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Endodontia Revista da APCD 2008;62(3):173 - 1 Resposta tecidual subcutânea em ratos frente a implantes de cones de guta-percha e cones de resilon Rat subcutaneous tissue response to resilon and gutta-percha cones RESUMO O objetivo deste estudo foi avaliar a biocompatibilidade em tecidos subcutâneos de ratos dos cones de resilon e cones de guta-percha. Para isso, foram selecionados 20 ratos adultos divididos em quatro grupos de cinco ratos cada. Em cada rato foram implantados um pedaço de cone de resilon e um de guta-percha. O Grupo I foi observado após 24 horas; o Grupo II, após 48 horas; o Grupo III, após sete dias; e o Grupo IV, após 30 dias. Na análise histológica, observou-se que, no Grupo I, os dois materiais provocaram uma reação inflamatória aguda intensa, com presença de neutrófilos. No Grupo II, ao redor da guta-percha ainda havia áreas com infiltrado inflamatório rico em neutrófilos, porém em menor extensão que ao redor do resilon. No Grupo III, tanto para a guta-percha quanto para o resilon, observou-se tecido de granulação caracterizado por proliferação fibroblástica endotelial e neovascularização, per- meados por moderado a intenso infiltrado inflamatório mononuclear. No Grupo IV, observou- se, em volta dos cones de guta-percha e cones de resilon, um tecido de granulação restrito à proximidade do material, além de menor quantidade de vasos sanguíneos, e infiltrado infla- matório de discreto a moderado. Em algumas regiões ao redor dos cones de guta-percha e re- silon, as análises apresentaram cápsula fibrosa delgada livre de inflamação. Assim conclui-se que os dois materiais se comportaram de forma semelhante quando implantados nos tecidos subcutâneos de ratos, mostrando-se bem toleráveis e biocompatíveis. DESCRITORES: guta-percha; materiais biocompatíveis; inflamação; endodontia. ABSTRACT Objective: the aim of this study was to evaluate the tissue response of resilon and gutta- percha cones when implanted in subcutaneous tissues of rat. Method: 20 adult male rats were selected and then randomly divided into four groups (n=5, each). In each animal one piece (semelhante) of resilon cone and one of gutta-percha were implanted. The tissues sur- rounding the implants were removed and analyzed histologically in Group I after 24 hours; in Group II after 48 hours; in Group III after seven days; and in Group IV, after 30 days. Results: in Group I, both materials provoked an intense sharp inflammatory reaction, with the pre- sence of neutrofiles. In Group II, the tissues around gutta-percha still showed inflammatory infiltrate rich in neutrofiles, however in a smaller extension than of those around resilon. In Group III granulation tissues characterized by fibroblastic endothelial proliferation and neo- vascularization permeated with moderate to intense mononucleate inflammatory infiltrate were observed around both gutta-percha and resilon implants. In Group IV a granulation tis- sue was observed around the implant, restricted to the proximity of the material. In addition a small amount of blood vessels and discrete inflammatory infiltrate was present. In some areas a thin fibrous capsule free from inflammation was observed. Conclusion: Subcutaneous rat tissues behaved in a similar way when implanted with gutta-percha cones and resilon cones, which therefore can be considered very tolerable and biocompatible. DESCRIPTORS: gutta-percha, biocompatible materials, inflammation, endodontics. Artigo original Recebido em: nov/2007 Aprovado em: abr/2008 Felipe Davini Mestre em Endodontia, professor assistente de Endodontia do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic Rodrigo Sanches Cunha Doutor em Endodontia, professor do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic Carlos Eduardo da Silveira Bueno Doutor em Endodontia, professor do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic Carlos Eduardo Fontana Mestre em Endodontia, professor assistente de Endodontia do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic Kenner Bruno Miguita Mestre em Endodontia, professor assistente de Endodontia do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic Alexandre Sigrist de Martin Doutor em Endodontia, professor do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic Endereço do autor Felipe Davini Av. Andrade Neves, 2655 - apto. 92 - Jd. Chapadão 13070-001 - Campinas - SP Tel.: (19) 3241-8400 [email protected]

Artigo original Endodontia Resposta tecidual subcutânea em ... · Resumo O objetivo deste estudo foi avaliar a biocompatibilidade em tecidos subcutâneos de ratos ... Felipe Davini

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Endodontia

Revista da APCD 2008;62(3):173 - 1

Resposta tecidual subcutânea em ratos frente a implantes de cones de guta-percha e cones de resilon

Rat subcutaneous tissue response to resilon and gutta-percha cones

ResumoO objetivo deste estudo foi avaliar a biocompatibilidade em tecidos subcutâneos de ratos

dos cones de resilon e cones de guta-percha. Para isso, foram selecionados 20 ratos adultos divididos em quatro grupos de cinco ratos cada. Em cada rato foram implantados um pedaço de cone de resilon e um de guta-percha. O Grupo I foi observado após 24 horas; o Grupo II, após 48 horas; o Grupo III, após sete dias; e o Grupo IV, após 30 dias. Na análise histológica, observou-se que, no Grupo I, os dois materiais provocaram uma reação inflamatória aguda intensa, com presença de neutrófilos. No Grupo II, ao redor da guta-percha ainda havia áreas com infiltrado inflamatório rico em neutrófilos, porém em menor extensão que ao redor do resilon. No Grupo III, tanto para a guta-percha quanto para o resilon, observou-se tecido de granulação caracterizado por proliferação fibroblástica endotelial e neovascularização, per-meados por moderado a intenso infiltrado inflamatório mononuclear. No Grupo IV, observou-se, em volta dos cones de guta-percha e cones de resilon, um tecido de granulação restrito à proximidade do material, além de menor quantidade de vasos sanguíneos, e infiltrado infla-matório de discreto a moderado. Em algumas regiões ao redor dos cones de guta-percha e re-silon, as análises apresentaram cápsula fibrosa delgada livre de inflamação. Assim conclui-se que os dois materiais se comportaram de forma semelhante quando implantados nos tecidos subcutâneos de ratos, mostrando-se bem toleráveis e biocompatíveis.

DEscrItOrEs: guta-percha; materiais biocompatíveis; inflamação; endodontia.

ABsTRACTObjective: the aim of this study was to evaluate the tissue response of resilon and gutta-

percha cones when implanted in subcutaneous tissues of rat. Method: 20 adult male rats were selected and then randomly divided into four groups (n=5, each). In each animal one piece (semelhante) of resilon cone and one of gutta-percha were implanted. the tissues sur-rounding the implants were removed and analyzed histologically in Group I after 24 hours; in Group II after 48 hours; in Group III after seven days; and in Group IV, after 30 days. results: in Group I, both materials provoked an intense sharp inflammatory reaction, with the pre-sence of neutrofiles. In Group II, the tissues around gutta-percha still showed inflammatory infiltrate rich in neutrofiles, however in a smaller extension than of those around resilon. In Group III granulation tissues characterized by fibroblastic endothelial proliferation and neo-vascularization permeated with moderate to intense mononucleate inflammatory infiltrate were observed around both gutta-percha and resilon implants. In Group IV a granulation tis-sue was observed around the implant, restricted to the proximity of the material. In addition a small amount of blood vessels and discrete inflammatory infiltrate was present. In some areas a thin fibrous capsule free from inflammation was observed. conclusion: subcutaneous rat tissues behaved in a similar way when implanted with gutta-percha cones and resilon cones, which therefore can be considered very tolerable and biocompatible.

DEscrIPtOrs: gutta-percha, biocompatible materials, inflammation, endodontics.

Artigo original

Recebido em: nov/2007Aprovado em: abr/2008

Felipe DaviniMestre em Endodontia, professor assistente de Endodontia do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic

Rodrigo Sanches CunhaDoutor em Endodontia, professor do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic

Carlos Eduardo da Silveira BuenoDoutor em Endodontia, professor do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic

Carlos Eduardo FontanaMestre em Endodontia, professor assistente de Endodontia do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic

Kenner Bruno MiguitaMestre em Endodontia, professor assistente de Endodontia do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic

Alexandre Sigrist de MartinDoutor em Endodontia, professor do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic

Endereço do autorFelipe DaviniAv. Andrade Neves, 2655 - apto. 92 - Jd. Chapadão13070-001 - Campinas - SPTel.: (19) [email protected]

DAVINI F, CUNHA RS, BUENO CES, FONTANA CE, MIGUITA KB, MARTIN AS

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ReLeVÂNCIA CLÍNICAO material endodôntico deve restringir-se ao interior do sis-

tema de canais radiculares, porém, algumas vezes pode ocorrer o extravasamento para a região perirradicular. Este estudo mostrou a importância da biocompatibilidade dos materiais obturadores para serem utilizados clinicamente.

INTRoDuÇÃoO sucesso do tratamento endodôntico depende da completa re-

moção dos conteúdos infectados do sistema de canais radiculares, acompanhado pela obturação hermética e tridimensional utilizando um material biocompatível para evitar uma possível irritação aos te-cidos perirradiculares1. Está demonstrado que materiais obturadores, quando em contato com os tecidos perirradiculares após o tratamen-to endodôntico, podem perpetuar uma periodontite apical2.

Estudos mostram também que a biocompatibilidade é o requi-sito mais importante porque qualquer material biologicamente não aceitável pode ser responsável pelo insucesso do tratamento endo-dôntico, isso pode ser demonstrado em alguns cimentos obtura-dores que quando extravasados para os tecidos periapicais após o tratamento endodôntico pode perpetuar uma infecção periapical2.

Os materiais que são freqüentemente utilizados na prática clí-nica compreendem resina, óxido de zinco e eugenol, ionômero de vidro, hidróxido de cálcio3. Os materiais obturadores à base de resi-na ganharam respaldo na literatura, sendo aceitos na endodontia, em virtude do avanço da tecnologia adesiva, o que contribui para reduzir a infiltração apical e coronária4. Portanto, novos cones à base de resina (resilon do sistema Epiphany - Pentron clinical tch-nologles, LLc – Wallingford, ct 06492, EUA) estão sendo desen-volvidos. As propriedades biológicas dos cones de guta-percha já foram previamente estudadas quanto à citotoxicidade e biocom-patibilidade tecidual5,6. Por outro lado, as propriedades biológicas dos cones de resilon foram pobremente estudadas.

tem sido afirmado que as bases biológicas do tratamento en-dodôntico são demoradas por trás do avanço tecnológico expres-sivo da endodontia7. contudo, é necessário antes de promover ao uso clínico que os materiais passem por testes básicos confiáveis.

com o objetivo de trazer maiores esclarecimentos em relação à biocompatibilidade - principalmente dos cones de resilon, por ser um material obturador novo, recentemente introduzido na odontologia - o presente estudo se propõe a analisar a resposta tecidual no tecido subcutâneo de ratos aos cones de guta-percha e cones de resilon.

PRoPosIÇÃoEste trabalho teve como proposta avaliar a resposta tecidual

subcutânea frente a implantes de cones de guta-percha e cones de resilon, nos períodos de 24 e 48 horas, sete e 30 dias.

mATeRIAIs e mÉToDosForam selecionados 20 ratos (rattus norvegicus – variedade albi-

nus), da linhagem Winstar, machos adultos jovens (70 dias), pesando, cada um, aproximadamente 200 gramas. O projeto foi aprovado pelo comitê de Ética e Pesquisa instituída no centro de Pesquisas Odontoló-gicas são Leopoldo Mandic, de acordo com a resolução 196 / 1966 do cNs – Ministério da saúde, em reunião realizada no dia 12/06/2006.

cones de guta-percha (Dentsply Indústria e comércio LtDA,

Petrópolis, rio de Janeiro, Brasil) de diâmetro no 35 e cones de re-silon® (Pentron clinical tchnologles, LLc – Wallingford, ct 06492, EUA) de diâmetro no 35 ambos com taper. 06 foram cortados na sua extremidade superior e ajustados em pedaços medindo 10 mm cada. Estes cones foram então desinfetados em hipoclorito de sódio 2,5% por cinco minutos, e dois minutos em álcool 70% e lavados abundantemente com soro fisiológico. Após aneste-sia com cloridrato de Ketamina 10%, intramuscular, na dose de 0,2 ml/100g de peso, e Xilazina intramuscular na dose de 0,025 ml/100g, foi realizada tricotomia na região dorsal e os cones fo-ram implantados, subcutaneamente, através de uma incisão de aproximadamente 1 cm perpendicular ao longo do eixo da coluna vertebral na região dorsal de cada animal.

Os cones foram introduzidos com pinça apropriada, o mais dis-tante possível do local da incisão, com o objetivo de evitar que o processo de cicatrização da ferida interferisse na análise do tecido subjacente ou próximo ao implante. Do lado direito no dorso do animal, foi implantado o cone de resilon e, do lado esquerdo, o cone de guta-percha. Uma vez implantados os cones, a incisão foi suturada com dois pontos separados.

Após os períodos de 24 horas, 48 horas, sete dias e 30 dias de de-senvolvimento, os fragmentos teciduais foram retirados. Para cada um dos períodos citados, cinco animais foram anestesiados com Ketamina 10% intramuscular, na dose de 0,2 ml/100g de peso, e Xilazina intramuscular, na dose de 0,025 ml/100g de peso. Fazendo-se uma incisão em cada extremidade da região onde o cone foi im-plantado, estes foram localizados e removidos, juntamente com os tecidos da região e imediatamente imersos em solução de formol a 10%, tamponando-se, durante vinte quatro horas, em temperatura ambiente. Ao final deste procedimento, os animais foram sacrifica-dos através de injeção intramuscular de hidrato de cloral a 30%.

LeITuRA DAs LÂmINAstrês examinadores previamente calibrados e “cegos” fizeram a

leitura das lâminas, determinando se houve e qual o tipo de infil-trado inflamatório em cada grupo.

ResuLTADosAnálise qualitativaFoi feita uma análise qualitativa dos resultados histológicos,

pois o objetivo foi determinar se houve infiltrado inflamatório nos períodos dos tempos estudados, e que tipo de infiltrado inflama-tório foi observado, o que permitiu determinar a biocompatibili-dade dos materiais estudados.

Grupo I – 24 horascones de guta-percha / cones de resilon:A análise histológica mostrou que os tecidos apresentaram

extensas áreas com intenso infiltrado inflamatório, rico em neutrófilos, especialmente nas proximidades do cone de guta-percha (Figura 1) e do cone de resilon (Figura 2), com áreas de edema em volta.

Grupo II – 48 horascones de guta-percha:A análise histológica mostrou que os tecidos ainda apresenta-

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vam áreas com infiltrado inflamatório rico em neutrófilos e áreas de edema, porém em menor extensão que o resilon (Figura 3).

cones de resilon:A análise histológica mostrou que os tecidos apresentaram

extensas áreas com um intenso infiltrado inflamatório, rico em neutrófilos, especialmente nas proximidades do cone de resilon (Figura 4), com áreas de edema em volta.

Grupo III – 7 diascones de guta-percha / cones de resilon:A análise histológica mostrou que os tecidos apresentaram

granulação caracterizada por proliferação fibroblástica endotelial e neovascularização, permeadas por moderado a intenso infiltrado inflamatório mononuclear próximo ao cone de guta-percha (Figu-ra 5) e do cone de resilon (Figura 6).

Figura iCone de guta-percha: intenso infiltrado inflamatório. aumento de 40 x

Figura 3Cone de guta-percha: Moderado infiltrado inflamatório. aumento de 40 x

Figura 5Cone de guta-percha: Tecido de granulação, proliferação fibroblástica endotelial e

neovascularização. Moderado infiltrado inflamatório mononuclear. aumento de 40x

Figura 4Cone de resilon: Extensas áreas com intenso infiltrado inflamatório. aumento de 50 x

Figura 6Cone de resilon: Tecido de granulação, proliferação fibroblástica endotelial e neo-vascularização. Moderado infiltrado inflamatório mononuclear. aumento de 50 x

Figura 2Cone de resilon: intenso infiltrado inflamatório. aumento de 40 x

DAVINI F, CUNHA RS, BUENO CES, FONTANA CE, MIGUITA KB, MARTIN AS

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Grupo IV – 30 diascones de guta-percha / cones de resilonA análise histológica mostrou que os tecidos apresentaram em volta

do material tecido de granulação, porém mais restrito à proximidade do

material, além de apresentar menor quantidade de vasos sanguíneos, e infiltrado inflamatório apenas discreto a moderado. Em algumas regi-ões os tecidos apresentaram cápsula fibrosa delgada livre de inflama-ção, tanto para guta-percha (Figura 7) quanto para o resilon (Figura 8).

Figura 7Cone de guta-percha: Tecido de granulação, vasos sanguíneos e infiltrado

inflamatório apenas discreto. Em algumas regiões presença de cápsula fibrosa livre de inflamação. aumento de 40 x

Figura 8Tecido de granulação, vasos sanguíneos e infiltrado inflamatório apenas

discreto. Em algumas regiões presença de cápsula fibrosa livre de inflamação. aumento de 40 x

DIsCussÃoA guta-percha tem sido o material de escolha para obturação

do sistema de canais radiculares graças às suas propriedades (ra-diopacidade, estabilidade dimensional, fácil manuseio, biocompa-tibilidade etc.)8, porém com o avanço tecnológico na odontologia e na endodontia, novos materiais surgem. Na endodontia o mate-rial obturador mais recente é o sistema Epiphany, onde os cones são denominados de resilon, e são à base de resina, que tem como vantagem: a adesividade as paredes do sistema de canais radi-culares, o que diminui a microinfiltração bacteriana9. Porém é de importância relevante o estudo da biocompatibilidade deste ma-terial, uma vez que este poderá estar em contato com os tecidos periapicais após a obturação do sistema de canais radiculares10.

Para uma maior obliteração de todo o sistema de canais radi-culares, novas técnicas de obturação surgiram, sendo a de aque-cimento e conseqüente plastificação da guta-percha uma das mais utilizadas até hoje, pois a guta-percha, quando plastificada e comprimida em direção à região apical, preenche todo o sistema de canais radiculares e suas irregularidades11. Porém esta técnica pode apresentar algumas desvantagens, sendo a mais relevante o extravasamento para a região periapical de material obturador, o que poderia agir como um irritante na região periapical12,13.

A presença do material obturador, no limite apical do canal radicular, é algumas vezes inevitável, em virtude da falta de vi-sualização do forame apical. Apesar do auxílio da imagem radio-gráfica 94% dos forames apicais não terminam no ápice da raiz, situando-se quase sempre na sua porção lateral14.

O presente estudo avaliou a biocompatibilidade de dois ma-teriais obturadores do sistema de canais radiculares. Para isso foi utilizado o tecido conjuntivo subcutâneo de ratos por ser o que mais se assemelha ao tecido da região periapical15,16. O tempo de observação do material implantado no subcutâneo de ratos foi ba-

seado em trabalhos, nos quais este tempo varia de sete a 60 dias17, quando estendido este prazo, observou-se infiltrado inflamatório insignificante ou ausente15. Para isso foi escolhido o método de avaliação qualitativo, pois o objetivo foi verificar a presença de reação inflamatória aguda ou crônica, bem como avaliar as rea-ções dos materiais nos tecidos subcutâneos de ratos. Isso está de acordo com trabalhos já realizados18.

Os resultados do presente estudo, no período de 24 horas, mostraram que os dois materiais utilizados - cones de guta-per-cha e cones de resilon - apresentaram uma reação inflamatória aguda rica em neutrófilos. Estes resultados estão de acordo com os observados por Holland19, em que implantes de cones de guta-percha no tecido conjuntivo subcutâneo de ratos apresentaram, nas primeiras horas, uma reação inflamatória aguda, a qual tende a tornar-se crônica com o passar do tempo.

No período de 48 horas, foi observado que, nos tecidos em que foram implantados os cones de guta-percha, houve uma redução no nível de infiltrado inflamatório rico em neutrófilos e com áreas de edema; já os tecidos implantados com cones de resilon ainda apresentavam uma reação inflamatória aguda rica em neutrófilos, com áreas de edema. Isso pode ser atribuído a algum componente presente nos cones de resilon, o qual não é possível identificar.

Após um período de tempo de sete dias, quando se implan-taram cones de guta-percha no tecido conjuntivo subcutâneo de ratos, observou-se a presença de fibroblastos, macrófagos e tecido de granulação, o que significa o início de um processo de repa-ro, nas regiões onde os materiais foram implantados, estando de acordo com Holland20 que mostraram através de estudos realiza-dos nos tecidos conjuntivos subcutâneos de ratos, o aparecimento de fibroblastos, macrófagos e fragmentos nucleares junto aos im-plantes de cones de guta-percha, após sete dias.

No presente estudo, no período de 30 dias, tanto o cone de

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guta-percha quanto o de resilon quando implantados no tecido subcutâneo de ratos, mostraram boa tolerância tecidual apresen-tando, em volta do material, um tecido de granulação, porém este é mais restrito à proximidade do material, além de apresentar me-nor quantidade de vasos sanguíneos, e infiltrado inflamatório va-riando de discreto a moderado. Em algumas regiões, cápsula fibro-sa delgada livre de inflamação foi observada, mostrando uma boa tolerância dos tecidos aos materiais implantados e estes foram considerados pelo organismo como um corpo estranho, encapsu-lado e mantido no local da implantação. Estes resultados estão de acordo com trabalho6, que através de análise microscópica, reve-lou que cones de guta-percha implantados no tecido conjuntivo subcutâneo de ratos foram bem tolerados, ocorrendo formação de uma cápsula fibrosa que circunscreveu o material e a reorganiza-ção do tecido adjacente a esta.

De uma forma geral, os resultados aqui apresentados es-tão de acordo com Key10 que, apesar de adotar uma meto-dologia diferente, utilizando fibroblastos gengivais humanos para avaliar a citotoxicidade do sistema resilon e Epiphany®, comparado com a guta-percha e um cimento endodôntico de Grossman, mostrou não haver diferenças substanciais entre a guta-percha e o resilon.

CoNCLusÃocom base nas condições dos experimentos realizados, pode-se

concluir que os tecidos subcutâneos se comportaram de forma semelhante e tiveram nas primeiras horas uma reação inflamató-ria intensa o que foi diminuindo com o passar do tempo quando submetidos a implantes de cones de guta-percha e de resilon. E os materiais testados foram considerados biocompatíveis.