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ANÁLISE DA TRIPARTIÇÃO DAS FUNÇÕES DOS PODERES E SEUS REFLEXOS NO ESTADO CONTEMPORÂNEO Jacqueline da Silva e Silva * Propõe-se no presente trabalho levantar informações sobre como a doutrina da tripartição das funções dos poderes consolidou-se como princípio fundamental na organização política das constituições modernas, francesa e americana, bem como suas variações quanto ao papel do poder Judiciário. O estudo analisa, inicialmente, como se formou a teoria clássica da separação dos poderes desde as raízes aristotélicas, alcançando a composição dessa tripartição em Montesquieu. Em seguida, observa-se a construção institucional do Judiciário moderno a partir de duas grandes tradições – França e Estados Unidos – considerando, fundamentalmente, as teorias de Montesquieu, Alex de Tocqueville e James Madison em Do espírito das leis, A democracia na América e O Federalista, respectivamente. Considera-se, finalmente, a atuação do judiciário no Estado Contemporâneo e as ações que ferem a teoria ora analisada. Embora seja comum que a teoria da tripartição de poderes faça referência à Montesquieu, é necessário, contudo, não ignorar a fase anterior dessa divisão de funções do governo da Pólis grega, presente na filosofia aristotélica. Esta, apesar de não formular uma real teoria acerca da separação das ações do Estado, fez, a esse * Acadêmica do curso de Direito da Universidade Ceuma – Campus Cohama

Análise Da Tripartição Do Poder e Sua Influência No Estado Contemporâneo

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ANÁLISE DA TRIPARTIÇÃO DAS FUNÇÕES DOS PODERES E SEUS REFLEXOS NO ESTADO CONTEMPORÂNEO

Jacqueline da Silva e Silva *

Propõe-se no presente trabalho levantar informações sobre como a

doutrina da tripartição das funções dos poderes consolidou-se como princípio

fundamental na organização política das constituições modernas, francesa e

americana, bem como suas variações quanto ao papel do poder Judiciário.

O estudo analisa, inicialmente, como se formou a teoria clássica da

separação dos poderes desde as raízes aristotélicas, alcançando a

composição dessa tripartição em Montesquieu. Em seguida, observa-se a

construção institucional do Judiciário moderno a partir de duas grandes

tradições – França e Estados Unidos – considerando, fundamentalmente, as

teorias de Montesquieu, Alex de Tocqueville e James Madison em Do espírito

das leis, A democracia na América e O Federalista, respectivamente.

Considera-se, finalmente, a atuação do judiciário no Estado Contemporâneo e

as ações que ferem a teoria ora analisada.

Embora seja comum que a teoria da tripartição de poderes faça

referência à Montesquieu, é necessário, contudo, não ignorar a fase anterior

dessa divisão de funções do governo da Pólis grega, presente na filosofia

aristotélica. Esta, apesar de não formular uma real teoria acerca da separação

das ações do Estado, fez, a esse respeito, importante distinção das funções

estatais: deliberativa, executiva e judicial, que reservam estreita semelhança à

composição atual. No século XVII, John Locke, estruturou sua ideia propondo

as funções legislativa, executiva e federativa como base para a separação do

exercício do poder, por observar a delicada relação entre poder e fragilidade

humana no que tange à possibilidade de abuso.

Outros pensadores aproximaram-se da teoria de Montesquieu, mas

é sua obra Do Espírito das Leis que resume o princípio constitucional de maior

voga e prestígio de toda a idade liberal (BONAVIDES, 2000). Desenvolve, pois,

a teoria da Ciência Política que objetiva limitar o poder do Estado, atribuindo-

lhe competências e órgãos diferenciados, bem como a ideia de que devem ser

* Acadêmica do curso de Direito da Universidade Ceuma – Campus Cohama

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harmônicos e independentes entre si. Baseado na concepção política de

liberdade, Charles-Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu, intencionava

dimensionar a eficiência do Estado uma vez que estariam, cada um dos três

poderes, especializando-se em determinada função, o que provocaria, segundo

acreditava, a redução das práticas absolutistas. Assim, fundamentado na

necessidade de autocontrole do poder, a teoria de Montesquieu não é senão

um sistema tripartido de freios e contrapesos, assim disposto: a) poder

legislativo; b) poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes;

e c) poder executivo daquelas que dependem do direito civil (ROSA, 2009).

Dessa forma diferenciados e baseado na concepção política de liberdade,

Montesquieu cria instrumentos que visam conter o abuso de poder,

evidenciados no fragmento:

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode temer-se que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. (...) Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria o legislador. Se estivesse ligado ao executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. (MONTESQUIEU, 2010, p. 169)

Nasce, então, o ideal de Estado limitado indispensável à formação

de uma política liberal, onde o poder seja o freio do poder (MONTESQUIEU,

2010). França e Estados Unidos, cada um a seu modo, tomam para si tal

orientação, que se converte no princípio fundamental da organização política

liberal e transformada em dogma pelo art. 16 da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão de 1789 que define “Toda sociedade na qual a garantia

dos direitos não for assegurada, nem a separação de poderes determinada,

não tem Constituição”. (apud, BONAVIDES, 2000)

A principal diferença entre os dois países é que a França visava

combater o absolutismo vigente no país havia tempos, o que explica o

enfraquecimento do Executivo e o fortalecimento do Legislativo, representante

da soberania popular. MONTESQUIEU (2010), embora tenha dado ao

Judiciário a condição de julgar, enaltece seu caráter secundário:

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Dos três poderes de que falamos, é o Poder de Julgar, de certo modo, nulo. Sobram dois. E, como estes têm necessidade de um poder regulador para temperá-los, a parte do corpo legislativo composta por nobres é muito apropriada para produzir esse efeito.

Os Estados Unidos, por sua vez, não afirmaram a supremacia do

parlamento, por reconhecerem que a peça legislativa precisa ter poder

controlado, temendo que a tirania acontecesse não apenas no governo

autoritário de um só, mas também no governo democrático da maioria. A esse

respeito, James Madison (apud ROSA, 2009, p. 28) em um de seus “artigos

federalistas”, cujo objetivo era tentar convencer os cidadãos de Nova York a

acatar o novo texto constitucional, analisou:

O acúmulo de todos os poderes legislativo, executivo e judiciário nas mesmas mãos, seja de uma pessoa, de algumas ou de muitas, seja hereditário, autodesignado ou eletivo, pode ser injustamente considerado a própria definição de tirania.

Desse receio constrói-se um modelo com vistas a mitigar o Poder

Legislativo conferindo maior equilíbrio à relação com os demais poderes,

afastando-se, desta forma, do modelo europeu que outorgava ao Legislativo

papel proeminente. (SOARES, 2009).

Assim, a prática diferenciada na aplicação da teoria de Montesquieu

na França e nos Estados Unidos resultou em distintas definições do papel do

Judiciário em relação aos outros poderes. Na França, a supremacia do

Legislativo, levou a uma desvalorização do Judiciário como poder de Estado.

Nos Estados Unidos, por sua vez, a preocupação com o direito à propriedade,

frente à voracidade legislativa de governos populares acabou elevando o

Judiciário à condição de poder político, capaz de se colocar entre o governo e o

cidadão, na defesa dos direitos individuais deste último. (ARANTES, 2002)

Alex de Tocqueville, estudioso do fenômeno democrático, foi quem

melhor descreveu as diferentes práticas dos regimes políticos francês e

americano, quando da divisão das funções dos poderes. Em A democracia na

América, o autor tenta descrever as razões do contraste entre o êxito

americano e o fracasso francês. Tocqueville elogia o modelo americano que foi

capaz de conciliar igualdade e liberdade, ressaltando, assim, a separação de

poderes como veículo que propicia participação política da sociedade e

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liberdade individual. Por outro lado, faz críticas ao modelo francês e considera

que a ausência de um judiciário imponente, existente nos EUA, faz com que a

experiência não obtenha sucesso. Para ele, o poder Judiciário representa o

contrapeso da democracia na medida em que é mister o controle da

constitucionalidade das leis.

Por ser bem sucedida, a experiência americana acaba servindo de

modelo para diversos países, objetivando a contenção da política majoritária,

bem como prestar justiça nos conflitos particulares.

Comparativamente, o papel do Judiciário sob a perspectiva de

Tocqueville e Montesquieu é, respectivamente, de guardião da Constituição

nos Estados Unidos, contrastando com a nulidade política na França. A

investigação das políticas nos dois países leva Tocqueville a perceber que o

sucesso americano relaciona-se diretamente com o fato de que os conflitos

constitucionais devem ter sua decisão final a um corpo de magistrados com

certa independência funcional.

Transcorrido o tempo, os poderes políticos transformaram-se e o

Poder Judiciário, ganha maior destaque na relação de equilíbrio entre os

Poderes Executivo e Legislativo, redefinindo, assim, o papel do juiz. A

separação dos poderes, que, em última análise, nasce da necessidade da paz

social e do gozo à liberdade, pode estar sendo posta em cheque nos dias

atuais.

Os controles jurisdicionais da legalidade e da administração e da

constitucionalidade da legislação evidenciam o avanço da atuação do Poder

Judiciário contrariando os ensinamentos de Montesquieu, cuja intenção era um

judiciário nulo. Essa contradição se apresenta, à guisa de exemplo, quando o

juiz utiliza critérios tradicionais pela doutrina e jurisprudência para a aplicação

do controle de constitucionalidade e se abstêm de interferir na definição de

políticas públicas. Tal controle é tido como núcleo central na separação dos

poderes no Estado Contemporâneo.

Acredita-se ser a separação absoluta de poderes uma ilusão não

concebida do ponto de vista lógico, haja vista que qualquer manifestação de

vontade do Estado, exige a participação de todos os órgãos que constituem a

pessoa do Estado (DUGUIT, apud ROSA, 2009).

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BIBLIOGRAFIA

ARANTES, Rogério Bastos. Judiciário: entre a justiça e a política. São Paulo. Educ. 1997.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2000.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Do espírito das leis. São Paulo: Martin Claret, 2010.

PIÇARRA, Nuno. A Separação dos Poderes como doutrina e Princípio Constitucional – Um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989. Disponível em http://www.al.sp.gov.br/web/instituto/sep_poderes.pdf (Mar.2013)

ROSA, Franke José Soares. O posicionamento constitucional do ministério público entre Os “poderes” do estado na constituição da república de 1988. Brasília, 2009. Dissertação apresentada à Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Disponível em: http://www.fesmpdft.org.br/arquivos/FRANKE_JOSE_SOARES.pdf (Abr. 2013)

TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América: leis e costumes São Paulo: Martins Fontes, 2010. Disponível em: http://pensamentosnomadas.files.wordpress.com/2012/11/democracia-na-amc3a9rica-1.pdf (Mar. 2013)