, Angelita Arte Educadora, habilitação em Artes Plástica (UDESC, 1990) Mestre em Planejamento Urbano (University of Manchester, 1995)

- 3 1 -

Page 33: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

__

Page 34: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso ABRACOR Política de Preservação

IDENTIFICAÇÃO DE BENS CULTURAIS DA CIDADE DE PIRANGA - MG, SUA PRESERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO

Mara Solange Fantini Especialista em Conservação/Restauração

Instituição: Círculo de Restauro Ltda. Rua Cristal 45/apto A - Ttabirito, MG

CEP 35.400-000 Telefax: (031) 561 - 2684

Claudina Maria Dutra Moresi Química, Pesquisadora

Instituição: CECOR-Escola de Belas Artes/UFMG Av. Antônio Carlos, 6627 - Belo Horizonte, MG

CEP 31270-901 Fone: (031) 448-1274 Telefax: (031) 441-9946 E-mail: Claudina @VM1.LCC.UFMG.BR

Denise Lampert Restauradora

Instituição: Círculo de Restauro Ltda. Rua Cristal 45/apto A - Itabirito, MG

CEP 35.400-000 Telefax: (031) 561 - 2684

Resumo

O presente trabalho consiste em um programa integrado entre profissionais de conservação e a comunidade, visando a preservação do patrimônio da cidade de Piranga, importante centro aurífero mineiro no século XVIII, com forte vínculo cultural e econômico com Ouro Preto e Mariana na época.

1. Introdução 2. Etapas Realizadas

Piranga e seus distritos, apesar de ter sofrido perdas de parte de seu patrimônio, ainda hoje apresenta um número significativo de bens culturais tangíveis e intangíveis. As obras de cunho religioso foram uma das mais preservadas no decorrer dos tempos, sendo um fator importante na identificação e caracterização da região, tornando-a singular dentro do contexto da arte mineira dos séculos XVIII e XIX. Desta forma estas obras se tornaram o objeto de nossos trabalhos, que ocorreu por etapas, permitindo dar ênfase à relação sociedade/patrimônio e a importância em preservar e conservar os bens culturais.

Ia ETAPA

Na primeira etapa foi realizada uma pesquisa de campo com duração de dois anos, contando com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -CNPq e Pró-Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Nesta pesquisa as igrejas e a imaginária de Piranga e seus distritos - Santo Antônio do Pirapetinga (antigo arraial do Bacalhau), Manja Léguas, Mestre Campos e Venda Nova - foram catalogadas e documentadas por fotografias em preto/branco e colorida, e slides. Na análise da imaginária,

- 3 3 -

Page 35: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Política de Preservação Congresso ABRACOR

observamos que ela poderia ser separada em vários grupos sendo cada grupo pertencente a uma escola.

As esculturas atribuídas à escola do Mestre Piranga (escola de um santeiro da região no século XVIII) receberam um tratamento especial, tendo sido montado um banco de dados sobre:

• tecnologia de construção, onde foram iden­tificados o tipo de madeira, encaixes, mate­riais e técnicas utilizadas na policromia;

• análise estética e estudo formal comparativo, onde verificamos que o artista ou a escola cria uma linguagem própria exibindo assim um barroco singular;

• análise do estado de conservação.

No tocante ao estado de conservação as degradações mais freqüentes encontradas nas esculturas foram: repinturas, desprendimentos de policromia, perdas de atributos e de outras partes menores do suporte e, ocorrendo com pouca freqüência, ataque de insetos xilófagos. As intervenções inadequadas e, principalmente as repinturas de má qualidade estão presentes na arte integrada e imaginária das igrejas da região, exceto a Igreja do Bom Jesus do Matosinhos em Santo Antônio do Pirapetinga que ainda apresenta as suas pinturas originais.

Os resultados desta pesquisa mostram que a principal causa de degradação das imagens esta vinculada ao seu manuseio inadequado. Portanto, observou-se que a população, na sua maioria católica e guardiã dos bens culturais da igreja, estava carente de conhecimento e consciência em relação ao seu patrimônio.

2a ETAPA

Passamos, então, para uma segunda etapa de trabalho em que realizamos um "Programa de Sensibilização e Conservação do patrimônio Cultural de Piranga", no ano de 1993. Este programa, que foi destinado à toda população, teve a duração de dez dias e como enfoque a preservação do patrimônio cultural religioso. Foram proferidas palestras na cidade de Piranga e seus distritos.

-34

Em Piranga as conferências, enumeradas abaixo, foram na Igreja Nossa Senhora do Rosário:

• 2 palestras para alunos de Io ano ao 4o ano do Io Grau;

• 2 palestras para alunos da 5a série à 8a série do Io Grau;

• 1 palestra para alunos do 2o Grau;

• 1 palestra específica para os professores de 1 ° Grau e 2o Grau da rede Estadual e Munici­pal;

• 1 palestra para a comunidade em geral.

Nas outras três cidades foi realizada uma palestra em cada cidade para a comunidade:

• Santo Antônio do Pirapetinga (Local: Igrej a do Bom Jesus do Matosinhos);

• Mestre Campos (Local: Igreja São Miguel e Almas);

• Manja Léguas (Local: Igreja Nossa Senhora da Conceição).

O roteiro abaixo foi apresentado em slides e um vocabulário compatível com a faixa etária de cada público:

• o que é patrimônio cultural e a importância de sua preservação;

• mapa esquemático da região;

• a região no início de sua colonização e o período colonial;

• a arte colonial mineira, com enfoque da arte sacra da região, suas igrejas, retábulos, pin­turas e imagens dos séculos XVIII e XIX;

• a importância do intercâmbio cultural e econômico entre a região de Piranga e as cidades de Ouro Preto e Mariana;

• a importância da região de Piranga dentro do contexto da arte sacra mineira;

• a região e sua economia, na atualidade;

• aspectos da conservação do patrimônio da região, exemplos de degradações e re­staurações;

• orientação à população quanto a conser­vação de seus bens arquitetônicos, integra­dos e móveis;

• a relação progresso/preservação;

Page 36: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso ABRACOR Política de Preservação

• a importância de profissionais especialistas na conservação do patrimônio;

• a responsabilidade de cada indivíduo com o patrimônio cultural.

Na palestra dirigida aos professores foram dadas, também, orientações de como continuar o trabalho de sensibilização, desenvolvendo atividades relativa ao patrimônio. Foi elaborado por nós uma cartilha. Os itens das palestras serviram para esclarecer e complementar o conteúdo da cartilha distribuída no início de cada conferência.

A cartilha foi dividida em quatro tópicos, com o objetivo de dar à população orientações simples e práticas de como auxiliar na preservação do patrimônio, a saber:

• introdução - breve histórico da região de Piranga;

• definição de patrimônio;

• porque preservar nosso patrimônio cultural;

• como auxiliar na preservação do nosso pa­trimônio. Nesse tópico foram dadas orien­tações quanto ao local de exposição, manuseio e limpeza das imagens; orien­tações quanto à limpeza das igrejas e retábu­los e quanto à segurança do patrimônio; e o procedimento adequado ao se perceber al­guma degradação na obra.

Devido a falta de recursos, na elaboração da cartilha, não foi trabalhado a ilustração visual, o que seria de grande importância devido ao índice de analfabetismo, como também não foi possível integrar ao trabalho outros profissionais de áreas afins.

No final de cada palestra era realizada uma visita orientada no próprio monumento - este foi o objetivo de se fazer as palestras dentro das igrejas - mostrando "in loco" à população parte de seu patrimônio, como este foi construído, em que época, seu valor social e artístico e seu atual estado de conservação.

O êxito do programa, que contou com a presença maciça da população, se deu pelo total apoio da Igreja Católica e da Prefeitura ao projeto e pela divulgação através da radio local,

no final das missas e, também, convites enviados pelo correio.

Considerando-se que para alcançar uma conscientização é necessário um trabalho de sensibilização a longo prazo, pois implica em "incorporar" novas posturas, anualmente voltamos à Piranga e proferimos novas palestras. Portanto, como primeira resposta desse programa, em 1995, nos foi solicitada a conservação de parte do patrimônio do Distrito de Santo Antônio do Pirapetinga.

3a ETAPA

Nesta terceira etapa definimos que os trabalhos de conservação seriam realizados por partes, considerando-se que a região é pobre. Entretanto, as verbas foram levantadas pela própria comunidade. A primeira intervenção de conservação se deu nos bens móveis em madeira policromada da Igreja do Bom Jesus de Matosinhos e o atelier de restauração foi montado na sacristia da igreja. Toda a imaginária, credencias, tocheiros, castiçais e painéis passaram por uma imunização, refixação e limpeza da policromia. Este trabalho foi realizado com a participação de mão de obra local por nós treinada e assessorada. As técnicas e materiais utilizados nessas intervenções foram os comumente usados em restaurações.

3. Conclusão

A comunidade, que já sabe diferenciar um especialista em conservação de um artesão, a cada etapa se põe ciente e participante e assim, gradativamente os trabalhos estão sendo realizados e o patrimônio de Piranga resguardado e conservado com total apoio desta. Com o objetivo específico de preservar o patrimônio, a população tem-se organizado de modo a formar comissões. Como exemplo, em Santo Antônio do Pirapetinga que teve em maio de 1995 grande parte de seu patrimônio arquitetônico religioso e civil tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IEPHA, foi criada uma comissão para cuidar especificamente destes bens.

- 3 5 -

Page 37: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Política de Preservação Congresso ABRACOR

Em se tratando de uma região carente, onde se vive de um comércio muito pequeno e de uma agropecuária praticamente de subsistência, o meio mais acessível de se conservar o patrimônio é fazendo com que a própria comunidade, no seu dia a dia, auxilie de maneira correta esta preservação. Assim, o que parecia

Bibliografia

Bazin, Germain. O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil. Rio de Janeiro, Distribuidora Record, 1971. BOSCHI, Caio C. O Barroco mineiro: Artes e Trabalho. São Paulo, Brasiliense, 1988. ER1CHSEN, Edgard "Escultura - Mestre Piranga". Ventura. Rio de Janeiro. Fev., 1987/88. P.64-69 ETZEL, Eduardo Imagem Sacra Brasileira. São Paulo, Melhoramentos/Edusp, 1979. FANT1NL Mara S., "Contribuição ao estudo do mestre Piranga", trabalho apresentado na Escola de Belas

Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1990. FELLER, Robert L. : "Developments in the testing and application of protective coatings".ln: 1COM

Commitee for Conservation. 6, Ottawa, 1981. Paris, International Council of Museums, 1981 (Triennial Meeting) (81/16/1)

LEMOS, Carlos A. C. O que é patrimônio histórico. São Paulo, Brasiliense, 1982. MASSCHELETN - KLETNER, Liliane. Ancient Binding Media Varnishes and adhesives. Rome, TCCROM,

1985. MIRANDA, Selma, "Arquitetura Religiosa no Vale do Piranga". Barroco, Belo Horizonte, 13,1984/5. MOREST, Claudina M. D. Estudo dos materiais pictóricos da principal obra do mestre Ataíde. Tese de

mestrado, Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1988. SERCK-DEWAIDE, Myriam. Conservacion de esculturas policromadas. Seminario-Taller de Actualizacion

para America Latina Conservacion de Escultura Policromada. Getty Conservation Institut, 1989. WOLBERS, Richard. Notes on the workshop on cleaning of paintings.

impossível diante da falta de recursos da cidade, vem se concretizando com êxito pelo real esforço da comunidade que, esclarecida, sensibilizada e devidamente orientada vem salvaguardando sua identidade e garantindo a compreensão de nossa memória social.

- 3 6 -

Page 38: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Congresso ABRACOR Política de Preservação

SÃO JOÃO MARCOS, A CIDADE CUJO TOMBAMENTO FOI CANCELADO

Maria Cristina Fernandes de Mello Professora, Arquiteta e Urbanista, Restauradora

Instituição de trabalho: Universidade Federal Fluminense Rua Passo da Pátria 156 - Niterói, RJ CEP 24210-240 tel/fax (021)7174342

Resumo

Este trabalho inicia uma investigação através da História da Preservação Cultural no Brasil. Tem por objetivo analisar os princípios gerais e critérios verificados nos tombamentos e intervenções nos conjuntos arquitetônicos e sítios históricos, Patrimônio Ambiental Construído, desde o processo de constituição do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1937, até a década de 90.

A memória destes procedimentos fornece instrumentos para delinear a ação do Estado nas transformações do Ambiente Construído. A legislação e a documentação referente às relações entre os poderes político e econômico mostram, no caso específico de São João Marcos, as circunstâncias de subordinação na produção da política cultural.

São João Marcos foi a primeira cidade a ser tombada pelo SPHAN, em 1939, quando completava 200 anos de existência. Foi também a primeira a ser destruída, em 1941-43, para aumentar o potencial de acumulação de água do Ribeirão das Lages, face à crise energética do Rio de Janeiro.

Este caso foi estudado por memorialistas, geógrafos e historiadores. A originalidade do nosso trabalho está na pesquisa sistemática da iconografia da cidade e da arquitetura, fragmentada por vários arquivos e pela associação destas imagens com os pareceres técnicos que fundamentaram decisões e ações do poder executivo, as quais permitiram a total destruição de um município em favor de uma cidade.

Abstract

Th is work begin an investigation through the History ofPreservation of Cultural Heritage in Brazil. The mainpurpose is to analyse technical criteria verifiedon legal postures of protections of historical sites and cities, since 1937 when was created the "Serviço do Patrimônio Histórico -SPHAN" untill the 1990 's.

The memory of those procedures identifies the government actions on Territorial Preservation. The laws and documentation referred the relationship between political and economical forces, especially concerning the city of São João Marcos, show the subordination circunstances where cultural policies were developed.

São João Marcos was thefirst city legallyprotected, in 1939, when it was lOOyears old. ltwas also thefirst to be destroyed, in 1941-43, in order to increase the potencial ofwater acumulation of Ribeirão das Lages, to face the energetic crises on Rio de Janeiro.

This case was studiedby memorialists, geographers and historians. The originality ofour work is the iconographical research ofthe city and its architecture, wich was fragmented, and the comparison with técnica! reports who backed the decision about the destruction ofSão João Marcos in favor ofthe improvement ofRio 's water system.

-37-

Page 39: Anais Do VIII Congresso ABRACOR

Política de Preservação Congresso ABRACOR

1. Introdução

Este trabalho discute ações governamentais dirigidas ao Município de São João Marcos no Estado do Rio de Janeiro, em três tempos, no final do século XIX, nas décadas de trinta e quarenta e em 1990. São ações precedidas de grande mobilização de cidadãos empenhados na salvaguarda de seus bens culturais e de sua identidade. Esforço inútil frente ao autoritarismo e barbárie que se verificou no episódio de destruição ocorrido em 1941-43. São João Marcos, fundada em 1739, foi incansavelmente defendida por muitas pessoas em épocas diferentes. Não foi suficiente tal ardor e competência frente a um dos argumentos mais controvertidos hoje em dia - o progresso -visto por um único ângulo, aquele dos tecnocratas.

As decisões do poder público sacrificaram um município, exemplo de conjunto arquitetônico íntegro do sec XIX, em favor de uma prioridade questionável e equivocada, o alteamento da barragem de Ribeirão das Lages para servir de abastecimento emergencial à cidade do Rio de Janeiro.

A história desta região e a nostalgia de uma comunidade arrancada à força de seu lugar evidencia a ausência de critérios para uma política de Preservação do Território no Brasil, onde interesses econômicos e políticos, através de pareceres técnicos manipulados incorretamente, ocuparam o lugar de um desejável planejamento e desenvolvimento integrado para o Patrimônio Cultural e Ambiental.

A proximidade com a Capital Federal, Rio de Janeiro, foi freqüentemente causa e conseqüência de seus feitos e desfeitos. O Rio, envolvia e devorava. No caso de São João Marcos, um município foi sacrificado em seu beneficio.

As formas de poder, ostentado também nesta época e neste episódio, eram: o saber técnico, que produzia um efeito terrorista e acuava poderosos com "a possibilidade de errar com

muitas pessoas"; o saber da ideologia cultural oficial, que decidia o que era, ou não, identidade cultural de um povo e assim promovia os tombamentos que julgava necessários; o saber político investindo no desenvolvimento industrial - na idéia de nação, prejudicava alguns em benefício de uma cidade e o saber do homem e de seu lugar, a memória social, a qual nem sempre era reconhecida. Entretanto havia uma subordinação evidente: a cultura oficial subordinada ao poder executivo e este, ao poder econômico.

São João Marcos viveu o apogeu do café. Seu rei - Souza Breves- e seus milhares de escravos, viu os caminhos sendo construídos, pela passagem e transporte entre São Paulo, Minas e os portos fluminenses. A cidade viu riquezas nas igrejas erguidas aos santos protetores por agradecimento a tanta abundância e viu a malária, a destruição e o esquecimento de suas ruínas históricas.

Chegou a decadência, primeiramente pela crise na produção cafeeira, depois pela construção da nova estrada que ligava Rio de Janeiro a São Paulo e parece que S.J.Marcos foi "bode expiatório" na represália do setor elétrico privado à promulgação do Código de Águas em 1934 - tentativa do governo de controlar o setor elétrico, sob domínio de empresas estrangeiras.

Os argumentos dos dirigentes da LIGHT, já estatizada, em 1990, por ocasião da iniciativa de tombamento das ruínas e do sítio histórico pelo INEPAC/RJ, remanescente desta destruição de 1942, eram discursos semelhantes, defendendo proprietários e julgando S.J.Marcos novamente insignificante em termos históricos e culturais.

Intrigados com exemplos de "esquizofrenia" do Estado Brasileiro no trato com os Bens Culturais, evidenciados principalmente nos períodos de ditadura e autoritarismo, onde ações visando preservação eram contrapostas a atitudes arbitrárias e destrutivas, iniciamos este projeto procurando os registros do que havia sido São João Marcos. Pretendíamos contar novamente essa história, com um novo olhar sobre suas imagens fragmentadas, sua memória

- 3 8 -