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Teatro Contemporâneo Eugenio Barba e o Teatro Antropológico TREINAMENTO "Depois de termos trabalhado durante anos juntos, por muitas horas ao dia, não são mais as palavras, mas talvez só a minha presença que pode dizer alguma coisa". (Eugênio Barba) Qual é o seu motor pessoal? Esta é uma pergunta essencial na experiência teatral de Eugênio Barba. Ele diz que é esse motor pessoal que se tem de buscar por trás das ações e das escolhas das pessoas de teatro. Esse motor pessoal é a "temperatura." Não adianta ter boa vontade, mas carecer de fora motriz. Esse motor está em nosso interior. Não é uma idéia ou uma pessoa, mas compromete cada um na sua totalidade, até as raízes mais profundas de si mesmo. O treinamento é entendido como aprendizado e pesquisa. O corpo é o material desta pesquisa: "o corpo é meu país". Como diz Barba: "o único lugar no qual eu sou sempre: não importa onde eu vou, estou sempre em mim, sempre em meu país. Nunca estou no estrangeiro, nem no exílio, quando não estou separado do meu corpo." Quando Barba diz corpo, está dizendo desta parte da alma que pode ser percebida por nossos cinco sentidos, a respiração vital, o pneuma, o eu total, os mistérios das potencialidades da vida que encarnamos. Neste sentido, o treinamento é a procura desta cultural individual (no sentido de indivíduo e não de individualismo) e única de "nosso país". E para isto é necessário tirar os condicionamentos e os reflexos com os quais estamos acostumados e nos permitir descobrir nossas possibilidades. "O que chamamos de espontaneidade não são mais que reflexos condicionados, reações que realizamos sem nos darmos conta, automatismos que nos atam e dos quais não podemos nos livrar", diz Barba. 1. 2. 1. Treinamento Iben Nagel Rasmussen 2. Treinamento Torgeir Wethal

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Teatro ContemporâneoEugenio Barba e o Teatro Antropológico

TREINAMENTO

"Depois de termos trabalhado durante anos juntos, por muitas horas ao dia, não são mais as palavras, mas talvez só a minha presença que pode dizer alguma coisa". (Eugênio Barba)

Qual é o seu motor pessoal? Esta é uma pergunta essencial na experiência teatral de Eugênio Barba. Ele diz que é esse motor pessoal que se tem de buscar por trás das ações e das escolhas das pessoas de teatro. Esse motor pessoal é a "temperatura." Não adianta ter boa vontade, mas carecer de fora motriz. Esse motor está em nosso interior. Não é uma idéia ou uma pessoa, mas compromete cada um na sua totalidade, até as raízes mais profundas de si mesmo.

O treinamento é entendido como aprendizado e pesquisa. O corpo é o material desta pesquisa: "o corpo é meu país". Como diz Barba: "o único lugar no qual eu sou sempre: não importa onde eu vou, estou sempre em mim, sempre em meu país. Nunca estou no estrangeiro, nem no exílio, quando não estou separado do meu corpo." Quando Barba diz corpo, está dizendo desta parte da alma que pode ser percebida por nossos cinco sentidos, a respiração vital, o pneuma, o eu total, os mistérios das potencialidades da vida que encarnamos.

Neste sentido, o treinamento é a procura desta cultural individual (no sentido de indivíduo e não de individualismo) e única de "nosso país". E para isto é necessário tirar os condicionamentos e os reflexos com os quais estamos acostumados e nos permitir descobrir nossas possibilidades. "O que chamamos de espontaneidade não são mais que reflexos condicionados, reações que realizamos sem nos darmos conta, automatismos que nos atam e dos quais não podemos nos livrar", diz Barba.

1. 2.

1. Treinamento Iben Nagel Rasmussen2. Treinamento Torgeir Wethal

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Treinamento Toni Cots

O treinamento vai fazer surgir uma arquitetura de tensões, diferentes da técnica cotidiana. Uma rede de tensões que se manifesta no ator, restituindo a unidade do espiritual e corpóreo, do masculino e feminino, do repouso e do movimento. Barba exemplifica esta experiência da seguinte forma:" existe uma segurança que é resultado da inércia, da entropia e existe uma segurança que é resultado do dinamismo de forças contrárias, das tensões que se confrontam. Existe a segurança de um monte de pedras esparramadas pela terra. E a segurança do montão de pedras que, através de forças opostas, elevam-se para as alturas, convertendo-se, assim, em arquitetura. A arquitetura ajuda-nos a visualizar esta qualidade das oposições, das tensões, que são as pulsões e o coração de tudo que está vivo. Os componentes básicos das catedrais são pedras, cujo peso as destinaria a cair na terra. Imprevisilvemente, estas pedras parecem não ter peso, aéreas, como se tivessem uma espinha dorsal para cima, com uma intensidade, uma voz que canta, se eleva, voa. É este o segredo da arquitetura, mas também da "vida" do ator: a transformação do peso e da inércia, por meio do jogo das oposições, em energia que voa. O teatro, como a arquitetura, é saber descobrir a qualidade das tensões e modelá-las em ações". Já dizia Gordon Craig: "o teatro é uma arquitetura em movimento."

Teatro Contemporâneo - O Ator: O Poeta da Cena

A arte do ator é uma teia de extrema delicadeza e de corajosa ousadia. Um percurso ávido , tecido pela paixão de conhecer o homem, o mundo, o cosmo, como uma necessidade implacável, apetite de vida, rigor cósmico, criação contínua.

Uma difícil e prazerosa arte de inscrever, com verdade, no tempo e no espaço da representação, os segredos da alma humana. Uma força criadora que apreende a interioridade ( as aspirações, os fluxos secretos do desejo) e se inscreve na exterioridade.

Uma trajetória, na qual o importante não é o se assentar no que foi acumulado, não é o capitalizar as habilidades técnicas e as teorias, nem passar por provas de genialidade e sim o enfrentar o desafio diário em abraçar as suas precariedades, as suas contradições, os seus limites, tendo como grande desafio, transformá - los em matéria expressiva, em algo ainda não nascido, fazendo-o nascer. Uma arte em vida, dinâmica, em movimento, em ação, germinada por esse desejo invencível do vir-a-ser. Uma representação habitada por marcas de sua própria história, gravadas em sua memória, escrita em sua própria carne.

Um trabalho orgânico, onde o ator coloca a sua humanidade não de maneira desatinada e descontrolada. Uma matemática criadora, embasada por uma técnica que garante qualidade, rigor, precisão e que vai possibilitar ao ator locomover-se, construir - se e se tornar uma presença ativa em cena, ou seja, o ator é ao mesmo tempo material e organizador de seu trabalho. Ele deve ser um compositor a cada dia. Todos os dias ele esculpe e compõe a sua obra: ele mesmo, obra viva do teatro. Todos os dias ele escreve uma poesia com o seu corpo.

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Por isso, uma obra poética - porque capaz de nos enlevar para além de mundos conhecidos, permitindo - nos entrar em contato com o nosso ser essencial. O teatro é a arte de reavivar memórias, busca atingir o ser do homem, se comunica em um outro plano, diferente da realidade cotidiana, superficial e inútil. Rompe a linguagem para tocar a vida. Transmite verdades que de outro modo permaneceriam ocultas. Traduz o intraduzível. Torna visível o invisível Um ato revelador que exige coragem e generosidade.

Eis a trajetória do processo de formação do ator. Uma prática sedimentar, com camadas de razão e emoção, depuradas pela ação do tempo milenar, mostrando como a força de uma arte tão antiga continua atual e múltipla, possibilitando o ato único de alta comunhão e celebração e "nos imbuindo de um ardente e passageiro sabor de outro mundo, no qual nosso universo presente esteja integrado e transformado", como diz Peter Brook.

Texto: Cristina Tolenttino

NOÇÕES DE TEORIA DO TEATRO

Esta página, e também as outras páginas desta série, contêm algumas noções de Teoria do Teatro para uma visão geral do trabalho de planejamento de uma peça teatral. Acredito que essas noções poderão ser razoavelmente informativas para o leitor em geral, e úteis ao Orientador Educacional que deseja tomar o teatro por instrumento pedagógico, enquanto não encontrarem um bom livro ou um Site na Internet com informações mais completas sobre o assunto.

O Teatro.

Existe grande polêmica sobre a definição de Teatro. Porém, uma página sobre Teoria do Teatro deve começar – me parece –, pela definição do que o Teatro é. Então, se partimos do fato irrecusável de que há uma história, escrita ou memorizada, que dá origem ao drama a ser representado, então o drama está subordinado a uma peça literária, por mais simples e rústica que esta seja. A Arte Dramática, ou Arte do Teatro – que envolve a arte de bem representar, a arte da iluminação, a arte da montagem do cenário, etc. –, é uma forma de manifestação artística a serviço da Literatura, assim como também a própria Arte do Livro – que envolve a arte da ilustração, a arte da impressão, a arte da encadernação, etc.

No Teatro, uma história e seu contexto se fazem reais  e verídicos pela montagem de um cenário e a representação de atores em um palco, para um público de espectadores. Por exemplo: um indivíduo pode não acreditar na existência do fantasma em uma história que lê em um livro, mas terá a sensação de realidade desse fantasma se ele o vê no palco, e se o personagem lhe parecer autêntico, por agir do modo como, na sua concepção, um fantasma haveria de agir..

Pode ser dito, então, que o teatro é uma forma de manifestação artística em que uma história e seu contexto se fazem reais  e verídicos pela montagem de um cenário e a representação de atores em um palco, para um público de espectadores.

A representação  teatral será o resultado do trabalho de muitos profissionais: do dramaturgo, dos atores maiores e menores, do diretor de palco, do pintor do cenário, do maestro da orquestra, e de outros de cujo talento e competência a

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arte da dramaturgia depende para atingir seu objetivo. E como este é o de levar uma mensagem em um trabalho artístico unificado, para que seja de fato Teatro necessita da presença e do interesse dos espectadores. No grande Teatro, uma performance de sucesso é a que consegue a harmonia perfeita entre todos esses elementos.

O drama. A "peça de teatro", ou drama, em conseqüência do acima dito, é o projeto escrito com a finalidade de dar à peça literária – poderá ser uma pequena história pensada já para ser levada ao teatro, ou uma fábula, ou um romance –, a sua expressão teatral. O Dramaturgo, através de um roteiro escrito ou script , rege as funções das artes unidas para a representação, assim como um maestro rege os instrumentistas da sua orquestra para uma execução. No palco, os personagens vão “viver” a história, vestidos de acordo com a narrativa, em um cenário – parte concreto, parte imaginário, sugerido por meio de paineis e objetos, e de sons especiais e música – representativo do ambiente em que a história acontece, com uma iluminação disposta para obter efeitos complementares importantes de luz e sombra. O dramaturgo, portanto, precisa não apenas de competência literária para redigir sua peça, mas também conhecimento e sensibilidade sobre todos os outros elementos estéticos envolvidos na arte de representar.

O dramaturgo muitas vezes deixa a estruturação dos diálogos para o final, depois de selecionar os atores e trabalhar o cenário em detalhes. Começa por dividir a história em atos e somente depois de toda a peça estar planejada ele volta ao início para escrever os diálogos. Deste modo, ao escrever o roteiro, o dramaturgo já tem em mente os atores escolhidos, a categoria ou qualidade do teatro ou sala, se será um palco ou simples estrado, os recursos de iluminação, e o público ao qual a representação se destina.

Etapas da dramaturgia. Clayton Hamilton (The Theory of the Theatre and Other Principles of Dramatic Criticism. Henry Holt and Company, New York City, 1910 – Proj. Gutenberg), considerando o progressivo desenvolvimento dos palcos, fala de três etapas na evolução do teatro. A primeira e longa etapa,  – que ele chama Dramaturgia da Retórica   – , vem da antiguidade até ao Renascimento, do período grego até à época de Shakespeare ao tempo de Isabel I. Nessa fase a expressão teatral recorria ao poder da Retórica e da Poesia. À segunda Etapa, bem mais curta, ele chama Dramaturgia da Conversação, pois o dramaturgo apelava para o brilho e inteligência dos diálogos, através dos quais ele também sugeria o cenário para a Plateia. E à terceira etapa chama  Dramaturgia da Ilusão de Realidade, que se inicia no século XIX, quando o desenvolvimento da encenação – marcada pela introdução da luz elétrica – leva a compor no palco o cenário da história com toda a ilusão de realidade feita possível pela tecnologia.

A Dramaturgia da Retórica apresentava-se sobre plataformas a céu aberto, lidava com discursos e palavras impressionantes; os atores vestiam roupas suntuosas, e desfilavam em procissão através do palco. O Drama da Retórica era conseqüência das condições físicas do palco elisabetano. Não havia cenários pintados ou montados, e o contexto em que a história acontecia era sugerido no drama por meio de monólogos, passagens poéticas, descrevendo a

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luz do luar, ou a floresta, o mar, as montanhas, conforme necessário para ambientar a história. Duas velas e a imagem de um santo sobre uma mesa era bastante para representar um templo. A magnificência, mais que propriedade da indumentária, era buscada pelo ator de plataforma na Dramaturgia da Retórica..

A Dramaturgia de Conversação predominou durante o século XVIII. Ela surgiu quando a idéia de construir cenários foi posta em prática por William Davenant (1606-1668), gerente do teatro do Duque de York. A partir de 1660 ele passou a representar o ambiente de suas comédias e tragédias usando cenários montados no palco, o que exigiu que as casas de espetáculo fossem fechadas e cobertas, e o palco iluminado por candelabros e lustres centrais. Como a mudança do cenário, entre um ato e outro, precisava ser oculta, passou a ser usada uma cortina, inexistente nos palcos da era anterior. Todas essas melhorias tornaram possível uma aproximação maior ao realismo da representação nunca feita antes. Palácios ou campos floridos, jardins, o interior de salas e mesmo ruas e calçadas podiam agora ser sugeridas por um cenário construído, em lugar de sê-lo por passagens descritivas em diálogos e monólogos. Os costumes tornaram-se apropriados, e os objetos eram mais cuidadosamente escolhidos para dar ainda maior sabor de realidade à cena. Porém, a iluminação precária obrigava os atores a representar junto às lanternas na beira do palco. A oratória gradualmente desapareceu e os discursos foram abolidos, e as linhas poéticas deram lugar a diálogos rápidos e inteligentes. A Dramaturgia de Conversação, portanto, era apresentada com mais naturalidade e fidelidade ao real que a Dramaturgia da Retórica que a precedeu.

A Dramaturgia da Ilusão de Realidade ou Dramaturgia do Realismo foi o resultado do avanço da tecnologia em todos os setores, inclusive na dramaturgia. Seu início tem por referência a descoberta do uso da eletricidade tanto em iluminação como em mecanismos os mais variados. O palco tornou-se essencialmente pictórico, e começou a ser usado para representar fielmente os fatos reais da vida. Descobriu-se o valor de pontuação do "baixar as cortinas", que antes eram usadas meramente para ocultar tarefas de preparação do palco. O expediente passou a ser usado ao final do ato, e os atores não mais tinham que debandar do palco ou se reunir em semicírculo para se curvar para a platéia na última cena. Em lugar da mobília formal do período anterior, foram introduzidos móveis que eram cuidadosamente desenhados para servir as condições reais do compartimento a ser representado. A partir de então os cenários avançaram rapidamente para um sempre maior grau de realidade.

Porém o realismo tende à banalidade. A maior parte dos dramaturgos é de realistas, e ao criar suas situações eles buscam ser estritamente fieis e exatos em sua representação do real. O resultado é que as circunstancias de suas peças tem uma aparência ordinária que as fazem parecer simples transcrições da vida diária em lugar de estudos sob condições especiais e peculiares da vida.

Tragédia. O drama da tragédia apresenta o espetáculo de um ser humano se esfacelando contra obstáculos insuperáveis. A Tragédia é um confronto necessariamente destinado à derrota do herói, porque a vontade individual humana é lançada contra forças opostas maiores que ela. Portanto, a tragédia

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desperta compaixão, porque o herói não pode vencer –  e terror, porque as forças mobilizadas contra ele não podem perder. Mas, por outro lado, é evidente que a tragédia é em si um tipo mais elevado de arte. Na tragédia grega clássica, o indivíduo luta contra o Destino, uma força imponderável que domina igualmente as ações dos homens e dos deuses.

Porém, a partir do século XVII – nas tragédias representadas pela grande dramaturgia Elisabetana –, o indivíduo está predestinado ao desastre não mais devido à força do destino, mas por causa de certos defeitos inerentes à própria natureza humana; os personagens mergulham para a destruição por causa deles mesmos; os elementos do seu caráter tornam inevitável um determinado fim . O herói trágico se vê enredado no emaranhado que a fatalidade arma para os incautos. A morte do alpinista congelado pelas neves eternas, seria trágica. Sua ambição de proeminência como um esportista radical traz cada vez mais nela própria a possibilidade latente de seu fracasso em um extremo de estupendo esforço. Mostra a ruína de uma natureza heróica devida a uma ambição insaciável de superação, condenada por sua própria vastidão a derrotar a si mesma. Do autor da tragédia se exige, por esse motivo, que apresente uma inevitabilidade inquestionável  –  nada pode acontecer em sua peça que não seja um resultado lógico da natureza de seus personagens.

O Drama Social. O conflito inerente ao drama, a disputa que permite ao espectador tomar partido e se interessar pela representação no palco, encontrou um tema novo no século XIX: o poder econômico, rico e opressor, contra o qual o indivíduo pobre luta em vão, sem oportunidades, explorado pela classe economicamente dominadora, e que está condenado eternamente à sua miséria. Hamilton, acima citado, explica que o Drama Social surgiu como uma nova linha da tragédia em que as forças do destino se materializavam como forças das convenções sociais sobre a pessoa. O herói grego luta com o sobre-humano, o herói do drama elisabetano luta contra si mesmo, e o herói do Drama Social luta contra o mundo. Neste tipo de tragédia, o indivíduo é mostrado em conflito com o seu ambiente, e o drama trata da poderosa guerra entre o personagem e as condições sociais. Assim, enquanto os gregos religiosamente atribuíam a fonte de todo destino inevitável a uma predeterminação divina, e o teatro elisabetano a atribuía às franquezas de que a alma humana é herdeira, o dramaturgo moderno prefere atribuí-la cientificamente à dissensão entre o individuo e seu meio social.  

Mas, o sucesso que teria esse tema já anteriormente muito explorado, não seria devido apenas à simpatia e piedade das platéias para com os desvalidos, mas porque havia uma solução para o conflito que envolvia uma outra disputa, ainda mais séria e profunda, e assim fazia o drama duplamente apelativo e interessante para a platéia. É que, desde o final da Revolução Francesa (o período do Terror), se firmara uma corrente de pensamento adepta de Rousseau, segundo a qual somente uma pequena minoria de luminares e de hábeis e inteligentes políticos poderia por fim à injustiça social, e que esse fim era o desejo de todos como uma “vontade geral” dos homens. Essa “vontade geral” encarnada nessa minoria, era mais importante que a “vontade da maioria” democrática. Em oposição a essa corrente, os constitucionalistas acreditavam na democracia e no mercado livre, valorizando a consciência do

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indivíduo como capaz de fazer voluntariamente sua parte pelo bem social. A primeira  considerava a sociedade suprema, e o individuo subserviente; cada homem era suposto existir em benefício do mecanismo social do qual ele era uma peça. A segunda considerava o indivíduo como capaz de construir uma sociedade justa e democrática a partir do esforço pessoal de todos. O Drama social está baseado simultaneamente no conflito entre o indivíduo e a sociedade, e esta dividida na luta entre aquelas duas correntes de pensamento.

Esse novo filão temático garantiu o êxito não apenas na dramaturgia. Serviu também com imenso sucesso ao cinema, à literatura popular, ao discurso político, e inclusive a novas correntes religiosas, num tal paroxismo de fé que dos filmes, dos livros e da dramaturgia saltou para as paradas, passeatas, revoluções e praticamente toda forma de agitação do início do século XIX até o seu ocaso, no fim do século XX. Com a progressiva diminuição do interesse pelo Drama da injustiça social colocado nessas bases, a literatura e a dramaturgia buscaram o enfoque de outras formas de opressão social igualmente poderosas e trágicas, como o racismo, o preconceito contra minorias, o tabu do sexo, a hipocrisia social, e outros..

Melodrama. Diferentemente da Tragédia, o Melodrama expõe apenas o que pode acontecer, não o inevitável (O trágico expõe aquilo que está fadado a acontecer). Um homem perder a direção do carro em um dia de chuva e sofrer um acidente seria melodramático, porque poderia ser evitado . Tudo o que nós pedimos ao autor do melodrama é uma plausibilidade momentânea. Providenciado que sua trama não é impossível, não são impostos limites em sua invenção de um mero incidente. 

Comédia. Uma comédia é uma peça humorística na qual os atores dominam a ação. A comédia pura é o mais raro de todos os tipos de drama. Na comédia a ação precisa não somente ser possível e plausível, mas precisa ser um resultado necessário da natureza ingênua do personagem.

Farsa. A farsa é um tipo de drama escrito com o propósito de provocar riso. É estética e literariamente inferior à comédia; é uma peça humorística na qual os personagens são rudes ou exageradamente fracos, covardes e impotentes; as situações são de exagero, improváveis, tendo por cenário consultórios de dentista, consultórios médicos, o quarto de dormir, a recepção de hotéis, etc.  É comum a associação dos dois tipos, farsa e comédia, em uma única peça humorística, com o uso da comédia para a trama maior e da farsa para os seus incidentes subsidiários. A farsa é decididamente o mais irresponsável de todos os tipos de drama. A trama existe por sua própria conta, e o dramaturgo precisa preencher somente duas exigências ao criá-la: primeiro, ela precisa ser engraçada , e segundo, ele precisa persuadir sua audiência a aceitar suas situações pelo menos no momento enquanto elas estão sendo encenadas.

Pantomima. Peça de teatro ou drama em que a história é contada por meio de ação e expressão corporal, sem uso de palavras.

A moralidade. Na dramaturgia, como nas outras formas de arte, o aspecto moral diz respeito à interpretação e por isto há que separar aquilo que pode ser

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relativo, daquilo que for racionalmente condenável, tolerável ou louvável. É relativo o que é condenável apenas em relação aos hábitos de um grupo. Quanto ao julgamento racional, não pode haver algo que, por si, seja um assunto imoral para uma peça teatral. O que pode ser julgado, desfavorável ou favoravelmente, é o tratamento do assunto pelo dramaturgo. A questão, por exemplo, não é se prostitutas merecem aprovação ou não, mas se uma certa mulher dessa classe, colocada em uma situação particular, não seria merecedora de simpatia. Seria desonesto o dramaturgo apresentar sua versão dos fatos como única verdade, quando o assunto é de valor relativo, e seria também desonesto retratar em detalhes uma realidade que é racionalmente imoral, como a violência sem motivo, o sexo sem amor, o roubo sem uma grave justificativa, etc. É condenável a peça que estimula os maus instintos do ser humano e louvável a que faz o contrário: desperta no espectador noções de valor e emoção de esperança. Porém seria desonesto negar o desespero, a infidelidade, o crime, e apresentar ao público a imagem de um mundo sem essas mazelas que precisam ser vencidas.

A história educativa. O grande Teatro tem seus temas polarizados em aspectos particulares da natureza humana e no que aflige ou alegra os homens em geral. Não aborda temas que são momentâneos, não discute problemas sociais. Dessa sorte, a época e o lugar em que se desenvolve a trama são acidentais, porque o que se buscará mostrar serão aquelas maldades ou bondades do homem, que lhe são próprias em qualquer época. Porém não é assim com o Teatro Pedagógico. A este cabe muito bem a discussão de problemas sociais contemporâneos, para os quais, encontrada a solução, aquela peça pedagógica a eles referente perderá o sentido.

Embora no Teatro Pedagógico o Diretor de Teatro trabalhe com um objetivo educacional, esse propósito deve ficar em um aparente segundo plano, para que o interesse pela representação teatral, em suas múltiplas facetas, possa captar o interesse dos alunos e mantê-los entusiasmados com o projeto. Isto porque os jovens, e mesmo as crianças, não serão muito diferentes dos adultos nesse particular. O espectador comum não vai ao teatro para ser doutrinado. Regimes autoritários e antidemocráticos já utilizaram o teatro para esse fim, com as pessoas coagidas a comparecerem aos espetáculos. O que cada indivíduo na platéia espera é que haja algum divertimento.

Script. O roteiro, texto da peça ou script , contem a fala dos atores e as indicações quanto à expressão dos sentimentos e atitudes de cada personagem, e ao cenário. É desenvolvido em torno da idéia central ou tema, e da história a ser representada, que veicula essa idéia e seus desdobramentos. A divulgação impressa do script, é uma obra literária. Uma peça que é intrigante, que de algum modo desafia o espectador a cogitar de algum significado que não estaria alcançando, leva-o a indagar o que o dramaturgo estaria tentando passar. Isto é praticamente impossível saber, por vários motivos. Primeiro, o significado que o espectador vê no que é representado é função de uma construção pessoal, e vai diferir daquele sentido, que é também pessoal, que o próprio autor em qualquer obra de Arte , no caso o dramaturgo, pretende que a sua obra tenha. Segundo, a interpretação feita pelo ator influirá na percepção de cada um na platéia: também o ator dará à sua represetação um acento pessoal,

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que poderá não transmitir com fidelidade a idéia pretendida pelo dramaturgo. O título de uma peça atrai o expectador justamente quando mexe com sua imaginação, parecendo-lhe que está no rumo de suas idéias e emoções.

A platéia. Em tese, a reação da platéia será a soma das reações individuais dos espectadores. Mas existem certos comportamentos que são estimulados nas pessoas quando elas fazem parte de uma multidão. Pessoas refinadas que estão isoladas em meio a indivíduos mais simples e despreocupados podem perder consciência de sua posição social e qualidades intelectuais e assumirem o mesmo comportamento primitivo do grupo. O contrário infelizmente não acontece, ou seja, aqueles menos educados inseridos em um grupo de pessoas bem educadas e comedidas não se deixam intimidar, e primam por incomodar com comentários jocosos, gargalhadas exageradas, etc. Uma platéia de jovens pode mostrar esse mesmo fenômeno e acontecer que alguns precisem ser advertidos ou retirados da platéia por uma autoridade.  Um tema controverso, uma história mal representada, atores que não convencem em seus papeis, podem levar a platéia à agitação e desordem, o que será uma surpresa, quando se espera que a boa intenção do autor seja recompensada com a aprovação e o respeito da assistência. Mas um acompanhamento simultâneo de música, meio escutada, meio imaginada, que conduz ao humor da peça, agora crescendo para um climax, agora suavizando para a quietude, pode fazer muito para manter a audiência sintonizada com o significado emocional da ação.

Dispersão de foco. No grande Teatro, o Dramaturgo tem o cuidado de não inserir na peça nada que desvie a representação da lógica da narrativa e da suave sucessão dos quadros. O Diretor de cena estará atento a qualquer deslize da equipe que possa chamar a atenção dos espectadores, desviando-a da representação em curso. Novidades técnicas que sejam demasiadamente complexas, na movimentação do palco, na iluminação, no cenário, desviam o foco da atenção da platéia, suscita comentários cochichados e –  além da admiração do espectador que deveria ser inteiramente para o valor do drama ser colocada na maravilha tecnológica –, também suscitam comentários e murmúrios que perturbam a atenção de todos. Porém, ao contrário, uma outra forma de possível dispersão de foco é um cenário muito pobre ou mesmo a falta de um cenário.

Um animalzinho que apareça de repente e perambule pelo palco irá provocar distração e risos na platéia. Se no papel de um ator está previsto um tiro de revolver, os espectadores devem estar conscientes de que ele porta uma arma através de menção no diálogo, ou porque tenha estado visível em alguma cena anterior. O caráter forte ou ante-ético de um personagem, não pode ser revelado de súbito, em cenas finais. É preciso que a platéia perceba desde sua primeira fala que determinada personagem é, por exemplo, capaz de trair. Um erro de entonação de um ator, um engasgo, um tombo no palco, tudo isto, em grau maior ou menor, prejudica o espetáculo.

Um cenário excessivamente rico, excessivamente detalhado, ou que tenha mistura de estilo e cores que não combinam, levam o espectador a analisar e comentar as discrepâncias, e prestar menos atenção ao drama. No grande Teatro, um diretor de cena que vai usar algo de novo e ousado, abre a cortina

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em a presença dos atores e faz que esses entrem e iniciem a representação apenas depois de certo tempo dado aos espectadores para absorver a novidade.

Guardadas as proporções, essas preocupações valem também para o Diretor de Teatro na Escola. Porém, a simplicidade do cenário esperada no teatro pedagógico coloca entre os principais cuidados serem tomados aqueles necessários para evitar imprevistos.

A ênfase no drama. A força de uma narrativa dramática está na sonoridade do texto expressa nas falas, nos diálogos, na locução, etc. É necessário aplicar o princípio positivo da ênfase de modo a forçar a platéia a focar sua atenção naquele certo detalhe mais importante da matéria em questão.

A ênfase por repetição pertence ao diálogo e pode ser com habilidade introduzida no script. Porém há também momentos que emprestam ênfase natural à representação e que o dramaturgo deve aproveitar, como os últimos momentos em qualquer ato (que são os mais propícios a criar o suspense), ou o início de uma ação nos primeiros momentos em um ato. Porém os primeiros momentos do primeiro ato perdem essa faculdade devido à falta de concentração dos espectadores que acabam de tomar seus lugares, ou são perturbados por retardatários que passam pela frente das pessoas já sentadas (Veja, por favor, em Como escrever uma peça).

Cenário, iluminação e música. Em seu conjunto a construção do cenário, compreendendo tanto os painéis desenhados onde figuram janelas, quadros pendurados na parede, etc., quanto os móveis e outros objetos componentes do ambiente da cena, precisam obedecer normas estéticas que conduzam a uma visão harmoniosa, descansada e ao mesmo tempo crível para o espectador.

A iluminação é um recurso polivalente para o cenógrafo. Pode dar ênfase a certos aspectos do cenário, pode estabelecer relações entre o ator e os objetos, pode enfatizar as expressões do ator, pode limitar a um círculo de luz o espaço da representação, além de muitos outros efeitos sutis.

A música tem função semelhante: enfatiza cenas, empresta-lhes maior ou menor conteúdo dramático, sublinha os sentimentos expressos pelos atores.

Os atores. A representação está, fundamentalmente, na voz e nos gestos dos atores. Cada personagem deve falar com voz distinta e clara, e suas vozes não podem ser confundidas na representação: o espectador deve distinguir inclusive pela voz cada personagem. As mínimas ações e expressões dos atores podem transmitir ao espectador significados muito intensos, desde aqueles que ele perceberá com clareza até outros que se poderá dizer que são subliminares, porque o espectador não poderia dizer ao certo o que está afetando seus sentimentos (Veja, por favor, em Uma teoria da Arte).

A razão principal porque o maneirismo no caminhar, ou nos gestos, ou na entonação vocal são reprováveis em um ator é que eles distraem a atenção da platéia, desviando-a do que ele está representando, e atraindo-a para o seu método de representar – de um efeito que é buscado para o modo como busca

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criar esse efeito. Um ator sem maneirismos é capaz de produzir um convencimento mais imediato.

As vestes são importante complemento representativo do personagem. Elas estarão desenhadas, obviamente, de acordo com a descrição que a história a ser dramatizada faz dos personagens. Estarão em harmonia com o sexo, a  idade, a classe social, a profissão do personagem representado, e refletirão ainda outras particularidades como seu nível social, país e época histórica em que vive, clima regional e, se requerido pelo drama, também sua religião, profissão, etc. 

Um ator que está acostumado ao centro do palco muitas vezes encontra dificuldade para manter-se ao fundo nos momentos em que a cena deveria ser dominada por outros, que algumas vezes podem ser atores menores. 

Rubem Queiroz Cobra

Lançada em 04-09-2006 

Como montar um cenário

História. As representações na idade antiga e na época medieval eram feitas em palcos desprovidos de qualquer acessório ou artifício que representasse os ambientes de um drama. A idéia de construir cenários surgiu em meados do século XVII quando William Davenant (1606-1668), gerente do teatro do Duque de York, passou, a partir de 1660, a representar o ambiente de suas comédias e tragédias usando cenários montados no palco. Mas, somente um século e meio mais tarde, no século XIX, a tecnologia da montagem de cenários de teatro desenvolveu-se com rapidez. Muitos efeitos especiais foram criados, tanto na simulação de ambientes internos (moveis verdadeiros, paredes com portas e janelas, etc.).e externos (jardins, calçadas com postes de luz, fontes, praias, pores-do-sol, cúpulas de céus estrelados, etc.) passaram a integrar os recursos para ambientação das histórias vividas nos palcos.  Atualmente, a falta de uma representação mínima do cenário de uma história prejudicaria sua representação no palco a ponto de anular completamente o efeito educativo almejado. Isto porque, a falta do cenário, que foi habitual para os antigos, hoje causaria estranheza e rejeição. O ideal está em ter um cenário simples mas com o indispensável para estimular a imaginação do espectador; e evitar tanto aquele cuja riqueza elaborada é cansativa, como também não ter cenário algum.

Apesar de que a expressão CENÁRIO reúne tudo que diz respeito à ambientação de uma peça, inclusive os efeitos cênicos obtidos com a utilização de sons naturais, de música, iluminação, etc., a palavra, no seu uso mais comum, refere-se à imitação, no palco, de ambientes internos como salas de estar, escritório, etc., ou externos como rua, jardim, campos, e outros onde tem lugar a ação. Tais imitações são obtidas com a utilização de painéis pintados, estruturas sólidas em madeira, móveis e objetos reais ou fabricados pelos técnicos da cenografia. É importante o cenógrafo documentar o seu trabalho fotografando os cenários que montou. Poderá acrescentar uma descrição do cenário, materiais utilizados, etc. mediante a inserção de  metadados nos arquivos das fotos digitais.

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Simplicidade. Esta é uma qualidade a que o teatro escolar precisa recorrer em razão da limitação de recursos tanto financeiros como técnicos. O cenário de um escritório pode ser criado utilizando-se apenas uma escrivaninha e um par de cadeiras, e o grau de detalhamento aumentar com o acréscimo de estantes de livros, sofás, lâmpada de mesa, tapete, telefone e fax, luminárias, cortinas nas janelas, etc. O grande detalhamento tem seus problemas. Por exemplo, onde colocar todo o material de um cenário quando, na passagem de um ato para outro, o cenário tem que ser mudado?  Quanto tempo será gasto nessa mudança, principalmente quando objetos muito pesados forem utilizados?

A mudança de cenário precisa ser rápida e é necessário ter um time de jovens treinados para a operação de desmontar e remontar cenários com rapidez, sem fazer ruídos e sem provocar acidentes. Este é um argumento em favor da simplicidade, pelo menos quando o espetáculo não é conduzido em um grande teatro.

Na montagem de uma peça, os gastos com o cenário estão relacionados à diversidade de ambientes e ao grau de detalhamento da figuração. Porém, não é uma boa ideia aproveitar, por motivo de economia, peças de um ambiente em outro ambiente, pois os espectadores as identificarão e isto chamará sua atenção, desviando-a da apresentação.

O elemento básico dos cenários mais baratos e fáceis de serem mudados e guardados são os painéis de lonas pintadas esticadas em um bastidor de madeira. Costumam ser excessivamente leves, mostrar pregas e ondulações, e estufarem com o pouco vento de um ventilador; precisam estar firmemente fixados e a fixação de um painel leve pode ser um problema até mais difícil de resolver que a construção da própria estrutura. Há dois tipos de painéis. Um que é duplo e pode se sustentar se aberto com 90 graus, e o painel inteiriço, que precisa ser fixado a algum ponto para ficar em posição. Podem ser usadas também placas leves (eucatex, isopor, compensado fino, etc.), reforçadas com uma esquadria de ripas grossas, cuja solidez permite a instalação de portas e janelas verdadeiras. A pintura de um painel deve mostrar a perspectiva mais conveniente em relação á platéia. Cenários externos como jardins, bosques, campo aberto, ou uma rua podem ser pintados em um painel maior ou em uma lona suspensa e bem esticada.

Com a utilização de papelão podem ser improvisadas os abajures, rádios antigos, oratórios, quadros pendurados na parede ou em um painel, colunas, etc. Uma viga pode ser imitada com papelão dobrado na forma própria, riscado com lápis-cera marrom para imitar as fibras da madeira, e pintado com verniz. Papel machê pintado de cinza pode ser modelado para imitar rochas e vasos de plantas artificiais.   

É necessário manter à mão uma reserva dos materiais mais empregados nas montagens: grampos, pregos, tinta spray, etc..para que o trabalho de montagem possa ser feito sem o risco de atraso, tanto na fase de criação e fabricação dos objetos, como nas remontagens entre um ato e outro, no decorrer da representação.

Riscos. A peça pedagógica utiliza voluntários e não dispor de profissionais na montagem de cenários representa um risco considerável. O uso de serras elétricas, grampeadores potentes, furadeiras, e outras ferramentas na preparação de painéis requer algum treino prévio quanto ao manuseio correto e seguro.

A iluminação também requer cuidado. A representação é comumente feita na sala de aula ou no auditório da escola e é pouco provável que haja recursos de iluminação além

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do sistema básico que mantém a sala ou o palco iluminados. Improvisar um sistema de spots para efeitos auxiliares do cenário pode ser arriscado, pois o sistema básico normalmente tem uma fiação que não suportaria uma sobrecarga de consumo de wats. Os fios do edifício esquentam e podem provocar um incêndio. Por esta razão o Diretor de Teatro deve solicitar a opinião de um eletricista experiente quando desejar acrescentar algum tipo de iluminação à cena. Todo risco de fogo deve ser evitado: fogos de artifício, velas acesas, etc. Qualquer estrutura em que um personagem deva sentar-se ou caminhar sobre ela precisa ser firme o bastante para que não desabe e fira as pessoas.

Rubem Queiroz Cobra

COMO ESCREVER UM SCRIPT

Escrever uma peça corresponde a escrever o Roteiro, ou Script, para a representação teatral de uma história. O Roteiro contém tudo que é dito pelos atores no palco, e as indicações para tudo que deve ser feito para que a representação seja realizada.  

Uma página sobre como escrever um Roteiro de Teatro não basta para passar toda a idéia do que é e do que requer essa tarefa.. É necessário que a pessoa tenha assistido a um espetáculo teatral  pelo menos uma vez, e que leia alguns roteiros, para que tenha a noção completa do que é escrever uma peça, e sobretudo para compreender as limitações a que o teatro está sujeito, se comparado a outros meios de produção artística como a literatura e o cinema, e também o potencial dessa forma rica de expressão artística..

A peça de Teatro divide-se em Atos e Cenas. Os Atos se constituem de uma série de cenas interligadas por uma subdivisão temática. As cenas se dividem conforme as alterações no número de personagens em ação: quando entra ou sai do palco um ator. O cerne ou medula de uma peça são os diálogos entre os personagens. Porém, o Roteiro contém mais que isto: através das Rubricas e das Indicações ele traz as determinações indispensáveis para a realização do drama e assim orienta os atores e a equipe técnica sobre cada cena da representação.

As Rubricas (também chamadas “Indicações de cena” e "indicações de regência") descrevem o que acontece em cena; dizem se a cena é interior ou exterior, se é dia ou noite, e o local em que transcorre. Interessam principalmente à equipe técnica. Apesar de consideradas como “para-texto” ou “texto secundário”, são de importância próxima à do próprio diálogo da peça, uma vez que este normalmente é insuficiente para indicar todas as ações e sentimentos a serem executados e expressos pelos atores. Sylviane Robardey-Eppstein, da Uppsala Universitet, no verbete Rubricas do Dictionnaire International des Termes Littéraires, faz uma classificação minuciosa das rubricas. Vamos aproveitar aqui apenas as seguintes categorias: Macro-rubrica e Micro-rubrica, esta última dividida em Rubrica Objetiva e Rubrica Subjetiva..

A Macro-rubrica é uma Rubrica geral que interessa à peça, ou ao Ato e às Cenas; é também chamada “Vista”, e é colocada no centro da página, no alto do texto de cada cena, e escrita em itálico ou em maiúsculas. As demais Rubricas estão inseridas no diálogo e afetam apenas a ação cênica

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A Micro-rubrica Objetiva refere-se à movimentação dos atores: descreve os movimentos, gestos, posições, ou indicam o personagem que fala, o lugar, o momento, etc.

As Micro-rubricas Subjetivas interessam principalmente aos atores: descrevem os estados emocionais das personagens e o tom dos diálogos e falas.

Ao fazer as Indicações Cênicas ou Rubricas o dramaturgo (o Autor) interfere na arte de dirigir do Diretor de Cena e também enquadra a interpretação dos atores sem respeitar sua arte de interpretar. Por essa razão deve limitar-se a fazer as indicações mínimas requeridas para o rumo geral que deseja dar à representação, as quais, como autor da peça, lhe cabe determinar.

As falas são alinhadas na margem esquerda da folha, e cada fala é antecedida pelo nome do personagem que vai proferi-la. O nome do personagem é centralizado em letras maiúsculas (caixa alta).

As Rubricas e as Indicações ficam em linhas separadas e escritas em itálico, afastadas da margem esquerda uma meia dúzia de espaços (endentação). Mas podem também cair em meio à fala, e neste caso, além de escritas em itálico, também são colocadas entre parênteses. As palavras precisam ser impressas com nitidez e ser corretamente redigidas. Usa-se em geral a letra Courier no tamanho 12. Entre a fala de um e de outro personagem é deixado um espaço duplo. Os verbos estarão sempre no tempo presente, e a ordem das palavras deve corresponder à seqüência das ações indicadas.

Um exemplo:

 

(Na primeira página, somente o título da peça) O MISTERIOSO DR. MACHADO

 

(Na segunda página, todos os personagens da peça) PERSONAGENS

Frederico Torres, vereador.

Aninha, secretária de Frederico.

Dona Magnólia, mãe de Aninha.

Machado, médico, irmão de Dona Magnólia.

Sinval, motorista de Machado.

Robespierre, amigo da família.

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(Macrorubrica) ÉPOCA: presente; LUGAR DA CENA: Rio de Janeiro

 

(Na terceira página, a macrorubrica) PRIMEIRO ATO

Casa de família da classe média. Sala de estar com sofá, abajur, consoles e outros móveis e apetrechos próprios. Uma saída esquerda, dá para o corredor. À direita, a porta principal, de entrada da casa.É noite (Macrorubrica) .

 

CENA I

Dona Magnólia, Aninha 

Dona Magnólia, recostada no sofá, lê um livro. (Rubrica objetiva).

 

ANINHA

 Entrando na sala (Rubrica objetiva). 

 

DONA MAGNÓLIA:

Levanta-se do sofá, tem numa das mãos o livro que lia (Rubrica objetiva).

Surpresa: (Rubrica subjetiva)

 O que aconteceu? Você nunca volta antes das 9 horas!

 

ANINHA

Mantem-se afastada da mãe, a poucos passos da porta. (Rubrica objetiva)

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 Não fui ao trabalho. Saí apenas para um passeio. Eu precisava refletir... (Desalentada - Rubrica subjetiva) Mas não adiantou muito. Meus problemas são de fato problemas!

 

(Muda a Cena devido à entrada de mais um personagem) CENA II

Dona Magnólia, Aninha, Sinval.

 

SINVAL

Parado à entrada do corredor, tosse discretamente para assinalar sua presença. As duas mulheres             voltam-se para ele (Rubrica objetiva).

Dona Magnólia, vou buscar Dr. Machado. Está na hora dele fechar o consultório. 

 

ANINHA

Num ímpeto: (Rubrica subjetiva)

Não, Sinval. Hoje eu vou buscar meu tio. Vou no meu carro. Tenho um assunto para conversar com ele na volta para casa. 

 

SINVAL

Embaraçado: (Rubrica subjetiva)

Dona Ana... Às quintas-feiras ele não vem direto para casa... Eu é que devo ir. Ele voltará muito tarde.

 

*

Redação: papel e espaço. A folha de papel “ofício grande” é o mais prático para a redação do Roteiro. O texto no papel tamanho carta fica mais elegante, mas fica mal distribuído porque a folha é de tamanho reduzido. O espaço em branco extra neste caso serve para o diretor, os atores, e a equipe de produção fazerem anotações, correções e

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sugestões para melhorar o trabalho nos seus setores. Como dito acima, o tipo mais comumente usado em roteiros é o Courier n° 12. As peças, quando impressas em livros, têm formato mais econômico geralmente trazendo para uma linha só o que na pauta de trabalho está em linhas separadas.

As palavras e frases precisam ser impressas com clareza e, principalmente no Teatro Pedagógico, escritas com toda correção ortográfica e gramatical. É preferível a ordem direta, evitando-se o quanto possível os tempos compostos dos verbos. Porém, a linguagem usada deve ser aquela a que a média dos espectadores esteja habituada a usar no seu dia a dia, e os sentimentos mostrados pelos personagens devem ser expressos do modo como as pessoas em geral costumam expressá-los.

Se o texto é em versos, estes devem ser absolutamente simples. Através do apelo do seu ritmo podem oferecer ao dramaturgo oportunidades para efeitos emocionais que a prosa não lhe permitiria, mas devem ser escritos tanto quanto possível de modo a que pudessem ser falados com inteira naturalidade pelos atores, em lugar de declamados. Para isso, não deveriam incorporar palavras, ainda que bonitas, que não sejam usadas na conversação diária da média dos freqüentadores de teatro, e as palavras colocadas somente em sua ordem natural, e sem nenhuma inversão supérflua em benefício do ritmo.

Quando a fala de um personagem tem uma ou um conjunto de palavras a serem pronunciadas com ênfase, usa-se o itálico para assinalar essa ênfase. Exemplo:

                               

 

ANINHA

Mas não adiantou muito. Meus problemas são de fato problemas!

 

 

Será inevitável ter que escrever várias versões da peça, a qual poderá sempre ser modificada para melhor, à medida que, no decorrer da leitura de mesa ou nos ensaios, sugestões dos atores e da equipe técnica possam ser incorporadas ao roteiro. A abundância de espaço entre as linhas é um modo de facilitar anotar as alterações até a versão final. Porém, mesmo depois das primeiras apresentações o dramaturgo poderá ver-se na obrigação de fazer correções ou desejar aperfeiçoar algum ponto.

Tempo e Custos. Dois controles sobre a extensão e complexidade da peça são o Tempo e os Custos. No Grande Teatro o limite de tempo e os orçamentos são bastante elásticos. No caso do Teatro Pedagógico, porém, o Orientador Educacional no papel de

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dramaturgo precisa reduzir suas exigências a fim de economizar. Precisa estar atento a este aspecto ao escrever seu roteiro.

*

Como iniciar o drama? É uma boa idéia iniciar a partir de um detalhe dinâmico da história, deixando para o espectador imaginar o que possa ter ocorrido antes a partir dos diálogos iniciais que ele ouve. Não há ação dramática sem conflito. O tema de todo drama é, como visto (Noções de Teoria do Teatro), um confronto de vontades humanas. O objeto da peça não é tanto expor personagens mas também contrastá-las. Pessoas de variadas opiniões e propensões opostas chegam ao corpo a corpo em uma luta que vitalmente importa para elas, e a tensão da luta será aumentada se a diferença entre as personagens é marcante. Se a cena inicial é uma discussão entre um fiscal e um comerciante devedor dos impostos, logo os espectadores tiram várias conclusões sobre a situação dos dois protagonistas.

Concepção dos personagens. O personagem (ou "a personagem", quando for oportuno o emprego do feminino: o Aurélio dá como corretas as duas versões) será como um amigo ou um inimigo para o dramaturgo, e ele escreverá a seu respeito com conhecimento de causa, como se falasse de alguém que conhecesse intimamente. Embora na peça ele explore apenas alguma faceta em particular do caráter dessa figura imaginária, ele a concebe como um tipo completo, e sabe como ele se comportaria em cada situação da história a ser contada. Por exemplo: uma mulher devotada à religião e à sua igreja, que coisas ela aprova e quais outras reprova no comportamento das demais pessoas? Um indivíduo avarento, como age com os amigos e com que se preocupa em cada diferente situação do convívio social? Como reconhecer um escroque antes mesmo dele abrir a boca? Tudo isto requer muita observação relativa a como as pessoas revelam sua personalidade e o lado fraco ou forte de seu caráter. Com essa experiência de observação será fácil para o autor da peça construir seus personagens e montar em torno deles uma história de conflitos, concorrência, competição desonesta ou cooperação fraterna, e por aí desenvolver um drama que poderá ser ao mesmo tempo interessante e educativo.

Tudo no personagem precisa ser congruente, para que ao final algo surpreenda o espectador. Suas roupas, onde mora, suas preferências, seus recursos financeiros, sua facilidade ou dificuldade em fazer amigos, suas preocupações morais, se lê ou não livros e jornais, que diversões prefere ou se pratica ou não esporte, tudo isto deve concorrer em um personagem autêntico, sem contradições. Muito já se escreveu sobre pobres se tornarem ricos, e ricos ficarem pobres, e também sobre increus convertidos, ou almas boas que se deixam levar ao crime, mas a novidade em cada história será a tragédia envolvida nessa transformação, que leva alguém a um gesto que antes não se poderia esperar dele.

Personagens que têm uma motivação forte e cujas ações se dirigem sempre com objetividade no sentido do que buscam, sem medir os riscos, sempre são os personagens mais interessantes, mas esse empenho forte se torna, muitas vezes, seu lado fraco e vulnerável. Justamente uma ação que vai contra a inteireza de um tipo pode se transformar em um ponto alto na história, como seria o caso de um sovina que, depois de receber uma lição da vida, se comove com a situação de alguém e lhe dá um presente

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de valor. É quando o personagem quebra sua inteireza, antes bastante enfatizada, que surge um grande momento na peça.

O dramaturgo precisa, no entanto, resumir ao mínimo as características de seus personagens, porque será sempre mais difícil encontrar aquele ator que assuma a personalidade ideal por ele criada, e possa bem representá-la, e ainda preencher sua descrição de um tipo físico quanto à altura, peso, cor da pele, que seja corcunda ou coxo, tenha cabelo crespo ou liso, etc. Por isto, quanto ao físico, deve indicar somente características indispensáveis para compor um tipo, sem exigir muito nesse aspecto. A equipe técnica poderá completar a caracterização com os recursos disponíveis, seguindo a orientação do Diretor de Cena. Ela poderá inclusive preparar o mesmo ator para representar mais de um papel, se a caracterização for simples e a troca de vestimentas e demais caracterizações puderem ser feitas sem demasiado esforço e em tempo muito curto.

Ao escrever a peça, o dramaturgo deve dar a cada personagem um quinhão significativo de atuação, porém na proporção da importância do seu papel, e fazer com que cada um deles tenha algo por que lutar, algo que precisa alcançar. Deve pensar no entrelaçamento de todos os interesses entre si, e nos conflitos resultantes, e as conseqüências para os que vencerem e os que fracassarem. 

*

Inspiração. A peça tem sua idéia central, relativa a um tema; seu título e todas as cenas devem guardar uma relação clara e objetiva com essa idéia. O interesse intelectual não é suficiente para fazer uma peça boa de se ver. O público quer passar por emoções de simpatia e também de auto-estima (opinar sobre o que assiste). A platéia procura, imóvel e estática, entender a mensagem de uma peça sofisticada, e ao final da representação está cansada, enquanto que, se ela desperta emoções, será, no mínimo, uma peça interessante.

Há um número limitado, apesar de impreciso, de temas possíveis para o drama. Na opinião de vários críticos, esse número seria pouco mais, ou pouco menos, de vinte. Como todos eles já foram inúmeras vezes explorados pelo Teatro no decorrer dos séculos, fica impossível uma novidade na dramaturgia, exceto quanto ao modo de apresentar o tema. Assim, apesar de trabalhar com o velho, o dramaturgo precisa encontrar uma nova história, um novo estilo, fixar uma época (teatro histórico), a fim de emprestar originalidade à sua abordagem. Mas, se isto é o que acontece com o grande Teatro, no caso do Teatro Pedagógico é um pouco diferente: o tema é de natureza jornalística, ou seja, trata-se de uma mensagem a ser passada sobre um tema educativo momentâneo, de interesse atual. Porém, mesmo neste caso, a trama haverá de cair entre aqueles enredos possíveis na dramaturgia.

Escolhido o tema a ser explorado e criada a história a ser levada ao palco, o dramaturgo faz o Plano para escrever o seu roteiro. O Plano compreende o desenvolvimento de uma sucessão de cenas,  escritas uma a uma até a conclusão do drama. Embora existam diversas variáveis, a Estrutura clássica de fragmentação de um roteiro é conhecida como Ternário: As primeiras cenas – Primeiro Ato – fazem a Preparação (Protasis); nas seguintes – Segundo Ato – desenvolve-se o conflito inerente ao drama e o

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desenvolvimento da crise até o seu clímax (Epitasis); finalmente o desenlace – Terceiro Ato – com a solução do conflito (Catastrophe). 

*

Realismo. O estilo realista no teatro é o que procura guardar fidelidade ao natural, correspondência estreita entre a cena vivida no palco e a vida real quanto aos costumes e situações da vida comum. Porém, se o dramaturgo escreve sua peça com muita exatidão, o espectador não terá nenhuma vantagem em assisti-la mais que observar a própria vida nela refletida. Se a peça mostra somente o que vemos na vida mesma, não fará sentido alguém ir ao teatro. A questão importante não é o quanto ela reflete exatamente da aparência da vida, mas o quanto ajuda a audiência a entender o sentido da vida. O drama tornará a vida mais compreensível se o autor descartar o irrelevante e atrair a atenção para o essencial.

Ênfase. No drama, é necessário aplicar o princípio positivo da ênfase de modo a forçar a platéia a focar sua atenção naquele certo detalhe mais importante do enredo. Um dos meios mais fáceis de ênfase é o uso da repetição. Ao escrever sua adaptação da obra literária à dramaturgia, o dramaturgo tem presente uma importante diferença entre o romance e a peça de teatro: esta última, sendo falada, não dá chance ao espectador de voltar páginas para compreender algo que lhe tenha escapado no início. Por esse motivo, os dramaturgos de um modo geral encontram meios de dar ênfase repetindo uma ou duas vezes, ao longo da peça, o que houver de importante no diálogo. A ênfase por repetição pertence ao diálogo e pode ser habilmente introduzida no script.

Em geral, pode ser dito que qualquer pausa na ação enfatiza "por posição" o discurso ou assunto que imediatamente o precedeu. O emprego de uma pausa como uma ajuda para a ênfase é de especial importância na leitura das falas, como um recurso a mais para o dramaturgo.  

Porém, há também momentos que emprestam ênfase natural à representação, como os últimos momentos em qualquer ato e, do mesmo modo, os primeiros momentos em um ato. Apenas os primeiros momentos do primeiro ato perdem esse poder, devido à falta de concentração dos espectadores que acabam de tomar seus lugares, ou são perturbados por retardatários que passam pela frente das pessoas já sentadas. Mas as ênfases nunca são colocadas na abertura de uma cena.

Para enfatizar o caráter de um personagem, colocam-se no texto repetidas referências à sua pessoa, de modo que na sua primeira aparição, o espectador já o conhece melhor que a qualquer dos outros personagens. É claro, existem muitos meios menores de ênfase no teatro, mas a maior parte destes são artificiais e mecânicos. A luz da ribalta é uma das mais efetivas. A intensidade de uma cena também pode ser criada, por exemplo, se a figura de um único personagem é projetada em silhueta por um raio de luz contra um fundo mal definido.  Mais tempo é dado para cenas significativas que para diálogos de interesse subsidiário.

Antítese. Uma cena de leve humor vir após uma cena em que se discute um assunto sério; ou uma agitação no bar ser seguida de uma cena tranqüila em um parque equilibram a encenação. A Antítese pode ocorrer em uma cena, mas é mais comum que seja empregada no equilíbrio de cena contra cena.

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Clímax.  O clímax existe quanto a ação vai em crescente complicação, a cada ato, convergindo para um impasse cuja solução não é conhecida dos personagens e nem a platéia pode prever qual será. O clímax depende de certa corrida dos personagens para seus objetivos. Será difícil entender como clímax uma convergência muito lenta de acontecimentos. Os personagens precisam estar ansiosos por alcançar seus propósitos e agirem rápido nesse sentido, para que surja um verdadeiro impasse pressionando por uma solução urgente. Os dramaturgos normalmente colocam o clímax no segundo ato ato, conforme o Ternário acima referido (Protasis, Epitasis e Castrophe). Porém, se houver quatro,  começam a exploração do tema suavemente, no primeiro ato, fazem crescer a trama no segundo, e o enredo torna-se progressivamente mais complexo e insolúvel até a solução vislumbrada ao cair do pano do terceiro ato. As explicações acontecem no quarto ato, no qual é mostrado o destino de cada personagem,  vitoriosos ou derrotados, e paira no ar uma conclusão de natureza moral da qual os espectadores guardarão memória.

Suspense. O suspense, como o clímax,  existe quanto a ação vai, a cada ato, convergindo mais e mais para um final. No suspense, o espectador pode suspeitar o que está prestes a acontecer, mas os personagens envolvidos não percebem o que lhes está reservado. O caráter de cada personagem precisa ser logo conhecido pela platéia, assim como suas intenções; um reconhecido ser um velhaco na sua primeira entrada. Os outros personagens estão no papel de inocentes, descuidados, ingênuos, que desconhecem o que o velhaco lhes prepara, mas a platéia já sabe o que ele é e o que ele pretende, e pode suspeitar qual será o desfecho. O fato de a platéia ter esse conhecimento tem um efeito paradoxal, que é tornar mais interessante o suspense. 

Incorre em erro – que com certeza comprometerá o sucesso de sua peça –, o dramaturgo que cria em sua assistência a expectativa de uma cena extraordinária, exigida pela sua condução prévia da trama, e essa cena não se realiza como esperado, frustrando assim o suspense criado no espectador.

Recursos a evitar. Fazer um número grande de cenas curtas, fazer a história saltar vários anos para frente, ou fazer uso do recurso de flash back, isto cria confusão e irritação nos espectadores. Outros recursos que se deve evitar são: criar personagens invisíveis, que são descritos em minúcias mas que nunca aparecem no palco. Também prejudica o interesse da Platéia aquelas cenas em que um personagem deixa o palco e volta trazendo algum recado ou conta uma novidade. Outros ainda são os apartes e os solilóquios. 

O aparte consiste em o ator falar uma frase audível para a assistência mas que se supõe não seria ouvida por um outro personagem no palco, ou por todos os demais. O ator dá um passo fora da moldura do palco para falar confidencialmente com a platéia. O aparte contraria a regra de que o ator deve manter-se aparentemente alheio à sua audiência.

O solilóquio é chamado construtivo quando serve para explicar o progresso de uma trama de modo a deixar a história mais clara para o espectador, ou para encurtar o drama. É chamado reflexivo quando é empregado apenas para revelar à platéia certa seqüência de pensamentos de um personagem, sem que por meio dele o dramaturgo faça qualquer referência utilitária à estrutura da trama. Um bom ator pode fazer um solilóquio reflexivo sem perder a naturalidade. Embora o solilóquio reflexivo possa ser

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útil e mesmo belo, o solilóquio construtivo é tão indesejável como o aparte, porque força o ator para fora do contexto do mesmo modo.

Final Feliz. Conceber um final para uma história pode ser a parte mais difícil do trabalho criativo. Um final precisa corresponder ao fechamento lógico do drama desenvolvido nas cenas antecedentes. Não pode ser a solução de conflitos colocados apenas nas últimas cenas, nem a solução para os conflitos colocados no início, deixando-se de lado as complicações que se seguiram. O final feliz precisa ser crível, aceitável para os espectadores como a melhor opção, ou como desfecho claro e compreensível que satisfaz de modo inteligente ao suspense, traz o alívio que dissipa as tensões do clímax, e espalha um sentimento de compensação plena na platéia.

Rubem Queiroz Cobra

A ARTE DE REPRESENTAR NO TEATRO ESCOLAR

Esta página é uma das oito escritas por mim com o propósito de ajudar o Orientador Educacional a desenvolver um projeto de ensino através do Teatro Escolar. O Teatro seria um dos recursos pedagógicos para a Atividade “Formação Comportamental”,

sugerida neste Site. O texto é orientado nesse sentido, e por isso não cobre tudo o que poderia interessar ao ator do Grande Teatro.

O aluno-ator não pode comunicar idéias complexas e refinadas, como um ator profissional experiente. Por isto a peça pedagógica é sempre

simples e direta nos seus diálogos e nas suas ações. Porém, por mais singela que seja, os atores que a precisarão de algum conhecimento e treino, e de uma

orientação capaz  de imprimir ao espetáculo unidade e convencimento. A própria experiência de treinamento para interpretar um personagem pode ser, ela mesma,

educativa para o próprio aluno. Adiante, falo dessa possibilidade. Ele aprenderá sobre a sua própria pessoa ao se comprar com a personalidade imaginária que irá representar. 

Escolhendo os atores. Para escolher os atores, o Orientador terá presente que o aluno-ator deverá trabalhar continuamente com seu corpo, sua fala e sua mente. Ele precisa ser apto sob esses três aspectos, ter saúde e boa ressonância da voz e inteligência. Não pode

ser inseguro, ter dicção pobre, comportamento corporal desleixado. Deve demonstrar também desejo de crescimento e  liderança; interesse em desafios.

Aqueles que não forem participar como atores, terão oportunidade para colaborar como figurinistas, músicos, cenógrafos, encarregados de levantar recursos materiais e

financeiros, etc. Alguém que trabalhe com madeira poderá ajudar com o cenário, e um eletricista colaborar com a iluminação. Os que não se interessarem prontamente por qualquer dos sectores técnicos, provavelmente estarão esperando uma oportunidade

como atores.

Primeira Reunião Geral. O Orientador lerá o plano da peça com a indicação provisória das funções técnicas e dos personagens. Essa primeira leitura do plano da peça é para o esclarecimento do texto, o entendimento dos personagens, do estilo, da linguagem, do

ritmo da narrativa e da encenação, e do seu objetivo educacional. Explicará que o Teatro pedagógico lida com problemas críticos que afetam a todos: questões de amor, lealdade

e amizade, condição do adolescente sujeito a exploração e desencaminhamento, questões entre pais e filhos, etc. Deve apontar as idéias importantes que o autor deseja

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revelar através de sua obra.  É interessante que haja algum tempo livre para discussão do tema da peça e de questões a ele relacionadas. Se a história fala de crianças

abandonadas e afavelamento das cidades, o Orientador pode conduzir uma discussão em torno das conseqüências do aumento descontrolado da população, tais como a não efetividade da instituição família, a falência moral, as doenças, os desastres  pela

ocupação de áreas de risco, etc. O debate pode fluir livremente para questões relacionadas como o papel da mulher, o aborto, educação em métodos

anticoncepcionais, etc. esse debate que já terá seu próprio valor educativo, terá também uma importância técnica, uma vez que compreender  o tema leva a uma melhor leitura

do texto, o que por sua vez irá facilitar, futuramente, decorar as falas.

O aluno-ator poderá, no debate, ser a favor ou contra a tese principal apresentada pelo dramaturgo, independentemente de qual deva ser o partido que tomará o seu

personagem.  Em cena, porém, sua personalidade e suas opiniões não irão prevalecer nem devem influir. Ele pode, mesmo, ser encorajado a treinar os pontos de vista do seu antagonista, como se fosse trocar de papel. O que realmente terá que fazer em todas as

circunstancias de sua representação será imaginar e executar as  coisas escritas pelo autor. Esforçando-se nesse sentido, poderá progredir muito

rapidamente, partindo de uma total ignorância  artística em relação ao teatro, para uma razoável sensibilidade estética em poucos meses

de ensaio e estudos. Após o melhor entendimento dos personagens a serem representados, poderá ocorrer a necessidade de algumas realocações de papeis.

Leituras de mesa. Vencida a primeira etapa, o Orientador pode reunir-se com o elenco para a primeira leitura de mesa, ou seja, a leitura em comum do texto, cada um com a

sua fala, lida como leitura  “plana”, no tom normal de uma conversa. A leitura expressiva, com as entonações próprias de cada cena, deve esperar pelo primeiro ensaio

no palco, para ficar bem calibrada em relação ao espaço em que o ator vai trabalhar. Para desarmar possíveis conflitos por ressentimentos e abusos de crítica entre os alunos,

o Orientador poderá, antes de iniciar a sessão de leitura, preveni-los de que haverá gaguejos, erros de pronúncia, e outras imperfeições que poderão ser motivo de riso, mas

que isto é normal na primeira abordagem do texto e não deve ofender ninguém.

O medo do palco. A maior diferença entre o palco e  o palanque de um comício é que, neste último, o político preocupa-se primeiro com o que está falando, enquanto no

palco os atores estão mentalmente concentrados nas ações e nas circunstâncias e situações da peça, e não primeiramente nas palavras. Se, no palco, o Ator prestar

atenção às circunstâncias do drama e deixar de lado a realidade, não tomará conhecimento da platéia e não se preocupará com as pessoas que o assistem. A ação

elimina a tensão. O ator não precisará temer o esquecimento do texto: ao concentrar-se na ação, as palavras que a acompanham fluirão

naturalmente. As palavras são pedidas pela ação, e por isso esta o ajudará a reter na memória a sua fala.

Portanto, a primeira regra contra o medo é concentrar-se nas circunstâncias da representação. Diz Stella Adler em Técnica da representação teatral, Civilização Brasileira, Rio, 2005, p. 30) que os atores têm, muitas vezes,

pavor do palco, porque em cena, sentem-se abandonados num lugar que lhes é estranho. “A tensão é em grande parte o resultado de recorrer às palavras do

texto e depender delas, esquecendo-se de que o lugar e a ação, mais

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que as palavras, constituem o fulcro da peça.”  Levando em conta esse ensinamento de uma das mais famosas discípulas de Stanilavski, o aluno ator deve treinar desde o início a por sua atenção no que faz no palco, para não

ser surpreendido por um medo paralisante no momento da apresentação. Deve conscientizar-se da presença e da função dos objetos, da mobília e das características do

cenário. Antes de partir para o texto, nos primeiros ensaios, é imperativo que ele se locomova fisicamente nas novas circunstâncias e use-as – por exemplo, sentando-se no

sofá; abrindo uma porta, olhando por uma janela. Andar no palco para localizar o cenário imaginário o fará sentir-se em casa retirando a tensão da representação.

Aprendendo a representar. Este é o capítulo mais extenso do que se pode chamar Técnica da Representação. Aqui é necessário abrir alguns subtítulos.

Identificação representativa. O pedagogo pode levar o aluno a iniciar o seu aprendizado de modo comparativo, e aproveitar essa ação para estimular o seu amadurecimento

como pessoa. O aluno ator primeiro examina sua própria personalidade quanto ao objeto da representação, para depois indagar: quanto a isto eu sou assim; e como é o meu

personagem quanto a este mesmo particular? Qual o meu modo de caminhar? E como deve caminhar o meu personagem? Qual o meu conhecimento da língua? E qual conhecimento da língua deve mostrar ter o meu personagem? Ele é preguiçoso,

descuidado ou disciplinado? É disponível, gentil e respeitoso? Como eu próprio sou quanto a essas qualidades? – O aluno-ator fará essa crítica comparativa, para

chegar a uma identificação perfeita do tipo que irá representar e assim, na medida que sua imaginação absorve a vida do personagem, ele estará também reconhcendo em sua própria personalidade vários

aspectos físicos e espirituais de que nunca havia tido antes uma completa consciência.

Nivel social. Além das características de personalidade que o aluno-ator pesquisará, ele deverá estudar seu personagem também com respeito aos hábitos próprios da sua

situação social. Quais as prováveis interações sociais e políticas dele com os membros da sua classe (Classe alta; Classe média; Classe baixa) no que diz respeito à

educação, à vida familiar, à vida sexual, à crença religiosa, e à sua profissão. Precisará imaginar como o seu personagem chegou ao que é –como no caso de um gerente de banco que começou como offfice-boy esperto e capaz – isto ajudará a

fixar o tipo.

Sotaque. É comum em um país como o nosso, dividido em regiões e que também recebeu a contribuição de várias raças e culturas estrangeiras, ter uma variedade grande de sotaques. Há que primeiro distinguir entre sotaque estrangeiro e sotaque regional. O sotaque estrangeiro tem a mais o emprego errado do masculino e feminino e dos tempos

do verbo. O sotaque regional tem a mais o emprego de expressões idiomáticas, provérbios, nomes de objetos que distinguem a fala regional e sobretudo uma entonação acentuadamente diferente de outras regiões. É necessário praticar também a acentuação das frases ou entonação fonética do país ou região. Os franceses são um bom exemplo: acentuam em geral a última palavra da frase, assim como tendem a transoformar cada

palavra estrangeira em oxítonas, transferindo o acento para sua última sílaba.

Profissões e seus equipamentos. Ao estudar um personagem, uma das primeiras perguntas a serem feitas é: qual é a sua profissão? Se o papel é de um médico

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consciencioso e competente, o Orientador estimulará o aluno-ator a observar como um facultativo consciencioso porta e usa o seu estetoscópio, pendura-o ao pescoço ou ajeita com as duas mãos as auriculares ao seu ouvido, e toma com atenção o pulso do paciente

enquanto observa atentamente o mostrador do anemômetro. Se é um mecânico, como esse profissional lida com a limpeza das mãos removendo a graxa com um bocado de estopa. Um cabeleireiro, quais são as ações que ele executa? Qual é o seu vestuário? Quais são os adereços que condizem com sua função? As diversas profissões têm sua

indumentária própria. Ao se preparar para o papel que irá interpretar,  o aluno-ator deve saber como e porque usará um avental, ou um jaleco curto, um macacão, um terno com gravata, uma farda, etc. O figurinista desenhará as vestes ou definirá a combinação das peças do vestuário de acordo com a descrição do tipo feita pelo dramaturgo. Mas o ator que se interessa profundamente pelo seu personagem e seu papel, e que já o estudou e sabe como quer apresentá-lo, pode contribuir com idéias para as roupas, e escolherá

calçados e meias de acordo.

Contracenar. Cada ator deve estabelecer uma boa relação de trabalho com os colegas com os quais irá contracenar, e conhecer os papeis dos seus parceiros tão bem quanto o

seu. No diálogo, aquilo que o antagonista disser servirá como uma deixa para sua própria fala, por suscitai uma resposta que deverá ser lógica. Isto fará que o diálogo se desenvolva quase  automaticamente, se ele aprender a reagir à atuação dos demais. É fundamental ter presente que em tais ações e reações os eventuais antagonistas não

desenvolvem atitudes que sejam suas, mas sim dos personagem em confronto, dentro da percepção que esses personagens imaginários teriam da situação.

Ensaio de palco. Depois de várias leituras do texto – em parte já decorado –, com os atores já conhecedores do seu personagem e com a idéia de como vão interpreta-lo, se faz o primeiro ensaio no palco. Embora ainda levem o texto escrito nas mãos, os atores

já introduzem as ações. Movimentam-se no palco conforme a orientação do script, ensaiam as entonações da fala, e dão início à interpretação dos respectivos papeis,

progredindo pela seqüência de cenas. É um bom momento para o Orientador Educacional passar a direção do espetáculo para o aluno que lhe parecer mais apto para a função. Embora continue presente a todos os ensaios, fará muito do seu trabalho de orientar os atores e as equipes através do Diretor Geral nomeado. Este será escolhido também pelo critério de disponibilidade de tempo, uma vez que estará em constantes

reuniões com os alunos e com o Orientador Educacional. Ele será o maestro do espetáculo, atento a todos os detalhes quanto ao cenário, à iluminação, ao movimento

dos atores no palco, coordenando suas entradas e saídas, a marcação das cenas, a moderação de seus movimentos e entonações. Comandará a duração e escala dos

ensaios, eventuais substituições, solicitará material para as equipes técnicas, etc. Sem a sua ajuda, dificilmente o Orientador Educacional poderia dar conta do número crescente

de solicitações da sua atenção.

Monólogos. Alguns monólogos acabam sendo indispensáveis em uma peça, e porque constituem um item delicado na técnica interpretativa, têm algumas regras que lhe são

próprias. O monólogo tende a induzir gestos que podem chamar a atenção do espectador mais para o movimento que para o que está sendo dito e o seu significado. O mesmo pode acontecer se o ator está de posse, ou está lidando com algum objeto. Portanto,

deve-se evitar gestos e adereços. Pelo mesmo motivo, não é bom mover-se muito num monólogo; o ator deve manter-se em um espaço limitado. O tom da voz, sua altura, e se

as palavras são mais ou menos sussurradas, o dramaturgo sempre estabelece. O ator

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deve observar suas instruções, para não comprometer o ritmo da cena, a natureza da situação ou o sentido da mensagem.

Ações e atividades. Em cada cena, o trabalho do Ator é o de executar ações e atividades. Uma ação é alguma coisa que o ator faz para um fim, como remendar um

sapato para recuperá-lo, em um determinado ambiente, como um quartinho do casebre, e por uma razão que ele não precisa declarar mas que os espectadores intuem

(justificação intuída), ou que explica audivelmente para si mesmo, ou em resposta à indagação de outro personagem (justificação declarada) – no caso, o personagem não

pode comprar um sapato novo. Uma ação divide-se em uma série de atividades que são ações subordinadas: buscar uma agulha, procurar por um carretel de linha, costurar as duas beiradas do couro rasgado são atividades da ação de remendar o sapato. A ação tem o nome da sua finalidade, neste caso ela é a “ação de remendar um sapato”, e da

finalidade salta o motivo ou justificação da ação. A atividade não pode tomar demasiado tempo da ação. Ela é rápida, o mais curta possível. Se o personagem saca um cigarro

para fumar, o maço jâ deve estar aberto e descompactado para facilitar o gesto. Ele não pode perder tempo removendo invólucros e tentando puxar um cigarro que está preso ou que lhe escapa e vai ao chão. Uma carta é escrita como se estivesse dependendo apenas

da conclusão, data e assinatura.

O modo como o Ator executa uma ação pode indicar o que ele pretende: bater na mesa para chamar a atenção de todos é feito de modo diferente de bater na mesa para

confirmar a boa ou má qualidade da madeira. É da habilidade do ator, de representar uma e outra dessas duas ações, que dependerá a aceitação da ação pelo público, que

ficará confuso se não puder distinguir, pelo modo como ele age, o que é que ele pretende. É dever do ator compreender a intenção da peça. Ela é uma "mega ação" com uma "mega finalidade" que e o dramaturgo lhe deu, por exemplo, convencer a juventude

dos valores da família.

A fala. Num palco, o ator nunca se comunica de forma apática, monocórdia e sem vida, mas com clareza e energia. Não pode usar a altura normal de voz da conversação social. Ainda que em um trecho do diálogo deva falar intimamente com um parceiro, a platéia deve

ouvi-lo também nesse colóquio.  Sua réplica deve ser enérgica, bem articulada e pessoal. Uma idéia importante colocada pelo dramaturgo

requer que seja dita com a altura e o entusiasmo dignos do seu significado. Não pode ser apresentada de forma inexpressiva. Não é

necessário gritar as palavras, mas por sua altura e força, sua voz deve alcançar além da platéia. Desde o início do seu treinamento,

precisa ter a consciência de que todos devem ouvi-lo. A fim de praticar, pode colocar uma distância de dois a quatro metros entre si e o interlocutor. Isto irá habituá-lo a projetar sua voz de modo a ser ouvido durante os ensaios e, posteriormente, na execução da peça.

O clima da cena O clima, ou atmosfera, de uma cena é indicado pelo dramaturgo. Todas as circunstâncias têm sua atmosfera, transcorrem sob um certo clima solene, ou alegre, ou triste; respeitoso, de terror, de esperança, etc. Cada local tem como uma de suas características, seus personagens e o clima que lhe são próprios. Uma igreja tem

sua atmosfera, sua hierarquia de bispos, monsenhores e padres. Um bar tem sua atmosfera, tem a garçonete, tem o barman que atende no balcão. Um passeio no parque

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tem sua atmosfera, tem a presença discreta do fiscal do meio ambiente, tem os casais de namorados, bancos em que alguem lê um jornal; um hospital tem um clima de urgência, o médico que é solicitado pelo alto-falante, enfermeiras no corredor caminhando com

presteza, e um centro de enfermagem. Um parque de diversões tem sua atmosfera, com pais e suas crianças vagando entre os cercados dos diversos brinquedos, vendedores

ambulantes, etc. Um cemitério tcm sua atmosfcra, com os coveiros abrindo sepulturas, um ou outro enlutado à beira de um túmulo com um buquê de flores, um cortejo que se dirige a um ponto qualquer. Uma biblioteca tem uma atmosfera também especial, com

seus leitores silenciosos e a bibliotecária, a pessoa mais importante – com a qual alguém fala, quase sussurrando, assuntos técnicos, e não de modo íntimo e próximo, a menos

que o enredo diga que o leitor está buscando insinuar-se para conquistá-la. O clima em cada situação pode ser leve ou carregado, dependendo do gênero da peça: se é uma

comédia, será leve; se é uma tragédia, será carregada.

Os acessórios ou "adereços". Aprender sobre "adereços" – objetos ligados à representação de um papel – é conhecer seus diferentes tipos, saber como cada um é manuseado e distinguir os modos como são manipulados por diferentes classes de

pessoas. Um ator deve aprender a técnica da esgrima em um duelo ou como usar uma pistola nessa mesma situação, ou em um crime passional ou suicídio, ou defendendo-se por tras de de uma mureta. Segurar uma caneta é parecido com o modo como se segura um garfo, mas o modo como se levanta o chapéu para uma saudação ligeira é diferente do modo de retirá-lo inteiramente. Assim também dependerá do fim para que for usado,

o manejo de uma tesoura, o  enfiar de uma agulha para bordar sobre um bastidor ou remendar uma rede, etc.. É bom que o aluno-ator aprenda a observar isto, independentemente de qual a modalidade aplicável ao seu personagem.

O segundo aspecto é como esses gestos são feitos por uma pessoa educada que observa as normas de Boas-maneiras, e uma pessoa rude; por um jovem cheio de energia ou por um ancião, etc. Por exemplo: uma pessoa comum toma a caneta do mesmo modo que um médico, mas este último geralmente a manuseia com mais rapidez. O manuseio de

objetos é utilizado também para sublinhar alguma coisa que se diz, ou para mostrar alheamento em relação ao que é ouvido, ou para enfatizar. Uma bengala é um utensílio

que pode ser manipulado de modo diferente por um dandy, por um ancião, por um aleijado, e pode ser brandida para mostrar irritação, balançada num gesto descontraído,

esticada para apontar numa direção, e utilizada para tatear o caminho. O modo de se tomar uma xícara de café não é o mesmo de tomar uma xícara de chá. O Ator deve

saber a diferença entre uma xícara de café e uma chávena de chá, e como tomar uma ou outra dessas duas bebidas quentes. O chá é bebido com calma, enquanto se saboreia biscoitos, e é incompatível com cenas muito movimentadas. Deve saber colocar o

açúcar no líquido, imaginando e treinando os diferentes modos educados e deseducados de fazer isso. Cenas alegres pedem bebidas em copos grandes que possam ser erguidos

em brindes;

Ao procurar pelo relógio de bolso, o ator não pode ficar atrapalhado para sacá-lo da algibeira, nem puxá-lo pelo meio da corrente, mas, sem olhar, deve apanhá-lo com a

presteza natural puxando-o pela sua própria argola. Ao acender um abajur deve levar a mão ao interruptor sem olhar onde ele está, como um gesto automático e costumeiro,

para mostrar sua familiaridade com aquele objeto naquele lugar, se a cena é em sua casa ou escritório, mas deve fingir não saber onde ele está e procurá-lo por um segundo sob

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as abas do abajur, se quer passar a impressão de que é a primeira vez que entra no cômodo (apesar dos inúmeros ensaios que tenha feito).

Personalização do desempenho. Finalmente, depois de entender a ação e as atividades nelas envolvidas, o ator chega à interpretação, que é o seu modo de realiza-las, modo pessoal e que o identifica, e será a base para ser considerado um bom ou mau ator. O

Autor da peça descreve muito superficialmente as cenas e os personagens a serem representados. Cada ator deve inventar a maneira sutil de personalizar sua atividade em uma cena, de modo a fazê-la real e crível. Por exemplo, ao entrar em cena, ele retira os óculos escuros, dobra-os e guarda-os no bolso da camisa. Esse pequeno detalhe indicará

seu modos pessoal de representar uma ação cuja rubrica objetiva indica apenas que o personagem entra na sala. Seu gesto tem o efeito sub-liminar de tornar a ação

convincente, porque os espectadores não chegam a tomar consciência dele, mas sentirão "simpatia" pela sua atuação.

Os óculos são um objeto de grande poder cênico. Tirá-los, examiná-los contra a luz, remover um cisco imaginário; dar um toque na armação por sobre o nariz colocando-a

no seu lugar, por ou remover os óculos indicando maior atenção na leitura ou para olhar desimpedidamente alguém com quem se fala, são gestos que, feitos com naturalidade,

emprestam maior veracidade ao desempenho do ator.

O ator encontrará na caracterização do seu personagem a descrição das roupas que usará na interpretação, mas o modo de usá-las será criação sua. Sua personalização no uso do vestuário poderá ser muito imaginativa e talentosa, se contribuir para a caracterização perfeita do seu personagem. Ele pode vestir uma blusa de lã, ou amarrá-la ao pescoço deixando que lhe caia pelas costas, ou amarrá-la na cintura, ou trazê-la na mão. Poderá

ter todos os botões da camisa abotoados ou deixa-la aberta ao peito.

Abrir um pacote de presente pode ser feito com calma, enquanto se faz algum comentário, e pode ser mais rápido e nervoso, para mostrar grande curiosidade ou

expectativa.

Pode usar um boné com aba para frente ou para trás, conforme se aplique melhor ao seu personagem ou à situação. Um breve olhar para o copo de uísque antes de leva-lo à boca é outro exemplo. Ao afastar dos lábios uma chávena de chá ele poderá, com um

gesto mais lento ou mais rápido, indicar que o chá está demasiadamente quente, ou que está agradável e saboroso. Tudo isto o ator deve criar com propriedade, ele mesmo, porque o script dirá apenas que ele está sentado à mesa tomando um café ou chá.

Mas há limites ao realismo. O efeito será contrário, se ele desenvolver maneirismos, e será uma indisciplina, se  ultrapassar notoriamente as indicações que recebe do

dramaturgo. Por outro lado, nem tudo que é parte da realidade dá certo no palco. Se a cena é em uma biblioteca, curvar-se para procurar um livro em uma estante baixa pode ser grotesco e então, embora este seja um procedimento comum a um leitor, o ator não

deve levar o seu realismo a esse extremo.

O aluno-ator deve estar consciente dos efeitos que tem sobre sua imagem cada uma dessas personalizações e treiná-las discretamente. Com esses exercícios, sentirá maior

segurança para desempenhar seu papel. Ele também se sentirá enriquecido pela

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descoberta e compreensão de muitos detalhes da vida e do relacionamento social de que antes não tinha percepção e o valor da sua participação na peça crescerá.

   Rubem Queiroz Cobra