Upload
ana-paula-rocha
View
212
Download
0
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Tomando como ponto de partida o conceito de professor-investigador, procura-se aqui compreender a sua relação com o desenvolvimento profissional. Estabelecem-se as afinidades com o processo de reflexão crítica e aponta-se como uma cultura de investigação da própria prática é fundamental, com vista ao desenvolvimento de competências e atitudes problematizadoras da praxis, assumindo-se a importância da formação que proporcione contextos para a investigação realizada pelo próprio professor.
Citation preview
Ana Paula Rocha PROFISSIONAL-INVESTIGADOR (PRACTITIONER-INQUIRER): CONTRIBUTOS PARA
O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
1
* Professora, Formadora de Formação Contínua de
Professores e Investigadora na área das Ciências da Educação. Membro colaborador na Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.
PROFISSIONAL-INVESTIGADOR (PRACTITIONER-INQUIRER):
CONTRIBUTOS PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
Ana Paula Rocha *
RESUMO
Tomando como ponto de partida o conceito de professor-investigador, procura-se aqui compreender a sua relação com o desenvolvimento profissional. Estabelecem-se as afinidades com o processo de reflexão crítica e aponta-se como uma cultura de investigação da própria prática é fundamental, com vista ao desenvolvimento de competências e atitudes problematizadoras da praxis, assumindo-se a importância da formação que proporcione contextos para a investigação realizada pelo próprio professor.
O QUE DEFINE DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL?
É recorrente que os professores, concluído
um período de formação contínua,
realizado através da oferta de um Centro
de Formação, refiram nos seus relatórios
de reflexão como constatam ter-se
verificado o seu desenvolvimento
profissional, resultante da intervenção
formativa em que se envolveram. Porém, o
que entendem por desenvolvimento
profissional? Será que o conceito teria
enquadramento idêntico para todos?
Quererão dizer que se sentem na posse de
novos conhecimentos e que estes foram
úteis? Pensarão que algo mudou na sua
capacidade de intervenção na própria
prática? Ou creem ter ultrapassado mais
uma etapa formativa que culmina no
momento de avaliação com carácter
classificativo do seu desempenho, naquele
contexto concreto? No entender destes
profissionais o conceito englobará tudo o
que aqui se referiu, ou algo distinto? Por
sua vez, os formadores, nos seus
documentos de avaliação de todo o
processo, subscrevem essa evidência e
sublinham os seus efeitos através de
descrições dos benefícios que todos
obtiveram, considerando-a o desfecho
natural e incontornável da ação formativa
na qual foram agentes ativos. Natural?
Incontornável? Será que todas as ações de
formação, sejam quais forem os conteúdos
e estratégias utilizados, conduzirão,
espontaneamente, ao desenvolvimento
profissional dos formandos?
Selecionámos um investigador que nos
ajuda a compreender o que diversos
autores, por ele selecionados, entendem
por desenvolvimento profissional,
consistindo, segundo os referenciados, em
formação contínua (Darder, 1988);
aperfeiçoamento dos docentes (Martínez,
1983; Vázquez, 1976); crescimento
profissional do professor (Joyce, 1980;
Citar este artigo: Rocha, A. P. (2015). Profissional-Investigador – Practitioner-
Inquirer. Almadaforma. Revista do Centro de Formação da Associação das Escolas de
Almada. A Formação Contínua na Melhoria da Escola, nº 9, abril 2015, pp. 19-23.
Ana Paula Rocha PROFISSIONAL-INVESTIGADOR (PRACTITIONER-INQUIRER): CONTRIBUTOS PARA
O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
2
NcNergney y Carrier, 1981; Fullan, 1987;
Griffin, 1983); treino ou aperfeiçoamento
em serviço (‘in-service training’) (Neil,
1986; de la Orden, 1982); reciclagem
(Landsheere, 1987); formação em serviço
(Montero, 1987); ou ainda uma fase da
carreira profissional que se inicia assim que
terminam as práticas profissionais ou
começa a fase de iniciação profissional
(García A., 1987). O mesmo investigador
indica que, nas definições apontadas,
surgem palavras que aludem,
primeiramente, a mudança, melhoria,
refinamento das competências, como
produto de uma intervenção, e, logo de
seguida, às estratégias, processos,
mecanismos de intervenção que
proporcionam tais mudanças. (Ângulo,
1990).
Para que melhor alcancemos o que este
conceito envolve, aproveitamos a definição
de Fullan para qualificar o desenvolvimento
profissional como algo de larga amplitude
que inclui qualquer atividade ou processo
que procure melhorar competências,
atitudes, compreensão ou ação em papéis
atuais ou futuros. O investigador
acrescenta que, quando os professores se
comprometem na implementação de
inovações, ocorrem mudanças
significativas, na medida em que o
processo de implementação é
essencialmente um processo de
aprendizagem. Assim, quando se relaciona
com inovações concretas, o
desenvolvimento profissional e a
implementação daquelas estão ligados
(Fullan, 1990).
A visão de Joyce (1980) sobre o que
constitui o desenvolvimento profissional é,
por outro lado, integradora do requisito da
reflexão: «o desenvolvimento profissional
envolve todas as experiências espontâneas
de aprendizagem e as atividades
conscientemente planificadas, realizadas
para benefício, direto ou indireto, do
indivíduo, do grupo ou da escola e que
contribuem, através destes, para a
qualidade da educação na sala de aula. É o
processo através do qual os professores,
enquanto agentes de mudança, reveem,
renovam e ampliam, individual ou
colectivamente, o seu compromisso com
os propósitos morais do ensino, adquirem
e desenvolvem, de forma crítica,
juntamente com as crianças, jovens e
colegas, o conhecimento, as destrezas e a
inteligência emocional, essenciais para
uma reflexão, planificação e prática
profissionais eficazes, em cada uma das
fases das suas vidas profissionais» (in Day,
2001, pp. 20-21, cit. de Joyce , 1980).
PROFESSOR REFLEXIVO-CRÍTICO PARA O
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
Alguns autores como Alarcão (1995) e
Schön (1987) desenvolveram propostas de
formação docente utilizando o paradigma
do professor reflexivo. No seu entender, a
formação que contribui com eficácia para o
desenvolvimento profissional do professor,
tem de ter em vista a construção ativa do
seu saber-fazer docente, um conhecimento
que se processa na ação e a partir da
reflexão do professor na e sobre a ação.
Ana Paula Rocha PROFISSIONAL-INVESTIGADOR (PRACTITIONER-INQUIRER): CONTRIBUTOS PARA
O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
3
Esta visão entende o professor como um
profissional envolvido num processo
continuum de formação, permanente, que
se materializa na autoformação, através da
qual os professores refazem os saberes
iniciais em confronto com as suas
experiências e práticas vivenciadas em
contextos reais no ensino. É nesse
confronto e num processo colaborativo e
colegial de troca de práticas e experiências
que os professores vão construindo os seus
saberes enquanto praticum, refletindo na e
sobre a prática. Nóvoa (1992) propõe a
formação numa perspectiva que denomina
crítico-reflexiva, que forneça aos
professores os meios de um pensamento
autónomo e que facilite as dinâmicas de
formação autoparticipada.
Nesta ordem de ideias é necessário que os
programas de formação contínua para
professores abordem temas e recorram a
metodologias estratégicas que deem
ênfase ao desenvolvimento profissional
promotor da reflexão crítica. O conceito de
prático reflexivo constata o valor da
experiência, partindo do princípio que a
reflexão do docente sobre a sua atividade
deve sustentar-se no conhecimento
sistematizado, o que o torna um produtor,
e não simples consumidor, de teorias
alheias como Zabalza (2004) defende. Para
que esta prática educativa reflexiva se
torne crítica precisa de apoiar-se na
investigação da própria prática, no
processo interativo, no diálogo com
situações autênticas considerando-se a
experiência como uma fonte rica e
construtiva.
PROFISSIONAL/PROFESSOR-
INVESTIGADOR (PRACTITIONER-
INQUIRER), O QUE O CARACTERIZA?
CONTRIBUTOS PARA O
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
A experiência, porém, pode não ser fonte
formadora. John Dewey (1959) estava
crente que, no tocante à experiência de um
professor, alcançada ao longo de uma
década, podemos pensar uma de duas
coisas. Ou que ele tem dez anos de
experiência, ou, no pior dos casos, que
possui um ano de experiência repetido dez
vezes. Portanto, pode representar uma
mera reprodução contínua, uma sucessão
de rotinas, não sendo potenciadora de
novos saberes para a ação. Ao invés, a
capacidade de reflexão crítica sobre essa
experiência, constitui-se como formadora e
potenciadora do desenvolvimento
profissional especialmente se estimulada
pela investigação sobre a própria prática.
Nóvoa (1992) clarifica como os conceitos
de professor-investigador (practitioner-
inquirer) e professor reflexivo se tratam de
uma mesma realidade abordada de formas
diferentes pelas Ciências da Educação. O
professor-investigador é aquele que
investiga ou reflete sobre a sua prática,
assumindo a própria realidade escolar
como um objeto de averiguação, de
reflexão, de análise, enquadrando-se no
paradigma do professor reflexivo. Segundo
esta perspetiva a praxis institui-se ao longo
de um percurso que engloba, de forma
integrada, a trajetória, a formação, o
Ana Paula Rocha PROFISSIONAL-INVESTIGADOR (PRACTITIONER-INQUIRER): CONTRIBUTOS PARA
O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
4
conhecimento pedagógico compartilhado e
as redes de interações. Os benefícios de
um processo desta ordem são vários. Os
professores podem criar melhores
condições para enfrentar os problemas
colocados pela prática, na dimensão em
que os compreendam, sobre eles reflitam,
exercendo o seu sentido crítico e, em
conjunto com os seus pares, possam
desocultar presunções enganadoras para
se apropriarem de formas de
enfrentamento. As estratégias para este
enfrentamento podem ser proporcionadas
e geradas em espaços de formação
contínua, onde a construção da
profissionalidade (conjunto de saberes
profissionais) ocorre e estimula uma
cultura organizacional sócio construtiva.
Os contextos formativos com maiores
condições de proporcionar o
desenvolvimento profissional integram o
saber que advém do trajeto individual do
professor, promovem o estabelecimento
de redes e relações recíprocas, o domínio
do saber fazer (conhecimento prático) e o
domínio do saber (conhecimento
científico), tendo como suporte um
processo sistemático, organizado e
autorreflexivo, que irradia e se fundeia na
investigação-ação. É nestas circunstâncias
que, à medida que os professores refletem
criticamente, se formam e constituem
como docentes na sua profissionalidade.
Stenhouse (1975), por seu turno, defende
o profissionalismo dos professores assente
numa ciência educativa em que cada sala
de aula é um laboratório e cada professor
um membro da comunidade científica.
Considera que a melhoria do ensino é um
processo de desenvolvimento e que essa
melhoria não se consegue por mero
desejo, mas pelo aperfeiçoamento, bem
reflectido, da competência de ensinar. Em
segundo lugar, indica como o
aperfeiçoamento da competência de
ensinar se atinge pela eliminação gradual
dos aspectos negativos através do estudo
sistemático da própria atividade docente.
PARA CONCLUIR
É sob este pano de fundo que passamos
agora a apresentar uma súmula, das
implicações da ação do profissional-
investigador (practitioner-inquirer) no
desenvolvimento profissional, recorrendo a
Rocha (2014). E o que se constata, segundo
esta investigadora, é que:
- 1 O desenvolvimento de projetos pessoais
de investigação-ação constituem a
metodologia mais adequada ao professor
investigador que visa a resolução de
problemas na sua praxis, por terem em
vista melhorar as próprias práticas, sem a
pressão das formalidades académicas da
investigação empírica;
- O ritmo adotado pelo próprio, a
focalização na essência da problemática
que decorre da sua experiência em
contextos reais, tornam esta estratégia
investigativa como atraente, mais
enriquecedora e passível da obtenção de
1 Texto por nós adaptado.
Ana Paula Rocha PROFISSIONAL-INVESTIGADOR (PRACTITIONER-INQUIRER): CONTRIBUTOS PARA
O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
5
resultados causadores de elevada
satisfação;
- O recurso a amigos-críticos, que
demonstrem capacidade reflexiva crítica
para colaborarem, e à supervisão inter
pares podem dar um contributo essencial
nos resultados da investigação realizada
pelos próprios docentes;
- A constituição de notas, diários,
portefólios permitem dar conta do
processo de investigação e desocultação de
pressupostos, desvelando e reforçando os
efeitos da reflexão crítica e capacidade
analítica;
- Os resultados benéficos da investigação,
na resolução de problemas, poderão ser
facilitados caso o processo de reflexão se
tenha tornado consistentemente crítico e
se verifique a transferibilidade de
aprendizagens para outras situações do
contexto profissional;
- O desenvolvimento profissional será
fomentado pela investigação-ação caso os
professores recorram a processos de
metacognição, recolha, descrição, síntese,
interpretação e avaliação sistemática de
dados, aceitando as mudanças como mais-
valias que podem contribuir para a
desenvoltura profissional e pessoal.
Conclui-se, assim, que a perspetiva
reflexiva, de cariz crítico, em contextos de
investigação da própria prática oferece
melhores condições de aprendizagem e de
desenvolvimento profissional do
profissional que é o professor-investigador
(practitioner-inquirer).
Referências:
ALARCÃO, I. (1995). Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Editora.
ÂNGULO, L. M. V. (1990). El profesor como profisional: formación y desarrollo personal. Granada: Universidade de Granada. Instituto de Ciencias de la Educación.
DAY, C. (1999). Developing Teachers: the Challenge of Lifelong Learning.(trad. Maria Assunção Flores), Desenvolvimento Profissional de Professores. Os Desafios da Aprendizagem Permanente. Colecção Currículo, Políticas e Práticas, nº 7. Porto: Porto Editora, 2001.
DEWEY, J. (1933) How We Think. A restatement of the relation of reflective thinking to the educative process (Revised ed.), Boston: D. C. Heath.
FULLAN, M. (1990). Staff development, innovation, and institutional development. In Changing school culture through staff development: The 1990 ASCD yearbook. (pp. 3– 25). Alexandria, VA: ASCD.
NÓVOA, A. (Org), (1992). Os professores e a sua formação. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
ROCHA, A. P. (2014). Dispersão Da Atividade Docente: O Poder Do Professor Reflexivo Crítico Num Contexto Formativo Colaborativo. Lisboa: Universidade de Lisboa (in repositorio.ul.pt)
SCHÖN, A. D. (1987). Educating the reflective practitioner. San Francisco: Jossey-Bass Publishers.
STENHOUSE, L. (1975). An introduction to curriculum research and development. London: Heinemann.
ZABALZA, M. A. (2004). O ensino universitário. Seus cenários e seus protagonistas. (trad. Ernani Rosa). Porto Alegre: Artmed.