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HENRIQUE SAVONITTI MIRANDA LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS BRASÍLIA – 2004

BRASÍLIA – 2004antigo.enap.gov.br/downloads/ec43ea4fUFAM-HenriqueLicita.pdf · 5.2. clÁusulas “rebus sic stantibus” e “pacta sunt servanda” 5.3. fato do prÍncipe e fato

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HENRIQUE SAVONITTI MIRANDA

LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

BRASÍLIA – 2004

Sumário

CAPÍTULO I TEORIA GERAL DAS LICITAÇÕES

1. CONCEITO 2. OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO 2.1. ALCANCE DO IMPERATIVO CONSTITUCIONAL QUE OBRIGA A REALIZAÇÃO DE LICITAÇÕES PÚBLICAS 2.2. CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES 3. COMPETÊNCIA LEGIFERANTE 4. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL 5. FINALIDADES 6. PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO 6.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 6.1.1. RECUSA EM CUMPRIR LEIS OU ATOS NORMATIVOS REPUTADOS INCONSTITUCIONAIS 6.2. PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE 6.3. PRINCÍPIO DA ISONOMIA 6.4. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE 6.5. PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA 6.6. PRINCÍPIO DA FINALIDADE 6.7. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE 6.8. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE 6.9. PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO 6.10. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO 6.11. PRINCÍPIO DO JULGAMENTO OBJETIVO 6.12. PRINCÍPIO DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA 6.13. PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AMPLA DEFESA 6.14. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA 7. PRESSUPOSTOS DA LICITAÇÃO 7.1. PRESSUPOSTO LÓGICO DA LICITAÇÃO 7.2. PRESSUPOSTO JURÍDICO DA LICITAÇÃO 7.3. PRESSUPOSTO FÁTICO DA LICITAÇÃO

CAPÍTULO II HIPÓTESES DE NÃO-REALIZAÇÃO DO CERTAME LICITATÓRIO

1. INTRODUÇÃO 2. DISPENSA DE LICITAÇÃO 2.1. HIPÓTESES DE DISPENSA PARA ALIENAÇÕES IMOBILIÁRIAS 2.1.1. DAÇÃO EM PAGAMENTO

2.1.2. DOAÇÃO 2.1.3. PERMUTA 2.1.4. INVESTIDURA 2.1.5. VENDA A OUTRO ÓRGÃO OU ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 2.1.6. ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS PARA ATENDER A PROGRAMAS HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL 2.2. HIPÓTESES DE DISPENSA PARA ALIENAÇÕES MOBILIÁRIAS 2.2.1. DOAÇÃO PARA FINS E USO DE INTERESSE SOCIAL 2.2.2. PERMUTA 2.2.3. VENDA DE AÇÕES POR MEIO DE BOLSA DE VALORES 2.2.4. VENDA DE TÍTULOS 2.2.5. VENDA DE BENS PRODUZIDOS OU COMERCIALIZADOS POR ÓRGÃOS OU ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO, EM VIRTUDE DE SUAS FINALIDADES 2.2.6. VENDA DE MATERIAIS E EQUIPAMENTOS PARA OUTROS ÓRGÃOS OU ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO, SEM UTILIZAÇÃO PREVISÍVEL PARA QUEM OS VENDE 3. DISPENSABILIDADE DE LICITAÇÃO 3.1. OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA DE PEQUENO VALOR 3.2. SERVIÇOS, MENOS OS DE ENGENHARIA, E COMPRAS DE PEQUENO VALOR 3.3. GUERRA OU GRAVE PERTURBAÇÃO DA ORDEM 3.4. EMERGÊNCIA OU CALAMIDADE PÚBLICA 3.5. DESINTERESSE POR LICITAÇÃO ANTERIOR 3.6. INTERVENÇÃO, PELA UNIÃO, NO DOMÍNIO ECONÔMICO 3.7. PROPOSTAS COM PREÇOS MANIFESTAMENTE SUPERIORES AOS PRATICADOS PELO MERCADO 3.8. OPERAÇÃO ENTRE PESSOA PÚBLICA E ÓRGÃO OU ENTIDADE QUE A INTEGRE E FOI CRIADA PARA ESTE FIM, ANTES DA VIGÊNCIA DESTA LEI 3.9. COMPROMETIMENTO DA SEGURANÇA NACIONAL 3.10. COMPRA OU LOCAÇÃO DE IMÓVEL DESTINADO AO ATENDIMENTO DAS FINALIDADES PRECÍPUAS DA ADMINISTRAÇÃO 3.11. CONTRATAÇÃO DE REMANESCENTE DE OBRA, SERVIÇO OU FORNECIMENTO EM CONSEQÜÊNCIA DE RESCISÃO CONTRATUAL 3.12. COMPRA DE HORTIFRUTIGRANJEIROS, PÃO E GÊNEROS PERECÍVEIS 3.13. CONTRATAÇÃO DE INSTITUIÇÃO BRASILEIRA VOLTADA À PESQUISA, AO ENSINO E AO DESENVOLVIMENTO NACIONAL OU DE INSTITUIÇÃO DEDICADA À RECUPERAÇÃO SOCIAL DO PRESO 3.14. AQUISIÇÃO DE BENS OU SERVIÇOS NOS TERMOS DE ACORDO INTERNACIONAL, DESDE QUE AS CONDIÇÕES OFERTADAS SEJAM MANIFESTAMENTE VANTAJOSAS 3.15. AQUISIÇÃO E RESTAURAÇÃO DE OBRAS DE ARTE E OBJETOS HISTÓRICOS

3.16. IMPRESSÃO DE DIÁRIO OFICIAL, FORMULÁRIOS PADRONIZADOS, EDIÇÕES TÉCNICAS OFICIAIS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE INFORMÁTICA, POR ÓRGÃOS OU ENTIDADES QUE INTEGREM A ADMINISTRAÇÃO E CRIADAS PARA ESTE FIM ESPECÍFICO 3.17. AQUISIÇÃO DE COMPONENTES OU PEÇAS ORIGINAIS 3.18. COMPRAS E SERVIÇOS PARA O ABASTECIMENTO DE NAVIOS, EMBARCAÇÕES, UNIDADES AÉREAS OU TROPAS EM SEUS MEIOS DE DESLOCAMENTO 3.19. COMPRA DE MATERIAL PELAS FORÇAS ARMADAS PARA MANTER A PADRONIZAÇÃO EXIGIDA PELO APOIO LOGÍSTICO, EXCETO MATERIAIS DE USO PESSOAL E ADMINISTRATIVO 3.20. CONTRATAÇÃO DE ASSOCIAÇÃO DE PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA 3.21. AQUISIÇÃO DE BENS DESTINADOS À PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 3.22. FORNECIMENTO OU SUPRIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA 3.23. CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS GOVERNAMENTAIS E SUAS SUBSIDIÁRIAS E CONTROLADAS 3.24. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS COM ORGANIZAÇÕES SOCIAIS 4. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO 4.1. AQUISIÇÃO DE MATERIAIS, EQUIPAMENTOS OU GÊNEROS QUE SÓ POSSAM SER FORNECIDOS POR PRODUTOR, EMPRESA OU REPRESENTANTE COMERCIAL EXCLUSIVO 4.2. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS, COM PROFISSIONAIS OU EMPRESAS DE NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO, VEDADA PARA SERVIÇOS DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA 4.3. CONTRATAÇÃO DE ARTISTAS CONSAGRADOS PELA CRÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA

CAPÍTULO III MODALIDADES TRADICIONAIS DE LICITAÇÃO

1. CONCORRÊNCIA 1.1. AUDIÊNCIA PRÉVIA 1.2. UNIVERSALIDADE DA CONCORRÊNCIA 2. TOMADA DE PREÇOS 3. CONVITE 4. CONCURSO 5. LEILÃO 5.1. LEILÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO

CAPÍTULO IV

PROCEDIMENTO DA LICITAÇÃO 1. EDITAL 1.1. AMPLA PUBLICIDADE 1.2. PRAZOS MÍNIMOS 2. HABILITAÇÃO 2.1. REGISTROS CADASTRAIS 2.2. IDONEIDADE DOS CONCORRENTES 2.3. COMISSÃO DE JULGAMENTO 2.4. REQUISITOS DE HABILITAÇÃO 2.4.1. HABILITAÇÃO JURÍDICA 2.4.2. QUALIFICAÇÃO TÉCNICA 2.4.3. QUALIFICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA 2.4.4. REGULARIDADE FISCAL 2.4.5. CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO INCISO XXXIII DO ART. 7º DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL 3. JULGAMENTO 3.1. TIPOS DE LICITAÇÃO 3.1.1. MELHOR PREÇO 3.1.1.1. PROPOSTA MANIFESTAMENTE INEXEQÜÍVEL 3.1.2. MELHOR TÉCNICA 3.1.3. MELHOR TÉCNICA E PREÇO 3.1.4. MAIOR LANCE OU OFERTA 4. HOMOLOGAÇÃO 5. ADJUDICAÇÃO 6. REVOGAÇÃO E ANULAÇÃO DA LICITAÇÃO

CAPÍTULO V

PREGÃO: UMA NOVA MODALIDADE DE LICITAÇÃO

1. INTRODUÇÃO 2. PROBLEMAS DA RESTRIÇÃO INICIAL DA APLICABILIDADE DO PREGÃO À

ÓRBITA FEDERAL 2.1. CONTEÚDO DA EXPRESSÃO “NORMAS GERAIS” 2.2. MODALIDADES DE LICITAÇÃO COMO “NORMAS GERAIS” 3. CONCEITO DE PREGÃO 4. BEM OU SERVIÇO COMUM 4.1. CARÁTER EXEMPLIFICATIVO DO ROL DE BENS E SERVIÇOS COMUNS 4.2. UTILIZAÇÃO DE PREGÃO PARA AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE

INFORMÁTICA 5. PREGOEIRO 6.PROCEDIMENTO

6.1. FASE INTERNA 6.2. FASE EXTERNA 6.2.1. EDITAL 6.2.2. JULGAMENTO E LIMITAÇÃO NORMATIVA AO OFERECIMENTO DE

CONTRAPROPOSTAS 6.2.3. HABILITAÇÃO 6.2.4. ADJUDICAÇÃO 6.2.5. HOMOLOGAÇÃO 6.2.6. RECURSOS

CAPÍTULO VI

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 1. CONCEITO 2. CARACTERÍSTICAS 3. FORMALIZAÇÃO 3.1. APROVAÇÃO DA ASSESSORIA JURÍDICA 3.2. PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA 3.3. GARANTIAS 4. EXECUÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO E CLÁUSULAS

EXORBITANTES 4.1. ACOMPANHAMENTO E ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO 4.2. ACRÉSCIMOS E SUPRESSÕES 4.3. RESTRIÇÕES AO USO DA “EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS” 5. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO 5.1. REAJUSTAMENTO DE PREÇOS E TARIFAS 5.2. CLÁUSULAS “REBUS SIC STANTIBUS” E “PACTA SUNT SERVANDA” 5.3. FATO DO PRÍNCIPE E FATO DA ADMINISTRAÇÃO 5.4. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR 6. EXTINÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO EM RAZÃO DE UM FATO 7. EXTINÇÃO EM RAZÃO DE UM ATO 7.1. RESCISÃO POR ATO UNILATERAL E ESCRITO 7.2. RESCISÃO POR ACORDO 7.3. RESCISÃO CONTENCIOSA 8. RESCISÃO SEM CULPA DO CONTRATADO 9. CONTRATOS EM ESPÉCIE 9.1. CONTRATO DE OBRA PÚBLICA 9.2. CONTRATO DE SERVIÇO 9.3. CONTRATO DE FORNECIMENTO 9.4. CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO 9.5. CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO 9.6. CONTRATO DE CONCESSÃO DE OBRA PÚBLICA

9.7. CONTRATO DE GESTÃO

LEGISLAÇÃO 1. LEI FEDERAL N. 8.666/93 E POSTERIORES ALTERAÇÕES 2. LEI FEDERAL N. 10.520/02 3. DECRETO FEDERAL N. 3.555/00 4. DECRETO FEDERAL N. 3.697/00

BIBLIOGRAFIA

CAPÍTULO I TEORIA GERAL DAS LICITAÇÕES

1 CONCEITO As pessoas têm como procedimento buscar a melhor proposta para realizar seus

negócios. Não poderia ser diferente à Administração Pública. Todavia, enquanto que aos particulares esta procura é facultativa – por terem a liberdade de disporem livremente de seus recursos, mesmo que para realizarem um “mau negócio” – o mesmo não se verifica com as entidades governamentais que estão, quase sempre, obrigadas a realizar um procedimento prévio com o objetivo de encontrar a oferta que se lhes apresente mais vantajosa. A este procedimento dá-se o nome de licitação.

Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua licitação como “o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados"1.

2 OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO A obrigatoriedade da realização de licitações públicas encontra seu imperativo legal

no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal de 1988, que está assim redigido: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” (grifos nossos).

Além desses casos, a Constituição da República também exige o procedimento licitatório para a realização de concessões e permissões de serviços públicos, conforme se depreende do exame do caput do art. 175 deste Diploma, in verbis: “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (grifos nossos).

Estão obrigados à licitação pública, tanto as pessoas políticas quanto às entidades de suas Administrações indiretas, ou seja, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista, e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, independentemente do nomen juris que lhes seja atribuído.

No caso específico das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de

1 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 456.

bens ou prestação de serviços, o inciso III do parágrafo 1º do art. 173 da Constituição Federal prevê que a realização de licitações e contratação de obras, serviços, compras e alienações serão regulamentadas por estatuto jurídico próprio.

Prevê, ainda, o parágrafo único do art. 119 da Lei federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993, atual Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos, que as sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas, bem como entidades direta ou indiretamente controladas pelas pessoas jurídicas de capacidade política, editarão regulamentos próprios subordinados às disposições da lei em apreço, os quais serão publicados na imprensa oficial, após aprovação pela autoridade de nível superior a qual estejam vinculadas. Ate lá, aplica-se-lhes o disposto na citada lei.

Ressalte-se que a Constituição Federal, nos dois momentos em que cuida da obrigatoriedade da realização de licitações precedendo contratos, quais sejam, o inciso XXVII do art. 22 e o inciso XXI do art. 37, não estabelece diferenças entre empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividades econômicas. De sorte que estão obrigadas a licitar. Essa obrigatoriedade, no entanto, por certo não alcança os atos tipicamente comerciais ligados ao desempenho das atividades fins das empresas estatais.

Assim é que, o Banco do Brasil ou a CEF, v.g., não estão obrigados a licitar para celebrarem contratos de mútuo ou seguro, a Embraer (mesmo antes de privatizada), não vendia seus aviões por intermédio de procedimento licitatório e, também os Correios, não a realiza para a venda de selos. Isto porque, a licitação é incompatível com a dinâmica do mercado, no qual estas empresas estão inseridas, e acabaria por representar sério entrave ao alcance das finalidades comerciais ou de prestação de serviços buscados por estas entidades. Da mesma forma, entendemos não serem obrigadas a licitar para a aquisição dos insumos necessários ao atendimento de seus precípuos fins.

Na mesma linha, Celso Antônio Bandeira de Mello explica com inigualável propriedade: “Ora, quem quer os fins não pode negar os indispensáveis meios. Logo, nestas hipóteses em que o procedimento licitatório inviabilizaria o desempenho das atividades específicas para as quais foi instituída a entidade entender-se-á inexigível a licitação. Isto ocorre quando suas aquisições ou alienações digam respeito ao desempenho de atos tipicamente comerciais, correspondentes ao próprio objetivo a que a pessoa está proposta e desde que tais atos demandem a agilidade, a rapidez, o procedimento expedito da vida negocial corrente, sem o que haveria comprometimento da boa realização de sua finalidade” (grifos no original)2.

2.1 ALCANCE DO IMPERATIVO CONSTITUCIONAL QUE OBRIGA A

REALIZAÇÃO DE LICITAÇÕES PÚBLICAS A obrigatoriedade da realização de procedimento licitatório, como vimos, atinge os

entes das Administrações diretas e entidades das Administrações indiretas dos três Poderes

2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 467.

da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, por força dos mencionados dispositivos e nos exatos termos acima delineados.

Faz-se importante ressaltar que as empresas pertencentes a particulares, bem como as entidades conhecidas como paraestais, não estão sujeitas ao regime jurídico licitatório, em razão da liberdade que possuem para dispor livremente sobre seus negócios. Assim é que, mesmo as empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, responsáveis pela prestação destes serviços em virtude de delegação que lhes fora conferida pelo Poder Público, como regra não se obrigam a licitar.

Todavia, quem receber recursos provenientes do Estado sujeita-se às sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei federal n. 8.429, de 02 de junho de 1992) devendo, portanto, dar conta da utilização destes recursos.

É isto o que dispõe seu art. 1º, quando afirma que “os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei” (grifos nossos).

E, em seu parágrafo único, complementa: “estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”.

Desta forma, os delegatários de serviços públicos, organizações sociais, associações civis sem fins lucrativos, serviços sociais autônomos, organizações da sociedade civil de interesse público, e outras entidades predominantemente administradas pela iniciativa privada, em virtude de não integrarem a estrutura da Administração Pública brasileira, não estão sujeitas à observância da legislação estatal sobre Licitações e Contratos Administrativos, estando, porém, obrigadas a elaborarem seus próprios regulamentos de licitações e contratações, sempre que receberem recursos provenientes dos cofres públicos no custeio de suas atividades3.

2.2 CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES A Lei federal n. 9.649, de 27 de maio de 1998, editada com a finalidade de

reorganizar a Administração Pública Federal, atribuiu aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, em seu art. 58, a personalidade jurídica de direito privado,

3 Neste diapasão, cite-se, como exemplo, o entendimento do Egrégio Tribunal de Contas da União, proferido por meio da Decisão n. 907/97-Plenário, de 11.12.97 (D.O.U. de 26.12.97), firmando o entendimento de que os serviços sociais autônomos não estão sujeitos aos estritos procedimentos da Lei federal n. 8.666/93, mas aos seus regulamentos próprios devidamente publicados.

dispondo que tal atividade, a partir de então, far-se-ia por intermédio de uma delegação do Poder Público.

É sabido que tais entidades (como a Ordem dos Advogados do Brasil, os Conselhos Federais de Medicina, Odontologia, Farmácia, Engenharia, entre outros), possuem prerrogativas de polícia administrativa, inerentes a estes poderes de fiscalização. Além disso, tais entidades possuem capacidade tributária ativa, além da prerrogativa de adotarem medidas punitivas em face de profissionais que cometam infrações.

É velha a discussão na dogmática administrativista acerca da possibilidade de delegar-se poder de polícia administrativa para o exercício por entidades privadas, vale dizer, particulares, ainda que paraestatais.

A partir destes fundamentos, o presidente do Partido Comunista do Brasil propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, (ADIn n. 1.717-DF) objetivando a declaração da inconstitucionalidade do art. 59, da Lei Federal em exame.

Apreciado o pedido de medida cautelar pelo Tribunal Pleno, em 22 de setembro de 1999, o Supremo Tribunal Federal, por intermédio de relatório da lavra do Ministro Sydney Sanches, houve por bem deferí-lo, para suspender a aplicabilidade do referido dispositivo até o julgamento final de mérito, mantendo-se apenas o parágrafo 3º do art. 59, cuja apreciação fora prejudicada em razão das alterações trazidas pela Emenda Constitucional n. 19, de junho de 1998.

Do relatório, destaque-se a seguinte passagem: “com efeito, não parece possível, a um primeiro exame, em face do ordenamento constitucional, mediante a interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da C.F., a delegação, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que tange ao exercício de atividades profissionais”.

No mesmo sentido já havia sido o entendimento do Ministro Carlos Velloso, proferido no julgamento do Mandado de Segurança n. 21.797-9-RJ, julgado em 11 de abril de 1996, segundo o qual “é estatal a atividade de fiscalização do exercício profissional (CF, art. 5º, XIII; art. 21, XXIV; art. 22, XVI). Daí a afirmativa, que é correta, no sentido de que as entidades fiscalizadoras do exercício profissional ‘exercem funções tipicamente públicas e, por esta razão, regem-se pelas regras de direito público’”.

Finalmente, em 07 de novembro de 2002, julgando o mérito da ADIn n. 1.717/DF, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão entendendo que os conselhos de fiscalização das profissões regulamentadas possuem natureza autárquica.

Destarte, dúvidas não há de que, assim como as demais entidades da Administração Pública indireta, estes conselhos encontram-se sujeitos ao regime jurídico licitatório.

3 COMPETÊNCIA LEGIFERANTE A Constituição Federal confere competência privativa à União para legislar sobre

“normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas, diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito

Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III” (grifos nossos).

É o que prescreve o acima transcrito inciso XXVII de seu art. 22, com a redação que foi-lhe dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998.

Destarte, a competência para legislar sobre licitação assiste às quatro ordens de pessoas jurídicas de direito constitucional interno, quais sejam, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Apesar disso, cabe à União fixar as normas gerais sobre a matéria, ao passo que às demais pessoas políticas, complementar as normas gerais editadas pela União naquilo que lhes for próprio, ajustando-as em suas necessidades regionais.

Faz-se importante enfatizar que a inserção da competência legiferante da União sobre Licitações e Contratos Administrativos no art. 22 da Constituição da República e não no art. 24 deveu-se à intenção do legislador de estender, também aos Municípios, a competência para a edição de normas específicas. Se assim não fosse, a competência para a edição destas estaria restrita aos Estados, excluindo-se a prerrogativa aos Municípios.

Isto porque, o art. 24 da Carta Política de 1988 traz a denominada competência concorrente. Apresenta-se como um rol de assuntos sobre os quais União, Estados-membros e Distrito Federal legislarão conjuntamente, sendo que a primeira elaborará as normas gerais, ao passo que somente Estados e Distrito Federal cuidarão das normas especiais. Aí não entram os Municípios.

4 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL A União, exercendo a competência que a Constituição da República lhe confere,

editou o novo Estatuto Federal Licitatório (Lei federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993), alterado, entre outras, pela Lei federal n. 8.883, de 8 de junho de 1994.

Posteriormente, veio à lume outro importante diploma jurídico sobre o tema, qual seja, a Medida Provisória n. 2.026, de 04 de maio de 2000, que instituiu a modalidade licitatória denominada pregão. Após sucessivas reedições, este ato normativo alterou-se pela MP de n. 2.182 e, finalmente, converteu-se na Lei federal n. 10.520, de 17 de julho de 2002.

O art. 1º da Lei federal n. 8.666/93 afirma que seu conteúdo normativo estabelece “normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (grifos nossos).

Todavia, o citado diploma legislativo não traz em seu corpo apenas normas gerais, como manda ser o Texto Supremo, regulamentando todo o procedimento licitatório. Tal fato, portanto, apresenta-se como flagrante tentativa de invasão da competência constitucionalmente designada a Estados-membros, Distrito Federal e Municípios de pormenorizarem as normas gerais elaboradas pela União, com vistas à ajustá-las às realidades locais.

É certo que um dispositivo infraconstitucional não tem o condão de abalar o rígido esquema de divisão de competências elaborado pela Constituição da República, razão pela qual, resta evidente, que Estados-membros, Distrito Federal e Municípios não tiveram subtraído, nessas áreas, a prerrogativa legislativa que lhes fora assegurada pela Carta Política. Desta forma, as leis já produzidas são válidas e integram em tudo o ordenamento jurídico brasileiro desde que não ofendam as normas gerais prescritas pela Lei Federal de Licitações e Contratações da Administração Pública.

Neste sentido, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que “a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei n. 8.666 é manifesta, porque nada deixa para que Estados e Municípios legislem em matéria de licitação e contrato administrativo”4.

Ressalte-se que algumas situações especiais fogem do âmbito de aplicação do Estatuto Federal Licitatório, estando disciplinadas por outros dispositivos legais como, v.g., as licitações relativas a telecomunicações (Lei federal n. 9.472/97), as contratações realizadas com fulcro na lei que estruturou a Agência Nacional de Petróleo (Lei federal n. 9.478/97), as concessões e permissões de serviços públicos (Lei n. 8.987/95), entre outras.

5 FINALIDADES A exigência da realização de licitações precedendo a celebração das contratações

públicas possui duas finalidades, conforme se infere da análise do art. 3º do Diploma Federal Licitatório: a primeira consiste em possibilitar aos entes públicos a realização do melhor negócio, pela competição que se instala entre aqueles que preenchem os atributos e requisitos necessários para com ele contratar, e, a segunda, garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, assegurando aos administrados a oportunidade de contratar com estas pessoas.

6 PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO O art. 3º da Lei de Licitações e Contratos da Administração, depois de mencionar as

duas finalidades que norteiam a realização dos procedimentos licitatórios, dispõe que a licitação “será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos”.

Na qualidade de princípios correlatos, oriundos do regime jurídico administrativo, versaremos sobre os princípios da finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, motivação, devido processo legal e ampla defesa, adjudicação compulsória e eficiência.

A necessidade do estudo detalhado da principiologia informadora do procedimento das licitações e contratações públicas justifica-se por tratar-se do tema de maior importância, quando do estudo de uma disciplina jurídica, por se apresentarem como os 4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 294.

parâmetros que norteiam toda a atividade de elaboração, interpretação e aplicação das normas jurídicas deste ramo didaticamente autônomo do conhecimento jurídico.

Por esta razão, dizemos que os princípios apresentam-se como normas de estrutura, vale dizer, são normas que regulam a produção de outras normas. Destarte, os princípios direcionam-se tanto às atividades do legislador infraconstitucional quando, v.g., elabora a Lei Federal de Licitações ou a que instituiu a modalidade de licitação denominada pregão (Lei federal n. 10.520/02), quanto ao administrador público, em sua tarefa de criar as normas infralegais que irão ferir diretamente as condutas intersubjetivas, como é o caso dos editais de licitação, tudo com vistas à realização do bem comum.

Ressalte-se, ainda, que não existe hierarquia entre os princípios que foram explicitados no art. 3º da Lei Federal de Licitações e os princípios implícitos, por nós relacionados. Todos possuem a mesma importância para o direito. Tanto é assim, que alguns dos indispensáveis princípios para o contorno do regime jurídico das licitações e contratações administrativas apresentam-se de forma implícita, como ocorre com os princípios do devido processo legal e ampla defesa e da adjudicação compulsória.

Neste diapasão é impossível deixar de mencionar a importante decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio Mello que, insistindo na existência do princípio da moralidade administrativa desde antes de sua explicitação pelo Texto Constitucional de 1988, asseverou que “os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de princípio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina Jesus Gonzales Perez ‘el hecho de su consagración en una norma legal no supone que con anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido tal carácter’ (El principio de buena fe en el derecho administrativo. Madri, 1983. p. 15). Os principios gerais de direito existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo”5.

6.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE O princípio da legalidade, insculpido no inciso II do art. 5º da Constituição Federal e

corroborado pelo caput do art. 37, explicita a subordinação da atividade administrativa à lei. O administrador privado conduz seu empreendimento com dominus, agindo com os poderes inerentes à propriedade em toda a sua extensão. Assim, tudo o que não é proibido, é permitido ao gestor privado. Diga-se, ainda, que o administrador privado pode inclusive conduzir ruinosamente seu empreendimento sem que muito possa ser feito por terceiros.

Neste sentido são as difundidas lições do saudoso Hely Lopes Meirelles, para quem “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na

5 STF – 2ª T. – RExtr. n. 160.381-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Mello. RTJ 153/1030.

administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”6.

A Administração Pública, assim, em razão desse primado, deve ser gerida por critérios previamente postos pela ‘lei’. Daí as lições do Professor Ruy Cirne Lima, para quem a Administração Pública é a “atividade do que não é senhor absoluto”7.

O gestor público não age como “dono” que pode fazer o que lhe pareça mais aprazível. Diz-se, então, que ao Administrador Público só é dado fazer aquilo que a lei autorize, de forma prévia e expressa. Daí decorre o importante axioma da indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos, fundamento maior da obrigatoriedade da realização de licitações antecedendo à celebração de contratos.

O princípio da legalidade é de suma relevância, em matéria de licitação, pois esta constitui um procedimento inteiramente vinculado à lei. Todas as suas fases estão rigorosamente delineadas pela Lei n. 8.666, que, em seu art. 4º dispõe que “todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos”.

Tal obrigatoriedade atinge a todos os agentes públicos que, no exercício de suas funções, não poderão desvincular-se das balizas impostas pelas normas de Direito administrativo que incidam sobre o tema das Licitações e Contratos, sob pena de ilegalidade dos atos que praticarem, e do desencadeamento de sanções civil, penal e administrativa.

Como bem observa Celso Antônio Bandeira de Mello, podem alegar o direito à legalidade não apenas “todos quantos participem da licitação”, mas todos quantos queiram dela participar e aos quais seja indevidamente negado acesso, por violação dos princípios e normas que devem presidí-la8.

6.1.1 RECUSA EM CUMPRIR LEIS OU ATOS NORMATIVOS REPUTADOS

INCONSTITUCIONAIS Tema que desperta grande polêmica é o da possibilidade de descumprimento de

normas reputadas inconstitucionais. Seria lícito a Administração Pública, em virtude do princípio da legalidade, deixar de cumprir normas consideradas inconstitucionais, ou a presunção relativa de constitucionalidade das leis obrigaria ao cumprimento?

O entendimento da grande maioria da dogmática constitucionalista pátria é pela possibilidade do descumprimento das normas reputadas inconstitucionais, como forma de prestigiar-se a própria supremacia da Constituição.

6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 82. 7 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. p. 63. 8 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 462.

É esse o entendimento esposado por juristas do quilate de Carlos Maximiliano9, Francisco Campos10, José Celso de Mello Filho que cita, ainda, Caio Tácito, José Frederico Marques, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Orlando Miranda de Aragão e Themístocles Brandão Cavalcanti11, de Pontes de Miranda12, entre outros.

Nesse mesmo diapasão, merece transcrição as lições do Professor Miguel Reale, para quem, “se o próprio particular pode recusar cumprimento a uma determinação legal eivada de inconstitucionalidade, sujeitando-se às conseqüências desse seu entendimento, afigura-se-me incompreensível que se persevere em recusar-se ao Governo igual prerrogativa, máxime em se tratando do exercício de um dos três poderes do Estado”.

À guisa de arremate, lembremos as lições do saudoso Professor Hely Lopes Meirelles, que em seu Direito municipal brasileiro, tocou no ponto crucial: “os Estados de Direito, como o nosso, são dominados pelo princípio da legalidade. Isto significa que a Administração e os administrados só se subordinam à vontade da lei corretamente elaborada. Ora, as leis inconstitucionais não são normas jurídicas atendíveis, pela evidente razão de que colidem com mandamento de uma lei superior, que é a Constituição. Entre o mandamento da lei ordinária e o da Constituição deve ser atendido o desta, e não o daquela, que lhe é subordinada. Quem descumpre lei inconstitucional não comete ilegalidade, porque está cumprindo a Constituição”13 (grifos nossos).

Contrariando a tese de que a Administração Pública pode deixar de cumprir leis que reputa inconstitucionais, erguem-se algumas vozes de respeito, como a do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, além de Zeno Veloso e do Ministro Gilmar Ferreira Mendes.

Segundo Bandeira de Mello, o problema passaria pelo habitual desrespeito ao ordenamento jurídico que vem pautando as atividades do Poder Executivo ao longo dos tempos, aliado ao silêncio conivente dos outros dois Poderes. Em suas duras palavras, “o Executivo, no Brasil, abomina a legalidade e tem o costumeiro hábito de afrontá-la, sem ser nisto cortado, como devido”14.

Para Gilmar Ferreira Mendes, a Constituição Federal de 1988 teria ampliado consideravelmente o rol dos legitimados para a propositura da ações diretas de inconstitucionalidade, nele incluindo-se os Chefes dos executivos federal e estadual, razão pela qual restaria difícil justificar o descumprimento de leis sob o argumento da inconstitucionalidade, devendo o Chefe do Executivo, caso assim entenda, desencadear o processo de controle perante o Poder Judiciário15.

Zeno Veloso – respeitável monografista do tema, cujo trabalho orientou a elaboração dessas considerações – entende que “permitir que este Poder, ex propria auctoritate, cancele a eficácia de norma jurídica, porque a reputa contrária à Constituição, é consagrar 9 MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1918. p. 252. 10 CAMPOS, Francisco. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956. v. 1. p. 443. 11 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição federal anotada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 346. 12 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. t. III. p. 624. 13 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 538. 14 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 175.

tese perigosíssima, que pode pôr em risco a Democracia, num país em desenvolvimento como o nosso, com tantas e tão graves limitações e carências, com uma vocação histórica – e até o momento incontrolável – para o autoritarismo, com um Executivo verdadeiramente formidável e imperial, significando o princípio da divisão de poderes quase uma letra morta no Texto Magno”.

E conclui, afirmando haver exagero na concepção de que a lei inconstitucional é simplesmente nula, e que “não se deve sinonimizar inconstitucionalidade e nulidade. Em nosso sistema, a inconstitucionalidade, em regra, determina ou acarreta a nulidade. A inconstitucionalidade é prius, do qual resulta a nulidade. A conseqüência – nulidade – é um corretivo que o dogma da supremacia constitucional exige, diante de uma violação da Carta Magna, que precisa ser declarada judicialmente. E a Lei 9.868/99 veio trazer importantes inovações nesta matéria” 16.

Em que pese os argumentos do respeitável jurista, não podemos concordar com suas afirmações. A norma inconstitucional é, mais do que nula, absolutamente inexistente e as inovações trazidas pelas novas leis que tratam do controle abstrato de constitucionalidade, inconstitucionais.

Resta salientar que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, mesmo após a entrada em vigência da Constituição Federal de 1988, continuam a admitir a possibilidade do Chefe do Executivo determinar o descumprimento de normas reputadas inconstitucionais.

Mais do que isso, podemos afirmar que tal prerrogativa não se apresenta como exclusividade do Chefe do Poder Executivo, mas de quaisquer dos “poderes” da Federação, apresentando-se lícito, portanto, que o Chefe do Poder Legislativo – o Presidente do Congresso Nacional, na órbita federal – e do Poder Judíciário – como, v.g., o Presidente do Supremo Tribunal Federal – possam determinar o descumprimento de norma tida por inconstitucional, o que fazem na qualidade de autoridade máxima da atividade administrativa realizada por estes órgãos.

Para finalizar o assunto, emprestamos mais uma vez as palavras do Professor Celso Ribeiro Bastos que, com sua habitual propriedade, resume o assunto, e a nossa opinião, que com a dele se coaduna, ressalvando-se, como vimos, a ampliação das hipóteses de descumprimento para os demais “poderes”. Ouçamo-lo:

“No Brasil, a tese de que o Poder Executivo pode deixar de aplicar a lei que seja inconstitucional recebe o aval da maioria da doutrina. Ademais, é a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que aponta nesse sentido. Prevalece, contudo, o entendimento de que, por se tratar de uma medida grave, a suspensão do cumprimento de lei só poderá ser determinada pelo Chefe do Poder Executivo, e não por qualquer funcionário. Além disso, espera-se que a decisão seja suficientemente motivada, pois configura inclusive crime de

15 MENDES, Gilmar Ferreira. O poder executivo e o poder legislativo no controle de constitucionalidade. Revista arquivos do Ministério da Justiça. jul. a dez., 1995. 16 VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. pp. 322-4.

responsabilidade do Presidente da República, ou dos demais chefes do Executivo, os atos que atentem contra o cumprimento de leis (art. 85, VII, da Constituição Federal)”17.

6.2 PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE Esse primado nada mais é do que uma especificação, à Administração Pública, do

princípio da igualdade, insculpido no caput do art. 5º da Constituição Federal. A Carta Magna repetiu-o no caput do art. 37, quando versou, especificamente, sobre os princípios aplicáveis ao regime administrativo.

Se “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, deve-se impedir que, no desempenho das funções públicas, realizem-se discriminações odiosas, ou seja, discriminações calcadas em critérios não aceitos pela sociedade, como, v.g., em razão de raça, de sexo, de credos religiosos, de ideologias políticas, entre outras.

Assim, no desempenho das funções públicas requer-se o tratamento indistinto a todos os administrados “sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie”18. Essa é a impessoalidade no tratamento do administrado.

Destarte, o princípio da impessoalidade nas licitações implica no fato de que, no curso do procedimento licitatório, todos devem ser tratados com absoluta neutralidade, sem preferências ou aversões pessoais de qualquer natureza. Dessa forma, veda-se, também, considerar-se qualquer vantagem oferecida pelo licitante, salvo as expressamente previstas na lei ou no instrumento convocatório.

6.3 PRINCÍPIO DA ISONOMIA Por este primado visa-se assegurar igualdade de direitos a todos os interessados em

participar do processo de licitação. Diferenciando-se do princípio da impessoalidade, implica não apenas o dever de tratar isonomicamente todos os que afluírem ao certame, mas também o de ensejar oportunidades de disputa a quaisquer um que, desejando ingressar na competição, possam oferecer sua proposta e as indispensáveis condições de garantia.

Esse princípio, hoje está expresso no inciso XXI do art. 37 da Constituição da República e corroborado pelo inciso I do parágrafo 1º do art. 3º da Lei 8.666, que proíbe a inclusão de qualquer cláusula ou condição capaz de frustrar ou restringir o caráter competitivo do procedimento licitatório, vedando o estabelecimento de preferências ou distinções em razão da naturalidade, sede ou domicílio dos licitantes. Veda, pois, a realização da denominada “licitação dirigida” ou “licitação direcionada”.

17 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997. p. 73. 18 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 84.

Alguns autores, entre eles a Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, conferem a esta norma principiológica a nomenclatura de princípio da competitividade, decorrência implícita do primado da isonomia19.

6.4 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE O princípio da publicidade apresenta-se como indispensável à existência de um

Estado Democrático de Direito, na medida em que uma Administração Pública democrática não se compatibiliza com a garantia de sigilo de seus atos.

Por meio dele, é assegurado ao cidadão o acesso às informações da Administração sempre que deseje. Mais do que isso, a publicidade dos atos públicos – realizada, em regra, por meio da imprensa oficial – é requisito de eficácia dos atos administrativos.

É isso que prescreve o inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal, in verbis: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Na órbita das licitações e contratos administrativos, diz respeito não apenas à divulgação do procedimento para conhecimento de todos os interessados, como também aos atos da Administração praticados nas várias fases do procedimento, que podem e devem ser acessíveis aos interessados, para assegurar a todos a possibilidade de fiscalizar sua legalidade. A publicidade é tanto maior quanto maior for a competição propiciada pela modalidade de licitação; ela é a mais ampla possível na concorrência, em que o interesse maior da Administração é o de atrair elevada quantidade de licitantes e, se reduz ao mínimo no convite, em que o valor do contrato dispensa maior divulgação20.

6.5 PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA O princípio da moralidade exige que o procedimento licitatório realize-se em

conformidade aos padrões éticos prezáveis, o que impõe à Administração e licitantes, um comportamento “escorreito, liso, honesto”21, “consoante com a moral, os bons costumes, as regras da boa administração, os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade”22.

A Lei n. 8.666 faz referência, também, ao princípio da probidade administrativa. Cremos que a repetição se deve ao fato do termo moralidade, no âmbito do direito administrativo, apresentar-se como conceito novo, instituído com a Constituição Federal de 1988, não se encontrando perfeitamente delimitado, o que já ocorre com a noção de probidade ou, mais especificamente, de improbidade administrativa.

19 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 296. 20 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 298. 21 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 463. 22 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 298.

Destarte, não quis o legislador, incluindo apenas a exigência de moralidade, deixar margem para que se pudesse pensar em não responsabilizar o administrador desonesto a partir das duras penalidades impostas pela Lei de Improbidade Administrativa (Lei federal n. 8.429/92), que havia sido recentemente editada.

Aspecto importantíssimo é que, a partir da Constituição de 1988, a moralidade passou a ser elemento integrante do conceito de legalidade administrativa. Assim, ato administrativo imoral, editado pela Administração no curso de um procedimento licitatório, é sinônimo de ato administrativo ilegal e, como tal, deverá ser anulado pela Administração ou pelo Poder Judiciário.

O Ministro Carlos Mário da Silva Velloso lembra que “Maurice Haouriou foi quem, por primeiro, dissertou a respeito do tema da moralidade administrativa, em termos de moral jurídica – ‘conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração’ (Précis de droit administratif. Paris: Recueil Sirey, 1914)”23.

Neste diapasão também foi o entendimento do Ministro Celso de Mello, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.661-5-MA, ao afirmar que “o princípio da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devam pautar o comportamento dos órgãos e agentes governamentais”24.

E, insistindo na decisão do Ministro Marco Aurélio, que expusemos quando iniciamos este tópico sobre os princípios das Licitações e Contratos da Administração Pública, “o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”25.

6.6 PRINCÍPIO DA FINALIDADE A Administração Pública subjuga-se ao dever de ter sempre em mira o interesse do

povo, adscrevendo-se a ele. É essa a sua finalidade precípua. A Dogmática jurídica pátria, seguindo as lições da doutrina italiana, distingue o

interesse primário do secundário. Interesse primário é o interesse público propriamente dito, o interesse do povo, do cidadão. Interesse secundário é o interesse que a pessoa jurídica, responsável pelo desenvolvimento da atividade administrativa, possa ter enquanto sujeito de direitos e obrigações.

Celso Antônio Bandeira de Mello, com inigualável propriedade, lembra que a Administração “poderia, portanto, ter o interesse secundário de resistir ao pagamento de indenizações, ainda que procedentes, ou de denegar pretensões bem-fundadas que os administrados lhes fizessem, ou de cobrar tributos ou tarifas por valores exagerados. Estaria, por tal modo, defendendo interesses apenas ‘seus’, enquanto pessoa, enquanto

23 STF – RE n. 206.889-6-MG, Rel. Ministro Carlos Velloso. DJ 13.06.1997. 24 STF – ADI n. 2.661-5-MA, Rel. Ministro Celso de Mello. DJ 23.08.2002. p. 70. 25 STF – 2ª T. – RExtr. n. 160.381-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Mello. RTJ 153/1030.

entidade animada do propósito de despender o mínimo de recursos e abarrotar-se deles ao máximo”26.

Ora, o princípio da finalidade não se coaduna com este desiderato, dirigindo-se prioritariamente à consecução do interesse público primário, sendo que a Administração Pública, ao prestigiá-lo, poderá até alvejar o interesse público secundário, desde que não incompatível com aquele.

O princípio da finalidade, assim, é de enorme importância na temática das licitações e contratos administrativos, na medida em que impõe ao administrador cingir-se ao interesse público, realizando, tão-somente, as obras, compras, serviços, alienações e delegações de serviços públicos que irão prestigiá-lo. Evita-se, assim, a imposição de agravos inúteis à Administração e aos contratados, notadamente no que se refere ao objeto, valores, prazos e condições de adimplemento do contrato.

Tal princípio, ainda nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello “é uma inerência” do princípio da legalidade, pois obriga o administrador público a buscar o escopo que melhor atenda aos anseios do cidadão, ao passo que este (legalidade) submete sua gestão à vontade expressa da lei.

E conclui: “o que explica, justifica e confere sentido a uma norma é precisamente a finalidade que a anima. A partir dela é que se compreende a racionalidade que lhe presidiu a edição. Logo, é na finalidade da lei que reside o critério norteador de sua correta aplicação, pois é em nome de um dado objetivo que se confere competência aos agentes da Administração”27 (grifos nossos).

6.7 PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE Sabemos que o administrador público, por vezes, é autorizado pela própria norma

administrativa a agir com discricionariedade, avaliando a conveniência e oportunidade da decisão que pretende adotar. Nesses casos, impõe-se a observância do primado da razoabilidade, na medida em que sua opção deve guardar proporção com o senso comum do povo, com o comportamento do denominado “homem médio”. Não seria “razoável” admitir-se a validade de uma decisão tomada em total desacordo com as idéias constantes do seio da coletividade.

Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello, “enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis – as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e 26 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 44.

disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada”28 (grifos nossos).

No campo das licitações e contratos administrativos este primado impede, v.g., a celebração de ajustes visando a construção de campos de pouso para aeronaves extraterrestres, ou a aquisição de produtos absolutamente inúteis na prestação dos serviços públicos.

6.8 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE O primado da proporcionalidade é, na realidade, um desdobramento do último

princípio, qual seja, o da razoabilidade. Pelo princípio da proporcionalidade, o administrador público deve abster-se de

praticar atos além daqueles efetivamente necessários para o atendimento da finalidade pública perseguida.

Tal princípio aplica-se, por exemplo, aos casos de intervenção do Estado na propriedade, ou quando regula, de alguma forma, as liberdades individuais. Assim é que, v.g., o Estado afronta esse princípio quando desapropria uma área maior do que aquela que necessita para a realização de determinada obra pública ou, ainda, quando aplica penalidade desproporcional à falta cometida pelo servidor. Esse tipo de restrição é alusiva a uma limitação da liberdade individual em benefício do interesse público; logo, quando o ato desvia-se dessa finalidade não há razão para subsistir.

Mais uma vez, as preciosas lições de Bandeira de Mello lembram que “o excesso acaso existente não milita em benefício de ninguém. Representa, portanto, apenas um agravo inútil aos direitos de cada qual. Percebe-se, então, que as medidas desproporcionais ao resultado legitimamente alvejável são, desde logo, condutas ilógicas, incongruentes. Ressentindo-se deste defeito, além de demonstrarem menoscabo pela situação jurídica do administrado, traindo a persistência da velha concepção soberano-súdito (ao invés de Estado-cidadão), exibem, ao mesmo tempo, sua inadequação ao escopo legal”29 (grifos nossos).

Como exemplo da aplicação da proporcionalidade nas licitações e contratos administrativos, podemos lembrar o art. 21 do Estatuto Federal Licitatório, que prevê a publicação do aviso contendo os resumos dos editais das concorrências, tomadas de preços, concursos e leilões, “no mínimo, por uma vez”, em Diário Oficial e em jornal de grande circulação, conforme teremos a oportunidade de detalhar oportunamente.

Poderia o administrador publicá-los duas vezes? Três vezes? Dezoito vezes? A quantidade de publicações, embora a lei não tenha fixado com exatidão, deverá ser

27 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 77. 28 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 79. 29 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 81.

diretamente proporcional à publicidade necessária para o alcance da finalidade pública almejada.

6.9 PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO A Constituição Federal não elenca a motivação entre os princípios explícitos.

Todavia, segundo as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, podemos inferí-lo a partir dos enunciados constantes do inciso II do art. 1º (segundo o qual todo poder emana do povo) e do inciso XXXV do art. 5º, (que garante o direito à apreciação judicial em caso de lesão ou ameaça de direito). “É que o princípio da motivação é reclamado quer como afirmação do direito político dos cidadãos ao esclarecimento do ‘porquê’ das ações de quem gere negócios que lhe dizem respeito por serem titulares últimos do poder, quer como direito individual a não se assujeitarem a decisões arbitrárias, pois só têm que se conformar às que forem ajustadas às leis”30.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro pensa da mesma forma: “o princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos”31 (grifos nossos).

A melhor doutrina, portanto, entende que todo ato administrativo deve ser motivado. Tal conclusão decorre do próprio Estado Democrático de Direito, ao impor que o administrador indique os motivos que o levaram a cada comportamento.

Todavia, alguns autores, na linha do saudoso Hely Lopes Meirelles, manifestam posição divergente. Afirmam que a motivação é a regra, porém, em alguns casos, é possível que o ato não seja motivado. Mencionam, para justificar tal posição, o art. 50 da Lei n. 9.784/99, que normatiza o procedimento administrativo na esfera federal; e citam, como raro exemplo, o ocupante de cargo em comissão, declarado por lei de livre nomeação e exoneração.

No curso de licitações e contratos administrativos, porém, não resta dúvidas de que todas as decisões tomadas pela autoridade administrativa devem estar devidamente motivadas, sob pena de nulidade do ato praticado.

6.10 PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO

30 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 83. 31 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 82.

O princípio da vinculação ao instrumento convocatório, nos termos em que dispõe o art. 41 da Lei n. 8.666, obriga a Administração a cumprir as normas e condições do edital, “ao qual se acha plenamente vinculada”.

Assim, estabelecidas as regras de certa licitação, tornam-se, elas, inalteráveis durante todo o seu procedimento. Segundo Hely Lopes Meirelles, “nem se compreenderia que a Administração fixasse no edital a forma e o modo de participação dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realização do julgamento se afastasse do estabelecido, ou admitisse documentação e propostas em desacordo com o solicitado. O edital é a lei interna da licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administração que o expediu” (grifos no original)32.

6.11 PRINCÍPIO DO JULGAMENTO OBJETIVO O princípio do julgamento objetivo, decorrência lógica do princípio da legalidade,

impõe que o julgamento das propostas se faça com base no critério indicado no ato convocatório e nos termos específicos das propostas. Evita-se, com isto, qualquer tipo de subjetivismo no julgamento das ofertas apresentadas.

Hely Lopes Meirelles lembra que “em tema de licitação, a margem de valoração subjetiva e de discricionarismo no julgamento é reduzida e delimitada pelo estabelecido no edital. Se assim não fosse, a licitação perderia sua finalidade seletiva, justificando-se a escolha direta do contratado pela Administração, independentemente do confronto das propostas”33.

O princípio do julgamento objetivo, previsto no art. 3º do Estatuto Federal Licitatório, está substancialmente reafirmado no art. 45, que dispõe: “o julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle” (grifos nossos).

Até mesmo em caso de empate entre duas ou mais propostas apresentadas, a Administração fica obrigada em cingir-se a critérios objetivos previamente postos pelo parágrafo 2º do art. 45 do Estatuto Federal Licitatório, que exige a realização de sorteio, em ato público, para o qual todos os licitantes serão convocados, vedado qualquer outro processo.

É de se ressaltar que o dispositivo acima mencionado exige a observância do parágrafo 2º do art. 3º da Lei Federal de Licitações antes da realização do sorteio, dando preferência a produtos, serviços e empresas nacionais em detrimento de estrangeiros. Todavia, tal dispositivo há que ser tido por revogado a partir da promulgação da Emenda Constitucional n. 6, de 15 de agosto de 1995, que acabou com as distinções anteriormente existentes entre empresas nacionais e estrangeiras. Assim, deve-se partir diretamente para

32 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 239. 33 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 32.

a realização do sorteio, como forma de respeito a supremacia constitucional, e que possibilitará, também, o implemento do primado do julgamento objetivo.

6.12 PRINCÍPIO DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA O princípio da adjudicação compulsória para o vencedor impede que a

Administração, após a confirmação da classificação das propostas, ocorrida com a homologação, atribua seu objeto a outrem que não o legítimo vencedor. Ressalte-se que compulsória é a adjudicação, que consiste na entrega formal do objeto ao vencedor do certame, e não a celebração do contrato administrativo.

Ainda assim, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, oportunamente, chama a atenção para o fato de que “a expressão ‘adjudicação compulsória’ é equívoca, porque pode dar a idéia de que, uma vez concluído o julgamento, a Administração está obrigada a adjudicar; isto não ocorre, porque a revogação motivada pode ocorrer em qualquer fase da licitação. Tem-se que entender o princípio no sentido de que, se a Administração levar o procedimento a seu termo, a adjudicação só pode ser feita ao vencedor; não há um direito subjetivo à adjudicação quando a Administração opta pela revogação do procedimento” (grifos nossos)34.

Como bem observou o saudoso professor Hely Lopes Meirelles, a licitação “é apenas um procedimento administrativo preparatório do futuro ajuste, de modo que não confere ao vencedor nenhum direito ao contrato, apenas uma expectativa de direito. Realmente, concluída a licitação, não fica a Administração obrigada a celebrar o contrato, mas, se o fizer, há de ser com o proponente vencedor” (grifos no original)35.

6.13 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AMPLA DEFESA Na vigência da Constituição Federal de 1988, o art. 5º, em seus incisos LIV e LV,

torna indiscutível a exigência da observância destes dois primados: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (princípio do devido processo legal) e “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (princípio do contraditório e ampla defesa).

Esquecido pela grande maioria da dogmática jurídica pátria, a lembrança da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro é providencial.

Destarte, impõe-se o respeito ao contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes em qualquer tipo de processo administrativo ou judicial. Assim é que, sabidamente, o art. 87 da Lei n. 8.666 exige a observância da ampla defesa quando da aplicação de sanções administrativas36.

34 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 301. 35 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 236. 36 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 301.

6.14 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA A explicitação da eficiência, como princípio da Administração Pública, ocorreu com a

edição da Emenda Constitucional n. 19, de junho de 1998, que introduziu-a no caput do art. 37.

A procura da eficiência é uma tônica do Estado moderno. Antes da denominada “Reforma Administrativa”, a Constituição da República impunha obstáculos de difícil remoção para a aplicação de políticas voltadas à cobrança de desempenho do serviço público e à racionalização das despesas.

O objetivo da inclusão da eficiência como princípio constitucional expresso é permitir que a Administração Pública aperfeiçoe seus métodos, oferecendo ao cidadão mais serviços, com melhor qualidade, em menor tempo. Objetiva-se, ainda, a redução de custos, na medida em que se promove a contínua revisão e aperfeiçoamento das rotinas e processos de trabalho, simplificando procedimentos, desburocratizando e estabelecendo metas e indicadores de desempenho e de satisfação do cidadão.

Podemos dizer, assim, que a inclusão da eficiência como princípio expresso da Administração Pública teve por finalidade primordial solucionar duas ordens de questões, a saber: i) controle da eficácia e da eficiência da gestão orçamentária, prevista no inciso II do art. 74 da Constituição Federal e, ii) otimizar o desempenho da Administração, substituindo métodos obsoletos por modernos, fundados nos resultados que os potenciais humanos e de materiais da Administração possam oferecer, a partir do que dispõe o parágrafo 8º do art. 37 e o inciso III do art. 41 da Constituição Federal.

Em matéria de licitações e contratações públicas, a implementação do primado da eficiência contribui, em muito, para a otimização dos recursos públicos destinados ao adimplemento dos contratos administrativos, bem como na racionalização de estoques, quantidades e objetos contratados.

Neste sentido, cabe uma referência ao disposto no parágrafo 4º do art. 23 da Lei Federal de Licitações, in verbis: “nos casos em que couber convite, a Administração poderá utilizar a tomada de preços e, em qualquer caso, a concorrência”.

Cremos que este dispositivo apresenta-se revogado em face da inclusão do princípio em exame. Isto porque, se as razões da implementação do primado da eficiência são a otimização dos recursos públicos e a agilidade na realização das rotinas administrativas, apresenta-se absolutamente descabida a realização de modalidade mais gravosa, quando possível fazê-lo por modalidade mais simples.

Assim, a realização da modalidade de concorrência em contratos de menores vultos, quando seria cabível, v.g., a modalidade convite, representaria oneração desnecessária à Administração Pública, em virtude de sua maior publicidade e nível de exigências.

Todavia, cabe uma ressalva, oportunamente trazida por Di Pietro: “a eficiência é princípio que se soma aos demais impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito”37 (grifos nossos). 37 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 84.

Assim, não é possível argumentar-se a cerca da possibilidade de alterações casuísticas das rotinas previstas pelo Estatuto Federal Licitatório, sob o argumento de que a mudança poderia levar ao alcance de resultados melhores ou mais rápidos. A licitação, bem como os demais procedimentos administrativos, continuam sendo inteiramente vinculados a lei, como inferimos quando da análise do princípio da legalidade.

7 PRESSUPOSTOS DA LICITAÇÃO Traço peculiar na obra de Celso Antônio Bandeira de Mello é a existência de um

capítulo dedicado ao que ele denomina “pressupostos da licitação”. Segundo seus ensinamentos, a realização de qualquer licitação depende da ocorrência de certos fatores que, inexistindo, tornariam o procedimento licitatório sem qualquer utilidade ou, simplesmente, sem condições para atender às finalidades para as quais foram concebidos. Denominam-se como: a) pressuposto lógico; b) pressuposto jurídico, e; c) pressuposto fático38.

7.1 PRESSUPOSTO LÓGICO DA LICITAÇÃO É pressuposto lógico da licitação a existência de uma pluralidade de objetos e

de uma pluralidade de ofertantes. Sem estes dois fatores torna-se impossível a realização de qualquer certame licitatório. Tal primado relaciona-se com o que convencionou-se denominar “objeto singular” e com o tema do “ofertante único ou exclusivo”.

O objeto singular consiste na ausência de equivalente perfeito. Neste caso, por ausência de outros objetos que atendam à pretensão administrativa, resultará unidade de ofertantes, pois, como é óbvio, apenas quem dispõe do mesmo poderá ofertá-lo.

O ofertante único ou exclusivo, como o próprio termo já deixa antever, consiste na existência de uma única pessoa que, isoladamente, dispõe de todos os objetos, não obstante existam várias unidades de perfeita equivalência.

Há, ainda, a hipótese de serviços singulares. De modo geral são singulares todas as produções intelectuais, sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal, expressada em características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade administrativa. Por óbvio, o que entra em causa, para o tema da licitação, é a singularidade relevante, que repercute de maneira a autorizar a presunção de que o serviço oferecido por um é mais indicado que o serviço a ser realizado por outrem39.

7.2 PRESSUPOSTO JURÍDICO DA LICITAÇÃO

38 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 470. 39 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 470.

Na segunda das hipóteses elencadas, qual seja, a do pressuposto jurídico, examina-se a aptidão do certame licitatório para acudir ao interesse que a Administração deve promover.

O Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo lembra que, “a licitação não é um fim em si mesmo; é um meio para chegar utilmente a um dado resultado: o travamento de uma certa realização jurídica. Quando nem mesmo em tese pode cumprir tal função, seria descabido realizá-la. Embora fosse logicamente possível realizá-la, seria ilógico fazê-lo em função do interesse jurídico a que se tem que atender” (grifos no original)40.

7.3 PRESSUPOSTO FÁTICO DA LICITAÇÃO Finalmente, é pressuposto fático da licitação a existência de interessados em

disputá-la, bem como a possibilidade de aferição da melhor proposta a partir de critérios objetivos.

Nos casos em que a realização de licitação não desperte interesse, não há como realizá-la. Bandeira de Mello lembra que “seria inviável, por exemplo, abrir-se um certame licitatório para obter o parecer de um jurista famoso, os serviços de um consagrado advogado para uma sustentação oral, ou uma cirurgia a ser efetuada por renomado especialista. Nenhum deles prestar-se-ia a isto”41.

Além disso, há que se ressaltar que, mesmo que estes interessados afluíssem ao certame, seria praticamente impossível estabelecer-se, por meio da realização de procedimento licitatório, quem estaria mais apto para a execução do objeto licitado, em virtude da impossibilidade de mensuração das propostas ofertadas.

40 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 468. 41 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 468.

CAPÍTULO II HIPÓTESES DE NÃO-REALIZAÇÃO DO CERTAME LICITATÓRIO

1 INTRODUÇÃO Conforme observamos, a obrigatoriedade da realização de licitações públicas

encontra um de seus imperativos legais no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal de 1988.

Prevê o dispositivo constitucional em exame que, “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” (grifos nossos).

O referido mandamento constitucional reflete, pois, uma norma constitucional de eficácia contida ou restringível, apresentando-se como um dispositivo que, inobstante tenha aplicabilidade plena e imediata, poderá sofrer restrições pelo legislador ordinário, por intermédio da edição de leis ordinárias ou complementares.

Nas lições do Professor Michel Temer, as normas de eficácia restringível “são aquelas que têm aplicabilidade imediata, integral, plena, mas que podem ter reduzido seu alcance pela atividade do legislador infraconstitucional. Por isso mesmo, aliás, preferimos denominá-las de normas constitucionais de eficácia redutível ou restringível”42 (grifos no original).

Tal ocorreu no tema das Licitações e Contratos Administrativos quando, ao regulamentar a matéria, o legislador infraconstitucional previu hipóteses de dispensa, dispensabilidade e inexigibilidade de licitação.

Destarte, licitação dispensada (art. 17, incisos I e II), licitação dispensável (art. 24, incisos I usque XXIV) e licitação inexigível (art. 25, incisos I a III) são três figuras jurídicas que, absolutamente distintas, não se confundem, conforme veremos a seguir.

2 DISPENSA DE LICITAÇÃO Segundo Hely Lopes Meirelles, “licitação dispensada é aquela que a própria lei

declarou-a como tal”43, ou, nos dizeres de Diógenes Gasparini, “licitação dispensada é a ocorrência na realidade da hipótese legal em que a Administração está liberada de licitar por expressa determinação dessa lei”44.

Nesses casos, a Administração Pública não necessita tomar qualquer atitude para ver-se desobrigada da realização do certame licitatório. Basta a ocorrência de uma das

42 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 26. 43 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 96. 44 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 400.

hipóteses prescritas nos dois incisos do art. 17 do Estatuto Federal Licitatório, para desencadear um procedimento vinculado, de não licitar, da Administração.

Ressalte-se que, vários dispositivos do art. 17 encontram-se com sua aplicabilidade suspensa, até decisão final de mérito, por força de medida cautelar concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade de n. 927-3, promovida pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul à época45.

2.1 HIPÓTESES DE DISPENSA PARA ALIENAÇÕES IMOBILIÁRIAS Nas diversas alíneas do inciso I do art. 17 da Lei das Licitações, o legislador federal

tratou de elencar as causas de dispensa de licitação relacionadas à alienação de bens públicos imóveis.

Diz o inciso I do art. 17 da Lei n. 8.666/93 que “quando imóveis, [a alienação] dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:”

Note-se que o Estatuto Federal Licitatório prevê, para a alienação de bens imóveis pertencentes a Administração, a necessidade de autorização legislativa apenas caso se trate de bens pertencentes a pessoas jurídicas de Direito Público, quais sejam, entes políticos, autarquias ou fundações públicas. Exige, para todos, avaliação prévia e a modalidade licitatória de concorrência. A regra, portanto, é a realização do certame, que será precedida da avaliação do bem e da edição de lei autorizativa, nos casos mencionados.

As exceções à obrigatoriedade de realização de licitação ficam por conta de: dação em pagamento, doação, permuta, investidura, venda a outro órgão ou para atender a programa habitacional de interesse social.

Analisemos, uma a uma, estas hipóteses. 2.1.1 DAÇÃO EM PAGAMENTO

45 Eis o acórdão que suspendeu a aplicabilidade desses dispositivos: “Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, deferir, em parte, a medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação, quanto aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a eficácia da expressão ‘permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo’, contida na letra b, do inciso I do art. 17, da Lei Federal n. 8.666, de 21.6.93, vencido o Ministro Paulo Brossard, que a indeferia; para suspender os efeitos da letra c, do mesmo inciso, até a decisão final da ação, por maioria de votos, deferir a medida cautelar, vencidos os Ministros Relator, Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira, que a indeferiam; no tocante à letra a do inciso II do mesmo artigo, por maioria de votos, indeferir a medida cautelar, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Sydney Sanches e Moreira Alves, que a deferiam; com relação à letra b do mesmo inciso, por unanimidade, deferir a medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação, a eficácia da expressão ‘permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública’, quanto aos Estados, Distrito Federal e os Municípios; e, finalmente, por maioria de votos, deferir a medida cautelar, para suspender, até a decisão final da ação, a eficácia de todo o § 1º do art. 17, vencido o Ministro Relator, que a indeferia. Votou o Presidente. Brasília, 3 de novembro de 1993.” DJ, 11.11.1993.

Nas lições de Marçal Justen Filho, a dação em pagamento verifica-se quando “a Administração se libera de uma dívida sem desembolsar dinheiro, através da transferência do domínio de um imóvel. Não se admite a dação em pagamento quando a Administração possa obter, através da venda, um resultado mais vantajoso. A hipótese da alínea ‘a’ pressupõe não apenas a facilidade de extinção da dívida, mas é indispensável que a liquidação do imóvel, por via de licitação, não possa produzir receitas maiores. A justificativa para a dispensa de licitação reside na impossibilidade de selecionar proposta mais vantajosa para a Administração. Não haverá ofensa ao princípio da isonomia, se nenhum outro sujeito se encontrar em situação idêntica à do particular”46.

2.1.2 DOAÇÃO Considera-se doação, nos termos do art. 538 do novo Código Civil, “o contrato em

que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

Prevista na alínea “b” do inciso I do art. 17 da Lei Federal de Licitações, autoriza-se a transferência gratuita de um bem integrante do patrimônio da Administração Pública para outra pessoa que o aceite.

Segundo a redação original desse dispositivo legal, a dispensa de licitação para a realização de doações apenas poderia ocorrer caso se desse em favor de “outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo”.

Todavia, a exigência de certame licitatório como condição para a doação de bens imóveis a particulares acabaria por inviabilizar uma das principais atividades administrativas, qual seja, a de fomento das atividades da iniciativa privada que, comprovadamente, venham a ajudar o Estado na consecução do interesse público. A doação de imóveis a particulares (normalmente, terrenos não edificados) para a implementação de atividades industriais ou comerciais geram empregos diretos e indiretos, receita tributária, divisas, entre outros benefícios.

O Supremo Tribunal Federal, entendendo tratar-se de norma específica, acabou por determinar a suspensão da aplicabilidade da parte final deste dispositivo a Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, até a decisão de mérito a ser proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade, de n. 927-3-RS, promovida pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, solucionando, assim, o problema47.

Em razão desta decisão, até hoje sem julgamento de mérito, a doação por estes entes restou liberada dessa restrição, podendo ter como beneficiários donatários públicos ou privados. A União, por sua vez, apenas poderá ter como donatário pessoas jurídicas integrantes das Administrações Públicas de qualquer esfera de Poder.

46 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 173. 47 A ADIn em questão suspendeu integralmente, ainda, a eficácia do parágrafo 1º do art. 17, que dispunha: “os imóveis doados com base na alínea “b” do inciso I deste artigo, cessadas as razões que justificaram a sua doação, reverterão ao patrimônio da pessoa jurídica doadora, vedada a sua alienação pelo beneficiário”.

2.1.3 PERMUTA Permuta consiste na possibilidade de troca de um bem por outro, realizada mediante

acordo de vontade celebrado por pessoas capazes. Na esfera administrativa, estava autorizada pela alínea “c” do inciso I do art. 17 da

Lei Federal de Licitações, desde que observada a exigência constante do inciso X do art. 24, qual seja, a presença de características ou localização especial, que se apresentassem indispensáveis ao alcance dos fins colimados pelo Poder Público. Não havia possibilidade de permuta de bem imóvel por bem móvel, mas estava autorizada entre bens com valores diversos, admitindo-se o acerto da diferença em moeda corrente ou outro bem.

Todavia, a medida cautelar proferida na referida Ação Direta de Inconstitucionalidade suspendeu, integralmente e a todos os entes federados, a aplicabilidade deste dispositivo, até o julgamento do mérito.

2.1.4 INVESTIDURA O instituto da investidura, da forma como fora adotado pela Lei federal n. 8.666/93,

compreende a realização de dois negócios jurídicos. O primeiro deles trata-se da incorporação de uma área remanescente de obra pública a um terreno público ou particular, por apresentar-se imprestável isoladamente e, o segundo, consiste na alienação de imóveis situados em regiões de usinas hidrelétricas.

O parágrafo 3º do art. 17 traz a definição legal de investidura, para os fins de Licitações e Contratações da Administração Pública, in verbis: “I – a alienação aos proprietários de imóveis lindeiros de área remanescente ou resultante de obra pública, área esta que se tornar inaproveitável isoladamente, por preço nunca inferior ao da avaliação e desde que não ultrapasse a 50% (cinqüenta por cento) do valor constante da alínea ‘a’ do inciso II do art. 23 desta Lei; II – a alienação aos legítimos possuidores diretos ou, na falta destes, ao Poder Público, de imóveis para fins residenciais construídos em núcleos urbanos anexos a usinas hidrelétricas, desde que considerados dispensáveis na fase de operação dessas unidades e não integrem a categoria de bens reversíveis ao final da concessão”.

Fora destas hipóteses a licitação é obrigatória, consoante regra geral insculpida no art. 2º deste Diploma normativo.

2.1.5 VENDA A OUTRO ÓRGÃO OU ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Pelo disposto na alínea “e” do inciso I do art. 17 do Estatuto Federal Licitatório,

autoriza-se a alienação onerosa de bens que componham o patrimônio da Administração Pública, independentemente de prévio procedimento licitatório, desde que tal negócio seja celebrado com outro ente político ou com as entidades de suas Administrações Indiretas.

A razão de inclusão deste permissivo legal está na tentativa de alcançar-se o interesse público, que é a finalidade precípua do Estado, independentemente de quem seja a pessoa estatal que o faça.

2.1.6 ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS PARA ATENDER A PROGRAMAS

HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL Conforme prevê expressamente a alínea “f” do inciso I do art. 17 da Lei de

Licitações, a realização de licitação está dispensada na hipótese de “alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da administração pública especificamente criados para esse fim”.

É que a finalidade perseguida pela Administração, nesta hipótese, não é a de encontrar a melhor proposta financeira para a realização deste negócio, mas prestigiar um dos direitos fundamentais, previsto no caput do art. 6º da Constituição Federal de 1988, que é o direito social de moradia.

Desta forma, após a construção das unidades habitacionais, o Poder Público procederá, em regra, a alienação, onerosa ou gratuita, destes imóveis, a partir da realização de um sorteio, como forma de prestigiar-se o príncipio da impessoalidade, dentre aquelas pessoas que, previamente cadastradas, enquadrarem-se aos padrões sociais e econômicos exigidos pelo programa. É o que ocorria, v.g., com os imóveis alienados pela extinta Cooperativa Habitacional – COHAB ou, atualmente, pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo – CDHU.

2.2 HIPÓTESES DE DISPENSA PARA ALIENAÇÕES MOBILIÁRIAS Nas cinco alíneas do inciso II do art. 17 do Diploma Federal Licitatório, encontram-se

as hipóteses nas quais o legislador houve por bem dispensar a realização do procedimento licitatório, em se tratando de bens móveis.

Diz o inciso II do art. 17: “quando móveis, dependerá [a alienação] de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos”.

Vejam que, para a alienação de bens móveis, a lei não prevê a necessidade de autorização legislativa, exigível para os bens imóveis pertencentes às Administrações diretas, autárquicas e fundacionais mas, tão-somente, à realização de avaliação prévia.

O Professor Marçal Justen Filho critica o critério adotado pelo legislador, ao afirmar que “a Lei albergou um enfoque arcaico para alienações de imóveis e móveis. Adotou disciplinas variáveis segundo a alienação verse sobre bens móveis ou imóveis. Incorporou uma concepção clássica que considera os bens imóveis potencialmente mais valiosos do que os móveis e impôs formalidades mais rigorosas para a alienação. Esse preconceito remonta ao período anterior à industrialização. No passado, a titularidade do imóvel era fonte primordial de riqueza. Mas, contemporaneamente, bens móveis (veículos, máquinas) podem ser muito mais valiosos do que os imóveis”48.

48 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 169.

2.2.1 DOAÇÃO PARA FINS E USO DE INTERESSE SOCIAL A primeira das hipóteses de dispensa de licitação para a alienação de bens móveis,

contemplada na alínea “a’” do inciso II do art. 17 da Lei federal n. 8.666/93, trata-se da doação. Segundo a redação desse dispositivo legal, a mesma será “permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação”.

Note-se que, ao contrário do que se procedeu quando da hipótese de dispensa da realização de licitação para a alienação de bens imóveis, o dispositivo original não veda que a doação de bens móveis seja realizada em favor de particulares, razão pela qual não houve a necessidade de determinar-se a suspensão da aplicabilidade desse dispositivo.

Exige-se, como na hipótese de doação de imóveis a particulares, a comprovação de que a realização da doação auxiliará, indiretamente, no alcance do interesse público, caracterizando-se a atividade administrativa de fomento.

2.2.2 PERMUTA A Lei Federal de Licitações, ao tratar da dispensa da realização de licitação para a

celebração de permuta de bens móveis, incorreu no mesmo erro que cometera quando versou sobre a doação de bens imóveis, facultando sua realização exclusivamente “entre órgãos ou entidades da Administração Pública”.

Mantendo coerência com a decisão prolatada cautelarmente quanto à dispensa de licitação para a doação de imóveis, o Egrégio Supremo Tribunal Federal suspendeu a aplicabilidade da parte final desse dispositivo aos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, restando a permuta permitida, sem que seja necessária a realização de licitação, tanto entre entidades estatais, quanto entre as Administrações direta e indireta destas unidades federadas e particulares.

2.2.3 VENDA DE AÇÕES POR MEIO DE BOLSA DE VALORES Conforme prevê a alínea “c” do inciso II do art. 17 da Lei de Licitações e

Contratações da Administração Pública, é dispensada a licitação para a venda de ações por meio da bolsa de valores.

Marçal Justen Filho lembra que a determinação legal “não significa, em última análise, dispensar a licitação, mas sujeitar a alienação a um procedimento distinto, que também possui natureza licitatória. As bolsas de valores são instituições privadas, que têm por objetivo específico as negociações de valores mobiliários. As negociações ali realizadas são presididas pela lei da oferta e da procura. Embora a Lei não o diga, deve entender-se

que a alienação dos valores mobiliários em bolsa de valores deverá ser precedida de ampla divulgação, para permitir a participação de todos os interessados”49.

2.2.4 VENDA DE TÍTULOS A venda de títulos é a atividade da Administração que tem por objetivo atender a

política monetária governamental. Trata-se de hipótese de intervenção do Estado no domínio econômico e que, por sua natureza, por vezes é realizado diariamente. Por certo, a demora que envolve a realização de um procedimento licitatório acabaria por inviabilizar o interesse público almejado com a operação, na medida em que tais atos sujeitam-se às condições “instantâneas” do mercado.

2.2.5 VENDA DE BENS PRODUZIDOS OU COMERCIALIZADOS POR ÓRGÃOS

OU ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO, EM VIRTUDE DE SUAS FINALIDADES Conforme mencionamos, quando tratávamos do tema da obrigatoriedade da

realização de licitações precedendo a contratações públicas, a demora que envolve a realização dos procedimentos licitatórios é incompatível com a dinâmica imposta pelo mercado, no qual as empresas estatais estão inseridas.

Sua obrigatoriedade acabaria por representar sério entrave ao alcance das finalidades comerciais ou de prestação de serviços buscados por estas entidades.

Assim é que, o Banco do Brasil ou a CEF, v.g., não estão obrigados a licitar para celebrarem contratos de mútuo ou seguro, a Embraer (mesmo antes de privatizada), não vendia seus aviões por intermédio de procedimento licitatório e, também os Correios, não a realiza para a venda de selos. Da mesma forma, entendemos não serem obrigadas a licitar para a aquisição dos insumos necessários ao atendimento de seus precípuos fins.

Todavia, não são só as empresas estatais que se desobrigam da realização de licitação nestas hipóteses. Também não precisam licitar órgãos da Administração direta, como os presídios e unidades de reeducação de menores, quando pretenderem alienar os bens ali produzidos, como enfeites, móveis, bolas de futebol, entre outros.

2.2.6 VENDA DE MATERIAIS E EQUIPAMENTOS PARA OUTROS ÓRGÃOS OU

ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO, SEM UTILIZAÇÃO PREVISÍVEL PARA QUEM OS VENDE

Segundo prevê a alínea “f” do inciso II do art. 17 do Diploma Federal Licitatório, caso

uma unidade administrativa não possua mais previsão da utilização de determinado material ou equipamento, poderá aliená-lo a outro órgão ou entidade da Administração Pública, como forma de evitar-se que o mesmo se deteriore pela falta de uso.

49 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 178.

Note-se que, neste caso, não se trata de bem inservível, mas de bem que, sem uma utilização previsível, possa ser aproveitado de imediato, e antes que se perca pela ação do tempo, em outro órgão ou entidade estatal.

Assim como ocorre com a alienação de bens imóveis, verifica-se, in casu, a impossibilidade de venda de bens a particulares sem a necessidade de realização do certame licitatório, desmentindo-se, mais uma vez, uma das falácias mais difundidas em direito, segundo a qual “quem pode o mais pode o menos”.

Isto porque, as Administrações estaduais, municipais e distrital, por força do que dispõe as alíneas “a”, dos incisos I e II do art. 17, podem doar bens a particulares sem a necessidade de realização de licitação. Todavia, não podem vendê-los.

3 DISPENSABILIDADE DE LICITAÇÃO O art. 24 da Lei de Licitações enumera os casos em que há dispensabilidade de

licitação. Ressalte-se que, nestas hipóteses a contratação direta não se opera

automaticamente, ainda que os fatos se enquadrem em uma das taxativas hipóteses arroladas neste artigo. Tal dispositivo apenas prescreve que a licitação é dispensável. Por conseguinte, à Administração Pública cabe avaliar, caso a caso, a conveniência e oportunidade da contratação sem licitação.

Nessas hipóteses a entidade obrigada a licitar tem uma faculdade, não uma obrigação. Assim, se for possível a licitação e esta for realizada, a entidade que a levou a efeito não incidirá, a princípio, em qualquer vício. Todavia, haverá vício se a realização da licitação configurar um disparate e com ela for onerada a Administração Pública50.

No Senado Federal, o Ato da Comissão Diretora n. 29, de 23 de julho de 2003, prevê, em seu art. 10, a competência do diretor da área administrativa do Senado Federal, da Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP, no âmbito de suas respectivas unidades, para reconhecer as situações de dispensabilidade e inexigibilidade quando o valor estimado do contrato não suplantar o limite estabelecido para a modalidade convite.

Nos demais casos, a atribuição será do Diretor-Geral do Senado Federal e dos Diretores da Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP.

Não custa relembrar que o elenco de hipóteses do art. 24, assim como o do art. 17, é taxativo, de tal sorte que a dispensabilidade do procedimento licitatório apenas será válida se, além de restar demonstrada a conveniência e oportunidade, os fatos se enquadrarem perfeitamente em uma das hipóteses descritas neste dispositivo do Estatuto Federal Licitatório.

3.1 OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA DE PEQUENO VALOR

50 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 302.

O primeiro inciso do art. 24 da Lei de Licitações, consoante a redação que foi dada

pela Lei federal n. 9.648, de 27 de maio de 1998, prescreve a dispensabilidade da realização de procedimento licitatório em casos de “obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea ‘a’, do inciso I, do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e economicamente”.

Atualmente, esse valor encontra-se fixado em R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais). Assim, fica o Poder Público inserto na prerrogativa de dispensar a licitação quando o valor da obra ou serviço de engenharia for igual ou inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Note-se que a Administração Pública não pode fracionar a execução da obra ou serviço dentro de terminado exercício financeiro, com a finalidade de eximir-se da realização do procedimento licitatório, pela diminuição do custo do mesmo. Também não pode fazê-lo com a finalidade de alcançar procedimento licitatório mais simples. Apenas se admite tal divisão quando necessária por motivo técnico, científico ou financeiro, desde que, para cada parcela da obra ou serviço se promova licitação igual à exigida para o todo, conforme dispõe, expressamente, o parágrafo 2º do art. 23 do Diploma normativo, objeto de nossos estudos.51

O valor a que se refere o art. 23 (R$ 150.000,00) é fixado por lei federal, demandando, assim, nova elaboração legislativa quando for necessário sua alteração.

Como exceção ao limite de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), temos os casos de obras e serviços de engenharia contratados por sociedades de economia mista e empresas públicas, cujo teto encontra-se em 20% do referido valor, importando em R$ 30.000,00 (trinta mil reais). O mesmo se aplica às autarquias e fundações públicas qualificadas como Agências Executivas, conforme dicção expressa do parágrafo único do art. 24, desta lei.

3.2 SERVIÇOS, MENOS OS DE ENGENHARIA, E COMPRAS DE PEQUENO

VALOR O inciso II do art. 24 da Lei federal n. 8.666/93, igualmente com a redação alterada

pela Lei federal n. 9.648/98, também prevê a hipótese de dispensabilidade de licitação “para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea ‘a’, do inciso II, do artigo anterior, e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizado de uma só vez”.

Nos mesmos termos do que fora explicitado no item anterior, o valor aludido pelo dispositivo legal atualmente encontra-se fixado em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), o que significa dizer que a Administração Pública poderá realizar a aquisição direta quando objetivar celebrar contratos de fornecimento ou prestação serviços, que não os de 51 Nesse sentido, vejam o Acórdão TC-70.717-02/90 do TCESP, publicado no DOE, de 11 de junho de 1992.

engenharia, como, v.g., os de saúde e educação, desde que não ultrapasse o teto de R$ 8.000,00 (oito mil reais).

Como exceção, temos os casos de compras, serviços e alienações contratados por sociedades de economia mista e empresas públicas, cujo teto encontra-se em 20% do referido valor, importando em R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais). O mesmo se aplica às autarquias e fundações públicas qualificadas como Agências Executivas, conforme dicção expressa do parágrafo único do art. 24, deste Diploma.

3.3 GUERRA OU GRAVE PERTURBAÇÃO DA ORDEM O Professor Hely Lopes Meirelles oferece-nos os conceitos de “guerra” e de “grave

perturbação da ordem”. Vejamos: “Guerra é o estado de beligerância entre o Brasil e outras nações, declarado por ato

do Presidente da República na forma constitucional (Constituição Federal, art. 84, XIX). A caracterização desse estado depende, portanto, de ato formal de declaração de guerra. Ocorrendo essa situação, a Administração Pública, em geral, fica autorizada a dispensar a licitação para os contratos relacionados com a defesa nacional, pois o bom senso está a indicar que os demais contratos não encontram justificativa para essa dispensa.

Grave perturbação da ordem é a comoção interna generalizada ou circunscrita a uma região, provocada por atos humanos, tais como revolução, motim, greve que paralise ou retarde atividades ou serviços essenciais à comunidade. A perturbação da ordem conduz a uma situação de emergência autorizadora da dispensa de licitações relacionadas com o evento”52.

É imprescindível ressaltar que a dispensabilidade de licitar, como bem já aclarou o saudoso Magistrado paulista, fica restrita aos eventos diretamente relacionados com a guerra ou a grave perturbação da ordem, como se dá, v.g., quando da aquisição de armas, munições e alimentos para os soldados.

Notem que, em caso de guerra, a dispensabilidade aplica-se exclusivamente ao âmbito de atuação da União, pelo fato de possuir, por força do disposto no inciso III do art. 21 da Constituição da República, competência exclusiva para cuidar da segurança nacional. Já em caso de ocorrência de grave perturbação da ordem, poderão haver hipóteses nas quais a licitação se torne inviável também para os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, desde que os eventos mencionados lhes atinjam diretamente.

Assim, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios não encontram guarida na hipótese de dispensabilidade do procedimento licitatório pela ocorrência exclusiva do evento “guerra”, por não estarem diretamente relacionados ao fato. Todavia, surpreendidos pelas ações bélicas, poderão realizar diretamente os negócios necessários à solução de suas dificuldades, não com base neste inciso, mas naquilo que dispõe o inciso subseqüente (inciso IV), que prevê a dispensabilidade em caso de emergência ou calamidade pública, como veremos a seguir.

52 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. pp. 97-8.

3.4 EMERGÊNCIA OU CALAMIDADE PÚBLICA A Lei de Licitações, em seu inciso IV do art. 24, prevê a possibilidade de não-

realização do procedimento licitatório, “nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos”.

A emergência deflui de momentos nos quais impõe-se uma pronta atuação da Administração Pública, com vistas a evitar-se situações que, caso ocorram, acarretarão enormes prejuízos à coletividade. A dispensabilidade da realização de licitação, assim, só se justifica para a adoção de medidas anteriores à ocorrência do dano.

Hely Lopes Meirelles cita como casos de emergência “o rompimento do conduto de água que abastece a cidade; a queda de uma ponte essencial ao transporte coletivo; a ocorrência de um surto epidêmico; a quebra de máquinas ou equipamentos que paralise ou retarde o serviço público, e tantos outros eventos ou acidentes que transtornam a vida da comunidade e exigem prontas providências da Administração”53.

Por calamidade pública presume-se momentos de perigos e anormalidades, provenientes de eventos da natureza, tais como, inundações, vendavais, secas e epidemias. Nesta hipótese, em virtude da urgência da prestação de atendimento aos flagelados, a demora inerente à realização de uma licitação acabaria por fazer perecer o interesse público. Ressalte-se que a decretação do “estado de calamidade pública” é ato privativo do Chefe do Poder Executivo, que o faz mediante Decreto, antes do que, é impossível falar-se na possibilidade de contratação direta.

Cabe exclusivamente à União, nos termos do inciso XVIII do art. 21 da Constituição Federal “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações”, bem como determinar a abertura de crédito extraordinário para fazer frente a estes eventos, nos termos do parágrafo 3º do art. 167 da Constituição da República.

As obras e serviços necessários a pôr fim a tais circunstâncias, sem licitação, só podem ser contratados caso sejam concluídos no prazo máximo de cento e oitenta dias, findo qual, resta descaracterizada a situação de urgência, sendo exigida a observância do procedimento licitatório.

No caso específico do Senado da República, em medida de grande austeridade, o caput do art. 28 do Ato n. 29, de 23 de julho de 2003 determina que, “quando da celebração de qualquer contratação emergencial, fundamentada no art. 24, IV, da Lei n. 8.666 de 23 de junho de 1993, a unidade interessada deverá, no prazo de até 30 (trinta) dias, a partir da 53 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 98.

assinatura do contrato ou ajuste de qualquer forma, tomar as medidas necessárias à abertura do procedimento licitatório, sob pena de instauração do procedimento disciplinar”.

O Professor Marçal Justen Filho relaciona os dois pressupostos indispensáveis à contratação direta, em situações de emergência ou calamidade pública, quais sejam: a) a demonstração concreta e efetiva da potencialidade do dano, caracterizada pela urgência concreta e efetiva e não simplesmente teórica, e; b) a demonstração de que a contratação imediata é via adequada e efetiva para a eliminação do risco. Destarte, não basta a mera possibilidade de evitar-se a ocorrência do dano, sendo necessária a demonstração precisa da relação de causalidade existente entre a contratação e a supressão do risco de dano.54

Assim como dissemos na análise do inciso anterior, a dispensabilidade de observância do procedimento licitatório, nos casos de emergência ou calamidade pública, abrange, tão-somente, os atos diretamente relacionados a solução ou abrandamento dos eventos imprevisíveis.

3.5 DESINTERESSE POR LICITAÇÃO ANTERIOR A hipótese de contratação sem licitação, por desinteresse em licitação anteriormente

realizada, vem insculpida no inciso V do art. 24 da Lei de Licitações, que prevê a dispensabilidade de licitação “quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas”.

É o que a doutrina denomina licitação deserta. Destarte, tendo ocorrido uma licitação prévia, que resultou na ausência de interessados na apresentação dos envelopes contendo os documentos de habilitação e a proposta, o procedimento licitatório restou frustrado.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro chama atenção para o fato de que “a licitação deserta não se confunde com a licitação fracassada, em que aparecem interessados, mas nenhum é selecionado, em decorrência da inabilitação ou da desclassificação. Neste caso, a dispensa de licitação não é possível”55 (grifos nossos).

A previsão legal justifica-se pelo fato de que a demora que envolve a realização de um novo procedimento, sem que isso garanta o comparecimento de interessados, pode levar ao perecimento do interesse público que se pretende atingir. A solução, neste caso, reside na dispensabilidade da realização de novo procedimento licitatório, tendo em vista a ausência de interessados no primeiro certame e a presunção de que o mesmo ocorrerá novamente.

Todavia, a experiência de Marçal Justen Filho nos adverte: “o inciso V deve ser aplicado com a cautela de se examinar se a causa da ausência de interessados na licitação anterior residia na fixação de regras inadequadas à satisfação do interesse público. Somente se pode promover a contratação direta quando as condições de contratação forem

54 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 239-241. 55 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 306.

compatíveis com o interesse público – afirmativa óbvia, mas que nem sempre é tomada em vista, na vida real”56.

3.6 INTERVENÇÃO, PELA UNIÃO, NO DOMÍNIO ECONÔMICO Nos termos deste inciso, é dispensável a licitação quando a União necessitar intervir

no domínio econômico com a finalidade de regular preços ou normalizar o abastecimento. Tal determinação decorre dos mandamentos constitucionais insertos no parágrafo 4º do art. 173 e no art. 174. Como corolário deste preceptivo constitucional, tal modalidade não se aplica aos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, por não deterem a prerrogativa constitucional de intervirem no domínio econômico.

Diógenes Gasparini afirma que, nesta hipótese, “contrata-se sem licitação a aquisição de certo produto para pô-lo no mercado e, desse modo, forçar a queda ou a regularização do preço, ou para obrigar particulares a desovar seus estoques e normalizar o abastecimento. Essas operações interventivas são incompatíveis com processos prolongados e solenes de aquisição de bens, e por isso resta plenamente justificada a dispensabilidade de licitação”57.

3.7 PROPOSTAS COM PREÇOS MANIFESTAMENTE SUPERIORES AOS

PRATICADOS PELO MERCADO Quando todas as propostas apresentadas durante um certame licitatório contiverem

preços manifestamente superiores aos praticados pelo mercado, em valor global superior ao limite estabelecido pelo edital, a Administração Pública as desclassificará, nos termos do inciso II do art. 48 da Lei de Licitações. Antes, porém, deverá convidar os licitantes para que as reformulem, consoante exigência do parágrafo 3º do mesmo diploma normativo.

Confirmada a desclassificação dos proponentes, pela ausência de reestruturação das propostas abusivas, a Administração poderá realizar a contratação direta, sem a necessidade de nova licitação, caso fique comprovado que a demora inerente à renovação do procedimento licitatório inviabilizaria o alcance do interesse público.

Nesta hipótese, a Administração Pública deverá cingir-se ao valor da avaliação do negócio pretendido podendo, subsidiariamente, valer-se dos constantes da ata de registro de preços que, nos termos do inciso II do parágrafo único do art. 1º do Decreto federal n. 3.931, de 19 de setembro de 2001 (com as posteriores alterações que lhe trouxe o Decreto federal n. 4.342, de 23 de agosto de 2002), apresenta-se como “o documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, onde se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas”.

56 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 244. 57 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 416.

Por certo que o Sistema de Registro de Preços, criado pelo referido decreto, aplica-se exclusivamente à Administração Federal direta, autárquica e fundacional. As Administrações que, eventualmente, não possuírem seus próprios sistemas, devem valer-se dos preços praticados no mercado, caso desejem realizar a contratação direta em virtude da apresentação de preços manifestamente superiores aos praticados pelo mercado em licitação anterior.

3.8 OPERAÇÃO ENTRE PESSOA PÚBLICA E ÓRGÃO OU ENTIDADE QUE A

INTEGRE E FOI CRIADA PARA ESTE FIM, ANTES DA VIGÊNCIA DESTA LEI O inciso VIII do art. 24 da Lei de Licitações torna a licitação dispensável na hipótese

de “aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado”58.

Segundo a corrente doutrinária majoritária, este preceptivo legal autorizaria a contratação direta que versasse sobre bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a própria Administração, desde que tais empresas tenham sido criadas em data anterior à vigência da Lei n. 8.883, de 08 de junho de 1994 (e não da Lei n. 8.666, de 1993, como erroneamente, por vezes, se divulga), e que os valores atribuídos à negociação não sejam superiores aos praticados no mercado.

Todavia, cremos que a aplicação deste autorizativo legal de contratação direta deva restringir-se às empresas estatais prestadoras de serviços públicos, não alcançado as entidades exploradoras de atividades econômicas, sob pena de restar caracterizada a prática de concorrência desleal.

É que as entidades da Administração indireta que exploram atividades econômicas estão sujeitas ao mesmo regime constitucional reservado à iniciativa privada, nos termos do inciso II do parágrafo 1º do art. 173 da Constituição Federal de 1988, que lhes impõe “a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”. Privilégios deste jaez acarretariam, ainda, grave ofensa aos primados da isonomia, veiculado pelo caput do art. 5º e da livre iniciativa, disposto no inciso IV do art. 1º.

Desta forma, é imperioso que a intelecção deste dispositivo realize-se à luz da Constituição da República, autorizando-se a contratação direta apenas com empresas estatais prestadoras de serviços públicos, sob pena de afronta à sua supremacia59.

Resta, ainda, uma importante observação, no que se refere à técnica legislativa adotada: a referência de contratação com “órgão” constitui grave equívoco, na medida em que os contratos não são celebrados com órgãos, mas com as pessoas jurídicas nas quais eles estão integrados. 58 Redação dada pela Lei n. 8.883, de 08 de junho de 1994, data máxima, portanto, para haver sido criada a entidade que tenha por finalidade específica contratar com o Poder Público.

3.9 COMPROMETIMENTO DA SEGURANÇA NACIONAL É importante ressaltar que o conceito de segurança nacional, inserto no inciso IX do

art. 24 do Estatuto Federal Licitatório, como causa de dispensabilidade de licitação, deve ser entendido com a acepção semântica que realmente possui.

É sabido que, durante o período autoritário que vivíamos até a restauração do pleno Estado de Direito, tal conceito acabou por ser utilizado para embasar atos da mais diversa natureza. Atualmente, tal expressão deve ser reconduzida aos seus próprios limites, no sentido de que os assuntos de segurança nacional são aqueles que dizem respeito, única e exclusivamente, aos temas de interesses permanentes e superiores da sobrevivência do Estado brasileiro, exclusivamente no relacionamento deste perante a comunidade internacional.

Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que esta hipótese não configura, na realidade, “dispensabilidade” de licitação, mas hipótese de licitação proibida60.

O art. 1º do Decreto federal n. 2.295, de 4 de agosto de 1997, regulamentando este dispositivo legal, afirma que “ficam dispensadas de licitação as compras e contratações de obras ou serviços quando a revelação de sua localização, necessidade, característica do seu objeto, especificação ou quantidade coloque em risco objetivos da segurança nacional” (grifos nossos).

Note-se, aí, a tentativa do Chefe do Executivo federal de corrigir a imprecisão legislativa cometida pelo legislador ordinário, afirmando ser dispensada, e não-dispensável, a licitação nas hipóteses de comprometimento da segurança nacional. Nem seria necessário e, tampouco, possível.

A impossibilidade de alcance do interesse público com a realização de licitação, por si só, já é suficiente para justificar a realização da contratação direta. E, se assim não fosse, também não seria o decreto presidencial que iria afastar a obrigatoriedade da realização do certame, porque dispor desta forma excede os limites da competência regulamentar.

De qualquer sorte, a licitação está dispensada, nos termos dos artigos 1º e 2º do Decreto federal n. 2.295/97, nos casos de: a) aquisição de recursos bélicos navais, terrestres e aeroespaciais; b) contratação de serviços técnicos especializados na área de projetos, pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico; c) aquisição de equipamentos e contratação de serviços técnicos especializados para a área de inteligência, e; d) outros casos submetidos à aprovação do Conselho de Defesa Nacional.

3.10 COMPRA OU LOCAÇÃO DE IMÓVEL DESTINADO AO ATENDIMENTO DAS

FINALIDADES PRECÍPUAS DA ADMINISTRAÇÃO

59 Neste sentido, cf.: JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 249. 60 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 480-1.

Neste caso, a justificativa da dispensabilidade de realização do procedimento licitatório justifica-se pela singularidade do bem que a Administração Pública pretende adquirir ou locar. Tal fato dá-se quando um determinado imóvel necessariamente possua características ou localização especial, para poder atender aos fins colimados pelo Poder Público.

É o caso, v.g., da compra ou locação de um imóvel para instalar-se uma unidade do Corpo de Bombeiros: dificilmente encontrar-se-á mais de um prédio que apresente as condições necessárias para receber a instalação desta unidade e, mais ainda, dentro do espaço geográfico em que o interesse público requer a prestação deste serviço.

Todavia, Marçal Justen Filho adverte que “há hipóteses em que dois (ou mais) imóveis atendem aos reclamos da Administração. Ainda que os imóveis sejam infungíveis entre si, surgirão como intercambiáveis tendo em vista a necessidade e o interesse da Administração Pública. Qualquer dos imóveis satisfará a exigência que justifica a aquisição pela Administração. Nesses supostos, a questão muda de figura e a licitação se impõe. Estarão presentes os pressupostos da competição”.

E conclui: “a contratação depende, portanto, da evidenciação de três requisitos, a saber: a) necessidade de imóvel para desempenho das atividades administrativas; b) adequação de um determinado imóvel para satisfação do interesse público específico, e; c) compatibilidade do preço (ou aluguel) com os parâmetros de mercado”61.

3.11 CONTRATAÇÃO DE REMANESCENTE DE OBRA, SERVIÇO OU

FORNECIMENTO EM CONSEQÜÊNCIA DE RESCISÃO CONTRATUAL O inciso XI do Estatuto Federal Licitatório afirma ser inexigível a licitação “na

contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em conseqüência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido”.

Trata-se, pois, de situação em que, embora tenha ocorrido a celebração do contrato, o mesmo acabou por ser desfeito em virtude de ocorrência das hipóteses previstas no art. 78 da Lei de Licitações. Neste caso, será possível buscar-se a contratação direta com um dos demais classificados, desde que respeitada a ordem de classificação e as condições ofertadas pelo licitante vencedor. Ressalte-se, ainda, que o novo contratado assume o objeto nas condições em que se encontra, inclusive com posteriores alterações contratuais, caso tenham sido realizadas, cabendo-lhe prestar o remanescente do ajuste.

O valor original do contrato, entretanto, será adaptado, apenas para atualizar o preço a ser pago ao novo contratado e abater-se as parcelas executadas na vigência do contrato anterior.

Todavia, se por alguma razão não houver ou não se puder encontrar os demais classificados, ou, ainda, se estes não aceitarem o convite para assumir a execução do

61 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 253.

contrato, eis que os termos da contratação serão os fixados em proposta formulada por terceiro, deverá ser realizada nova licitação, hipótese em que a nova modalidade licitatória será definida pelo valor estimado do contrato para a execução do remanescente.

3.12 COMPRA DE HORTIFRUTIGRANJEIROS, PÃO E GÊNEROS PERECÍVEIS A Lei Federal de Licitações, em seu inciso XII do art. 24, autoriza a dispensabilidade

de licitação na contratação de “hortifrutigranjeiros, pão e outros gêneros perecíveis, no tempo necessário para a realização dos processos licitatórios correspondentes, realizadas diretamente com base no preço do dia”.

Diógenes Gasparini conceitua: “hortifrutigranjeiros são os produtos de hortas (alface, repolho, tomate, quiabo), pomares (laranja, caqui, uva) e granjas (ovos, aves). Pão é o alimento feito de farinha, água e fermento, de forma redonda ou alongada, assado em forno. Gêneros perecíveis são mercadorias víveres, de fácil deterioração” 62.

A razão de inclusão desta exceção à regra geral de obrigatoriedade de realização de licitação, justifica-se por tratar-se da aquisição de alimentos, normalmente utilizados em hospitais, creches, escolas e presídios. Sua falta acarretaria sérios danos à coletividade.

Desta forma, caso ocorra algum fator superveniente que altere o consumo médio destes produtos pela Administração Pública, será possível a aquisição sem prévia licitação, desde que já se tenha iniciado o procedimento licitatório e apenas até o seu término, respeitado o preço de mercado como, aliás, devem ser todas as contratações realizadas pelo Poder Público. Neste caso, servirão como paradigmas os preços praticados pelos entrepostos oficiais ou veiculados pelos jornais nas sessões de cotações.

Trata-se, pois, de dispositivo absolutamente redundante, pois já está autorizada a dispensabilidade de licitação nas hipóteses de emergência, consoante prevê o inciso IV deste artigo, o que se configura in casu.

Marçal Justen Filho, todavia, sugere que seja dada interpretação ampliativa ao dispositivo, para, além das hipóteses de emergência, abarcar situações “em que a realização de licitações prévias inviabilizaria as aquisições, por se tratar de produtos perecíveis, em que as peculiaridades do mercado envolvem aquisições sem maiores formalidades, com grande agilidade. Nessa linha, a realização de licitações seria obrigatória quando a natureza dos produtos e as peculiaridades do mercado fornecedor fossem compatíveis com a demora inerente a um procedimento formal e mais demorado”63.

Com a devida vênia do grande juspublicista paranaense, cremos que tal entendimento afrontaria o texto legal, uma vez que o dispositivo é taxativo em autorizar a contratação direta apenas durante o “tempo necessário para a realização dos processos licitatórios correspondentes”.

Ademais, não se vislumbram outras situações nas quais a contratação de hortifrutigranjeiros, pão e gêneros perecíveis tenham que ser realizadas com agilidade, além

62 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 422. 63 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 254.

das hipóteses de emergência e intervenção no domínio econômico, já contempladas, respectivamente, pelos incisos IV e VI do artigo legal sob análise.

3.13 CONTRATAÇÃO DE INSTITUIÇÃO BRASILEIRA VOLTADA À PESQUISA,

AO ENSINO E AO DESENVOLVIMENTO NACIONAL OU DE INSTITUIÇÃO DEDICADA À RECUPERAÇÃO SOCIAL DO PRESO

A contratação destas instituições sem a realização de certame licitatório, autorizada

pelo inciso XIII do art. 24 da Lei federal n. 8.666/93, exige destas entidades a comprovação cabal de inquestionável reputação ético-profissional, bem como do desempenho de suas atividades sem finalidades lucrativas.

Além disso, a lei exige tratar-se de instituição brasileira, que consiste em entidade estabelecida e regida pelas normas nacionais, ainda que seus instituidores ou fundadores possuam outra nacionalidade, ou que as entidades representem movimentos internacionais. Por óbvio, suas atividades devem desenrolar-se em conformidade com os preceitos éticos e morais brasileiros, respeitando sempre o interesse nacional.

À primeira das hipóteses, qual seja, instituição brasileira voltada à pesquisa, ao ensino e ao desenvolvimento nacional, atendem as Universidades, Institutos de Pesquisa, Fundações e Serviços Sociais Autônomos. Seria o caso, v.g., da contratação do Instituto Euvaldo Lodi para desenvolver programas de treinamento, visando a reciclagem dos servidores de órgãos ou entidades da Administração Federal.

Ainda é possível a contratação de instituição que se dedique à recuperação social do preso, a partir do desenvolvimento de atividades culturais e sociais com o reeducando.

Embora o dispositivo legal não exija expressamente, como faz nos incisos X e XII, é indispensável que tal contratação seja celebrada por preços compatíveis com os praticados no mercado e, havendo mais de uma instituição em condições de oferecer seus serviços, que seja realizado procedimento licitatório, ainda que por outro critério, que não o de “menor preço”, visando prestigiar-se o princípio constitucional da isonomia.

Caso fique demonstrada a inviabilidade da realização de licitação, pela ausência de parâmetros que possam ser avaliados, estar-se-á, na realidade, diante de hipótese de inexigibilidade de licitação, prevista no inciso II do art. 25, e não de dispensabilidade.

3.14 AQUISIÇÃO DE BENS OU SERVIÇOS NOS TERMOS DE ACORDO

INTERNACIONAL, DESDE QUE AS CONDIÇÕES OFERTADAS SEJAM MANIFESTAMENTE VANTAJOSAS

Justifica a dispensabilidade de licitação as condições de contratação

manifestamente vantajosas para o Poder Público, ofertadas por fornecedor nacional ou estrangeiro, em virtude da celebração de acordo internacional. Apresenta-se indispensável, contudo, que o acordo ou tratado internacional esteja aprovado pelo Congresso Nacional, sem o que, a contratação com base neste inciso, será considerada ilegal.

Assim, verificada que as condições oferecidas para a aquisição de determinado produto, equipamento ou serviço indispensável para a implementação de acordo internacional, apresentam-se manifestamente vantajosas ao Poder Público brasileiro, este poderá contratar sem a necessidade da realização de licitação. A manifesta vantajosidade do negócio relaciona-se com o preço e as condições de pagamento divulgadas pela ofertante.

Tal se dará, por exemplo, se os países integrantes da Organização das Nações Unidas celebrarem um tratado internacional comprometendo-se, cada um deles, a adquirir certo número de vacinas contra determinada moléstia, que esteja se transformando em epidemia mundial. Em virtude da grande quantidade de doses que serão adquiridas, conjuntamente, pelos países signatários do tratado, é possível que determinado laboratório ofereça o medicamento a preço considerado vantajoso. Caso o organismo internacional aceite a proposta da empresa, poderá consigná-la no tratado, resultando na possibilidade de aquisição do produto pelos países signatários, o que acarretará, no caso brasileiro, a dispensabilidade de realização do certame licitatório.

3.15 AQUISIÇÃO E RESTAURAÇÃO DE OBRAS DE ARTE E OBJETOS

HISTÓRICOS Antes de mais nada, faz-se necessário consignar que a hipótese de dispensabilidade

de licitação é alusiva a duas realidades absolutamente distintas, quais sejam; a restauração e a aquisição de obras de arte e objetos históricos. Em ambos os casos, o dispositivo exige a certificação de autenticidade do bem, além da comprovação de que o mesmo apresenta-se compatível ou inerente às finalidades do órgão ou entidade.

A aquisição de obras de arte e objetos históricos justifica-se nas hipóteses em que o Poder Público deseje trazer para seu acervo, objetos considerados indispensáveis para a preservação da identidade histórica, artística e cultural do povo brasileiro. Tal pode ocorrer quando o bem, mantido pelo particular, possa estar correndo risco de perecer em virtude dos altos custos de manutenção ou, ainda, quando esteja na iminência de ser transferido para o exterior e se pretenda colocá-lo em visitação pública, ou mesmo como forma de fomento à artes ou à cultura.

Por restauração, compreende-se o processo artístico desenvolvido por profissional especializado e experiente, que tem por objetivo devolver as características originais de um bem, deteriorado por mal uso ou pela ação do tempo, a partir de trabalho realizado com vistas à absoluta reconstrução do estilo e da técnica utilizada pelo autor.

Todavia, cremos que as hipóteses apresentam-se como caso de inexigibilidade de licitação, e não de dispensabilidade, diante da absoluta impossibilidade de realização do certame, por não se ter como aferir objetivamente os requisitos técnicos, indispensáveis para as hipóteses de restauração, tampouco de se valorar qual a obra de arte mais bela ou importante, na hipótese de aquisição.

Neste sentido, a própria Lei de Licitações e Contratações Públicas, no inciso VII de seu art. 13, reconhece que a restauração de obras de artes e objetos históricos trata-se de

serviço técnico-profissional especializado, para os quais aplica-se a regra de inexigibilidade de licitação, insculpida no inciso II do art. 25 desta lei.

A aquisição de obras de arte e objetos históricos, por sua vez, também é nítida hipótese de inexigibilidade de licitação, agora por força do inciso I do art. 25, por tratar-se de objeto singular, vale dizer, de bem cujas características únicas impedem sua fungibilidade.

3.16 IMPRESSÃO DE DIÁRIO OFICIAL, FORMULÁRIOS PADRONIZADOS,

EDIÇÕES TÉCNICAS OFICIAIS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE INFORMÁTICA, POR ÓRGÃOS OU ENTIDADES QUE INTEGREM A ADMINISTRAÇÃO E CRIADAS PARA ESTE FIM ESPECÍFICO

A hipótese de dispensabilidade de licitação, insculpida no inciso XVI do art. 24 do

Estatuto Federal Licitatório, permite a contratação direta de quatro tipos de serviços, quais sejam: a) impressão de Diários Oficiais; b) impressão de edições técnicas; c) impressão de formulários padronizados, e; d) prestação de serviços de informática. Todos, segundo o dispositivo legal em exame, celebrados com órgãos ou entidades que integrem a Administração e tenham sido criados para este fim específico.

Na maioria dos casos, a inclusão deste dispositivo legal é plenamente justificável em virtude do sigilo e segurança que devem envolver estes tipos de operações.

Sabe-se que os Diários Oficiais são os veículos legais de publicidade dos atos administrativos e das leis. E esta publicação é requisito de validade dos veículos normativos, integrando o processo de elaboração legislativa. Entregar a possibilidade de publicação destes atos à particulares poderia acarretar sérios riscos à segurança jurídica, nos casos em que, v.g., fossem alterados os conteúdos de textos legais ou, ainda, na hipótese em que não fosse publicada lei instituindo ou majorando tributo, submetido ao princípio constitucional da anterioridade, que devesse constar do último Diário Oficial do ano.

A dispensabilidade de licitação também se justifica na hipótese de impressão de formulários padronizados. Isto porque, algumas de suas espécies devem estar diretamente sob a chancela do Poder Público, que deverá controlar quantidade, numeração e série, notadamente quando sejam talonários fiscais ou de aplicações de penalidades.

Também é justificável a contratação direta com órgãos ou entidades da Administração Pública quando estivermos diante de determinados serviços de informática, em virtude da existência de dados sigilosos, notadamente aqueles que envolvam questões de segurança do Estado e da sociedade, bem como para que particulares não venham a ter acesso as senhas de determinados sistemas da pessoa jurídica contratante. O acesso indiscriminado a estes bancos de dados poderia dar margem à fraudes que acarretariam sérios prejuízos ao Poder Público como, v.g., a inclusão de novos beneficiários no sistema do Instituto Nacional de Seguridade Social.

Embora seja louvável a inclusão das hipóteses acima mencionadas, pelos argumentos já aduzidos, cremos que a contratação de impressão de edições técnicas, sem a realização de prévia licitação, não encontra amparo constitucional, em virtude da ausência dos requisitos de sigilo e segurança, utilizados para justificar as demais hipóteses.

Destarte, a impressão destes volumes pode ser efetuada por qualquer empresa privada, e a ausência de licitação acarretará grave ofensa ao primado da livre iniciativa, caracterizando a prática de concorrência desleal. Conforme já mencionamos quando da análise do inciso VIII deste artigo, as entidades da Administração indireta que exploram atividades econômicas estão sujeitas ao mesmo regime constitucional reservado à iniciativa privada, nos termos do inciso II do parágrafo 1º do art. 173 da Constituição Federal de 1988. Isso sem falar na já aludida ofensa ao princípio da isonomia, veiculado pelo caput do art. 5º da Carta Política.

É importante apontar que esta hipótese diferencia-se daquela constante do inciso VIII, deste mesmo art. 24. Naquele caso, a contratada deve ser entidade ou órgão que integre a pessoa jurídica de Direito Público interno que necessita de seus serviços, instituída antes da vigência da lei que introduziu esse dispositivo legal, enquanto na hipótese do inciso em comento basta que a contratada integre a Administração Pública, independentemente da data em que tenha sido constituída.

3.17 AQUISIÇÃO DE COMPONENTES OU PEÇAS ORIGINAIS Diz o inciso XVII do art. 24 da Lei de Licitações: “para a aquisição de componentes

ou peças de origem nacional ou estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia”.

Trata-se, portanto, de operações acessórias, não só no sentido dos objetos adquiridos não terem utilidade autônoma, como também no de que está pressuposto um contrato anterior.

Todavia, não devemos nos esquecer de que a vinculação entre contratos apresenta-se como prática ilegal, que afronta as leis de defesa da concorrência (Lei federal n. 8.884/94). Assim, somente é viável tal exigência do fornecedor quando as peças “originais” apresentem alguma qualidade especial, que se relacione direta e causalmente com o funcionamento eficiente do bem. Tal exigência deve ser tecnicamente justificada pelo fornecedor, sob pena de encaminhamento de ofício à Secretaria de Direito Econômico – SDE, para apurar-se a infração contra a ordem econômica praticada.

Para Jessé Torres Pereira Júnior, configura-se hipótese de inexigibilidade e não de dispensabilidade de licitação, com o que concordamos plenamente, em virtude da impossibilidade de adoção de conduta diversa por parte da Administração, motivada pela existência de cláusula que obriga a compra dos equipamentos originais.64

3.18 COMPRAS E SERVIÇOS PARA O ABASTECIMENTO DE NAVIOS,

EMBARCAÇÕES, UNIDADES AÉREAS OU TROPAS EM SEUS MEIOS DE DESLOCAMENTO

64 PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública. 4. ed. São Paulo: Renovar, 1997. p. 189.

O inciso XVIII do art. 24 da Lei Federal de Licitações autoriza a contratação direta “nas compras ou contratações de serviços para o abastecimento de navios, embarcações, unidades aéreas ou tropas e seus meios de deslocamento, quando em estada eventual de curta duração em portos, aeroportos ou localidades diferentes de suas sedes, por motivo de movimentação operacional ou de adestramento, quando a exigüidade dos prazos legais puder comprometer a normalidade e os propósitos das operações e desde que seu valor não exceda ao limite previsto na alínea "a" do inciso II do art. 23 desta Lei”.

Consiste, pois, em facultar a não-realização do certame licitatório quando restar caracterizado que a eventual demora do procedimento licitatório possa fazer perecer o interesse público. Por certo, a conveniência e oportunidade da contratação direta só ficarão demonstradas nas hipóteses de contratação de serviços e aquisição de gêneros perecíveis ou de produtos cuja necessidade não podia ser vislumbrada quando do início da operação. Objetos e bens não perecíveis deverão ter sua aquisição precedida de licitação, antes do início da viagem, e serem transportados junto às tropas e equipamentos militares.

Marçal Justen Filho ensina que a hipótese “aplica-se aos casos de operação militar, de qualquer natureza, que exija o deslocamento eventual de pessoas e bens para locais diversos daqueles em que estão baseados. Haverá necessidade de promover aquisições de bens ou contratações de serviços, para assegurar a estada, a alimentação etc. Essas contratações, obviamente, não poderão sujeitar-se às delongas inerentes ao procedimento licitatório. A demora acarretaria prejuízos irreparáveis, seja para o pessoal militar, seja para os interesses envolvidos na operação”65.

Ressalte-se que o limite das aquisições não poderá superar o valor estabelecido na alínea a do inciso II do art. 23 desse Estatuto, qual seja, a importância de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). A inobservância deste teto eivará de vício tal procedimento administrativo.

3.19 COMPRA DE MATERIAL PELAS FORÇAS ARMADAS PARA MANTER A

PADRONIZAÇÃO EXIGIDA PELO APOIO LOGÍSTICO, EXCETO MATERIAIS DE USO PESSOAL E ADMINISTRATIVO

As compras de materiais de uso pelas Forças Armadas, direcionadas para a

consecução de suas atividades fins, o que justifica a existência da exceção à contratação direta para a aquisição de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter-se a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante parecer de comissão instituída por decreto, configura-se caso de dispensabilidade de licitação.

Um decreto sem número, editado em 02 de abril de 1996, criou esta comissão no âmbito do Ministério da Aeronáutica. A designação de seus componentes – um Oficial-General, três Oficiais Superiores e um relator – será do sucessor do então Ministro de Estado da Aeronáutica. Até a extinção dos demais Ministérios Militares essas comissões não haviam sido instituídas.

65 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 259.

3.20 CONTRATAÇÃO DE ASSOCIAÇÃO DE PORTADORES DE DEFICIÊNCIA

FÍSICA Marçal Justen Filho ressalta que a possibilidade de contratação de associação de

portadores de deficiência física sem a realização prévia de procedimento licitatório “relaciona-se diretamente com o previsto no inciso XIII. A proximidade entre as disposições dos dois incisos é evidente. Em ambos os casos, trata-se de uma modalidade indireta de fomento. Os recursos públicos são aplicados de modo a produzir efeitos indiretos relevantes. O objetivo imediato reside na satisfação de uma necessidade pública, objeto da contratação. No entanto e conjuntamente, há outro intento. Trata-se de incentivar a atividade de certas entidades privadas, não integrantes da Administração Pública, mas cuja atuação relaciona-se com o bem comum. Produz-se uma espécie de função social do contrato administrativo, no sentido de que a contratação é instrumento de realização de outros valores sociais”66.

Exemplo típico desta modalidade de contratação encontramos nos serviços de encadernação de livros prestados por associações de deficientes visuais. Notem, ainda, que o permissivo legal reporta-se à contratação de deficientes físicos, excluindo-se, portanto, a contração de portadores de deficiência psíquica.

3.21 AQUISIÇÃO DE BENS DESTINADOS À PESQUISA CIENTÍFICA E

TECNOLÓGICA O inciso XXI do art. 24 da Lei Federal das Licitações e Contratações da

Administração Pública, dispõe ser dispensável a realização do certame quando a Administração Pública desejar adquirir bens destinados exclusivamente a pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos pela CAPES, FINEP, CNPq ou outras instituições de fomento à pesquisa, credenciadas pelo CNPq para este fim específico.

Nas lições de Diógenes Gasparini “o dispositivo somente prestigia a aquisição de bens, excluída a contratação para execução de obras, ainda que para abrigar instalações destinadas à pesquisa científica e tecnológica. Também exclui a contratação de serviços. Por bens hão de entender-se as máquinas, os equipamentos e os insumos destinados à pesquisa científica e tecnológica. O sentido dessa palavra, nesse inciso, é amplo. Ademais, ditos bens não podem ser utilizados para outros fins, senão à pesquisa científica e tecnológica. A contratação direta somente será válida se a contratação for paga com recursos provenientes de entidades como as mencionadas nesse inciso. Outras entidades poderão fornecer os recursos necessários a essas aquisições desde que credenciadas pelo CNPq”67.

66 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 260-1. 67 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 427.

3.22 FORNECIMENTO OU SUPRIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA O inciso XXII do art. 24 do Estatuto Federal Licitatório autoriza a não-realização de

licitação para a contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica com concessionário, permissionário ou autorizatário de serviço público, segundo as regras veiculadas pela legislação específica.

Entende-se por fornecimento a contratação da quantidade total de energia elétrica, necessária ao abastecimento. Já o suprimento apresenta-se como a aquisição da complementação do necessário, pelo fato do fornecimento restar insuficiente para a satisfação do interesse público.

A Lei n. 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, especifica em detalhes esta modalidade de contratação da Administração Pública, cuja licitação é dispensável.

Tal fato ganhou enorme importância prática quando do racionamento de energia elétrica, promovido em 2001, em virtude da grave crise energética que assolou o país. Naquela oportunidade, pode-se assistir à implementação do Mercado Atacadista de Energia Elétrica, no qual se realizavam as contratações de fornecimento e suprimento.

Autorizou-se, ainda, que as empresas que possuíssem quotas de consumo não utilizadas (calculadas sobre a média dos consumos de meses anteriores) pudessem negociá-las. Falou-se muito, ainda, no surgimento de diversos produtores independentes, que passariam a produzir a energia elétrica necessária para seu consumo próprio, negociando o restante no Mercado.

3.23 CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS GOVERNAMENTAIS E SUAS

SUBSIDIÁRIAS E CONTROLADAS Por este dispositivo, cuja inserção deu-se por meio da Medida Provisória n. 1.452, de

10 de maio de 1996, com redação definitiva dada pela Lei n. 9.648, de 27 de maio de 1998, autoriza-se a contratação direta entre empresas públicas e sociedades de economia mista, com suas respectivas subsidiárias ou controladas, para aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços.

Trata-se, pois, de mandamento semelhante ao veiculado pelo inciso VIII deste artigo, que autoriza a contratação direta entre o Poder Público e entidade que tenha sido criada com esta finalidade específica, antes da entrada em vigência da Lei federal n. 8.883/94, já estudado.

Quando analisamos o dispositivo supramencionado afirmamos que a aplicação deste autorizativo legal de contratação direta deveria restringir-se às empresas estatais prestadoras de serviços públicos, não alcançado as entidades exploradoras de atividades econômicas, sob pena de restar caracterizada a prática de concorrência desleal.

Como vimos, as entidades da Administração indireta que exploram atividades econômicas estão sujeitas ao mesmo regime constitucional reservado à iniciativa privada, nos termos do inciso II do parágrafo 1º do art. 173 da Constituição Federal de 1988, que

lhes impõe “a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”. Privilégios deste jaez acarretariam, ainda, grave ofensa aos primados da isonomia, veiculado pelo caput do art. 5º, e da livre iniciativa, disposto no inciso IV do art. 1º.

Todavia, a aludida restrição à contratação sem a realização de licitação, quando se estivesse diante de empresas exploradoras de atividades econômicas, não se opera no inciso sob comento. Isto porque, contratações entre empresas controladoras e controladas não são típicos atos de mercado, não estando sujeitos, assim, a observância das pautas reguladoras da livre iniciativa.

Desta forma, não a nada que impeça a contratação direta nestas hipóteses, bastando, tão-somente, que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado, como forma de garantir-se a economicidade da operação.

3.24 CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS COM ORGANIZAÇÕES SOCIAIS A Lei federal n. 9.648/99 inseriu o inciso XXIV no art. 24 da Lei Federal de Licitações,

introduzindo a possibilidade da realização de contratação direta com as entidades qualificadas como organizações sociais, visando a celebração de contratos de serviços, para atividades contempladas no contrato de gestão.

Organizações sociais são associações civis ou fundações, constituídas e organizadas sob regime jurídico de direito privado que, sem possuírem fins lucrativos, estão voltadas ao desempenho de atividades de natureza pública, como as de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde, e poderão ser aproveitadas pelo Estado para o desenvolvimento de programas que visem à melhoria da prestação desses serviços.

As organizações sociais são entidades paraestatais por serem dirigidas e mantidas pela iniciativa privada. Não integram a Administração Pública (direta ou indireta) mas, por auxiliarem o Estado no desempenho de sua finalidade, qual seja, a busca do bem comum, são tidas como entidades de um “terceiro setor” (nem público, nem o tradicionalmente privado).

Toda organização social, portanto, é uma entidade paraestatal: entidade privada, sem fins lucrativos e que desempenha atividades sociais. Todavia, nem toda paraestatal é uma organização social. O que transforma a entidade paraestatal em organização social é um decreto, como adiante se verá.

Diógenes Gasparini ensina que “encontrada essa fundação ou associação, por sua própria iniciativa ou ação estatal, cabe à Administração Pública interessada em tê-la como sua parceira qualificá-la como organização social, observados os requisitos exigidos por essa lei e após transferir-lhe bens e recursos com a condição de aumentar e melhorar os serviços que presta à comunidade.

A Administração Pública, é fácil de ver, não cria uma nova instituição nem aceita a existente tal como instituída e organizada pelos particulares; apenas a qualifica como

organização social se conformada às exigências dessa lei. Se não estiver assim constituída e organizada, seus atos constitutivos podem ser alterados para essa adequação”68.

Destarte, só merecerão o título de organização social as entidades que previamente atenderem às exigências arroladas no art. 2º da Lei federal n. 9.637, de 15 de maio de 1998, que dispõe, dentre outros fatores, sobre a obrigatoriedade de comprovação do regular registro da entidade, além de possuírem natureza social voltada a um dos objetos acima elencados, não possuírem fins lucrativos, investirem seus excedentes financeiros no desenvolvimento de suas atividades e, em caso de extinção ou desqualificação, que seus bens sejam cedidos a outras organizações sociais da mesma área de atuação ou ao patrimônio da Administração Pública que a qualificou como organização social, na proporção dos valores recebidos.

A qualificação da entidade como organização social é ato administrativo discricionário, condicionado, outrossim, ao exame do binômio “conveniência e oportunidade” para a edição da medida. A desqualificação, conforme dicção do art. 16 do citado diploma normativo, poderá (“poder-dever”) dar-se quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão. Tal ato deverá ser precedido de trâmite administrativo prévio, com respeito aos direitos de ampla defesa, contraditório, respondendo os dirigentes da organização social pelos danos ou prejuízos decorrentes de ação ou omissão. A desqualificação acarretará a reversão dos bens permitidos, dos valores entregues à utilização da organização social e, caso tenha ocorrido, do pessoal cedido, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

A celebração do contrato de gestão entre o Poder Público e estas entidades é hipótese de licitação dispensável, em virtude do espírito de formação de parcerias que envolve a celebração deste tipo de negócio jurídico, dificultando a escolha da entidade a partir de critérios objetivamente postos em edital.

Nos dias de hoje, os contratos de gestão celebrados com organizações sociais ganham enorme importância prática, na medida em que são o veículo por excelência de implementação dos “direitos republicanos”, direitos fundamentais de quarta geração, que visam uma maior participação da sociedade na gestão da res publica.

Com estas parcerias entre Poder Público e sociedade civil organizada, visa-se o rompimento com a filosofia de uma administração pública burocrática (preocupada com os meios, procedimentos) e a implementação de uma administração pública gerencial (preocupada com os fins, resultados).

Esta filosofia deflui claramente das palavras do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso que, ao apresentar o Plano Diretor da Reforma do Estado, em novembro de 1995, afirmou:

“É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de ‘gerencial’, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna

68 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 372.

‘cliente privilegiado’ dos serviços prestados pelo Estado. É preciso reorganizar as estruturas da administração com ênfase na qualidade e na produtividade do serviço público”69.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no entanto, não poupa críticas aos contratos de gestão celebrados com organizações sociais. Em sua obra Parcerias na Administração Pública, afirma ser nítida a intenção do legislador de burlar o regime jurídico de direito público, ao qual está submetida a Administração. E conclui: “tratam-se de entidades constituídas ad hoc, ou seja, com o objetivo único de se habilitarem como organizações sociais e continuarem a fazer o que faziam antes, porém com nova roupagem. São entidades-fantasmas, porque não possuem patrimônio próprio, sede própria, vida própria. Elas viverão exclusivamente por conta do contrato de gestão com o Poder Público”70.

4 INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO Depois de inúmeras críticas doutrinárias aos diplomas normativos que vinham

tratando do tema das licitações sofreram – e, mais especificamente, o Decreto-Lei 200, de 1967 – o legislador houve por bem incluir no Decreto-Lei 2.300, de 1986, que, posteriormente veio a ser substituído pelo atual Estatuto Federal Licitatório, qual seja, a Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, casos de inexigibilidade de realização de procedimento licitatório.

Hely Lopes Meirelles lembra que, “naquela oportunidade exemplificávamos a inviabilidade de competição com doações, permutas, dações em pagamento, investiduras de bens públicos e vendas de sementes, reprodutores, adubos, inseticidas, vacinas e outros produtos que comumente a Administração faz a destinatários certos, insuscetíveis de serem selecionados em concorrência ou qualquer outra modalidade licitatória.

Essa orientação doutrinária foi acolhida pelo Decreto-Lei 2.300, de 1986, e pela Lei 8.666, de 1993, que, depois de considerar dispensada a licitação para doações, permutas, dações em pagamento e investiduras de bens públicos (art. 17, I e II) e de enumerar os casos em que esta é dispensável (art. 24), cuida, separadamente, da inexigibilidade de licitação. Assim, no art. 25 refere-se, genericamente, à inviabilidade de competição (em que se enquadram as vendas de sementes, reprodutores, adubos, inseticidas, vacinas e de outros produtos pela Administração) e, em especial, aos casos em que o fornecedor é exclusivo (inciso I) e em que o contratado é o único que reúne as condições necessárias à plena satisfação do objeto do contrato (incisos II e III)”71.

A inexigibilidade de licitação justifica-se, portanto, nas hipóteses em que verifica-se a impossibilidade jurídica da realização do certame, quer pela natureza do negócio envolvido, quer pelos objetivos sociais almejados pelo Poder Público.

69 CARDOSO, Fernando Henrique. BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do Estado. nov. 1995. p. 4. 70 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 204. 71 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 105-6.

No Senado da República, o Ato da Comissão Diretora n. 29, de 23 de julho de 2003, prevê, em seu art. 10, a competência do diretor da área administrativa do Senado Federal, da Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP, no âmbito de suas respectivas unidades, para reconhecer as situações de dispensabilidade e inexigibilidade quando o valor estimado do contrato não suplantar o limite estabelecido para a modalidade convite.

Nos demais casos, a atribuição será do Diretor-Geral do Senado Federal e dos Diretores da Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP.

Note-se que, nas hipóteses de inexigibilidade, sempre existirá a ausência daquilo que Celso Antônio Bandeira de Mello denominou pressupostos da licitação, já estudados.

Por fim, resta salientar que o elenco instituído pelo art. 25 da Lei de Licitações não é taxativo ou exaustivo, mas exemplificativo, admitindo-se outras hipóteses em que se verifica a inexigibilidade de realização do procedimento licitatório. Tal raciocínio hermenêutico fica claramente corroborado pela redação da parte final do caput do art. 25, que dispõe ser a licitação inexigível “em especial” naqueles casos. Logo, existem diversos outros casos em que a licitação não poderá ser realizada, estando as hipóteses mais comuns veiculadas nos três incisos do art. 25.

O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello resume com acerto: “em suma: sempre que se possa detectar uma induvidosa e objetiva contradição entre o atendimento a uma finalidade jurídica que incumba à Administração perseguir para bom cumprimento de seus misteres e a realização do certame licitatório, porque este frustraria o correto alcance do bem jurídico posto sob sua cura, ter-se-á de concluir que está ausente o pressuposto jurídico da licitação e, se esta não for dispensável com base em um dos incisos do art. 24, deverá ser havida como excluída com supedâneo no art. 25, caput”72.

4.1 AQUISIÇÃO DE MATERIAIS, EQUIPAMENTOS OU GÊNEROS QUE SÓ

POSSAM SER FORNECIDOS POR PRODUTOR, EMPRESA OU REPRESENTANTE COMERCIAL EXCLUSIVO

Diógenes Gasparini lembra que “a licitação só tem razão de ser nas hipóteses em

que se pode instaurar uma competição entre os licitantes interessados em negociar com a entidade, em princípio, obrigada a licitar. Inexistindo essa possibilidade, torna-se inútil o certame e absurda sua exigência. É o que ocorre, e aí o porque da inexigibilidade, para a ‘aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo’, prevista no primeiro dos incisos do art. 25 do Estatuto federal Licitatório. Produtor tanto pode ser o agricultor como o industrial; é aquele que produz bens para o consumo. Empresa é a organização que produz ou

72 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 476.

fornece bens para o consumo. Representante comercial é o delegado de uma empresa voltada para o comércio de bens”73.

É importante diferenciar os conceitos de exclusividade absoluta e exclusividade relativa. No primeiro caso, só há um fornecedor ou agente capaz de atender aos anseios da Administração, enquanto que, no segundo, há mais de um fornecedor ou agente, mas apenas um situado na praça em que se pretende fazer a aquisição do produto.

No caso de exclusividade absoluta a licitação será sempre inexigível, pela absoluta impossibilidade de se negociar com outra pessoa. É o que o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello denomina “bem singular”, tema que já abordamos anteriormente. Já em casos de exclusividade relativa, deverá observar-se o valor do negócio para, só aí, verificar-se a solução dada pelo legislador, com base na viabilidade econômica da realização da contratação direta ou da realização do procedimento licitatório.

“Assim, se o montante do ajuste determinar o convite, a exclusividade do produtor, empresa ou representante comercial é na praça em que se realiza a licitação. Se o valor do contrato pretendido indicar a tomada de preços, a exclusividade é no registro cadastral. Se o vulto do contrato indicar a concorrência, a exclusividade é no país. Considera-se, em suma, fornecedor, empresa ou representante comercial exclusivo, no caso de convite, o que é único na localidade; no caso de tomada de preços, o que é único no registro cadastral; no caso de concorrência, o que é único no país. Assim é, vez que no convite em princípio só participam os convidados, e estes, pela natureza do convite, são os da praça; na tomada de preços, em princípio, só participam os cadastrados; na concorrência, em tese, participam quaisquer interessados que atendam às condições do edital”74.

4.2 CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS

ESPECIALIZADOS, COM PROFISSIONAIS OU EMPRESAS DE NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO, VEDADA PARA SERVIÇOS DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA

O inciso II do art. 25 da Lei das Licitações, dispõe ser inexigível a licitação no caso

de “contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização”. Trata-se, portanto, de serviços que exigem uma profunda especialização de seu executor, indo além da habilitação normal que outros profissionais pertencentes à mesma área detêm.

Os serviços dessa natureza, como o próprio inciso acima transcrito prescreve, são aqueles constantes do rol do art. 13 da Lei Federal n. 8.666/93, a saber: “I – estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; II – pareceres, perícias e avaliações em geral; III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; IV – fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; VI – treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; VII – restauração de obras de arte e bens de valor histórico”. Note-se, ainda, a exigência legal da natureza singular do serviço constante da lista, além

73 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 432. 74 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 433.

da notória especialização de seu executor, como elementos justificativos da exceção à regra geral da obrigatoriedade de licitar.

“Quando houver possibilidade de competição os serviços técnicos profissionais especializados deverão ser contratados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração (art. 13, § 1º)”75.

Por outro lado, havendo impossibilidade jurídica de competição e não sendo o serviço de natureza singular, de modo a permitir a execução por mais de um profissional, em respeito ao princípio da igualdade, o administrador deve proceder à pré-qualificação dos interessados (art. 114) e implantar sistemática objetiva e imparcial na distribuição dos serviços.

Cabe ressaltar que a doutrina e a jurisprudência, bem como julgados dos Tribunais de Contas, têm reconhecido a inviabilidade de competição para os serviços jurídicos ou de natureza advocatícia, que se inserem, sem dúvida, no rol do art. 13 (incisos I, II e IV), desde que tais serviços não sejam padronizados (como o ajuizamento de milhares de execuções da previdência social), mas, ao contrário, tenham natureza singular, ou características individualizadoras, e os profissionais prestadores sejam de notória especialização. Não só existe a impossibilidade jurídica de competição de preço ou de técnica entre os serviços jurídicos, como também a instauração de licitação contraria as normas do próprio Estatuto da Ordem dos Advogados e respectivo Código de Ética (arts. 39 a 41 e Precedente do Tribunal de Ética 1.062, no Processo E-1.355). Assim, nem mesmo o concurso seria viável”76 (grifos nossos).

Marçal Justen Filho alerta que “a expressa referência contida no inciso II aos serviços previstos no art. 13 não significa vedação normativa à contratação direta de outros serviços, não subsumíveis ao elenco daquele dispositivo. Fora das hipóteses do art. 13, aplica-se diretamente a regra do caput do art. 25. Vale dizer, estando presente a inviabilidade de competição, deve ocorrer a contratação direta”77.

4.3 CONTRATAÇÃO DE ARTISTAS CONSAGRADOS PELA CRÍTICA E OPINIÃO

PÚBLICA Consoante a dicção expressa do inciso III do art. 25, é inexigível a realização de

certame licitatório “para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública”.

O dispositivo não oferece maiores complicações, apresentando-se como a forma encontrada pelo legislador de equiparar o artista aos serviços técnicos profissionais especializados. O tema que, talvez, possa suscitar maiores controvérsias, relaciona-se à 75 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 108-9. 76 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 108-9.

“consagração pela crítica especializada ou pela opinião pública”. Diógenes Gasparini oferece-nos a solução:

“Cremos que se pode dizer que é a crítica local, regional (estadual) ou nacional, em razão do valor do contrato. Assim, se o contrato estiver dentro do limite de convite, será local; se estiver dentro do limite da tomada de preços, será regional; se estiver dentro do limite de concorrência, será nacional. O mesmo deve-se afirmar em relação à opinião pública. No mais, cabe observar, no que couber, o que dissemos para a contratação de serviços profissionais especializados”78.

77 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 292. Contra, inadmitindo a ampliação do elenco: GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 435. 78 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 438.

CAPÍTULO III MODALIDADES TRADICIONAIS DE LICITAÇÃO

Modalidades de licitação são formas de realização do procedimento licitatório que

visam ajustar-se às peculiaridades de cada tipo de negócio administrativo. O art. 22 do Estatuto Federal Licitatório traz, em seu bojo, as modalidades de

licitação admissíveis. São elas: a) concorrência; b) tomada de preços; c) convite; d) concurso, e; e) leilão.

Cabe ressaltar, ainda, a modalidade de licitação denominada pregão, instituída com a edição da Medida Provisória n. 2.026, em 04 de maio de 2000 que, após sucessivas reedições e numerações, acabou convertida na Lei federal n. 10.520, de 17 de julho de 2002. Por apresentar rito próprio e características específicas, estudaremos o pregão em capítulo especial.

Com esta medida, então, completa-se o quadro das modalidades de licitação prestigiadas pelo ordenamento jurídico positivo brasileiro.

Segundo nos leciona o Professor Marçal Justen Filho, o elenco constante do rol do art. 22 da Lei Federal de Licitações não se apresenta homogêneo. “Sob uma análise doutrinária, pode-se afirmar a existência de três modalidades de licitação. Há uma modalidade que poderia dizer-se ‘comum’, abrangendo as hipóteses dos incisos I a III. Além disso, existem duas modalidades ‘especiais’ (incisos IV e V).

Essa distinção deriva de que as modalidades dos incisos IV e V são destinadas a fins específicos. Não se destinam a outros tipos de contratação administrativa senão àquelas para as quais são especificamente destinadas. O concurso somente se presta como procedimento de seleção para atribuição de prêmios ou seleção fundada em critérios muito específicos. Já o leilão se destina a selecionar a melhor proposta para alienação de bens ou direitos, nas hipóteses previstas em lei. Ao contrário, os procedimentos dos três primeiros incisos são utilizáveis para qualquer tipo de contratação.

Nas duas modalidades especiais, os procedimentos licitatórios são estruturados segundo as peculiaridades da contratação indicadas na Lei. Por isso, as formalidades previstas em lei não são comuns a qualquer espécie de contratação possível. Nem se faculta ao agente administrativo impor exigências ou prever requisitos que escapem aos contornos legais. Por exemplo, seria inconcebível exigir a comprovação de capacidade econômica como requisito de participação em um concurso literário”79.

Valendo-nos da linha de raciocínio do professor da Universidade Federal do Paraná, podemos dizer que o pregão apresenta-se como uma modalidade comum, ao lado das três já mencionadas, muito embora detenha situação peculiaríssima, como se verá adiante, estando destinada a promover a seleção do vencedor através de lances e propostas ofertadas em sessão pública.

Partiremos, agora, para uma análise conceitual de cada uma dessas modalidades de licitação, demonstrando suas peculiaridades. Posteriormente, analisaremos as fases da

79 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 196.

licitação, momento no qual demonstraremos todo o procedimento licitatório, desde a publicação do edital até a adjudicação do objeto ao vencedor do certame.

1 CONCORRÊNCIA A concorrência pode ser definida, segundo o que dispõe o parágrafo 1º do art. 22

do Diploma Federal Licitatório, como “a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto”.

Hely Lopes Meirelles a define como “a modalidade de licitação própria para contratos de grande valor, em que se admite a participação de quaisquer interessados, registrados ou não, que satisfaçam as condições do edital, convocados com antecedência mínima de 45 ou 30 dias (art. 22, § 1º, e 21, § 2º)”. E acrescenta: “tendo em vista o valor estimado do contrato, a concorrência é obrigatória em função de determinados limites, sujeitos a revisões periódicas pelo Poder Executivo federal (arts. 23, I e II, e 120)”80.

Atualmente, nos termos da alínea “c” do inciso I do art. 23, são considerados de grande vulto os contratos que suplantem R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil), quando tenham por objeto obras e serviços de engenharia e, conforme a alínea “c” do inciso II do mesmo artigo, os superiores a R$ 650.000,00 (seissentos e cinqüenta mil) caso se trate de compras e outros serviços, diversos dos de engenharia.

Além dessas hipóteses, a concorrência é obrigatória para compra ou alienações de imóveis, exceto os adquiridos por intermédio de procedimentos judiciais ou dação em pagamento, que poderão, também, serem alienados por leilão, bem como para as concessões de uso, de serviço ou de obra pública e para as licitações internacionais, independentemente do valor do objeto do contrato.

Segundo dispõe o parágrafo 4º do art. 23 da Lei Federal de Licitações, a concorrência possuiria, ainda, caráter universal, podendo ser utilizada na substituição de qualquer outra modalidade comum, quais sejam, a tomada de preços e o convite, em virtude de sua maior publicidade e nível de exigências.

Todavia, quando versamos o princípio da eficiência pugnamos pela revogação do referido dispositivo a partir da Emenda Constitucional n. 19, de junho de 1998, alegando que a realização de concorrência em contratos de menores vultos, quando seria cabível, v.g., a modalidade convite, representaria oneração desnecessária à Administração Pública.

Diógenes Gasparini, de forma mais sucinta, aponta as características principais da concorrência: “a) anteceder aos contratos de grande vulto, ao registro de preços, às alienações imobiliárias e às concessões de uso, de serviço e de obra pública; b) exigir publicidade; c) permitir a participação de qualquer interessado, e; d) habilitar o interessado no início do procedimento”81.

1.1 AUDIÊNCIA PRÉVIA

80 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 70. 81 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 441.

Quando o valor da contratação suplantar R$ 150.000.000,00 (cento e cinqüenta

milhões), a lei exige, ainda, a realização de uma audiência prévia, com a finalidade da Administração prestar informações pertinentes à futura licitação e ouvir a manifestação de todos os interessados. Esta audiência, obrigatoriamente, realizar-se-á, 15 dias antes da publicação do edital, conforme dispõe o art. 39 da Lei de Licitações.

1.2 UNIVERSALIDADE DA CONCORRÊNCIA Nas lições do saudoso Hely Lopes Meirelles, “entende-se por universalidade da

concorrência a possibilidade que se oferece à participação de quaisquer interessados no certame, independentemente de registro cadastral na Administração que a realiza ou em qualquer outro órgão público ou particular. Sem essa universalidade descaracteriza-se a concorrência”82.

Assim, não é permitida a exigência de qualquer registro cadastral anterior junto à Administração, como requisito indispensável para a participação do interessado no certame. Tal obrigação só será lícita quando da realização da modalidade licitatória denominada tomada de preços que, nos termos do parágrafo 2º do art. 22 da Lei de Licitações, “é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas” (grifos nossos).

2 TOMADA DE PREÇOS Tomada de preços, nas palavras do Professor Diógenes Gasparini, “é a modalidade

de licitação indicada para contratos de vulto médio, que admite determinados interessados cadastrados antes do início do procedimento, aberta mediante publicidade. Caracteriza-se por: a) destinar-se a contrato de vulto médio; b) permitir unicamente a participação de interessados previamente cadastrados ou habilitados; c) exigir publicidade, e; d) requerer prévia qualificação dos interessados”83.

Conforme dispõe expressamente os incisos I e II do art. 23 da Lei das Licitações, a tomada de preços é o procedimento obrigatório para os negócios de médio vulto que, nos termos atuais, compreende as obras e serviços de engenharia cujo valor do contrato esteja situado entre mais de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) e R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), ou a realização de compras ou serviços diversos aos de engenharia, nas contratações estimadas entre mais de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais).

3 CONVITE

82 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 71. 83 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 445.

O convite apresenta-se como a modalidade mais simplificada de realização de certame licitatório, destinado à celebração de contratações de objetos possuidores de pequeno valor econômico. Não exige publicação, pelo só fato de ser feito diretamente aos escolhidos pela Administração, o que se dá por meio da carta-convite.

O convite, em regra, deverá contar com ao menos três licitantes qualificados, vale dizer, três pessoas que possuam os requisitos necessários para contratar com a Administração Pública. Em caso de limitações do mercado ou manifesto desinteresse dos convidados, que impossibilite a obtenção deste número, tais circunstâncias devem ser devidamente justificadas, sob pena de repetição do convite, nos termos do parágrafo 7º do art. 22 do Estatuto Federal Licitatório.

A Lei de Licitações prevê, no parágrafo 6º do mesmo artigo, que “existindo na praça mais de três possíveis interessados, a cada novo convite realizado para objeto idêntico ou assemelhado é obrigatório o convite a, no mínimo, mais 1 (um) interessado, enquanto existirem cadastrados não convidados nas últimas licitações”.

Conforme dispõe os incisos I e II do art. 23 da Lei das Licitações, o convite deverá ser utilizado quando o valor estimado do contrato atingir pequeno vulto, quantia delimitada que não exceda R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), nas hipóteses de contratação de obras e serviços de engenharia, ou R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), quando tratar-se de procedimento licitatório destinado à realização de compras ou serviços diversos aos de engenharia.

4 CONCURSO Concurso é a modalidade licitatória utilizada para a escolha de trabalho técnico,

artístico ou científico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, a partir de critérios previamente estipulados em edital, tendo por finalidade fomentar cultura, tecnologia, artes, ciência, ou encontrar soluções para problemas atuais, notadamente nas áreas social e urbanística.

Marçal Justen Filho chama a atenção para a obrigatoriedade da entrega de um prêmio ao vencedor, lembrando que o mesmo corresponderá “a uma contrapartida (econômica ou não) pela atividade técnica ou artística – até porque, em regra, o produto dessa atividade não será economicamente avaliável. O prêmio não significa uma mera liberalidade da Administração. No concurso, a premiação final funciona como fator de incentivo aos possíveis interessados em participar do concurso. O prêmio tanto poderá consistir em bem economicamente avaliável como em uma honraria de outra natureza. O concurso deverá ser objeto de divulgação a mais ampla possível. Embora a letra da lei aluda a quarenta e cinco dias, a Administração estará obrigada a adotar prazos ainda mais longos, se for o caso”84.

Note-se que, diferentemente do que ocorre nas demais modalidades licitatórias, o interessado deverá apresentar seu trabalho artístico pronto e acabado, antes da realização

84 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 206.

de qualquer julgamento. O esforço do interessado é realizado antes, diferentemente do que ocorre nas demais modalidades analisadas, em que o objeto da licitação só será desenvolvido por aquele que sagrar-se vencedor.

Também não há, como regra, a celebração de um contrato ao final do procedimento, trazendo uma exceção ao conceito tradicional de licitação, que seria um procedimento administrativo preparatório para a celebração de um contrato. A Administração Pública está obrigada, contudo, à entrega de um prêmio, que não necessita guardar proporção econômica com o custo da produção técnico-científica.

5 LEILÃO Dispõe o parágrafo 5º do art. 22 da Lei das Licitações que leilão “é a modalidade de

licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a Administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação”.

Assim, diferente do que ocorre em outras modalidades, nesta, os interessados comparecem em data preestabelecida para o ato, formulando suas propostas verbalmente. No leilão, portanto, inexiste sigilo com relação ao conteúdo das propostas. Estas vinculam o proponente até que advenha outra mais elevada, que o desobrigue, obrigando, por via de conseqüência, o novo proponente.

Marçal Justen Filho critica o legislador pela utilização equivocada da expressão “penhorados” ao invés de “empenhados”, ao anotar que “a Lei n. 8.666/93 cometeu erro jurídico evidente, ao introduzir a referência à venda de produtos ‘penhorados’. O bem penhorado é aquele apreendido em processo de execução, por ato do Estado-Jurisdição, para garantia da satisfação do direito do credor munido de título executivo. A Administração não pode alienar bens ‘penhorados’, atividade privativa do Poder Judiciário, que se desenvolve mediante regras próprias. Possivelmente, a Lei pretendia indicar os bens ‘empenhados’ (ou seja, objeto de contrato de penhor). Algumas entidades financeiras da Administração indireta realizam contratos de mútuo, garantidos por penhor. Vencido o contrato e não liquidada a dívida, promove-se o leilão do bem empenhado, o qual seguirá as regras básicas da Lei n. 8.666”85.

5.1 LEILÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO O Programa Nacional de Desestatização – PND foi criado pela Lei federal n. 8.031,

de 12 de abril de 1990 e reestruturado pela Lei federal n. 9.491, de 9 de setembro de 1997, revogadora da primeira.

Os objetivos fundamentais do programa, previstos nos incisos do art. 1º da referida lei são: a) reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa

85 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 208.

privada atividades antes exploradas pelo setor público; b) contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida; c) permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; d) contribuir para a reestruturação do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito; e) permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais, e; f) contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas integrantes do Programa.

O parágrafo 3º do art. 4º da Lei do Programa Nacional de Desestatização – PND passou a admitir o leilão como forma de licitação nas hipóteses de: a) alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, preferencialmente mediante a pulverização de ações; b) alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações; c) dissolução de sociedades ou desativação parcial de seus empreendimentos, com a conseqüente alienação de seus ativos; d) concessão, permissão ou autorização de serviços públicos, e; e) aforamento, remição de foro, permuta, cessão, concessão de direito real de uso resolúvel e alienação mediante venda de bens imóveis de domínio da União.

Trata-se, assim, de conferir ao leilão uma outra dimensão como procedimento licitatório, além daquelas já descritas na Lei federal n. 8.666/93.

CAPÍTULO IV PROCEDIMENTO DA LICITAÇÃO

Conforme já nos referimos, a licitação consiste em procedimento administrativo.

Como tal, desdobra-se em diversas fases. São elas: edital, habilitação, julgamento, homologação e adjudicação, as quais passaremos a analisar mais detidamente, a partir do próximo subtítulo.

1 EDITAL O edital consiste no ato por meio do qual se convoca os interessados em participar

do certame licitatório, bem como se estabelecem as condições que irão regê-lo. Celso Antônio Bandeira de Mello o define da seguinte forma: “é o ato por cujo meio a

Administração faz público seu propósito de licitar um objeto determinado, estabelece os requisitos exigidos dos proponentes e das propostas, regula os termos segundo os quais os avaliará e fixa as cláusulas do eventual contrato a ser travado”. E conclui:

“São as seguintes as funções desempenhadas pelo edital: a) dá publicidade à licitação; b) identifica o objeto licitado e delimita o universo das propostas; c) circunscreve o universo de proponentes; d) estabelece os critérios para análise e avaliação dos proponentes e propostas; e) regula atos e termos processuais do procedimento, e; f) fixa as cláusulas do futuro contrato”86.

O art. 40 do Estatuto Federal Licitatório, em seus quatorze incisos e alíneas, traz as cláusulas que devem obrigatoriamente constar do edital. O art. 41, por sua vez, confere legitimidade à qualquer cidadão para impugnar edital que se ressinta de desconformidade com a lei.

1.1 AMPLA PUBLICIDADE Conforme prescreve o art. 3º da Lei federal n. 8.666/93, um dos imperativos que

regem as licitações e contratações da Administração Pública é o princípio da publicidade. Por ele, impõe-se ampla divulgação dos procedimentos licitatórios.

Assim é que, o inciso I do art. 21 da Lei Federal de Licitações, exige a publicação dos avisos, contendo o resumo do edital, pelo menos uma vez, no Diário Oficial da União, caso se trate de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal ou quando tratar-se de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais. Em se tratando de licitações estaduais, distritais ou municipais, a publicação far-se-á no Diário Oficial do Estado ou do Distrito Federal, nos termos do inciso II do artigo sob comento.

O inciso III do art. 21 exige, ainda, a publicação, igualmente, por no mínimo uma vez, em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se houver, em jornal de

86 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 502.

grande circulação no Município ou na região onde será realizada a obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o bem, podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação, utilizar-se de outros meios de divulgação para ampliar a área de competição, sempre respeitando-se o princípio da proporcionalidade, com vistas à evitar-se exageros e a realização de gastos desnecessários.

Diógenes Gasparini lembra que “a notícia da abertura de licitação, feita pelo aviso, deve conter o nome da entidade licitante, a espécie de licitação e o seu número, o objeto licitado, o prazo, as datas, hora e local para a entrega dos envelopes e abertura dos de habilitação, local para a retirada do edital e seus anexos e para a obtenção de outras informações e os meios (telefone, fax, Internet) para a obtenção de informações preliminares”87.

A exceção a publicação dos avisos de licitação em Diário Oficial e jornal de grande circulação fica por conta da modalidade de “convite”, que não necessita de publicidade por esses veículos, sendo necessário, tão-somente, a fixação de cópia do edital (instrumento convocatório) em local apropriado na Administração e o envio das cartas-convite a interessados do ramo pertinentes ao seu objeto.

1.2 PRAZOS MÍNIMOS O parágrafo 2º do art. 21 da Lei de Licitações e Contratações Administrativas traz os

prazos mínimos que devem ser observados entre a publicação do edital e a data da realização do evento, em cada uma das modalidades de licitação. São eles:

a) na concorrência: 45 dias quando o tipo de licitação for “técnica”, “técnica e preço” ou tratar-se de procedimento visando a celebração de contrato de “empreitada integral” (inciso I) e 30 dias nas demais hipóteses desta modalidade (inciso II);

b) na tomada de preços: 30 dias quando o tipo de tomada de preços for “técnica” ou “técnica e preço” (inciso II), e 15 dias nas demais hipóteses desta modalidade (inciso III);

c) no convite: 5 dias úteis, em todos os casos (inciso IV); d) no concurso: 45 dias (inciso I), e; e) no leilão: 15 dias (inciso III). É importante ressaltar que, segundo disposição do parágrafo 3º desse artigo, os

prazos estabelecidos “serão contados a partir da última publicação do edital resumido ou da expedição do convite, ou ainda da efetiva disponibilidade do edital ou do convite e respectivos anexos, prevalecendo a data que ocorrer mais tarde”.

Assim, ocorrendo retificação do edital, os prazos previstos deverão ser devolvidos. 2 HABILITAÇÃO

87 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 441-2.

Trata-se da maneira pela qual o interessado em contratar com o Poder Público demonstra possuir os requisitos e qualificações exigidos pelo edital. Apenas isso.

Como regra, não é exigido dos participantes nas licitações a realização de um cadastramento prévio, ficando a verificação das exigências legais para a contratação com a Administração Pública para esta fase, que sucede a publicação do edital e entrega dos envelopes contendo as propostas e documentação. Todos podem habilitar-se no momento oportuno, fixado pela Administração no edital.

A exceção é a modalidade denominada “tomada de preços”, que exige cadastramento prévio dos interessados, em um banco de dados denominado registro cadastral. Nesta hipótese, a fase de habilitação é a primeira da licitação, precedendo a publicação do edital.

Diógenes Gasparini ensina que, “nessa fase, em local, dia e hora designados no edital, a comissão de licitação, em ato público e na presença de interessados, pede aos presentes que examinem os envelopes-propostas recebidos, e os rubriquem, pois serão mantidos sob sua guarda e responsabilidade para serem oportunamente abertos. Após, inicia-se a abertura dos envelopes-documentação, cujos conteúdos são examinados e rubricados pelos membros da comissão de licitação e pelos proponentes presentes. O julgamento dos documentos apresentados é normalmente feito na mesma sessão pública em que foram abertos os respectivos envelopes”88 (grifos no original).

Segundo dispõe o art. 27 da Lei das Licitações, exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal, além do cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

Assim, qualquer outra exigência além destas – nesta fase – é descabida e pode ser considerada afronta ao princípio da isonomia.

É importante ressaltar que o parágrafo 1º do art. 32 da Lei de Licitações prevê a possibilidade de dispensa da documentação exigida, no todo ou em parte, caso se trate de licitação realizada nas modalidades de convite, concurso ou leilão, bem como quando se trate de procedimento que vise o fornecimento de bens para pronta entrega.

Vislumbramos inconstitucionalidade na possibilidade de dispensa de todos os documentos de habilitação. É que o parágrafo 3º do art. 195 da Constituição da República prevê que “a pessoa jurídica em débito com o sistema de seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.

Destarte, exceto na modalidade de “concurso”, em que não há necessariamente a celebração de um contrato ao final, a Administração Pública deverá exigir, ao menos, a Certidão negativa de débitos com a seguridade social. Por sua vez, na concorrência deverão ser exigidos todos os documentos, exceto nos contratos de fornecimento de bens para pronta entrega, nos quais também é possível que se resuma a referida certidão.

Saliente-se, ainda, que a hipótese de dispensa da documentação nesses contratos de fornecimento de bens justifica-se pelo fato de que, entregues os bens e pago o preço, 88 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 467-8.

exaure-se o contrato administrativo. Não há, pois, o risco que se verifica nos ajustes que tem sua execução continuada, seja de fornecimento, de obras ou serviços, nos quais dificuldades financeiras, ausência de patrimônio ou inexistência de habilidades específicas possam impedir que o contrato se desenvolva, por completo, em níveis satisfatórios.

Merece lembrança, ainda, a exceção trazida pelo art. 18 da Lei Federal de Licitações, ao determinar que “na concorrência para a venda de bens imóveis, a fase de habilitação limitar-se-á à comprovação do recolhimento de quantia correspondente a 5% (cinco por cento) da avaliação”. Cremos que, também neste caso, é necessário, também, a apresentação da Certidão negativa de débitos com a seguridade social.

2.1 REGISTROS CADASTRAIS Nos termos do parágrafo 2º do art. 22 da Lei de Licitações, “tomada de preços é a

modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação” (grifos nossos).

Os registros cadastrais – indispensáveis, como se vê, para a realização das licitações na modalidade denominada “tomada de preços” – vêm disciplinados nos arts. 34 a 36 do Estatuto Federal Licitatório e foram regulamentados, na órbita federal, pelo Decreto n. 3.722/2001.

Tratam-se de bancos de dados nos quais a Administração Pública procede o cadastramento de potenciais interessados em contratar com o Poder Público, classificando-os por categorias, tendo-se em vista sua especialização, subdivididas em grupos, segundo a qualificação técnica e econômica avaliada pelos elementos constantes da documentação exigível para essas mesmas qualificações, previstas nos arts. 30 e 31 da Lei de Licitações, que examinaremos abaixo.

A validade máxima destes registros será de um ano, devendo a Administração Pública divulgá-los amplamente, bem como mantê-los permanentemente abertos aos interessados, além de proceder, no mínimo anualmente, por meio da imprensa oficial e de jornal diário, a chamamento público visando a atualização dos registros existentes e para o ingresso de novos interessados.

Dispõe, ainda, o parágrafo 2º do art. 34 do Estatuto Federal Licitatório ser facultado às unidades administrativas que não possuam seus próprios registros cadastrais utilizarem-se dos de outros órgãos ou entidades da Administração Pública.

O Professor Marçal Justen Filho afirma que a exigência de cadastramento prévio dos participantes da tomada de preços teria por finalidade tornar o procedimento mais rápido e sumário.

Neste diapasão, ensina que “o prévio cadastramento corresponde à fase de habilitação. No cadastramento, a habilitação é antecipada para um momento anterior ao início da licitação. Os requisitos de idoneidade e de capacidade, em vez de serem examinados no curso da licitação e com efeitos para o caso concreto, são apurados previamente, com efeitos gerais. A Administração, independentemente de uma licitação

específica, examina se estão presentes os pressupostos de idoneidade necessários a que uma pessoa contrate com ela. A aprovação corresponde ao cadastramento do interessado. No momento posterior, quando deliberar a realização da licitação na modalidade de tomada de preços, a Administração não necessita promover uma fase de habilitação específica. A licitação seria mais sumária e rápida, porque as atividades correspondentes a uma das fases já teria sido esgotada previamente”.

Todavia, lembra que a modificação legislativa trazida pela Lei federal n. 8.666/93 tornou a tomada de preços semelhante à concorrência, por permitir que qualquer interessado, mesmo não estando previamente cadastrado, possa realizá-lo simultaneamente à abertura da tomada de preços, devendo apenas, preencher os requisitos até três dias antes da data da apresentação dos envelopes.

E conclui: “isso acarretará o processamento simultâneo da habilitação (cadastramento do interessado) com a tomada de preços. Logo, as divergências a cerca do cadastramento poderão provocar disputas que influenciem o curso da licitação. A Lei preferiu permitir o risco de demora na licitação para evitar o risco de práticas irregulares”89.

2.2 IDONEIDADE DOS CONCORRENTES A idoneidade dos concorrentes deverá ser verificada na fase de habilitação, vale

dizer, antes do momento designado para a abertura dos envelopes contendo as propostas. Tal se deve em virtude da licitação poder ser compreendida como um procedimento

administrativo composto por cinco fases (edital, habilitação, julgamento, homologação e adjudicação), divididas em dois estágios: subjetivo e objetivo.

Assim é que, nas modalidades de licitação constantes do rol do art. 22 da Lei federal n. 8.666/93, só se admite a análise objetiva (do conteúdo das propostas), após a análise dos aspectos subjetivos, quais sejam, a comprovação de que os licitantes preenchem às exigências legais de habilitação necessárias para a realização do negócio. Conforme veremos no momento oportuno, a Lei federal n. 10.520/2002, que regulamenta o pregão, prescreve a alteração desses estágios da licitação, realizando a apreciação das propostas (fase de julgamento), antes da realização das habilitações, como inteligente medida de economicidade.

Por certo que a recusa dos proponentes por inidoneidade no curso do estágio objetivo, nas modalidades de licitação tradicionais, será admissível desde que comprovado que a inabilitação advém de fator superveniente, ou impossível de ser conhecido à época própria, qual seja, a da habilitação.

Hely Lopes Meirelles ressalta que, “sendo a concorrência um procedimento administrativo, a Administração a realiza por fases, que se vão precluindo à medida que se praticam os atos próprios de cada uma. Se na fase adequada os interessados não impugnam o ato através do recurso cabível, fecha-se para eles a possibilidade de obter a modificação administrativa do decidido e passa-se à fase seguinte, porque se dá a

89 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 197-8.

preclusão administrativa, ou, por outras palavras, a coisa julgada administrativa (art. 41, §§ 2º e 4º)”90 (grifos no original).

2.3 COMISSÃO DE JULGAMENTO Diz o art. 51 da Lei n. 8.666/93: “A habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral, a sua alteração ou

cancelamento, e as propostas serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial de, no mínimo, 3 (três) membros, sendo pelo menos 2 (dois) deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração responsáveis pela licitação”.

Note-se que o Estatuto Federal Licitatório determina que ao menos dois servidores devem pertencer aos quadros permanentes dos órgãos responsáveis pela licitação. Por quadro entende-se “o conjunto de carreiras, cargos isolados e funções gratificadas de um mesmo serviço, órgão ou Poder. O quadro pode ser permanente ou provisório, mas sempre estanque, não admitindo promoção ou acesso de um para outro”91. Abrange, pois, servidores ocupantes de cargos efetivos ou em comissão, desde que investidos em cargos dos quadros permanentes.

Por servidores qualificados, ainda, entende-se profissionais habilitados nos respectivos setores tecnológicos ou científicos.

Em complemento do que dispõe o art. 51, o art. 45 do mesmo diploma normativo prescreve que o julgamento das propostas, a ser realizado pela referida comissão, deverá ser objetivo, levando-se em conta o tipo de licitação e os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório. Tais critérios estão enunciados nos quatro incisos, do parágrafo primeiro desse mesmo art. 45, e constituem-se, objeto de exame posterior.

No Senado Federal e Órgãos Supervisionados, o art. 13 do Ato n. 29, de 23 de julho de 2003 prevê, em seus incisos, a criação de cinco Comissões Permanentes de Licitação, quais sejam: a) Comissão Permanente de Licitação do Senado Federal para a aquisição de material de consumo e contratação de serviços gerais; b) Comissão Permanente de Licitação para a execução de obras e serviços de engenharia; c) Comissão Permanente de Licitação do Senado Federal para a aquisição de equipamentos e materiais permanentes; d) Comissão Permanente de Licitação da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP, para a aquisição de insumos gráficos, e; e) Comissão Permanente de Licitação da Secretaria Especial de Informática – SEI, para a contratação de serviços gerais, aquisição de material de consumo, bens e serviços de informática.

Nos termos do parágrafo 1º do inciso V do mesmo artigo prevê, ainda, que cada Comissão Permanente de Licitação será composta com o mínimo de três e o máximo de sete membros titulares e de até três suplentes, designados dentre os servidores do Quadro de Pessoal do Senado Federal. O parágrafo 2º prescreve o período de um ano de

90 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 74-5. 91 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 388.

investidura para os membros das Comissões Permanentes de Licitação, vedada a recondução da totalidade de seus membros.

A designação dos membros das Comissões Permanentes é de competência do Primeiro-Secretário. O art. 13 do Ato n. 29/03 não traz esta determinação de forma expressa. Todavia, o sugere, quando afirma, v.g., que “a Presidência das Comissões de que trata este artigo será exercida por um de seus membros, mediante designação do Primeiro-Secretário”, ou ao prever que “o Primeiro-Secretário poderá designar Comissão Especial de Licitação para situações consideradas de grande complexidade”.

2.4 REQUISITOS DE HABILITAÇÃO Conforme mencionamos, o art. 27 da Lei das Licitações enumera as cinco espécies

de habilitação exigíveis, quais sejam: a) habilitação jurídica; b) qualificação técnica; c) qualificação econômico-financeira; d) regularidade fiscal, e; e) cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

Examinemos cada uma delas. 2.4.1 HABILITAÇÃO JURÍDICA A habilitação jurídica pode ser conceituada como a exigência da comprovação da

identidade e, no caso de pessoa jurídica, da regular constituição de quem pretenda contratar com o Poder Público.

O art. 28 exige, para tanto, seja exibida a seguinte documentação: “I - cédula de identidade; II - registro comercial, no caso de empresa individual; III - ato constitutivo, estatuto ou contrato social em vigor, devidamente registrado, em se tratando de sociedades comerciais, e, no caso de sociedades por ações, acompanhado de documentos de eleição de seus administradores; IV - inscrição do ato constitutivo, no caso de sociedades civis, acompanhada de prova de diretoria em exercício; V - decreto de autorização, em se tratando de empresa ou sociedade estrangeira em funcionamento no País, e ato de registro ou autorização para funcionamento expedido pelo órgão competente, quando a atividade assim o exigir”.

2.4.2 QUALIFICAÇÃO TÉCNICA A qualificação técnica consiste na demonstração, pelo licitante, das aptidões

necessárias para a realização da atividade pertinente ao objeto da licitação. Segundo o art. 30 do Estatuto Federal Licitatório, tal fato dá-se com: “I - registro ou

inscrição na entidade profissional competente; II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos

trabalhos; III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação; IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso”.

2.4.3 QUALIFICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA A qualificação econômico-financeira tem por objetivo possibilitar a Administração

certificar-se de que seu futuro contratado disponha de estável situação econômica e financeira. A boa situação econômica demonstra-se através de patrimônio, ao passo que, a “saúde financeira” da empresa consiste na capacidade desta de adimplir com as obrigações assumidas.

O art. 31 exige a apresentação de: “I - balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta; II - certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física; III - garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no caput e § 1º do art. 56 desta lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação”.

2.4.4 REGULARIDADE FISCAL Demonstra-se regularidade fiscal comprovando-se quitação de obrigações

tributárias e para com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, além de inscrição nas Fazendas Públicas competentes.

Determina o art. 29 a exibição dos seguintes documentos: “I - prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC)92; II - prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual; III - prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei; IV - prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei”.

2.4.5 CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO INCISO XXXIII DO ART. 7º DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

92 Atualmente, o banco de dados que contém a inscrição das pessoas jurídicas perante a Secretaria da Receita Federal denomina-se CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica.

Por este dispositivo, inserido pela Lei n. 9.854, de 27 de outubro de 1999, o interessado em contratar com o Poder Público não pode, em sua atividade empresarial, beneficiar-se do trabalho infantil. Assim, é vedado que mantenha, em seu quadro de empregados, crianças com menos de 14 anos de idade. A partir dos 14 anos de idade, devem efetivar-se, tão-somente, como aprendizes, sendo que, após os 16 poderão trabalhar, desde que não seja em período noturno, nem em situações consideradas perigosas ou insalubres até que completem 18 anos quando, então, cessarão estas restrições.

3 JULGAMENTO Hely Lopes Meirelles conceitua o julgamento das propostas como sendo “o ato pelo

qual se confrontam as ofertas, classificam-se os proponentes e escolhe-se o vencedor, a quem deverá ser adjudicado o objeto da licitação, para o subseqüente contrato com a Administração. Esse julgamento não é discricionário; é vinculado ao critério que for fixado pela Administração, levando-se em conta, no interesse do serviço público, os fatores qualidade, rendimento, preço, condições de pagamento, prazos e outros pertinentes à licitação, indicados no edital ou no convite. É o que se denomina julgamento objetivo (art. 3º e 45)”93 (grifos no original).

É importante ressaltar que o julgamento regular das propostas não gera, para o vencedor, direito subjetivo à adjudicação do objeto da licitação, conforme já tivemos a oportunidade de afirmar quando analisamos o princípio da adjudicação compulsória.

Todavia, nos termos do art. 50 da Lei federal n. 8.666/93, “a Administração não poderá celebrar o contrato com a preterição da ordem de classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licitatório, sob pena de nulidade”.

Ressalte-se que a abertura dos envelopes contendo as propostas está condicionada ao prévio julgamento da documentação e dos recursos eventualmente interpostos, fazendo-se em dia e hora designados para tanto. Na hipótese de renúncia expressa, por parte de todos os licitantes, do direito de interpor recursos, poder-se-á abrir as propostas em momento subseqüente ao do julgamento da documentação de habilitação, consignando-se em ata essa situação.

3.1 TIPOS DE LICITAÇÃO O art. 45 da Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública traz, em

seus quatro incisos, os tipos de licitação ou tipos de julgamento, que apenas não se aplicam à modalidade de “concurso”.

Trata-se do momento mais importante da licitação, na medida em que apresenta-se como a aferição dos critérios objetivos das propostas apresentadas. Vejamos os quatro tipos de licitação, na redação dos próprios incisos do parágrafo 1º do art. 45, in verbis:

93 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 134-5.

“I – a de menor preço – quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço;

II – a de melhor técnica; III – a de técnica e preço; IV – a de maior lance ou oferta – nos casos de alienação de bens ou concessão de

direitos reais de uso”. O parágrafo 5º desse mesmo artigo veda a utilização de outros tipos de licitação,

além desses expressamente consignados na lei em exame. 3.1.1 MELHOR PREÇO A modalidade mais comum de licitação – e utilizada como regra – é a do tipo menor

preço. Neste tipo de certame, o fator preponderante para a escolha da proposta vencedora é o preço. Não significa que, neste caso, a Administração Pública não possa fazer exigências mínimas de qualidade, nem que a proposta que contenha o menor preço nominal deva, necessariamente, ser a vencedora.

Isto porque, fatores como qualidade, desempenho e rendimento, combinados com o preço unitário podem levar à uma situação na qual o menor preço unitário ou global em números absolutos não seja, necessariamente, o melhor preço.

Assim, é perfeitamente possível estabelecer-se exigências técnicas na especificação do objeto licitado, desde que esta estratagema não seja utilizada para distorcer uma licitação que, conceitualmente, seria de técnica ou técnica e preço, em licitação de preço.

A Lei federal n. 8.666/93 traz, em diversas passagens, referência à exigências mínimas de comprovação de qualidade, que vão desde o momento da elaboração dos projetos (art. 12 e incisos), passando pela caracterização e especificação do objeto (art. 14; inciso I do art. 15; incisos I e III do parágrafo 7º do art. 15), entrega dos bens adquiridos (parágrafo 8º do art. 15), metodologia de execução do contrato (parágrafo 8º do art. 30), possibilidade de execução de diligências (parágrafo 3º do art. 43) e acompanhamento da execução do contrato (art. 67).

3.1.1.1 PROPOSTA MANIFESTAMENTE INEXEQÜÍVEL O inciso II do art. 48 do Estatuto Federal Licitatório prevê que serão desclassificadas

as “propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação”.

Prevê a Lei, ainda, que consideram-se manifestamente inexeqüíveis, no caso de licitação de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores

sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores: a) média aritimética dos valores das propostas superiores a 50% (cinqüenta por cento) do valor orçado pelo Poder Público, ou; b) valor orçado pela Administração Pública.

Note-se que o legislador, no dispositivo supramencionado, preocupou-se em delimitar o que são propostas manifestamente inexeqüíveis na hipótese específica de contratos de obras públicas. Além deste caso, cremos que a Administração Pública também deve recusar tais propostas quando se trate de contratos de serviços, nos quais, assim como nos de obras, a execução do objeto contratado se estende pelo tempo, e a inexeqüibilidade poderia levar à interrupção da obra ou serviço, o que apresentar-se-ia extremamente danoso ao interesse público.

Neste diapasão também é a advertência do Professor Carlos Ari Sundfeld, para quem “a proposta de valor mais baixo nem sempre é exeqüível pelo licitante, o que, nos contratos de execução futura e continuada, conduz a graves prejuízos para o Estado. Realmente, se o contratado não puder cumprir o prometido, das duas uma: ou paralisará a execução, desatendendo o interesse público a meio do caminho; ou, por via de influências indevidas, buscará compensar a perda inicial com vantagens de outra ordem”94.

Nos contratos de fornecimento, por sua vez, nos quais o ajuste se exaure com a entrega do objeto e pagamento do preço, cremos que a Administração Pública não deve recusar as propostas com preços muito baixos, a menos que vislumbre, neste comportamento, a prática de ato que importe em violação ao primado da livre iniciativa como, v.g., a realização de dumping.

3.1.2 MELHOR TÉCNICA A licitação de melhor técnica, prevista no inciso II do parágrafo 1º do art. 45 da Lei

federal n. 8.666/93 é aquela em que o fator preponderante para a escolha do vencedor não é o preço, mas critérios de qualidade e especificidade indispensáveis para o alcance do interesse público.

Nos termos do art. 46 da Lei de Licitações, os tipos de licitação “melhor técnica” ou “melhor técnica e preço” destinam-se exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos.

Tratam-se, pois, de atividades que exigem atividade intelectual apurada ou que dependam de domínio de tecnologia avançada, não obstante, neste caso, haja a viabilidade de competição que, se assim não fosse, levaria a inexigibilidade do certame, nos termos do art. 25, já analisado.

Hely Lopes Meirelles ensina que “nesse tipo de licitação o edital há de especificar minuciosamente o objeto pretendido, indicando suas finalidades e fixando o limite máximo de preço dentro do qual será escolhida a proposta tecnicamente mais vantajosa. Para tanto, 94 SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 149.

a Administração deverá indicar o fator ou fatores preponderantes no julgamento, pedindo separadamente a documentação (envelope 1), a proposta técnica (envelope 2) e o preço (envelope 3). A proposta técnica é que desclassificará ou pré-classificará os concorrentes para o julgamento final, isto porque aqueles que não oferecerem técnica aceitável pela Administração devem ser desde logo eliminados da concorrência, sendo-lhes devolvidos intactos os respectivos envelopes de preços. Uma vez examinadas as propostas técnicas, classificadas em ordem decrescente, abrem-se as propostas de preço dos licitantes classificados, passando a Administração a negociar o preço com o primeiro colocado, tendo em vista o menor preço oferecido. Não havendo acordo, a negociação passa para o segundo classificado, e assim sucessivamente, até a consecução do ajuste” 95.

Faz-se importante enfatizar que o instrumento convocatório deverá trazer o preço máximo que a Administração Pública se predispõe a pagar, bem como as notas mínimas que as propostas técnicas devem obter, além de critério objetivo de fixação da pontuação.

3.1.3 MELHOR TÉCNICA E PREÇO Na licitação de melhor técnica e preço, prevista no inciso III do parágrafo 1º do art.

45 do Estatuto das Licitações e Contratações da Administração Pública, técnica e preço serão consideradas de acordo com proporções previamente consignadas em edital. Não há, pois, uma prevalência de qualquer um dos fatores, mas um procedimento objetivo de aferição da média ponderada das valorizações das propostas técnicas e de preço. É imprescindível, porém, que o licitante satisfaça o mínimo de técnica pedido no edital, sob pena de desclassificação.

Hely Lopes Meirelles lembra que a licitação “de técnica e preço difere da de melhor técnica, porque nesta se leva em consideração, como fator preponderante, a técnica, negociando-se posteriormente o preço com o primeiro classificado; naquela (de técnica e preço) conjugam-se os dois fatores, sem limite de preço, fazendo-se a classificação pela média ponderada das propostas técnicas e de preço, conforme os pesos estabelecidos no instrumento convocatório (art. 46, §§ 1º e 2º)”96 (grifos no original).

3.1.4 MAIOR LANCE OU OFERTA Finalmente, temos a licitação de maior lance ou oferta – com importância bastante

reduzida se comparada às demais – aplicável, unicamente, aos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso. Por ela, a alienação do bem ou a concessão de direito real se dará àquele que se dispuser oferecer a melhor proposta financeira à Administração.

4 HOMOLOGAÇÃO

95 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 79-81.

Nas lições de Hely Lopes Meirelles, “homologação é o ato de controle pelo qual a autoridade competente, a quem incumbir a deliberação final sobre o julgamento, confirma a classificação das propostas e adjudica o objeto da licitação ao proponente vencedor (art. 43, VI). Essa autoridade competente deverá ser hierarquicamente superior à Comissão de Julgamento e, em regra, é aquela que determinou a abertura da licitação, mas poderá ser qualquer outra indicada no edital, no regulamento ou na lei.

A autoridade terá diante de si três alternativas: confirmar o julgamento, homologando-o; ordenar a retificação da classificação no todo ou em parte, se verificar irregularidade corrigível no julgamento; ou anular o julgamento, ou todo o procedimento licitatório, se deparar irregularidade insanável e prejudicial ao certame em qualquer fase da licitação”97.

Atualmente a doutrina é unânime em afirmar que a homologação é ato administrativo que antecede a adjudicação, apresentando-se como o meio pelo qual a autoridade competente confirma a classificação final do julgamento proferida pela Comissão de Licitação.

Assim, julgadas e classificadas as propostas encerra-se o trabalho da Comissão de Licitação, que cuidou das fases de habilitação e julgamento, devolvendo-se o processo para que a autoridade competente – ou quem a lei, norma ou regulamento determine – proceda a homologação e posterior adjudicação do objeto ao vencedor.

Neste sentido, valemo-nos novamente das lições de Hely Lopes Meirelles para quem “não há homologação da adjudicação, como antes se dizia; a homologação se faz do julgamento e de todo o procedimento licitatório. Estando ele de acordo com a lei e o edital, a autoridade superior determinará a adjudicação do objeto licitado ao proponente classificado em primeiro lugar”98.

Este também é o entendimento de Marçal Justen Filho ao lembrar que “a Lei n. 8.666 determina que a autoridade superior realize, primeiramente, a homologação do resultado da licitação. Em momento logicamente posterior, promoverá a adjudicação”99.

Celso Antônio Bandeira de Mello também pensa desta forma, quando afirma que “à homologação segue-se a adjudicação, que é o ato pelo qual a promotora do certame convoca o vencedor para tratar o contrato em vista do qual se realizou o certame”100.

Todavia, o Ato da Comissão Diretora do Senado da República n. 29/03, nos incisos II e III dos artigos 5º e 6º houve por bem, de maneira implícita, promover a inversão destas fases, quando confere competência para adjudicação ao diretor da respectiva unidade administrativa e para homologação ao Diretor-Geral do Senado Federal e aos Diretores da Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e

96 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 79-81. 97 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 151. 98 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 151. 99 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 440. 100 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. P. 543.

Publicações – SEEP, nos procedimentos licitatórios que impliquem em despesa até o limite de convite.

Da mesma forma, nos procedimentos licitatórios que impliquem em despesa superior ao limite de convite, haverá inicialmente a adjudicação, por parte dos Diretores da Secretaria Administrativa, Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP, no âmbito de suas respectivas unidades e, posteriormente, a homologação, realizada pelo Diretor-Geral do Senado Federal.

Já vimos que não é dado ao servidor recusar o cumprimento de lei ou ato normativo, sob o argumento de inconstitucionalidade da norma, quando estudamos o princípio da legalidade. Desta forma, a ordem das fases prescrita nos artigos 5º e 6º do Ato da Comissão Diretora do Senado Federal n. 29 deve ser respeitada, sob pena de responsabilização do servidor por seu descumprimento.

5 ADJUDICAÇÃO A adjudicação é o ato pelo qual a autoridade administrativa entrega formalmente o

objeto ao vencedor da licitação e o convoca para a assinatura do contrato. Hely Lopes Meirelles salienta que “feita a homologação e determinada a

adjudicação, a respectiva autoridade passa a responder por todos os efeitos e conseqüências da licitação, notadamente o mandado de segurança contra o julgamento. Isto porque, com a homologação, ocorre a superação da decisão inferior pela superior, e, conseqüentemente, a elevação da instância administrativa”.

Ressalta também que “ainda que a lei não o diga, o despacho homologatório e adjudicatório, sendo de efeito externo, como é, deve ser obrigatoriamente publicado na imprensa oficial e, se possível, com a convocação do adjudicatário para firmar o contrato nas condições e prazos estabelecidos. Com este ato encerra-se o procedimento da licitação, passando-se ao contrato com o vencedor e, na sua recusa ou impedimento, com o segundo classificado, e assim, por diante, se a Administração desejar”101.

6 REVOGAÇÃO E ANULAÇÃO DA LICITAÇÃO Ocorrido motivo superveniente que torne a licitação inviável ao atendimento do

interesse público, ou, ainda, tendo-se verificado que, em algum momento, durante a realização do procedimento licitatório, foi cometido algum desrespeito a mandamento legal, a licitação deverá ser revogada ou, neste último caso, anulada.

Assim, a anulação é a invalidação da licitação por motivo de ilegalidade, ao passo que a revogação ocorre quando, em razão da ocorrência de fato superveniente, o certame se mostrar inconveniente ou inoportuno à consecução do interesse público.

É este o teor da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os torne

101 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 151.

ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

Assim, o art. 49 do Estatuto Federal Licitatório dispõe que “a autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado”.

Note-se que, embora o comando legislado insculpido no artigo acima transcrito refira-se a “poderá revogar licitação”, o que se verifica é que, ocorrido o fator imprevisível que justifique a revogação do certame licitatório, como forma de prestigiar-se o interesse público, a revogação deverá, necessariamente, ser realizada. Assim como anular, quando ocorra qualquer ilegalidade durante a realização de seu procedimento. Destarte, tanto em um caso, quanto em outro, é obrigatória a revogação ou anulação do certame.

Neste sentido, Hely Lopes Meirelles afirma que “é erro manifesto considerar-se a revogação ou anulação da licitação como atos discricionários da Administração, pois ambos são vinculados aos motivos e pressupostos legais que os consagram. Na revogação apenas a valoração do interesse público, da conveniência administrativa ou da oportunidade da execução do objeto da licitação é que fica ao alvedrio da Administração; na anulação nada resta a Administração senão verificar e declarar a ocorrência da ilegalidade”.

No mesmo diapasão, Diógenes Gasparini lembra que “nessas hipóteses não há para a Administração Pública licitante qualquer discricionariedade, ainda que seja usada a palavra ‘poderá’. Tanto na primeira hipótese – a revogação – como na segunda – a invalidação –, há um dever-poder de extinguir o procedimento licitatório. Com efeito, se a manutenção da licitação afronta o interesse público ou a lei, surge para a Administração Pública o dever-poder de revogar ou invalidar”102 (grifos no original).

Ressalte-se que as hipóteses de revogação ou licitação do certame não precisam estar consignadas no edital ou na carta-convite, para que sejam utilizadas pelo Poder Público103.

No âmbito do Senado Federal, o Ato da Comissão Diretora n. 29, de 23 de julho de 2003, traz no art. 8º a competência privativa do Diretor-Geral para proceder a anulação dos procedimentos licitatórios.

O artigo subseqüente outorga o dever-poder de revogar o certame ao Diretor-Geral do Senado da República e aos Diretores da Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP, no âmbito de suas respectivas unidades, nas licitações cujos valores não suplantem o limite estabelecido para a modalidade de Convite, e ao Primeiro-Secretário nos demais casos.

102 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 489. 103 Diógenes Gasparini vislumbra, ainda, a possibilidade de desistência da licitação como outra figura jurídica. Para ele, “há desistência quando a entidade licitante, antes do final da licitação, renuncia ao seu prosseguimento, interrompe o seu curso. O motivo da desistência é qualquer um, desde que de interesse público e superveniente” Cf.:GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 495.

CAPÍTULO V PREGÃO: UMA NOVA MODALIDADE DE LICITAÇÃO

1 INTRODUÇÃO A mais recente modalidade de licitação denomina-se pregão. Instituída pela Medida

Provisória n. 2.026, em 04 de maio de 2000, sofreu sucessivas reedições, alterando-se pela MP de n. 2.182 e, finalmente, convertendo-se na Lei federal n. 10.520, de 17 de julho de 2002.

Antes de iniciarmos a análise das importantes questões práticas surgidas com o advento desse instituto, faz-se importante ressalvar que a edição da referida Medida Provisória não revogou a Lei Federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993, apenas trazendo ao ordenamento jurídico uma nova figura, que veio somar-se às modalidades de licitação até então existentes, quais sejam, a concorrência, a tomada de preços, o convite, o concurso e o leilão.

O que se fez, portanto, nada mais foi do que admitir-se uma nova modalidade licitatória, composta de procedimento e requisitos diferenciados para a realização da tarefa de seleção da proposta mais vantajosa à Administração.

Tal modalidade de licitação surge no ordenamento jurídico pátrio com a edição da Lei Geral de Telecomunicações (Lei Federal n. 9.472, de 16 de julho de 1997), criadora da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, que disciplina, em seus arts. 54 a 56, a possibilidade de encontrar-se a melhor proposta para suas aquisições através de pregão.

Por certo que este diploma, criador da ANATEL, não poderia ser utilizado subsidiariamente para autorizar a contratação precedida deste procedimento para as outras entidades da Administração direta ou indireta. Daí, porque, a edição da Medida Provisória convertida em lei, cujos aspectos essenciais versaremos a seguir.

2 PROBLEMAS DA RESTRIÇÃO INICIAL DA APLICABILIDADE DO PREGÃO À

ÓRBITA FEDERAL O art. 1º da Medida Provisória instituidora do pregão, dispunha que “para aquisição

de bens e serviços comuns, a União poderá adotar licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Medida Provisória” (grifos nossos).

Com isso, a União restringia a possibilidade de aplicação desta modalidade licitatória ao âmbito de sua atuação, trazendo à tona o velho problema da competência constitucional para elaboração de normas gerais e específicas sobre licitação e contratação pública.

A Constituição Federal confere competência privativa à União para legislar sobre “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas, diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III” (grifos nossos). É o que

prescreve seu art. 22, inciso XXVII, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998.

Destarte, a competência para legislar sobre licitação assiste às quatro ordens de pessoas políticas, quais sejam, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios. Apesar disso, cabe à União fixar as normas gerais sobre a matéria, ao passo que aos demais entes federativos, complementar as normas gerais editadas pela União naquilo que lhes for próprio.

A União, no entanto, ao editar o Estatuto Federal Licitatório (Lei federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993, com as alterações que lhe foram introduzidas por diversos diplomas subseqüentes, dentre eles as Leis federais n. 8.883, de 8 de junho de 1994 e 9.648, de 27 de maio de 1998), pretendeu que seu conteúdo fosse aplicável a todas as pessoas políticas, conforme estabelecem seus arts. 1º, parágrafo único, e 118. Todavia, já demonstramos que o citado diploma legal não traz em seu corpo apenas normas gerais, como manda ser o Texto Supremo, mas regulamenta todo o procedimento licitatório.

Se Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, naquela oportunidade, queixavam-se dessa imposição, alegando que não haviam perdido, nessas áreas, a competência legislativa que a Lei Maior lhes assegura, posteriormente passaram a reclamar pelo fato de que, em se tratando de norma geral, o pregão, enquanto modalidade licitatória, deveria estender-se às quatro ordens jurídicas internas.

2.1 CONTEÚDO DA EXPRESSÃO “NORMAS GERAIS” Todo o problemas reside em determinar-se o exato conteúdo, sentido e alcance da

expressão “normas gerais”, insculpida na Carta Magna. Isto porque, a doutrina é unânime em afirmar que cabe à União elaborar normas gerais sobre a matéria, ao passo que aos demais entes federativos restaria a competência para a elaboração de normas especiais. Todavia, o que ninguém diz é o que e quais são as normas gerais sobre licitação insertas na Lei Federal de Licitações e Contratações Públicas. De fato, a dogmática administrativista brasileira carece de estudos aprofundados sobre este tema, de difícil solução.

Rubens Gomes de Souza, em histórico colóquio mantido com Geraldo Ataliba e Paulo de Barros Carvalho sobre a interpretação de dispositivos do Código Tributário Nacional, afirmou que Aliomar Baleeiro, responsável pela constitucionalização da polêmica expressão, lhe confidenciara que essa não é dotada de qualquer sentido prático, apresentando-se, tão-somente, como um singelo compromisso político104. Por certo que, tão “singelo” argumento não pode ser utilizado para esvaziar o conteúdo jurídico de um instituto constitucionalmente assegurado, fazendo por merecer investigações mais aprofundadas.

Para Marçal Justen Filho, o problema reside no fato da expressão “normas gerais” apresentar-se como conceito jurídico indeterminado, que, apesar de conferir certa

104 SOUSA, Rubens Gomes de. ATALIBA, Geraldo. CARVALHO, Paulo de Barros. Comentários ao CTN. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 5.

margem de liberdade à atuação da União, não pode ser usado para justificar abusos. Ouçamo-lo:

“Como todo conceito jurídico indeterminado, a expressão ‘norma geral’ comporta dois núcleos de certeza. Há um núcleo de certeza positiva, correspondente ao âmbito de abrangência inquestionável do conceito. Há outro núcleo de certeza negativa, que indica a área a que o conceito não se aplica. Entre esses dois pontos extremos, coloca-se a zona de incerteza. À medida que se afasta do núcleo de certeza positiva, reduz-se a precisão na aplicação do conceito. Aproximando-se do núcleo de certeza negativa, amplia-se a pretensão de inaplicabilidade do conceito. Não existe, porém, um limite exato acerca dos contornos do conceito.

A teoria dos conceitos jurídicos indeterminados não deságua na liberação do aplicador do Direito para adotar qualquer solução, a seu bel-prazer. Aliás, muito pelo contrário. Conduz a restringir a liberdade na aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados. A incompatibilidade entre o limite do conceito e a atuação do aplicador resolve-se na invalidação dessa última”105 (grifos nossos).

Mais pragmático, Paulo José Villela Lomar afirma que “a principal restrição à extensão de seu conceito encontra-se exatamente na autonomia assegurada a todos os entes federados (União, Estados Federados, Distrito Federal e Municípios) no art. 18 da Carta de 1988. Em outras palavras, as normas gerais a que se refere o texto constitucional não podem ferir a autonomia legislativa, bem como a administrativa, dos demais entes federados. E os parâmetros substantivos desta limitação fixados no texto constitucional encontram-se nas atribuições, respectivamente: a primeira, deferida aos Estados Federados para suplementar a legislação federal de normas gerais com vistas a atender a suas peculiaridades, conforme os parágrafos segundo e terceiro do art. 24, e, a segunda, aos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, consoante o inciso I do art. 30”106.

Também é este o entendimento do Ministro Carlos Mário Velloso que, em corajosa posição, defendendo a aplicabilidade imediata do dispositivo constitucional que vinha insculpido no parágrafo 3º do art. 192 da Constituição Federal originária, o qual limitava as taxas de juros reais no país em 12% ao ano107, afirmou que “quando a norma constitucional contém um instituto cujo conceito jurídico é indeterminado, compete ao Juiz concretizar-lhe o conceito. Esta é mesmo uma tarefa do Poder Judiciário: concretizar conceitos jurídicos de institutos cujo conceito é indeterminado. E como esse – juros reais – há inúmeros outros”108. Embora tal problema não se apresente de fácil deslinde, cremos que, em se tratando de assunto afeto ao direito administrativo, a solução mais adequada consiste em contemplar a possibilidade dos demais entes federativos, que não a União, editarem normas específicas

105 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 678. 106 MEIRELLES, Hely Lopes apud LOMAR, Paulo José Villela. Curso avançado de licitações e contratos públicos. p. 20. 107 Este polêmico dispositivo constitucional acabou revogado pela Emenda Constitucional n. 40, de 29 de maio de 2003 que, alterando a redação do caput do art. 192 e revogando todos os seus incisos, alíneas e parágrafos, transferiu a leis complementares a prerrogativa de normatizar o Sistema Financeiro Nacional. 108 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. A nova feição do mandado de injunção. Revista de direito público. São Paulo: Malheiros, n. 100, pp. 169-174. out-dez. 1991. p. 170.

sobre a matéria que, relacionando-se diretamente às suas peculiaridades regionais, possibilitem a realização do ideal de seleção da melhor proposta – razão de ser do instituto jurídico da licitação – a partir de diretrizes gerais desenhadas pela União.

2.2 MODALIDADES DE LICITAÇÃO COMO “NORMAS GERAIS” Na linha de raciocínio acima esposada, podemos afirmar que a fixação das

modalidades licitatórias é objeto de competência constitucional da União, por tratar-se de matéria que exige solução normativa nacionalmente uniformizada.

Além delas, seguindo os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, apresentam-se como normas gerais sobre licitação e contratação administrativa aquelas que dispõe sobre: prazos mínimos de convocação, de interposição e decisão de recursos; limites máximos de valor fixados para as modalidades licitatórias, e; casos de dispensa, dispensabilidade e inexigibilidade de realização do certame109.

Por essa razão, logo após a edição da Medida Provisória criadora do pregão, passamos a advogar a inconstitucionalidade da restrição da aplicabilidade desta nova modalidade licitatória ao âmbito da União; admitir que a União se utilize de sua prerrogativa constitucional privativa de editar normas gerais em matéria de licitação e contratação administrativa (art. 22, XXVII, da Constituição Federal) para benefício apenas de si própria, em detrimento das outras pessoas jurídicas de direito constitucional interno, constitui grave afronta ao pacto federativo, que deve ser veementemente combatida110.

Nesse diapasão também foram as palavras de Marçal Justen Filho, as quais pedimos vênia para transcrever:

“A opção de circunscrever a aplicação do pregão a contratações promovidas no âmbito federal é extremamente questionável. É inviável a União valer-se da competência privativa para editar normas gerais acerca de licitação cuja aplicação seja restrita à própria órbita federal. Isso importa uma espécie de discriminação entre os diversos entes federais. Essa alternativa é incompatível com o princípio da Federação, do qual deriva o postulado do tratamento uniforme interfederativo. Essa determinação consta do art. 19, inciso III, da CF/88. Por isso, deve reputar-se inconstitucional a ressalva contida no art. 1º, admitindo-se a adoção da sistemática do pregão também por outros entes federativos”111.

O Supremo Tribunal Federal, todavia, sequer chegou a se posicionar sobre a inconstitucionalidade da restrição da aplicabilidade do pregão à órbita federal. Com a edição da Lei federal n. 10.520, de 17 de julho de 2002, solucionou-se o problema, em virtude da ampliação da utilização da nova modalidade às quatro ordens de pessoas jurídicas de Direito Público interno e suas Administrações indiretas.

3 CONCEITO DE PREGÃO

109 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 36. 110 MIRANDA, Henrique Savonitti. Pregão: aspectos essenciais de uma nova modalidade de licitação. Universitas/Jus, Brasília, n. 6, p. 59-70, jan./jun. 2001. 111 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 676.

O art. 2º da Medida Provisória originária do instituto trouxe o conceito legal desta

modalidade licitatória: “pregão é a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns, provida exclusivamente no âmbito da União, qualquer que seja o valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é feita por meio de propostas e lances em sessão pública”.

Doutrinariamente, podemos conceituar pregão como uma modalidade de licitação, aplicável tão-somente aos certames do tipo menor preço, que tem por objetivo a aquisição de bens e serviços comuns, cujo oferecimento de propostas dá-se, inicialmente, através de ofertas sigilosas, que possibilitarão aos melhores proponentes o oferecimento de lances públicos, até que se atinja a proposta economicamente mais vantajosa para a Administração Pública.

Os pontos fundamentais desse conceito por nós ofertado, que, ao lado da discussão sobre a aplicabilidade da licitação aos demais entes federados que não a União, constituem-se os pontos primordiais do instituto sob exame, serão analisados nos itens que se seguem.

4 BEM OU SERVIÇO COMUM Traço característico desta modalidade licitatória está na exigência normativa de

realização do certame apenas quando tratar-se de “bem ou serviço comum”. Apenas nessas hipóteses é possível a adoção de pregão. Mas o que seria “bem ou serviço comum”?

O parágrafo 1º do art. 1º da Lei pretende conceituá-los: “consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”.

Ainda sob a égide da Medida Provisória n. 2.026/00, vieram à lume os Decretos federais n. 3.555, de 08 de agosto de 2000, e n. 3.784, de 06 de abril de 2001, trazendo, dentre outras disposições, um rol daquilo que o Governo houve por bem enquadrar no conceito legal aludido.

O anexo II do Decreto n. 3.555, com a redação que lhe deu o Decreto n. 3.784, de 06 de abril de 2001, relaciona os denominados bens ou serviços comuns em três grupos, quais sejam: a) bens comuns de consumo; b) bens comuns permanentes, e; c) serviços comuns.

O elenco de bens comuns de consumo compreende: a) água mineral; b) combustível e lubrificante; c) gás; d) gênero alimentício; e) material de expediente; f) material hospitalar, médico e de laboratório; g) medicamentos, drogas e insumos farmacêuticos; h) material de limpeza e conservação; i) oxigênio, e; j) uniforme.

Como bens comuns permanentes temos: a) mobiliário; b) equipamentos em geral, exceto bens de informática; c) utensílios de uso geral, exceto bens de informática; d) veículos automotivos em geral, e; e) microcomputador de mesa ou portátil ("notebook"), monitor de vídeo e impressora.

Finalmente, os serviços comuns são: a) serviços de apoio administrativo; b) serviços de apoio à atividade de Informática, compreendendo digiitação e manutenção; c) serviços de assinaturas de jornais, periódicos, revistas, televisões via satélite e televisões a cabo; d) serviços de assistência hospitalar, médica e odontológica; e) serviços de atividades auxiliares que compreendem ascensoristas, auxiliares de escritório, copeiros, garçons, jardineiros, mensageiros, motoristas, secretárias e telefonistas; f) serviços de confecção de uniformes, g) serviços de copeiragem; h) serviços de eventos; i) serviços de filmagem; j) serviços de fotografia; l) serviços de gás natural; m) serviços de gás liqüefeito de petróleo; n) serviços gráficos; o) serviços de hotelaria; p) serviços de jardinagem; q) serviços de lavanderia; r) serviços de limpeza e conservação; s) serviços de locação de bens móveis; t) serviços de manutenção de bens imóveis; u) serviços de manutenção de bens móveis; v) serviços de remoção de bens móveis; x) serviços de microfilmagem; z) serviços de reprografia; a’) serviços de seguro saúde; b’) serviços de degravação; c’) serviços de tradução; d’) serviços de telecomunicações de dados; e’) serviços de telecomunicações de imagem; f’) serviços de telecomunicações de voz; g’) serviços de telefonia fixa; h’) serviços de telefonia móvel; i’) serviços de transporte; j’) serviços de vale refeição; l’) serviços de vigilância e segurança ostensiva; m’) serviços de fornecimento de energia elétrica; n’) serviços de apoio marítimo, e; o’) serviço de aperfeiçoamento, capacitação e treinamento.

Faz-se importante enfatizar o equívoco cometido pelo legislador ao conceituar “bens ou serviços comuns” como aqueles “cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital”. Ora, em homenagem ao princípio do julgamento objetivo, mesmo quando se esteja diante de um bem de grande complexidade tecnológica, com requisitos de qualidade e especificidade bastante peculiares, faz-se indispensável a definição do objeto licitado a partir de parâmetros precisos e objetivos.

Destarte, a locução sob exame não é utilizada normativamente com a finalidade de eliminar os objetos sofisticados da possibilidade de aquisição pela adoção do pregão, mas de adquirir bens cujo padrão de qualidade possa ser aferido sem a necessidade de investigações pormenorizadas.

Marçal Justen Filho nos oferece um conceito científico da locução sob exame, chamando atenção para uma importante questão de ordem prática, acerca da contratação de obras e serviços de engenharia: “são comuns os objetos padronizados, aqueles que têm um perfil qualitativo definido no mercado. Mas não apenas os objetos padronizados podem ser reputados como comuns. Bem por isso, a regra é que obras e serviços de engenharia não se enquadrem no âmbito de ‘bens e serviços comuns’. Como toda edificação imobiliária envolve avaliação de circunstâncias específicas, variáveis segundo as peculiaridades do local e necessidade, torna-se muito problemático cogitar de objetos padronizados. Mas até pode, por exceção e especialmente no tocante a serviços de engenharia, encontrar hipóteses em que se reconheceria um objeto comum. Suponha-se, por exemplo, a implantação de habitações populares, envolvendo projetos padronizados e construções

destituídas de maior complexidade. Não seria viável negar a possibilidade de licitação mediante pregão apenas em virtude do silêncio legislativo acerca de ‘obras’”112.

O entendimento da Administração Pública Federal, entretanto, manifestado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão é no sentido de vedar a escolha da modalidade de pregão como procedimento preparatório para a contratação de obras e serviços de engenharia, locações imobiliárias e alienações em geral.

4.1 CARÁTER EXEMPLIFICATIVO DO ROL DE BENS E SERVIÇOS COMUNS A dogmática administrativa questiona se o rol de hipóteses constantes do Anexo II do

Decreto n. 3.555, com a redação que lhe deu o Decreto n. 3.784, de 06 de abril de 2001, apresenta-se como um elenco taxativo de hipóteses ou se, ao contrário, enuncia hipóteses exemplificativas.

Cremos que restringir a realização do pregão apenas às hipóteses elencadas no referido decreto acabaria por trazer situações esdrúxulas, na medida em que a realização do pregão estaria autorizada, v.g, para a aquisição de água mineral, mas não para água potável; ou para a contratação de serviços de digitação, mas não de digitalização ou diagramação, entre outros.

No mesmo sentido são as lições de Marçal Justen Filho que, comentando o surgimento do Decreto n. 3.784, revogador do rol de bens e serviços comuns que havia sido instituído, inicialmente, com o Decreto n. 3.693, de 20 de dezembro de 2000, afirmou que “permanece intocada a convicção de que o Anexo é meramente exemplificativo. Aliás, essa é a única solução cabível, eis que sempre surgirão novas hipóteses de objetos comuns, não cogitadas anteriormente. Sob esse enfoque, a adoção de um novo Anexo II apenas confirma a tese do livro: é impossível e indesejável adotar uma relação exaustiva de objetos comuns. Se o administrador brasileiro não compreender isso, terá de editar novas listas a cada noventa dias”.

E conclui: “por outro lado, a inserção de uma certa atividade ou objeto no Anexo não significa necessária caracterização como objeto comum. Veja-se que a atividade de ‘treinamento’, agora incluída como serviço comum, também está prevista no art. 13, inc. VI, da Lei n. 8.666 como ‘serviço técnico profissional especializado’, o que pode conduzir a contratação direta por inexigibilidade de licitação”113.

Destarte, faz-se indispensável, no caso concreto, examinar-se a adequação do objeto licitável ao conceito de bem ou serviço comum, acima delineado para, só então, optar-se pela realização do pregão.

No Senado da República, o Ato da Comissão Diretora n. 29, de 23 de julho de 2003, dá maior respaldo à tese de que o rol de hipóteses constantes do Anexo II do Decreto n. 3.555 não encerra numerus clausus, na medida em que o parágrafo único do art. 1º prevê que “as aquisições de bens e serviços comuns serão preferencialmente promovidas na 112 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 678.

modalidade de licitação denominada pregão, nos termos da Lei n. 10.520, de 17 de julho de 2002, aplicando-se, no que couber, o disposto no Decreto n. 3.555, de 8 de agosto de 2000 e alterações posteriores” (grifos nossos).

4.2 UTILIZAÇÃO DE PREGÃO PARA AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE

INFORMÁTICA É grande na doutrina o debate que se trava sobre a possibilidade de utilização do

pregão para aquisição de equipamentos de informática. Estariam enquadrados no conceito de bens ou serviços comuns?

Conforme mencionamos acima, o anexo II do Decreto n. 3.555 relaciona, na qualidade de bens comuns permanentes, microcomputadores de mesa ou portáteis ("notebooks"), monitores de vídeo e impressoras. Já vimos, porém, que a lista do referido diploma normativo não contempla numerus clausus, o que possibilita a ampliação do elenco, não obstante, nesta hipótese, a norma jurídica tivesse pretendido vedar expressamente a utilização do pregão em outras situações.

A discussão passa, então, pela possibilidade de enquadrar-se estes equipamentos na categoria de bens cujo padrão de qualidade possa ser aferido sem a necessidade de investigações pormenorizadas.

Cremos que não deve haver uma solução uniformizada para o problema, sendo necessário examinar, em cada situação específica, se a aquisição pretendida ajusta-se ao conceito de bem comum ou, ao contrário, apresenta grande complexidade tecnológica, com requisitos de qualidade e especificidade bastante peculiares. Até porque, não seria razoável admitir a utilização do pregão para a aquisição de impressora e não o fazê-lo na compra de escâner de mesa, que apresenta a mesma facilidade de especificação.

Destarte, a solução deve ser a mesma que se apresenta na hipótese de contratação de “treinamento” supramencionada: assim como existem treinamentos comuns e singulares, também existem equipamentos de informática comuns e singulares.

Outro fator importante que deve ser considerado na escolha da modalidade a ser utilizada é a existência, na unidade licitante, de pregoeiro capaz de aferir a qualidade da amostra entregue no momento da realização do certame. Assim é que, v.g., a utilização do pregão para aquisição de equipamentos de informática pela Secretaria Especial de Informática – SEI do Senado Federal será muito mais viável que sua realização por um restaurante universitário, em razão da formação específica dos profissionais, e da exigência de que o pregoeiro seja integrante do órgão ou entidade que irá promover o certame, conforme abaixo se verá.

Não é demais lembrar que o primeiro pregão realizado no âmbito do Senado Federal, em 15 de setembro de 2003, pelo Centro de Processamento de Dados e Informática –PRODASEN para a aquisição de 1.500 computadores e 64 monitores de vídeo permitiu uma

113 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. Adendo.

economia de R$ 3 milhões para o Senado da República, sendo que um dos itens foi adquirido por valor 52,69% inferior ao estimado.

Destarte, caso seja possível aferir-se com facilidade se o produto licitado é apto para satisfazer o interesse público, cremos que a opção deve ser pela realização do pregão, nos termos em que dispõe o parágrafo único do art. 1º do Ato da Comissão Diretora n. 29, de 23 de julho de 2003.

5 PREGOEIRO Nessa modalidade licitatória, não encontramos a figura da Comissão de Licitação,

substituída por um único servidor, ao qual a lei denominou pregoeiro. No âmbito do Ministério da Defesa, o parágrafo 2º do inciso IV do art. 3º da Lei federal n. 10.520/02 autoriza que as funções de pregoeiro e de membro da equipe de apoio possam ser desempenhadas por militares.

Este servidor, integrante do órgão ou entidade que irá promover o certame, deverá, necessariamente, submeter-se a um curso específico de treinamento, fornecido pela própria Administração Pública, ou por quem esta designe para realizá-lo. O pregoeiro, bem como sua “equipe de apoio”, integrada em sua maioria por servidores ocupantes de cargo efetivo ou emprego da Administração Pública, preferencialmente pertencentes ao quadro permanente, serão designados por ato administrativo interno, subscrito pela autoridade administrativa competente.

Mais uma vez, socorremo-nos dos ensinamentos do professor da Universidade Federal do Paraná, que ressalta a imprescindibilidade de assessoramento do pregoeiro, por parte de outros servidores:

“Afigura-se como indispensável que o pregoeiro seja assessorado por outros servidores, inclusive para fornecer subsídios e informações relevantes. Mas os atos administrativos serão formalmente imputados ao pregoeiro, ao qual incumbirá formalizar as decisões e por elas responder. A ressalva é importante porque o pregoeiro, individualmente, acabaria sobrecarregado se não pudesse recorrer à estrutura administrativa estatal para solucionar rápida e agilmente todos os incidentes, examinar todos os documentos e assim por diante. A agilidade do procedimento do pregão acabaria frustrada se o pregoeiro não dispusesse de suporte para a prática dos atos a ele atribuídos.

Bem por isso, a Administração deverá estruturar organizações destinadas a apoiar a atividade do pregoeiro. Deverá cogitar-se de suporte técnico-jurídico, possibilitando a rápida solução dos incidentes e o exaurimento imediato de todas as etapas”114.

É de responsabilidade do pregoeiro, segundo a dicção expressa do inciso IV do art. 3º da Lei do Pregão, em exame, “o recebimento das propostas e lances, a análise de sua aceitabilidade e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor”.

114 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 687.

O pregoeiro, ainda, argüirá os participantes acerca da regularidade de suas habilitações, cuja verificação fica postergada para momento ulterior ao julgamento das propostas.

6 PROCEDIMENTO A principal característica do pregão, e que tem possibilitado à Administração Pública

a celebração de contratos administrativos sob condições mais vantajosas, é a presença de procedimento diferenciado das demais modalidades de licitação.

Entre as principais características do rito do pregão ressalte-se a alteração da ordem cronológica das fases, em que o julgamento das propostas é realizado antes da habilitação, e a adjudicação antes da homologação. Além disso, abertos os envelopes contendo as propostas será possível o oferecimento de lances verbais e sucessivos, nos termos em que adiante se delineará.

6.1 FASE INTERNA A fase interna do pregão, que o art. 3º da Lei federal n. 10.520/02 convencionou

denominar fase preparatória, compreende a justificação da necessidade da contratação e definição criteriosa do objeto do certame, as exigências de habilitação, os critérios de aceitação das propostas, as sanções por inadimplemento e as cláusulas do contrato e prazos para seu cumprimento.

Além disso, dever-se-á proceder a justificativa das definições de tais exigências e os indispensáveis elementos técnicos sobre os quais estiverem apoiados, bem como o orçamento, elaborado pelo órgão ou entidade promotora da licitação, dos bens ou serviços a serem licitados, nos termos do inciso III do art. 3º da Lei do Pregão.

Dentro da fase preparatória, ainda, a lei menciona a designação do pregoeiro, nos termos explicitados acima. Tal técnica legislativa poderia levar ao entendimento de que a cada nova licitação deveria haver a designação de um pregoeiro e sua respectiva equipe de apoio. Cremos que não deve ser esta a exegese do dispositivo sob exame.

Embora a lei, em nenhum momento, haja explicitado o assunto – e a matéria esteja entregue a regulamentação de cada órgão ou entidade – a designação de um novo pregoeiro a cada certame é medida de pouca eficiência, que impossibilitaria que o servidor, por meio da participação em reiterados procedimentos, aprimorasse o desempenho de seu mister, alcançando resultados mais vantajosos para a Administração Pública.

No Senado da República, o Ato n. 29/03 prevê, no parágrafo 2º do inciso V do art. 13, o período de um ano de investidura para os membros das Comissões Permanentes de Licitação. O parágrafo 6º, por sua vez, dispõe que o Presidente da Comissão atuará como pregoeiro e os demais membros formarão a equipe de apoio.

Destarte, durante cada período de investidura haverá quatro pregoeiros no âmbito do Senado Federal e Órgãos Supervisionados, quais sejam: a) o da Comissão Permanente de Licitação do Senado Federal para a aquisição de material de consumo e

contratação de serviços gerais; b) o da Comissão Permanente de Licitação do Senado Federal para a aquisição de equipamentos e materiais permanentes; c) o da Comissão Permanente de Licitação da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP, para a aquisição de insumos gráficos, e; d) o da Comissão Permanente de Licitação da Secretaria Especial de Informática – SEI, para a contratação de serviços gerais, aquisição de material de consumo, bens e serviços de informática.

Exclui-se deste rol o Presidente da Comissão Permanente de Licitação para a execução de obras e serviços de engenharia, por estar vedada a utilização do pregão para a realização de licitações que objetivem a celebração destes contratos.

Ressalte-se que, em caso de impedimento do Presidente da Comissão, este poderá delegar a função de pregoeiro para outro membro do colegiado. Em situações excepcionais, ainda, é possível que o Primeiro-Secretário designe pregoeiro e equipe de apoio específicos.

6.2 FASE EXTERNA 6.2.1 EDITAL Assim como ocorre com as modalidades tradicionais, um dos imperativos que regem

o pregão é o princípio da publicidade. Por ele, impõe-se ampla divulgação dos procedimentos licitatórios.

O início da denominada fase externa do pregão dar-se-á com a convocação dos interessados a participar do certame, por meio de publicação de aviso em Diário Oficial da União e por meio eletrônico, na internet, caso se trate de bens ou serviços de valores estimados em até R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais).

Na hipótese de bens e serviços de valores estimados acima de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais) até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais) é exigível publicação em Diário Oficial da União, meio eletrônico (internet) e jornal de grande circulação local.

Finalmente, para bens e serviços de valores estimados superiores a R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais) a publicidade far-se-á em Diário Oficial da União, meio eletrônico (internet) e jornal de grande circulação regional ou nacional.

Ressalte-se que, em se tratando de órgão ou entidade integrante do Sistema de Serviços Gerais - SISG, a íntegra do edital deverá estar disponível em meio eletrônico, na Internet, no site www.comprasnet.gov.br, independentemente do valor estimado.

O edital e o aviso deverão conter definição precisa, suficiente e clara do objeto, bem como a indicação dos locais, dias e horários em que poderá ser lida ou obtida a íntegra do edital, e o local onde será realizada a sessão pública do pregão.

O inciso V do art. 4º da Lei do Pregão traz o prazo mínimo que deve ser observado entre a publicação do aviso e a data da realização do evento: oito dias úteis.

6.2.2 JULGAMENTO E LIMITAÇÃO NORMATIVA AO OFERECIMENTO DE CONTRAPROPOSTAS

Finalmente, é imprescindível tecermos algumas considerações sobre o que dispõe o

inciso VIII do art. 4º, da Lei federal n. 10.520/2002, objeto de nossas reflexões, que está assim redigido: “no curso da sessão, o autor da oferta de valor mais baixo e os das ofertas com preços até 10% (dez por cento) superiores àquela poderão fazer novos lances verbais e sucessivos, até a proclamação do vencedor”.

Esse, a nosso ver, apresenta-se como o aspecto fundamental do instituto em exame, e que lhe confere os traços característicos capazes de distinguí-lo das demais modalidades licitatórias.

Nos termos do art. 11 do Decreto n. 3.555/00, no dia, hora e local designados no edital, será realizada sessão pública para recebimento das propostas e da documentação de habilitação, devendo o interessado ou seu representante legal proceder ao respectivo credenciamento, comprovando, se for o caso, possuir os necessários poderes para formulação de propostas e para a prática de todos os demais atos inerentes ao certame.

Aberta a sessão, os interessados ou seus representantes legais entregarão ao pregoeiro, em envelopes separados, a proposta de preços e a documentação de habilitação;

Após a abertura, em sessão pública, dos envelopes contendo as propostas iniciais dos licitantes, proceder-se-á verificação da conformidade das propostas com os requisitos constantes do edital para, em seguida, iniciar-se o oferecimento de lances verbais e sucessivos entre aqueles que se enquadrem no valor não superior a dez por cento da melhor proposta apresentada. Isso se deve ao fato de essa modalidade licitatória – insistimos – aplicar-se tão-somente ao tipo “menor preço”, que sagra vencedor o licitante que apresenta a proposta economicamente mais vantajosa à Administração.

Os lances terão início a partir do autor da proposta classificada de maior preço e os demais, em ordem decrescente de valor. Declarada encerrada a etapa competitiva e ordenadas as propostas, o pregoeiro examinará a aceitabilidade da primeira classificada, quanto ao objeto e valor, decidindo motivadamente a respeito.

Parte da doutrina critica a existência dessa limitação objetiva (até dez por cento do valor da melhor oferta) para o prosseguimento do participante no certame licitatório. Com a devida vênia desses mestres, cremos que o limite imposto como requisito sine qua non para o prosseguimento no procedimento licitatório tem, por única finalidade, impedir o superfaturamento de preços. Cada participante deve, desde logo, oferecer a melhor proposta possível à Administração, como corolário da supremacia do interesse público, prestigiado pela imperatividade da realização de licitação. Não há nada que justifique o oferecimento de propostas contendo valores trinta ou quarenta por cento maiores do que aqueles que possam, efetivamente, virem a ser praticados. Tal medida, ao que nos parece, é importante instrumento de combate ao conluio entre participantes mal-intencionados e tem como finalidade precípua estimular aos licitantes o oferecimento do menor valor possível para contratação.

A fase de oferecimento de lances verbais deve contar com, ao menos, três participantes. Inexistindo três ofertas iniciais nas condições acima aludidas, este número será atingido com a composição de outros ofertantes, até o número máximo de três, selecionados dentre aqueles que, embora não estejam dentro da margem de variação prevista pela lei, tenham apresentado as melhores propostas. Em situações normais, participarão do oferecimento verbal de lances tantos licitantes quantos enquadrarem-se no parâmetro legal supra-referido.

6.2.3 HABILITAÇÃO Terminado o julgamento e classificadas as propostas, compete ao pregoeiro

proceder a habilitação daquele que sagrar-se vencedor. A alteração das fases da licitação promovida pelo pregão, em que a verificação dos

requisitos e qualificações exigidos pelo edital fica postergada para momento ulterior ao julgamento das propostas, ao contrário do que verifica-se nas demais modalidades licitatórias, apresenta-se como eficiente medida desburocratizadora, eis que não há qualquer razão para proceder-se a habilitação de todos os participantes, na medida em que apenas um sagrar-se-á vitorioso e terá a perspectiva de adjudicação do objeto licitado.

Destarte, a verificação de regularidade apenas se dará em relação àquele que sagrar-se vencedor do certame, inobstante o pregoeiro, no início do certame, tenha promovido a argüição dos participantes acerca da regularidade de suas habilitações.

Tal se dará com a abertura do envelope contendo a documentação de habilitação do licitante que houver ofertado a proposta vencedora, para confirmação das suas condições habilitatórias, podendo deixar de apresentar os documentos que já constem do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF, ou em outros sistemas cadastrais semelhantes, assegurando-se ao já cadastrado o direito de apresentar a documentação atualizada e regularizada na própria sessão.

Destarte, a documentação relativa a habilitação jurídica, qualificação técnica e qualificação econômico-financeira poderá ser substituída pelo registro cadastral do SICAF ou, em se tratando de órgão ou entidade não abrangido pelo referido Sistema, por certificado de registro cadastral que atenda aos requisitos previstos na legislação geral.

Caso o licitante vencedor desatenda às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará a oferta subseqüente, verificando a sua aceitabilidade e procedendo à habilitação do proponente, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma proposta que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor e a ele adjudicado o objeto do certame.

O licitante que ensejar o retardamento da execução do certame, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo, fizer declaração falsa ou cometer fraude fiscal, garantido o direito prévio da citação e da ampla defesa, ficará impedido de licitar e contratar com a Administração, pelo prazo de até cinco anos, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade.

As penalidades serão obrigatoriamente registradas no sistema de cadastramento de fornecedores como, v.g., o SICAF, e no caso de suspensão de licitar, o licitante deverá ser descredenciado por igual período, sem prejuízo das multas previstas no edital e no contrato e das demais cominações legais.

6.2.4 ADJUDICAÇÃO Diferente do que se verifica nas modalidades tradicionais de licitação, no pregão a

fase de adjudicação, a cargo do pegoeiro, é realizada antes da homologação. Destarte, constatado o atendimento das exigências fixadas no edital, o licitante será

declarado vencedor, sendo-lhe adjudicado o objeto do certame; 6.2.5 HOMOLOGAÇÃO Adjudicado o objeto, o processo segue para a autoridade competente, para que

proceda a homologação do julgamento e posterior assinatura do contrato. No Senado Federal, o Ato da Comissão Diretora n. 29, de 23 de julho de 2003, no

inciso III dos artigos 5º e 6º traz a competência do Diretor-Geral do Senado Federal e aos Diretores da Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP, para a homologação dos procedimentos licitatórios que incorram em despesa até o limite de convite. Nos procedimentos licitatórios que impliquem em despesa superior ao limite de convite, esta será realizada pelo Diretor-Geral do Senado Federal.

7.2.6 RECURSOS No pregão, a manifestação da intenção de interpor recurso deverá ser feita no final

da sessão, com registro em ata da síntese de suas razões, podendo os interessados juntar memoriais no prazo de três dias úteis. Ao término deste prazo, segue-se igual número de dias para apresentação de contra-razões pelos demais licitantes.

O recurso contra a decisão do pregoeiro será recebido apenas com efeito devolutivo, qual seja, não será capaz de suspender o procedimento licitatório e posterior celebração do contrato.

Trazendo tratamento diverso do que se verifica nos procedimentos administrativos em geral, a lei prevê que o acolhimento do recurso importará a invalidação apenas dos atos insuscetíveis de aproveitamento. Como regra, em se tratando de procedimentos, a anulação de um ato costuma provocar a nulidade dos subseqüentes, pois cada um é fundamento de validade dos demais.

Decididos os recursos e constatada a regularidade dos atos procedimentais, a autoridade competente homologará a adjudicação para determinar a contratação.

CAPÍTULO VI CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

1 CONCEITO Hely Lopes Meirelles conceitua contrato administrativo como “o ajuste que a

Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com o particular ou com outra entidade administrativa, para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições desejadas pela própria Administração”.

E conclui: “nessa conceituação enquadram-se os ajustes da Administração centralizada ou direta e da descentralizada ou indireta, porque ambas podem firmar contratos com peculiaridades administrativas que os sujeitem aos preceitos do Direito Público”115.

2 CARACTERÍSTICAS O contrato administrativo apresenta as seguintes características: bilateralidade,

estabilidade, onerosidade, comutatividade, celebração intuitu personae e formalidade. Por bilateralidade entende-se que a celebração do contrato administrativo resulta de

um acordo de vontades. Diversamente do que ocorre com os atos administrativos, que possuem como um de seus atributos a imperatividade, nos contratos administrativos a vontade do particular não subjuga-se a da Administração Pública. Ninguém pode ser obrigado a contratar. Ele advém, sempre, da junção de duas ou mais vontades autônomas que se fundem para a formação de uma vontade única.

A estabilidade advém do fato de que, uma vez celebrado o ajuste, as partes tem um direito público subjetivo ao seu cumprimento até o final. Não é como se verifica com os atos administrativos discricionários que, a qualquer tempo, podem ser revogados pela Administração sem que isso acarrete, necessariamente, direito à indenização. Nos contratos administrativos, a parte que der causa a rescisão contratual deverá indenizar a outra.

É oneroso porque envolve encargos para as partes contratantes, em razão da remuneração convencionada. Cremos que, mesmo quando se trate de doação feita pelo Poder Público ao particular, ainda assim estaria presente a onerosidade, na medida em que a doação importa na assunção de obrigações pelo donatário, cujo descumprimento acarretará o retorno do bem ao patrimônio público.

Outra característica do ajuste administrativo é a comutatividade. Trata-se de uma das maiores garantias que o contratado possui nos contratos administrativos, que consiste em não ser obrigado a suportar um encargo desproporcional, capaz de levá-lo à insolvência. A comutatividade é o atributo que se relaciona, diretamente, com o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Impõe que se estabeleça obrigações recíprocas e subjetivamente equivalentes. Por ela, sempre que a influência de qualquer fator, interno ou externo,

115 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. pp. 172-3.

desequilibrar os direitos e obrigações inicialmente ajustadas, o contrato deverá ser revisto com vistas ao reestabelecimento de sua comutatividade.

O contrato administrativo é, também, intuitu personae porque exige-se que sua execução seja realizada pela própria pessoa do contratado. Não se admite, assim, que o contratado transfira a responsabilidade pelo cumprimento do objeto do contrato administrativo a terceiro, pois foi ele quem comprovou, durante a licitação, possuir as qualificações necessárias para tanto.

Finalmente, o contrato administrativo é formal, celebrado, como regra, na forma escrita, nos termos que serão abaixo expostos.

3 FORMALIZAÇÃO Segundo o disposto nos arts. 60 a 64 do Estatuto Federal Licitatório, o contrato

administrativo deverá ser formalizado através de um instrumento. Por instrumento, devemos entender o documento hábil a exteriorizar a vontade pactuada.

O art. 62 do referido diploma menciona, exemplificativamente: o instrumento (ou termo) de contrato, a carta-contrato, a nota de empenho de despesa, a autorização de compra e a ordem de execução do serviço. Como o rol não se apresenta exaustivo, é admitido qualquer outro instrumento que, além destes já mencionados, esteja apto a fixar as características das obrigações firmadas.

Diógenes Gasparini assevera que “o termo de contrato é o assento do contrato em livro próprio nas repartições interessadas, salvo exigência legal, como ocorre com os contratos relativos a direitos reais sobre imóveis, que, quase sempre, formalizam-se por escritura pública, consoante estabelecido pelo art. 60 dessa lei. O termo de contrato só é obrigatório, consoante o disposto no art. 62 da Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública, quando: I – resultar de tomada de preços ou concorrência; II – for caso de dispensa ou inexigibilidade; III – seu valor enquadrar-se nos limites da tomada de preços ou concorrência. A contrario sensu do disposto no § 4º do art. 62 desse diploma legal, acrescentamos outra: quando o contrato tiver certa duração ou dele resultarem responsabilidades futuras, a exemplo da obrigação de prestar assistência técnica. Fora daí, sua utilização é facultativa, podendo ser substituído por outro instrumento que melhor atenda aos interesses da Administração Pública contratante (art. 62). Nesses casos, a inobservância dessa formalidade, por ser da substância do ato, leva à nulidade o contrato celebrado. Quando exigido o termo de contrato, sua minuta deve acompanhar, como anexo, o instrumento convocatório, conforme determinado pelo § 2º do art. 40 dessa lei”116 (grifos no original).

A forma do contrato será sempre escrita, salvo o caso expressamente consignado no parágrafo único do art. 60, em que se admite a forma verbal, nas hipóteses em que o ajuste não suplantar 5% do valor estabelecido na alínea a do inciso II do art. 23 da Lei de Licitações que, atualmente, corresponde a R$ 4.000,00.

116 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.p. 524.

No Senado Federal, o Ato da Comissão Diretora n. 29, de 23 de julho de 2003, prescreve, em seu art. 21 e parágrafo 1º, que o termo de contrato e o aditamento respectivo, convênios e qualquer outra forma de ajuste, acordo ou protocolo, serão assinados pelo representante legal da contratada e pelo Diretor-Geral, representando a Instituição. Nos ajustes que não ultrapassem o limite do convite, a competência para formalização dos mesmos, em nome desta Casa, será dos Diretores da Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP.

Qualquer alteração contratual deverá ser formalizada por termo de aditamento, cujo assento obedece aos mesmos princípios.

3.1 APROVAÇÃO DA ASSESSORIA JURÍDICA Nos termos do parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações e Contratos

Administrativos, as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração Pública.

3.2 PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA Segundo determinação expressa do art. 2º do Ato da Comissão Diretora n. 29, de 23

de julho de 2003, as licitações para a contratação de obras e a aquisição de bens e serviços de interesse do Senado Federal e Órgão Supervisionado ficarão sujeitas ao planejamento e à programação orçamentária anual.

Prevê o art. 3º e incisos, que na instauração de procedimento administrativo que importe em despesa, independentemente de realização de licitação prévia, a solicitação deverá ser instruída com as seguintes informações: a) especificação detalhada do objeto a ser contratado ou adquirido; b) definição das unidades e das quantidades a serem adquiridas no caso de compras, em função do consumo e utilização prováveis, estimados em conformidade com as técnicas adequadas; c) projeto básico e orçamento detalhado em planilha e demais dados compreendidos nas exigências dos arts. 7º a 12, da Lei federal n. 8.666/93, no caso de obras e serviços, e comprovante de que as obras constam do Plano de Edificações, de que trata o art. 19 da Resolução n. 9/97, e; d) demonstração de que a despesa se vincula aos objetivos e metas do planejamento do órgão, conforme Proposta Orçamentária.

Finalmente, o Ato da Comissão Diretora n. 29/03, em seu art. 4º, veda a realização de despesas sem que haja prévio empenho e sem prévia e expressa autorização do Diretor-Geral do Senado Federal e dos Diretores da Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP.

O descumprimento do disposto neste artigo importará em nulidade do ato e na apuração da responsabilidade de quem lhe tiver dado causa.

3.3 GARANTIAS

Para a celebração do contrato é possível que a Administração exija do contratado a

prestação de uma garantia pecuniária, consubstanciada na prestação de caução, seguro-garantia ou fiança-bancária, que não poderá ser superior a 10% (dez por cento) do valor do ajuste, nos contratos considerados de grande vulto e que envolvam alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, e 5% (cinco por cento) nos demais casos. É isso o que se depreende da análise do art. 56 do Estatuto Federal Licitatório.

4 EXECUÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO E CLÁUSULAS

EXORBITANTES Os principais dispositivos que tratam da execução do contrato administrativo

encontram-se arrolados no espaço compreendido entre os arts. 66 e 76 da Lei das Licitações e Contratações.

A execução do contrato administrativo tem, como principal característica a presença de cláusulas exorbitantes, ou seja, cláusulas que não estão presentes nos contratos de Direito Privado.

Isto porque, o contrato administrativo distingue-se do contrato privado em razão da participação da Administração Pública na relação jurídica bilateral com supremacia de poder, o que se manifesta tanto no momento de fixar as condições iniciais do ajuste, quanto no desenvolvimento do contrato, quando o Poder Público poderá: a) alterar e rescindir unilateralmente o contrato; b) recompor seu equilíbrio econômico-financeiro, quando desfeito em virtude de fatores internos ou externos; c) rever preços e tarifas; d) impor a execução do contrato mesmo quando estiver inadimplente, nos termos que veremos abaixo, como imperativo do princípio da continuidade do serviço público, ou; e) controlar sua execução e aplicar penalidades contratuais.

Hely Lopes Meirelles justifica a razão da existência das cláusulas exorbitantes afirmando que “não seriam lícitas num contrato privado, porque desigualariam as partes na execução do avençado, mas são absolutamente válidas no contrato administrativo, uma vez que decorrem da lei ou dos princípios que regem a atividade administrativa e visam a estabelecer prerrogativas em favor de uma das partes, para o perfeito atendimento do interesse público, que se sobrepõe sempre aos interesses particulares. É, portanto, a presença dessas cláusulas exorbitantes no contrato administrativo que lhe imprime o que os franceses denominam ‘la marque du Droit Public’”117 (grifos no original).

4.1 ACOMPANHAMENTO E ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO Nos termos do art. 67 do Estatuto Federal Licitatório, a Administração Pública deverá

acompanhar toda a execução do contrato administrativo. Também denominado de controle do contrato administrativo, “nele se compreende a faculdade de supervisionar,

117 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 178.

acompanhar, fiscalizar e intervir na execução do contrato, para assegurar a fiel observância de suas cláusulas e a perfeita realização de seu objeto, notadamente nos aspectos técnicos da obra ou do serviço, no cronograma dos trabalhos e na qualidade dos materiais”118 (grifos no original).

A alteração e a rescisão unilateral do contrato são inerentes à Administração Pública, em decorrência da supremacia do interesse público ao do particular, sendo que nenhum particular, ao contratar com o Poder Público, tem direito à imutabilidade ou à execução integral do mesmo.

No Senado da República, o parágrafo 2º do art. 21 do Ato da Comissão Diretora n. 29, de 23 de julho de 2003, exige, em todo contrato, convênio, ajuste ou protocolo, a presença de um gestor e um substituto, indicados pelo titular da área interessada e designados pelo Diretor-Geral do Senado Federal e Diretores da Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP, nos respectivos casos.

4.2 ACRÉSCIMOS E SUPRESSÕES O parágrafo 1º do art. 65 da Lei das Licitações e Contratações da Administração

Pública veicula a possibilidade do Poder Público realizar acréscimos ou supressões nas obras, serviços ou compras contratados.

Neste caso, os limites máximos para acréscimos e supressões serão, como regra, de 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, sendo que, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, os acréscimos poderão chegar a 50% (cinqüenta por cento) do ajuste inicial.

Ressalte-se que toda e qualquer alteração contratual deverá ser formalizada por termo de aditamento que, no âmbito do Senado Federal, será assinado pelo representante legal da contratada e pelo Diretor-Geral, representando a Instituição. Nos ajustes que não ultrapassem o limite do convite, a competência para formalização dos mesmos, em nome desta Casa, será dos Diretores da Secretaria Especial de Informática – SEI e da Secretaria Especial de Editoração e Publicações – SEEP, conforme prescrição do art. 21 e parágrafo 1º do Ato da Comissão Diretora n. 29, de 23 de julho de 2003.

4.3 RESTRIÇÕES AO USO DA “EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRACTUS” Nos contratos celebrados à luz de princípios de direito privado, o descumprimento do

ajuste por uma das partes contratantes, faculta, a outra, o mesmo comportamento. Destarte, ninguém pode exigir o cumprimento de uma obrigação contratual se não estiver em dia com com a sua. É o que se denomina exceptio non adimpleti contractus (exceção – expressão que, em direito, é utilizada como sinônimo de defesa – do contrato não cumprido),

118 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 186.

consagrada no art. 1.092 do Código Civil de 1916 e que, atualmente, vem insculpida no art. 476 do Código Civil vigente.

Nos contratos administrativos, porém, não é dado ao particular a prerrogativa de interromper a execução do ajuste, em decorrência dos primados da continuidade do serviço público e da supremacia do interesse público sobre o particular.

Resta ao contratado continuar a execução do contrato administrativo sendo que, a inadimplência da Administração Pública, por período superior a 90 (noventa) dias, o autoriza a pleitear, judicial ou administrativamente, a rescisão contratual, por culpa da Administração, que incidirá em perdas e danos, multa e juros contratuais. Ressalte-se que o particular jamais suspende a execução do contrato administrativo unilateralmente: o que a lei lhe faculta é a propositura de medida visando liberar-se do cumprimento da obrigação, mas só após o período supramencionado.

5 EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO O equilíbrio econômico-financeiro é indispensável à existência de qualquer contrato,

não se admitindo que, em razão de fatos supervenientes, um contratado seja obrigado a suportar encargos além daqueles que havia pactuado. O contratado também possui esse direito e a Administração poderá reconhecê-lo. Porém, para que possa dele se valer independentemente de tal reconhecimento, necessitará recorrer a tutela jurisdicional, o que não ocorre quanto ao Poder Público.

Celso Antônio Bandeira de Mello, com seu preciosismo, explica a importância deste dispositivo: “equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá. A equação econômico-financeira é intangível.

A índole deste tipo de relações entre Administração e particular assenta no respeito mútuo de interesses. Pretende-se esclarecer que se trata de vínculo – segundo doutrina dominante na atualidade – no qual o chamado contratante privado é havido como um colaborador da Administração, de tal sorte que tende a prevalecer a idéia de que o interesse do Estado é de assegurar uma remuneração normal (e não mais o menor lucro possível) a seu contratante, que vai ser associado, não como um executante sem iniciativa, mas como um colaborador ao qual tais iniciativas, pelo contrário, são pedidas em favor de uma tarefa de interesse público”119.

5.1 REAJUSTAMENTO DE PREÇOS E TARIFAS “Reajustamento contratual de preços é a majoração dos valores unitários ou de

parte do valor global contratado, segundo o previsto no contrato, para compensar a inflação e atender às elevações do mercado, decorrentes da desvalorização da moeda ou do

119 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 560.

aumento geral de custos no período de sua execução. O preço normalmente é fixo e imutável nos contratos, mas as variações resultantes da inflação vêm ensejando exceções a essa regra. Como exceção, o reajustamento de preços há que ser expressamente previsto pelas partes e delimitado nos seus índices correcionais, no instrumento inicial do contrato”120.

5.2 CLÁUSULAS “REBUS SIC STANTIBUS” E “PACTA SUNT SERVANDA” A cláusula “rebus sic stantibus” – que pode ser traduzida como “enquanto as coisas

estiverem como estão” – traduz a proteção que as partes contratantes possuem de mantença do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Já vimos que uma das características marcantes do ajuste administrativo é a comutatividade. A comutatividade é o atributo que se relaciona, diretamente, com o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, impondo o estabelecimento de obrigações recíprocas e subjetivamente equivalentes.

Destarte, sempre que um fator externo, absolutamente imprevisível, torne a execução do contrato excessivamente onerosa para uma das partes e benéfica para outra, o contrato administrativo deverá ser revisto, objetivando-se a recomposição do equilíbrio entre os direitos e obrigações assumidas.

Ressalte-se que a aplicação da teoria da imprevisão não representa qualquer ofensa à cláusula “pacta sunt servanda”, que impõe que os contratos devem ser cumpridos. Certamente, a obrigação de cumprimento do contrato pressupõe a manutenção das mesmas condições presentes quando do momento da celebração do ajuste. Se, por fatores absolutamente imprevisíveis o contexto social se altera, não é razoável supor que a composição contratual deva manter-se intocada.

5.3 FATO DO PRÍNCIPE E FATO DA ADMINISTRAÇÃO Outras situações que podem agravar os encargos assumidos pelo contratado no

contrato administrativo são o fato do príncipe e o fato da Administração. Assim é que, ocorrendo um desses fatos que seja capaz de desequilibrar a equação econômico-financeira do contrato ou impor algum gravame que dificulte ao contratado a execução nos moldes anteriormente avençados, o pacto deverá ser revisto, visando manter-se o equilíbrio nas relações ajustadas.

O fato do príncipe ocorre quando a Administração veicula normas gerais e abstratas, vale dizer, normas jurídicas dirigidas indistintamente a toda a sociedade, que acabam por impossibilitar ou agravar a execução do contrato administrativo. O fato do príncipe vem disciplinado pela alínea “d” do inciso II do art. 65 do Diploma Federal Licitatório.

120 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 183.

Diógenes Gasparini o conceitua como “toda determinação estatal, positiva ou negativa, geral e imprevisível ou previsível mas de conseqüências incalculáveis, que onera extraordinariamente ou que impede a execução do contrato e obriga a Administração Pública a compensar integralmente os prejuízos suportados pelo contratante particular”. E adverte: “Nos países federados, como é o nosso, o fato do príncipe somente se configura se o ato ou fato provir da própria Administração Pública contratante. Se o ato tiver outra origem, os inconvenientes que causar serão resolvidos pela teoria da imprevisão”121 (grifos nossos).

Já o fato da administração consiste em um gravame imposto pelo Poder Público contratante, especificamente relacionado com o contrato celebrado. Hely Lopes Meirelles o conceitua como “toda ação ou omissão do Poder Público que, incidindo direta e especificamente sobre o contrato, retarda, agrava ou impede sua execução. Esse fato se equipara à força maior e produz os mesmos efeitos excludentes da responsabilidade do particular pela inexecução do ajuste, ensejando, ainda, as indenizações correspondentes”122 (grifos nossos).

É importante ressaltar que os institutos do fato do príncipe e fato da administração diferenciam-se da teoria da imprevisão em razão da última advir de um fator externo, alheio e independente da vontade das partes contratantes, ao passo que as duas primeiras figuras resultam de comportamentos emanados por uma das partes contratantes, qual seja, a Administração Pública.

Como exemplo de fato do príncipe, podemos mencionar a elevação exagerada de alíquotas ou dificultação do processo de importação de produtos indispensáveis à execução do contrato celebrado; de fato da Administração, menciona a não-desapropriação de terreno sobre o qual fora contratada a realização de uma obra123.

5.4 CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR Podem incidir sobre os contratos administrativos, impedindo sua execução nos

moldes anteriormente avençados, eventos denominados caso fortuito e força maior. Tais situações relacionam-se a acontecimentos que, absolutamente imprevisíveis ou inevitáveis, não podem ser imputados como ensejadores de responsabilidade aos contratantes.

A dogmática administrativista brasileira diverge quanto aos conceitos destes institutos: um deles relaciona-se a comportamentos humanos, o outro, a eventos naturais. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Celso Antônio Bandeira de Mello e Lucia Valle Figueiredo, seguindo a “escola francesa”, entendem força maior como evento natural e caso fortuito aquele decorrente de ações humanas. Hely Lopes Meirelles e Diógenes Gasparini, até mesmo em virtude da falta de conceituação dos institutos no art. 1.058 do Código Civil de 1916 – reproduzido no art. 393 do Código Civil atual – invertem os conceitos.

121 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 557. 122 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 225. 123 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Atlas, 2001. p. 289.

O certo é que, em ambos os casos como, v.g., a queda de barreiras que impeçam o acesso ao local da obra, um vendaval, ou uma inundação que alague o pátio de obras (força maior); ou quando ocorrerem greves ou tumultos (caso fortuito) o contrato administrativo terá que ser revisto, atualizando-se a equação econômico-financeira, prazos ou outros ajustes que se fizerem necessários à manutenção da comutatividade inerente ao pacto.

6 EXTINÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO EM RAZÃO DE UM FATO A extinção dos contratos administrativos pode acontecer em virtude da ocorrência de

fatos jurídicos, que se apresentam como acontecimentos naturais ou involuntários capazes de trazer conseqüências para o direito, ou em razão de atos jurídicos, que consistem em manifestações da vontade humana, aptas a desencadear relações intersubjetivas que interfiram na esfera jurídica de alguém.

A extinção em razão de um fato resume-se a quatro hipóteses, quais sejam: a) cumprimento do objeto contratado; b) decurso de prazo; c) desaparecimento de contratante, e; d) desaparecimento do objeto.

As duas primeiras hipóteses apresentam-se como as formas naturais de extinção do contratos administrativos. No primeiro caso, entregue o objeto contratado, com o fornecimento dos bens ou execução da obra e pagando-se o preço avençado, o contrato estará extinto. Da mesma forma, caso se trate de contrato de serviço, com o decurso do prazo contratual sem o surgimento de qualquer fator alheio ao pactuado, o advento do termo “ad quem” acarretará a extinção do ajuste.

O desaparecimento de algum dos sujeitos, contratante ou contratado, ou do objeto da relação jurídica, leva a extinção precoce do contrato administrativo. Isto porque, toda relação jurídica – e não seria diferente com a relação jurídico-administrativa – pressupõe a existência de, ao menos, dois sujeitos e um objeto; daí porque, dizer-se que ao direito não interessam os problemas intra-subjetivos. O desaparecimento de um deles, põe fim ao contrato administrativo.

O desaparecimento do elemento subjetivo ocorre, v.g., com a morte de um restaurador, ou com a falência de uma empresa. Também a extinção de uma autarquia provocará a extinção dos respectivos contratos. Como exemplos de desaparecimento do objeto, lembramos as hipóteses de desmoronamento de um bem tombado pelo patrimônio histórico-cultural que estava em processo de restauração ou a destruição de uma repartição pública por atos de terroristas.

7 EXTINÇÃO EM RAZÃO DE UM ATO O art. 79 da Lei das Licitações e Contratos da Administração Pública estabelece as

três situações de resilição contratual em razão de um ato, quais sejam: a) determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior; b) amigável, por acordo entre as partes, reduzida a termo no

processo da licitação, desde que haja conveniência para a Administração, e; c) judicial, nos termos da legislação. Examinemos uma a uma.

7.1 RESCISÃO POR ATO UNILATERAL E ESCRITO Podemos resumir as situações elencadas no inciso I do dispositivo em exame, em

três hipóteses fundamentais, nas palavras de Diógenes Gasparini: “a) interesse público; b) inadimplemento ou descumprimento de obrigações a cargo do contratado particular; c) ilegalidade. Portanto, seus fundamentos são: o interesse público, a inadimplência do contratante particular e a ilegalidade. Em todos os casos exige-se autorização escrita e fundamentada da autoridade competente (art. 79, § 1º), já que essa prerrogativa não é discricionária e muito menos arbitrária, salvo se a extinção for determinada por ela mesma”124 (grifos no original).

Vejamos quais as hipóteses que justificam este ato, constantes, como vimos, dos incisos I a XII e XVII do artigo 78 do Diploma Federal Licitatório: a) não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos; b) cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos; c) lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados; d) atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento; e) paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração; f) subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação não admitidas no edital e no contrato; g) desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores; h) cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do § 1º do art. 67 desta lei; i) decretação ou a instauração de insolvência civil; j) dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado; k) alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato; l) razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato, e; m) ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.

7.2 RESCISÃO POR ACORDO A rescisão amigável (inciso II) funda-se na autonomia de vontade das partes,

desencadeando no que a doutrina intitula distrato. Aqui não se há falar em pagamento de indenizações. Por tratar-se de acordo de vontade entre as partes, o termo de distrato conterá as obrigações de cada um em virtude da resilição.

124 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 570.

7.3 RESCISÃO CONTENCIOSA A rescisão judicial (inciso III) ocorre quando, tendo verificado-se o inadimplemento

das obrigações por uma das partes, aquela que sentiu-se prejudicada vai ao Poder Judiciário requerer que este determine o fim das obrigações recíprocas, além do ressarcimento pelo prejuízo causado pela parte que deu causa à resolução antecipada do vínculo contratual.

É sabido que, normalmente, quem socorre-se da via judicial para requerer a rescisão do contrato é o contratado, na medida em que a Administração pode fazê-lo por ato unilateral e escrito, nos termos especificados no item anterior.

Todavia, ambos podem valer-se dessa via, sendo possível, ainda, que o Judiciário conclua pela culpa do requerente (autor) e não do requerido, hipótese em que, mesmo tendo sido provocado por determinada pessoa, o juiz determinará a rescisão por culpa dela.

As hipóteses de rescisão por culpa da Administração também constam do art. 78, nos seus incisos XIII a XVI. São elas: a) supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no § 1º do art. 65 desta lei; b) suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação; c) atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação, e; d) não-liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto.

As hipóteses que imputarão a culpa da rescisão contratual ao contratado são as mesmas que autorizam a Administração a fazê-lo, por ato unilateral e escrito, quais sejam, as constantes dos incisos I a XII e XVII do artigo 78 da Lei de Licitações.

8 RESCISÃO SEM CULPA DO CONTRATADO O parágrafo 2º do art. 79 da Lei Federal de Licitações dispõe que, nos casos de

rescisão do contrato administrativo sem culpa do contratado, previsto nas hipóteses dos incisos XII a XVII do art. 78, este fará jus ao pagamento das seguintes parcelas: a) devolução de garantias; b) pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão, e; c) pagamento do custo da desmobilização.

9 CONTRATOS EM ESPÉCIE Para finalizar, resta-nos examinar, sucintamente, os principais contratos

administrativos utilizáveis no ordenamento jurídico pátrio. São eles: contrato de obra pública, contrato de serviço, contrato de fornecimento, contrato de concessão de uso de bem público, contrato de concessão de obra pública e contrato de gestão.

9.1 CONTRATO DE OBRA PÚBLICA Contrato de obra pública, segundo as lições de Diógenes Gasparini, consiste no

“ajuste levado a efeito pela Administração Pública com um particular, que tem por objeto a construção, a reforma ou a ampliação de certa obra pública. Construção é a conjugação de materiais e atividades empregados na execução de um projeto de engenharia. Reforma é a obra de melhoramento da construção, sem ampliar sua área. Ampliação é a obra que tem por objeto aumentar a área de construção. De outro lado, a obra pública pode destinar-se ao serviço público (edifícios públicos) ou à população (ruas, calçamento, praças, pontes, canalizações, metrô, ferrovias, portos, aeroportos, represas, usinas etc.)”125 (grifos no original).

9.2 CONTRATO DE SERVIÇO O contrato de serviço consiste no ajuste celebrado entre a Administração Pública e

um contratado, e que tem por finalidade a realização de certo serviço. Estes serviços podem ser: comum, técnico-profissional e técnico-profissional especializado. Serviço comum é aquele que não exige, de seu executor, qualquer habilitação especial. Serviço técnico-profissional é aquele que necessita de profissional habilitado para a sua execução, qualquer que seja o nível de formação exigida, como v.g., os torneiros mecânicos, os eletricistas, os advogados, os engenheiros. Serviço técnico-profissional especializado é aquele que exige do executor notória especialização. É o caso, por exemplo, da contratação de um jurista consagrado para realizar uma sustentação oral, ou de um arquiteto renomado para dar seguimento ao projeto arquitetônico de Brasília.

9.3 CONTRATO DE FORNECIMENTO “Fornecimento é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública adquire

bens móveis e semoventes necessários à execução de obras ou serviços. Quanto ao conteúdo, não se distingue do contrato de compra e venda; por isso

mesmo, alguns negam que exista como contrato administrativo. Inexplicavelmente, em apenas mais um dos inúmeros vícios de técnica legislativa contidos na Lei n. 8.666, ela se refere às compras nos artigos 15 e 16, dentro de uma seção específica; no entanto, fala em fornecimento na seção referente às obras e serviços, dando a entender que somente 125 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 575.

considera como fornecimento as compras vinculadas a contratos de obras e serviços. Confira-se, a esse propósito, a norma do artigo 9º, só aplicável ao fornecimento tal como considerado na lei, excluindo, portanto, as compras não vinculadas a contratos de obras e serviços”126 (grifos no original).

9.4 CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO O contrato de concessão de serviço público é o ajuste pelo qual a Administração

Pública transfere para um particular a responsabilidade pela prestação de serviços públicos. Note-se que a titularidade do serviço continua pertencendo ao Poder Público, que fiscalizará a execução a partir das normas veiculadas pela Lei federal n. 8.987/95, que regula as concessões e permissões de serviços públicos. Estas últimas, ressalte-se, não possuem natureza contratual, em virtude de seu caráter unilateral e precário.

O contrato de concessão do serviço sempre deve ser precedido da realização de licitação, conforme disposição expressa nos artigos 175, caput, da Constituição Federal e 2º da Lei n. 8.666/93.

São exemplos de concessões de serviços públicos; a prestação de serviços de telecomunicações, fornecimento de energia elétrica, manutenção de rodovias, coleta de lixo urbano, entre outros.

9.5 CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO A concessão de uso de bem público é o contrato pelo qual a Administração Pública

transfere ao particular a possibilidade de exploração econômica de um bem público. “Todos os bens públicos, qualquer que seja a sua natureza, são passíveis de uso

especial por particulares, desde que a utilização consentida pela Administração não os leve a inutilização ou destruição, caso em que ocorreria a alienação.

Ninguém tem direito natural a uso especial de bem público, mas qualquer indivíduo ou empresa pode obtê-lo por contrato com a Administração ou recebê-lo por ato unilateral e precário da autoridade competente. Esse uso será remunerado ou gratuito, por tempo certo ou indeterminado. Atribuído regularmente o uso especial, o beneficiário passa a ter um direito subjetivo público ao seu exercício, oponível a terceiros e à própria Administração, nas condições impostas ou convencionadas. A estabilidade ou precariedade desse uso assim como a retomada do bem público, dependerão do título atributivo que o legitimou”127 (grifos no original).

9.6 CONTRATO DE CONCESSÃO DE OBRA PÚBLICA Por este contrato, a Administração Pública autoriza o particular a construir

determinada obra pública e, depois de pronta, a explorá-la, remunerando-se do capital

126 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. pp. 280-1. 127 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 299.

investido em sua realização através de cobrança de tarifas daqueles que, eventualmente, venham a se utilizar da obra realizada. É o caso, v.g., do que ocorre com os contratos de concessão de algumas rodovias: a empresa privada constrói uma nova estrada e, terminada a obra, passa a receber o retorno de seu investimento através do pedágio cobrado dos usuários daquela malha rodoviária.

Outro exemplo seria a autorização para uma empresa privada (como, v.g., a EMBRAER) construir um aeroporto internacional na cidade de Araraquara, às suas próprias expensas; em contrapartida, remunerar-se-ia pela concessão de uso das lojas ou, ainda, pela cobrança de uma tarifa de todos aqueles que dele se utilizassem por um determinado período, como forma de remuneração do capital ali investido.

9.7 CONTRATO DE GESTÃO Contrato de gestão, segundo Diógenes Gasparini, “é o ajuste celebrado pelo poder

Público com órgãos e entidades da Administração direta, indireta e entidades privadas qualificadas como organizações sociais, para lhes ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira ou para lhes prestar variados auxílios e lhes fixar metas de desempenho na consecução de seus objetivos”128.

Alexandre de Moraes o define como “o avençado entre o Poder Público e determinada empresa estatal, fixando-se um plano de metas para essa, ao mesmo tempo em que aquele se compromete a assegurar maior autonomia e liberdade gerencial, orçamentária e financeira ao contratado na consecução de seus objetivos”129.

O contrato de gestão ficará sujeito ao controle periódico dos resultados nele avençados por parte da Administração, sendo que, caso tenha sido firmado com entidades de direito privado qualificadas como “organizações sociais”, o descumprimento das metas ali elencadas acarretará o descredenciamento da entidade.

“O contrato de gestão tem sido considerado como elemento estratégico para a reforma do aparelho administrativo do Estado. Ele não apresenta uniformidade de tratamento nas várias leis que o contemplam, mas sua finalidade básica é possibilitar à Administração Superior fixar metas e prazos de execução a serem cumpridos pela entidade privada ou pelo ente da Administração indireta, a fim de permitir melhor controle de resultados.

Na verdade, não se trata de um contrato propriamente dito, porque não há interesses contraditórios. Trata-se mais de um acordo operacional – acordo de Direito Público – pelo qual o órgão superior da Administração direta estabelece, em conjunto com os dirigentes da entidade contratada, o programa de trabalho, com a fixação de objetivos a alcançar, prazos de execução, critérios de avaliação de desempenho, limites para despesas, assim como o cronograma de liberação dos recursos financeiros previstos”130 (grifos no original).

128 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 582. 129 MORAES, Alexandre de. Reforma administrativa. São Paulo: Atlas, 1998. p. 55. 130 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 306.

As duas principais hipóteses de aplicabilidade do contrato de gestão referem-se às organizações sociais e às agências executivas.

Agências executivas são autarquias ou fundações pré-existentes, diplomadas por intermédio de um Decreto do Chefe do Poder Executivo, a partir de iniciativa do Ministério ao qual se encontram vinculadas, em virtude de terem desenvolvido planos estratégicos de reestruturação, com vistas à melhoria da qualidade de sua gestão e conseqüente redução de custos.

As organizações sociais – conforme já tivemos a oportunidade de pormenorizar, quando analisamos a hipótese de dispensabilidade da realização de licitação para a celebração desses contratos de gestão com a Administração Direta – são associações civis ou fundações, constituídas e organizadas sob regime jurídico de direito privado que, sem possuírem fins lucrativos, estão voltadas ao desempenho de atividades de natureza pública, como as de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde, e poderão ser aproveitadas pelo Estado para o desenvolvimento de programas que visem à melhoria da prestação desses serviços.

Entra legislação que está no

disquete

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