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1 A VOZ DOS DEUSES SOBRE O AUTOR João Aguiar [1943-2010] João Casimiro Namorado de Aguiar escreveu mais de duas dezenas de romances e criou duas séries de televisão destinadas ao público mais jovem – “Sebastião e os Mundos Secretos” e o “Bando dos Quatro”, no qual ele próprio figura na personagem do Tio João. João Aguiar foi um dos cultores em Portugal do chamado romance histórico, com A Voz dos Deuses, publicado em 1984 [ou A Hora de Sertório de 1994 ou Inês de Portugal de 1997]. João Casimiro Namorado de Aguiar nasceu a 28 de Outubro de 1943 e viveu a infância entre Lisboa – a sua cidade-natal – e a Beira, em Moçambique. A mãe ensinou-o a ler para mantê-lo sossegado na cama, durante um longo período de doença, e de leitor interessado passou rapidamente a aspirante a escritor. João Aguiar frequentou em Lisboa os cursos superiores de Direito e Filosofia mas foi em Bruxelas que se licenciou em Jornalismo, profissão que entretanto tinha começado a exercer. Na Bélgica, fez um pouco de tudo, desde lavar escadas a trabalhar no Turismo de Portugal. De regresso a Portugal, fez o serviço militar e uma comissão em Angola no sector da acção psicológica, produzindo rádio para as tropas. Considerou-se sempre jornalista, mesmo passados largos anos desde que abandonara a atividade profissional. Começou pela RTP – onde também coordenou uma série da Rua Sésamo – e passou depois por jornais como o Diário de Notícias, A Luta e O País. Fez rádio no Canadá, onde trabalhou com Henrique Mendes. Dizia-se um “monárquico não tradicionalista”, justificando-o “por uma questão pragmática”. O último romance que publicou – O Priorado do Cifrão – era uma “charge” ao mundo criado por Dan Brown. Numa autobiografia irónica que escreveu para o Jornal de Letras em 2005 João Aguiar concluía: “A minha vida não dava um livro, e ainda bem. Em compensação, o facto de os meus livros darem uma vida – boa ou má, não importa para o caso –, esse facto devo-o, em grande parte, aos momentos de não-glória que acabo de relatar. E estou-lhes muito grato”. in http://www.publico.pt/Cultura/morreu-o-escritor-joao-aguiar_1440364

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A VOZ DOS DEUSES SOBRE O AUTOR • João Aguiar [1943-2010] João Casimiro Namorado de Aguiar escreveu mais de duas dezenas de romances e criou duas séries de televisão destinadas ao público mais jovem – “Sebastião e os Mundos Secretos” e o “Bando dos Quatro”, no qual ele próprio figura na personagem do Tio João. João Aguiar foi um dos cultores em Portugal do chamado romance histórico, com A Voz dos Deuses, publicado em 1984 [ou A Hora de Sertório de 1994 ou Inês de Portugal de 1997]. João Casimiro Namorado de Aguiar nasceu a 28 de Outubro de 1943 e viveu a infância entre Lisboa – a sua cidade-natal – e a Beira, em Moçambique. A mãe ensinou-o a ler para mantê-lo sossegado na cama, durante um longo período de doença, e de leitor interessado passou rapidamente a aspirante a escritor. João Aguiar frequentou em Lisboa os cursos superiores de Direito e Filosofia mas foi em Bruxelas que se licenciou em Jornalismo, profissão que entretanto tinha começado a exercer. Na Bélgica, fez um pouco de tudo, desde lavar escadas a trabalhar no Turismo de Portugal. De regresso a Portugal, fez o serviço militar e uma comissão em Angola no sector da acção psicológica, produzindo rádio para as tropas. Considerou-se sempre jornalista, mesmo passados largos anos desde que abandonara a atividade profissional. Começou pela RTP – onde também coordenou uma série da Rua Sésamo – e passou depois por jornais como o Diário de Notícias, A Luta e O País. Fez rádio no Canadá, onde trabalhou com Henrique Mendes. Dizia-se um “monárquico não tradicionalista”, justificando-o “por uma questão pragmática”. O último romance que publicou – O Priorado do Cifrão – era uma “charge” ao mundo criado por Dan Brown. Numa autobiografia irónica que escreveu para o Jornal de Letras em 2005 João Aguiar concluía: “A minha vida não dava um livro, e ainda bem. Em compensação, o facto de os meus livros darem uma vida – boa ou má, não importa para o caso –, esse facto devo-o, em grande parte, aos momentos de não-glória que acabo de relatar. E estou-lhes muito grato”.

in http://www.publico.pt/Cultura/morreu-o-escritor-joao-aguiar_1440364

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SOBRE A OBRA • Resumo (da contracapa) “Em 147 a.C., alguns milhares de guerrilheiros lusitanos encontram-se cercados pelas tropas do pretor Caio Vetílio. Em princípio, trata-se apenas de mais um episódio da guerra que a República Romana trava há longos anos para se apoderar da Península Ibérica. Mas os Lusitanos, acossados pelo inimigo, elegem um dos seus e entregam-lhe o comando supremo. Esse homem, que durante sete anos vai ser o pesadelo de Roma, chama-se Viriato. Entre 147 e 139, ano em que foi assassinado, Viriato derrotou sucessivos exércitos romanos, levou à revolta grande parte dos povos ibéricos e foi o responsável pelo início da célebre Guerra de Numância. Viriato foi um verdadeiro génio militar, político e diplomático. Mas, sobretudo, Viriato foi o defensor de um mundo que morria asfixiado pelo poderio romano: o mundo em que mergulham as raízes mais profundas de Portugal e de Espanha. É esse mundo, já então em declínio, que este livro tenta evocar.” Quando do seu aparecimento, em 1984, Fernando Assis Pacheco escreveu serem raras as estreias com tanta qualidade. Depois disso, A Voz dos Deuses, ao longo de sucessivas edições, tornou-se um “clássico” do romance histórico português contemporâneo. COMENTÁRIOS DO CLUBE • Apesar de histórico [e sobre uma época sempre nublada pelas imensas tribos que habitavam na Península Ibérica, que se erguiam e extinguiam, pelos constantes assaltos por inimigos vários (por vezes de tribos até vizinhas)], este livro é um romance, pelo que como o próprio autor faz questão de realçar na Advertência Prévia: “Boa, má ou simplesmente medíocre, A Voz dos Deuses é uma obra de ficção e não um ensaio histórico rigoroso. No entanto, estou sinceramente persuadido de que o Viriato que os leitores encontrarão […] está mais próximo do Viriato histórico e verdadeiro que a tradicional imagem do rude pastor dos Hermínios bravamente entrincheirado na sua Cava, em Viseu; mesmo porque Viriato não nasceu nos Hermínios (ou seja, a serra da Estrela) e a Cava é uma fortificação que nada tem a ver com o chefe lusitano. Entretanto, e parafraseando Eça de Queirós, […] foi necessário lançar sobre a nudez forte da verdade o manto diáfano de uma fantasia plausível ou, pelo menos, aceitável. Eis o que tentei fazer”. E no final do livro o escritor oferece mesmo uma clarificação quanto à matéria verídica e ficcional que entretece no seu texto. O que a mim mais me fascinou no livro é o facto de ele conseguir transportar-nos até aquela época ao ponto de nos fazer sentir o ambiente que se vivia na hoste de Viriato, os usos e costumes dos povos, os deuses, os sacrifícios, o significado do monte da Lua e as deidades que o habitavam. Tongio, sacerdote do Templo de Endovélico (um dos principais locais de culto ibéricos à época a que a narrativa nos remete) conta, no fim da sua vida, a forma como nasceu, cresceu e viveu numa Península Ibérica invadida pelos romanos, na tentativa de expandirem o seu Império até ao Atlântico. Deambula pela Península até encontrar Viriato: um general exímio, um

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diplomata exemplar, sóbrio no que respeitava a reclamar para si os espólios de guerra, fidelíssimo à sua mulher, entre outros aspectos do seu carácter que o tornaram… um líder perfeito. É esta caracterização do herói, que se constrói de forma paulatina mas segura, estas construção do perfil de Viriato, a instauração de marcas textuais dessa singularidade de carácter que mais me impressionou e persegui. Numa época de descrença quase absoluta e indiferenciada da classe política atual, é bom não esquecer de que se fazem os grandes homens e olhar para o passado para ver melhor o presente e construir o futuro… Assim, há alguns aspetos que nos permitem entender a força deste lusitano: . A sua análise objetiva da situação da Ibéria Um território sempre em guerra, porque os seus povos não pareciam saber fazer outra coisa, leva Viriato a desejar e pugnar por uma unificação das tribos que vivem, afinal, no mesmo espaço. O narrador afirma que a vida ensinou-lhe que “cada povo tende a considerar os outros como bárbaros”, não havendo lugar, portanto, a descrições maniqueístas sobre as tribos da altura e se explique, também, que os lusitanos atacavam os outros povos por ódio a Roma, já que alguns desses mesmos povos aceitavam estar sob domínio romano, ou para saquear, uma vez que depois de um Inverno rigoroso era necessário providenciar alimentos. Quando tenta habituar-se à vida de campanha, é também o narrador que constatará que “éramos mais um bando de salteadores que um exército. Não havia objetivo, excepto viver à custa dos saques e matar romanos”. O povo invasor romano nem entre si é fiável, dado que as ambições de poder desmedidas entre governadores e pretores geram constantes ascensões e quedas. Por outro lado, a uma inatividade mais prolongada este povo guerreiro inicia lutas pelas prostitutas disponíveis e violam mulheres e até miúdos. . Qualidades técnicas de Viriato ou o estratega sempre atento O narrador apercebe-se de que Viriato não acredita na vitória sobre os romanos enquanto os vários exércitos da Ibéria não estabelecerem “um comando único, centralizado num só homem”. Após as cerimónias religiosas, e apesar de os presságios indicarem uma grande vitória, quando Viriato se retira para a sua tenda não o faz sem antes “ordenar que a confraternização não fosse muito longe na bebida”. E, segundo Táutalo, “o comandante deitou-se vestido e armado, já pronto para a partida. Para ele, guerra é guerra, até mesmo durante a noite”. E Viriato só ataca regiões quando as conhece bem, nem que para isso seja preciso enviar homens para fazerem o reconhecimento das terras. Encara a fraca experiência guerreira de Tongio como um aspeto menor face aos seus conhecimentos de latim, percebendo que um intérprete letrado é difícil de arranjar.

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. Qualidades humanas de Viriato - Espírito intrínseco de líder-educador Apenas o exército de Viriato era disciplinado. Por outro lado, o seu exército, sendo constituído por uma mistura de lusitanos de planície e das serras, Igeditanos e Vetões, era mais fiel ao espírito de corpo que à solidariedade tribal, e este espírito de equipa é inculcado desde logo pelo seu líder. Os lusitanos eram muito corajosos em combate, mas suportam mal a adversidade e só os homens de Viriato mantêm a calma. Por outro lado, é um chefe que não se limita a ensinar a combater o inimigo visível, mas também as superstições e crendices desfavoráveis como uma tempestade de Verão e que ele reinterpreta convencendo os seus homens de que “a trovoada e a chuva eram um favor dos deuses, pois vinham facilitar-lhes a vitória”. Recusa a todo o preço vender-se. “Não ficaria bem vender um auxílio, que prestei de livre vontade, além disso, não gosto do ouro, corrompe os guerreiros.” A sensatez leva Viriato a recordar a Tongio que “tem de cuidar da mãe e que se ele tiver de combater com eles os deuses hão-de conduzi-lo”. Discutia sempre os novos planos de guerra, ouvindo as sugestões que aparecessem, embora os seus projetos, por serem melhores, vencessem geralmente. As suas derrotas nunca o desanimam verdadeiramente. O narrador diz que “nunca soube de general mais próximo dos seus homens”. - Autocontrole Perante um homem da hoste de Crisso, que mata um prisioneiro que se rende, e ainda por cima sem se aperceber de que ele matou o pretor Caio Vetílio, Viriato apresenta uma calma forçada: “dominara-se porque nada havia a fazer e tinha horror a explosão de cólera inútil”. Apesar de furioso e bem ciente de que “Tínhamos em nosso poder Caio Vetílio! Podíamos obrigá-lo a negociar, ditar-lhe as nossas condições, exigir um resgate que nos garantisse um Inverno com alimentos…!, e perante a hipótese de mandar executar o guerreiro idiota, Viriato afirma: “[…] o homem não tem culpa, é ignorante, seguiu os seus costumes e não foi treinado. Todos os seus antepassados fizeram a guerra assim… é isso que temos de modificar”. Mesmo no seu casamento, e porque em contexto de guerra, Viriato “bebeu pouco e comeu ainda menos; provou de todos os pratos por simples delicadeza”. - Oratória apreciável Consciente de que a palavra é também uma arma, tem perfeita noção de quando e como utilizá-la e é exatamente após o seu discurso para cinco mil homens que finalmente se transforma no líder de todos os lusitanos.

Sónia Pereira [coord.]

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EXCERTOS ESCOLHIDOS • [paginação de acordo com a 27.ª edição da Asa, de 2007] pp.29, 55 e 125 | Imagem da Ibéria antes do comando de Viriato. p.67 | Contradições do povo romano. pp.108-109, 130, 134-135, 138, 142, 145, 154-157, 163, 167, 234, 295 e 306 | Marcas da construção de Viriato enquanto líder heróico. SUGESTÕES DIVERSAS • | Curiosidades Explicação do título da obra Tongio, por acreditar que o espírito do seu tio Camalo pede vingança e justiça (pois havia sido morto por um centurião romano), lança-se numa luta corpo a corpo e acredita que saiu vencedor porque ouve uma voz divina dizer-lhe: “Menos ardor e mais estratégia”. Mais tarde, já com 80 anos, este mesmo narrador dirá que “já ouviu os deuses no amor, na guerra, no sono, mas agora só no silêncio”. Explicação do nome de Viriato Viriato significa que foi investido com as virias de ouro. Quando é consagrado general lusitano colocam-lhe nos braços as virias como símbolo do comando supremo. | Família de livros Há obras que pelos seus temas, personagens e ambientes conduzem o leitor a estabelecer relações entre elas. Estes diálogos intertextuais podem acontecer com textos mais ou menos afastados no tempo e no espaço e com géneros distintos. Acontece reconhecerem-se as obras matriarcas, as suas descendentes e, dentro destas, as verdadeiramente originais e as epigonais ou, numa linguagem comercial, as marcas brancas. Poemas “Poema do alegre desespero”, de António Gedeão “Se”, de Rudyard Kipling Sugestões de outros romances históricos pelos membros do Clube Eurico, o presbítero, de Alexandre Herculano Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde, de Mário Cláudio Catarina de Bragança, de Isabel Stilwell Filipa de Lencastre, de Isabel Stilwell A Sala das Perguntas, de Fernando Campos D. Sebastião e o Vidente, de Deana Barroqueiro As Luzes de Leonor, de Maria Teresa Horta Eu, Leonor Teles, de María Pilar Queralt del Hierro

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O Último Távora, de José Norton A Casa das Sete Mulheres, de Letícia Wierzchowski Macunaíma, de Mário de Andrade Guarani, de José de Alencar Guerra e Paz, de Lev Tolstoi As memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar O nome da Rosa, de Umberto Eco