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# I I t t t I t Il t, Robin Blackburn organizador 3"2q't5 A,2s s.fk &, q-z;I - DEPOIS DAQUEDA O fiacasso do comunismo e 0 futuro do socialismo 2e ediçãa Tladução: Luis l{rausz MaiaIn;,ês Ralim Sasan Semhr

BLACKBURN, Robin. Depois Da Queda. O Fracasso Do Comunismo

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Page 1: BLACKBURN, Robin. Depois Da Queda. O Fracasso Do Comunismo

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ttItIlt,

Robin Blackburnorganizador

3"2q't5A,2s s.fk

&, q-z;I -

DEPOIS DAQUEDAO fiacasso do comunismo e 0

futuro do socialismo

2e ediçãa

Tladução:Luis l{rausz

MaiaIn;,ês RalimSasan Semhr

Page 2: BLACKBURN, Robin. Depois Da Queda. O Fracasso Do Comunismo

F.lição resumida a pertir de le cdição, editora Verso, I-ondrcs, Nova Yorh 1991;

título original ,ficr thc Fall: tltefailure of commanlrm anl thcfi*ure of socialism.

Capltnlo 4: traduzido do original em alcmão Die nac*holcndz Reuohttion

Khiru politischc Scltnftn de Jiirgcn Habermas @ Súrkamp Vcrlag,

Frankfurt am Main@ Verso 1991

C-aps. 2, 5 e 6: @ Naa Lcrt RcuiaaTodos os outros capítulos: @ autorcs

Czpa Claudio Rosas

Prcpançã.oLvs H. Ncry c Maria E. Souto MetarRaisãoSand,ra P. Garcia e Maria Bacellar

Dados Intcrnacionais de Catalogaçáo na Pubücação (CIP)(Câmara Brasilcira do Liwo, SB Brasil)

Depois da queda: o fracasso do comunismo e o futurodo socialismo / Norbcrto Bobbio... lct a1.; Robin Blackburn, orgpnizador;

tradufo Maria Inês Rolim, Susan Semler, Luis Krauszl. -Rio de Janeiro: Paa e'terr:, 1992,1. Berlim, Muro dc (1961-1989) 2. Comunismo - História

3. Europa Oricntal - Política e govcmo - 1989

4. Socialismo L Bobbio, Norbcrto, 1909 - il. Blackbum, Robin.92-3351 cDD-320.53209

Índiccs para catálogo sistcmático:

l. Comunismo: História: Ciência política 320.53209

Dircitos adquiridos pela

EDITORA PAZ E TERM Sá.Rua do Tiiunfo, 177 - 01212 - Sante Ifigênia -

São Paulo - SP - 1ã.: (011) 2?3-6522Rua São ]osd, 90 - I lo andar, cj. 1 I I 1

20010 - Rio de Janciro - RJ

Tel.: (021) 2214066

r993

ÍNorcr

PrefiícioRobin Blachburn

1. O reverso da utopiaNorberto Bobbio

2. Reflexóes sobre a crise dos regimes comunisrasRalph Miliband

3. Modos possÍveis de caminhar:o ?ostici?tilm da wopia

' Hans Magnus Enzenrberger

4. A rwolufro e a necessidade de revisãona esquerda - o que significa socialismo hoje?

Iürytn Hdberrnas

5.1 O. fi.r. da guerra fria: uma resposraEdward Thompson

6. Resposta a Edward ThompsonFrcd Í'alliday

7:'Âdc'' a tudo aquiloErtc [obsbaum

8- O st cialismo apos o colapsoRobin Blachburn

9. Conversas sobre a nova ordem mundialFrudicJameson

17

2T

36

45

73

86

93

107

216

}{[]i..lCIi EtÀS tiÀ Í}U {:$rt i i'.iÀS I

'ü itl"{'J l{$iql;:ü$.lT'H I lo*'?o y',y';'or§rn["del,á.i-ã""il . *o? Funado.

iiq i'n : *9}í /*q- l" L0l-*+.-""J:§.'Jff.'ã1*"?::"* |

Imprcsso no BrusiJ Pinud in Brazil

Page 3: BLACKBURN, Robin. Depois Da Queda. O Fracasso Do Comunismo

,.]IFI

17. Die Zeit 08.12.1989.18. Sobre os conceitos de uma seguridade social não mais fundamentada

em garendâs de salário, cf. G. Voruba (org.), Stru*nrunndel drr Sozialpolitih,FrankfurdMain, 1990.

19. J. Hóermas, 'Die lGidk des \f,/ohlfúrtsaates", inJ. Habermas,D ie neue Unue b e dc ht I ichh c ít, F ntUurrlMâin 1 98 5, pp. I 4l -6 6.

20. U. Roedel, G. Frankenberg, H. Dubiel, Die demohratische Fmge,

Frankfi.ut/Main, 1989.

7273

5

OS FINS DA GUE,RRA FRIÂ:

UMARESPOSTA

EdwardThomPson

Embora simpatize com âs intençóes de Fred Halliday em

"Os fins d" go"rà fria", discordo- seriamente tanto de seu mé-

todo como de sua execução' Ele foi, sem dúvida' pressionado a

ã*, u- comentário imediato (sua palestra sobre os âconteci-

;;1.; de outubro a dezembro a. iggl na Europa central e

;rt"J zu pt"i.tiaa,em 5 de março de 1990 e provavelmente

redisida .*'f.r.r.i.o)' e outros (incluindo eu) Xue forampersua-

;à;"; ;;;;; is;'* *, ito ap rci'"da me.nte P:á :'" ser criticados

com igual veemêúia' Mas olhemos as dificuldades e também os

silêncús e as recusâs teóricas do texto de Halliday'

Primeiro, visando ao esclarecimento' devo contestar-a des-

"ríçao.-*niú" de Halliday d_as gua11o "escolas" de análise da

g;;." friri o-r, .onu"nciánd e 'iealista"l outra' liberal e Preo-

il;;;;"- "oniirrgê.r.ias;

e uma terceira escola' à qu4. me asso-

cio iuntamer,.. --'M^ry i<'ldoç Michael Cox' Noam Choms§ e

a"á.e Gunder Frank (um grupo um tento díspare)' que suPosta-

mente argumenta que a "aparência d5 um contltto entre blocos

ou intersistêmi- -^.*roo o-, homologia, tanto um lado quanto

o outro usando e beneficiando-se da luta no interior de- seus prÓ-

oriot *-ros de dominação("')' Para estes' â guerÍa fria é p-ro-

5,ill;;J-"L-,.irr.rn* nà irrré, de uma comperiçáo.enrre dois

il;;;;. El;;-. quarta escola, a de Fred Halliday' que anali-

."" t. analisa) , g*.ri" fria em termos de seu "caÍátet intersistê-

;il, o fato'd. "q".

expressou a rivalidade entre dois sisremas

social, econômica e politicamente dlterentes '

Page 4: BLACKBURN, Robin. Depois Da Queda. O Fracasso Do Comunismo

desajeitado em "escolas" seo em se-(J agruPamento desareltado em escolas-, que sâo em se-

ida explicadas não em suâ própria linguagem mes nâ de Halli-o

guraa exPlrcaÕes neo em suâ ProPnâ lmguagem mes nâ oe flaul-day, representa um método impreciso de argumentação intelec-tual. Têmos tido, nas ultimas duas décadas, demasia.lrs classificaçõesque confiam excessivamente em supostas "posições". Jamais useio termo "homologia" e nem sei bem o que significa. O termoque udlizei muitas vezes, tânto em um artigo sobre "Extermi-nismo"' quento na minha resposte subseqüente aos críticor,' foi*recíproco"

e "reciprocidade". Isso revelou não uma definição ca-

tegórica, mâs rm processo histórico de formação mútua: recipro-cidade (e incitação mútua) em armamentos, hostilidades ideoló-gicas, segurança interna, controle de Estados-clientes e satélite eassim por diante.

Há boas razões perã a importância des.se esclarecimento. Colo-car "homologia" e conflito "intersistêmicr" como análises opos-tas de duas "escolas" diferentes é confundir o fato de que ambasperspectivas podem (embora náo necessariamente) ser compatí-vels uma com a outra. Como acredito eu mesmo, celtamentetêm havido conflitos intersistêmicos que em certo momento (e

em um processo histórico concreto) tornaram-se sistematizados

- ta[vg7 após 1948?

-, dando origem a um estado de guerra

fria que se torne ele mesmc, uma condiçáo dinâmica "auto-repro-dutora". Como afirmei em minha censurada Palestra Dimbleby,"Âlém da guerra fria" (1981), a guerra frie"é sobre si mesma".Argumentei, emprestando as palavras de Pasternak, que a guerrefria deveria ser percebidâ como "as conseqüências de conseqüên-cias"l havia "se libertado das circunstâncias presentes em sua ori-gem e tem adquirido um impulso inercial e independente pró-prio". Mas na medida em que a guerra fria se tornou ela mesmaum "sistema" (termo de Halliday e não meu), não exige a disso-lução total das rivalidades intersistêmicas anteriores, que podemser incoqporadas como parte da própria força motriz das incita-ç6es ideológicas. Âssim, as "escolas" de Halliday são espúrias e

deparamo-nos noyamente com a necessidade de uma análisemais precisa (e empiricemente mais bem informada).

74 75

Sistemas categóricos ou Processo recíproco?

Halliday supõe que os aconrecimentos dos Írltimos meses

resolveram o ..o lado do ârgumento. Ele náo nos diz precisa-

mente quais são os seus dois "sistemes", exceto que -um

é o capi-

talismo e o outro é não-capitalista. Ele iâ náo pode usat socia-

lismo ou comanismo r.- ànrttangimento, mas sua principal

revisáo categórica do outro sistema consiste em colocar "comu-

nismo" enti=e aspas. Seu artigo é uma "afirmaçáo de que 1989

representou o tesre das teoriai da guerra fria". E afirma triunfal-

,r,'.rra" que "o iír\)á' deliberou", uma vez- que os acontecimentos

d.o ootJrro de-1989 ProYâm que o "fim" (isto é, o objetivo) cla

guerra fria era "a homogeneidade sistemática e o alvo era. o cerà-

Ier sócio-econômico e polídco dos Estados-núcleos de cada

bloco". Volta a "rr" "rg,rir.nto

ne página 86 e sua posição deve

ser examinada com cautela:

Poisofi.mdaguerrafria..'eoclimadedétenteprevalecentenaEuropa . n" -rio.i" do Terceiro Mundo esáo sendo alcanpdos náo

com'base em uma convergência dos dois sistemas' ou em uma trégua

negociada entfe eles, ma-s com base no colapso de um face ao outro. Isso

.iglrifio nada menos que a derrota do projeto comunista .,l como foi

Jnh.cido no século )O( e o triunfo do projeto capitalisa' O ca^so é táo

evidente que proporciona valida@o reuosPectiva Para a interpretafo

intersistêmica da guerra fria.

Ou, como escreve mais tarde (observem novâmente as asPas

tímidas):

usando a linguagem do 'velho Pensemento" o que testemunha-

mos agora é u l,rt d"âasses em escala internacional, à medida que o

pod"r"rrrp"rior do capitalismo ocidental força a abertura de sociedades

prr.i.l*ãrrt. fechadas a ele durante quetro ou mais décadas'

Mas eu e a maioria dos meus colegas na "terceirâ s5colx" -

e no movimento não-alinhado pela paz- nuncâ previmos que a

guerfa fria terminaria em o*r^".onuergência de dois sistemas",

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I

nem mesmo em uma trégua negociada entre os antagonistas (ex-

ceto como uma détente interina). Na verdade, a estase da própriagueffâ fria dependia de um tipo de "convergência" não-dialéticade opostos que jogavam pelas mesmas regras. Tiabalhávamos pelasubstitui$.o da guerra fria por sistemas de relações internacionaisinteiramente novos, pelo colapso da confrontação bipolar. Pro-pondo o problema da maneira como o faz, e glosando nossovocabulário inteqpretativo pare seus próprios fins, Halliday decla-rou precisamente as conclus6es às quais queria chegar. Se falamosde "homologia" e de um "sistema" de guerra fria (seus termos)estamos nos predispondo a chegar às suas conclusões; se falamosde "reciprocidade", "'impulso inercial", "dinâmica auto-reprodu-tora", falamos então de um processo histórico real e náo de "sis-

temas" categóricos; e assim os acontecimentos do outono de1989 podem conseqüentemente ser vistos tânto como a conclu-são de umâ erâ histórica como o inÍcio de outra. Em uma lógicade interação recíproca, a retirada de um lado pode efetx profun-damente o outro, assim como pode cair o lutador que repentina-mente se vê sem seu antagonista.

Segundo, será que chegou a hora de eu retirar minhas teses

sobre o "exterminismo"? Vários críticos têm achado que estas são

exageradas e sugerem que as teses foram refutadas pelos aconteci-mentos pós-1985. No sentido de que permiti a sugestão de que o"exterminismo" era um processo histórico dtterninaàa, algumasdessas críticas são justas." Mas devo acrescenter que aquele ensaiofoi escrito no começo de 1980, antes que surgisse um movimentode massa pela paz, e mesmo que seu tom desolado e intransi-gente foi influenciado por esse fato e pelo meu desejo de desafiaro que eu supuúa ser um "imobilismo" político entre sofisdca-dos marxistas ocidentais. Mais importante é o fato. de que âs teses

sobre exterminismo foram colocadas como as teses negatives cujâsalternativas positivas foram ap-resentadas na miúa palestra"Além da guerra fria" em 1981.'Essa palestra nunca recebeu aatençáo que recebeu o "exterminismo"

- s Ínui16 menos em

círculos marxistas; no entanto, em retrospectiva, parece aindamais presciente e pode mesmo esboçar um roteiro que prenunciaos eventos do outono de 1989.

76

Não escrevo isto para congratulâr-me -

afinal, se se ofereceum cenário futuro pessimista mas também otimista, um será pro-vavelmente mais correto que o outÍo

- mas para ressaltar que o

ârgumento nunc:r foi apenas sobre o "exterminismo" como umdeterminismo estrutural condenado, mas também que foi sempreum argume[to sobre como liberrar-se de uma lógica condenadapara poder examinar possibilidades alternatiya3. Juntamente comoutros ativistas nos movimentos não-aliúados pela paz, enfatizeirigorosamente o oonteúdo ideológico da segunda guerra fria. Comoescrevi em final de 1983:

É a ideologia, ainda mais que as pressóes militares-industriais, aforça moriz da guera ftia... É como se... a ideologia tivesse se libertadoda matriz sócio-econômica existencial na qual foi gerada e não estando

mais sujeia a qualquer conüole de auto-inrcresse racional. A guerra friaII é um ,r?@ ü guerra fria I, mas dessa vez como farsa moral: o teorde real conflito-interesse entre as duas superpotências é baixo, mas oteor de rancor ideológico e'honra' é perigosamente alto.o

Nosso argumento jamais se limitou a um interacionismo desistemas de armamentos (especialmente nucleares), como às vezes

se supôs. O trabalho do movimento pela pez náo foi apenas o deopor, mes também o de expor e de desmistificar o vocabuláriomalcheiroso das armas nucleares, revelá-las não apenas como âr-mamentos, mas também como retórica simbólicar parâ 'a sapres-

são da política... e a subsütuição da ameaça de aàiquilação pelaresolução negociada das diferenças". Assim, a suspensão do pro-cesso polÍtico pela guerra íria, a estase degenerâtiva da condição.

Terceiro, se recolocarmos o problema em termos de nóssa

análise, ao invés do glosar de Halliday, seguem algumas amplasconclusões. Os acontecimentos do outono de 1989, quando co-meçeram a desmoronar es barricadas ideológicas de quarentaanos, podem confirmar a nossâ análise e não a de Halliday. Mas"o júri ainda náo deliberou". Se substituirmos "homologia" pornoções mais dialéticas de processo recíproco, então esse processoestá apenas começando. O teste se dará com os acontecimentosnos próximos quatro ou cinco anos. Ninguém no movimento

77

Page 6: BLACKBURN, Robin. Depois Da Queda. O Fracasso Do Comunismo

não-aliúado pela paz jamais supôs qlt gt acontecimentos deves-

sem ocorrer ** p"r.o rravado nor áoi, ladoq do globo dividido.

Mas se e nossa análise teve algum valor, podemos esPerar que

mudanças ideológicas e políticas bastante substanciais ocorram

"*or" oo Ocidenie. Corientaristâs no Ocidente já lamentam a

fZrd* d" "outro" como um inimigo útil, assim como empreitei-

,o, do Drograma espacial e das aim^s nucleares se queixam de

o,r. .rtáo ..íofr.ndo';. Em cada eleiçáo presidencial há quarenta e

Jirr.o "rror,

a direita nos Estados Unidôs tem estabelecido os pa-

râmetros'de debate em termos de "segurança" e a ameaçe sovié-

tica, e outras quest6es, tanto domestiot co*o internacionais' têm

sido silencirdi, nrqu.la propaganda ensurdecedora' Já,existemindÍcios de que esse*tiPo i" srpi.tsao da política náo pode conti-

nuar por -oito t.tt po nos Estados Unidos e muito menos nâ

Ê"top, Ocidental. Áo -.r-o temPo, os controles políticos e

ideolãeicos sobre os Estados-clierrt.r . satélite estão se enfraque-

..rrdo"t"nto na OTAN quanto no Pacto de Varsóvia' Se a guerra

fnaiâ não é "auto-reprodutora", podemos eqPerer que outras Pres-

,ã*'i-"i, tradicionàis e menos mistificadãras e ideológicas) se

reafirmem. Mas esperemos alguns meses antes de decidir que é o

"capitalismo" qtte venceu tout court

Ignorando os moümentos PoPulares

Quarto, o parágrafo que veúo de escrever é demasiado

pasriro- em tom. E ""prrsirrfurde

de Hallidl)r (na bvsca de uma

;;p;", análise objetiva) é bastante extraordinária. Em toda sua

úi." rel"tiv*meáte longa sobre os fins da guerra fia' nío. faz

menção sequer passageira"aos movimentos. pela paz' Presumivel-

-"ni. vê ó movimento pela P^z no Ocidente como uma tarsa

uor^ (t^lun mal informâa"; q". não teve nenhuma influência

sobre os acontecimentos históricos. Claro, nós que comemos' be-

bemos e vivenciamos obsessivamente o movimento pela Pa7' Po-Í

quase uma década não desejaríamos admitir que fomos total-

H*.. iii"l.r".rt.r. Temos ini.resse em supor diferente. Tâmbém

temos alguns argumentos. Eu tenho ârgumenado qu.e foi o mo-

vimento"não-dúhado pela paz no Ocidente em diálogo e com

78l,

79L

certes aç6es em comum com o movimento pelos direitos huma-nos do Leste que deu origem.eo "momento ideológico" quando.se rompeu a camisa-de-força da guerra fria. Mary Kaldor tem noslembrado que em 1981-83, quando milhóes fizeram manifesta-

çóes nas capitais da Europa ocidental, "os movimentos eramcomparáveis em escala aos movimentos pela democracia no f,esteeuropeu_no final dos anos 80"

- s 1a[ys7 influenciaram esses

últimos.' Halliday, que encontra espeço para mencionar a in-fluência da música pop e da televisáo finlandesa na Estônia, cala-se totalmente sobre quaisquer movimentos pela paz. Na primeirametade da década, contudo, os estabelecimentos da OTAN so-freram grandes sustos e vivenciaram sucessivas emergêncif quenegociaram apenas com todo tipo de manipulação da mídia e deinfluência política

- eleiçóes na Alemanha Ocidental, na Ho-

landa, na Itália e na Grá-Bretaúa, o referendurz sobre a OTANna Espanha. Continuo convicto de que a alocação de mísseis de

longo alcance pela OThN teria sido rejeitada pela Grã-Bretaúase o generel Galtieri não tivesse socorrido a sra. Thatcher.

Do outro lado, a guerre (L9L7-20 e l94L-45 e a expectativade invasáo nos anos 30) e a subseqüente guerra fria foram condi-

çóes neêessárias para a formação histórica do stalinismo e seuresultado brezhnevista: na exaltação de prioridades militares, a

imposição de economias de comando e a supressão da demandaconsumidora, a intensificaçáo da paranóia ideológica, o fortaleci-mento das forças de segurança interna, a diplomacia dos "doisblocos", a proscriçáo da dissidência, e todo o resto. Isso não sig-nifica que não havia poderosas forças sociais internas confluentescom es press6es e)rternes estudo de Moshe Levin, The

Gorbachuu Phenomenoa,u é singularmente útil para a compreen-são destas

- mas a atual moda intelectual de atribuir um vaga-

mente definido "shlinismo genérico" à má fé original do "mar-xismo" é tão desonrosa quanto foi, no ano passado, a comemoraçãoda guilhotina como uma conseqüência eutêntica do Iluminismo.Halliday jamais comete essas tolices, exceto na medida em que vê

o fim da guerra fria apenas como uma derrota do "socialismo"

ou do não-capitalismo, e náo como uma reabertura de possibili-

Page 7: BLACKBURN, Robin. Depois Da Queda. O Fracasso Do Comunismo

dades fechadas, em parte conseqüência de pressões populares nosdois lados.

Por que Halliday mantém - esse extraordinário silêncioquanto ao papel dos movimentos populares em tÍarzer um fim à

guerrâ fria? Acredito que possivelmente seja o resultado de umarecusâ teórica ulterior. Halliday insiste em reduzir toda análise ao

pensamento de "dois blocos" -

capitalismo yersus não-capita-lismo ou "comunismo" enquanto sistemas

- e recusa-se absolu-

tâmente a explorar a possibilidade de "terceiras vias". Estas são

eliminadas categoricamente. tata-se de um velho hábito doseditores e contribuidores que dirigiram com firmeza a Nat LefiReuiew desde o começo dos anos 60. Enquanto esses estão dis-postos a empregâr copiosamente o termo "Terceiro Mundo", umtermo reladvamentq vazio (e na minha opiniáo culturalmente re-lativista), a própria possibilidade de uma "terceira y[x"

- ou de

uma quarta ou quinta -

ou mesmo de uma reabeftura de umcâmpo de possibilidades, em que novâs variantes de formaçáosocial e novas combinações de modos de produção antigos e maisnovos possem surgir, é eliminada enquânto possibilidade categó-rica. Assim o ensaio de Halliday

- veja especialmente seu penúl-

timo parágrafo nas páginas 98-9 - tem que concluir como um

obituário náo apenas sobre o comunismo de comando e o "socia-lismo realmente existente", mas sobre qualquer alternativa à so-ciedade capitalista. O profundo pessimismo de sua posição é

âpenas o reverso da moeda do triunfalismo capitalista ocidental e

compartilha as mesmas premissas.

Mas somos lembrados de que náo é âpenas uma questáoteórica complexa, uma que eu desejaria que â Neut Lefi Reaieutabrisse para um debate informado. Não se trâta âpenas de reexa-minar aquele momento em 1945-47 quando, na França, na Po-lônia e (subseqüentemente) na Iugoslávia, na Índia e em outroslugares, a questão foi colocada teoricam.nt.. É também umaquestão de movimentos reeis e de práticas políticas. Em miúaopinião, os movimentos e as práticas podem estar bem maisavançadas do que estão os teóricos. Nos movimentos pela paz e

pelos direitos humanos dos anos 80, e seus "novos movimentossociais" associados ou partidários, a "terceira via" surgiu ampla e

N

80 81

substancialmente não cotno teoria mas como força social real:

como rm fatohistórico.E esse é meu quinto ponto. This "fatos" náo apenas exigem

observaçáo e análise inteligente -

no que a Neu Lefi Rruieutsempre foi boa também exigem apoio ativo. São susten-tados por prá.ticas.

-Fui compelido a escrever esse comentário

não apenas porque discordo da análise de Halliday, mas tambémpoque acredito que 1990 pede mais do que mera análise. Pois

se adotarmos a visão de "reciprocidade" da guerra fria, então a

questão de se o colapso daquela condiçáo é ou náo um triunfo,para um capitalismo ocidental agressivo ou se é uma oportuni-dade para que se forraleça uma "terceira via" tanto no Leste

como no Ocidente, descobrindo projetos comuns e um vocabu-lário comum, permanece sem decisão e depende do que fizer-mos. O júri não estará fora para sempre. Nada é mais desencora-jador do que o fracasso do movimento ocidental pela paz e das

forças progressistas de ocuparem os espaços de oportunidade quetêm sido abertos; o fracasso de acelerar o processo recíproco noOcidente pare complementar a decomposição dos controlesideológicos da guerra fria no Leste. E a conveniente volta de Hal-liday ao pensâmento de dois blocos (embora um esteja agora

prostático e tohlmente derrotado) marca uma retirada para o

imobilismo do qual acusei o marxismo teórico em 1980.Ao mesmo tempo, não é necessário ser urn especialista para

saber o quão "livrescâs" são algumas das noções de "economias

de mercado" defendidas por clissidentes (do tipo antigo) nos seus

apârtamentos cheios de livros em Praga, Budapeste e Moscou:obsessivamente fixados pelo profundo pessimismo de 1984 e de

noções de "totalitarismo" (que foram refutadas em ParLe Por suâs

próprias ações) e compromissados com prescrições ridiculamenteabstratas de Hayek, Milton Friedman ou dos neoconservadores

americanos -

prescrições que não têm qualquer relevância séria

para as realidades capitalistas ocidentais, muito menos Para os

males ainda náo-diagnosticados de economias de comando emdecomposição.

Alguns desses dissidentes são intelectuais corajnsos amânsa-

dos pela perseguição, como também pelos horrores do "sociâ-

Page 8: BLACKBURN, Robin. Depois Da Queda. O Fracasso Do Comunismo

lismo realmente existente", e até muito pouco tempo atrás euacreditava que era mais importante dar-lhes- ouvidos e mostrer-lhes solidariedade na sua luta pelos direitos humanos do que ar-gumentâr com eles. Mas acredito que o ârgumento deve agoraser uniÊcado, da maneira mais direta e amistosa possível. Fica-seirritado apenas quando alguns desses intelectuais recusam qual-quer diálogo sério, quando se recusam a reconhecer que umaporçáo significativa da esquerda ocidental compaftilhou e sua re-pulsa do stalinismo e que tem ativamente, durante várias déca-das, dado provas de sua solidariedade

- quando não apenas re-

cusam esse conhecimento mas preferem não saber e dialogar (nacondição de sócios desiguais) com órgãos diplomáticos ociden-tais e agências, prodigemente financiadas, da guerra fria. Thlvezfosse esse o resultado esperado: a construção de um discurso ver-dadeiramente internacionalista é sempre o trabalho de minoriascujas vozes se perdem no tumulto dos vivandeiros poderosos e

endiúeirados; e pequenas orgânizações como a END, ou o FórumEuropeu, precisam i."o*.ç.r pacientemente a construção.e

Mas há algo que foi feito no passado sobre o qual podemosconstruir, algo que Halliday deixa de mencionar. E pode ser queexista ainda a ajuda de auxiliares poderosos (e mais que auxilia-res) em enormes clrculos que não estiveram envolvidos em inter-câmbios anteriores. Como é que poderíamos neste momentosaber como estará mudando a consciência política "no outrolado" e que lutas, com respeito a prioridades, às defesas básicas

do direito ao trabalho, à moradia e à saúde, à distribuição de

recursos, ao controle social da riqueza pública, advirão quando os

trabalhadores de lá compreenderem realmente o que significamas forças do mercado "livre"? Lech \Talesa já apagou um fogo nosestaleiros de Gdansk (maio de 1990) e controlou e greve ferro-viária polonesa; mas o seu corpo de bombeiros de um só homemnão pode adiar a crise para sempre. Por que devemos prejulgar oato final quando ainda não se concluiu o primeiro? E quem econse-lhará e trará solidariedade aos novos grevistas (de Gdansk ou si-berianos)? E que projetos e programes sociais maiores

- como

os irnaginados por Boris Kagarlits§ ou Jiri Sabbata -

observa-remos em breve? E seremos apenas observadores ou começâre-

82

106

Peço apenas que possamos ajudar a escrever roteiros alterna-tivos e que não esperelnos passivarnente que todos os,roteirossejam escritos por políticos e inreresses empresariais ocidentais epela mídia ocidental, enquanto etuamos como um coro profun-damente pessimista e autoflagelante. Ouço por todos ós ladoshoje em dia avisos temerosos sobre o crescimento, no outro lado,do "fascismo", assim como o do anti-semitismo, do naciona-Iismo, do fundamentalismo e assim por diante. E neste lado tam-bém. E no "Têrceiro Mundo". Preciiamente dessa forma: é o queocorre em um vácuo e quando não se defendem um roteiro in-ternacionalista alternativo ou valores positivos. Mas o que mepreocupa quase tanto é o profundo desgosto (até desprezó) int.-lectual pelos trabalhadores, aritude qo. se .r.ontr" lgralmenteem círculos ocidentais de intelectuais liberais ou (pós) modernose certos círculos de intelectuais dos direitos humanos do lado cteIá. F{rá. verdadeiras razões históricas parâ ranto no momento quese segue aos regimes _reacionários populistas, bem como aos regi-mes comunistas conformistas. Mas continuo preocupado menosconi a crise manifesta do mancismo (que mereceu o que o eguar-dava) do que com a perda de convicçáo, mesmo por parte daesquerda, nas práticas e nos valores da democracia. Mas ô fim d"gueffa fria tem

- e em ambos os lados

- testemunhado uma

renascença dessas praticas e uma reafirmaçáo desses yalores naauto-atividade de massas que deixaram as barricadas ideológicas e

políticas ortodoxas. E ainda devemos perceber isso conio ummomento de oportunidade, não de derrota.

A terceira üa

Finalmente, estes últimos parágrafos não se dirigem, na ver-dade, a Fred Halliday. Pelo contrário, revelam as miúas própriaspreocupaçóes, algumas das quais ele talvez compâftilhe. Se tãúosido um pouco severo eo contesrar (por meio dà arrigo de Halli-day) uma tendência na New Lefi Reaieut de excluii ou recusarcertas questões desde que alguns de nós deixamos a diretoria no

f83

LIJ

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começo dos anos 60, gostaria de expressar a minha solidariedadeem outras áreas. Alguns de nós tçmíamos em 1962 qure a NeutLefi Reuieu cedesse ânte um terceiromundismo sentimental e im-pregnado de culpa (do tipo Sartre/Fanon) que de fato impedisseo necessário engajamento em nossa própria sociedade. Isso pro-vou não ser o ceso e os constantes ensaios sobre a interpretaçãoda intervenção capitalista ocidental no Oriente Médio . n" Á.i"contribuíram de forma positiva parâ âs páginas da revista duranreduas décadas. Compartilho a sua impressão de um colapso totale irrevogável da tradiçao comunista ortodoxa nos acontecimentosdo ano passado. Aqueles de nós ativamente envolvidos, durante aúltima década, no trabalho de "cruzamento de fronteiras" domovimento pela paz, tanto teórico como prático, podemos terestado mais preparados para isso que outros, trm" vi, que já hámuito tempo pressentíamos a iminência do colapso. Tâmbémcompartilho a sue preocupação de que

- no período que suce-

deu a esse esperado colapso -

teúa existido tanto no Lestequanto no Ocidente umâ "capitulação a todo tipo de ideologiasregressivas de um caráter nacionalista, familiarista e religioio",algumas delas em nome de um (pós) "marxismo" oll o*" rtr-posta teoria "críticâ". Sinto-me solidário com Hallidây na suatentativa de redescobrir algum vocabulário da racionalidade e deuniversais reabilitados, e seu repúdio à "rolerância mal empre-gada do fanatismo religioso disfarçado de anti-racismo" demóns-trado por alguns setores da inteligência liberal e "a busca de tra-dições nacionais'por elementos outrora do moúmento comunistainternacional". As câusâs da racionalidade e do internacionalismo ealgumas (senão todas) das causas do Iluminismo agora exigem

-frente à sua impopularidade da moda -

defensorás obstinldos; eentre estes Halliday e ourros contribuidores da Neut Lefi Reaicutsão bem-vindos: sáo tradições que â esquerda racionJ herda epode reivindicar como suas, juntamente com os montes de obs-curantismo e de má fé que têm sido exposros (freqüentementepor críticos da própria esquerda). Quçro apenâs insiitir que nãosáo apenas teorias e tradições. São também pníticas e aré mesmomovimentos sociais. Frcisrem nos mundos reais do Le*e, do Oeste edo Sul; e se recusarmos legitimidade teórica a qualquer terceira

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via, diminuímos esses mundos. Não temos condiç6es de saberque espaços a terceirà via poderá herdar após o colapso da guerrafria, a não ser que forcemos a prática para além do pensamentode "dois blocos" e descubramos.

Tladução de Susan Semler

Notas

1. Palestra proferida na University of Sheffield, posteriormente publi-cada na New Lefi Reuieu, no 180, mar.-abr. 1990.

2. Neut Lefi Reuieut, no 121, mai-jun. 1980.

3. Em "Exterminism Reviewed" in Exterminism and Cold V'ar,Londrcs,Verso, 1982.

4. Ártigos construtivos incluem: Simon Bromley e Justin Rosenbetg,"After Exterminism", Mut Lefi Reuieut, io 168, mar.-abr. 1988; Michael Sú-hov, "E.P. Thompson and úe Practice of Theory", in Socialism and Demo-nacy, outonolinverno 1989; Marcin Shaw, "Exterminism and Historical Paci-

frsm", in Harvey Kaye e Keith Mcklland (orgs.), E. P. Thompson: CiticalPersltectiues, Londres, 1990. Procurei esclatecer meus pensamentos em "Exter-minism Reviewed" no volume da editora \êrso e nesse artigo aceitei a crÍticade Raymond Villiams sobre a miúa meúfora do exterminismo como ummodo de produ@o. Ver também meu "End and Histories" em Mary Kaldor(ory), Europefom Belout: Ánà Eaç-Vest Dialagua Londres, Verso, 1991.

5. "Beyond the Cold \Íar" foi publicado como um panfleto ú Mer-lin/END no final de 1981, reeditado em Zero Option, Londres, 1982 e nos

Btados Unidos como Beyond. the ColdW'ar,Nova.York, 1982.

6. The Heauy Ddncers, Londres, L985, p.44.7.YerMary Kaldor (otg.), op, cit8. Londres, 1987.

9. Sobre o Fórum Europeu, ver Mary Kildor, op. cit

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RESPOSTA A ED§TARD THOMPSON

Fred Halliday

Apesar dos evidentes desentendimentos entre nós, e de umacera confusáo, gostei do comentário de Edward Thompson e

achei-o estimulante. Todas as questões que nos colocam em con-fronto referem-se ao futuro

- e nesse futuro, como o próprio

Thompson deixa claro, muito mais coisas nos unem do que nosdividem. Mesmo assim, ele levanta alguns pontos que talvez pre-cisem ser contestados, a saber: a interpretaçáo da suâ ârgumenta-çáo sobre exterminismo; a avaliafo dos fatos ocorridos na Europanos últimos meses; a anrafo do movimento pacifisa; a probabilidadede uma "tefceira via".

Thompson conteste o fato de eu dividir as teorias acerca daguerra fria em quetro grandes escolas, e em especial de incluir suatese sobre o "exterminismo" no que chamo de escola internalista,ou seja, a que vê ne guerre fria a resultante de forças comparáveisque atuam no seio dos dois blocos, e pere os quais é, sob váriosaspectos, funcional. Como argumentei no ertigo "Os fins da guerrafria" e na obra The Mahing of the Second Cold'Vl'ar, é inegável a

força de fatores internos de ambos os blocos, mâs tal alegação,em si mesma, equivoca-se quento a dois âspectos: 1. subestima ograu de contestaçáo e rivalidade entre os blocos

- ou seja, até

que ponto cada um deles empenhou-se em prevalecer sobre ooutro; 2. superestima a grande semelhança escrutural entre os doisblocos, a heterogeneidade de sistemas sócio-econômicos entre ambos.Não me parece, como pârece a Thompson, que o elemento ideo-lógico presente nas relaçóes Leste-Oeste esteja dewinculado dosinteresses materieis envolvidos.

Talvq. não agrade a Thompson a palavra "homologia", mas

seu significado assemelha-se muito ao de "isomorÊsmo", outrotermo anglo-saxáo, muitas vezes citado em seu ensaio sobre ex-

terminismo. Ambos os termos indicam semelhança ou identi-dade de estrutura. "Flomologia", a meu ver, é a melhor palavrapera se afirmar que, em ambos os blocos, e gueffe fria tem ori-gens semelhantes e, sendo assim, essas origens se enconttam nadinâmica militar-social que Tlrompson denomina "exterminismo".

A categoria "reciprocidede", como explica ele em seu comentá-rio, parece corroborar a interpretação seguinte: â guerra fria foiimpulsionada por forças internas de ambos os grupos, forças que,por interaSo recíproca, tomareln-se cadavcz mais parecidas. Comoo texto argumenta basicamente, fossem as diferenças de sistemasocial anteriores ao início da guerra fria, a predominância da cor-rida armamentista e da fabricação de armes levou e umâ similari-dade: ao ecentuâr o termo "isomorfismo", Thompson visava emperte a refutar os argumentos tradicionais e apologéticos da es-

querda, ^coÍca

das diferençes entre os sistemas capitalista e não-

capitalista.. Thompson reitera sua opiniáo de que e guerrâ fria "tem a si

própria como objeto", e iss«r me parece constituir o cerne de

nosso desacordo. Foi precisamente quanto a esse ponto que umgrupo, do qual fazÍamos parte Mike Davis e eu, tentou, no iníciodos anos 80, úegar a ume interpretação alternativa de guerrafria, com base na noçáo de que tal guerra constituíe um conflitointersistêmico

- ou seja, um conflito global, inteiramente in-

conciliável, entre dois tipos diferentes de sociedade e sistema po-lítico, no qual a corrida armamentista teve papel de importância,mas náo determinante. fu diferenças náo decorrem de qualquerprecipitaçáo atual; já são evidentes há pelo menos oito anos. Acoletânea de ensaios intitulada Exterminism and Cold. Var, pu,bh-cada em 1982 e na qual colaboramos Thompson, Davis, eu mesmoe vários autores, foi justamente ume tentativa de discutir os pos-tulados do ensaio original de Thompson. Por essa abordagem

intersistêmicâ, um dos motivos do enfraquecimento do movi-mento paciÊsta foi sua grande semelhança com a ideologia con-vencional da guerra fria, quer em sue variante ocidental de "li-

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berdacle" uersus " cü L,JLIn iri,"1 s ", quer na posição soviética ortodoxae apologética de "socialisr,", .'' ,,qsrls!'imperialismo". Thompson tentareenquadrar-me no dogrnalisrnc da esquerda mas assim agindo con-tribui ele próprio para criar um espaço intelectual e político queaté os contentores da guerra Êia querem manter fechado: a visáonão-dogmática dos vários interesses sociais e econômicos, de ume de outro lado, revelados pela guerra fria e por seu desenrolar.

Minha opinião acerca. das ocorrências dos últimos meses éque âconteceu o que já, fora talvez sugerido pela teoria do con-flito intersistêmico: ou seja, deixaria de haver rivalidade enrre osblocos tão logo a heterogeneidade sistêmica fosse drasticÍrmenrereduzida ou desaparecesse. O que observamos não é apenas umaredu$o da tensão miliar, mâs a prevalência de um sistema sócio-econômico sobre o.outro. O colapso dos regimes comunistas cons-titui precisamente um processo desse tipo, ainda em curso, já queo Ocidente, sob a rubrica de "condicionalidade", faz a assistênciafinanceira e comercial depender da adoção de reformas capitalis-tas naqueles países. Não suqpreende que os fatos tenham tomadotal rumo. E assim que funciona o sistema capitalista.

Sustento que Thompson, ao relahr esses âtos, mantém algodo que desejaria que fosse verdade, embora seu comentário aquipublicado seja, a meu ve! uma variante da avaliação mais pr..isae mais sóbria por ele publicada no Guardian, de 3 de julho de1990. Por um lado, Thompson sugere que a vitória ocidentaltalvez não seja, afinal, tão portentosa assim; compara-e a um lu-tador que perde seu ponto de equilíbrio quando o oponente es-correge. Mas a verdadeira analogia encontrâ-se na utilização feitapor Clausewitz do exemplo do lutador, para mosrrar o objetivoda estratégia. A estratégia não consiste em aniquilar, mas sim emniederwerfen: "derrubar o adversárlo". O capitalismo ocidentalnão perdeu seu ântagonista: subjugou-o, e a manifestaçáo maisclara disso é a tomada da República Democrática Âlemá porBonn. Não houve interação recíproca, mas vitória de um ladosobre o outro. Mas Thompson sugere também que o movimentopacifista propuúa "novos sistemas de relações internacionais".O movimento pacifista propôs de fato isso, mas não o conseguiu.Na verdade, o colapso das instituições de um dos lados fortaleceu

as instituições do lado adversário. A OThN e a ComunidadeEuropéia tornarâm-se mais cordatas, mas em função da novaforça que pâsserem a ter- O Pacto de Varsóvia, por mais que olamentemos, está tão morto quanto a Liga das Nações, e talveztambém não tarde a morte do COMECON. Evidentemente, a

avaliação das conseqüências desses fatos depende do que se tenhaem vista: pâre quem se concentrâ âpenas na tensão militar entreos blocos, a ameaça diminuiu de parte a parte, embora de mododesigual; pera quem leva em conta a disputa sócio-econômica e

política, entáo um dos lados foi vencedor.Thompson censura-me por não considerar a atuaçáo do

movimento pacifista, e de certa forma tem razá.o. Por mais queme doa dizê-lo, a meu ver o movimento pacifista não agiu muitono sentido de promover o fim da guerra fria. Citarei aqui apenas

a frase reveladora que está no final do ensaio de Thompson sobreexterminismo: "A finalidade da política é agir, e agir com eficácià'(grifo de Thompson). Â questão é saber qual foi o efeito. Naconclusão de The Mahing of the Second Cold Va4 escríto no iní-cio de 1983, sustentei que, corn tantas manifestações de massa etantos apelos a diferentes partidos, o movimento pacifista visavanecessariamente â influir nos proce-ssos políticos, o que significagovernos eleitos ou estabelecidos. E preciso verificar, indo alémde declaraç6es genéricas de influência, o que se pâssou de fato naEuropa Ocidental durante esse período. Em nenhum país daOtan qualquer governo eleito opôs-se à proliferaçáo de mísseis

Cruise e Pershing, e muito menos a permanecer como membroáa, organização. As eleiçóes alemás de março de 1983 constitulram o fato mais próximo disso, mas Kohl foi eleito, o PartidoSocial Democrático foi afastado e, posteriormente, os Verdes per-deram seu ímpeto. Tempos depois, na Holanda, o rrlovimentopacifista quase chegou a obter maioria contrâ a proliferação de

mísseis Cruise, mas no final tampouco logrou êxito. Tirdo isso é

muito controvertido, mas a realidade é que a OTAN levou adiantesua política de proliferaçáo de armas atômicas, não houve oposi-

ção conjunta à Strategic Defense Initiative (a "'Guerra nas Estre-las") e poucos levaram seriamente em contâ a questáo essencial,ou seja, abandonar a OThN. Â interpretação de Thompson

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quanto ao que a Grã-Bretaúa poderia ter feito, caso não tivesse

havido a guerra das ilhas Falkland, pode ser válida ou nãoduvido que seja. Enquanto o movimento pacifista esteve noauge, o que mais impressiona é o seguinte: apeser de tantos ingle-ses náo acreditarem na proliferação dos Cruise, essa proliferaçãose deu; e o governo Thatcher, que a levou a efeito, não só foireeleito como até considerou ter ganho votos graçâs à questãodos mísseis. Nunca passaram de uma pequena minoria os queapoiavam a saída da OTAN

- daí os equívocos da CND (Cam-

paign for Nuclear Disarmament). O destino do congelamento e

do SANE, nos EUA, foi um pouco diferente.Pode-se dizer que o movimento pacifista etuou, sob outro

âspecto, influenciando o que ocorreu no Leste. Citando MaryKaldor, Thompson diz que os movimentos pacifistas ocidentais"talvez" tenham influenciado os do Leste. Thompson e Kaldorpodem, melhor do que eu, fazer essa avaliação. Não há dúvida de

que certos espectos dos movimentos ocidentais influenciaram os

movimentos do Leste -

no tocante, por exemplo, à democracia,aos direitos humanos, ao meio ambiente e também, pelo menos

na República Democrática Alemã, ao feminismo. E mais ques-tionável porém que os movimentos pacifistas ocidentais tenhaminfluído na questão específica da proliÊraSo de armamentos. Para

muitos habitantes do l,este principalmente os que mais se opu-nham aos regimes comunistas em seus próprios países

- o Oci-

dente devia manter as forças nucleares de médio alcance (iNF).Incluem-se nesse grupo muitos membros do sindicato Solidarie-dade. O processo de desarmamento, iniciado de fato em 1987,resultou de relaçóes de Estado para Estado, e não de pressões das

bases na URSS e em outros países; a virada democrática do Lesterepresentou um grande avenço, mas náo houve uma rejeição bi-lateral e recÍproca de ambos os si.stemas, nem a transição de umpara outro. Os proponentes de uma terceira via, como os que se

manifestaram na Alemanha Oriental, foram simplesmente afasta-

dos, por pressões conjuntas da população de seus próprios países

e pela intervenção do Ocidente no Estado e nas finanças.O movimento pacifista ocidental só teve eco nas teorias de

"coaçáo mÍnima" e "deÊsa deFensiva". Mas estava implÍcita nes-

sas idéias, nascidas na URSS, a manutenção de algumas armâsnucleares. As teorias foram enunciadas

- s i55q ocorreu no Oci-

dsnlg -

no inÍcio dos anos 80, mas antes já tiúam sido formu-ladas por Kruchev, na URSS, no início dos anos 60. Thompsonatribui a rpim a expressão 'enigma vazion, usada para descrever omovimento pacifista; confunde assim as c«:isas, pois se trata deuma avaliação histórica ponderada. Isso mostra, em minha opi-nião, que dentro dos termos políticos em que cabe avaliar seuêxito, o movimento pacifista foi derrotado, epesar de seus gran-des feitos.

O mesmo se aplica ao passado. Thompson considera miúaanálise passiva e derrotista. Esse é talvez o maior equívoco de seucomentário

- o(gsluxdo o fato de me cÀamar de "tímido". Per-

mito-me teafirmar minha argumenteção final, que não é derro-tista e sim realista: o ponto de parcida de uma polÍtica futura temde ser a crÍtica da sociedade capitalista vigente e a proposta dealternativas viáveis e plausÍveis. O próprio Thompson mencionaa "terceira via"; contudo, apesâr de inúmeras tentativas, omundo coÍrtemporâneo não gerou sociedade alguma que incor-poresse tal terceira via. Além disso, muita coisa erroneemenreapresentada como essa 'terceira via" era na verdade um disfarceda primeira ou da segunda vias. Thompson empregâ o termo"não-alinhado" com menos solidez do que parece; suqpreende ofato de o "movimento dos não-alinhados' só ter conseguidoapoio marginal na Europa: Iugoslávia, Malta e Chipre. E sur-preende também que a maioria dos países europeus neutrostenha preferido abordar as questões internacionais de modo ato-mizado e tímido, sem optar pela formação de um terceiro bloco.tAcresce Í[ue, em termos políticos e sócio-econômicos, nenhumdesses países era "terceiro", eÍn absoluto; todos eram membrosafastados de um ou de outro bloco. Essa tercrira alternativa, se

tiver de ser elaborada e se lhe couber conseguir o apoio político-democnítico necessário à sua implementação, tení de evirarmuita coisa do que no passado caracterizou grande parte da aná-lise esquerdista dos assuntos econômicos, políticos e militares. Anós, que nos enos 60 e 70 participamos da NLR, pode talvez serimputada a acusação de termos contribuído, em igual medida,

90 9r

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\ »€.**.

pârâ o voluntarismo e pere o fatalismo. Uma gerantia sensete,mes combetiva, de que o fim d* guerre fria nos ajudará, no fu-turo, â evitar um e outro.

Tiradufo dcMaria In& Rolim

Nota

1. Áboidci mais dcalhadamentê o tcmâ em "Europcan Neuualism andCold War Polircs: Â Hardcr Look", Sheffield Papers in Inrcrnational Studies,Departrnent of Politics, University of Shcfficld, Shcfficld, Sl0 2TN.

ÁDEUS ATUDO AQUILO

Eric Hobsbautm

Qual o significado histórico de 1989, o ano em que ocorreuo colapso do comunismo no Leste europeu, repentina e presumi-velmente de forma irrevogável, antecipando o colapso do regimeexistente na União Soviética e a rupturâ de sua estruturâ multi-nacional? É 1"g" perigoso dar um diagnóstico instantâneo, quâsetão perigoso quanto a profecia instantânea. As únicas pessoes quenele mergulham sem hesitar são aquelas que esperam que seusdiagnósticos e suâs profecias sejam instantaneamente esquecidos(como jornalistas e comentâristas) ou que não sejam lembradosapós uma ou duas eleições (como políticos). Mesmo assim, hámomentos quando acontecimentos concentrados em um curtoespaço de tempo, não importa como os inteqpretemos, sáo obvia-mente históricos e imediatamente reconhecidos como tal. O anoda Revolução Francesa e 19L7 foram tais momentos e 1989 foiclaramente outro. Como interpretá-lo?

É muito mais fácil ,.r 1989 como uma conclusão do quecomo um começo. Significou o fim de umâ era em que a históriamundial gírava em tornô da Revoluçáo de Outubro. Por mais desetenta anos os governos e as classes dirigentes ocidentais foramatemorizados pelo fantasma da revolução social e do comunismo,eventualmente trânsmutados no medo do poderio militar daUniáo Soviética e suas potenciais repercussóes intelnacionais. Osgovernos ocidentais ainda estão se conciliando com o colapso deuma política internacional traçada inteiramente para enfrentar a

ameaça soviética, tanto política quanto militar. A OTAN nãoteria neúum significado se não houvesse convicção quanto â

t.

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essa ameaça. O fato de que esta percepção ocidental de umaUniáo Soviética prestes a invadir ou bombãrdear o "mundolivre" com ermas nucleares de um momento â outro nunca tevebase na realidade: apetras comprova o quão profundo era o medodo comunismo. Durante mais de setenta anos, a política interna-cional foi empreendida por um lado como uma cruzada, umaguerrâ fria da religião, com âpenas um breve intervalo para con-frontar os perigos mais reais do eixo Berlim-Tbquio.

Do outro lado, há muito tempo estava claro de que nãoexistia nada disso. É verdade que Lenin e os bolcheviques viramOutubro como uma primeira fase da revolução mundial que der-rubaria inteiramente o capitalismo. As primeiras gerações de co-munistas (incluindo este autor) ainda juntavâm-se eo que pensá-vâmos ser um exército disciplinado para lutar e yencer a revoluçãomundial. Nikia Khrushchev, o único camponês a governâr a Rússia(ou, na verdade, qualquer Estado importante), ainda acreditavasinceramente que o comunismo enterraria o capitalismo, emborânão por meio da revolu$o. E a amplia$o dramática tanto da revo-[u$o comunista quanto da antümperialism após a Sgunda GuerraMundial parecia, à primeira vista, confirmar este prognóstico.

No entanto, é claro que desde o começo dos anos 20 a

política da União Soviética não era mais elaborada para rcalizar arevolu$o mundial, embora estâ certemente teria agradado a Mos-cou. Na era de Stalin, que ativamente desencoralava as tentativasde ascensão ao poder por parte de qualquer partido comuniste e

que desconfiava de partidos çomunistas que empreendiam a re-volução contrâ suas recomendações, a política soviética era caute-losa e essencialmente defensiya, mesmo depois das vitórias sur-preendentes do Exército Vermelho na Segunda Guerra Mundial.Khruúen ao contrário de Stalin, assumia riscos e por isso per-deu seu cârgo. O que quer que Brejnev quisesse fazer, espalhar ocomunismo por todo o mundo ou mesmo invadir o Ocidente,não estava nem no seu poder nem no seu programa.

Depois de 1956, quando o movimento comunista interna-cional começou a desintegrar visivelmente, vários grupos fora da

órbita de Moscou reivindicaram a herança original maxista-leni-nista ou pelo menos a revoluçáo mundial, Em uma escala mun-

dial, nem os 57 tipos de trotskistas, maoístas, marxistas revolu-cionários, neo-anarquisras e outros, nem os Estados nominal-mente comprometidos em apoiá-los, chegaram a qualquer coisa.Mesmo em países específicos, com exceçáo de breves momentos,o seu impacto era freqüentemente marginal. A mais sistemáticatentativa de espalhar a revolução nestâs linhas, o impulso cubanode exportação revolucionária nos anos 60, não parecia ter qual-quer condição de êxito. Diferente da primeira onda revolucioná-ria de l9l7-19 e da segunda onda que se seguiu à Segunda GuerraMundial, faltava à terceira oncla, que coincidiu com a crise mun-dial dos anos 70, até mesmo uma tradição ideológica ou um pólode atração unificado. De longe a inquietaçáo social mais impor-tante deste período, a revolu$o no Irã, apoiava-se em Maomé e

não em Marx. Os comunistas, embora cruciais pâra o fim dosúltimos bastiões da era do fascisrno europeu, foram prontamentesuplantados em Portugal pós-Salazar e na Espanha pós-Francopelos que se chamavam sociais-democratas.

Mas se náo havia nenhum movimento significativo paraderrubar o capitalismo mundialmente, os revolucionários aindaesperavem que âs contradições do capitalismo e de seu sistemainternacional o tornasse vulnerável

- talvez algum dia fatal-

mente vulnerável -

e que os marxistas, ou pelo Ã..ro, os socia-listas, oferecessem a alternativa para o comunismo. Se não pare-cia que o poder comunista se expandia muito, exceto em algunspequenos países latino-americanos e, nominalmente, em Estadosafricanos com poucâ relevância internacional, o mundo ainda es-

tava divido em "dois blocos" e qualquer país ou movimento querompesse com o capitalismo e o imperialismo tendia a gravitarou ser nocionalmente absorvido na esfera socialista. As ex-colô-nias que não alegavam de alguma forma ser "socialistâs," ou quenão buscavam de alguma forma o modelo de desenvolvimentoeconômico do Leste, eram aves bastente raras na geraçáo ou duasdepois de 1945. Em suma, a política mundial podia ainda servista, mesmo na esquerda, como o desenrolar das conseqüênciasda Revolução de Outubro.

Tudo isso acabou. O comunismo no Leste europeu se dis-solveu ou está se dissolvendo; assim também a União Soviética

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/ como a conhecíamos. Não importa como será a China quandoestiverem mortos os últimos da geração da Longa Caminhada,terá pouco a ver com Lenin e muito menos com Marx. Fora dasregi6es anteriores do "socialismo verdadeiro" provavelmente nãoexistem mais do que três partidos comunistas com verdadeiroapoio de massa (Itália, Áfri., do Sul e o regionalmente concen-trado PC Marxista da Índia), e um deles quer juntar-se à social-democracia internacional o mais rápido possível. Estamos teste-muúando não uma crise de um tipo de movimento, regime oueconomia, mâs seu fim. Aqueles de nós que pensávâmos que â

Revoluçáo de Outubro era a porta para o futur,: da históriamundial provâram estar equivocados. O que estavâ errado com â

afirmação de Lincoln Steffens, "Vi o futuro e funciona", náo é

que náo funcionou. Funcionou de uma maneira barulhenta etem a seu crédito realizações grandes e em alguns casos surpreen-clentes. Mas provou não ser o ftituro. E quando chegou a suahora, pelo menos no Leste europeu, todos, incluindo seus gover-nantes, sabiam disso e desmoronou como uma casa de baralho.

Como se explica que, dado o medo, ou a esperança, ou osimples fato de Outubro 1917 dominar a história mundial portanto tempo e tão profundamente, nem mesmo os mais frios dosideólogos da guerra fria anteciparam a desintegração repentina e

virtualmente sem resistência de 1989? E impossível compreenderisto, vale dizeS toda a história de nosso século, a não ser que noslembremos que o velho mundo do capitalismo global e a socie-dade burguesa em sua versão liberal desabaram em l9L4 e quedurante os próximos quarenta anos o capitalismo tropeçou deuma câtástrofe a outra. Mesmo conservadores inteligentes nãoteriam apostado ne suâ sobrevivência.

Uma simples lista dos terremotos que fizeram estremecer omundo durante este período basta: duas guerras mundiais, segui-das por dois surtos de revolução global, levando ao colapso indis-criminado de velhos regimes políticos e a instauração do podercomunista, primeiro sobre um sexto do território mundial e maistarde sobre um terço da população mundial; e a dissolução deyastos impérios coloniais construídos antes e durante a era impe-rialista. Uma crise econômica mundial levou até mesmo âs eco-

nomias capitalistas mais fortes quase ao colapso enquanto a UniáoSoviética parecia estar imune à crise. As instituições da democra-cia liberal virtgalmente desapareceram de toda a Europa entre1922 e 1942, com exceção de uma pequena orla, enquanto sur-gia o fascismo e seus movimentos e regimes autoritários satélites.Sem os sacrifícios da União Soviética e de seus povos, o capita-lismo liberal ocidental provavelmente teria sucumbido a esta ameaçae o mundo ocidental contemporâneo (fora os Estados Unidosisolados) agora consistiria de um conjunto de variaçóes de regi-mes autoritários e fascistas, ao invés de um conjunto de variaçõesde regimes liberais. Sem o Exército Vermelho, as chances de der-rotar os poderes do Eixo eram inexistentes. Talvez a história, emsua ironia, decidirá que â reahzaçáo mais duradoura da Revolu-

ção de Outubro foi a de tornâr "o mundo desenvolvido" nova-mente seguro paya"a democracia burguesa". Mas isso obviamentesupóe qLre permanecerá seguro...

Duranre quarenta anos o capitalismo viveu uma era de ca-tástrofe, vulnerabilidade e instabilidade constante, com um fu-turo que parecia inteiramente incerto. Ademais, durante esta erâenfrentou, pela primeiÍayez, um sistema que dizia oferecer umaalternativa futura: o socialismo, Nos anos mais traumáticos destaera, o começo dos anos 30, quando aparentemente parou de fun-cionar o próprio mecanismo da economia capitalista, como co-nhecido até então e o triunfo de Hitler na Alemanha desferiu umgolpe mntra as instituiSes liberais, a União Soviética parecia estarrealizando os seus ayanços mais dramáticos. Em retrospecciva, é

surpreendente que políticos liberais e conseryadores (sem,men-cionar aqueles da escluerda) fossem a Moscou aprender lições (apalavra "plâno" tornou-se palavra de ordem em todo o espectropolítico do Ocidente) ou que mesmo os socialistas pudessem sin-cerâmente acreditar que suas economias seriam mais produtivas queas do sistema ocidental. Durante os anos da Depressão isto não pare-cia nenhum absurdo.

Pelo contrário, o que foi totalmente inesperado, não menospor governos e empresários preocupados com a ruína do pós-guerra e possíveis depressões, foi o exrraordinário surto do cresci-mento econômico global após a Segunda Guerra Mundial. Isto

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fez com que o terceiro trimestre deste século se tornâsse a maisdourada de todas as eras do desenvolvimento capialista: os '"IiintaAnos Gloriosos', conforme a expressão francesa. Foi tão inespe-rado que a existência deste superboomfoi apenâs lentamente reco-nhecida, até mesmo por aqueles que se beneficiaram

- "Nunca foi

tão bom" náo se tornou tm slogan político britânico até 1959 -e foi inteiramente reconhecido apenas em retrospectiva, depois

que terminor o boom no começo dos anos 70. Inicialmente nãoparecia ser um triunfo especificamente capitalista, uma vez queos dois "blocos"

- pelo menos na Europa . n" Á*i"

- estevam

ocupados, recuperando-se da devastação da guerra e a taxa decrescimento das economias socialistas durante este período era ge-ralmente considerada tão r:ípida senáo mais rápida que a do resto.

Em algum momento nos anos 60, contudo, tornou-se evi-dente que o capitalismo havia superado sua era de catástrofe,embora não fosse ainda tão evidente que as economias socialistasestavam a camiúo de sérias dificuldades. Em termos materiais e

tecnológicos, no entanto, o bloco socialista já, estava claramentefora da corrida.

De alguma forma a herança da era de catástrofe foi supe-rada ou ao menos enterrada. O fascismo e suas formas associadasde autoritarismo foram destruídos e liquidados na Europa e es

variações da democracia liberal noyamente se tornaram regimespolíticos normais nos países metropolitanos. (No que veio a serchamado de Terceiro Mundo notavelmente não foi o caso.) Osimpérios coloniais da era imperialista, notoriamente o calcanharde Aquiles de suas metrópoles, foram politicamente descoloniza-dos. Os dois processos, decisivamente iniciados em 1945-48, foramessencialmente concluídos nos anos 70.

A guerra, que por duas vezes havia assolado o mundo de-senvolvido e especialmente a Europa, foi eliminada desta região,em perre porque foi traàsferida para o Terceiro Mundo. No Ter-ceiro Mundo os anos de 1945 a L990 provavelmente viram maissengue derramado e mais destruição do que em qualquer outroperíodo de tempo igual na história mundial.

Apn no mundo desenvolvido provavelmente não foi man-tida simplesmente por causa do medo da guerra nuclear e da

dissuasão mútua, isto é, na prática, pelo efeito dissuasivo das armas

nucleares soviéticas sobre os Estados Unidos após o fim do curtoe extremamente perigoso período de monopólio nuclear ameri-."no.' Tirmbém se deveu a três fatores: uma política mundial simpli-ficada num jogo para dois jogadores; o acordo de Yalta, que naprática demarcou a zone de atua$o de cada supe{potência na Eu-ropa, da qual nenhuma procurou sair; e, eventualmente, a in-questionável prosperidade e estabilidade dos países capitalistasdesenvolvidos, que eliminaram a possibilidade, e ainda mais a

probabilidade, de revolufo social nesta região. Fora da Europa, éclaro, guerras (sem ermas nucleares) não foram eliminadas.

Ainda mais importente, o capitalismo aprendeu as liçõesdomésticas de sua era de crise, tento na economia quanto napolítica. Abandonou o tipo de liberalismo de livre mercado que,entre os países desenvolvidos do Ocidente nos anos 80, apenas aAmérica de Reagan e a Grã-Bretanha de Thatcher procuraramresteurer. (Os dois países, não por coincidência, são economiascapitalistas em declínio.) O estímulo original para este mudançafoi quase certamente político. Keynes ele mesmo náo escondia ofato de que seu objetivo era salvar o capitalismo liberal. Depoisde 1945, a enorme expansão do "bloco" socialista e e ameâça

potencial que apresentava fez com que os governos ocidentais se

concentrâssem maravilhosamente, especialmente sobre a impor-tância da previdência social. O objetivo desta ruptura deliberadacom o capitalismo de livre mercado não era apenas eliminar o

desemprego em messe (que então se percebia como tendo a ten-dência automática de radicalizar suas vítimas), mas também esti-mular a demanda. Desde meados dos anos 50, tornou-se evi-dente que ambos esses objetivos estayam sendo atingidos. Expansãoe prosperidade tornavam possível custear o capitalismo de bem-esar social. Atingru seu pico nos ânos 60, ou mesmo nos anos /0,antes que umâ nova crise mundial provocasse um recuo fiscal.

Economicamente, portânto, o retomo a uma economia mista

keynesiana teve compensação dramática. Politicamente, assen-

tava-se na parceria deliberada entre o capital e o trabalho organi-zado sob os auspícios benevolentes do governo, o que é hojeconhecido pejorativamente como "corporativismo". Pois a era de

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catástrofe revelou três coisas. Primeiro, que o movimento üaba-lhista organizado foi uma presença forte e indispensável nas so-ciedades liberais. De fato, às vezes, como na Europa central apósa derrota de 1918, surgiu brevemente cômo a única força deapoio ao Estado a sobreviver ao colapso dos impérios. Segundo,não era bolchevique. (O exclusivismo do Comintern na verdadeforçou muitos socialistas que simpatizavam com a Revoluçáo deOutubro a voltarem ao bloco reformista e manteve os comunis-tas em uma minoria nos países da velha Segunda Internacionalaté o período da resistência antifascista.) Terceiro, que â únicaalternatiya para assegurar a lealdade da classe trabalhadora com(custosas) concessões econômicas era colocar em risco a demo-cracia. Por este motivo, mesmo o neoliberalismo econômico fa-nático do tipo úatcherista não foi, até hoje, apaz de desmante-lar o estado de bem-estar social ou de reduzir os seus custos.

As conseqüências políticas de deixar populações despidascuidarem de si mesmas nas tempestades de um capitalismo ge-nuinamente neoliberal são demasiadamente imprevisíveis para se

arriscar -

exceto por pós-graduandos de faculdades de adminis-traçáo que, de hotéis Hilton espalhados pelo mundo, dão conse-lhos a países do Terceiro Mundo e a países anteriormente socia-listas. (Até mesmo o Fundo Monetário Internacional descobriuque há limites parâ os sacriftcios que podem ser impostos a povosmais longínquos.)

O keynesianismo social, as políticas do New Deal e o "cor-porâtivismo," no entânto, visivelmente cârregâram âs marcas desua gênese nâ erâ dos problemas capitalistas. O capitalismo mun-dial que surgiu dos "Ti:inta Anos Gloriosos" e que suportou as

tempestades econômicas dos anos 70 e 80 suqpreendentementecom poucas dificuldades (no mundo desenvolvido) não se en-contrâva mais com problemas. Havia ingressado em uma novafase tecnológica. Havia reestruturado o mondo em função deumâ economia substancialmente transnacional com uma novadivisão internacional da produção.

Os dois pilares principais da era social-keynesiana, a admi-nistraçáo econômica por naç6es-Estados e uma classe trabalha-dora industrial de massa, especialmente aquela organizada por

movimentos trabalhistas tradicionais, não desintegrarâm mas aPenas

se reduziram. Nenhum destes pilares tiúa mais a capacidade de

carregar fardos tão pesados quanto ântes. Tânto as políticas key-

nesianas como os partidos (principalmente os sociais-democráti-cos) mais foftemente identificados com elas estavam claramente

com dificuldades, embora a fundaçáo essencial de qualquer capi-

talismo próspero permanecesse â mesmâ que antes: Llma "econo-

mia de mercado social" mista público-privada (isto é, lucros mais

um estado de bem-estar social e direitos sociais), um entrelaça-

mento de empreendimento privado, empreendimento público e

bastante controle público. Neste senddo, os últimos quinze anos

têm visto o desaparecimento gradual de outra parte do legado da

erâ que foi de l9l4 até o começo dos anos 50.Um principal sintoma e produto daquela era no entanto

sobreviveu: o terço do mundo sob "o socialismo realmente exis-

tente". Não "fracassou" em qualquer sentido absoluto, apesar do

sentido crescente de que estâs economias exigiam reformas funda-

mentais e ,que fracassarâm várias tentativas de reformá-las. E pro-vável que os povos na União Soviética e na maior parte do Leste

europeu estivessem em melhor situação nos anos 70 do que jamais

anteriormente. Mas tÉs coisas tornavâm-se crescentemente claras-

Primeiro, o socialismo eruincapaz de ingressar plenamente,e muito menos cle gerar, a noya economia de alta tecnologia e

portânto destinava-se a ficar ainda mais para trás. Ter construídoa economia de Andrew Carnegie seria inútil a não ser que se

pudesse âvançâr para a economia da IBM -

ou mesmo de HenryFord, pois o socialismo fracassou singularmente na construção de

uma ptodução em massa de bens de consumo.Segundo, na sociedade de comunicações e mídia globais e

de turismo e economia transnâcional, já náo era mais possível

insular populações socialistas da informação sobre o mundo náo-

socialista, isto é, de saberem o quanto pior estavam em termos

materiais e em termos de liberdade de escolha.

Terceiro, com umâ taxa de crescimento em ritmo mais lento e

seu crescente âtrâso relativo, a União Soviética tornou-se dema-

siadamente fraca economicâmente Parâ sustentar o seu papel

como urnâ supelpotência, ou seja, o seu controle sobre o Leste

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europeu. Em suma, o socialismo do tipo soüético tornou-se cres-

centemente incapaz de competir e pagou o preço. Pior, provouaté o momento ser incapaz de se adaptar e de fazer reformas.Nisto difere do socialismo chinês, cujas reformas econômicas ti-veram êxito espetacular

- pelo menos no setor rural

-, mâs eo

preço de uma piora séria das condiçóes sociais, e que até o mo-mento evitou a inquietaçáo política urbana porque ainda predo-mina o câmpo. Estas fraquezas também não se aplicam às eco-

no mias mistas sociais-democráticas.Os países escandinavot . " Ártttia permaneceram na ven-

guarda do desenvolvimento econômico e técnico e da prosperi-dade enquanto mântiveram o desemprego baixo e o seu ambi-cioso sistema de previdência social em bom funcionamento.

Quem ganhou? Quem perdeu? E quais as perspectivas? Oyencedor não é o capitalismo como tal, mas o velho "mundodesenvolvido" dos países da OCDE' que formam uma minoriadecrescente da população mundial

- digamos l5o/o hoje contra

33o/o em 1900. (Os assim chamados Neu,fi Indus*ializing Coun'ties lPaíses Recém-Industrializados], ou NICs, ainda têm comomédia, âpeser de avanços formidáveis, apenas entre um querto eum terço da média do PIB per capia da OCDE.) A maior parreda populaçáo mundial, cujos governos procurerâm desenvolver-se economicamente sem o auxílio de regimes comunistas desde

1917 (se não antes), dificilmente recebem elogios entusiásticosdo Instituto Adam Smith.

Diferente do "bloco socialista" anterior, o mundo náo-so-cialista contém regiões que nâ verdade reverteram a uma econo-mia local de subsistência e de fome. Ademais, no interior docapitalismo "desenvolvido", certamente não foi a utopia úatche-rista de livre mercado que venceu. Mesmo sua atração intelectualtem se limitado a uhras no Ocidente e a intelectuais desesperan-

çosos no Leste que esperam que o Pólo Sul seja mais quente doque o Pólo Norte porque é seu oposto polar.

É inegável, contudo, que o capitalismo, assim como foi re-

formado e reestruturâdo durante suas décadas de crise, Provounovemente que continua sendo a força mais dinâmica no desen-volvimento mundial. Certamente continuará a se desenvolver, como

previu Marx, gerando contradiçóes internas que levaráo a mo-mentos de crise e reestruturação periódicas. Estas podem nova-mente levá-lo à beira do colapso, como já ocorreu no começodeste século. No entanto, o período de crise e reestruturaso atualtrouxe desastre e partes do Têrceiro Mundo e ao Segundo Mundo,mas não ao Primeiro.

Quem ou o que perdeu, além dos regimes do "socialismo

realmente existente" que claramente náo têm futuro? O principalefeito de 1989 é que o capitalismo e os ricos pareram, por en-quanto, de ter medo. Tirdo o que fez com que a democraciaocidental valesse a pene para seus porros

- previdência social, o

estado de bem-estar social, uma renda alta e crescente para os

trabalhadores, e sua conseqüência natural, a diminuição da desi-gualdade social e a desigualdade de oportunidades

- resultou do

medo. Medo dos pobres e do maior e mais bem organizadobloco de cidadãos dos Estados industrializâdos

- os trabalhado-

res; medo de uma alternativa que existia na realidade e que podiarealmente se espalhaç notavelmente na forma do comunismo so-

viético. Medo da instabilidade do próprio sistema.

. Isso preocupou as mentes dos capitalistas ocidentais nosanos 30. Medo do bloco socialista, táo dramaticamente ampliadodepois de 1945 e representado por uma das duas supeqpotências,manteve-os preocupados após e guerrâ. O que quer que Stalinteúa feito aos russos, ele foi bom para o povo comum do Oci-dente. Náo é nenhum acidente que a forma Keynes-Roosevelt de

salvar o capitalismo tenha se concentrado na previdência e nobem-estar social, em dar aos pobres diúeiro perâ gestar e na-quele dogma central das políticas ocidentais do pós-guerra

-uma Ílue mirava especificamente os trabalhadores -

o "emptegopleno". Este preconceito contra a desigualdade extrema serviubem ao desenvolvimento capitalista. Os países modelos do cresçi-mento econômico do pós-guerra, o Japão, a Coréia do Sul e Thi-wan, gozaram de distribuições de renda extraordinariamenteigualitárias até recentemente, em parte asseguradas pelas reformasagrárias do pós-guerra, empreendidas pelas forças de ocupaçãodeterminadas a neutralizar a revolução.

Hoje esse medo, já diminuÍdo pela redução da classe traba-iI5

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lhadore industrial, pelo cleclínio de seus movimentos e pela recu-

pêfâç[o dn atttoconfiança ern um capitalismo próspero, desapare-

eêu. Por cnquanto náo há nenhuma parte do mundo que âpresente

com credibilidade um sistema alternativo ao capitalismo, mesmo

quc ainda seja claro que o capitalismo ocidental não apresenta

soluções pârâ os problemas da maior parte do ântigo SegundoMundo, que proyâvelmente e em grande pârte se assimilará às

condições do Terceiro Mundo. Por que deveriam os ricos, espe-

cialmente em países como o nosso, onde agora se autoglorificamna injustiça e na desigualdade, preocupar-se com os outros a náoser eles mesmos? Que penalidades políticas devem temer se dei-xarem se desgastar a previdência e atrofiar a proteçáo daqueles

que dependem dela? Este é o principal efeito do desaparecimentoda face da terra de uma região socialista ruim.

Ainda é cedo para discutir perspectivas futuras. O que umhistoriador húngaro denominou "o curto século )C(" (1914-1990) terminou, mas tudo o que podemos dizer do vigésimoprimeiro é que terá de enfrentar pelo menos três problemas, queestáo piorando: o crescente alargamento da distância entre omundo rico e o pobre (e provavelmente dentro do mundo rico,entre os seus ricos e seus pobres); a ascensão do racismo e da

xenofobia; e a crise ecológica do globo que nos afeterá a todos.As formas de lidar com esses problemas ainda não são claras, mas

a privatizaçáo e o mercado livre não se incluem nelas.

Entre os problemas a curto prazo, destacam-se três" Pri-meiro, a Europa retornou a um estado de instabilidade, como noperíodo entre-guerras. O triunfo de Hitler produziu brevementeuma "ordem alemã". Yalta e o duopólio de superpotências pro-duziram quarenta e cinco anos de estabilidade européia, queagora chegou ao fim. Já que a Rússia e os Estados Unidos cessâ-

ram de ser capazes de, em conjunto, impor a sua ordem comoântes, a única força hegemônica alternativâ no nosso continente,como no período entre-guerras, é a Alemanha. É i..o o que todostemem, não porque "alemães são alemães"

- certamente não

haverá um retorno a Hitler porque o nacionalismo ale-

mão tem um perigoso assunto não-concluído: a recuperação de

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grandes territórios perdidos em 1945 pâra a Polônia e parâ a

Uniáo Soviética.E a nova instabilidade, como prova a crise no Oriente Médio,

não é apenas européia, mas global. Não mais freado pelo medode que um movimento repentino por parte de uma superpotên-cia ou de seus Estados associados \a zona de influência da outraprovocaria um confronto direto entre o Ocidente e o Leste, oaventurismo está novamente no programa. O que manteve a

ordem mundial existente desde 1945, incluindo a maioria dos

sessenta mini-Estados soberanos com populaçóes de menos dedois milhóes (o Golfo está cheio de tais artefatos políticos), foipredominantemente o medo da guerra global. Mas se um holo-causto nuclear mundial já náo representa mais um perigo ime-diato, um mundo em que pistoleiros medianos não mais hesitamem ocupâr pequenos territórios vizin-Lros não está mais a salvo de

uma guerra do que antes. Tâmbém não o esrá um mundo em queuma superpotência se precipita alegremente sobre os depósitos de

explosivos do Oriente Médio, pronta a disparar, sabendo qLrc aque-les cujos mísseis poderiam atingir Nova Iorque já não o farão. Eacidental que, menos de um ano depois do colapso do Pacto de

Varsóvia, deparamo-nos com uma grave crise de guerrâ no Golfo?O segundo fator reforça essa instabilidade mundial. Pois a

Europa central e oriental estáo recaindo em algo parecido com a

zona de rivalidades e conflitos nacionalistas que se seguiu à Pri-meira Guerra Mundial. Na verdade, tod.os os problemas urgentesdeste tipo remontam aos anos entre-guerras. Não deram grandesdores de cabeça antes de L914.' O çre torna a situaSo mais explo-siva é que hoje o úldmo dos impérios multinacionais pná1914 está

em desintegraçáo. Pois foi a Revolução de Outubro que salvou os

domínios do sar do destino dos impérios Habsburgo e Otomano e

deu-lhes mais uns setenta anos de vida como a União Soviética.São sérios os perigos de guerra em uma situação como esta.

Os demagogos do "grande nacionalismo russo" já falam leviana-mente de uma possível "guerra civil na qual nossa situaçáo seria

umâ guerra nuclear".+'falvez algum dia logo ainda olhemos nos-talgicamente os dias em que os gâdlhos nucleares estavam sob ocontrole das duas superpotências.

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O SOCIALISMO APÓS O COIÁPSO

Robin Bkchbum

Ao iniciar-se a última década do século )O(, o comunismo"marxista-leninista" sofre um desmoronamento tão amplo queelimina a possibilidade de esse sistema constituir uma alternativapara o capitalismo, e chega a comprometer a própria idéia desocialismo. A derrocada do stalinismo errastou consigo a reformado comunismo e em nada beneficiou o trotskismo, a social-de-mocracia ou qualquer outra corrente socialista. As múmias de

Lenin e de Mao permanecem em mausoléus, em Moscou e Pe-

quim, como símbolos de uma antige ordem à espera de funeraiscondignos. Mas o comunismo de hoje não.é um espectro queronda o mundo, e sim um pobre espírito que implora pare ser

deixado em paz.Contudo, é talvez possível um novo começo, a paftir de um

socialismo disposto a enfrentar a história e empeúar-se numacrítica mais acurada do projeto socialista. Ainda existem movi-mentos anticapitalistas expressivos, alguns deles influenciados pelatradição comunista. Mas faltaJhes um programa capaz de noslevar a superâr o capitalismo. Sobrevivem regimes que se autode-nominam comunistas ou socialistas; mas apesar das realizações

que lhes podem ser atribuídas (como, por exemplo, o que foifeito em Cuba nas áreas de educaçáo e saúde), é fora de dúvidaque também esses regimes precisam ser renovados e reorientadosde modo mais completo, que vise não apenâs a criar uma culturae ume organiza$o política mais genuinamente democráticas, comotambém a descortinar um modelo econômico novo e viável.

Finalmente, existe a instabilidade dó sistema político ncr

qual os Estados ex-comunistas se jogaram apressadamente: a de-mocracia liberal. Foi o caso dos novos Estados em 1918. Vnteanos depois, âpenâs a Tchecoslováquia ainda era democrática. Asperspectivas pâra a demoçracia liberal na regiáo sáo pobres, oupelo menos incertas. E a alternativa, dada a improbabilidade de

um retorno ao socialismo, será provavelmente militar ou de di-reita ou ambas.

Assim, desejemos boa sorte ao Leste europeu e ao mundoque termine uma velha era e que está pâra ingressar no século

)C(I. Precisâremos de sorte. E lamentemo-nos com o sr. FrancisFukuyama, que afirmou que 1989 significava "o fim da história"e que daí para frente tudo seria tranqüilamente liberal e livre mer-cado. Poucas profecias destinam-se a ter vida mais curta que esta.

Outubro 1990

Tiadução de Susan Semler

Notas

1. O perÍodo mais perigoso desde a guera foi sem dúvida L946-1963,durante o qual Àttlee viajou especiaimente a'\Vashington para dissuadir Tiu-man de usar bombas nuclcares na Coréia. Provavclmente 1947-50 foi o único

momento em que a URSS pensou seriamente que a guerrâ fosse iminente.2. Se excluirmos a Turquia, a Grécia, a Bpanha e Portugal, incluÍdos

apenâs por motivos polídcos, a OCDE consiste da Alemanha Ocidental, Áus-

tria, Bélgica, Canadá, Dinamatca, Estados Unidos, Finlândia, França, Grá-

Breanha, Irlanda, Islândia, ItÁLía,Jap:zo, Luxemburgo, Noruega, os Países Bai-

xos, Suécia e Suíça. ÂAustrália é parcialmente associada.

3. Entre os problemas inexistentes ou de muito pouco significado polí-tico antes de L9L4: croetas uersus séwios; sérvios uersus a'lbaneses; eslovacos

u*su checos; o imbróglio da Ti.ansilvânia; os tr& nacionalismos bálticos; a

Bielo-Rússia; a Moldávia; o nacionalismo azrrbujáo; sem mencionar os anti-

gos territórios alemães ao leste da linha Oder-Neisse.

4. Edward Mortimer, "Boishevism at the Mercy of úe Republics", -Fi-

nancial Tirnes,3l julho 1990.

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