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1 ASPECTOS POLÊMICOS DA PROVA DO DANO MORAL NO PROCESSO DO TRABALHO Mauro Schiavi 1 O tema ora enfocado apresenta grande relevância na atualidade, pois há uma litigiosidade intensa na Justiça do Trabalho sobre o dano moral. Hoje, dificilmente uma reclamação trabalhista não traz em seu bojo, dentre o rol de pedidos, um referente à reparação por danos morais pelos mais diversos motivos no âmbito da relação de trabalho. Após a EC/45, ficou expressamente previsto na Constituição Federal (artigo 114, VI), a competência da Justiça do Trabalho para dirimir todas as ações de indenização por danos morais decorrentes da relação de trabalho e também o STF (CC 7.204-1-MG, rel. Min Carlos Britto, DOU 9.12.2005) fixou entendimento no sentido de ser competente a Justiça do Trabalho para conhecer das ações referentes à reparações de danos morais decorrentes do acidente de trabalho. Após a EC. 45/04 cresce ainda mais o interesse pela reparação do dano moral no Direito Processual do Trabalho, pelas inúmeras controvérsias que traz. Sem a pretensão de esgotar o assunto apresentamos algumas reflexões para contribuir com o estudo da prova do dano moral no âmbito do Processo do Trabalho. DO DANO MORAL Tarefa das mais difíceis é definir o conceito de dano moral, pois o dano moral não é visível, pois se passa, preponderantemente, na esfera íntima da pessoa humana. O dano moral é praticamente um sentimento de tristeza, de angústia, de injustiça, que dificilmente pode ser definido ou demonstrado. Não obstante as dificuldades de se definir, a doutrina tem traçado alguns conceitos objetivos de dano moral, máxime para diferencia-lo do dano patrimonial já que, atualmente, o chamado dano moral puro, ou seja, aquele que não tem qualquer reflexo patrimonial, é objeto de reparação pelo Direito. Muitos conceitos partem da definição por exclusão do dano patrimonial, vale dizer: todo dano que não é patrimonial, 1 Juiz do Trabalho na 2ª Região. Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Professor Universitário.

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ASPECTOS POLÊMICOS DA PROVA DO DANO MORAL NO PROCESSO DO TRABALHO

Mauro Schiavi1

O tema ora enfocado apresenta grande relevância na atualidade, pois há uma litigiosidade intensa na Justiça do Trabalho sobre o dano moral. Hoje, dificilmente uma reclamação trabalhista não traz em seu bojo, dentre o rol de pedidos, um referente à reparação por danos morais pelos mais diversos motivos no âmbito da relação de trabalho. Após a EC/45, ficou expressamente previsto na Constituição Federal (artigo 114, VI), a competência da Justiça do Trabalho para dirimir todas as ações de indenização por danos morais decorrentes da relação de trabalho e também o STF (CC 7.204-1-MG, rel. Min Carlos Britto, DOU 9.12.2005) fixou entendimento no sentido de ser competente a Justiça do Trabalho para conhecer das ações referentes à reparações de danos morais decorrentes do acidente de trabalho.

Após a EC. 45/04 cresce ainda mais o interesse pela reparação do dano moral no Direito Processual do Trabalho, pelas inúmeras controvérsias que traz.

Sem a pretensão de esgotar o assunto apresentamos algumas reflexões para contribuir com o estudo da prova do dano moral no âmbito do Processo do Trabalho.

DO DANO MORAL

Tarefa das mais difíceis é definir o conceito de dano moral, pois o dano moral não é visível, pois se passa, preponderantemente, na esfera íntima da pessoa humana. O dano moral é praticamente um sentimento de tristeza, de angústia, de injustiça, que dificilmente pode ser definido ou demonstrado.

Não obstante as dificuldades de se definir, a doutrina tem traçado alguns conceitos objetivos de dano moral, máxime para diferencia-lo do dano patrimonial já que, atualmente, o chamado dano moral puro, ou seja, aquele que não tem qualquer reflexo patrimonial, é objeto de reparação pelo Direito.

Muitos conceitos partem da definição por exclusão do dano patrimonial, vale dizer: todo dano que não é patrimonial,

1 Juiz do Trabalho na 2ª Região. Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Professor Universitário.

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é moral, ou extrapatrimonial. Não obstante, nem tudo que não é dano patrimonial pode ser encarado como dano moral.

Mas o que poderíamos entender por dano moral? Essa figura da responsabilidade civil tem gerado discrepâncias. Basta ver a legislação comparada. Na Alemanha, por exemplo, sob a expressão dano der nigh Vermõgenschaden ist, procura-se rotular os danos não patrimoniais (BGD parágrafos 253,847 e 1300), enquanto na França ficou consagrada a terminologia dommage moral, seguida no Brasil sob o rótulo dano moral. Há tanta insídia que Adriano de Cupis chega a dizer que a melhor expressão seria dano não patrimonial, porque serviria para designar qualquer bem não patrimonial, como os sofrimentos morais, as sensações dolorosas, a diminuição de prestígio, logrando o dano, nesses casos, a natureza extrapatrimonial, independentemente da dor ou do queixume do sujeito que a sofre (Adriano de Cupis, Danno in Enciclopédia del diritto, Varese, 1962, T. 11, p. 628)2

Caio Mário da Silva Pereira3 define o dano moral como “ofensa a direitos de natureza extrapatrimonial – ofensas aos direitos integrantes da personalidade do indivíduo, como também ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada um, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade”.

Limongi França4 define o dano moral como: “aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico dos seus bens jurídicos”5.

Conforme se constata pela definição da doutrina acima citada, o dano moral é aquele sem reflexos patrimoniais, vale dizer, desvinculado de qualquer prejuízo pecuniário, violando, outrossim, valores relacionados à intimidade da pessoa. Em razão disso, autores criticam a denominação de dano moral, classificando-o como dano pessoal por atingir todas as esferas do ser humano, sem conteúdo econômico, tais como a estética, imagem, honra, liberdade sexual e psíquica. Nesse sentido,

2 BÜLLOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, 6ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2005, pág. 1373 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, 8a Edição, Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.88.4 FRANÇA, Rubens Limongi. Direito Civil, São Paulo: RT, 1977, p. 211.5 Para Carlos Alberto Bittar: “são morais os danos a atributos valorativos (virtudes) da pessoa como ente social, ou seja, integrada à sociedade; vale dizer, dos elementos que a individualizam como ser, como honra, a reputação, as manifestações do intelecto” (BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil – teoria e prática, Forense Universitária, 1a Edição, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 17).Cláudio Antonio Soares Levada assim se manifesta: “dano moral é a ofensa injusta a todo e qualquer atributo da pessoa física como indivíduo integrado à sociedade ou que cerceie sua liberdade, fira sua imagem ou sua intimidade, bem como a ofensa à imagem e à reputação da pessoa jurídica, em ambos os casos, desde que a ofensa não apresente quaisquer reflexos de ordem patrimonial do ofendido” (LEVADA, Cláudio Antonio Soares. Liquidação de Danos Morais, 2o Edição, São Paulo: Copola Editora, 1997, p. 23/24).Para Maria Helena Diniz, “dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil, 17a Edição, São Paulo, 1999: Saraiva, Volume 7, p. 84).

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sustenta Paulo Eduardo Vieira de Oliveira6: “a doutrina ampara tal entendimento quando qualifica, com razão, como pessoal (moral, na nomenclatura clássica) a agressão física a alguém em estado inconsciente ou comatoso, destituído de percepção da violência, sem possibilidade de expressão de qualquer sentimento de dor. Chega-se a afirmar que basta a agressão física para a configuração de dano pessoal. Em síntese, basta a violação de qualquer integridade, de qualquer direito da personalidade, para a configuração do dano pessoal”.

Concordamos com a nomenclatura utilizada por Paulo Eduardo Vieira de Oliveira, já que o dano pessoal é mais abrangente que o dano moral, entretanto, acreditamos que é possível se dar uma amplitude maior ao conceito de dano moral para também abranger o conceito de dano pessoal, vez que a denominação dano moral , por já arraigada na doutrina e jurisprudência terá maior eficácia e também por ser a expressão utilizada no novo Código Civil (lei n. 10.406/02), artigo 186, abaixo transcrito, in verbis: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (o grifou-se).

A nosso ver, diante da atual Constituição Federal (artigo 5º, V e X) e também do Código Civil (artigos 10 e seguintes), atualmente, o conceito de dano moral tem caráter mais amplo do que os chamados “danos da alma” a que se refere a Bíblia Sagrada e sim para abranger todo dano à pessoa, seja no aspecto interior (honra, intimidade, privacidade), bem como o aspecto exterior (imagem, boa-fama, estética), que não tenha natureza econômica, e que abale a dignidade da pessoa humana.

Com a promulgação da Constituição de 1988, a reparação pelo dano moral passou a figurar de forma explícita no artigo 5o, incisos V e X, assim redigidos: Inciso V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano moral material ou moral decorrente de sua violação”.

Comentando os referidos dispositivos constitucionais, Uadi Lamêgo Bullos7, assevera: “ a indenização por dano moral inaugura-se no Brasil, em sede constitucional, com a promulgação da Constituição de 05 de outubro de 1988. A partir dessa data finda-se a problemática a respeito de seu ressarcimento. O menoscabo de interesses extrapatrimoniais foi uma das preocupações da Assembléia Constituinte, que considerou a possibilidade de sua reparação. Para tanto, basta

6 OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira. O dano pessoal no Direito do Trabalho, São Paulo: LRT, 2002, p. 35.7 BULLOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, 6ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2005, pág. 137.

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comprovar a existência do nexo de causalidade entre o evento danoso e a ação que o produziu”.

Pacificando o entendimento de que o dano moral é indenizável e pode ser cumulado com a indenização pelo dano patrimonial, o STJ editou a Súmula 37, assim redigida:

“São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

A referida súmula albergou o entendimento já defendido pela doutrina no sentido de que um mesmo fato pode acarretar danos de ordem patrimonial e moral. Por exemplo, um acidente de trânsito pode acarretar deformação estética no motorista. Nesse caso, são devidas as reparações pecuniárias, configuradas pelas despesas com hospital, medicamentos, etc e também a dor íntima, configurada pelo dano estético, o mal estar provado pela má aparência.

Na feliz conclusão de Yussef Cahali8, “no dano patrimonial, busca-se a reposição em espécie ou em dinheiro pelo valor equivalente, de modo a poder-se indenizar plenamente o ofendido, reconduzindo o seu patrimônio ao estado que se encontraria se não tivesse ocorrido o fato danoso; com a reposição do equivalente pecuniário, opera-se o ressarcimento do dano patrimonial. Diversamente, a sanção do dano moral não se resolve numa indenização propriamente, já que indenização significa eliminação do prejuízo e das suas conseqüências, o que não é possível quando se trata de dano extrapatrimonial; a sua reparação se faz através de uma compensação, e não de um ressarcimento; impondo ao ofensor a obrigação de pagamento de uma certa quantia de dinheiro em favor do ofendido, ao mesmo tempo que agrava o patrimônio daquele, proporciona a este uma reparação satisfativa”.

No nosso sentir, a reparação pelo dano moral, não tem apenas caráter privado, mas adquire um caráter publicista no sentido de se proteger o ser humano e assegurar a sua dignidade, como sendo criado à imagem e semelhança de Deus (São Tomás de Aquino), de ser um fim em si mesmo (Kant) e de ser único e insubstituível, pois ninguém pode presenciar existencialmente a vida ou a morte de alguém (Fábio Konder Comparato). Diante disso, a Constituição da República assegura logo no artigo 1º, III, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e no artigo 5º, incisos V e X, assegura a indenização por dano moral. Portanto, a reparação por danos morais tem caráter publicista, já que é um direito fundamental previsto na Constituição, interessando não somente ao indivíduo mas à toda sociedade, como manifestação de proteção da dignidade do ser humano.

DA PROVA DO DANO MORAL NO PROCESSO DO TRABALHO

8 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, 3ª Edição, São Paulo: RT, 2005, pág. 44

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Ensina Moacry Amaral Santos9: “Toda pretensão tem por fundamento um ponto de fato. É com fundamento num fato, e dele extraindo conseqüências jurídicas, que o autor formula o pedido sobre o qual o juiz irá decidir na sentença. O autor, assim faz afirmação de um fato, que poderá ou não corresponder à verdade. Se a essa afirmação se opõe a afirmação do réu, a qual também poderá ou não corresponder à verdade, quer negando aquele fato ou revestindo-o de outros caracteres, ou consistente num outro fato, cuja existência importe na negação daquele, ou do qual deduza conseqüências obstativas à pretensão do autor, se esbatem afirmações igualmente respeitáveis, mas que igualmente não subsistem por si mesmas em relação ao juiz. Este, a quem as afirmações são dirigidas, para considera-las na sentença e, por sua vez, fazer a sua firmação quanto aos fatos deduzidos pelas partes, precisa convencer-se da existência dos mesmos. Porque a afirmação do juiz necessariamente deverá corresponder à verdade. Para o juiz, não bastam as firmações de fatos, mas impõe-se a demonstração da sua existência ou inexistência. Por outras palavras, o juiz quer e precisa saber da verdade em relação aos fatos afirmados pelos litigantes. A exigência da verdade, quanto à existência ou inexistência dos fatos, se converte na exigência da prova deste”.

Francisco Carnelutti10, sob o prisma da linguagem jurídica, nos dá a seguinte definição para prova: “demonstração da verdade de um fato dada com os meios legais (por legítimos modos) ou, mais brevemente demonstração da verdade legal de um fato”

“Na feliz síntese de Giuseppe Chiovenda11: “Provar significa formar a convicção do juiz sobre a existência ou não de fatos relevantes do processo”.

Conforme a doutrina acima mencionada, a prova se destina à comprovação da verdade dos fatos. Embora o processo civil se contente com a verdade formal, ou seja, a que se extrai dos autos, devem não só as partes, mas o juiz direcionar a atividade probatória no sentido da busca da verdade real, embora esta última seja praticamente impossível de se conseguir, diante da própria falibilidade humana na interpretação dos fatos da realidade.

Como bem adverte Antonio Carlos de Araújo Cintra12: “O certo é que a imagem mental dos fatos do litígio, composta pelo juiz, como resultado da atividade probatória, pode corresponder, ou não, aos fatos reais a que se refere. Nâo há como ter, em qualquer caso concreto, absoluta certeza a respeito dessa correspondência. Se a certeza é 9 Santos, Moacry. Comentários ao Código de Processo Civil, Volume 4, 2ª Edição, Rio de Janeiro, Forense, 1977, pág. 7.10 Carnelutti, Francesco. A Prova Civil, São Paulo, LEUD Livraria e Editora Universitária de Direito, 2003, pág. 72.11 Chiovenda, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, Volume III, 3ª Edição, Bookseller, Campinas, 2002, pág. 109.12Cintra, Antonio Carlos de Araújo. Comentários ao Código de Processo Civil, Volume IV, Rio de Janeiro, Forense, 2001, pág. 03.

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inatingível, nem por isso o será a verdade que, apesar de tudo, deve ser procurada no processo, através das provas.

Segundo a lição abalizada de Moacyr Amaral Santos13: “provar é convencer o espírito da verdade respeitante a alguma coisa”.

Conforme o milenar princípio latino, “quod non est in actis non est in mundo”, o que não está nos autos não está no mundo, a parte, cujo ônus cabe demonstrar a existência dos fatos que geram o direito perseguido deve produzir tal comprovação em juízo, pois o juiz quer e precisa saber da verdade em relação ao fatos afirmados pelos litigantes. Embora cumpra ao juiz a direção do processo (artigos 130, do CPC e 765, do CPC), podendo determinar as diligências necessárias ao deslinde do feito, tal faculdade não supre o ônus da parte de demonstrar as alegações.

O Código de Processo Civil disciplina os meios de prova em direito admitidas, sendo os meios expressamente previstos no código e também os meios moralmente legítimos (artigo 332, do CPC).

Há alguns entendimentos na jurisprudência no sentido de que o dano moral tem que ser robustamente demonstrado, inclusive os sofrimentos do lesado.

Nesse sentido, destacamos as seguintes ementas:Dano moral – Ausência de prova –

Improcedência do pedido. Ao pleitear indenização por danos morais, deve o trabalhador, sob pena de improcedência do pedido, demonstrar ter sofrido humilhação, constrangimento ou vergonha de tal gravidade que lhe causaram abalo psicológico. (TRT 12ª R – 3ª T – ROV nº 3905/2003.028.12.00-2 – Ac. nº 2501/05 – Rel. Gerson P. Taboada Conrado – DJSC 09.03.05 – p. 217) (RDT nº 04 de Abril de 2005).

Dano moral – Ausência de prova – Improcedência do pedido. Ao pleitear indenização por danos morais, deve o trabalhador, sob pena de improcedência do pedido, demonstrar ter sofrido humilhação, constrangimento ou vergonha de tal gravidade que lhe causaram abalo psicológico. (TRT 12ª R – 3ª T – ROV nº 3494/2003.027.12.00-9 – Ac. nº 6532/05 – Rel. Gerson P. T. Conrado – DJSC 09.06.05 – p. 219) (RDT nº 07 de Junlho de 2005)

Não concordamos com as ementas acima. Com efeito, em se tratando de dano material, este necessita ser demonstrado, tanto os danos emergentes (atuais) como os lucros cessantes (futuros).

Tratando-se de dano moral, não há como se comprovar os danos emergentes e os lucros cessantes, pois o dano moral não é quantificável, pois se passa na esfera íntima do lesado, tampouco indenizável, pois o dano moral não pode ser reparado à saciedade, vale

13 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 17a Edição, São Paulo: Saraiva, 1995.

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dizer, retornar o indivíduo ao “status quo ante”.O pagamento em pecúnia somente compensa o indivíduo pela angústia do dano sofrido. Por isso, a doutrina sustenta que o dano moral é compensável e não indenizável.

Para que a pessoa faça jus à compensação por danos morais, necessário se faz tão somente que demonstre de forma inequívoca, por qualquer meio em direito admitido (artigo 332, do CPC) o fato lesivo praticado (doloso ou culposo) pelo agente, sendo o dano moral presumido de forma irrefragável (presunção “juris et de juris”) à vítima. Desse modo, desde que o ato ilícito praticado possa acarretar danos a qualquer pessoa, considerando-se o padrão da sociedade, os danos de ordem moral estarão configurados. Por exemplo, a acusação falsa de ladrão, a perda de um dedo resultante de conduta culposa do empregador, causam, evidentemente, dor psíquica no empregado. Ninguém irá dizer que o empregado não se abalou internamente em decorrência desse fatos.

Outrossim, uma vez negado o fato lesivo apto a gerar o dano moral pelo agressor, o ônus da prova incumbe ao ofendido (artigos 818, da CLT e 333, I, do CPC), por ser fato constitutivo do direito.

Desse modo, a nosso ver, basta que a vítima comprove o fato lesivo, sendo o dano moral presumido de forma absoluta.

Rodolfo Pamplona Filho14, sustenta que a presunção é relativa: “Definitivamente, não vemos motivo para que a presunção seja absoluta, sem a possibilidade de admitir-se prova em contrário, quando inexiste determinação legal nesse sentido. Embora difícil, não se pode cercear o direito do réu de, ao menos, tentar produzir prova da inexistência do dano alegado”.

No mesmo diapasão, é a respeitável visão de Luiz Pinho Pedreira da Silva15:

“Segundo a postura de que nos estamos ocupando, a presunção de ocorrência do dano moral decorre do simples fato da prática do ato ilícito, mas divergem os que nela se alinham quanto à natureza dessa presunção, entendendo uns que é absoluta (juris et de jure), podendo esta última ser elidida por prova em contrário, o que não acontece com a primeira. A nosso ver, a presunção hominis de presença do dano moral decorre da prova do ato ilícito que o é juris tantum, quer porque as presunções resultantes da experiência, como a que estamos cogitando, são sempre relativas”.

De acordo com as posições defendidas por Pamplona Filho e Pinho Pedreira, como se trata de presunção juristantum do dano, caso o réu demonstre, por todos os meios admitidos em direito, que a vítima não sofreu danos de ordem moral com o ato lesivo praticado, o pedido de reparação será julgado improcedente.

14 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O Dano Moral na Relação de Emprego, 2a Edição, São Paulo: LTR, 1999, p. 132.15Silva, Luiz de Pinho Pedreia da. A reparação do Dano Moral no Direito do Trabalho, São Paulo, LTR, 2004, pág. 147.

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Não obstante a solidez dos argumentos desse entendimento, continuamos achando que a presunção é absoluta, cabendo ao juiz valorar, no caso concreto, as repercussões do fato lesivo, na fase de quantificação do dano moral e, se for o caso, não deferir a reparação. Se não há repercussão alguma do fato lesivo, acreditamos que deve o juiz dizer que o fato lesivo é apto a acarretar o dano de ordem moral, considerando-se o padrão médio da sociedade, mas no caso “sub judice”, não há condenação. O ato do ofensor continua sendo ilícito, mas não foi potencialmente apto da lesar a vítima no caso concreto. Isso não significa dizer que o ato não deva ser reprimido, mas não deve ser aplicada indenização na hipótese dos autos, até mesmo porque, como dissemos alhures, a reparação do dano moral tem caráter publicista, interessando à sociedade como um todo. Por isso, a repressão de atos que sejam aptos a acarretar o dano moral deve ser prestigiada, ainda que não haja indenização à vítima no caso concreto.

No sentido da presunção absoluta:Carlos Roberto Gonçalves assim se manifesta16: “O dano moral, salvo casos especiais, como o de

inadimplemento contratual, por exemplo, em que se faz mister a prova da perturbação anímica do lesado, dispensa prova em concreto, pois se passa no interior da personalidade e existe in re ipsa. Trata-se de presunção absoluta. Desse modo, não precisa a mãe provar que sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra de demonstrar em juízo que sentiu a lesão, ou o autor provar que ficou vexado a não inserção de seu nome no uso público da obra, e assim por diante”.

Rui Stoco se posiciona no mesmo sentido: “...o dano em si, porque imaterial, não depende de prova ou de aferição de seu quantum. Mas o fato e os reflexos que irradia, ou seja, a sua potencialidade ofensiva, dependem de comprovação ou pelo menos que esses reflexos decorram da natureza das coisa e levem à presunção segura de que a vítima, face às circunstância, fica atingida em seu patrimônimo subjetivo, seja com relação ao seu vultus, seja, ainda, com relação aos seus sentimentos, enfim, naquilo que lhe seja mais caro e importante”17.

Valdir Florindo18 acompanha esse raciocínio: “Certamente, o dano moral, ao contrário do dano material, não reclama prova específica do prejuízo objetivo, porque o gravame decorre do próprio resultado da ofensa. Daí, não há falar-se em prova do dano moral, mas sim certeza sobre o fato, desde de que haja inequívoca relevância jurídica na ofensa, obviamente”.

Relevante, no aspecto, destacar as seguintes ementas:16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, 7a Edição, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 552/553.17 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil da Seguradora por Dano Moral, In: Repertório IOB de Jurisprudência – 1a Quinzena de Junho de 2000 / n. 11/2000 / caderno 3 / p. 242.18 FLORINDO, Valdir. Dano Moral e o Direito do Trabalho, 4a Edição, São Paulo: LTR, 2002, p. 351.

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Dano moral – Obrigação de indenizar – Necessidade de prova. O dano moral atinge o patrimônio ideal da pessoa, e, sendo muitas vezes impossível vislumbrá-lo materialmente, é até admissível que seja presumido, desde que haja inequívoca relevância jurídica na ofensa. Todavia, não se pode impor a obrigação de indenizar por dano hipotético ou duvidoso. Se não há certeza do prejuízo, não há o que se reparar. (TRT – 3ª R – 2ª T – RO nº 21357/99 – Rel. Juiz Antônio Fernando Guimarães – DJMG 11.10.2000 – p. 30) (RDT 11/2000).

“Indenização – Erro médico – Danos morais – Dano representado pela segunda cirurgia para a retirada do material esquecido na cavidade abdominal da paciente, quando da primeira cirurgia – ‘A expectativa, a incerteza, o sofrimento e a angústia, quase extrema que representa uma cirurgia, nestas circunstâncias, caracteriza, por si só, o dano moral, sem necessidade de prova a respeito, tal obviedade a respeito’”(TJRS –3o , Gr. Cs. Einfrs. 594056806 – Rel. Paulo Roberto Hanke – j 05.08.1984 – Revista de direito do Consumidor, RT. Abril-junho, p. 270).

“Dispensa-se a prova de prejuízo para demonstrar a ofensa ao moral humano, já que o dano moral, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra da pessoa, por vez é de difícil constatação, haja visa os reflexos atingirem para muito própria do indivíduo – o seu interior. De qualquer forma, a indenização não surge somente nos casos de prejuízo, mas também pela violação de um direito”(STJ – 4aT. Resp 85019 –Rel. Sávio de Figueiredo Teixeira – j. 10.03.1998).

Dano moral – Obrigação de indenizar – Necessidade de prova. O dano moral atinge o patrimônio ideal da pessoa, e, sendo muitas vezes impossível vislumbrá-lo materialmente, é até admissível que seja presumido, desde que haja inequívoca relevância jurídica na ofensa. Todavia, não se pode impor a obrigação de indenizar por dano hipotético ou duvidoso. Se não há certeza do prejuízo, não há o que se reparar. (TRT – 3ª R – 2ª T – RO nº 21357/99 – Rel. Juiz Antônio Fernando Guimarães – DJMG 11.10.2000 – pág. 30) (RDT 11/2000)

PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ DO TRABALHO DIANTE DO DANO MORAL

Pelo princípio do dispositivo, cumpre às partes a prova de suas alegações em juízo, segundo a regra de distribuição do ônus da prova prevista nos artigos 333 do CPC e 818, da CLT.

A doutrina clássica se mostrou contrária à iniciativa probatória do juiz. Nesse sentido Moacry Amaral Santos19: “Dá-

19 Santos, Moacry Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial, São Paulo, Saraiva, 1983, pág. 259/260).

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se, assim, no processo probatório, uma perfeita interdependência de atribuições das partes e do juiz. Apenas aquelas não podem ter ingerência na função específica deste, de emitir provimentos relativos a qualquer dos atos probatórios e de avaliar e estimular as provas, porque,então seria transformarem-se em juízes das próprias alegações. Por sua vez, o juiz não pode, a não ser dentro do critério legal e com o propósito de esclarecer a verdade, objetivo de ordem pública, assumir a função de provas fatos não alegados ou de ordenar provas quando as partes delas descuidam ou negligenciam”.

A nosso ver, como a reparação do dano moral tem caráter publicista, os poderes instrutórios do juiz do trabalho são amplos.

Com efeito, há muito o juiz o juiz deixou de ser um convidado de pedra na relação jurídica processual. Na moderna teoria geral do processo, ao juiz cabe zelar pela dignidade do processo, pela busca da verdade real20 e por uma ordem jurídica justa.

Isso não significa dizer que o juiz está desconsiderando o princípio do dispositivo, ou as regras do ônus da prova previstas nos artigos 818, da CLT e 333, do CPC, ou ao princípio de igualdade de tratamento às partes (artigo 125 do CPC)21, está apenas garantindo a dignidade da justiça, da aplicação justa e equânime da lei e uma ordem jurídica justa22. O entendimento acima ganha corpo no Direito Processual do Trabalho tem o princípio do inquisitivo no que tange à iniciativa probatória do juiz (artigo 765, da CLT).

Para o Juiz do Trabalho, não há preclusão na esfera probatória, conforme o já citado artigo 765 da CLT. A livre convicção do juiz é uma garantia da cidadania, do devido processo legal e do estado democrático de direito.

O juiz da atualidade não pode mais fechar os olhos diante de uma regra processual, ou vendar os olhos e prolatar uma 20 Segundo Piero Calamandrei (“apud” Duarte, Bento Herculado. Poderes do Juiz do Trabalho. Direção e Protecionismo Processual, São Paulo, LTR, 1999, pág. 87) “O juiz é o guarda e a garantia de tudo quanto mais caro se tem no mundo. Nele se saúda a paz do lar, a honra e a liberdade. A vida de um homem, a felicidade de uma família inteira depende de seu resultado. É o juiz a testemunha corpórea da lei, de que deponde a sorte dos homens terráqueos. O juiz possui, na verdade, como mago de fábula, o poder sobre-humano de fazer no mundo do Direito as mais monstruosas metamorfoses e dar às sombras as aparências eternas de verdade”.21 Como pondera Júlio César Bebber: “A imparcialidade que se exige do juiz é objetiva (CPC, arts. 134 e 135; CLT, artigo 801), e não subjetiva, podendo ser resumida na ausência de interesse particular na causa. Imparcialidade não significa indiferença axiológica,e juiz imparcial não é sinônimo de juiz insensível e inerte, mas sim, de juiz que dirige o processo sem interesse pessoal. É juiz comprometido com os idéias de justiça; de juiz que procede movido pela consciência de sua responsabilidade; de juiz que não se deixa influenciar por fatores estranhos aos seus conhecimentos jurídicos, e dá aos caso desfecho que corresponde ao justo. O juiz resguardará sua imparcialidade, se ao determinar de ofício a produção de alguma prova, submeter a mesma ao contraditório, permitindo às partes que sobre ela se manifestem” (Bebber, Júlio César. Princípio do Processo do Trabalho, São Paulo, LTR, 1997, pág. 445).22 Segundo Bento Herculano Duarte: “O bom magistrado não deve pretender ostentar a posse exclusiva da verdade. Deve ele procurar contemplar placidamente os fatos, e, tal contemplação extrairá naturalmente uma decisão em substância justa (o fator contemplativo não significa, necessariamente, em inércia). Será ele, assim, um Juiz caridoso, aos olhos do homem e, precipuamente, à vista divina”(Duarte, Bento Herculano, Poderes do Juiz do Trabalho. Direção e Protecionismo Processual, São Paulo, LTR,1999, pág. 94.

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sentença sem estar convicto (julgamento no escuro). Como já disse Carnelutti, as provas são o coração do processo. Por isso, o juiz não pode se omitir, negligenciando a produção de alguma prova necessária. É melhor pecar por excesso do que por omissão. O juiz que se omite é mais nocivo que o juiz que julga mal. Não se nega que a postura acima pode gerar risco do juiz se envolver subjetivamente à lide, mas, como adverte Marinoni23, não há efetividade processual sem riscos. Assevera Eduardo J. Couture24: “Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá, em um país e momento histórico determinados, o que valham os juízes como homens. O dia em que os juízes tiverem medo, nenhum cidadão poderá dormir tranqüilo”.

Sob outro enfoque, cumpre destacar que a finalidade do processo é a justa composição da lide, aproximando-se da realidade e dar à cada um o que é seu. Nesse sentido, ensina Jorge Luiz Souto Maior25: “É verdade que, sob o ponto de vista teórico, o direito processual tem avançado muito em direção à busca da produção de resultados concretos e justos na realidade. Essa mudança vem desde o início do movimento denominado movimento em prol do acesso à justiça, encabeçada por Mauro Capelletti, tendo atingido, mais recentemente, a fase da busca pela plena efetividade da prestação jurisdicional, que pode ser traduzida pela conhecida frase de Chiovenda: ‘o processo deve dar, a quem tem um direito, tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter’. Mas, o processo deve almejar mais, pois um processo despreocupado com a justiça das suas decisões pode simplesmente dar a cada um o que é seu, ou seja: o rico, sua riqueza, ao pobre, sua pobreza”.

A maior amplitude probatória do juiz na reparação do dano moral também se justifica, por tratar-se de uma reparação a um direito fundamental e proteção à dignidade da pessoa humana. Além disso, também se justifica um comportamento mais ativo do magistrado trabalhista no aspecto probatório para quantificar o dano moral, já que o a reparação do dano moral não segue um padrão tarifado.

A PROVA DO DANO MORAL NAS VIOLAÇÕES DA INTIMIDADE DO EMPREGADO EM QUE NÃO HÁ PUBLICIDADE DO FATO

Há muitas hipóteses de eclosão do dano moral na Relação de Trabalho em que a dificuldade de se produzir a prova do ato lesivo apto a gerar o dano moral é extremamente difícil, como nas 23 Marinoni, Luiz Guilherme. Manual de Processo de Conhecimento, 4ª Edição, São Paulo, RT, 2005, pág. 198.24 Couture. Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil, 3ª Edição. Tradução de Mozart Victor Russomano, 3ª Edição, Rio de Janeiro, Forense, 1998, pág. 59.25 Maior, Jorge Luiz Souto. Temas de Processo do Trabalho, São Paulo, LTR, 2000, pág. 170.

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hipóteses em que o fato acontece sem a presença de terceiros, como em salas fechadas, como o assédio sexual e até mesmo o assédio sexual. A falta de publicidade de tais atos, não podem acarretar o não ressarcimento do dano moral.

Miguel Reale26 desdobra o dano moral em duas espécies: o dano moral objetivo e o dano moral subjetivo. O primeiro “atinge a dimensão moral da pessoa no meio social em que vive, envolvendo o (dano) de sua imagem”. O dano moral subjetivo que se correlaciona com o mal sofrido pela pessoa em sua subjetividade, em sua intimidade psíquica, sujeita a dor ou sofrimento intransferíveis porque ligados a valores de seu ser subjetivo, que o ilícito veio penosamente subverter, exigindo inequívoca reparação”.

Desse modo, para que se caracterize o dano moral subjetivo, conforme a definição de Miguel Reale, a nosso ver, basta o fato em si mesmo, não havendo necessidade de publicidade do fato, porquanto a dor moral atinge o indivíduo na sua esfera íntima, vez que o dano moral subjetivo atinge a intimidade da vítima, sua alma.

Nesse sentido sustentou com propriedade Cláudio Antonio Soares Levada27: “Frise-se, outrossim, nosso entendimento de que basta o fato em si para caracterizar o dano moral e a necessidade de sua reparação. Não é preciso que tenha sido dada publicidade a esse fato, aspecto que terá influência apenas no valor devido – havendo publicidade, maior o valor a ser indenizado, haja vista as conseqüências mais graves para o ofendido -, mas que não impede a procedência do pedido inicial”.

Mas como se guiará o juiz para restar convencido de que houve o dano moral, mesmo o fato tendo se passado longe dos olhares das testemunhas, ou em lugares reservados?

Acreditamos que nessas hipóteses, o juiz deve ser guiar principalmente, pelas regras de indícios e presunções, pelas regras de experiência do que ordinariamente acontece (artigos 335 do CPC e 852-D,

26 REALE, Miguel.Temas de Direito Positivo, São Paulo, RT, 1992, pág. 23.27 LEVADA, Cláudio Antonio Soares, ob. cit., p. 53.

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da CLT), pela prova indireta28, pela razoabilidade da pretensão29 e dar especial atenção à palavra da vítima.

Deve o juiz admitir, nesses casos, com maior flexibilidade, o depoimento de testemunhas, que mesmo suspeitas, estejam envolvidas no fato e também exercer amplo poder instrutório.

Consoante ensina com propriedade o Fernando da Costa Tourinho filho30: “Em certos casos, porém, é relevantíssima a palavra da vítima do crime. Assim, naqueles delitos clandestinos qui clam comittit solent – que se comentem longe dos olhares de testemunhas -, palavra da vítima é de valor extraordinário. Nos crimes contra os costumes, e. G., a palavra da ofendida constitui o vértice de todas as provas. Na verdade, se assim não fosse, dificilmente alguém seria condenado como sedutor, corruptor, estuprador, etc., uma vez que a natureza mesma dessas infrações à vista de outrem”.

No mesmo sentido, desçam-se as seguintes ementas: “Tratando-se de delito de natureza clandestina, ou de

sedução, praticada às ocultas, a palavra da mulher que se diz deflorada e ponta o autor de sua desonra merece mais crédito que a do indigitado autor, se nada existe contra sua procedente honestidade” (RT, 220/94).

“Nos atentados contra a honra da mulher, a palavra da vítima é, em regra, precioso elemento de convicção, bastando para tanto que não haja prova contrária à sua presente honestidade” (RT, 220/92).

Rodolfo Pamplona Filho, tratando da prova no assédio sexual tece as seguintes considerações31:

“Desta forma, para que o juiz se convença da existência dos fatos narrados na exordial, o autor deverá indicar indícios

28 Prova indireta – Eficácia probatória – Valoração. Prova indireta, no conceito emprestado pela doutrina, é aquela em que o fato objeto de percepção é diferente do fato que prova. E, para que reúna eficácia probatória, exige-se que haja estreita vinculação entre o fato provado e aquele que se pretendia demonstrar, de modo a permitir a conclusão que a existência de um implica, em dedução lógica, na do outro. Assim, onde há situações díspares e heterogêneas, a evidenciar a possibilidade de múltiplas realidades, dados particulares e específicos de uma delas não servem como referencial válido para impor interpretação no sentido de que eram comuns a todas. Recurso não provido. (TRT – 10ª R – 3ª T – RO nº 1483/2002 – Rel. João Luís R. Sampaio – DJDF 20.9.2002 – p. 19) .29 Prova – Gravação em vídeo – Compatibilidade com as demais provas produzidas nos autos – Dano moral – Inexistência. O Direito do Trabalho, diante de sua singeleza, permite a realização de provas de qualquer espécie, inclusive gravação em filme, pela aplicação do princípio da livre investigação das provas – descobrimento da verdade real. (TRT 12ª R – 3ª T – RO-V nº 286.2003.008.12.00-0 – Rel. Gilmar Carvalheri – DJSC 19.4.04 – p. 197) ( RDT nº 5 - Maio de 2004). Prova – Valoração – Princípio da razoabilidade. A produção da prova incumbe àquele que alega, conforme preceitos insculpidos no art. 818 da CLT e art. 333 do CPC. O juiz, ao valorar a prova, não pode se afastar dos elementos existentes nos autos, devendo seguir as regras do art. 131 do CPC. Nessa formação de juízo de valor, não pode ser olvidado o princípio da razoabilidade, por meio do qual, busca-se revelar a realidade, a impedir que a letra fria da lei sirva como elemento legalizador de uma simulação. Somente assim, poderá ser feita a verdadeira justiça. (TRT 15ª R – 2ª T – RO nº 330.2003.074.15.00-0 – Rel. Luís Carlos C. M. S. da Silva – DJSP 7.5.04 – p. 15) ( RDT nº 6 junho de 2004).30 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, Volume III, 17ª Edição, São Paulo, Saraiva, 1995, pág. 31 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O assédio sexual na relação de emprego, São Paulo, LTR, 2001, pág. 149.

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que possibilitem a configuração da presunção de que se trata de algo que ordinariamente acontece, o que não deixa de ser uma atividade processual instrutória concreta. Por outro lado, não sendo esta presunção juris et de jure, o réu (e, eventualmente, o denunciado da lide) deve ter oportunidade de apresentar elementos que impeçam o reconhecimento da presunção hominis. Sobre essas presunções, leciona Carlos Alberto Bittar que ‘esses reflexos são normais e perceptíveis a qualquer ser humano, justificando-se dessa forma, a imediata reação da ordem jurídica contra agentes, em consonância com a filosofia imperante em tema de reparação de danos, qual seja, a da facilitação da ação da vítima na busca da compensação. Há, assim, fatos sabidamente hábeis a produzir danos de ordem moral, que à sensibilidade do juiz logo se evidenciam’”.

Tivemos a oportunidade de apreciar uma reclamação trabalhista envolvendo a questão, conforme se constata da seguinte ementa:

JUSTA CAUSA. ASSÉDIO SEXUAL X INCONTINÊNCIA DE CONDUTA: Quando um empregado que não tem ascensão hierárquica sobre outra empregada, à qual insistentemente lhe dirige gracejos com conotação sexual não pratica assédio sexual, nos termos do artigo 216-A do Estatuo Repressivo. De outro lado, a incontinência de conduta resta configurada, porquanto tal atitude atenta contra a moral sexual do ambiente de trabalho. APRECIAÇÃO DA PROVA: Nos delitos contra os costumes, chamados pela doutrina de clandestinos (qui clam comittit solent – que se comentem longe dos olhares de testemunhas), palavra da testemunha vítima, embora contraditada por razões óbvias, desde que coerente, é de valor extraordinário e suficiente para o reconhecimento da justa causa (VARA DO TRABALHO DE FRANCO DA ROCHA/SP, Processo n. 2241/01, Juiz Mauro Schiavi, 26.07.02)32.

PROVA ILÍCITA E DANO MORAL

Como visto anteriormente, o dano moral fere a dignidade da pessoa humana, seja nos valores interiores, como intimidade, honra, privacidade, como nos valores exteriores, como imagem, reputação, estética, etc. Em razão disso, muitas vezes em juízo, o juiz do trabalho se depara com a produção de provas, no processo do trabalho, obtidas por meio ilícito pelas partes, a fim de demonstrar a efetiva existência do dano moral.

A Constituição veda no artigo 5º, LVI33, as provas obtidas por meios ilícitos. Por ser uma norma pertinente à Teoria Geral do Direito, aplica-se a todos os ramos do processo, inclusive ao Direito

32 In Revista Trimestral de Jurisprudência do TRT da 2ª Região n. 31/02, São Paulo, LTR, 2002, pág. 262. 33 Artigo 5º, LVI: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

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Processual do Trabalho34. A proibição constitucional da produção de provas obtidas por meios ilícitos, como sendo um direito fundamental, não só para assegurar os direitos fundamentais do cidadão, mas também para garantia do devido processo legal e dignidade do processo. A doutrina costuma distinguir entre ilicitude formal e ilicitude material. Há ilicitude formal quando a prova violar regra de direito processual e ilicitude material, quando violar regra de direito material.

Ensinam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho35, “ no campo das proibições da prova, a tônica é dada pela natureza processual ou substancial da vedação: a proibição tem natureza exclusiva processual quando for colocada em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo; tem, pelo contrário, natureza substancial quando, embora servindo imediatamente a interesses processuais, é colocada essencialmente em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do processo”.

Como bem advertem Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart36, “é preciso perceber que uma prova pode violar simples regras do procedimento probatório – cuja necessidade de observância não é imprescindível para a proteção das garantias da parte – e direitos fundamentais processuais. Nessa última hipótese, a prova contém vício tão grave quanto a que viola um direito fundamental material, quando a separação da prova segundo a natureza do direito violado perde sentido”.

Há atualmente, na doutrina e jurisprudência, três correntes sobre a proibição da prova ilícita no processo. São elas:

a)vedação total da prova ilícita

Segundo essa vertente de entendimento, toda e qualquer prova obtida por meio ilícito não pode ser admitida no processo.

Conforme Luís J.J. Ribeiro37, “um dos fundamentos básicos desta corrente reside na afirmativa de que o ordenamento jurídico é uno. Assim, a conduta considerada ilícita pelo direito material não pode ser valorada em parâmetro diverso pelo direito

34 Como ponderam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “o artigo 5º, LV não nega o direito à prova, mas apenas limita a busca da verdade, que deixa de ser possível através de provas obtidas de forma ilícita. O interesse no encontro da verdade cede diante de exigências superiores de proteção dos direitos materiais que podem ser violados. Com efeito, dita limitação não encontra fundamento no processo, mas sim na efetividade da proteção do direito material. Ou seja, tal norma constitucional proibiu a prova ilícita para da maior tutela do direito material, negando a possibilidade de se alcançar a verdade a qualquer custo. Diante disso, é inegável que houve uma opção pelo direito material em detrimento do direito à descoberta da verdade. A questão, porém é saber se essa opção exclui uma posterior ponderação – agora pelo juiz – entre o direito que se pretende fazer através da prova ilícita e o direito material violado” (Manual do Processo de Conhecimento, 4ª Edição, São Paulo, RT, 2005, pág. 384).35 As nulidades no Processo Penal, 5ª Edição, São Paulo, RT,1996, pág. 116.36 Manual do Processo de Conhecimento, 4ª Edição, São Paulo, RT, 2005, pág. 378.37 Ribeiro. Luís J.J.A prova ilícita no Processo do Trabalho, São Paulo, LTR, 2004, págs. 41/42.

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processual. Ada Grinover, mesmo antes da atual Constituição, considerava inaceitável este fundamento, pois apesar de reconhecer a unidade do ordenamento jurídico, entende que é inquestionável que a cada ilícito, e conforme sua natureza, corresponda sanção diversa”.

Lembra Uadi Lannêgo Bulos38, que nas constituições brasileiras anteriores nada consta sobre a obtenção das provas obtidas ilicitamente.

Mesmo não havendo tal proibição, já havia forte tendência na jurisprudência em não se admitir a prova obtida por meio ilícito, por confrontar com o artigo 332, do CPC, que veda as provas obtidas por meio moralmente ilegítimo.

Nesse sentido, destacamos a seguinte ementa:“PROVA CIVL, GRAVAÇÃO MAGNÉTICA,

FEITA CLANDESTINAMENTO PELO MARIDO, DE LIGAÇÕES TELEFÔNICAS DA MULHER. Inadmissibilidade de sua utilização em processo judicial, por ao ser meio legal nem moralmente legítimo (artigo 332 do CPC)39”.

No mesmo diapasão, a seguinte ementa, proferida em processo trabalhista:

“Gravação de comunicação telefônica – Meio inidôneo e inadmissível de prova no processo do trabalho. Considerando os exatos termos dos incisos XII e LVI do artigo 5o da Constituição Federal, não deve ser admitido como meio de prova para efeitos de processo do trabalho a gravação de comunicação telefônica” (TRT – 12a R – 1a T – Ac. no 2659/99 – Rel. Juiz Roberto L. Guglielmetto – DJSC 07.04.99 – pág. 150) (RDT 5/99, pág. 71)

b)permissiva

Para essa vertente, desde que o conteúdo da prova seja lícito, ela pode ser utilizada, mesmo que tenha sido obtida por meio ilícito.

Essa vertente de interpretação prestigia o caráter publicista do processo, o acesso à justiça e a busca da verdade real.

Menciona J.J. Ribeiro40 que essa vertente, “está lastreada no dogma da verdade real e do livre convencimento, a doutrina, inicialmente, demonstrou-se majoritária em dar prevalência à investigação da verdade em detrimento ao princípio da formalidade do procedimento. Por outra vertente a doutrina italiana chegou a idêntica conclusão em relação à inadmissibilidade das provas ilícitas, pelo axioma consagrado:

38 Bulos, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, 6ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2005.39 STF. RE 85.439-RJ, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, Ac. 2ª T. 11.11.1977, in RTJ 84/609.40 Ribeiro. Luís. Op. cit. pág. 69.

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male captum, bene retentum (a prova pode ser mal colhida, porem bem recebida no processo”.

Sinteticamente, para essa vertente, poderíamos dizer que os fins justificam os meios, ou seja, a efetividade da prova e a busca da verdade real são fins justificáveis pelo meio ilícito da obtenção da prova.

c)teoria da proporcionalidade

Sobre o princípio da proporcionalidade, ensina Nélson Nery Júnior41: “Segundo o princípio da proporcionalidade, também denominado de ‘lei da ponderação’, na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. Assim, o desatendimento de um preceito não pode ser mais forte e nem ir além do que indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito sacrificado. Atua com bastante ênfase e eficácia no direito alemão, notadamente no direito constitucional e no direito processual penal. Aliás, há normas expressas na Ordenança Processual Penal Alemã (StrafprozeBordnung – StPO) indicando a doção do princípio da proporcionalidade naquele sistema jurídico, como por exemplo, StPO, 11212 e 120I. As principais decisões do Tribunal Constitucional da Alemanha (BVerfG) sobre a construção, naquele país, do princípio da proporcionalidade, em comparação com as decisões de nosso Supremo Tribunal Federal sobre a ponderação de direitos igualmente protegidos pela Constituição Federal, indicam-nos verdadeira similitude entre a teoria e a praxis dos tribunais, de modo a fazer com que seja válida, aqui, a doutrina alemã sobre o mencionado princípio da proporcionalidade. O fundamento constitucional do princípio da proporcionalidade encontra-se no conteúdo do princípio do Estado de Direito, havendo, ainda, quem entenda situar no princípio do devido processo legal”42.

41 Nery Júnior, Nélson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 8ª Edição, São Paulo, RT, 2004, pág. 197.42 No mesmo sentido ensina Willis Santiago Guerra Filho: “ Ainda com relação ao modo de aplicar corretamente o princípio da proporcionalidade, para encerrar essa ligeira apresentação dele, vale ressaltar que, assim como ele pressupõe a existência de valores estabelecidos positivamente em normas do ordenamento jurídico, notadamente aquelas naquelas com a natureza de um princípio fundamental, também requer um procedimento decisório, a fim de permitir a necessária ponderação em face dos fatos e hipóteses a serem considerados. Tal procedimento deve ser estruturado – e, também, institucionalizado – de uma forma tal que garanta a maior racionalidade e objetividade possíveis da decisão, para tender ao imperativo de realização de justiça que é imanente ao princípio com o qual nos ocupamos. Especial atenção merece, portanto, o problema do estabelecimento de forma de participação suficientemente intensiva e extensa de representantes dos mais diversos pontos de vista a respeito da questão a ser decidida. Isso significa, então, que o procedimento com as garantias do ‘devido processo legal’ (Due Process of Law), i. e, do amplo debate, da publicidade, da igualdade das partes, etc., se torna instrumento do exercício não só da função jurisdicional, como tem sido até agora, mas sim das demais funções do Estado também, donde se falar em ‘jurisdicionalização’ dos processos legislativo e administrativo e ‘judicialização’ do próprio ordenamento jurídico como um todo. Esse é um fenômeno próprio do Direito

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João Batista Lopes43 se referindo ao princípio da proporcionalidade, sustenta com propriedade: “No campo do processo civil, é intensa sua aplicação, tanto no processo de conhecimento como no de execução e no cautelar. No dia-a-dia forense, vê-se o juiz diante de princípios em estado de tensão conflitiva, que o obrigam a avaliar os interesses em jogo para adotar a solução que mais se ajuste aos valores consagrados na ordem jurídica. O princípio da proporcionalidade tem íntima relação com a efetividade do processo na medida em que, ao solucionar o conflito segundo os ditames da ordem constitucional, está o juiz concedendo a adequada proteção ao direito e atendendo aos escopos do processo”.

Para essa vertente de interpretação, o juiz valorará, no caso concreto, segundo critérios axiológicos qual princípio deverá ser prestigiado e qual deve ser sacrificado em prol da justiça da decisão e efetividade do processo.

Como bem adverte José Carlos Barbosa Moreira44, “há que se verificar se a transgressão se explicava por autêntica necessidade, suficiente para tornar escusável o comportamento da parte, e se esta se manteve nos limites por aquela determinados; ou se, ao contrário, existia a possibilidade de provar a alegação por meios regulares, e a infração gerou dano superior ao benefício trazido à instrução do processo. Em suma: averiguar se, dos dois males, se era escolhido o menor”.

No âmbito do processo do trabalho, se pronuncia Carlos Henrique Bezerra Leite45 pela aplicação da presente teoria, apresentando os seguintes argumentos: “as partes têm o dever de agir com lealdade em todos os atos processuais, mormente na produção da prova. O princípio da licitude da prova encontra residência no artigo 5p. LV, da CF, segundo o qual ‘são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos’. Esse princípio tem sido mitigado por outro: o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, segundo o qual não se deve chegar ao extremo de negar validade a toda e qualquer prova obtida por meios ilícitos, como, por exemplo, uma gravação sub-reptícia utilizada por empregada que deseja fazer prova de que fora vítima de assédio sexual pelo empregador ou superior hierárquico, sem o conhecimento deste. A revista

na sociedade em seu estágio atual evolutivamente mais avançado, em direção à sua mundialização, que ainda está a merecer a devida atenção, extraindo conseqüências para uma re-orientação do pensamento jurídico, no sentido de uma maior preocupação com o ‘caminho” de realização do Direito, com o processo de sua concretização, já que a previsão abstrata de como resolver situação inusitadas e da complexidade daquelas que se apresentam anos contemporaneamente, em normas com o caráter de regras de Direito material, se mostra bastante deficiente” (Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 4ª Edição, RCS Editora, São Paulo, 2005, pág. 117/119).43 Lopes, João Batista. Princípio de Proporcionalidade e Efetividade do Processo Civil. Estudos de Direito Processual Civil. Homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. Coordenação de Luiz Guilherme Marinoni, São Paulo, RT, 2005, pág. 135.44 Moreira, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas, Revista de Processo n. 84, ano 21, São Paulo, RT, 1996, pág. 146.45 Bezerra Leite, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual do Trabalho, 3ª Edição, São Paulo, LTR, 2005, pág. 415.

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íntima também pode ensejar a violação ao princípio, salvo se o empregador adota todos os meios necessários à preservação da intimidade e da dignidade do trabalhador”.

Acreditamos que a regra da proporcionalidade é a melhor para se admitir a pertinência da prova obtida por meio ilícito no processo, pois nenhuma regra processual é absoluta, devendo ser sopesada em confronto com outro direito fundamental. Além disso, prestigia a justiça da decisão no caso concreto, possibilitando ao juiz, diante do conflitos de princípios, escolher entre dois males, o mau menor, ou escolher a melhor justiça.

Nesse sentido se pronunciou o Tribunal Superior do Trabalho, em decisão pinoneira:

“GRAVAÇÃO TELEFÔNICA. A aceitação no processo judiciário do trabalho, de gravação de diálogo telefônico mantido pelas partes e oferecida por uma delas, como prova para elucidação de fatos controvertidos em juízo, não afronta suposto direito líquido e certo da outra parte, a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, porque essa garantia se dá em relação a terceiros em ão aos interlocutores. Recurso ordinário a que se nega provimento, para ser confirmado o acórdão regional, que negou a segurança requerida46”

A Prova ilícita do dano moral e o juiz do trabalho

No âmbito da relação de trabalho são muitas as hipóteses em que a prova para demonstração do dano moral pode ser obtida por meio ilícito. Por exemplo, câmaras colocadas no interior de vestiários ou locais de privacidade dos trabalhadores, gravações telefônicas sem consentimento do outro interlocutor, documentos obtidos por furto do empregado, monitoração indevida de emails dentre outras hipóteses.

A Constituição Federal, além de proibir a prova obtida por meio ilícito, tutela no artigo 5º, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada (inciso X), do domicílio (XI) e da correspondência (XII), como direitos de igual magnitude. Desse modo, deve o juiz do trabalho, ao apreciar a prova obtida por meio ilícito, ter bastante cautela, pois ao admitir essa prova por uma das partes, pode estar violando um direito fundamental da parte contrária e até causar danos de ordem moral a esta última. Por isso, acreditamos que o juiz do trabalho ao analisar a pertinência ou não da produção da prova obtida por meio ilícito como apta a demonstrar os danos de ordem moral deve tomar as seguintes cautelas:

46TST Ac. n.: 1564 – DECISÃO: 17.9.1991 – TIPO: ROMS – n. 11134 – ANO – 1990 – REGIÃO: 02 – UF: SP – RECURSO ORDINA´RIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ÓRGÃO JULGADOR – SEÇÃO ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS – DJ 27.9.1991, p. 13394, Rel. Ministro Ermes Pedro Pedrassani.

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a)sopesar a lealdade e boa-fé da parte que pretende a produção da prova ilícita47;

b)observar a seriedade e verossimilhança da alegação;

c)avaliar o custo benefício na produção da prova.d)aplicar o princípio da proporcionalidade,

prestigiando o direito que merece maior proteção48;e)observar a efetiva proteção à dignidade da

pessoa humana;b)valorar não só o interesse da parte, mas também

o interesse público.

CONCLUSÕES

a)Para que a pessoa faça jus à compensação por danos morais, necessário se faz tão somente que demonstre de forma inequívoca, por qualquer meio em direito admitido (artigo 332, do CPC) o fato lesivo praticado (doloso ou culposo) pelo agente, sendo o dano moral

47Nesse sentido, destacamos a seguinte ementa: “DANO MORAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA. PROVA IMORAL E ILICITA. A gravação de telefonema em que dialogam o sócia da empresa e um terceiro, feita com a participação do reclamante e sem o conhecimento do empregador, mediante a qual se busca provar que estariam sendo fornecidas informações desabonadoras do ex-empregado, não pode ser admitida como prova no processo, pois, além de implicar divulgação de conversa privada e violação de conversa telefônica (artigo 5o, X e XII, da Constituição Federal), caracteriza prova obtida por meios ilícitos. Isso porque a prova assim produzida nada mais constitui do que um ardil utilizado pelo reclamante e pela terceira pessoa que se faz passar por seu pretenso ontratante, 'interessado' na sua referência, no setnido de levar a reclamada a cair no deslize de fornecer informações dsabonadores do ex-empregado, sobre as quais poderia ser pedida a compensação de dano moral. Os preceitos legais aplicáveis à espécie buscam resguardar tanto a intimidade das pessoas, quando a ética e a honra humana na sua dimensão maior, e qualquer procedimento que atente contra esta, ainda que a título de produção de prova, deve ser veemente rechaçado. A atitude do reclamante, ao produzir esse tipo de prova, viola a honra do empregador, buscando fazer com que este incorra em ilícito, e por outro lado, desmerece a grandeza do instituto da responsabilidade civil” (TRT 3a Reg. RO 00664-2003-096-03-00-7 – (Ac. 2A T) – Rela. Juíza Alice Monteiro de Barros. DJMG 23.06.04, p. 08).48Rescisão Indireta do contrato de trabalho – Gravação de ofensar ao emrpegado no local de trabalho – Aceitação da prova no proceso trabalhista. Ementa: DANO MORAL. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. GRAVAÇÃO DE OFENSAS AO EMPREGADO NO LOCAL DE TRABALHO.ACEITAÇÃO DA PROVA NO PROCESSO TRABALHISTA. Robustamente demonstradas pela prova as ofensas gravíssimas dirigidas pela representante da empresa à empregada, a hipótese autoriza não só a rescisão indireta do contrato de trabalho como também a condenação da empresa em dano moral. A gravação clandestina dos diálogos mantidos entre a empregada e os seus superiores no local de trabalho, nos quais essas ofensas eram sistematicamente praticadas, é perfeitamente legal e legítima, pois, apesar do desconhecimento dos ofensores, não se trata de interceptação de conversa alheia, pois foi feita por um dos interlocutores, em local de acesso ao público, sobre fato (o trabalho), da vida social dos envolvidos. A hipótese, portanto, não caracteriza afronta à inviolabilidade da vida privada ou da intimidade de quem quer que seja, reguardado pelo artigo 5o, X, da Constituição Federal (Precedentes do TST, no TST – SDI ROMS n. 11.134/90, publicado no DJ de 27.9.91, p. 13394 e do STF nos HC 75.338, publicado no DJ de 25.9.98, pp. 00011 e RE n. 212.081, publicado no DJ de 27.3.98, pp. 00023). Além de não se caracterizar prova ilícita, trata-se, no caso, do exercício do direito de defesa por parte da emrpegada, como meio legítimo de que ela dispunha (TRT 3a Região. RO 01.262-2002-111-03-00-7 - (Ac. 2A T) – Rela Juíza Alice Monteiro de Barros. DJMG 20.2.04 p. 11).

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presumido de forma irrefragável (presunção “juris et de juris”) à vítima. Desse modo, desde que o ato ilícito praticado possa acarretar danos a qualquer pessoa, considerando-se o padrão da sociedade, os danos de ordem moral estarão configurados. Por exemplo, a acusação falsa de ladrão, a perda de um dedo resultante de conduta culposa do empregador, causam, evidentemente, dor psíquica no empregado. Ninguém irá dizer que o empregado não se abalou internamente em decorrência desse fatos. Outrossim, uma vez negado o fato lesivo apto a gerar o dano moral pelo agressor, o ônus da prova incumbe ao ofendido (artigos 818, da CLT e 333, I, do CPC), por ser fato constitutivo do direito. Desse modo, a nosso ver, basta que a vítima comprove o fato lesivo, sendo o dano moral presumido de forma absoluta;

b)São amplos os poderes instrutórios do juiz do trabalho diante do dano moral. A maior amplitude probatório do juiz na reparação do dano moral também se justifica, por se tratar de uma reparação a um direito fundamental e proteção da dignidade da pessoa humana. Além disso, também se justifica um comportamento mais ativo do magistrado trabalhista no aspecto probatório para quantificar o dano moral, já que a reparação do dano moral não segue um padrão tarifado;

c)Nas hipóteses em que o dano moral se passou em lugares revervados e que não houve publicidade do fato, o juiz deve ser guiar, principalmente, pelas regras de indícios e presunções, pelas regras de experiência do que ordinariamente acontece (artigos 335 do CPC e no artigo 852-D, da CLT), pela prova indireta, pela razoabilidade da pretensão e dar especial atenção à palavra da vítima. Deve o juiz admitir, nesses casos, com maior flexibilidade, o depoimento de testemunhas, que mesmo suspeitas, estejam envolvidas no fato e também exercer amplo poder instrutório;

d)A Constituição Federal, além de proibir a prova obtida por meio ilícito, tutela no artigo 5º, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada (inciso X), do domicílio (XI) e da correspondência (XII), como direitos de igual magnitude. Desse modo, deve o juiz do trabalho, ao apreciar a prova obtida por meio ilícito, ter bastante cautela, pois ao admitr a prova obtida por meio ilícito por uma das partes, pode estar violando um direito fundamental da parte contrária e, inclusive causar danos de ordem moral a esta última. Por isso, acreditamos que o juiz do trabalho ao analisar a pertinência ou não da produção da prova obtida por meio ilícito como apta a demonstrar os danos de ordem moral, deve tomar as seguintes cautelas: a)sopesar a lealdade e boa-fé da parte que pretende a produção da prova ilícita; b)observar a seriedade e verossimilhança da alegação; c)avaliar o custo benefício na produção da prova; d)aplicar o princípio da proporcionalidade, prestigiando o direito que merece maior proteção;

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e)observar a efetiva proteção à dignidade da pessoa humana; b)valorar não só o interesse da parte, mas também o interesse público.