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Universidade da Amazónia - Unama Curso de Mestrado em Comunicação, Cultura e Linguagem Disciplina: O campo comunicacional: aspectos teóricos e epistemológicos Professora: Cenira Almeida Sampaio Data: 24/02/2011 Aula 0 2 -A trajetória e os paradigmas da Teoria da Comunicação Carlos Alberto Ávila Araújo1 1. As diversas correntes que compõem a Teoria da Comunicação O que é normalmente conhecido como Teoria da Comunicação diz respeito a uma tradição de estudos e pesquisas que se inicia no começo deste século. O que não significa que, até este momento específico, não se estudava a comunicação. Por exemplo, os estudos de Aristóteles sobre a retórica podem ser identificados como estudos sobre a comunicação. A Sociologia 2 , enquanto ciência, tem um surgimento datado: o século XVIII, época em que a vida social torna-se um problema, um objeto de estudo. Ou seja, são características da realidade social vivida no momento - o ritmo violento das mudanças no fim do feudalismo e início do capitalismo; a industrialização; a vida fabril; a urbanização; a mudança de costumes - que determinam a configuração de uma atividade reflexiva e um conjunto de estudos sistemáticos voltados para um problema específico: a sociedade. O que se deu com a Sociologia, repetiu-se com a Comunicação. Como esclarece França 3 , "se a reflexão sobre a comunicabilidade, a atividade comunicativa do homem, preocupou os pensadores desde a Antiguidade Clássica, a nossa Teoria da Comunicação é bem recente. Na verdade, o desenvolvimento de estudos mais sistemáticos sobre a comunicação é consequência antes de tudo do advento de uma nova prática de comunicação: a comunicação de massa, realizada através de meios eletrônicos, possibilitando o alcance de audiências de massa, a supressão do tempo e da distância". É a partir, portanto, do surgimento dos meios de comunicação de massa e das indagações que eles colocaram - o jornalismo de massa, no fim do século XIX, e, no início do século XX, o rádio e o cinema, atingindo as grandes audiências - que podemos falar numa Teoria da Comunicação, que seria o conjunto de estudos e pesquisas sobre as práticas comunicativas. Este conjunto, contudo, não constitui um corpo homogéneo ou contínuo mas, antes, representa uma multiplicidade de conhecimentos, métodos e pontos de vista bastante heterogéneos e discordantes. Diversos autores se debruçaram sobre a Teoria da Comunicação numa tentativa de sistematizá-la ou classificá-la. Não é objetivo deste trabalho apresentar ou discutir essas classificações. Recorrer-se-á, apenas, em alguns momentos, a alguma ' Jornalista, doutorando em Ciência da Informação pela UFMG e professor licenciado das Faculdades Integradas de Caratinga. 2 Conforme MARTINS, C.B. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1992. 3 ln: FRANÇA, V.R.V. "Teoria(s) da comunicação: busca de identidade e de caminhos". Belo Horizonte: Depto. de Comunicação da UFMG, 1994.

AULA02a CC - ARAÚJO, C.A.A. A Trajetória e os Paradigmas da Teoria da Comunicação

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Universidade da Amazónia - Unama Curso de Mestrado em Comunicação, Cultura e L inguagem Discipl ina: O campo comunicac ional: aspectos teóricos e epistemológicos Professora: Cenira Almeida Sampaio Data: 24 /02/2011

Aula 02 -A trajetória e os paradigmas da Teoria da Comunicação

Carlos Alberto Ávila Araújo1

1. As diversas correntes que compõem a Teoria da Comunicação

O que é no rma lmente conhecido como Teoria da Comunicação diz respeito a uma tradição de estudos e pesquisas que se inicia no começo deste século. O que não significa que, até este momen to específico, não se estudava a comunicação. Por exemplo, os estudos de Aristóteles sobre a retórica podem ser ident i f icados como estudos sobre a comunicação.

A Sociologia 2 , enquanto ciência, t em um surg imento datado: o século X V I I I , época em que a vida social torna-se um problema, um objeto de estudo. Ou seja, são características da real idade social vivida no momen to - o r i tmo v io lento das mudanças no f im do feudal ismo e início do capita l ismo; a industrialização; a vida fabr i l ; a urbanização; a mudança de costumes - que de te rm inam a configuração de uma at iv idade ref lexiva e um conjunto de estudos sistemáticos vo l tados para um problema específico: a sociedade. O que se deu com a Sociologia, repet iu-se com a Comunicação.

Como esclarece França 3, "se a reflexão sobre a comunicabi l idade, a at iv idade comunicat iva do homem, preocupou os pensadores desde a Ant igu idade Clássica, a nossa Teoria da Comunicação é bem recente.

Na verdade, o desenvo lv imento de estudos mais sistemáticos sobre a comunicação é consequência antes de tudo do advento de uma nova prática de comunicação: a comunicação de massa, realizada através de meios eletrônicos, possibi l i tando o alcance de audiências de massa, a supressão do t empo e da distância".

É a part i r , por tanto , do surg imento dos meios de comunicação de massa e das indagações que eles colocaram - o jo rna l i smo de massa, no f im do século XIX, e, no início do século XX, o rádio e o c inema, at ingindo as grandes audiências - que podemos falar numa Teoria da Comunicação, que seria o con junto de estudos e pesquisas sobre as práticas comunicat ivas. Este conjunto, contudo, não const i tu i um corpo homogéneo ou contínuo mas, antes, representa uma mult ip l ic idade de conhec imentos, métodos e pontos de vista bastante heterogéneos e discordantes.

Diversos autores se debruçaram sobre a Teoria da Comunicação numa tentat iva de sistematizá-la ou classificá-la. Não é objet ivo deste t raba lho apresentar ou discutir essas classificações. Recorrer-se-á, apenas, em alguns momentos , a a lguma

' Jornalista, doutorando em Ciência da Informação pela UFMG e professor licenciado das Faculdades Integradas de Caratinga. 2Conforme MARTINS, C.B. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1992. 3 ln : FRANÇA, V.R.V. "Teoria(s) da comunicação: busca de identidade e de caminhos". Belo Horizonte: Depto. de Comunicação da UFMG, 1994.

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delas. Nosso objet ivo aqui é o de apresentar a trajetória da Teoria da Comunicação, ident i f icando escolas e momentos mais representat ivos.

1.1. A origem dos estudos: a pesquisa norte-americana Os pr imeiros estudos sobre a comunicação de massa acontecem nos Estados

Unidos, na década de 30, a part i r de uma demanda pragmática, mais política do que científica - de te rminando uma problemática de estudos que não foi colocada pelo interesse científico. Contratados por diversas instituições para resolver prob lemas imediatos relat ivos às questões comunicat ivas - daí o caráter ins t rumenta l desse t ipo de pesquisa -, pesquisadores como Lasswell, Lazarsfeld, Lewin e Hovland de ram início ao que Wolf 4 chamou de communication research, ou a longa tradição de análise em comunicação. S c h r a m m 5 coloca que "quat ro homens são no rma lmente considerados os 4pais fundadores ' da pesquisa sobre comunicação nos Estados Unidos: dois psicólogos, um sociólogo e um cientista político". O autor, refer indo-se a Paul Lazarsfeld, Kurt Lewin, Harold Lasswell e Carl Hovland, identif ica que "estas quat ro correntes de influência" são "perceptíveis na pesquisa de comunicação nos Estados Unidos", ou seja, a part i r das obras destes quatro autores, e dos vários centros de pesquisa criados para estudar a comunicação, se desenvolve toda a pesquisa nor te-amer icana.

Lazarsfeld, sociólogo fo rmado em Viena, chegou aos Estados Unidos em 1932 e executou diversos estudos sobre a audiência e os efeitos dos meios de comunicação de massa, centrado nas questões eleitorais, de campanhas e da influência pessoal em relação à dos meios colet ivos. Katz e Klapper, alunos de Lazarsfeld, também desenvolveram reconhecidos t rabalhos sobre os efeitos da comunicação de massa. Lewin, psicólogo também fo rmado em Viena e também chegado aos Estados Unidos no início da década de 30, preocupou-se, basicamente, com a comunicação de grupos e com os efeitos das pressões, normas e atribuições do grupo no compor tamen to e at i tudes de seus membros . Um de seus discípulos, Festinger, desenvolveu a teor ia da dissonância cognit iva.

O terceiro dos "pais fundadores", Lasswell, era cientista político cujo método era o analítico. Foi pioneiro no estudo da propaganda e das funções da comunicação. Por f im , Hovland, psicólogo, debruçou-se sobre a comunicação e mudança de at i tude. O conjunto dos estudos norte-amer icanos não representa um todo homogéneo - são inúmeras ver tentes de pesquisa, com var iados enfoques -, mas é possível ident i f icar pelo menos dois grandes ramos de estudo - os que se preocupam com os efeitos da comunicação e os que buscam estabelecer suas funções -, bem como estudos mais operacionais que vão buscar dar conta da natureza do processo comunicat ivo com seus e lementos internos.

1.1.1. O estudo dos efeitos Temática específica da pesquisa amer icana, essa corrente de preocupação

congrega var iados estudos de naturezas d i ferentes. Um autor que se dedica à sistematização e análise dos estudos amer icanos dos efeitos é Wolf 6 , a part i r da identificação da teor ia hipodérmica e de sua evolução. É essa classificação que será adotada, aqui , para a identificação da perspectiva dos efeitos na pesquisa nor te-americana.

1.1.1.1. A Teoria Hipodérmica

4WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987. 5SCHRAMM, W. et alii. Panorama da comunicação coletiva. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964, p.10. 6WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987.

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A Teoria Hipodérmica é um modelo que tenta dar conta da pr imeira reação que a difusão dos meios de comunicação de massa despertou nos estudiosos. Ela se constrói, por tanto , em relação à novidade que são os fenómenos da comunicação de massa, e às experiências totalitárias da época em que surge - o período entre guerras.

A síntese dessa teoria é que cada indivíduo é d i re tamente at ing ido pela mensagem veiculada pelos meios de comunicação de massa, ou seja, existe uma concepção de onipotência dos meios, e de efeitos d i retos. Sua preocupação básica é ju s tamen te com esses efeitos.

Há que se destacar a presença de uma teor ia da sociedade de massa, e de uma teor ia psicológica da ação, ligada ao obje t iv i smo behavior is ta. A presença de um conceito de sociedade de massa destaca o iso lamento físico e normat i vo do indivíduo na massa e a ausência de relações interpessoais. Daí a atribuição de tan to destaque às capacidades manipu ladoras dos mass media.

Já a teor ia da ação elaborada a part i r da psicologia behavior ista estuda o compor tamento humano com métodos de experimentação e observação das ciências naturais e biológicas. O resultado da utilização desse t ipo de concepção é que a Teoria Hipodérmica considerava o compor tamento em te rmos de estímulo e resposta, o que permit ia estabelecer uma relação direta ent re a exposição às mensagens e o compor tamento : se uma pessoa é "apanhada" pela propaganda, ela pode ser contro lada, manipulada, levada a agir.

Essa concepção da ação comunicat iva como uma relação automática de estímulo e resposta reduz a ação humana a uma relação de causal idade l inear, e reduz também a dimensão subjet iva da escolha em favor do caráter manipulável do indivíduo.

1.1.1.2. A evolução da Teoria Hipodérmica

A evolução da Teoria Hipodérmica, no sent ido de uma visão mais complexa do processo comunicat ivo - e de perceber as que os efeitos não se davam de fo rma d ireta, identi f icando limitações -, deu-se segundo duas diretr izes d ist intas, mas em muitos aspectos inter l igadas e sobrepostas. É possível percebermos um certo percurso seguido pela pesquisa sobre os mass media: no começo, a Teoria Hipodérmica concentrada nos problemas da manipulação, para passar aos da persuasão chegando, por f im , aos da influência.

1.1.1.2.1. A abordagem "da persuasão"

Os estudos empírico-experimentais debruçaram-se sobre os fenómenos psicológicos individuais que const i tuem a relação comunicat iva , com o objet ivo de perceber como ocorrem os processos de persuasão ocorr idos a part i r da ação dos meios. Para tanto , par t i ram da determinação das características psicológicas dos receptores. Entre os vários estudos, destacam-se as pesquisas psicológicas de Hovland. Porém, este âmbito de estudos é composto por uma mult ip l ic idade de micropesquisas de resultados muitas vezes opostos, o que faz com que não exista uma unidade no con junto desses estudos.

A pr imeira coordenada que or ienta esse t ipo de estudos se or ienta em relação às características dos destinatários que in ter ferem na obtenção dos efeitos pretendidos. A estrutura que or ienta esses estudos é uma concepção tão mecanicista quanto a da Teoria Hipodérmica. A de que, entre a causa (ou estímulo) e o efeito (a reposta) , ex is tem processos biológicos intervenientes - ou seja, é a mesma concepção de causa-efeito, mas dentro de um quadro analítico um pouco mais complexo, porque

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considera as seguintes variáveis: o interesse em obter informação, a exposição selet iva provocada pelas at i tudes já existentes, a interpretação selet iva e a memorização selet iva.

A segunda coordenada t em a ver com a organização ótima das mensagens com final idades persuasivas - ou seja, os fatores l igados às mensagens. Essa tendência de pesquisa, para desenvolver-se, uti l izou das conclusões obt idas na pr imeira coordenada. As variáveis que se relac ionam com as mensagens são: a credibi l idade do comunicador, a o rdem da argumentação, a integral idade das argumentações e a explicitação das conclusões.

1.1.1.2.2. A Teoria dos Efeitos limitados

A abordagem empírica de campo ou "dos efeitos l im i tados" procurou estudar os fatores de mediação existentes entre os indivíduos e os meios de comunicação de massa. Essa teor ia é composta de duas correntes:

a) Estudo da composição diferenciada dos públicos e dos seus modelos de consumo de comunicações de massa.

b) Pesquisas sobre a mediação social que caracteriza o consumo: a percepção de que a eficácia dos mass media só é susceptível de ser analisada no contexto social em que func ionam.

Essa teor ia, mais atenta à complex idade dos fenómenos, deixa de sal ientar a relação causal direta entre propaganda de massas e manipulação de audiência para passar a insist ir num processo indireto de influência em que as dinâmicas sociais se intersectam com os processos comunicat ivos.

O obje to de estudo dessa teor ia era, como os demais , os mass media, mas, especi f icamente dentro dos processos gerados a part i r de sua presença, aqueles relacionados aos processos de formação de opinião. É, a inda, inegável a contribuição dessa teoria para o desenvo lv imento do modelo do two-s tep f low - a descoberta dos líderes de opinião e do f luxo de comunicação em dois níveis. O avanço destas descobertas é que elas demons t ram que os efeitos não podem ser atribuídos à esfera do indivíduo, mas à rede de relações - é a noção do enra izamento dos processos e de seu caráter não-linear que começa a t omar corpo. Até então, a audiência era concebida como um conjunto de classes etárias, de sexo, de casta, etc, e pensava-se que as relações informais entre as pessoas não inf luenciavam o resultado de, por exemplo , uma campanha propagandística.

1.1.2. A Teoria Funcionalista

A corrente funcional ista aborda hipóteses sobre as relações entre os indivíduos, a sociedade e os meios de comunicação de massa. Ela se distancia, em mui to , das teor ias precedentes pois a questão de fundo já não são os efeitos mas as funções exercidas pela comunicação de massa na sociedade. O centro das preocupações deixa de ser o indivíduo para ser a sociedade, numa linha sócio-política. O func ional ismo se desenha como uma perspectiva de certa fo rma paralela à dos efeitos, t razendo também e lementos que apontam para a superação da Teoria Hipodérmica.

Aqui, tem-se uma definição da problemática dos mass media a part i r da sociedade e de seu equilíbrio, da perspectiva do func ionamento do sistema social no seu conjunto e seus componentes. Já não é a dinâmica interna dos processos comunicat ivos que define o campo de interesse de uma teor ia dos mass media, mas s im a dinâmica do sistema social.

Assim, a teor ia sociológica de referência para estes estudos é o es t ru tu ra l -funcional ismo. O sistema social na sua global idade é entendido como um organismo

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cujas di ferentes partes desempenham funções de integração e de manutenção do s istema. A natureza organísmica da abordagem funcional ista t oma como est rutura o organismo do ser v ivo , composto de partes, e no qual cada parte cumpre seu papel e gera o todo, torna esse todo funcional ou não. Entre a lguns modelos de funções, t emos o de Wr ight , o de Lasswell e o de Lazarsfeld-Merton.

A hipótese dos "usos e funções" é um setor de análise específico sobre os efeitos dos meios de comunicação de massa que foi d i re tamente inf luenciado pelo paradigma funcional ista. Enquanto as funções se re ferem a consequências de certos e lementos regulares, estandardizados e rot inizados do processo comunicat ivo, as necessidades se relac ionam à apropriação dos espectadores e de te rm ina r i am um certo "uso" que estes fa r iam do mater ia l veiculado na mídia, procurando satisfazer suas necessidades.

1.1.3. A formalização do processo

1.1.3.1. A Teoria Matemática da Comunicação

Uma terceira perspect iva que pode ser identi f icada é a que se preocupa com a formalização do processo comunicat ivo. A Teoria Matemática da Comunicação, ou Teoria da Informação - como também é conhecida - é, na verdade, uma sistematização do processo comunicat ivo a part i r de uma perspectiva puramente técnica, quant i ta t i va , elaborada por dois engenheiros matemáticos, Shannon e Weaver, em 1949. Const i tu i , por tanto, um estudo de engenhar ia da comunicação.

Weaver 7 , descrevendo trabalho realizado por Claude Shannon, apresenta a seguinte representação de um sistema de comunicação:

Fonte de informação => Transmissor => Canal => Receptor => Destino

sinal ruído sinal

A comunicação é apresentada como um sistema no qual uma fonte de informação seleciona uma mensagem desejada a part i r de um con junto de mensagens possíveis, codifica esta mensagem t rans formando-a num sinal passível de ser enviada por um canal ao receptor, que fará o t raba lho do emissor ao inverso. Ou seja, a comunicação é entendida como um processo de transmissão de uma mensagem por uma fonte de informação, através de um canal, a um destinatário

A problemática gira em to rno de duas questões que se colocam à comunicação: a da complexidade em oposição à simplificação; e a da acumulação do conhec imento em oposição à racionalização dessa acumulação.

Alguns conceitos correlatos são traba lhados por esta teor ia . A noção de informação (l igada à incerteza, à probabi l idade, ao grau de l iberdade na escolha das mensagens), de estropia (a imprevis ib i l idade, a desorganização de uma mensagem, a tendência dos e lementos fug i rem da o rdem) , o código (que or ienta a escolha, atua no processo de produção da mensagem) , o ruído (interferência que atua sobre o canal e atrapalha a transmissão), e a redundância (repetição uti l izada para garant i r o perfe i to en tend imento) . Todos esses conceitos e os e lementos do processo são encaixados em teoremas que ut i l izam matr izes e logar i tmos num estudo puramente matemático e quant i ta t ivo . O objeto de estudo, pois, é a transmissão de mensagens através de canais

7WEAVER, W e SHANNON, C. "A Teoria Matemática da Comunicação". In: COHN, G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.

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mecânicos, e o objet ivo é medi r a quant idade de informação passível de se t ransmi t i r por um canal ev i tando-se as distorções possíveis de ocorrer neste processo.

A comunicação é v ista, aqui , não como processo, mas como s istema, com elementos que podem ser relacionados e montados num modelo. A proposta é de um modelo l inear, em que os e lementos são encadeados e não podem se dispor de outra fo rma - enr i jec imento da apreensão do fenómeno comunicat ivo, com sua cristalização numa forma f ixa.

1.1.3.2. O modelo de Lasswel l

Uma outra tentat iva de formalização do processo comunicat ivo é o modelo lasswell iano que representa , ao mesmo tempo , uma sistematização orgânica, uma herança e uma evolução da Teoria Hipodérmica. Teve, ainda, uma grande influência em toda a communication research, permanecendo durante mui tos anos como uma verdadeira teor ia da comunicação e servindo de paradigma para as duas tendências de pesquisa - opostas - que se seguiram à Teoria Hipodérmica. Elaborado nos anos 30 e proposto em 1948 8 , o modelo de Lasswell problemat iza - e soluciona - a questão apontando que "uma maneira conveniente para descrever um ato de comunicação consiste em responder às seguintes perguntas:

Quem? Diz o quê? Em que canal? Para quem? Com que efei to?"

Esse modelo formal iza a es t ru tura , torna-a rígida e, a part i r da decomposição dos e lementos, abriu caminho para que os estudos científicos do processo comunicat ivo pudessem concentrar-se em uma ou outra dessas interrogações. Qualquer uma dessas variáveis define e organiza um setor específico de pesquisa. A fórmula de Lasswell possui uma estreita ligação com o outro modelo comunicat ivo dominante na communication research, o da Teoria da Informação, de Shannon e Weaver. Os dois modelos se caracter izam pela unidirecional idade, a definição de papéis, o conge lamento e simplificação do processo. Se, no caso da Teoria da Informação, a preocupação incide sobre a eficácia do canal - cálculo da quant idade de informação, entrop ia , ruído -, na "questão-programa" de Lasswell o centro do problema está nos efeitos, e a ênfase sobre a técnica é menor.

É possível identi f icar, por tanto , tendências d ist intas nos estudos sobre a comunicação de massa realizados nos Estados Unidos. Em alguns pontos, elas se ident i f i cam: o fato de serem estudos pontuais, que p romovem uma fragmentação do processo, uma decomposição dos e lementos, a part i r de uma ênfase pragmática ligada ao aumento da eficácia; uma dinâmica unidirecional, com clara divisão de papéis; a simplificação e a consequente distorção da real idade complexa do processo comunicat ivo. Enf im, pode-se dizer que o ponto comum de todos os estudos é a mesma concepção de fundo, que é aquela apresentada de fo rma s istematizada pela Teoria Matemática e pela "questão p rog rama" de Lasswell.

O estudo dos efeitos nasce de uma preocupação comerc ia l , centrada nos indivíduos, numa linha psicológica-behaviorista. Sua pr imeira formulação teórica consiste na teor ia hipodérmica, centrada nos efeitos sobre os indivíduos, e tendo como pano de fundo o conceito de sociedade de massa. A part i r dela se desencadeiam estudos que p romovem sua evolução: de um lado, os estudos de persuasão que buscam fatores

LASSWELL, H. "A estrutura e a função da comunicação na sociedade". In: COHN, G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.

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l igados à audiência, através das características psicológicas dos receptores, e dos fatores l igados às mensagens.

De outro lado, a percepção das mediações sociais, na elaboração da teor ia dos efeitos l imitados, a pr imeira a perceber o enra izamento dos processos, ao propor que os efeitos não podem ser atribuídos somente à esfera do indivíduo, mas na rede de relações que ele estabelece. Os meios de comunicação depender iam de uma complexa t r ama de influências pessoais e sociais.

O estudo das funções já se origina de uma preocupação ética, cuja perspectiva é a sociedade, o "corpo social", e a linha de estudos é a es t ru tura l -funcional ista. O func ional ismo pretende elaborar estudos globais, genéricos, vo l tados para o todo social, com fundamento no modelo organísmico - cuja base é o modelo biológico. A função é o papel que os e lementos cul tura is e sociais desempenham na sociedade, baseada na relação de um processo com as necessidades do organ ismo, ou, melhor ainda, na relação das partes com o todo.

Por f im , a terceira ver tente é a da Teoria Matemática, cuja linha é a da engenharia de comunicação. Sua preocupação é com a otimização dos canais, a eficácia to ta l . Seu modelo matemático acabou se tornando paradigma de análise para os demais estudos americanos.

1.2. A Teoria Crítica

Paralelamente, na Europa, quase ao mesmo t empo em que se disseminava a pesquisa admin is t rat iva norte-amer icana, uma outra corrente de estudos se desenvolv ia. Trata-se da Teoria Crítica - nome dado ao conjunto de estudos e proposições elaborados na Europa - par t i cu larmente pelos invest igadores do Instituí fu r Sozia l forschung, ou Escola de Frankfurt - e que em mui to d i fer iam do rumo que a pesquisa norte-amer icana estava tomando na época.

Os invest igadores da Escola de Frankfurt - Adorno, Marcuse e Horkhe imer, entre outros - caracter izavam-se por serem mais académicos, envolv idos com uma concepção teórica global da sociedade e n i t idamente inf luenciados por Marx e Freud. Se, nos Estados Unidos, predominava a chamada "pesquisa admin i s t ra t i va " com os estudos funcional istas e a corrente dos efeitos, na Europa a Escola de Frankfurt procurava consolidar-se como uma perspectiva mais crítica, a part i r de uma avaliação mesmo da construção científica e ao papel ideológico que as ciências estar iam prestando ao s istema capital ista. Crítica, pois, à ciência, ao pensamento posit iv ista, à sociedade industr ia l , e à cu l tura, são os marcos dessa teor ia cujas influências teóricas mais destacadas ser iam Marx, Freud, Hegel, Kant, Nietzche e Schopenhauer. Enquanto a pesquisa admin ist rat iva promovia estudos pontuais, com a fragmentação do processo, a Teoria Crítica buscava uma crítica da sociedade como um todo, num caminho inverso ao das disciplinas setoriais, que estar iam desempenhando uma "função de manutenção da ordem social ex istente".

A ident idade da Teoria Crítica liga-se à utilização dos pressupostos marx is tas e de alguns e lementos da psicanálise, na análise das temáticas novas que as dinâmicas sociais da época conf iguravam - o to ta l i ta r i smo, a indústria cu l tura l , etc - numa preocupação com a superestrutura ideológica e a cu l tura. Ass im, não se pode dizer que o tema dessa corrente se jam os meios de comunicação de massa, mas que, entre os vários assuntos abordados por esta escola, os mais próximos a este t ema ser iam aqueles relat ivos à indústria cultural - marcados pelo enfoque da manipulação.

Não se pode, ainda, perder de vista todo o contexto histórico no qual os estudos de Frankfurt se desenvolvem. A Alemanha v ivendo a crise do pós-guerra, a Revolução Russa v i tor iosa, o mov imento operário alemão rechaçado, e o nazismo que começava a se f i rmar, tudo isso incidia de forma decisiva nas ideias dos jovens judeus

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marxistas Adorno, Marcuse e Horkheimer. O t e rmo Indústria Cultural foi ut i l izado pela pr imeira vez por Adorno e Horkhe imer 9 , para subst i tu i r o t e rmo "cu l tura de massa", que poderia ser enganoso, isso é, poderia levar a se pensar que se t ra tava de uma cul tura vinda espontaneamente das massas, de uma forma contemporânea de arte popular.

Para a Teoria Crítica, a Indústria Cultural seria resultado de um fenómeno social observado nas décadas de t r in ta e quarenta, em que f i lmes, rádios e semanários const i tuem um sistema harmónico no qual os produtos culturais são feitos adaptados ao consumo das massas e para a manipulação dessas mesmas massas. Wo l f 1 0 apresenta alguns dos tópicos mais impor tantes desenvolv idos pelos teóricos de Frankfurt:

1.2.1. A Indústria Cultural como sistema

A Indústria Cultural corresponde a um sistema em que os vários produtos culturais se con jugam harmon icamente . Essa integração é del iberada e produzida "do alto", pelos produtores, com a determinação do t ipo e da função do processo de consumo. Entre a lgumas características, destacam-se a estandardização e a organização, os estereótipos e a baixa qual idade, que ser iam impostos pelo gosto do público. A lógica que comanda todo esse processo operat ivo que integra cada e lemento é a lógica do lucro: o objet ivo da obra cultural deixa de ser a criação de algo novo, e passa a te r por tarefa agradar, vender bem. Uma das estratégias de dominação, por parte da Indústria Cultura l , seria a estereotipização, com a divisão dos produtos em géneros: o ter ror , a comédia, o romance, a aventura .

A part i r dela se consegue def inir um modelo de at i tude do espectador, um modo como o conteúdo será percebido. O objet ivo é garant i r o t r iun fo do capital invest ido na produção desses bens culturais. A Indústria Cultural t e m de ser, ainda, entendida como um sistema mult iestrat i f i cado, de signif icados sobrepostos. Ou seja, há mensagens explícitas e outras ocultas. O ob je t ivo é seduzir os espectadores em di ferentes níveis psicológicos. Essa característica é que faz com que ela se assemelhe aos credos totalitários.

1.2.2. O indivíduo na era da Indústria Cultural

Para a Escola de Frankfurt , os indivíduos sob a ação da Indústria Cultural de ixaram de ser capazes de decidir au tonomamente , passando a ader i r acr i t i camente aos valores impostos, dominantes e avassaladores d i fundidos pelos meios.

Anal isando o que chamou "música l igeira", Adorno identif ica uma repetição com tal intensidade de certas músicas que elas de ixam de ser um momen to específico de d istanc iamento do mundo, de contemplação de algo novo, para to rnarem-se um e lemento presente a todo momento , incapaz de produzir o es t ranhamento - necessário para a criação da "au ra " de que fala Benjamin -, instaurando uma reação mais l igada ao automat i smo, de consumo irref lexivo da obra cu l tura l .

O resultado desse processo é o desmoronamento da indiv idual idade, que é substituída pela pseudo-indiv idual idade, j u s t amen te essa adesão irref lexiva aos valores que a Indústria Cultural propaga. Uma das limitações dessa teor ia é, j u s t amen te , t r a t a r a mental idade das massas como algo imutável, t r a ta r os indivíduos como completamente desprovidos de autonomia, consciência e capacidade de j u l gamen to . A Indústria Cultural , com seu "canto sedutor e destrut ivo" , impede a formação de homens autênticos, atra i para a "mor t e do espírito".

9 A D O R N O , T. e H O R K H E I M E R , M . Dialet ik der Aufklarung. Amsterdã: 1947. Conforme A D O R N O , T.W. A indústria cultural. In : COHN. G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Nacional, 1978, pp. 287-295 1 0 W O L F . M . Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença. 1987. pp 71-80.

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1.2.3. A qualidade do consumo dos produtos culturais

Na época em que a Escola de Frankfurt real izava seus estudos, iniciava-se a propagação do f i lme sonoro, enquanto a "música l ige i ra" substituía g rada t i vamente a música clássica no gosto dos ouvintes. Em relação aos f i lmes, a crítica é de que eles paral isam a imaginação e a espontaneidade pela sua própria constituição - a velocidade da sequência de fatos impede a at iv idade menta l . Os f i lmes são construídos propos i tadamente para o consumo descontraído, não comprometedor , e aquilo que exige perspicácia inte lectua l , t raba lho, postura de contemplação, é ev i tado. Como exemplo , Adorno compara um romance de Dumas - onde a moral da história é entrecruzada por enredos secundários, temas prol i ferantes, j ogo narrat ivo - com um romance policial no qual se t em certezas absoluta sobre o f inal , e no qual a tensão gerada é, pois, superf ic ial.

Além disso, na música clássica todos os e lementos de reconhec imento são organizados numa tota l idade única, na qual adqu i rem seu sent ido - como numa poesia, em que a palavra adquire seu sentido a part i r da tota l idade e não a part i r de sua utilização cot id iana. Exige-se, aí, um certo t raba lho, um certo "debruçar-se sobre", não num processo de adivinhação, mas de confronto ent re aqui lo que se reconhece e a tota l idade, num mov imen to que gera o novo, a criação.

Na música l igeira, o processo é d i ferente. A relação ent re o que se reconhece e o que é novo é destruída, fazendo com que o reconhec imento torne-se apenas o f im , e não o meio. Reconhecimento e compreensão co inc idem. Não há algo de novo a ser extraído a part i r do processo de compreensão. Isso seria a "perda de express iv idade", o "easy l istening", a difusão de um t ipo de cultura que não exige uma interiorização, um monólogo inter ior (como é o caso da música clássica, por exemplo , em que o t raba lho de compreensão é feito a part i r de um "ems imesmar-se" , um conf ronto daqui lo que se está ouvindo e nosso "mundo in ter io r " ) , mas, antes, traz a compreensão pronta, acabada, a part i r do reconhec imento, que sempre será instantâneo. Compreender a música l igeira não exige nada, nem traba lho, nem postura de contemplação, nem conhec imentos anter iores. Aí está a ideologia da Indústria Cul tura l , que é or ientar as mercador ias culturais segundo o princípio de sua comercialização, t rans fer indo a motivação do lucro à criações espir i tuais. Para tan to , uti l iza-se de técnicas industr ia is de distribuição e reprodução mecânica, na configuração de um modo de produz ir em série, racional izado e acessível às massas.

1.3.Teoria Culturológica da Escola Francesa

Também denominada "Teoria Culturológica", esse ramo de estudos desenvolvidos na França t em seu marco inicial na obra "Cultura de massa no século XX: o espírito do tempo" , de Edgar Morin. Trata-se de uma outra área de interesses e reflexões cujo ob je to de estudo são, também, os meios de comunicação, mas não a part i r dos seus efeitos sobre o público, mas na identificação de uma nova fo rma de cultura na sociedade contemporânea, a cultura de massa, gerada essencia lmente a part i r dos mass media. Para Morin, cultura seria um sistema constituído de valores, símbolos, imagens e mitos que dizem respeito quer à vida prática quer ao imaginário colet ivo, compondo toda uma dimensão simbólica que permi te aos indivíduos se local izarem no grupo, que f o rmam uma espécie de "a tmosfera" , e que permeia a inserção dos sujeitos no mundo.

Nesse sent ido, e contrastando com a Teoria Crítica, a cul tura de massa seria, s im, uma cu l tura, que convive com os demais s istemas culturais numa real idade contemporânea que se caracteriza por ser pol icul tural . A relação entre essas cul turas, porém, não é gratu i ta . A cultura de massa, por suas potencial idades, cor rompe e

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desagrega as outras cul turas, que não saem, pois, imunes ao contato com a cultura industr ia l izada. É a questão da industrialização da cultura o t ema centra l em Morin. A cultura de massa se caracteriza por ser produzida segundo as normas de fabricação industr ia l , propagada por técnicas de difusão maciça, e dest inada a uma massa social. Mais uma vez contrastando com a Teoria Crítica, Morin não vê a indústria cu l tura l como um sistema harmonioso, construído do alto para a manipulação dos homens. Nesse sentido é possível fa lar que, na França, t ra tava-se do mesmo tema que a Escola de Frankfurt , mas de um out ro lugar teórico, de uma perspect iva d i ferente que buscava dar conta da complex idade. Essa contradição de expressa em duas contradições do s istema industr ia l que at inge a cu l tura: uma, no âmbito da produção e out ra , no âmbito do consumo.

1.3.1. O modelo burocrático-industrial de produção

A produção cu l tura l , uma vez inscrita numa est rutura industr ia l de produção, vê-se organizada a part i r de uma concentração técnica e burocrática, que exige padronização, uniformização da produção. Contudo, essa exigência vai sempre se chocar com uma exigência oposta, própria da natureza do consumo cu l tura l , que quer sempre um produto indiv idual izado, personal izado, e sempre novo, or ig ina l . O func ionamento da indústria cultural ter ia sempre de operar com essas duas tendências, e o que tornar ia possível a organização burocrático-industrial da cultura é a própria es t ru tura do imaginário do público consumidor, fo rmado por arquétipos, dos quais a indústria cul tura l se uti l iza, estereot ipando-os.

A divisão do t raba lho, a exigência do mercado e a racionalização do lucro concret izam um condic ionamento for te ao t ipo de produto, que se torna mu i to d i ferente das dinâmicas culturais d ist intas da cultura de massa, mais espontâneas, mais l igadas à ideia de "f inal idade sem um f im " , conforme a fi losofia estética tradic ional def ine a ar te .

1.3.2. O grande público consumidor

Se a lógica do s istema industr ia l é a do máximo consumo, a indústria da cultura t em de gerar produtos que atendam a um grande número de pessoas, ou ao " homem médio universal" , espécie de denominador c omum, traço médio universal dos consumidores. É através da homogeneização, do s incret ismo, que se consegue quebrar as diversas barreiras culturais numa padronização cosmopol i ta.

Nesse momento , surge uma nova contradição, a dialética produção-consumo. A cultura de massa não é nem imposta - no sent ido de adequar-se t o ta lmen te às exigências de produção - nem ref lete as necessidades e desejos culturais do público, na medida em que promove uma padronização através do s incret ismo. A cultura de massa se adequa a esses desejos, às aspirações, tornando-se local de auto-realização, de concretização daqui lo que é supr imido na "vida real".

Tem-se, ass im, a criação de um novo público, cujo consumo homogeneizado cria uma identidade de valores (de consumo), veiculados pelos meios de comunicação de massa. Há um n ive lamento das diferenças sociais, como parte da padronização dos gostos. O público consumidor dialoga com a produção numa proporção mu i to desigual, como a de um mudo com um prol ixo. A análise de Morin ambic iona ser uma sociologia da cultura contemporânea. Mais que propor uma sistemacidade própria, a reivindicação da "Teoria Culturológica" foi a de um compor tamento mais empírico, menos vago e general izante, em relação aos problemas da indústria cu l t u r a l 1 1 .

"Conforme coloca WOLF , M . Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 92.

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Um outro autor que, embora em mui tos aspectos d ist into de Morin mas que, como ele, se insere na chamada "Escola Francesa", é Abraham Moles. A part i r de uma abordagem também "culturológica", ele define a "cu l tura de mosa ico" em contraposição à cultura ant iga, ident i f icando, como Morin, a existência de duas camadas sociais: a do público consumidor - passiva, apenas a l imentada pelos meios de comunicação de massa - e a dos cr iadores, que def inem os conteúdos a serem di fundidos.

Quando se fala na Escola Francesa, se o destaque no rma lmen te recai sobre a abordagem de cunho estrutura l is ta da cultura de massa - como a de Morin e Moles -, é impor tante perceber ainda uma outra ve r ten te de estudos, a das análises semiológicas dos produtos culturais, da qual Roland Barthes é o principal representante. Essa tendência será apresentada no i tem que t ra ta do enfoque semiótico.

1.4. A Escola de Birmingham

A perspect iva dos Cultural Studies reúne os t raba lhos desenvolv idos em torno do Centro de Estudos da Cultura Contemporânea da Escola de B i rm ingham. Como a Escola Francesa, essa perspect iva não t e m como centro da preocupação os meios de comunicação de massa, mas a cu l tura. Como objet ivos das investigações deste grupo, é possível d ist inguir o estudo da cultura contemporânea e a articulação entre meios de comunicação de massa, cu l tura e es t ru tura social - entendendo-se o espaço dos meios de comunicação como lugar central de produção da cu l tura. A Escola de B i rm ingham insere-se, de fo rma específica, na tendência a se considerar as es t ru turas sociais e o contexto histórico enquanto fatores essenciais para se compreender os meios de comunicação de massa. Seus invest igadores a t r i buem uma importância central às est ruturas globais da sociedade e às circunstâncias concretas.

Os estudos ingleses par tem de uma redefinição do que se entende por cu l tura, rompendo com os pressupostos marx is tas que enxergavam a cu l tura apenas como pertencente ao campo das ideias, que seria ref lexo das relações de produção, da estrutura económica - de acordo com a clássica d icotomia mecânica entre in f ra-est rutura e super-est rutura.

Para Stuar t Hall, a "cul tura não é uma prática, nem é s imp lesmente a descrição da soma dos hábitos e costumes de uma sociedade. Passa por todas as práticas sociais e é a soma de suas inter-relações"1 2. Raymond Wi l l iams apresenta a cultura como um resumo das representações e valores através dos quais as sociedades a t r ibuem sent ido às suas experiências comuns. Nesse sent ido, ela perpassa todas as práticas sociais, f o rmando um "grupo de sent imento" , uma fo rma da sociedade entender determinado ob je to ou fenómeno de uma fo rma específica.

Nessa redefinição de cultura - que passa a te r um papel mu i to mais inst i tu inte do que o de mero ref lexo ou resíduo da esfera económica - evidencia-se uma crítica às análises mercadológicas da cultura de massa (pois a questão da lógica do lucro, da dinâmica económica, não é suf ic iente para expl icar a cultura de massa), às teor ias conspirat ivas (que imag inam um grande complô, uma est rutura montada, um grande projeto de dominação a part i r dos meios de comunicação de massa) e às concepções "paterna l i s tas" (que pensavam os meios de comunicação como espaços de educação da sociedade, de esclarecimento, de transmissão dos bons valores - a part i r de uma preocupação ética).

É a presença da noção de experiência - pr inc ipa lmente em E.P. Thompson -que diferencia os estudos ingleses dos franceses. Aos invés de apreender a cultura de massa como uma estrutura com uma lógica interna que leva à sua reprodução, como faz

l 2 A p u d WOLF, M . Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 94.

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Morin, os estudiosos de B i rmingham pr iv i leg iaram as at i tudes dos indivíduos, o papel dos suje i tos, das est ruturas sociais. Ou seja, as est ruturas sociais exter iores aos meios de comunicação de massa também de te rm inam os conteúdos e, por isso, são e lementos essenciais na análise.

A dinâmica cultural seria um processo flexível, dinâmico e t omado por contradições. Por um lado, a esfera da produção representa um sistema complexo de práticas determinantes para a elaboração da cu l tura. Por out ro , os consumidores representam suje i tos que real izam uma negociação entre práticas comunicat ivas ex t r emamente diferenciadas.

Ao propor um t ipo de investigação no qual o estudo dos meios de comunicação não pode ser dissociado do contexto , a Escola de B i rmingham elabora um outro "modelo de transmissão da cu l tura". Não se poderia mais, por exemplo , falar em "aperfeiçoamento" do público, por parte da mídia, mas de um "envo lv imento" . Também já não é mais possível d is t inguir o público em te rmos de "e l i t e " e "massa". A dinâmica cultural das sociedades contemporâneas promove uma mis tura , uma integração, não no sentido de manipulação, mas na ideia de uma mesma cul tura que envolve a todos.

1.5. Agenda Setting

Uma das novas perspect ivas da Escola Amer icana, também conhecida como função de Agendamento ou Estudo dos Efeitos a Longo Prazo, t rata-se mais de uma hipótese do que de um corpo teórico es t ru turado. A temática centra l é a dos efeitos, mas tem-se, aqui, uma reformulação no t ipo de concepção que vinha sendo desenvolv ida até então.

Em pr imeiro lugar, a ideia de efeitos enquanto mudanças a curto prazo cede lugar a uma noção de consequências de longo prazo. A comunicação de massa não tender ia a in terv i r d i re tamente no compor tamento , mas inf luenciar o modo como o destinatário das mensagens mediáticas organiza seu conhec imento do mundo .

Ou seja, já não se t em mais os meios de comunicação como dotados de um poder absoluto, de terminando efeitos d iretos. A natureza dos efeitos é ou t ra , não mais comprar determinado produto ou votar em determinado candidato, f o rmar valores ou def inir at i tudes, mas é a alteração da est rutura cogni t iva. A prática dos meios de comunicação inter fere no conhec imento que as pessoas têm da real idade, conf igurando um novo "estar no mundo" .

Daí poder-se def inir a problemática centra l do Agenda Sett ing como a relação entre a ação dos meios e o conhec imento da real idade social. O que marca uma certa orientação, nos estudos da comunicação, das verificações e dos postulados da sociologia do conhec imento.

O quadro tempora l da ação dos meios também é a l terado. A ideia de efeito imediato é substituída pela de efeitos a longo prazo, o que vem a colocar a questão como um processo. Abandonou-se, também, o domínio dos efeitos intencionais, em que a comunicação de massa buscava at ingir determinados objet ivos , para se colocar os efeitos como latentes, implícitos, indo se somar ao patrimônio cognit ivo do público.

Os meios de comunicação prop ic iam, por tanto , novas condições de experiência, e a tuam no sentido de fornecer os temas de discussão na sociedade e as categorias para pensar esses temas, as referências para o enquadramento . Além disso, os pesquisadores envolvidos com essa abordagem perceberam que não há homogeneidade no quadro apresentado pela mídia, mas uma divers idade - além da contraposição entre o conteúdo assimilado pelos meios e a experiência concreta das pessoas.

1.6. As formulações de McLuhan

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Tratando a questão do condic ionamento ideológico, Marshall McLuhan, mais um ensaísta do que um teórico, desenvolveu t raba lhos na década de 60 que inf luenciaram o rumo dos estudos sobre a comunicação de massa à época. Pouco depois McLuhan foi esquecido e mu i to pouco de sua obra foi aprove i tado nas pesquisa, até que, recentemente, v em sendo recuperado em alguns de seus postulados.

Uma de suas ideias é a de que os meios são extensões do homem. Embora não tenha sido o pr imeiro a escrever sobre isso, McLuhan situa a problemática no âmbito dos meios de comunicação de massa, percebendo que a presença dos meios conf igura uma nova forma de estar no mundo por parte dos homens.

Uma segunda questão aponta que a história da human idade seria a história dos meios de comunicação. Ao fazer isso, o autor apresenta os meios de comunicação como tão essenciais na estruturação da vida colet iva, que propõe uma divisão da história da humanidade baseada neles. Tem-se, pois, a fase da pré-escrita, da escrita e da pós-escrita. E a comunicação seria o determinante de todas as demais esferas da at iv idade humana, com um papel centra l na configuração da vida social.

O professor canadense elabora, ainda, uma classificação dos meios, de acordo com sua natureza. Os meios "quentes " ser iam aqueles que se d i r igem a apenas um sent ido, saturando esse sent ido e não abr indo espaço para ser preenchido. Os meios " f r i os" são os que se d i r igem a mais de um sent ido, de ixando espaço para a imaginação completar o que não foi saturado, permi t indo a distração. Os problemas dessa divisão aparecem quando se tenta classificar os meios par t i cu la rmente: o rádio, o c inema, o l ivro, o papel, a conferência e a valsa são alguns exemplos de "meios quentes". O te lefone, a televisão, o diálogo, o tw i s t e o jazz ser iam alguns dos "meios f r ios".

O ponto mais impor tan te em McLuhan é a tese de que "o meio é a mensagem". Tem-se, aqui , uma grande crítica às análises do conteúdo dos meios. Para McLuhan, é a presença de um determinado meio, por si só - ou seja, independentemente do conteúdo que veicula -, que traz modificações na vida das pessoas. É uma mudança de escala, de dimensões, que provoca novas sensibi l idades, novas inserções do homem na real idade. Essa natureza nova que o meio cria seria a mensagem, isso é, seria o "conteúdo" central a ser t raba lhado nos estudos sobre a comunicação de massa.

1.7. O Interacionismo Simbólico

O Interac ion ismo Simbólico diz respeito a uma corrente de estudos da Escola Americana, que se origina com Herbert Mead, professor da década de 20, cujos herdeiros mais representat ivos são Blumer, da Escola de Chicago - que, num art igo de 1969, denomina a herança de Mead de Interac ion ismo Simbólico -, Kuhn, da Escola de Iowa, e Gof fman.

Mead se opunha à dicotomia ex istente ent re as noções de sociedade e indivíduo e entre sociologia e psicologia. Sua proposta apontava para a convergência entre indivíduo e sociedade, que aconteceria na comunicação. Sociedade, indivíduo e mente ser iam três ent idades indissociáveis, que compor iam o ato social.

B lumer 1 3 , desenvolvendo os pressupostos do Interac ion ismo Simbólico, elabora três premissas:

• o compor tamento humano fundamenta-se nos signif icados dos e lementos do mundo

• a fonte dos signif icados é a interação social

13BLUMER, H. "A natureza do interacionismo simbólico". In: MORTENSEN, CD. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico, 1980, pp. 119-138.

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• a utilização dos signif icados ocorre através de um processo de interpretação Tal abordagem privi legia a interação como e lemento const i tu in te , fundante ,

que forma os compor tamentos . A natureza dos objetos do mundo é social, uma vez que seus signif icados são fo rmados a part i r de fo rmas de in terpre tar d i tadas pela sociedade e da interpretação dos suje i tos, moldada no dia-a-dia, no cot id iano. O espaço do "nasc imento" dos signif icados - a interpretação dada pela sociedade e a promovida pelo suje i to - é a comunicação, a interação entre sociedade e indivíduo.

Há, ainda, outras implicações metodológicas surgidas com essas três premissas. Uma delas é a visão do ser humano como suje i to , agente, capaz de interpretar , de simbol izar. Outra é a referência ao mundo empírico, re je i tando os estudos presos a modelos, esquemas, com a percepção do d inamismo da construção simbólica: se o encadeamento das ações segue uma certa previs ib i l idade dada pelo social, a dimensão da experiência faz com que cada ato tenha um componente novo, há uma "reviviscência" de ações pré-estabelecidas. Algo é sempre acrescentado pelo suje i to concreto que vivência aquele ato e pelo momen to específico em que acontece. As análises sob o pr isma do Interac ion ismo Simbólico são, dessa fo rma, part icular izadas: ao se repet i r cada experiência, ela t raz e lementos novos. É um t ipo de investigação que conduz à análise de casos concretos.

Se a ação é calcada nos signif icados que as pessoas imp r imem naqui lo que estão fazendo, o signif icado é fundamenta l para in terpre tar a ação dos suje i tos. Se os signif icados provêm da interação, eles não são nem inerentes ao ob je to , nem estão apenas na mente das pessoas. Há e lementos objet ivos no ob je to que favorecem a criação de determinadas imagens, mas esses e lementos não representam a tota l idade do simbólico. Há uma dimensão que é própria de quem está at r ibu indo o sent ido Por f im , se o homem é v ivo, é pensante, é capaz de in terpretar , os signif icados são sempre refeitos pelo processo in terpretat ivo .

1.8. O Imperial ismo Cultural

Muitas teor ias se ut i l i zaram da Teoria Crítica, se não como influência ou proposta de modelo a ser seguido, pelo menos como abordagem a ser cr i t icada. Porém, em alguns casos, é possível se notar uma nítida influência, em construções que se ut i l izam da mesma concepção norteadora dos estudos f rank fur t ianos - a Indústria Cultural como um sistema para a manipulação do público, como a fo rma de domínio das sociedades a l tamente desenvolvidas - para elaborar construções teóricas localizadas.

A Teoria do Imper ia l i smo Cultural se desenvolve na América Latina, a par t i r da década de 60, como aplicação específica da ideia de dominação pelos meios de comunicação de massa. Entre seus principais teóricos, destacam-se A rmand Matte lart e Schiller, entre ou t r o s 1 4 , que e laboram análises de crítica ideológica.

O Imper ia l i smo Cultural const i tu i a ofensiva ideológica do imper ia l i smo na América Latina, que subst i tu i , g radua lmente , a divisão do t raba lho como meio de penetração imper ia l is ta. Esse Imper ia l i smo Cultural t e m por ob je t ivo a "conquista de corações e mentes", e se caracteriza por mudar de fo rma e conteúdo de acordo com as fases de expansão política e económica, e por se adaptar a d i ferentes real idades e contextos nacionais.

O pano de fundo do desenvo lv imento dessa teor ia é a percepção de uma " luta internacional de classes", a existência de uma guerra psicopolítica, a noção de

1 4A identificação da Teoria do Imperialismo Cultural realizada aqui tem por base o texto MATTELART, A. O imperialismo cultural na era das multinacionais. In: WERTHEIN, J. (org). Meios de comunicação: realidade e mito. São Paulo: Nacional, 1979, pp. 105-128.

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hegemonia e até mesmo um pouco da percepção daqui lo que Rodr igues 1 5 chamou de "ideologia comunicacional de nosso t empo" .

Mas o grande fenómeno histórico que or ienta a elaboração dessa teor ia é a expansão das mult inac ionais (daí a designação "era das mult inac iona is") e a concentração, nestas, de empreend imentos cul tura is, mi l i tares, económicos e políticos -isso é, as tarefas que antes eram executadas por d i ferentes órgãos do governo amer icano passaram a ser executadas un icamente pelas empresas mult inac ionais . Estas, em "aliança" com o Estado norte-amer icano - const i tu indo um "agente duplo camuf lado" - passaram a ser, ao mesmo tempo , agentes de penetração económica, de propaganda ideológica e agentes da Ordem.

É a part i r desse momen to que estaria havendo uma racionalização dessa "conquista de corações e mentes": os produtores da cultura de massa 1 6 começam a levar em conta os interesses específicos e necessidades de cada faixa etária e cada categoria social; adota-se uma nova estratégia, a da "ação não ostensiva".

A preocupação com o f luxo mundia l de comunicação foi a tónica das décadas de 60 e 70. A UNESCO f inanciou diversas pesquisas nesse sent ido, encampando a Nova Ordem In fo rmat iva Internac iona l . S imu l taneamente , a CIESPAL debruçava-se sobre a dominação na América Latina, conf igurando estudos com for te rejeição ao estilo americano e marcada influência marx is ta .

1.9. O enfoque semiótico

A Semiótica const i tu i um campo autónomo de estudos, composto por diversas perspectivas, que se desenvo lvem de fo rma paralela à Teoria da Comunicação. Por si só, ela representa um complexo âmbito de estudos que não se preocupam nem com o processo comunicat ivo como tal ou com a relação comunicação-sociedade; o centro da preocupação é a mensagem.

Recentemente, promoveu-se uma identificação desse setor específico de investigações com a Teoria da Comunicação, na busca de uma interseção, de um ter reno c omum. Para ambas, isso representou um red i rec ionamento de propostas e metodologias.

Um dos campos específicos que compõem a perspect iva semiótica é a Linguística Estrutura l , o estudo da língua enquanto um grande s istema organizado, uma estrutura de te rminante , que t e m or igem em Saussure e Jakobson. Essa perspect iva se mani festa, entre outros, na antropologia - a part i r dos estudos de Lévi-Strauss sobre comunidades pr imi t ivas - e na comunicação - nos estudos de Vio lette Morin e nos pr imeiros trabalhos de Jean Baudri l lard.

Um outro ramo de investigações se refere às análises de conteúdo, realizadas pr inc ipa lmente nos Estados Unidos. Tratava-se de estudos que re t i ravam a mensagem dos meios que a ve icu lavam para o estudo de seus e lementos, de fo rma obje t iva , sistemática e num enfoque basicamente quant i tat ivo-operac iona l (por exemplo, número de vezes que determinada palavra aparece num tex to , espaço dedicado a certo assunto num jo rna l , e tc ) . O método de análise consiste na decomposição da mensagem em elementos mais s imples a serem estudados a part i r de um conjunto de regras explícitas.

A terceira ver tente seria a Semiótica, que centra sua análise no processo de significação. Na Europa, Roland Barthes é o principal representante desta corrente, a part i r dos estudos de semiologia, enquanto nos Estados Unidos destaca-se Charles

15RODRIGUES, A. Comunicação e cultura: a experiência cultural na era da informação. Lisboa: Presença, 1993, pp. 13-15. 16Cultura de massa, para Mattelart, seria a "cultura universal que favorece a expansão da influência americana, contribuindo para a escravidão da consciência nacional".

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Peirce. Todos os s istemas de signos - e não só a língua - são estudados pela Semiótica, a part i r de unidades signif icat ivas, das definições de signo e símbolo, s igni f icante e signif icado, entre outras, na busca do processo de desencadeamento de sent ido, do mecanismo de significação.

Estas são a lgumas das possibi l idades no estudo das mensagens. As tendências mais recentes buscam, nas mensagens, e lementos do processo comunicat ivo, na investigação do processo de significação desencadeado pelo mater ia l simbólico veiculado pelos meios de comunicação de massa.

Wo l f 1 7 , descrevendo os modelos comunicat ivos encontradas na Teoria da Comunicação, descreve dois modelos - o semiótico-informacional e o semiótico-textual -, elaborados por Eco e Fabbri. O pr imeiro seria a apreensão do fenómeno comunicat ivo enquanto um processo de transmissão l inear vinculada ao func ionamento dos fatores semânticos introduzidos mediante o conceito de código. A informação não seria mais t ransmi t ida de um emissor para um receptor, mas t rans fo rmada de um sistema para out ro , através do código.

Tal esquema representa a transposição, para o plano da sistematização do processo comunicat ivo, da central idade do processo de significação como especif ic idade da comunicação. O out ro modelo também descrito por Eco e Fabbri, o semiótico-textual, apresenta-se como uma contribuição mais aberta da Semiótica, re je i tando a ideia de l inearidade e propondo a noção de rede tex tua l . É um modelo que vai além da simples noção de codificação-decodificação para apreender a ass imetr ia dos papéis de emissor e receptor, e a natureza do que é recebido pelo público: não mensagens indiv idual izadas, mas conjuntos de práticas textua is .

2. Os paradigmas da Teoria da Comunicação

A disciplina Teoria da Comunicação, do curso de Comunicação Social da UFMG, é ministrada na graduação (para todas as habilitações) e já há alguns anos consolidou em seu conteúdo programático um determinado quadro de referência da Teoria da Comunicação - composto pelos autores e correntes apresentados na pr imeira parte deste capítulo.

Nesta segunda parte, será apresentado este quadro de referência que permite visual izar a existência de dois parad igmas dominantes nos estudos sobre a comunicação de massa: o paradigma informacional e o interac ional . É em relação a este quadro que será analisada a Teoria do Jornal ismo, identi f icada e de l imitada no capítulo anter ior.

2.1. A influência do paradigma na construção do objeto

Uma teor ia se constrói a part i r da reflexão, de um "pensar sobre", e que resulta numa "ideia sobre", numa determinada apreensão daqui lo que está sendo estudado, uma determinada apreensão da real idade, mater ia l izada num corpo organizado de ideias, de enunciados.

Uma teor ia estabelece um modelo de apreensão, na medida em que se util iza de um conjunto de proposições, hipóteses, conceitos e metodologias. Teorias d i ferentes, que tenham por referencial concepções di ferentes, conceitos d i ferentes, metodolog ias di ferentes, podem debruçar-se para estudar uma mesma "coisa", porém jama is estudarão o mesmo objeto .

17WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 107-111.

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Por "coisa", devemos entender algo da real idade que t e m existência em si mesmo - seja uma pessoa, um conjunto de pessoas, um objeto mater ia l , um fenómeno. Essa "coisa" torna-se " ob j e t o " a part i r do momen to em que existe um interesse nessa "coisa", isso é, quando alguém se propõe a conhecê-la.

O ob je to , assim, está em face do agente, ele possui uma interrelação com o suje i to. Ou, de acordo com Edgar Mor i n 1 8 , "qua lquer que seja o fenómeno estudado, é preciso p r ime i ramente que o observador se estude, pois o observador ou perturba o fenómeno observado, ou nele se projeta de a lgum modo". Uma vez que a "coisa" a ser estudada é parte da real idade, e a real idade como tal não pode ser captada pelo ser humano, é no recorte da real idade que fazemos para def in ir nosso ob je to que está a atuação do suje i to que se propõe a estudar, a conhecer. Ou seja, o mundo, que a ciência pretende conhecer, não pode ser apreendido sem a presença e a participação do observador.

Vera França 1 9 apresenta o processo de conhec imento como dotado de duas dinâmicas: a "aber tura para o mundo" , ato de descobrir, de "de ixar fa lar o ob je to" , de des lumbrar-se, estabelecer contato com o novo: e a "cristalização do mundo " , que é a apreensão da real idade a part i r de esquemas já conhecidos.

Um modelo const itui-se na configuração de uma prática. Ele pode ser passado ao suje i to de uma fo rma imperceptível ou de fo rma explícita e ref lex iva. No caso dos estudos científicos, não fa lamos em modelos, mas em parad igmas, que nada mais são do que modelos subjacentes que são usados em cada estudo, que or ien tam o pensamento. O paradigma é uma espécie de "óculos" do c ient ista.

Se a "coisa" é parte da real idade e existe por si mesma, o " ob j e t o " pressupõe uma construção, um recorte da real idade. É aqui que entra o parad igma. Ele não acontece na real idade e nem é " inventado"; ele é na verdade o resultado do conf ronto , uma abstração que é feita a part i r de um estudo. O parad igma é resultado de uma observação poster ior sobre a teor ia construída, para se perceber que "por trás dos princípios lógicos há princípios ainda ocultos a que se pode chamar pa rad igmas" 2 0 . São ocultos porque representam um princípio de organização da teor ia , uma apreensão teórica prévia, um "enquadramento" , um "mode lo " subjacente que permeia a at iv idade ref lexiva sobre determinado objeto - e que pode ser buscado a part i r do refer ido processo de abstração, de observação posterior.

Os princípios gerais que compõem um paradigma não inf luenc iam só no modelo de apreensão, na definição de metodologias, na utilização de conceitos, mas também, e pr inc ipa lmente, na construção do obje to de estudo.

No caso da comunicação, estabeleceu-se uma determinada concepção do que seria a comunicação, ainda na década de 40, nos Estados Unidos, a part i r dos estudos de Shannon e Lasswell. A construção do objeto comunicação por eles realizada acabou sendo uti l izada pela maioria dos estudos poster iores, a ponto de se poder dizer que eles "natura l i zam uma teor ia ( l eg i t imam um pa r ad i gma) " 2 1 - o chamado "Paradigma Clássico" ou "Paradigma da Teoria da Informação".

2.2. O Paradigma Clássico

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1977, p. 19. 19FRANÇA, Vera R. V. "Teoria(s) da Comunicação: busca de identidade e de caminhos". Belo Horizonte: UFMG, 1994, p. 3. 20MORIN, Edgar. "Problemas de uma epistemologia complexa". 2 1 FRANÇA, Vera R. V. "O jornalismo e a comunicação". In: Communication et Socialité: le Journalisme au-delá de 1'information. Paris: Universidade de Paris V, 1993 (tese de doutorado).

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É no i tem "A formalização do processo", da pr imeira parte deste capítulo, que podemos encontrar a sistematização do paradigma clássico. É nos modelos desenvolvidos pela Teoria da Informação e por Lasswell que me lhor se expressa, se formal iza, o parad igma clássico da comunicação.

A essência desse paradigma consiste numa ideia de transmissão. Ele é l inear, uni latera l , e estabelece uma divisão clara dos papéis e das funções - cada parte t e m lugar e papel f ixo. Separando os e lementos e def in indo funções claras, ele permi te inclusive o estudo destas partes em separado.

Esse paradigma general izou-se e tornou-se o modelo dominante em quase todos os estudos de comunicação, j u s tamen te porque é func ional , fácil de encaixar e, de qualquer f o rma, clareia o processo.

Entre suas características, está o fato de ser um modelo fechado, que pressupõe um conhec imento pleno da real idade, def in indo tudo o que não se encaixa no modelo como inex is tente. A real idade pode até ser complexa, mas o modelo é simpl i f icador. Além disso, ele é a tempora l , universal , generalizável, rígido - pois permi te identi f icar uma real idade congelada - e estático - ele não permi te alterações durante a execução do estudo.

Um outro aspecto, ainda respeitante à sua apl icabi l idade, permi te visual izar a possibil idade de uma descrição rápida e fácil dos processos, com a utilização de uma forma de apreensão que contradiz o objeto espalhado e atravessado pela vida social. Os aspectos momentâneos, ocasionais, passageiros, são preter idos em função de um modelo insensível à dinâmica de construção do momento , pois a fo rma apreendida já é pré-construída e inst i tucional izada.

O processo de significação é tomado como um processo de transferência de sent ido, no qual o fenómeno físico or ienta a operação semiótica: o processo de significação se reduz às funções mecânicas de codificação e decodificação. A mensagem, nesse sentido, é t ida como uma mater ia l idade rígida.

Os inter locutores são apreendidos enquanto agentes técnicos, isolados e de fora da relação - existe uma tempo do emissor e um tempo do receptor, não é possível se considerar um tempo part i lhado. Essa mesma observação vale para a ideia de espaço, que é excluída enquanto ambiência comum que penetra a dimensão da comunicação.

Por t e r estas características, o paradigma clássico mostrou-se ser de fácil aplicação, const i tu indo-se num modelo rápido, planejável e executável com maior rapidez. Muitos estudos tend iam a ser matemáticos, com estatísticas, percentuais, setas e f luxos. Esse t ipo de concepção representa uma tendência que não se mani festou apenas nos estudos da comunicação, mas também em outras ciências como a sociologia, a psicologia, a administração.

2.3. A consolidação do Paradigma Clássico

Toda a tradição de pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos a part i r da década de 30 se util iza do chamado Paradigma Clássico. A começar pelos estudos da Teoria Matemática, os responsáveis pela criação de um modelo de estudo que coloca o processo comunicat ivo num sistema com e lementos que se combinam numa es t ru tu ra .

O t raba lho com o processo comunicat ivo é efetuado em três níveis: o técnico (re lat ivo à transmissão, ao canal) , o semântico (re lat ivo aos conteúdos, às mensagens) e o pragmático (que diz respeito à influência no destinatário, aos efe i tos) . Conf igura-se uma noção desenraizada, que deixa de fora o fator humano, o contexto social, as operações semióticas de significação.

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Como def ine Schramm , "na sua fo rma mais s imples, o processo de comunicação consiste em um emissor, uma mensagem e um receptor". É o t ipo de concepção de comunicação dominante na Teoria Hipodérmica: bastaria os meios de comunicação ve icu larem algo, para provocar imed ia tamente um efe i to d i re to no público.

A superação da Teoria Hipodérmica vai acontecendo g rada t i vamente , d iminuindo-se o "poder" dos meios de comunicação, mas o mesmo modelo comunicat ivo permanece.

Lazarsfeld é um dos que se contrapõe à ideia hipodérmica, propondo que o processo de influência das pessoas se realiza em relação a outras pessoas e a seu grupo de referência - ser iam os líderes de opinião. É a abordagem empírica dos efeitos l imi tados: não se t ra ta mais do efeito d i reto, mas do " two-s tep f low of commun ica t i on" , ou seja, a comunicação se processando em dois níveis: dos meios de comunicação para os líderes, dos líderes para o restante do público. Do two-s tep f low, a percepção das mediações sociais evoluiu para a ideia de " f luxo em múltiplos estágios", aumentando a complexidade do modelo comunicat ivo.

A incorporação da complexidade se processa ainda mais com o "enfoque fenomênico" proposto por K lapper 2 3 : abre-se caminho para a aproximação fenomênica, a atenção à experiência, a abertura a fatores extra-media que devem ser incorporados à pesquisa. Entram em cena como e lementos de análise as situações residuais, e a influência da "situação de comunicação": o contexto , a disponibi l idade dos canais, os grupos sociais, a personal idade.

Também nos estudos empírico-experimentais de Hovland, foi possível perceber que os receptores respondem de acordo com algumas variáveis: o interesse, a exposição selet iva, a percepção seletiva e a memorização selet iva.

Enquanto isso, na Europa, a Teoria da Escola de Frankfur t , tão carregada de críticas à sociedade industr ia l , ao posi t iv ismo, à racional idade e à cultura de massa, acabou reproduzindo o mesmo modelo comunicat ivo dominante nos estudos amer icanos. A ideia de Indústria Cul tura l , enquanto s istema harmónico montado para a manipulação dos homens, que através do progresso técnico anula a consciência crítica dos mesmos, assemelha-se mui to à ideia da "agulha hipodérmica", assentando-se, como ela, sobre o paradigma clássico da comunicação.

É promov ido um esvaz iamento, em relação ao processo comunicat ivo, das mediações sociais, da atuação dos suje i tos, e da não-realização do efeito d i reto, da complexidade do fenómeno. Daí tem-se que "o ouv inte não possui au tonomia , ele s implesmente responde ao estímulo provocado pela indústria cu l tura l . A música popular atua através de 'mecanismos-resposta ' que demanda da parte do receptor um ref lexo condic ionado" 2 4 . Esta passagem demonstra bem a dimensão do t r a t amen to que os indivíduos recebem nas obras da Teoria Crítica, no tadamente em Adorno: o homem inserido na massa perde sua s ingular idade, sua part icu lar idade, e se torna ob je to , dado manipulável pelo aparelho da indústria cu l tura l .

A semelhança com a Teoria Hipodérmica é dupla: de um lado, a presença do conceito de sociedade de massa. De out ro , o modelo comunicat ivo de natureza psicológica-behaviorista, num sistema de ação semelhante ao processo de estímulo-resposta. A mesma concepção de efeitos diretos permi te visual izar uma formulação subjacente que parece t oma r de empréstimo as sistematizações de Weaver e Lasswell. A comunicação é unidirecional com uma separação clara entre emissores e receptores.

SCHRAMM, Wilbur et alii. Panorama da comunicação coletiva. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964, p.14. 23KLAPPER, J. "Os efeitos da comunicação de massa". In: COHN, G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978, pp. 162-173. 24Conforme ORTIZ, R. "A Escola de Frankfurt e a questão da cultura". In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, n.o 1, vol. 1, jun. 1986, p. 57.

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Quanto à Teoria do Imper ia l i smo Cul tura l , enquanto aplicação da teor ia crítica na América Latina, é possível identificá-la no mesmo parad igma. A preocupação centra l , que é a da manipulação, t e m de específico apenas o universo de ocorrência do fenómeno: a América Latina. A crítica à complexa dinâmica cu l tura l se uti l iza de um modelo comunicat ivo marcado pela s impl ic idade.

2.4. A superação do Paradigma Clássico

Paralelamente ao processo de consolidação do Paradigma Clássico, estão sendo formadas uma divers idade de correntes e formuladas uma série de perspect ivas que real izam uma crítica ao modelo tradic ional - ainda que não de fo rma d i reta, mas trazendo conceitos ou categorias que evidenc iam o esgotamento do poder expl icat ivo desse modelo. Ou seja, essas correntes "de transição" demons t r a ram a pouca capacidade expl icat iva do modelo tradic ional d iante da complex idade do fenómeno comunicat ivo, mas não de uma forma global, e s im pontua l , em relação a aspectos específicos da comunicação. Ou seja, essas correntes não p romovem uma interlocução direta com o Paradigma Clássico; esse diálogo está sendo construído pela pesquisa de acordo com nosso objet ivo .

Essa mesma divers idade de correntes não propõe um novo modelo global de análise, um novo paradigma (nem estão inseridos c laramente em a lgum parad igma) , mas é possível identi f icar nelas idéias-força, conceitos e categor ias que apontam para a construção de um novo modelo. Na verdade, essas perspect ivas podem ser pensadas até como etapas necessárias - no sentido de crítica a uma tradição de análise e portas de entrada para novos arcabouços teóricos - para que se tenha chegado às Interações Comunicacionais.

2.4.1. A contribuição da Escola Francesa

A constatação da existência de contradições no s istema da indústria cu l tura l é a marca principal de Edgar Morin a ser privi legiada no que diz respeito à superação do paradigma clássico. A existência de uma dialética no âmbito da produção-consumo - no qual a padronização desejada não pode se consumar t o ta lmen te em v i r tude da natureza do consumo cultural que exige, sempre, o novo, o original - coloca por ter ra o modelo f rankfur t iano de um todo harmónico montado para a manipulação.

Essa dialética se expressa no fato de os produtos culturais industr ia l izados não serem nem resultado apenas de determinações dos "produtores" , nem somente ref lexo das necessidades dos consumidores. Essa dialética insere-se numa dialética maior ditada pela própria sociedade.

Mais que um poderoso ins t rumento que acaba com a cu l tura, a indústria cultural produz uma cultura que convive com as outras numa real idade pol icu l tura l , e é obrigada a fazer ajustes em relação às exigências do lucro e em relação às do público.

A existência dessa dialética permi te visual izar uma quebra no modelo absoluto, monolítico e cristal izado do paradigma clássico. São as mediações sociais, atravessando os processos comunicat ivos e compondo sua complex idade, que vêm colocar para a investigação sobre a comunicação um objeto mais difícil de apreender, j u s tamente por conter essa contradição básica.

2.4.2. A contribuição da Escola de Birmingham

O aspecto central dos Estudos Cultural istas - a redefinição do conceito de cul tura, que deixa de ser apenas reflexo da est rutura económica para se to rna r resumo

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das inter-relações que perpassa todas as práticas sociais - coloca um novo e lemento na análise da comunicação.

As est ruturas sociais exter iores aos meios de comunicação de massa e as condições históricas específicas de uma determinada real idade se apresentam como e lementos essenciais na pesquisa sobre a comunicação. É, novamente e de uma outra f o rma, a sensibi l idade para observar a vida social atravessando o processo comunicat ivo , que, por tanto , não pode ser compreendido sem se considerar essa influência mútua, não pode ser destacado, descolado, ret i rado, da inserção social que lhe at r ibu i sent ido e perpassa suas condições de realização.

À importância delegada às est ruturas globais da sociedade soma-se uma valorização das circunstâncias concretas. É a incorporação da dimensão da experiência dos fenómenos que são estudados pelo Centro: do que resulta a grande preocupação com objetos de estudo de l imitados a part i r de um universo concreto, de suje i tos e mensagens part iculares, se opondo ao t ipo de estudo mais universal que coloca modelos globais em função dos quais as real idades part iculares dever iam ser anal isadas e compreendidas.

Um dos aspectos percebidos pelos estudos cul tura l istas é a troca da perspectiva de que os meios de comunicação pudessem, por si só, "me lhorar " , "aperfeiçoar" o gosto de seu público, para a ideia de um "envo lv imento" . Isso marca uma nova postura em relação ao processo comunicat ivo: não há mais o efeito d i reto pois os meios de comunicação não podem ser entendidos apenas em si, mas na sua interseção com a cu l tura.

2.4.3. A contribuição da hipótese do Agenda Setting

A hipótese do Agenda Sett ing pode ser compreendida como uma das novas perspect ivas da Escola Amer icana, resultado da evolução dos estudos após o c ruzamento com as reflexões produzidas na Europa. A própria substituição da problemática - de efeitos diretos para efeitos a longo prazo - dá o t o m da evolução. Os meios não ser iam mais responsáveis pelo compor tamento ou formação de valores, con forme propunha a Teoria Hipodérmica, mas colocariam uma agenda, atuando em nível da es t ru tura cognit iva dos públicos.

Essa recolocação do problema, abandonando os "efe i tos l im i tados" para l idar com os "efeitos cumulat ivos" , atesta ainda uma passagem de um modelo t ransmiss ivo da comunicação para um modelo que percebe a existência de um processo de significação. A influência dos meios de comunicação de massa cont inua sendo percebida e estudada como determinante , mas a natureza de seus efeitos muda, de uma caráter mecânico, behavior ista, de estímulo-resposta, para uma influência que se dá no campo da estrutura cognit iva, que leva em conta a construção social da real idade.

Os meios de comunicação são assimilados como propic iadores de uma nova experiência, a l terando o conhec imento que se t e m da real idade social. Por um lado, é uma colocação teórica que se contrapõe às investigações imediat is tas cujos interesses pragmáticos ex ig iam resultados imediatos. Por out ro lado, percebeu-se que não exist ia uma homogeneidade no quadro apresentado pelos meios de comunicação - o que vai de encontro às formulações conspirat ivas ident i f icadoras de uma grande orquestração.

2.4.4. A contribuição de McLuhan

McLuhan, ao a f i rmar que "o meio é a mensagem", desloca a questão da comunicação para outro espaço: a natureza nova que a presença de um determinado meio cria. Configura-se a part i r daí uma crítica às análises de conteúdo e ao

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encaminhamento dado até então às investigações sobre a comunicação nos Estados Unidos.

O que seria mais impor tan te , no sentido de detectar mudanças, alterações na vida social, não são os conteúdos veiculados pelos meios, mas a presença destes meios proporc ionando uma outra fo rma de se relacionar com a real idade. Os conteúdos específicos até podem trazer modificações, mas é a existência do meio provocando uma nova sensibi l idade que deve ser o centro das análises a serem empreend idas.

Com isso, desloca-se o papel t ransmiss ivo dos meios - em que impor tava o conteúdo por eles veiculado -, essencial para a lógica do modelo clássico, para uma perspectiva que identif ica na s imples presença dos meios uma nova natureza e dinâmica social.

2.4.5. A contribuição do Interacionismo Simbólico

Em sua sistematização analítica, o Interac ion ismo Simbólico fundamenta-se em uma série de conceitos básicos - também chamados " imagens-ra iz" . O pr ime i ro deles diz respeito à natureza humana: os seres humanos são seres em ação, são agentes. Outro conceito nos diz que a natureza dessa ação é um resultado de um processo de interpretação. A interação social fo rma os compor tamentos , é const i tu in te , fundante , e fornece signif icados para a construção, por parte dos suje i tos agentes, dos objetos .

Ao considerar a sociedade humana in terat iva , observa-se que existe uma influência recíproca, isso é, a ação de cada suje i to altera o quadro de representação dos demais. Somando-se a isso a identificação da at iv idade humana como centro regulador da vida social, tem-se um quadro marcado pela complex idade.

Os modelos l ineares e unidirecionais se desfazem diante de suje i tos agentes capazes de in terpretar os signif icados que o mundo lhes apresenta. As ideias de transmissão, efeitos d iretos e anulação da consciência crítica perdem sua capacidade expl icat iva diante dos postulados do Interac ion ismo Simbólico.

Além disso, se a ação humana é calcada nos signif icados, e os signif icados são provocados pela interação, a compreensão dos fenómenos comunicat ivos que envo lvem os meios de comunicação de massa deve ser buscada também fora deles, ou seja, na vida social e nos indivíduos concretos.

A grande implicação metodológica do Interac ion ismo Simbólico é a referência ao estudo empírico, a rejeição a modelos prontos, acabados, e a necessidade de se considerar os processos interpretat ivos pelos quais os signif icados sociais passam, no nível dos suje i tos, que são agentes e, por tanto, at ivos no processo comunicat ivo.

A comunicação acontece na interação indivíduo-sociedade - quando se conf igura o processo de atribuição de sentidos, de interpretações múltiplas, de invest imentos simbólicos. Essa interação seria a peça-chave para a compreensão dos fenómenos comunicat ivos.

2.4.6. A contribuição da Semiótica

Embora os análises semióticas e semiológicas não se jam estudos sobre o processo comunicat ivo, mas apenas sobre um de seus e lementos - a mensagem -, o desenvo lv imento dessa ver tente de estudo t rouxe um grande avanço para o desenvo lv imento da Teoria da Comunicação: a identificação do ato comunicat ivo enquanto processo de significação, e não apenas como um fenómeno transmiss ivo, linear, que foi a tónica das análises efetuadas até então.

O debate até então, no seio da Teoria da Comunicação, dizia respeito aos paradigmas sociológicos dominantes nos estudos - na polémica instaurada entre a pesquisa admin ist rat iva americana e a teor ia crítica f rank fur t iana . A part i r da

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aproximação entre a Teoria da Comunicação e a Semiótica, na busca de um ter reno comum, implantou-se um e lemento novo para a discussão da pertinência propr iamente comunicat iva dos modelos de estudo adotados pela Teoria da Comunicação. Pertinência essa que só seria assimilada pelos estudos da comunicação mu i to t empo depois, passado o debate em to rno da pertinência sociológica.

A apreensão do fenómeno comunicat ivo enquanto significação implica se considerar a especif icidade dos processos da o rdem do simbólico, da atribuição de sent ido, da formação de imagens - o que vai de encontro à lógica t ransmiss iva e l inear dominante nos estudos até esse momento . A mensagem enquanto significação não seria, pois, um e lemento fechado em si mesmo, algo que sai de um emissor e chega a um receptor tal qual saiu. A ideia de intercâmbio de s istemas é que coloca a dinâmica de significação como um processo "negocial".

A funcional idade do paradigma clássico se relaciona à necessidade de dar conta da questão mais impor tan te que a Teoria da Comunicação sempre t en tou compreender: a temática dos efeitos. Do que se compreende a construção de um esquema transmiss ivo no qual os prob lemas são sempre da o rdem da eficácia, do "ruído", da "percepção selet iva", da "influência dos líderes".

A part i r da Semiótica, recupera-se, na Teoria da Comunicação, um dos e lementos da especif icidade própria da dinâmica comunicat iva: o fato dela const i tu i r um fenómeno de significação. Eco e Fabbr i 2 5 , descrevendo o modelo comunicat ivo por eles denominado "parad igma semiótico-informacional", apresentam o caráter "negoc ia l " como um processo no qual a mensagem sofre codificações e decodificações diversas, a part i r de múltiplas interpretabi l idades.

Os mesmos autores, a part i r da crítica ao modelo "semiótico-textual", apresentam um out ro , o "semiótico-textual", que seria um aperfeiçoamento da apreensão do fenómeno: os destinatários não receber iam mensagens, mas conjuntos , redes textua is - propondo uma não-linearidade da comunicação.

Independentemente dessa questão, a incorporação da dimensão semiótica nos estudos da comunicação, por si só, representa até mesmo uma "revolução" nos estudos, no sentido de re-direcionar toda a trajetória da Teoria da Comunicação.

2.5. A construção do Paradigma das Interações Comunicacionais

O Paradigma das Interações Comunicacionais deve ser entend ido, dent ro do quadro de referência que vem sendo encaminhado neste t raba lho, como um modelo que tenta dar conta da complexidade da comunicação ut i l izando-se das contribuições de estudos anter iores, ent re os quais, a Escola Francesa, a Escola de B i rm ingham, as formulações de McLuhan, a hipótese do Agenda Set t ing, o Interac ion ismo Simbólico e a Semiótica.

A reflexão de vários autores ressalta a necessidade de apontar a natureza interacional do processo comunicat ivo, na construção de perspect ivas que dêem conta da global idade do fenómeno. O "modelo praxiológico" de Louis Queré, o "enfoque tríplice" de John B. Thompson, o "parad igma do h ipe r tex to " de Pierre Levy, são a lgumas das formulações teóricas que têm contribuído para a construção do Paradigma das Interações Comunicacionais.

Este paradigma surge como uma tenta t iva de superar o caráter restr i t ivo e formal izador que a noção de comunicação adquir iu com a utilização do Paradigma Clássico. Se este ten tou def inir o que é a comunicação a part i r de uma fo rma f ixa, rígida, de identificação e delimitação de seus e lementos internos, a perspect iva interacional busca apreender uma configuração geral da comunicação que marca seus l imites

'WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987, p 109.

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enquanto fenómeno em relação àquilo que não const i tu i relação comunicat iva , sem def inir fo rmas específicas, f ixas, internas ao processo. Para fazer isso, ou seja, " re to rnar à noção mesma de comunicação (...) e ten ta r reconstruí-la de outra manei ra , (. . .) é preciso vo l tar à fonte da comunicação: a vida soc ia l " 2 6 .

Nessa concepção, a comunicação é um processo social básico, e a vida social compõe-se de interações comunicat ivas todo o t empo . O que marca a part icu lar idade do fenómeno comunicat ivo é a "pa lavra" , isso é, a mater ia l idade simbólica. A comunicação é, pois, "as relações part iculares que se estabelecem através de uma mater ia l idade simbólica construída no seio dessas relações como sua condição e expressão", ou , de uma forma d i ferente, são "atos específicos erigidos em to rno da palavra, da co-presença dos in te r locu tores" 2 7 .

A referência para a apresentação que se propõe, neste t raba lho, do Paradigma das Interações Comunicacionais, é a tese de doutorado da professora Vera França, Communication et Socialité: le Journalisme au-delá de 1'information, um estudo sobre o jo rna l Estado de Minas e suas relações com a mine i r idade que se sustenta e de certa forma sistematiza o paradigma interacional . De acordo com a autora , um estudo sobre a comunicação, ao ut i l izar este parad igma, para dar conta da global idade do ato comunicat ivo, t em de contemplar suas três dimensões: a relacional, a simbólica e a da experiência.

A dimensão relacional indica que, numa relação de comunicação, existe interação, as pessoas " f a l am" na f rente de um "ou t ro " , há uma presença con junta , por mais uni lateral que seja o processo. Age-se face ao ou t ro . A presença dos inter locutores é mediada pela palavra, o que faz com que os inter locutores se def inam a part i r de seu envo lv imento com a mater ia l idade simbólica.

A dimensão simbólica acusa que é a presença de uma mensagem que permite o estudo da comunicação. A mensagem é a objetivação de um sent ido, de uma dimensão subjet iva , inter ior , que está no pensamento e passa a ser objet ivada n u m tex to ou numa imagem - a part i r desse momento , ela passa a t e r uma existência nela mesma. A mensagem é caracterizada também por uma intencional idade e pela mediação cultural que interfere na construção do sent ido. Este modelo é, pois, marcado pela delimitação de um t empo e um espaço, e de atores concretos. Não é estático e nem generalizável.

Por f im , a dimensão da experiência marca a inserção da comunicação num contexto. A comunicação deve ser buscada no fazer dos homens, no te r reno da experiência, e não numa construção abstrata, desvinculada. O contexto significa algo à relação e à palavra, ele traz e lementos para a interpretação e é também atr ibu idor de sent ido.

O paradigma das interações comunicacionais é p ro fundamente enraizado nas dimensões tempora l e espacial, pois estuda relações s ingulares, que acontecem num momento e num espaço específico. Ele não é universal , pois não define o que é a comunicação dentro dela, não especifica papéis, funções, e lementos. E não é universal porque acontece com atores concretos, em situações part icu lares construídas em to rno de mensagens também singulares.

As implicações metodológicas da utilização deste parad igma se ver i f i cam na construção de um objeto de estudo que acontece concretamente , t em uma mater ia l idade. Está enraizado num determinado panorama sócio-cultural, em dimensões de t empo e espaço def inidas. E ocorre entre suje i tos reais, inter locutores que têm

FRANÇA, Vera R. V. "O jornalismo e a comunicação". In: Communication et Socialité: le Journalisme au-delá de rinformation. Paris: Universidade de Paris V, 1993 (tese de doutorado). Capítulo traduzido por Vera França, p. 2 7idem.

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objet ivos, desejos, necessidades, valores, expectat ivas em relação ao out ro , bagagem cultural - os inter locutores não são neutros, vazios, "ocos" em relação ao ou t ro ; nem exercem apenas um papel determinado, mas possuem toda uma gama de papéis possíveis dentro da relação que se estabelece. O sent ido, por tanto , está no receptor, no emissor, no contexto , na mensagem.

A comunicação é toda essa rede de relações interat ivas dos inter locutores entre si e com o mater ia l simbólico. É a busca da global idade do ato comunicat ivo - e, por tanto , sua inserção no ter reno do social - que caracteriza da me lhor fo rma o ob je t ivo do paradigma das interações comunicacionais.

Referências

KLAPPER, J. "Os efeitos da comunicação de massa". In: COHN, G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978, pp. 162-173. ORTIZ, R. "A Escola de Frankfurt e a questão da cultura". In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, n.o 1, vol. 1, jun. 1986, p. 57. WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1987.