Botelho Rezende 2007

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    UM BREVE HISTRICO DO CONCEITO DE FUNO

    Leila BotelhoSEE-RJ

    [email protected]

    Wanderley Rezende

    Instituto de MatemticaUniversidade Federal Fluminense

    [email protected]

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    UM BREVE HISTRICO DO CONCEITO DE FUNO

    Resumo: Este artigo procura fazer um resumo da evoluo do conceito de funo at o incio do

    sculo XX. Veremos que, historicamente, o conceito nasceu e se desenvolveu na busca de

    filsofos e cientistas em explicar a realidade e encontrar mtodos de investigao que

    permitissem estudar e prever os fenmenos naturais.

    Palavras-chave: Funo;..

    Abstract:This paper looks to sum up the evolution of the function concept until the early XXcentury. We will see that, historically, the concept was born and has grown from philosophers'

    and scientists' search to explain reality and find methods of investigation that can allow us tostudy and forsee natural phenomenons.

    Key words:Function; ..

    1. Introduo

    O conceito de funo, presente nos mais diversos ramos da cincia, teve sua origem na

    tentativa de filsofos e cientistas em compreender a realidade e encontrar mtodos quepermitissem estudar e descrever os fenmenos naturais. Segundo Caraa (1989), esta realidade

    apresenta duas caractersticas fundamentais: a interdependncia, que faz com que todas as coisas

    estejam relacionadas umas com as outras e a fluncia, que faz com que tudo no mundo esteja em

    permanente mudana. Como estudar variaes de quantidade num mundo constitudo de partes

    que dependem umas das outras e que mudam a cada instante?

    Veremos a seguir que o conceito de funo levou muito tempo para ser aperfeioado e

    que, apesar de ter sido explicitado apenas a partir do sculo XVIII, em algumas idias anteriores

    j aparece de forma implcita. Buscaremos identificar as diversas interpretaes/representaes

    que estiveram presentes na criao e no desenvolvimento do conceito, o que servir como base

    para as nossas reflexes sobre o modo como estas representaes tm participado do ensino das

    funes.

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    2.

    Na Grcia Clssica, as explicaes para os fenmenos naturais eram baseadas sobretudo

    em mitos. A partir da fundao da primeira escola filosfica grega por Tales de Mileto, por volta

    de 600 a.C os filsofos/cientistas procuraram dar explicaes mais racionais para os eventos que

    ocorriam no mundo que os cercava. Desse modo, uma pedra ao ser largada cai, no por ser esta a

    vontade dos deuses, mas porque possuem uma qualidade chamada peso, que atrai os corpos para

    o centro da terra. Fenmenos como este, segundo Plato (427-347 a.C.), deveriam ser estudados

    pela matemtica. O estudo das mudanas fsicas, principalmente do movimento, teve em

    Aristteles (384-322 a.C.) sua figura principal. A fsica de Aristteles era qualitativa e este tipo

    de abordagem influenciaria a evoluo da cincia ainda por muito tempo. Veremos adiante que oconceito de funo nasceu a partir do momento em que os cientistas passaram a descrever o

    movimento de forma quantitativa.

    Por volta de 1100, quando os europeus entraram em contato com os povos do oriente

    atravs de viagens comerciais e das Cruzadas, os principais pensadores da Grcia foram

    traduzidos e suas idias foram disseminadas. Vrias Universidades foram criadas, como a de

    Bolonha, em 1088, e as de Paris, Oxford, Cambridge, Salermo, por volta de 1200. O pensamento

    aristotlico foi adotado como modelo para a filosofia/cincia na Idade Mdia, tambm conhecidacomo filosofia escolstica.

    Este modelo foi questionado por padres como Roger Bacon (1214-1294) e Guilherme de

    Ockham (1300-1349), que criticaram fortemente as idias de Aristteles e defenderam que as

    verdades cientficas deveriam necessariamente ser obtidas atravs da experincia. Na

    Universidade de Paris, o Bispo Nicolau de Oresme (13231382), ao estudar o movimento

    uniformemente diforme (movimento com acelerao constante), representou num grfico (ver

    abaixo) a velocidade variando com o tempo da seguinte maneira: marcou instantes de tempo ao

    longo de uma linha horizontal que ele chamou de longitudes e representou as velocidades em

    cada tempo por linhas verticais, perpendiculares s longitudes, que ele denominou latitudes:

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    Os escolsticos deixaram para o sculo XV explicaes acerca dos fenmenos naturais

    baseadas na doutrina crist e na fsica qualitativa de Aristteles. Neste incio do perodo

    Renascentista, surgiram na Europa novas tradues em latim das obras gregas, e foi nesta poca

    que os europeus entraram em contato com o pensamento de Plato. Segundo Kline (1990), os

    cientistas da poca absorveram a filosofia platnica e combinaram estes pensamentos com os da

    Igreja: Deus criou e governa todas as coisas atravs da matemtica.

    Esta nova filosofia influenciou grandes cientistas, como o astrnomo alemo Johannes

    Kepler (1571-1630), que adotou a teoria heliocntrica de Nicolau Coprnico (1473-1543) e

    enunciou leis matemticas que descreviam o movimento dos planetas. A terceira Lei de Kepler

    afirma que os quadrados dos perodos orbitais dos planetas so proporcionais aos cubos dossemi-eixos maiores das rbitas. Esta lei descreve de forma quantitativa um fenmeno fsico e

    expressa matematicamente a relao entre as duas grandezas envolvidas, trazendo em seu

    enunciado implicitamente o conceito de funo. Podemos observar tambm a diferena entre esta

    e a 1 Lei de Kepler, esta qualitativa: os planetas descrevem em torno do sol uma elipse da qual o

    sol ocupa um dos focos.Apesar de Kepler ter dado os primeiros passos na direo de uma fsica

    quantitativa, o rompimento definitivo com a maneira aristotlica de explicar os fenmenos

    naturais veio atravs de Galileu Galilei (1564-1642), considerado o fundador da cincia moderna.

    Galileu chamou a ateno das autoridades da Igreja ao questionar publicamente dois

    grandes pilares da filosofia crist: o homem como centro do universo e a fsica de Aristteles

    como modelo para a cincia. Galileu adotou e ensinou a teoria heliocntrica nas Universidades de

    Pisa e de Pdua e, nesta poca, seus experimentos mostraram que o peso de um corpo no exerce

    influncia na velocidade da queda livre, contrariando Aristteles, que afirmava que corpos mais

    pesados caem com velocidade maior. Estas novidades, que no eram bem - vindas, levaram

    Galileu ao isolamento, perodo em que escreveu As duas novas cincias. Nesta obra sobre

    dinmica e resistncia dos materiais, entre outros resultados, enunciou a lei da queda dos corposno vcuo: o espao percorrido por um corpo em queda livre diretamente proporcional ao

    quadrado do tempo levado para percorrer este espao.Esta lei, assim como a 3 Lei de Kepler,

    traz em seu enunciado claramente o conceito de funo. Ambos os cientistas iniciaram uma nova

    era para a cincia, que, a partir deles, passou a ser fundamentada na experimentao e no uso da

    matemtica.

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    Para estabelecer o conceito de funo - como relao entre grandezas que variam - foi

    necessria a definio do conceito de varivel, o que se deu, inicialmente, a partir da

    simbolizao da lgebra. O uso de smbolos ingressou na matemtica atravs de duas vias

    principais: pela lgebra desenvolvida na Grcia por Diofanto e pela lgebra hindu. Alm de

    introduzir a utilizao de smbolos para representar incgnitas, potncias e operaes, Diofanto

    foi pioneiro na resoluo de equaes indeterminadas. Os matemticos hindus, sobretudo a partir

    do sculo 2 d.C., desenvolveram uma lgebra mais simblica do que a de Diofanto, avanando

    tambm na resoluo de equaes indeterminadas.

    A lgebra, que desde esta poca no tinha feito quase nenhum progresso, avanou no

    sculo XVI principalmente atravs da obra do matemtico francs Franois Vite (1540-1603).Na obraIn Artem Analyticam Isagoge, Vite chamou sua lgebra simblica de logistica speciosa

    em oposio logistica numerosa, e esta distino, segundo Kline (1990), traou uma linha

    divisria entre a lgebra e a aritmtica. Ren Descartes (1596-1650), mais tarde, usou as

    primeiras letras do alfabeto para quantidades conhecidas e as ltimas letras para as

    desconhecidas, como fazemos at hoje (Kline, 1990).

    Descartes escreveu sua nica obra matemtica, La Gomtrie, como um apndice do

    Discours de la mthode, publicado em 1637,onde expe suas idias cientficas e filosficas.

    Em La Gometrie, Descartes, assim como Vite, utilizou a lgebra como ferramenta para a

    resoluo de problemas geomtricos. As grandes inovaes foram a associao de curvas a

    equaes algbricas e o uso de um sistema de coordenadas para relacionar as variveis

    envolvidas naquelas equaes, procedimentos que deram origem ao que chamamos hoje de

    geometria analtica.

    Pierre de Fermat (1601-1665), que contribuiu para o desenvolvimento da teoria dos

    nmeros, da teoria das equaes, da geometria analtica e do clculo, segundo Kline (1990),

    estava familiarizado com o trabalho de Vite com relao ao uso da lgebra para resolverproblemas geomtricos. No seu estudo de curvas, Fermat utilizou um sistema de coordenadas e

    relacionou as duas variveis que apareciam no final de uma equao a partir do seguinte

    princpio: Sempre que numa equao final encontram-se duas quantidades incgnitas, temos

    um lugar, a extremidade de uma delas descrevendo uma linha reta ou curva (Boyer, 1991). A

    relao entre as incgnitas estabelecida atravs de um lugar geomtrico, isto , o que

    conhecemos hoje como expresso algbrica de uma funo, tanto para Fermat como para

    Descartes, era uma curva.

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    Segundo Kline (1990), a definio mais explcita de funo do sculo XVII foi dada por

    James Gregory em 1667, que definiu funo como uma quantidade obtida de outras

    quantidades pela sucesso de operaes algbricas ou por qualquer outra operao

    imaginvel. Para Gregory, esta outra operao imaginvel era a passagem ao limite, que s

    seria completamente esclarecida posteriormente.

    O estudo de curvas, devido sua aplicabilidade cincia, era fundamental para os

    matemticos do sculo XVII. O estudo das diversas variveis associadas a uma curva (por

    exemplo, a tangente num ponto, a rea sob a curva, o comprimento e a velocidade de um ponto

    ao longo de uma curva) os levou a estabelecer relaes entre estas variveis. Grandes

    matemticos deste tempo como Boaventura Cavalieri, Gilles Roberval, John Wallis e IsaacBarrow estudaram a variao destas grandezas associadas a curvas. Em particular, Fermat,

    Barrow, James Gregory, Evangelista Torricelli chegaram a perceber que o problema da

    determinao da tangente era inverso ao do clculo da rea sob a curva, mas no perceberam de

    imediato a generalidade ou a importncia deste resultado. De qualquer modo, estes matemticos

    prepararam o terreno para que Newton e Leibniz estabelecessem os fundamentos do Clculo.

    A primeira contribuio de Isaac Newton (1642-1727) para o desenvolvimento do

    conceito de funo, e que esteve presente na sua construo do Clculo, foi seu trabalho com

    sries infinitas. Segundo Boyer (1991), Newton descobriu algo muito mais importante do que o

    Teorema Binomial, ao verificar que a anlise atravs de sries infinitas possua tanta consistncia

    quanto a lgebra aplicada a quantidades finitas. As sries infinitas no seriam mais consideradas

    instrumentos de aproximao, mas uma outra maneira de escrever as funes que representavam.

    A primeira publicao, em 1687, envolvendo suas idias sobre o Clculo foi Princpios

    Matemticos da Filosofia Natural. Apesar de no ser uma obra estritamente matemtica, segundo

    Kline (1990), o que Newton desenvolveu no Clculo foi em grade parte motivado pelo seu

    interesse nos problemas de fsica tratados neste livro. Em trs obras escritas anteriormente e queseriam publicadas apenas no sculo XVIII, Newton j havia iniciado o desenvolvimento do

    clculo: Anlise atravs de Equaes com um Nmero Infinito de Termos, escrita em 1669, O

    Mtodo de Fluxes e Sries Infinitas, escrita em 1671, e Quadratura de Curvas, em 1676. Na

    primeira obra, Newton mostrou que a rea sob uma curva poderia ser determinada pelo processo

    inverso do clculo da taxa de variao. Apesar de a validade deste resultado ter sido observada

    anteriormente, Newton foi o primeiro que percebeu sua generalidade. OMtodo dos Fluxes foi

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    aplicado a variveis (fluentes) para o clculo da taxa de variao (fluxos). O que chamamos hoje

    de expresso algbrica de uma funo era para Newton a relao entre os fluentes.

    Apesar de a primeira publicao do Clculo de G. H. Leibniz (1646-1716) ter sido feita

    em 1684, ele vinha redigindo informalmente, desde 1673, notas que continham suas idias. Uma

    de suas primeiras notas mostravam uma forma de relacionar somas e diferenas entre termos de

    uma seqncia, que foram a base para o estabelecimento de seu Calculus Summatorius ou

    Calculus Integralise o Calculus Differentiallis, expresses criadas por Leibniz. Ao longo de suas

    obras, criou notaes, como um S longopara integral, e estabeleceu frmulas para derivadas e

    integrais de diversas funes. Leibniz introduziu o uso das palavras constante, varivel e

    parmetro.

    3.Conforme j observamos, os principais objetos de estudo no sculo XVII eram as curvas e

    seus conceitos associados. As variveis associadas a uma curva eram geomtricas, e, em 1673,

    Leibniz utilizou pela primeira vez a palavra funo para indicar quantidades que variavam ao

    longo de uma curva, por exemplo, a tangente. Segundo Kliner (1989), este interesse em curvas

    fez tambm com que os matemticos voltassem sua ateno para os smbolos que apareciam nas

    frmulas e equaes, independente das curvas originais que estas equaes representavam.

    Johann Bernoulli (1667-1748) experimentou vrias notaes como X, e finalmente x

    para uma funo de x. Em 1718, Bernoulli definiu funo da seguinte maneira:

    Chamamos aqui Funo de uma grandeza varivel, uma quantidade composta de

    qualquer maneira desta grandeza varivel e de constantes(Rthing, 1984).

    Para Bernoulli, cada funo poderia ser representada por uma nica expresso analtica,

    podendo-se observar na definio acima o conceito de funo como combinao de smbolos

    algbricos. Esta expresso analtica aparece na definio de funo dada por Leonhard Euler(1707-1783) em seu clssicoIntroductio in Analysin Infinitorum, de 1748, primeira obra em que

    o conceito de funo desempenha um papel central. Aps definir o significado de quantidade

    constante e quantidade varivel, Euler enunciou, em 1748: uma funo de uma quantidade

    varivel uma expresso analtica composta de alguma maneira desta quantidade varivel e

    nmeros ou quantidades constantes (ibid.). Euler no definiu expresso analtica, mas,

    segundo Boyer (1991), tinha em mente funes algbricas e as funes transcendentes

    elementares (exponenciais, logartmicas e trigonomtricas).

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    Um longo debate sobre um problema da corda vibrante envolvendo Euler, dAlembert,

    Daniel Bernoulli e Lagrange acerca do significado de funo provocou um novo entendimento

    sobre o conceito. O problema o seguinte:

    Uma corda elstica com os extremos fixos, por exemplo em 0 e l deformada numa

    posio inicial F e solta, provocando vibraes. O problema determinar a funo que descreve o

    formato da corda em um instante t.

    O debate durou vrios anos e, segundo Kliner (1989), teve importantes conseqncias na

    evoluo do conceito de funo. O conceito foi estendido, de modo a abranger:

    a)Funes definidas por expresses analticas diferentes em diferentes intervalos.

    b)Funes desenhadas mo livre e que, possivelmente, no eram dadas por combinaes de

    smbolos algbricos.

    Quanto ao termo expresso analtica, este no aparece na definio de funo que Euler

    deu em 1755: se x denota uma quantidade varivel, ento todas as quantidades que dependem

    de x ou so determinadas por ele so chamadas suas funes (Rthing, 1984). Euler

    responsvel pela introduo, em 1734, da notaof(x)para designar uma funo que depende da

    varivelx.

    Em 1797, Joseph-Louis Lagrange (1736-1813) definiu funo: Chamamos funo de

    uma ou vrias quantidades toda expresso para clculo na qual estas quantidades entram de

    uma maneira qualquer, envolvidas ou no com outras quantidades que consideramos como

    sendo dadas e valores invariveis, enquanto as quantidades da funo podem assumir todos os

    valores possveis. ... Designaremos em geral pela letra f ou F, colocada antes da varivel, toda

    funo desta varivel, isto , toda quantidade que depende desta varivel e que varia com ela

    segundo uma lei dada (ibid.). Podemos observar tanto na definio de Lagrange como na de

    Euler (1755) a presena da idia de funo como relao entre quantidades variveis.

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    Augustin-Louis Cauchy (1789-1857) em seu Cours DAnalyse, obra publicada em 1821,

    definiu os conceitos de funo contnua, diferencivel e integrvel a partir da noo de limite.

    Segundo Silva (1999), Cauchy foi o principal responsvel pela transformao do clculo

    diferencial e integral de variveis (de Newton e Leibniz) no clculo diferencial e integral de

    funes, como temos hoje. Sua definio de funo semelhante s enunciadas anteriormente.

    Os matemticos do sculo XVIII exploraram o uso de sries trigonomtricas relacionadas

    aos fenmenos astronmicos devido sua periodicidade. Estas sries foram estudadas por Joseph

    Fourier (1768-1830) em sua Teoria Analtica do Calor, publicada pela primeira vez em 1822, o

    que provocou uma reviso no conceito de funo. O principal resultado matemtico de Fourier

    nesta obra, de acordo com Kliner (1989), o seguinte:

    0

    1

    Toda funo f(x) definida no intervalo (- , ) pode ser representada neste intervalo por uma srie

    de senos e cosenos:

    ( ) cos sen ,2

    n n n n

    n

    a n x n xf x a b onde a e b so dados por

    =

    = + +

    - -

    1 1( ) cos ( )n n

    n t n t a f t dt e b f t sen dt

    = =

    Este resultado no era totalmente correto, e matemticos como Gustav Lejeune Dirichlet

    (1804-1859), nos anos seguintes, iriam fornecer condies para que uma funo pudesse ser

    representada como uma srie de Fourier num dado intervalo. Mas o resultado de Fourier mostrou

    que uma grande quantidade de funes f(x) (no necessariamente peridicas) poderiam ser

    representadas com outra expresso analtica (a sua srie de Fourier) num dado intervalo. Segundo

    Luzin (1998), a descoberta de Fourier mostrou que muito da controvrsia surgida no debate sobre

    o problema da corda vibrante - cuja soluo era dada por uma srie trigonomtrica - foi resultado

    da confuso entre dois conceitos aparentemente idnticos, mas bem diferentes: os conceitos de

    funo e de sua representao analtica.

    A definio de funo dada por Dirichlet a seguinte:

    Suponhamos que a e b so dois valores dados e x a quantidade varivel que assume,

    gradualmente, todos os valores localizados entre a e b. Se para cada x corresponde um nico y,

    de modo que, enquanto x percorre o intervalo de a at b, y = f(x) varia gradualmente da mesma

    forma, ento y chamada funo contnua de x para este intervalo. Alm disso, no

    absolutamente necessrio que y dependa de x no intervalo inteiro de acordo com a mesma lei;

    sem dvida, no necessrio pensar somente em relaes que possam ser expressas atravs de

    operaes matemticas(Rthing, 1984).

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    Dirichlet foi o primeiro a estabelecer o conceito de funo como uma relao arbitrria

    entre as variveis, independente de frmulas algbricas. Para mostrar a natureza arbitrria desta

    relao, definiu a funo:

    Foi o primeiro exemplo de uma funo que no era representada por uma frmula

    combinao de smbolos matemticos. O matemtico ingls George Stokes (1819-1903),

    acompanhando o entendimento de Dirichlet, percebeu a importncia de pensar em funes

    independentes de todas as idias de expresso algbrica (Silva, 1999).

    A interpretao do conceito de funo como transformao, onde cada elemento x

    transformado no elemento f(x), foi dada por George Boole (1815-1864):

    Qualquer expresso algbrica envolvendo o smbolo x chamada uma funo de x e pode

    ser representada sob a forma geral abreviada f(x). ... Nestes mesmos princpios de notao, se em

    alguma funo transformarmos x em 1, o resultado ser expresso pela forma f(1); se na mesma

    funo transformarmos x em 0, o resultado ser expresso pela forma f(0)(Rthing, 1984).

    Richard Dedekind (1831-1916) utilizou a idia de aplicao para definir o conceito defuno:

    Em uma aplicao de um sistema S uma lei entendida, de acordo com a qual cada

    elemento s de S est associado a um determinado objeto que chamado a imagem de s e

    denotada por (s); dizemos tambm que (s) corresponde ao elemento s, que (s) originada ou

    gerada pela aplicao , que s transformado em (s) pela aplicao (ibid.).

    Na definio de funo dada por G.H. Hardy (1877-1947) foram enumeradas trs

    caractersticas que devem ser satisfeitas por uma funo determinada pela relao entre duasquantidades variveis x e y:

    (1) y sempre determinado por um valor de x;

    (2) para cada valor de x para o qual y dado, corresponde um e somente um valor de y;

    (3) a relao entre x e y expressa atravs de uma frmula analtica, na qual o valor de y que

    corresponde a um dado valor de x pode ser calculado por substituio direta de x. (Silva, 1999)

    c, se x racionalf(x) =

    d, se x irracional

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    Uma traduo da definio de Hardy para a linguagem dos conjuntos foi dada por

    Bourbaki em 1939:

    Sejam E e F dois conjuntos distintos ou no. Uma relao entre uma varivel x de E e

    uma varivel y de F dita uma relao funcional em y, ou relao funcional de E em F, se, para

    qualquer xE existe um nico yF, e apenas um, que est na relao dada com x. Damos o

    nome de funo operao que associa a todo elemento xE o elemento yF que se encontra na

    relao dada com x; dizemos que y o valor da funo para o elemento x, e que a funo

    determinada pela relao funcional considerada. Duas relaes funcionais equivalentes

    determinam a mesma funo (Rthing, 1984).

    Podemos verificar atravs deste breve histrico que o conceito de funo passou pordiversas mudanas e que sua construo foi bastante lenta. Identificamos tambm algumas

    representaes na evoluo do conceito de funo atravs de sua histria: funo como relao

    entre quantidades variveis, como expresso analtica, como relao entre conjuntos e como

    transformao.

    4. Concluso

    A idia central do conceito de funo, presente tanto no nascimento da fsica quantitativaquanto em nosso cotidiano, a de relao entre quantidades variveis. No pensamos em

    frmulas matemticas ou em subconjuntos de um produto cartesiano quando compramos um

    produto. O que fazemos relacionar a quantidade comprada com o preo a ser pago atravs do

    conhecimento que temos sobre a maneira com que estas grandezas, quantidadeepreo,variam.

    O estudo da maneira como ocorre a variao das grandezas, por ter participado de forma

    decisiva na construo de um mtodo para a cincia e na prpria evoluo da matemtica devem

    estar presentes de alguma maneira no ensino de funes.

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    REFERNCIAS:

    BOYER, C.Histria da Matemtica.2aedio. So Paulo: Edgard Blcher, 1991.

    CARAA, B. de J. Conceitos Fundamentais da Matemtica.9a edio. Lisboa: Livraria S da

    Costa Editora, 1989.

    KLINE, M.Mathematical Thought from Ancient to Modern Times, v.1, Oxford University Press,

    1990.

    KLEINER, I. Evolution of the Function Concept: A Brief Survey. The College MathematicsJournal, v.20, n4, 1989, p. 282-300. 1989. Disponvel em

    . Acesso em 5/12/2004.

    LUZIN, N. Function. The American Mathematical Monthly. Jan e Mar, 1988.

    RTHING, D. Some Definitions of The Concept of Function from Joh. Bernoulli to N. Bourbaki.

    The Mathematical Intelligencer, vol. 6 , n 4, 1984, p. 72-77.

    SILVA, M. H. M. e REZENDE, W. M. Anlise histrica do conceito de funo. Caderno DLicena.Instituto de Matemtica. Universidade Federal Fluminense. v.2. p. 28-33. Niteri, 1999.