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Sociologia Urbana
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As Cidades na Economia GlobalSaskia Sassen
O potencial de dispersão que aparece com a globalização e a telemática - a transferência de
fábricas para o exterior, a expansão das redes globais de filiais e subsidiárias, a mudança das unidades de
apoio administrativo para os subúrbios e para fora dos centros urbanos - levaram muitos observadores a
afirmar que as cidades se tornariam obsoletas neste contexto econômico. De fato, muitos dos antigos
grandes centros industriais dos países altamente desenvolvidos sofreram um acentuado declínio. Porém,
contrariando todas as previsões, um número significativo de grandes cidades também viu elevarse a
concentração de seu poder econômico.
Enquanto o declínio dos centros industriais decorrente da internacionalização da produção
iniciada nos anos 60 foi amplamente documentado e explicado, até recentemente não se podia dizer o
mesmo da ascensão das grandes cidades de serviços nos anos 80. Hoje, já possuímos uma nova e rica
cultura, repleta de debates e divergências, sobre as cidades na economia global.
O que explica esse papel novo ou radicalmente ampliado de um tipo particular de cidade na
economia mundial desde o início dos anos 80? Ele resulta basicamente da interseção de dois grandes
processos. O primeiro é o agudo crescimento da globalização da atividade econômica, que aumentou a
escala e a complexidade das transações, estimulando desta forma o crescimento das funções de comando
das matrizes de multinacionais de primeira linha e o incremento da prestação de serviços às empresas,
em especial os serviços empresariais avançados. O segundo é a intensidade crescente dos serviços na
organização da economia, processo evidente em empresas de todos os setores industriais, da mineração
às finanças.
O processo chave desde a perspectiva da economia urbana é a demanda crescente de serviços por
parte de empresas de todos os setores da indústria e o fato de que as cidades são os locais preferenciais
para produção desses serviços, a nível global, nacional e regional. A crescente intensidade dos serviços
na organização econômica em geral, assim como as condições específicas da produção de serviços
empresariais avançados, incluindo aquelas em que as tecnologias de informação estão disponíveis, se
combinam para tornar certas cidades, uma vez mais, locais chave de “produção”, papel que perderam
quando a manufatura em massa se tornou o setor econômico dominante. Essas são as cidades globais, ou
cidades mundiais, foco de uma nova literatura técnica. Quantas são, sua hierarquia variável e o que
representam em termos de novos desenvolvimentos são temas de discussão. Mas existe um crescente
acordo sobre o fato de que algumas grandes cidades do Norte e do Sul formam uma rede de centros de
coordenação, controle e prestação de serviços para o capital global.
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Em resumo, a combinação de dispersão geográfica das atividades econômicas com a integração
sistêmica que jaz no coração da época econômica atual contribuiu para a renovação e a ampliação das
funções centrais; e a complexidade das transações elevou a demanda das empresas por serviços altamente
especializados. Ao invés de se tornarem obsoletas com a dispersão propiciada pelas tecnologias da
informação, as cidades passaram a concentrar funções de comando, se tornaram locais de produção pós-
industrial para as empresas de ponta deste período, sejam financeiras e de serviços especializados, e
mercados transnacionais onde empresas e governos podem se utilizar dos produtos e serviços do mercado
financeiro e contratar serviços especializados.
Esse enfoque nos permite conceber a globalização como constituída por uma rede global de
lugares estratégicos que emergem com uma nova geografia de centralidade.
A nova economia urbana
Não se está dizendo que tudo na economia dessas cidades mudou. Ao contrário existe muita
continuidade e muita similaridade com as cidades que não são nodos globais. Os altos preços e os altos
níveis de aproveitamento do setor internacionalizado e de suas atividades subsidiárias, como restaurantes
e hotéis, por exemplo, tornaram cada vez mais difícil, nos anos 80, a competição de outros setores por
espaço e investimentos.
Um bom exemplo são as lojas de vizinhança que atendem às necessidades locais, sendo
substituídas por lojas e restaurantes sofisticados que atendem às novas elites urbanas de alta renda. Esta
tendência é evidente em muitas cidades do mundo altamente desenvolvido, mas raramente de maneira
tão clara como nas grandes cidades americanas. Ainda que numa ordem de grandeza diferente, esta
tendência também se verificou no final da década de 80, em algumas cidades de países em
desenvolvimento, que se integraram aos mercados mundiais: São Paulo, Buenos Aires, Bangkok, Taipei,
Cidade do México são apenas alguns exemplos. Cruciais para o desenvolvimento desses novos núcleos
nessas cidades foram também a desregulamentação dos mercados financeiros, o aumento dos serviços
financeiros e dos serviços especializados, a integração aos mercados mundiais, a especulação imobiliária
e a gentrificação comercial e residencial de alta renda. A abertura dos mercados de ações a investidores
estrangeiros e a privatização das empresas de serviços públicos constituíram arenas institucionais
fundamentais para essa articulação. Considerando o enorme tamanho de algumas cidades, o impacto
desse novo complexo econômico nem sempre é tão evidente como no centro de Londres ou de Frankfurt,
mas a transformação de fato ocorreu.
Acompanhando as altas taxas de crescimento dos serviços ao produtor (1), houve, ao longo dos
anos 80, um aumento do nível de especialização do emprego em negócios e serviços financeiros nas
grandes cidades. Existe hoje uma tendência geral de forte concentração de empresas financeiras e de
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certos serviços ao produtor nos centros urbanos dos grandes centros financeiros internacionais de todo o
mundo. De Toronto e Sidnei a Frankfurt e Zurique, vemos uma crescente especialização em
administração financeira e serviços associados. Essas cidades emergiram como importantes prestadoras
de serviços ligados à exportação, com uma tendência à especialização (2). Nova Iorque e Londres
lideram em produção e exportação de serviços financeiros, contabilidade, publicidade, consultoria de
negócios, serviços jurídicos internacionais e outros serviços em-presariais. De um total de 2,8 milhões de
empregos no setor privado em Nova Iorque em dezembro de 1995, quase 1,3 milhões estavam orientados
para a exportação (nacional e internacional). Cidades como Nova Iorque estão entre os mais importantes
mercados internacionais para esses serviços, sendo a primeira na exportação de serviços.
Há, por outro lado, tendências de especialização entre diferentes cidades dentro de um mesmo
país. Nos EUA, Nova Iorque é líder em serviços bancários, administração fabril, contabilidade e
publicidade. Washington lidera em serviços jurídicos, computação e processamento de dados,
administração e relações públicas, pesquisa e desenvolvimento e organizações associativas. Nova Iorque
é mais especializada como centro financeiro e de negócios e como pólo cultural. Parte da atividade
jurídica concentrada em Washington está na verdade servindo aos negócios de Nova Iorque, que
precisam passar por procedimentos legais e regulatórios, lobbying etc. Estes precisam se situar na capital
nacional (3). É importante reconhecer que a manufatura permanece sendo um setor econômico crucial
em todas essas economias, mesmo tendo deixado de sê-lo em algumas dessas cidades.
A agenda téorica e de pesquisa
Existe um certo número de questões atuais para pesquisa e formulação de teoria sobre o assunto.
Algumas são estritamente técnicas ao passo que outras são amplas e precisam de maior rigor teórico e
empírico. Examinaremos, a seguir, algumas destas questões.
A aglomeração espacial na economia
Entre as questões empíricas existem várias que se relacionam com aspectos locacionais em um
contexto de globalização e telemática. A principal delas diz respeito às necessidades locacionais e às
opções de diferentes tipos de sedes de empresas e de serviços ao produtor e a extensão desta mútua
dimensão espacial. É comum, na literatura em geral e em algumas análises mais sofisticadas, usar a
concentração de sedes de empresas como indicador da importância da cidade como um centro
internacional de negócios. A perda de sedes de empresas é interpretada como um declínio no status da
cidade. O uso da concentração de sedes de empresas como índice, é, na verdade, uma medida
problemática dada a maneira como as corporações são classificadas.
Identificar quais sedes de empresas se concentram nos grandes centros financeiros e de negócios
internacionais depende de um certo número de variáveis. Em primeiro lugar, faz diferença a maneira
3
como medimos ou apenas contamos as sedes de empresas. Freqüentemente a referência usual é o
tamanho da empresa em termos de emprego e receita total (4). Neste caso, algumas das maiores empresas
do mundo são, ainda, firmas manufatureiras e muitas delas têm sua sede nas proximidades de seu
complexo manufatureiro principal, improvável de estar localizado numa grande cidade devido a
restrições de espaço. Tais empresas, no entanto, têm, provavelmente, sedes secundárias para funções
altamente especializadas nas principais cidades. Além disso, muitas empresas manufatureiras estão
orientadas para o mercado nacional e não precisam estar localizadas em cidades. Se alteramos a medida,
os resultados podem mudar radicalmente: no caso de Nova Iorque, por exemplo, 40% das empresas
norte-americanas com metade de sua receita oriunda das vendas internacionais têm as suas sedes nesta
cidade (5). Em segundo lugar, há o fator da natureza do sistema urbano do país. Uma forte primazia
urbana tenderá a acarretar uma concentração desproporcional de sedes de empresas, independentemente
da medida que se use. Terceiro, diferentes histórias econômicas e tradições em negócios podem se
combinar para produzir diferentes resultados. Além disso, a concentração de sedes de empresas pode
estar ligada a uma fase econômica específica. Precisamos de mais pesquisas e parâmetros mais
complexos para entender o impacto da globalização e da telemática sobre o padrão locacional das
empresas e suas implicações para o futuro das cidades globais.
Outra questão locacional com implicações urbanas diz respeito às condições para a aglomeração,
há muito um problema central em economia urbana. Por exemplo, o processo de produção nos serviços
empresariais avançados se beneficia da proximidade de outros serviços es-pecializados, especialmente
nos setores de ponta e mais inovadores dessas indústrias. Complexidade e inovação muitas vezes
requerem insumos múltiplos, altamente especializados, de muitas indústrias. A produção de serviços
financeiros, por exemplo, requer insumos de contabilidade, publicidade, expertise jurídica, consultoria
econômica, relações públicas, designers e editores. As características particulares da produção desses
serviços, especialmente aquelas envolvidas em operações complexas e inovadoras, explicam a sua
pronunciada concentração em grandes cidades.
Em resumo, empresas estabelecidas em ramos de atividade mais rotinizados, com mercados
predominantemente regionais e nacionais, parecem ser cada vez mais livres para instalar suas sedes ou
mudar-se para fora das cidades. Empresas pertencentes a ramos de atividade altamente competitivos e
inovadores e/ou com uma forte orientação para o mercado mundial parecem se beneficiar do fato de
estarem localizadas no núcleo dos grandes centros internacionais de negócios, independentes de quão
altos sejam os custos.
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Ambos os tipos de empresas precisam, no entanto, de um complexo de serviços empresariais para
se estabelecerem em determinado lugar. Onde este complexo será localizado é, provavelmente, cada vez
menos importante na perspectiva de muitas sedes de grandes empresas, embora não de todas. Do ponto
de vista das que prestam serviços ao produtor, um complexo especializado deste tipo mais provavelmente
deverá se localizar no núcleo de uma cidade do que num parque de escritórios no subúrbio. O subúrbio
será um lugar para empresas de serviços ao produtor mas não para um complexo de serviços. E somente
um tal complexo é capaz de satisfazer as demandas empresariais mais avançadas e complicadas. Existe,
nos EUA, uma ampla literatura sobre a distribuição espacial de funções empresariais e serviços
empresariais de primeira linha por todo o sistema urbano; apesar das divergências teóricas e empíricas, a
maioria desses estudos mostra o considerável crescimento dessas atividades nos anos 80, em vários
níveis do sistema. No caso de cidades que são grandes centros internacionais de negócios, a escala, o
poder e os níveis de lucro deste novo núcleo de atividades econômicas são enormes. Nesse contexto, a
glo-balização se torna uma questão de escala e complexidade acrescidas, num processo que também vai
se dando nos níveis inferiores da hierarquia urbana e com uma orientação nacional e regional ao invés de
global.
Espaço e poder: A nova centralidade
Uma versão mais teórica dessas questões locacionais pode ser colocada em termos de
centralidade. No que tange à sua função econômica, as cidades promovem algo que podemos pensar
como centralidade — economias de aglomeração, concentrações maciças de informação sobre os
avanços mais recentes, um lugar de mercado. De que forma a globalização econômica e as novas
tecnologias alteram o papel da centralidade e daí das cidades como entidades econômicas?
A telemática e a globalização surgiram como forças fundamentais na reorganização do espaço
econômico. Esta reorganização vai desde a criação de um espaço virtual para um número crescente de
atividades econômicas até a reconfiguração da geografia do ambiente construído para a atividade eco-
nômica. Quer no espaço eletrônico ou na geografia do ambiente construído, esta reorganização envolve
mudanças institucionais e estruturais. Um dos resultados dessas transformações foi captado por imagens
de dispersão geográfica à escala global e pela neutralização do lugar e da distância através da telemática
em um número crescente de atividades econômicas.
Mas será possível um espaço destituído de pontos de concentração física num sistema econômico
caracterizado pela concentração significativa da propriedade, do controle e da apropriação dos lucros?
Outra maneira de formular esta questão, que capta tanto a dimensão física como a organizacional e de
poder, é em termos de centralidade: pode um tal sistema econômico operar sem centros? E ainda mais:
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até onde as formas de centralidade constituídas no espaço eletrônico podem chegar na substituição de
algumas das funções comumente associadas às formas organizacionais/geográficas da centralidade?
A topologia do e-space:
cidades globais e cadeias globais de valor
Esta nova e vasta topografia econômica que vem sendo implementada por meio do espaço
eletrônico é um momento, um fragmento, de uma cadeia econômica ainda mais vasta que está em boa
parte embutida em espaços não-eletrônicos. Não existe nenhuma firma totalmente virtualizada nem
nenhuma indústria totalmente digitalizada. Mesmo as mais avançadas indústrias da informação, como a
financeira, estão apenas parcialmente instaladas no espaço eletrônico. O mesmo vale para as que
fabricam produtos digitais, como as de criação de software. A crescente digitalização das atividades eco-
nômicas não eliminou a necessidade de grandes centros financeiros e de negócios internacionais e nem
dos recursos materiais que eles concentram e da infra-estrutura corrente de telemática ao talento
intelectual.
Como já dissemos, a telemática e a globalização emergiram como forças fundamentais que
reconformam a organização do espaço econômico. A telemática maximiza o potencial de dispersão
geográfica e a globalização impõe uma lógica econômica que maximiza a atratividade/lucratividade
dessa dispersão.
A transformação dos correlativos espaciais da centralidade por meio das novas tecnologias e da
globalização engendra uma problemática totalmente nova em torno da definição do que constitui hoje a
centralidade, em um sistema econômico onde parte das transações se dá por meio de tecnologias que
neutralizam distância e lugar, e o fazem em escala global. A centralidade materializou-se historicamente
em um certo tipo de ambiente construído e forma urbana, isto é, o distrito central de negócios. Além
disso, a existência de uma nova geografia da centralidade, mesmo que transnacional, contém
possibilidades de imposição regulatória que estão ausentes em uma geografia econômica carente de
pontos estratégicos de aglomeração.
Eis aqui duas séries de questões sobre as quais precisamos de mais pesquisa:
1) Os setores econômicos de ponta altamente digitalizados requerem lugares estratégicos dotados
de enormes concentrações de infra-estrutura, de mão-de-obra, de talentos e de edifícios. Isto vale para o
setor financeiro e para as indústrias multimídia que usam processos de produção digital e produzem
produtos digitalizados. Qual o alcance e qual a expressão espacial da articulação entre os componentes
organizacionais virtuais e reais? Quais as implicações para o espaço urbano?
2) As agudas desigualdades na distribuição da infra-estrutura do espaço eletrônico, sejam redes
privadas de computadores ou a Internet, nas condições de acesso ao próprio espaço eletrônico, e, dentro
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do espaço eletrônico, nas condições de acesso aos segmentos e aspectos altamente dinâmicos,
contribuem todos para a formação de novas geografias da centralidade, no espaço territorial e no espaço
eletrônico. O que isto significa para as cidades?
O lugar da manufatura
na nova economia de serviços
Outro tema de pesquisa e debate é a relação entre a manufatura e o setor de serviços ao produtor
na economia urbana avançada. A nova economia de serviços se beneficia da manufatura porque ela
alimenta o crescimento do setor de serviços ao produtor, esteja este localizado em uma área particular,
em outra região ou no exterior. Enquanto a manufatura, a mineração e a agricultura, sob este aspecto, ali-
mentam o crescimento da demanda por serviços ao produtor, sua efetiva localização é de secundária im-
portância no caso de empresas de serviços de nível global: uma empresa manufatureira ter, portanto, sua
fábrica no estrangeiro ou no país de origem pode ser absolutamente irrelevante desde que ela compre
seus serviços daquelas firmas de primeira linha.
Em segundo lugar, a dispersão territorial das fábricas, principalmente se internacional, aumenta a
demanda por serviços ao produtor devido à crescente complexidade das transações. Este é ainda um
outro significado da globalização: o de que o crescimento das empresas de serviços ao produtor sediadas
em Nova Iorque, Londres ou Paris pode ser alimentado por manufaturas localizadas em qualquer lugar
do mundo se elas fizerem parte de uma rede empresarial multinacional. Vale lembrar aqui que, enquanto
a General Motors transferia a produção para o exterior, devastando a base de empregos de Detroit, sua
sede administrativo-financeira e de relações públicas, situada em Nova Iorque, se apre-sentava mais
dinâmica e mais movimentada do que nunca.
Em terceiro lugar, boa parte do setor de serviços ao produtor é alimentado por transações
financeiras e ne-gócios que pouco ou nada têm a ver com a manufatura, como ocorre em muitos dos
mercados financeiros globais ou para as quais a manufatura é incidental, como em boa parte da atividade
de fusões e incorporações que está de fato centrada na atividade de compra e venda em lugar da compra
propriamente dita de empresas manu-fatureiras. Precisamos de muito mais pesquisas sobre aspectos
particulares da relação entre o setor manufatureiro e o de serviços ao produtor, espe-cialmente em um
contexto de dispersão espacial e de organização transnacional da manufatura.
Também relacionada com a questão da manufatura é a importância da infra-estrutura
convencional para a operação dos setores econômicos que são fortes usuários da telemática. Este é um
tema que tem merecido pouca atenção. A noção dominante parece ser a de que a telemática elimina a
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necessidade de infra-estrutura convencional. Mas, é precisamente a natureza do processo de produção
das indústrias avançadas, quer elas operem à escala global ou nacional, que contribui para explicar o
vertiginoso aumento das viagens a negócios, observadas em todas as economias avançadas durante a
última década. O escritório virtual é uma opção muito mais limitada do que uma análise puramente
tecnológica poderia sugerir. Certos tipos de atividades econômicas podem ser dirigidas desde um
escritório virtual localizado em qualquer lugar. Mas, para processos de trabalho que requerem múltiplos
insumos especializados, considerável inovação e tomada de riscos, a necessidade de interação direta com
outras firmas e especialistas permanece um fator locacional chave. Daí, a metropolização e
regionalização de um setor econômico terem fronteiras estabelecidas em função do tempo que se gasta
em uma viagem à principal ou principais cidades da região. A ironia da atual era eletrônica é que a antiga
noção de região e as antigas formas de infra-estrutura ressurgem como aspectos críticos para setores
chave da economia. Este tipo de região diferencia-se, sob muitos aspectos, de outras formas de região.
Ela corresponde a um novo tipo de centralidade — uma rede metropolitana de nodos conectados via
telemática. Para que esta rede digital funcione, a infra-estrutura convencional — idealmente do tipo mais
avançado — é também uma necessidade.
Novas formas de marginalidade e polarização
Os novos setores de crescimento, as novas capacidades organizacionais das firmas e as novas
tecnologias — os três interrelacionados — estão contribuindo para produzir não apenas uma nova
geografia da centralidade mas também uma nova geografia da marginalidade. As evidências para os
EUA, a Europa Ocidental e o Japão sugerem que serão necessárias políticas e ações governamentais para
reduzir as novas formas de desigualdade espacial e social.
Existem mal-entendidos que parecem prevalecer em boa parte dos comentários gerais sobre o que
é ou não importante em um sistema econômico avançado, na economia da informação e na globalização
econômica. Muitos tipos de firmas, de trabalhadores e de lugares, os serviços industriais por exemplo,
que parecem não pertencer a um sistema econômico avançado, baseado na informação e globalmente
orientado, são, na verdade, parte integral desse sistema. E eles precisam de reconhecimento e de suporte
político: não podem competir nos novos ambientes onde os setores de ponta elevam preços e standards,
embora seus produtos e serviços sejam demandados. A indústria financeira de Manhattan, por exemplo,
uma das mais sofisticadas e complexas, precisa de caminhões para entregar não apenas software mas
também mesas e lâmpadas; e precisa de trabalhadores não qualificados para manutenção e limpeza. Essas
atividades e trabalhadores precisam de condições de vida adequadas para permanecerem na região.
Uma outra dimensão não suficientemente reconhecida é a nova dinâmica da valorização: a
combinação de globalização e novas tecnologias alterou os critérios e mecanismos pelos quais os fatores,
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insumos, bens e serviços são valorizados. Isto tem produzido efeitos devastadores sobre algumas
localidades e indústrias. Desse modo, os salários dos especialistas em finanças e os lucros dos serviços
financeiros dispararam nos anos 80 ao mesmo tempo que afundavam os salários dos trabalhadores não
qualificados e os lucros de muitas firmas manufatureiras tradicionais.
A cidade global e o Estado nacional
A globalização transformou o significado e os lugares do comando da economia. Algumas das
principais propriedades da fase atual na longa história da economia mundial são a ascensão das
tecnologias da informação, o crescimento, a elas associado, da mobilidade e da liquidez do capital e o
resultante declínio das capacidades regulatórias dos Estados nacionais sobre setores chaves de suas
economias.
Uma das características da fase atual da economia mundial é a reafirmação da importância das
unidades sub-nacionais, sejam cidades globais ou regiões estratégicas como o Vale do Silício, na
Califórnia. Isto sugere, talvez ,que o impacto da globalização não pode ser simplesmente reduzido à
noção de declínio do estado nacional, como se afirma com tanta frequência, mas à formação da relação
triangular entre o Estado nacional, a economia global e as localidades estratégicas - tipicamente grandes
centros de negócios e financeiros. A relação estratégica não é mais a dualidade Estado nacional - sistema
econômico global. O trabalho de Taylor (1995) sobre a natureza variável da territorialidade no moderno
sistema mundial, bem como suas observações sobre as nações-estados e as cidades, estabelecem uma
agenda para a pesquisa.
A ênfase excessiva na hipermobilidade e na liquidez do capital é um discurso parcial que tende a
obscurecer a relação entre política externa, política local e economia global. É uma visão que exclui, por
exemplo, a possibilidade de uma participação efetiva das cidades globais na política e na prática
econômica internacional, e, daí, na política externa, à medida que a política econômica se torna uma
preocupação crescente na política externa. Exclui também uma variedade de processos globais que estão
efetivamente relacionados à re-territorialização de pessoas, práticas econômicas e culturais. As
comunidades de migrantes e as sub-economias de vizinhança que elas costumam formar são exemplos. A
formação de vínculos transnacionais e de comunidades através da imigração suscita uma série de
questões adicionais cujo efeito é o de deslocar certas funções políticas das relações internacionais entre
estados para a esfera privada de indivíduos, famílias e comunidades.
Estamos também assistindo à formação de regiões transnacionais que cada vez mais agem como
unidades, não porque sejam coesas mas porque dividem o mesmo terreno a nível espacial e
organizacional. A formação de uma nova “classe transnacional” de gerentes e profissionais representa,
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ainda, outra dimensão desta triangulação. Muitos pesquisadores estão explorando a transnacionalidade a
partir da base, um processo particularmente evidente nas cidades globais. Finalmente, há um debate atual
sobre o retorno das cidades-estado, diante das condições que caracterizam as cidades globais: forte
articulação com mercados globais, múltiplas formas de transnacionalidade e articulação enfraquecida
com a economia nacional e o estado nacional.
Estas transformações em aspectos chaves do Estado moderno e do avançado sistema inter-Estados
assinalam uma abertura conceitual e prática para a inclusão de localidades que são estratégicas para a
economia global e que contribuem para tornar triangular aquilo que um dia foi uma parceria a dois.
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