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Carlito Azevedo
Imago
AS BANHISTAS
Carlito Azevedo
- Série Poesia -
AS BANHISTAS
DireçãoJAYME SALoMÃo
!MAGO EDITORA- Rio de Janeiro -
© 1993, Carlos Eduardo B. de Azevedo
Capa: montagem do autor sobre ilustrações de FelixValloton (capa: Ias pequenas baiiistas IX, 1893;1 capa: Le bain, 1894).
IP-Brasil. Catalogação-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Azevedo, Carlíto, 1%1-A986b As banhistas/Carlíto Azevedo. - Rio de Janeiro:
Imago Ed., 1993.70p. (Série Poesia)
Bibliografia.ISBN 85-312-0307-4
1. Poesia brasileira. I. TItulo. Il. Série
93-0853CDD-869.91CDU - 869.0(8l}1
Todos os direitos de reprodução, divulgaçãoe tradução são reservados. Nenhuma partedesta obra poderá ser reproduzída por fotocópia,mícrofílme ou outro processo fotomecânico.
1993
!MAGO EDITORA.Rua Santos Rodrigues, 20 l-A - EstâcíoCEP 20250-430 - Rio de Janeiro - RjTel.: 293-1092
Impresso no BrasilPrinted in Brazíl
Para Monique- o livro todo ...todos os livros -
IAS BANHISTAS
1. AS BANlllSTAS 11
Abertura 13A morte do mandarim 14Hotel Inglaterra 16Asbanhistas 20
2.. GNAISSE 27
Brinde-Lamentação para Edmond Iabês 29Ingres 30Ouro Preto 31Por ela 32Normandia 33
3. CONTRA NATIJRAM 35
No céu 37Contranaturam 38Contra naturam II 39Metamorfose 40Seixos quentes (baigneuse) 41Banderillas 42
4. A LÂMINA GLAUCA(RASGADURAS DE ÁGUA)
Do latim: Tam MagnuBanhistaSobre elaO monograma turquiEm tintas de latimLas pequenas baiiistasBanhista
5. AGULHASDEANrrANTO
Agulhas de amiantoÓrionCeci n 'estpas un AllegroMeninoMeninaSerpentePirâmideo nomeAssinaturaEpílogo
Post-scriptum sobre um corpo
43
45464850·515253
55
575859606162636465
67 How motionless! - not frozen seasMore motionless!
Wordsworth
AS BANHISTAS
Para Braulio Fernandes
ABERTURA
Desta janeladomou-se o infrnito à esquadria:desde além, aonde a púrpura sobre a serraassoma como fumaça desatando-se da lenha,até aqui, nesta flor quieta sobre oparapeito - em cujas bordas se lêem.asprimeiras deserções dageometria.
13
A MORTE DO MANDARIM Para que nada se esgotee o fluxo do pensamentoparado impeça novasvisões (um mandarim,cortejos fúnebres, luzpenetrando pela frestada cortina, livro abertona página onde dormi
Aflor alvacenta dodamasqueiro, o seufruto aveludado e ahaste sinuosa que seergue tão frágil etremula sob a brisabranda: eis a visãosó na mente originada.
quase morto de cansaço),fixo o aveludado nítidodo fruto do damasqueiroe a pele alvacentado corpo que ora repousaaveludado entre floresalvacentas sob a brisague sopra só para a idéia.
14 15
Sob ela repousa umcorpo nu ainda maisaveludado e alvacento:o repouso desse corpoé a sombra que se projetadesde a luz de um raciocíniosobre um sóbrio damasqueiroque só na mente germinou.
Não passe o tempo, nãocorra o rio, não cintilemnovos atritos, apenaso repouso dessa moçae o jogar do damasqueirotornando-se um em veludoe alvor, apenas issodeve existir, e existe.
!t
16 17
HOTEL INGLATERRA
I
11
Hotel
se penso
Inglaterra -
na morte
não o negro
nem sobre
pórtico,
as lavândulas
a escadaria
à porta o
dourada
dulçorda
ou a gravidade
brisa que
da insígnia:
encrespam,
dois leões
tampouco
empinados
o corpo
(diz-se
jacente (e
rampantes)por terra
TIl N
a navalha se pensoaberta na morte
e enfim apenascumprida, me fala
a grossa tuatoalha tabuleta
- já se esvai na noitea vida- mais clara
freando o -concisa,repuxo sincera:
de sangue Perdãodos pulsos) Não Há Vagas.
18 19
AS BANHISTAS
I
a primeira - umcapricho de goya alguémdiria - apodrece como um morangocuspido ou ameixas sangüíneas: entreas unhas uma infusão de manganês esboça.aúnica impressão de vida pois tenta rompera membrana verde - bolha de bile,coágulo a óleo - que lhe cobre o sexofugidio como uma lagartixa (sorri paraesta e deixa que em tuas mãosuma palavra amarga se transformeem lilases da estaçãopassada)
20
fi
(a segunda- máscara turmalina emvez de rosto,o músculo da coxa disparaatrás da presa: o ofegante emínimo arminho pubianograin de beauté -exposta está emnenhum beaubourgsonnabendmas simdorme e nãopara mim mas
atravésda sua e da minhajanela sob aconivência
implícitados suntuosossolecortina)
21
m
a terceira-umrothko(masnão baptismaf sceneumbem mais nervoso que isso) suapose - curto-circuitosur l'herbe -lembra um espasmo doemseus olhos esmagados pelo coturnodo fogo queagoralhe descongela sobre osciliosuma constelação de gotas d'águadesabando sobrea íris
22
IV
umdibujode lorca estatoda boca de tangerina eauréola sobre o bico do seio-a quarta-exata como a foice das ondasao fundo oua precisão absoluta dosdois filetes púrpura- e daí para violeta-bispo -rasgando-lhe o brancodos olhos como se vissecoroa de espinhos (destapassa direto paraa sexta)
23
VI
v
aproxima-teagora desta última:elaesta que não está na tela:elaaproxima-te e te detém longamentedeixa gue isso leve toda a vida - tambémcézanne levou toda a vida tentandoesboçando (obsedado em papel e tintae lápis e aquarela e tela e preto/tela)estas banhistas fora d'água como peixes mortos na lagoaou na superfície banhada de tinta- uma tela banhada é uma banhista hélas! e não usamos
mais modelos vivosou melhoros nossos dois únicos modelos: a crítica e a línguaestão mortos
or issoantes de partires dagui para a vida turvao torvelinho a turbaantes de te misturares ao vendaval da vendasà ânsia de mercanciacola o teu ouvido ao dela:escutarás o ruído do marcomo eu neste instante .na ilha de paguetáou nailha de ptyx?
e vejacomo se animaesta súbita passista-tinguely:os braços abertos emmastros de caravela, leões-marinhosdançando ritmos agilíssimos,da espiral do umbigo jorradenso nevoeiro até, àaltura dos ombros, quasecondensar-se num parangolé debrumas (se a fores encararfaça-o como que por entrefrinchas de biombo, olhos dediable amoureux)
24 25
GNAISSE
BRINDE-LAMENTAÇÃO PARA EDMOND JABES
Negra pétala-pensamento,de alvas asas (se ao centroopacas, fímbrias transparentes)exale um odor-idéia
ao menos, justo, decertopara que agrades (dificil-mente agradarás, mas e se o?)ao miglior {abbro: o deserto.
29
INGRESPara Júlio Castafíon Guimarães
Um rosto gnaissedesfaz-se e emboradesapareçado que memória
apedra-umeonde esculpido,a tela, alúmen,onde riscado
ao mesmo tempon'alguma partedo corpo onde
- mistério ou arte? -tudo se escondeum rosto nasce
30
OURO PRETO
Anjo não, Anjo:como se um soprolhe sobre as asasbatesse e quase
voasse e casovoasse sendoleveza menosque exatidão.
Anjo de igrejaao ar aberto(a nave: a nuvem?)
sabeis a pedra-sabão, melhor,a bolha-de-.
31
POR ELA
Perdera - era aperdedora. Reparacomo anda, não lembrauma onda morta de medopouco antes dedesabar sobre a areia?Você se pergunta: oque pode fazer por elao poema? Nada, calartodos os seus pássarosordinários - o que lhesoaria como bruscasfreadas de automóvel.Se ele pudesse abraçá-Iaem não abraçá-Ia. Masainda assim a querreviver e captar, fazos olhos dela brilharnuma assonância boa e,invisível, faz do corpodela o seu. Reparaainda um pouco, maisdo que se pensa ele aperdeu: com a areia doseu deserto amorosoergueu-lhe suatriste ampulheta. Fim.Perdera
erao
32
NORMANDIAImagina um menir precipitado todo inteiro
Víctor Hugo
Sepudessecalar-se: quesilêncios! - masnão viera para isso.Exceto talvez aqueledia, levou a mão àcabeça, pousou os olhossobre um livro antigoe deixou que o ventoacariciasse os seus poucoscabelos, o sobretudo cinza,as plantas e o rochedo que, éprovável, se situava bem emfrente ao oceano, o queno entanto não podemosver mas apenas suporpelo ar da foto e pelosfiapos de sua biografiaque de lá e cá nos chegam;queria amâ-lo como umdia amaram-no mas façoo que posso com o quehoje sou e com o quehoje é: os que a elese seguiram fizeramtanto silêncio quefica muito difícilouví-lo.
33
CONTRA NATURAM
Não como opássaroconforme a naturezamas como um deuscontra naturam voa
Haroldo de Campos
NO CÉU
o alvor que haviacedo descamba .num puro âmbarque a tarde avia;
a noite vencede breu em riste;madruga e vêem-se.trevas em tristes
strip-teases(despem-se emvários matizes:do negro sem
cor (onde via-se o nada) atéo alvor que haviacedo no céu).
37
CONTRANATURAM
1. o melhor amor, contra naturamama-se
por isso amo (carícia emriste) por isso amas (não asas,azagaias): corais no corpo contrao tédio do amor (essa mistura detorpor, gaia inconsciência 'epalavras em estado deronsard)
2. rosnar, antes:mandíbulas à mostrapor todo o corpo
3. (tatear numcorpo que sedes ea nudez que secrispa)
4. sonar, este, como aliás qualquer deusnão pede menosdo que pavornão pode menosque atear chispas
5. e sua mestria:com pontas de fogo!atuar águas-vivas,
38
CONTRA NATURAM II
Embora menostambém lhe cabemgestos amenos,
que serem leveso serem lentosnão toma breves.
E seus cristaisvão'menos farpase luzes mais;
suas faíscasmais duradoura'spor menos ígneas
e ariscas (fogobrando as consomedurante o jogo).
39
l. Se-esta árvore - que roçal. Do mar, displicentes,
os céus - quando degolada caem seixos quentes
pelo crepúsculo toma-se sobre o corpo da
um imenso torso (ímerso palavra desejo;
em vãos de luz tamisada) em vermelho, acesas,
de [eune-fille enfleur, vagas, baralhadas,
nuvens rasgam todo
2. pela manhã, quando praias um céu 1eopardado:
se desfolhando, e em cores
e em cheiros, na inteireza 2, Tudo isso - penso -
do branco da claridade, fias dentro quando,
desveste a mutilação véspera de gozo,e vuelve a ser eucalipto, vais tresvariando
como em sonho para
\ I
cima e para baixo,
súbito então páras!
1\
airas sobre as á uas.
METAMORFOSE(com Proust e Paz)
40
SEIXOS QUENTES(baigneuse)
41
BANDERILLAS
A LÂMINA GLAUCA(RASGADURAS DE ÁGUA)
/)I
Pistilo em maio: já viu?ah o anti-artesanato furioso dosferrões Çfaut eultiver as fioriturasde abelhas sobre flores equilibristas) ...Emverdade, aqui, neste jardim, entretânagras de cílios de terracota e atauromaquia dos espinhos, uma in-vestidura de espátulas rasga aspáginas da tarde com rigoresde colibri ex-librista.
42
DO LATIM: TAM MAGNU
Sóondas-orfandadef onde quer que andes:
o mar não mais inícioazul, mas precipício
que todo já se' abismaem término-turmalina
(o mar estanho -do latim: stagnu)
(o mar tamanho -do latim: tam magnu)
45
l. no mar (rouca 2. na volta: conchasplacenta) raiadas
mergulho (fustigo e de azul ou olhosalgas) mareados
mas não das ondas trazendo do fundovejo abissal
a lâmina 'do peito o teuglauca coração
e sim seu avesso revestido de madre-magenta pérola?
BANlllSTA
46 47
SOBRE ELA
Era obalneáriomaldito
dos vermese daspragas,
haviasantos nosrepuxos
equilibrados,nosnichos
viúvas-negrasacasalavam,
mãospulverulentaspunham
súlfurnacarne,cristais
48
no súlfur,e, tenaz,o vazio
obsedavao opressopeito.
Sobre elamesmo astempestades
não desabavamsenãotemerosas.
49
o MONOGRAMA TURQUI
Viu-seembaraçada naslâminas da persianauma borboleta (seu monogramaturquicomo um peso metafisicoimpresso sobre as asas pareciahesitar entre o sol de fora e amornidão de dentro) euevocê paramos para vê-Ia masde modo algum solícitos (a cabeçacheia de réditos e inéditos)antes deslumbrados (comosó então podíamos) poraquela pequena revoluçãoquase não ter peso:nadaalém de dez segundos ejá faz tanto tempo quejamais lembraríamos nãofora reabrires(e diga-me agora: para quê?)um antigo wordswortheveja!omonogramaturqui
50
EM TINTAS DE LATIM
Neste exatoinstante iluminam avida! fulgor único logoliqüidado por um bater deportas: pouco mais sei sobreas meninas além dessa chispa quefinda em estrondoso trovão;sei que enquanto em tintasde latim minhas pupilas vãovirando papiros (e meuscílios, paliçadas), nelas,em seus olhos-glícínías,nem por isso algum azulmais ou menos se
.turva ou tur-malinas.
51
IAS PEQUENAS BANISTASPara Carlos Alves de Oliveira
BANHISTA
As da sériede Félix Valloton:
Apenasem frente
ao mar
parecem nascer dos mesmoscírculos exatos que, à altura
um dia de verão -quando tua voz
acesa percorresse,consumindo-o,
sagarana das coxas, desenham, cé1eres,sobre a água. Seja pela ação da luz, que
o pavio de um versoaté sua última
sílaba inflamável -fraque]a, ou, mais além, pelo contrapontonegro de uma alameda de stanhopeas,
armar-se no ar, sobre as ondas,e entanto, tais como aqui se
quando o súbitoatrito de um nome
em tua memória teincendiasse os cabelos -
(e sobre tua pelede fogo a
brisa fizesserasgaduras
de água)
dir-se-iampequenas camponesas emplena colheita, se esta pudesse
desvelam, seus corpos deágata acebolada, fazem
parte dessa religiãochamada maresia.
52 53
sipiedras no lucientes, luces durasGóngora
AGULHAS DE AMIANTOSobre fotografias de Luciana Whitaker
~\\
57
1. Órion
Óriondesabaladadeixando cairos pingentes desua écharpesobre a águade outraestrela
2. Ceci rr'est pas un allegroPara Marcelo Pires da Eufrasia
Lua:gás paralisanteSol:bomba de efeito moral
(num corredor de majólica,Maya - Suprema -maneja as suasagulhas deamianto)
58
3. Menino
A pérolafriao topâzioquentedividiam seurosto ao meio:olhos de gato,olhar de gamo
59
5. Seryente4. Menina
Deitava, nua,- areia de orilla -e exalava caloreslaranja
o nomecomo venenoe o poema comoantídotoextraído aopróprionome
60 61
6. Pirâmide
Quandoretiraram oúltimo bloco de
edra ue a rendiaao solo a pirâmideflutuou
62
7. O nome
o poema comouma serpente de bronzeque só não obedece ao próprionome (se entre tantos possíveisdissermos o seu verdadeiro nome- et qui dit amour, dit pistolet -será o fim, o escuro, adesintegração)
63
8. AssinaturaPara Henrique Fortuna Cairus
Duas amoras sobre alvíssima porcelana,entre talheres de prata, com legenda:preciosismo é anátema que se come frio
64
9. Epílogo
"De onde sai o que sei?"perguntei à cabeça caída"Daqui"lábios sem rosto responderam
65
POST-SCRIPTUM SOBREUM CORPO
InMemoriamSevero Sarduy
POST-SCRIPTUM SOBRE UM CORPO
o dia: umdorso de águaparada onde pousamgrous de ouro
hoje,paraísosdentro, o cocuyoseyero sarduypenetrou ocoração doenigma
(quem tanto odescreveunão custaráa reconhecê-lo:o grande salãode jaspenegro)
69
DO AUTOR
POESIA
Coüapsus Linguae. Rio de Janeiro, Editora Lynx, 1991.
TRADUÇÃO
Adolpho, Benjamin Constant. Rio de Janeiro, Imago,1992.O 4mor Absoluto, Alfred Jarry. Rio de Janeiro, Imago,1992.