BUBER, Martin. Sobre Comunidade

Embed Size (px)

Citation preview

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    1/71

    Proximo lancamentoo Heterotexto PessoanoJose Augusto Seabra

    ' .

    Sobre Comunidade Ii uma colet iinea de textos, organizada por MarceloDascal e Oscar Zimmermann, que representa uma verdadeira smtese dopensamento social e poli tico de Martin Buber. Nela t ieunem 0 filosofodo existencialismo religioso, do etemo dialogo entre "Eu e Tu" e 0homem de seu tempo, ansioso por responder as exigencies de uma a~aoimediata nas encruzilhadas de urn penodo historico sem par em suasinterrogacoes e dramas. Da vida no Kibutz, experiencia comunal auten-tica, a t ir iinica mascarada comunitar ia que 0 nazismo tentou impor araca pura, da luta pela reconstrucao judaica em Israel a resistencia contraas forcas exterminadoras do totalitarismo fascista, eis alguns pariimetrosprincipais de uma vivencia coletiva, judaica e hurnana, em que Bubercolheu os elementos para uma arnpla e profunda discussao sobre asformas de existencia coletiva, sobretudo em sua expressao comunitaria- tema que supera as experiencias mais particulares para desembocarnuma reflexao sobre a propria possibiJidade de os homens conviveremem sociedade sem se devorarem e sem se aniquilarem. E no dialogobuberiano, sempre reiniciado e inesgotavel em sua autenticidade, berncomo na sua defesa da comunidade entre os homens, que se pode vis-lumbrar essa tenue centelha de luz a iluminar uma trilha possivel na v-direcao de urn humanismo pelo qual Buber viveu e lutou.

    ~eEatese atese ates sociologia

    martin buberSOBRE

    COMUNIDADE

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    2/71

    Sobre Comunidade

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    3/71

    Col~o DebatesDirigida por J. Guinsburg

    martin buberSOBRE

    COMUNIDADESele~o e Introdu~ de Marcelo Dascale Oscar Zimmermann

    Equipe de realiza~io - Tradu~io: Newton'Aquiles von Zuben;Sel~io e Introdu~io: Marcelo Dascal com a colabor~o deOscar Zimmermann;R.evisiode texto: Marcelo Dascal; Produ~io:Plinio Martins Filho.

    EDITORA PERSPECT 'VA, .

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    4/71

    SUMARIO

    Debates 203

    Prefacio 9Introdu~o - M arcelo D ascal e O scar Zim mer-mann 131. Nova e Antiga Comunidade 332. Prefacio a Col~o "Die Gesellschaft" 413. Palavras a Epoca 45

    P rime ir a Pa rte : " Pr in cfp io s" 45S eg un dd P ar te : " Comu nid ad e" 49

    4. Estado e Comunidade .................... 535 .Educa~ para a Comunidade 816. Indivfduo e Pessoa - Massa e Comunidade 1037. Individualismo e Coletivismo 117

    Posfacio -- Newton A. von Zuben 129

    Direitos em linpa portuguesa reserva40. lEDITORA PEltSPECTIV A S.A.Av;Brip4eiro Luis Aat6nio, 302501401 - SAoPaulo-SP - BruilTelefones: 885-8388/885-68781987

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    5/71

    PREFACIOA prepara~ deste livro foi instigada por ,UQUl s6riede eventos s in gul ar es . Ne st e eentido ele e . . . . I 'OIpostaa ullla situ~coBCreta, como diria Buber. Por acasiiodo c en tenm o d on as cim en to de Buber, em 1978, reaH-Z8r8D1-sesimp6sios e confe~BCias em V8ri08 lupres.Entre e le s, um grande congresso na cidade de Becr -Sheva(Israel). Embora esse congresso tivesse por propOsitoab arear a totalidade do penaamento de Buber, JeU8organizadores omitiram totalmente qualquer refe~cia afilosofia social e a atividade e pensamento. politicos deBuber. Tal fato, certamente devido a pouca popularidaded" que g()~vam e gOZ8D1s ideias polfticas deBuber emIsrael. pareeeu-me entio uma, distotyao imperdoavel dacontribui~ao filos6fica desse pensador. Publiquei arespeito uma carta deprotesto no jomal Haarets, queprovocou uma serie de cartas deapoio, entre as quaisuma do Professor Ernst Akiva Simon, eminente educsdore .:velho amigo e colaborador de Buber.

    9

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    6/71

    Na mesma epoca, Oscar Zimmermann, membro dokibutz Bror-Chail, chamou minha aten~ para 0 fato deexistirem, no Arquivo Buber em Jerusalem, textos aindanio 'publlcados, assim como textos dedificil acesso, emque Buber elaborava os conceitos basicos de sua filosofiasocial. Ao examinar tais textos pareceu-me que, emboraalguns del~ fossem notas nio revistas de conferenciaspor ele pronunciadas, mereciam ser publicados a fim deproporcionar aos interessados eaopublico em geral urnavisio mais completa 'de seu pensamento politico-social.A terceira circunstancia que me levou a empreenderesta tarefa e a focalizar a sele~ de textos em torno doconceito de comunidade foi uma conversa que .tive, nomosteiro de Latrun, com urn jovem frances que haviavindo a Israel na esperanca de aprender algo sobre vidacomunitaria, a fim de poder apliear esses ensinamentosna comuna umana em que vivia, em Grenoble. Nessaconversaeso. ficou patente para mim (fato depois confir-mado por outras informaeoes), que ha pelo mundo aforaurn grande numero de pessoas que ainda buscam ativa-mente uma forma de vida social alternativa, capaz nio56 .de resolver os grandes problemas a myel da organi-za~ politica global das sociedades, mas tambem de daruma nova substancia a vlda.atreves de urna modifiea~substancial das relaes .a nivel interpessoal. Acreditoque as idaes - e mais queisso, a visio - de Buberapontam p a r a tal altemativa. Sua divulg~,portanto,podera talvez contribuir para aumentar 0 nlimero daq~lesque tratam de realm-la, assim como para infundirnovo animo naqueles que jli conseguiram estabelecer umsou outra das multiplas formas de "comunidade" possi-veis, mas que se encorttramassediados e isolados no' seio.da sociedade selvagem.Virias pessoas eontribuiram para tamar este livropossfvel; Desejo agradecer, em especial, ao Professor

    Ernst Akiva Simon, por seu apoio indispensavel 80 pro-jeto, e por obter do Fundo Lakritz, da UniversidadeHebraiea de Jerusalem, ajuda financeira parcial para 0mesmo '- ajuda que tambem agradeco. A Senhora Mar-got Cohen, do Arquivo Leibniz de Jerusalem, por suaajuda generosa para a localiza~io dos textos pertinentes.Ao Senhor Rafael Buber, por seu apoio, seus conselhos

    valiosos, e pela permissio para publicar estes textos. AoProfessor Newton' A. von Zuben, por ter concordadoemrealizaro Brduo trabalho de traduzir diretamente do ale-mio a pross dificil de Buber. AE.dito!l ~enpectiva,. porseu apoio e paciencia at6 a concretiza~ fmal do .p~oJe~.E finalmente a Oscar Zimmermann, por sua partielp~ativa e colabora~io incondicional em todes as fases dotrabalho.

    Marce lo D as ca l

    io 11

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    7/71

    INTR oD U(:A O '___" ,.:'.. i ' ,_ , . .: ' .~Os'ensaios e , o S '~tetiQgrattias de cOnferencl.. COlrif;.

    d O s , n e s t a . C C ) l e t a n e & " e m S t . t a ' 1 J J a i O r p t t r t e JamaJj ipbbJi .cacJos . or ise a t fotlm. niOfacilmente ~tm.liojeltDdia _l;feferem.se. deuma forma 'Ol'iotitta;ao eoneei to ' ." C o l n u n i c l a d e J'" (G~IriIft).' e o m o i t j l a e u s ' ; i fi DW ' U .meinae.Btmil~ Z~'dC;'e'''' l a e u s ' a f t t 1 a I 6 -rii~ (Gess el lsChaj t' _ . ;. . SO Ci~ de;m ..... ;Estad~etc.).Nioli'dUVida de"@eeS tt l"ccmeel fos ,> q l ieBube t tfmtouetanticat. e 'refolmular~ .d',.Iotijo .,'e lUa'~ .coftIti-tu6m 'e m pur...angUla t~ aFdes eu '~> :'8OC i ale,polf~. Onde quet'que, s e'tra te dem6 tiV o8 ' 1 IOC i8 1s ou~l{tiCQ$.~..1e 'emprea.a.'a o,poti~i entre.. , 'a t:oDNilicfade ea s ' o o t r a S . ( o m w ~ "orgeb~ ~. a r g u m e n t a I f d be m fWor d e Wnaiesta~.:~ c : h l ' d e s e t r V O l V : i m e D t oul~or .da. c omuni~Jde coll\O'. sendoOlUniCOl meioepo sJ fvei $' p a ra s up e ra r 01 m.. e t a ' ! s oc iedade .'e, ~/""'." .: '" . . . . . . . . T~ do 0I'iiiUl emiaal& de o.c:.r Zinun~.

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    8/71

    forma, conquistar uma vida melhor para os seres huma-nos neste mundo.~tretanto, ningueIntinha mais consciencia do queBuber do perigo dos dogmas imutaveis na filosofia poli-tica e social. "0 absoluto, no campo da politica" - eli-zia, quando perguntado. sobre seus pontes de vista emrela~o A de!iObediSncia c ivil - "nio pode provar a suaindisputavel superioridade sobre todas as coisas relati-vas'". Para ele, qualquer id6ia politica ou categoriasocial, p or mais geral e fundamental que seja tomada,"deve ser considerada no imbito de uma dadasitua~io";e, ao mudarem as condi~s do hie et nunc, toda e qual-quer categoria adquirira um novo significado. Por outroIado, Buber freqiientemente acentuanio apenas a con-tinuidade de suas id6ias, comotambem a invarianca dosprincipais conceitos por eleusados. Insistentemente, re-cusa-se a admi$ir qualquer "conversio conceptual" pelaqual possa ter passado, e no maximo descreve suas mu-dan~s de opiniio em termos de "maturacao do julga-mento", "clarifica~o de algumas id6ias, ou "ccrrecsode interpre~ err6neas que nio tocam no essencial"2.A ,4'P~,dos escritos aqui -reunidos oferece urnexemplo cabal desta mistura do permanente e da mudan-~, da fidelidade a certos conceitos e compromissos b.

    s~ 8'iO~~"~'" w n a prof~c1a;csens?-b~~~ ..~IJ'& comas .~ ~ .v~v~~~.d. (.si~o. rr .~~~ a~nas .deuma,;~ostr,. bread.seu redor dOistipos de mtmdo': de um tado, um:m~9agl'irio,enraizado e m antigastradi~s medieYais, s o U -da!nente Iigadb', terra e, de outro;. 0 nnmdo docom6rciQ.dO s centros urbanos, emoollstante mudan~, u i n t l l \ l n d ocuja principal preocu~ ~ 0 lucro. Nio ~ diffcil" imI-ginar como urn filbo daquele mundo, constatandO C : t u efora substitufdopor me, faz um a ideaI~ ddmttndbp erdido, e proeuraas tazO es exp ulsio dohom tm t,cJIseuParafse. Porem, soba>influkicia des DOVas u s a . ."cientfficu" da segunda metade do sku10 cle1.enove.Toennies janio pode se sat:isfazer COlD a expJica~ teo-16gica corrente.Deeide mVesUgar mais preciaarDente ..aestrutura desses dois tipos de vida lWmana. etentar ,de.

    ,', '.;,r: ,::",.,', t' .' _, ,".rr, ,',' ." '{l-".,. 1. C~ UllQUART (Q(I.), A Miltte.r o/Life, London,1963,p.'S1.' ", ""'." " '0, "/2. Citado par AKIVA ERNST SIMON, El legado vivo deMartiBBuber",' Dllpmlm. y.Unidad 22/lJ, 1978,p.9C).

    3. 0 livro foi OI'iIinalmentepubiicado_ 1881. FIGO UIIC)aqui de . trad~ ingleu de .~P. L f.?(>aos. Co~~and A,sociation, London, 1955. A. dicotomla de Toemuea' fO lamptamettte disentida e adota'd8, . sob 'difereates format, porft-rioI s o d O l o I Q S de reaomeno c~ do 1kul~Ws c:omoMu)Vebere &,ilenurkboiA e.lJlais r~t~ea~ por l'~t P a r -s o n s . . Sobre C s t a ~tin~, como b a s e . da incipieatefi!o,sofia. ~de Buber, veja-seROJIERTWBLTSCH; -Babet'sPOIi t iCaJ.rtdIosO-phy"1, emP. SCHILPPe M. FtulIDMAN (orp;), Tlle'l'ItUb.rD,.,of M4.rtin BUHr, l;a SaU~ ~ 1~7 ,pp . "37 ," "~< .boJn ~S. a. BERGMA}I{ .AFilo$ofiaDia1p.~~d.e F;r~egfMN,~ G. Bu".,..,JCJ'Jl$al6m, 1974,. p p . 237-238 (em'lletirajeo). Veja .. tam....HANS KOlIN,' M. Buber: Seill Werf lind selMUt, t.' eelHollelau; 1930, pp. 186-197.14 15

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    9/71

    terminar 0 processo hist6rico real que conduz deum tipode vida 80 outro. A principal diference entre os dois tipos,alcun.bados por ele, respectlvamente, Gemeinscha/ t (Co-ntunidade) e Gesellscha!t (Sociedade ou Associa~o),rep ousa, ao seu ver, na exist!ncia. de dois tipos de Vonta-de, qualitativamente diferenciados e opostos, ou seja: aVOntade "Integral" (ou "Natural"); Wesenwille, e aVontade "Racional" - Kuenatille. 'E m uma. GemeinschtJft , . oli Indivfduos agem sob ainftuSncia daWesenwil(e~' etudbse passa como se SUISa.~oes n.lo necessitassem de qualqtier justifica~io. Aa~oe fruto da tr~di~io e.dosco~es, e num ambito assim,nioha 'raziiopar~ se~rgunt8r.quaI 0 motivoov causede .'tiIDa determinadt:t cbnduta" (social), pois que a' 6 b v i arespo~ta. seria,:..~sobre'1v~c::ilt" .da comunidade.,. E ..a f u n -dawe~ta~io d~.~al res~~' encOntra~se na c q ~ " 8 4 a~al?~Cl~e dosv4Pos.U~ 4 e 8~.forjada n~ ~d e percJi# . D l e m 6 g a .de , g,..-aptir.8 sobrevivencia .da Co,n~

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    10/71

    4 . P .. R .. FLOH& , B . SUSSI!R. '!A.lte. 1UI dN ,u ~ G emo in -~haft: an ampu_'l,i$hed B~b!:r man~". AISRe)'iew(~.for J~ishStudies) t I, 1976, p. 4~. Este manuscrito foi public8dopela' primeira va: por \Flohr e Susser, tom r a m . ~O;naqual eIeIfomecem wliosaa .~ acerca do drcuIo"NcueGemeinsbaft" e sua ideoloJia.

    5.Talvez estasdiver_ciu lejam u r n a d.. JV6es .pa.~a.pale$tra de Buber, cujasevisla do c1n:u1oD,. Reich t i e r Erlllel,;lung eatava prevista (confoflnc informa H. KOHN, em M. 'Suber.Seln Werkllnd Seine Zeit, 2" ed., Kotn, 1961, pp. 29-30), nuncafoi publicada.

    mos'". verdade.que Buber tamWm descreve a "NovaComunidade"m;n termos univmais, niO.56 quando acen-tua - em tomtipicamen~ vitaUata.- suas conexOescom 0 "fluir davida", mas tamb6m quandoargumentaque as fundaes de talcomunidade j 8 Z e 1 D . alem de um amera comunhio de conceitos ou opiniaes: "muitas pes -soasdantes nunca vistas e das quais sabemos tao pOUCOquantoelas de n6 s1 pertencem mais plt)foodat8ente eeompletamente a nOsdo que algu6m. que encontramos di.riamente: mesmo queeste ultimo compartilhe nossas opi-w O e s sobre isto eaquilo, enquanto. que os primeiros te-nhatn visOes e pensamentos diferentes .dos D O S S o s . Po -~1ll~seria .err6neoillterpretar .asseres desta n.atureza ---mesmo nos primeiros estigios da carreira de Buber--comoum endossar total do cosmopolitiSlDOe do univer-S~O.comoi U 1 l I 4 neg~ da necessid,.de de um a p l u -r~ decoDlPDidades .~eretas, euja tarefa serla,,,~ entre .0 individuo e a tQtalidade "~'ra~ h~man.~ __ tese q\l,ese transformaria depqis n u m dos;8)-tivos Jll8i$,caraeteristicosda. filosofia socialcie Buber.Pois, em "No"a eAnUp Cpmunl~" ,Buber W n w .~tua,o .~tet;C9llQ:eto.,do "pequeno c1rcu1Q" c;IQ.q.a nov_ ~ida4t: eQleI'Jirja,. e QleSDlO . Que entre seua~J;W poss~aer.induf_ pOte~ialaac$te "pe8iIOUg~/~u~ tenh.tmos .visto",.Cl$tQ .sio>indM duos ~culaJJy, . G 9 I P ~ q~is ..se teBt>afinidades

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    11/71

    pulsiva retOrica de 1900, j' se conf igu ram algumas restri-~ contra 0 universalismo abstrato, formuladas numalingua_gemextremamente acadatnica.do tema deata col~o,. qQe abr~ todcs 06 aspectos davlde-em-ccmum do homem ( Z U 8 t l l P U f ' U m l e b e n l , como su aabordagem, definidaporele co~'!'!i6cio-ps~l6gica" -sio inova~. Na realidade, 0 ~ue e. p o , , " e 1 e proposto, eantes u r n usa ecletico de conceitosderivados principal-mente de s eu s m e str es Diltbey e Simmel. "Qualquer in -tel-re~o ou intera~ en4:e duas ou aaais peSSQas.-d iz Buber no 'Pref&iio', - podeser chamada de 'so-cie(h,de' '', e pertence, portanto, eo domfnio do "Inter-hu-mano". Isto inc~uinio apenas as "F~as" sociais deSimmel, tais como instituies, organiza~s.classes etc.,mas tamb6m as estruturas (Gebilde) resultantes da inte-ra~, humana e a ela subjacentes,tais cOOlO sistemas devalOleS.cria~' culturais. meios de produ~o ete., assimcemo as "ae5" atraves d as q ua is a vida social etra-formada e mudada diacronicamente. A "Sociologia", noseatidodado a . este te.rmopof Sinunel, cobri rl a, somenteuma parte do domlnio definido por Buber, pois que seocupa somente das referidas Formen da vida s o ci al . . A scutras partes pertenciam tradicionahnente a ~ t i c a . A Filo-sofia do Direito, a Fllosofia Politica e. a Ec;ollomia" aorurn lado, e aO s diferentes setoresda' H is t6 ria . PO l' o uff o.o que. Buber proeura oferecer 6 um ponto de ,vista unl-ficador mais abrangente do que 0 da "sociologia" strictu.sensu, capaz deerlgir uma ponte sobre osabismos arti-ficiais entre todas essas disciplinas. ESt~ objetivo, eleacredita tS-lo alean~do ~as a .enfasedida .eo ,compQ-nente "psico16gico", presente em tO das a s varledades dointer-hum ane. .o proprio Buber planejou escreveruma monpgrafiapara a cole~o "Die Gesellschaft", que ostentarla 0 ti-tulo P rolegom ena zu einet D eduktion des Zw isch enm en-schlichen'J9, onde eventuJilinerite elaborariae explicaria abreve descrl~io do "Inter-humane", dada no "Pref4cio".Nocentro desta. "Deduio", ele pensava enfocar a rela-~o.amoro."~ entre os sexos. Esta questio fOi.finalmenteobjeto de Ulna das monografias publicadas na cole~io,Die Erotik, escrita pela psieanalista Lou Andreas Salo-

    Quer 0 Est6ico fale D08 DOVDI termoa de uma aoeiedade da~. bumana (socjdlU ,eneris hJUfUll#), quer nos. velboa tennOide wna megal6polis, a sit~io a mesma: 1l!IllL ideia espiritJial-mente elevada emerge para c:Onfrontar a rea1idade, mas nio COll-sesue alojar-8e' mun ventre f6l1il para ,roctiar uma criaturaviVa,pois foi deapida de sua corpoI'ealidede.

    Nio exiate um univeraatimlo prUic:l.vcl... exceto aquoleviahunbradopelos Profet&$ de IQet, que propuseram, nio ab

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    12/71

    melllA inte~ (nio concretizada) de Buber, tntretanto,mostra claramente que, apeaarcla "cientificiZa9io" de SUIperspectiva e do reconhecimel'lto da importineia das oe -tras manifesta~ do "social",eIe permanecia fiel l cren-ca de que mais valiosoeeficaz elemento nas forinasde inter~io humana e a Itga~o direta e concretaentreduas pessoas. ~ssim, um. des primeiras. monografias potele consideradas para a nova col~ foi A Aldeia, "estapeculiar etio pouco entendida form89io social", queconstitui-se tambem num de seuaexemplos favoritos de"comunidade'

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    13/71

    fico, radicalmente novo. qu~} descritopor ele .c,omo umafilosofia tanto dacomwlida4e quanto da religilol8 .. 0fim tragico da revol~,na~avAria, em 1919,. no qual 0seu intimo amigo Gustav Lapdauer foi assasslDado~ levaBubel' aconvi~ de que urna revolu~io politica cujameta 6 uma mudanca radical e violenta da estrutura dopoder nio 6 .UDl meio viayel par, a conquista do idealdeuma socieUade humana~elhor. Muitas vezes, em suacorresponctan

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    14/71

    Porem, 0novo elementomais em evidencia em Wortean die Zeit 6 a presen~ dominante de temas religiosos.Deus parece ocupar agora 0 .Iugar que a Vida octiparaantes: Buber afirma que SQIlleDtea presen~a do elementodivino garantir4 oestabelecimepto da comunidade: "Oshomens que desejam comUllidade, desejam Deus . Tododesejo de um ,.utentico relacionamento 6 dirigido a Deus,e todo anelo por Deus 6 dir ig ido a uma comunidade ver-dadeira.A religiosidade torna-se assim 0 fulcro do pen-s8Diento social de Buber. Hugo Bergman e repreendidopor Buber por ousar coneeber 0 religioso meramente como"um conte6do entreoutros-20 Quio longe estamos darestri~ de "religiio a uma das quarenta .mondgrafiasda s6rie "Die GeseHschaft! -11 ! claro que, dos tresirtottOl usados pot Buber no seu ensaio de 1919, Gemein-& e I u I l t - q ue p are ce m simbolizar as tres fontes desteconceito para elt (de Toennies, 0 pensamento sociol6gi.co; de Landauer, 0 socialismo polftico; e de Toistoi, 0soeialismo religi08O) -- 0 terceiro e certamente 0 domi-nante, nesta fue de suacarreira. Dada esla preponderAn-cia do Idigioao. era de seesperar que as cond~ paraa atuali.ao da "comunidade", seriam por ele definidaem temlQlda vontade humana de mudar, de um "turno"ou "conenio- (Gesinnungswandel), que af~taria os ho-mens dOl males da "sociedadeJle abriria os seus co~para 0 advento da comunidade, objetivo que Deus nioadiaria pormuito tempo, umavez leita a conversio. So -mente tais processos interiores,e niofo~ externas,trariam a verdadeira "revolu~o social. Este 60 tipo deesper~ que Buber encontra para oferecer a profunda-mente cetica juventude do p6s-guerra.

    As prOximas quatro ~ na preseate coledaeasio estenograJDlS nio publicados de confer6ncias deB u-ber preservados no ArquivoBuber. em J e r u s a l 6 m . !sa -bick, que ele era um. conferencilta ~. ~mente bem-sucedido com pequenas emtimas auclienc:iu.Nestas confer&tcias, cujo texto foi 1evemeate rev isto paraevitarexcessiva repeti~. tenHIe a oportuDicIIde de del-cobrironde Buber teve dificuldades em formular &ell pen-samento, e de entrever 0processo de reform~ a t r a v e sdo qual e 1 e enfatiza suas teses principais. b em c o m ooutras facetas de um pensamento "em fo.-ma~.

    Nos anos de 1923 e 192~. Buber fez v 8 r i a s pales-tras sobre Comunidade, em. Zurique. Frankfurt. e 0UtI06lugares. A conferencia de 1924, "Estado e Comunidade,apresenta-se linda como uma tentativa de tirar as conchf.sOesquese impunham a partir da an'lise dos anos tumul-tuosOs da guerra e .do p6s-guerra. Entretanto, ao contr6-rio de Worte an die Zeit, os teDl8Sreligiosos i'nio pre-dominam, e 0 tom dominante nio ~mais o do pregadoresfo~do.se por oferecer uma nova ~ so deseI-perado, Buber empreende um.a cuidadosa e acurada criti-ca da ~ de Estado, que 6 agora por ele trazida --provavelmente devido 8S circunst&nclas da 6poca - l li-nha de frente, por primeira vezem suafilosofia social.Apesar de ser um critico severo da identifi~ endocorrente do Estado centraIizado modemo c o m a ~'comu-nidade" e a "nacionalidade-, sua atitudeem rela~aoEstado em si nio e inteiramente negativa. Na verdade,ele distingue entre dois tipos de Estado: 0 Estado que fa-vorece a cria~ da comunidade.. 0 Estado que the edesfavor4vel. 0 primeiro e descentralizado, limitado emseu podet e em suas fun~, nio tentando intervir nodelicado tecido da vida social; 0 segundo possui as carac-teristicas opostas. Porem, fiel 8 sua desaprova~o de so -lu~s prontas e de generaliza~s abstratas, Buber insisteque a "linh,de demarca~o" entre os dois tipos de Estadodeve sempre ser retra~da, no aqui e agora de uma situ a-~ constantemente mutavel. ~ da responsabilidade decada indivfduo traear esta linha e defende-la contra adestrui~o da s formas de comunidade por um Estadov~. Somente vivenciando a crise destes remanescentesde vida comunal, podera 0 indivfduo realmente entender

    20. Brldwechsel. carta 44 (vol. II), de 9 de sctembro de 1919..; . 21. : e claro que a atribui~ de um importante papel a reli-Jiao no processo social, nio oeorre de reponte no pensamento deluber. Iiem 1910, pot' exemplo, ete sugere que 0 Unico dcfeitonum trabalho eacrito pelo jovem estucIante E. E. Rappaport, sobleDie F(IIIIllillals Eillmen' der Genubuchaft. e a falta de qualquermen,io cia dimensio reliJiosa Da discussio da matma. Vej.. seBrlqwlChs.l. vol. I, cartas 155 (4 de j1,mhode 1910), e 156 (12de junho de 1910). Sobre a relll9lo entre os conceitos buberiano$de reliaiio e reliJiosidade e os coneeitos semelhantes de SOUlmestres Simmel e Dilthey, veja-se M. M. KAPLAN, Philosophicand R.eIigious Tradition, in P. SCHlLPP and M. FR.IEDMAN(orp.) .The Philosophy of Martin Buber, La Sane. U1inois, 1967.26 27

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    15/71

    a verdadeira eitensio. ,d o perigo a enfrentar, que nio ~somente devido 11'Oi8io ~ternado E stad o, m as tamWma desintegr~ d a B pnSprias fo~ que devem manterum a comunidf,de viva. ~ ,assim podera 0 individuoeyentualme.Qte chepr a "ooaversio, que marcaria 0 infC10 de 1 . I U J 8 regene~o deat .. , comunidades, e que poriaem lDQViJQento0 que Buber maiatarde chamaria de ".revo1u~ coDservadora".

    Se 0 ponto de partida da "revolu~o cOnservadoradeve seruma rnudan~ dentrode cada individua, 0meiomais importante para COIlSeguir uma tal revolU9idevenser a ,ed~ e nioa violbcja. Quem quer que desejeobter cornunidade deve educar, para comunidade. E iatorequer uma con~ inteiramente nova ,da educa9io, ar-gumenta Buber. Este 6 0t6pico central,dacOnfer&1cia de1929, "Eduea9io para Comunidade". Novamente, eata 6.penes um peq1l lmO exemplo do gigantesco esf~ inves-tido par Buber (Da 6poca e posteriormente), nio somentena elabora~ de um a nova doutrina edUcaciODal,mutam~m na implementa9io de SU8SCOIl~ ao mvelda escola pUblica, da secundUia, da universidade, e tam-~m no se u revolucion8rio projeto. para a educa~ deadultos. A a t u 8 9 i < > pedag6gica de Buber e SU8S doutrlnassio bemconhecidas2l, e nio ha necessidade de resumi-las&qUi. No concemeDte a comunidade., ele primeiro denun~cia as defini90es em yoga de "educa9iocomunit8ria, COD rce{)ida em termos de ' um adestramento do individuo paracumprir se u papel na sociedade. .n o B sta do , no partido,ou em qualquer outra forma de associa~ social com quevenha a se deparar. Para Buber, isto nada tem a ver coin,0 seu proprio conceito de comunidade. e conduz na ver-dade a sua antftese. A educ89i para comunidade nosentido buberiano, requer um a rel89i genuina E~-Tuentre discipulo e disc{pulo, como tam~m entre Mestre ediscipulo, e isto 56 pode ser obtido nio por meio de uma

    teoriz89iou preg89io, mas pela transforma9iO da propriaescola Dum verdadeiro ninho de comunitariedade2'."Indivfduo e pe isoa' - -- M a s s a eComunidade" umaconferbcia pronunciada em 1931,' na S~ttgart' LebmausSchieker, ~ talvez 0 texto mais filos6fico da presente co -letAnea. E 6 razoavel conjeturar-se que ~ seguindo as l i n h a str~ neste texto que Buber ted. escrito 0 que deveriaeenstituir-se no quarto volume de , uma ~rie de obras,dasquais Eu e Tufoi a primeira: 0 titulo projetado paraeste quarto' volume era A P etI8 O il,e a Comunidad.6M. Bu-ber aqui procura penetrar D1ais a fundo na questio' doestatuto ontol6gico de seus coneeitOs sociais, fundamen-

    tais. "Comunidade" e "personalidade sla vistas C O J D Oconceitos polares. e s a o definidos um em f~ do outre,Uma comunidade real 6 um a assoc~ orginica de per -sonalidadea. mas uma personalidade s om en te p odes er"definida por seu relacionamento com 0Outro", dentro teum a comunidade. Ums penonalidade 6 assim orientada pa-ra 0 pr6x1mo, eendo inerenteJnente antiego{$ta, e CORSO -tuindo-se na verdade na \ 1 n i C a entidade inteiramente capazdeauumir aresponsabilidade por suasa9i5es. Urn "indivfdue", pelo contrmo, 6 dono de um a mera b"berdade,' i.~.,da au~ncia ded~io e fun~o, como a "particula" vivado cora~o de um embriio que Buber observara, atra'ftsdeum micr0sc6pio. As "massas do agregados amorfOlde teis "individuos, e deiX am poUCO tugar, ou m e s m onenhum, so desenvolvimento e a verdadeira preserva~de' genuinas personalidades. A experibcia de Buber ' C O mo que estava acontecendonas ruas das cidades alemis,c o m o surgimento do nazismo, nio ~ alheia as suas reIIe-xOes sobre 0 tema, 0 que 0 faz tentar chegar a conclu-sOes praticas a partir de sua an8lise te6rica. Porem, pro-vavelmente ainda sob a influencia de uma experibcia de

    , , .22. _ C f . ~A VAN DEN SANDT, M. Bubers BIId1lerl4che!aet,g~e't zWISChenden betden Weltlcriegen, 1977; A. E. SIMON,~artm Buber the Educator-,in The Philosophy of M. Buber, op.cu.: e Z. KURT.ZWE.ILL, Marti" Buber e 0Modemo PelUamenloEducaciollQl; Tel Aviv, 1978; em hebraico. Consulte-se tamWmG. SCHAEDER, "Ein bioaraphrischer Abriss, em BriefwechMlpp. 70 e ss. . ,

    /. 23. Em '!itl0, G. Landauer escreveu uma carta a Buber (carta144, vol. I,Bricjwechsel, 4 de, janeiro de 1910), sobre um arupochamado "Gemeinschaft, cuja fmalidadeera a de eriar comuni-dades de estudantes ou a1unOl, indepeodcntea da infIu&ncia ciaI a r e ; a ou do Eatado, com 0 intuito de dar aOi pais 0 direito ~autode~io de' aeua filhoa. Buber &prova a ida.. mas de-elaranio di.,r de tempo ..... cooperar. ', 24. Cf. a carta a F. Roaenzwei, de 14 de setemhro de 1922,citada em RIYKA HORWITZ, Buber' Way to 1 and Thou, p. 228.I

    28 29

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    16/71

    rancias no exterior, principalmente nos Estados ~neutroe. 0 Ultimo texto da praente c o J e t a n e a 6 um a deataapalestras, proferida na su a primeira exCU1'8io a uma Eu-ropa ainda visivelmente abalada peJa a u e r r a . Buber enccn -trou de n ovo s eu v elh o a m i a o e admirador, .o psicoterapeu-ta Hans T rueb e seu grup o, eendo tom ado pc:ll' um a Vel-dadeira sen~ de retorno eo lar. Depois de relatarparte de SUBS proprias diftcUl~ n _ a Palea~, B~retoma urn de seus t6picos favantos, I. e., a unportinciade um a distin~precisa entre pessoa e comunidade, parurn lado e indivfduo e massa, par outro. Ma agora e 1 calveja d,m SUBS setas tanto 0 coletivismo quanto oin.di-vidualismo - as duas formas de organjz~ social emer-gentes com extremo vigor no p6s-guerra.Amboe Bio, paraBuber, "fi~ ou "i1usC5es., e 0 dilema "ou individua-lismo" ou "coletivismo Dada mais 6 que um falso dilema.Buber, agora como dantes, resiste 1 ten~ de proporcomo alternativaurn tereeiro "-ismo", que seria igual -mente ilus6rio,e em lugar disto, encerra .a Sua palestracom um a apologia d o diilogo.

    juventude reportada nos "Elementos do Inter-humano.,Buber proclama a sua .c~ na possibUidade de que,m e s m o no seio de uma coisa tao amorfa e destruidora depersbnalidades com o as m assas, a comunidade p ode sur-gir, d e s d e que 0 homem "encare as massascom dev~,levando em consider89io "seriamente" 0 fatoque etassao tamb6m.' no fim das contas, compostas por homensvivos. Aqui detectamos nio tanto urn otimismo. ingbuoe um a eventual cegue i ra ls desastrosas potencialidades. donazism.o. mas sim 0 ceo de um a convi~ muito anterior:a cre~ na existmcia de. comunidade de "homens quenunca se viram d~tes", que p ode vir a existir como re -sultado da reve~ de urn olhar inesperado.

    A imi~ de Buber parae PaIestina,em 1938, foiinterpretada par a J a u n s de seus correspondentes comourna sorte de ~ pessoal. D io 56 no sentido de es -capar do inferno nazista, ma tamb6m como uma formade alojar-se no seio de um a com unidade . p ela qual dese p reoc;up ava e que s e p r eocu pava par e J e 2 8 . A verdade,por6m. e que Buber permaneceu isolado em seu novoWbitat. E le era incap az de exprimir-se adequadamenten o id iom a hebraicoj nio lh e foi p eim itido - par pressio .do s c ir cu lo s o rta cioxo s - ensinar a su a famosa especia-Udade. a filsofia c ia religiioj S\IU ~ polfticas emfavor de um Estadobinaciona1 foram consideradas comoum a quase-trai~ par um amp lo setor da popu1a~ jU-daica;etc. Is to e mais.; 0 co nh ecim en to . d ireto p or de tra-vado com 0 kibutz 0 levou por fim um a av~ cadaVQ; mais pesaimieta das possibilidades deste tipo .de colo-niza~ - tio encom iado e prezado par. ele - de tar-nar-se um verdadeiro e vivo exemplo de comunidade. Nioe de admirer, pois, que ta o logo desaparecessem os pri-~iros efeitos da guerra. Buber tenha aceitado. entusias-ticamente, os convites recebidos para um cicio de confe-

    25. Quando participava de uma manif~ 0 o Iba r deBober s ub ita me nte e nc on tra -s e c om 0 de utn ator pouc:o conhe-cido. sentado D um bar, e isto le vo u-o a s en tir-s e totalmente des-lipdo da massa humana l qual ele ate entio ~ (relatadoem -Elementos do Inter-bumano, lIesod Si4ch, Jcruaalm., 1963,p. 215 ; em hebraico).26. lito ~ mqistralmeDte ~ pol" H. Hesse, em sua.carta a e u b e r de 2 de fevereiro de 1938 (BmfwhMl. ~ol. n,carta 59l).so 31

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    17/71

    1. NOVA E ANTIGA COMUNIDADEQuando algo novo aparece entre pessoas apaticamenteacomodadas, algo de graves consequencias para 0 futuro,e de natureza desconhecida, algo para 0 qual estas pessoasainda nio possuem nome ou classificacjo e que contrastacom aquilo a que chamam "vida" - com grande podere beleza como se fora a verdadeira vida -, entio geral-mente sua desconflanca hostil se extema atraves da per-gunta: que finalidade tern isto? E normalmente este algonovo, quando quer responder esta questio, toma-se inca-paz de faz8-lo. De fato, 0 criativo, aquele que gera novosmundos, nio sabe 0 que fazer com antigas finalidades eantigas linguagens utilitaristas, pois hi algo nele que trans-cende a toda finalidade. No entanto, se respondesse apergunta: qual a sua finalidade? - diria aquilo que atoda grande arte cabe responder: si-mesmo e a vida. esta a nossa resposta a pergunta de muitos: Que finalidadetern a nova comunidade? - si-mesma e a Vida.A nova comunidade tern como finalidade a pr6priacomunidade. Isto, porem, e a intera~io viva de homens

    JJ

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    18/71

    Integros e de boa tempera na qual dar e tao abencoadocomo tomar, uma vez que ambos sao um mesmo movimen-to, visto ora da perspectiva daquele que move, ora daqueleque e movido. Que homens maduros, ja possufdos poruma serena plenitude, sintam que nso podem crescer eviver de outro modo, exceto entrando como membros emtal fluxo de doacao e entrega criativa, que eles se retinam,entao, e se deixem cingir as maos por urn e mesmo laco,por causa da liberdade maior, eis 0 que e comunidade,eis 0 que desejamos.E a nova comunidade tern como finalidade a Vida.Nao esta vida ou aquela, vidas dominadas, em ultima ana-lise, por delimitacoes injustificaveis, mas a vida que liber-ta de limites e conceitos, pois conceitos sao curiosas andaspara pessoas cujos pes nao suportam a terra por ser dema-siada aspera e selvagem; entretanto, aquele que conseguiu

    situar-se na pr9pria vida, aquele que aprendeu a falar alinguagem da a~ao, festejara sorridente sua libertacao darigidez escravizante do pensamento, ,e ap6s longo afasta-mento, a reunificacao de suas forcas na unidade da vida.Na verdade, ha tambem em homens individuais comunida-de e harmonia de contradicoes que existem lade a lado.Para n6s, porem, que queremos criar a comunidadee elevar a Vida, comunidade e Vida sao uma s6 coisa.A comunidade que imaginamos e somente uma expressaode transbordante anseio pela Vida em sua totalidade. Toda

    Vida nasce de comunidades e aspira a comunidades. Acomunidade e fim e fonte de Vida. Nossos sentimentosde vida, os que nos mostram 0 parentesco e a comunidadede toda a vida do mundo, nao podem ser exercitados total-mente a nao ser em comunidade. E, em uma comunidadepura nada podemos criar que nao intensifique 0 poder,o sentido e 0 valor da Vida. Vida e comunidade sao osdois lados de urn mesmo ser. E temos 0privilegio de tomare oferecer a ambos de modo claro: vida por anseio a vida,comunidade por anseio a comunidade.Isso nos distingue de duas formas antigas de comuni-dade: a economica e a religiosa. A comunidade economica,seja denominada gens, corporacao ou associacao, procurasempre as vantagens da pr6pria comunidade; e mesmo queindividuos sejam movidos por ideias de desenvolvimento,o grupo nao busca outra coisa senao vantagens. E a seita

    busca 0 Deus das seitas; embora Deus possa representarpara os individuos 0 sentido do mundo e 0 etemo idealpara a seita, Ele nada mais e do que as vantagens do so-brenatural. Toda comunidade antiga esta sujeita ao utili-tario; toda comunidade antiga quer somente ser uma ondano fluxo humano que visa vantagens, proveito. N6s, ainda,preferimos, qual riacho bela e selvagem, nos lancar damontanha para 0 vale e desperdicar nossa energia a nosdeixar levar e usar a energia de outrem. Vimos que osfeitos dos homens sao dominados pelo proveito assimcomo sua moral, a qual pretende subjugar os instintos deauto-afirmacao e para isso anuncia 0 interesse dos outroscomo os tinicos validos e proclama todas as normas desua comunidade. E reconhecemos que tudo 0que e pode-roso e transformador, tudo 0 que gerou novas semeadurase que extraiu fogo solar das pedras nlio procurou proveito,mas desejou criar; naO pensou em vantagens mas na be-leza da obra. Se disso resultou algo proveitoso, entao, foicomo extrair 0 suco saudavel do fruto de uma planta; foiisso vontade da planta que deixou confluir sua forca eseu amor na realizacao da sua Vida? Reconhecemos quetudo aquilo que e completo e vivo transcende 0 proveitosoe tudo 0 que e pequeno e apatico deriva do utilitario edo desejo de vantagens; e de n6s que amamos a Vida seapoderaram repugnancia e nostalgia. Oeste modo, serianossa vontade construir um mundo isento de interesses. Ese alguem nos aborda com 0 antigo e corajoso ditado: "anatureza humana nao se deixa mudar", podemos rir doditado e ir adiante, pois mesmo que fosseverdadeiro, istoe, que tivesse tido valor no passado, atingiria tao pouconossa a~ao como qualquer outra abstracao de eventospassados. Em todos os tempos urn novo comeco despertouabstracoes desalentadas e quando se tomou a~ao as des-mentiu e as aniquilou. Porem, se alguem nos aborda como sabio ensinamento: "tudo 0 que e humane tem suaorigem fundamentalmente no proveito", entao podemostranqiiilamente rir desta doutrina, assim como de todateoria, pois, mesmoque fosse verdade (ela nao e), naonos importariamos com 0 "de onde" s6 com 0 "paraonde". Nossa verdade e nosso poder provem do "paraonde" e nao do "de onde".

    Outro aspecto que nos distingue de antigas comuni-dades e 0 fato de nao levarmos em consideracao 0 ditado34 35

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    19/71

    e a teoria. Elas sao reunidas ou por uma palavra que logodeixam se cristalizar em dogma, ou atraves de uma opiniioque nelas logo se transforma em leis obrigat6rias. Aocontrario, nos somos unidos por uma necessidade de vidaq~e liga hom_ensde nosso. tempo, e a diversidade de opi-m~s nos e tao cara e valiosa como para as coisas 0 e avarIed~de das formas e das cores. Aqueles instituem nacomunidade coercao, n6s instituimos nela a maior Iiber-dade. Nio queremos outra certeza comum senae a maisvaliosa de todas, a certeza da obra. Nao queremos outraverdade comum senao aque1a da palavra de Goethe: "s6o que e fertil e verdadeiro". N6s estamos na Vida isto ealem do dogma, seja 0 dogma afirmativo, seja 0 n~gativo:para alem das palavras de fe que iludem a Vida. Substi-tuimos 0 dogma pela revelacao pessoal de vida de cada~~viduo que e mais verdadeira do que ele, porqueevivida uma ~ez enquanto 0do~a nunca 0e . Substituimosas palavras Ciaie e do conhecimento pela palavra da arte;esta confere a essencia do mundo em toda sua infinitude,enquanto as palavras da fe e do conhecimento nio passamde remodelacao de uma pequena parte do mundo. Porem,pelo fato de nio estarmos unidos por alguma concepcaocomum, mas por uma vivencia comum, e porque estavivencia surge em muitos homens atualmente, por issomesmo muitos destes que n6s nunca vimos e dos quaissabemos tao pouco e que de n6s tao pouco sabem, estaovinculados mais profunda e completamente a n6s do quealguns que vemos todo dia, mesmo que partilhem nossaopiniao sobre isto ou aquilo, enquanto que os primeirospossuem outros horizontes e pensamentos. Esta rara e de-cisiva vivencia e aquela que Gustav Landauer descreveunas seguintes palavras: "Quando n6s nos isolamos pro-fundamente, quando, como individuos, mergulharnos pro-fundamente em n6s mesmos, entao, por firn, encontramosno amago de nosso mais secreto ser a mais antiga e univer-sal comunidade: com 0 genero humane e com 0 cosmos".Nossa nova uniao nso e outra coisa senao expressao vivade nosso sentimento desta comunidade mais ampla. Nossavida se consome em lutas e dtividas; nas horas silenciosase solitaries, todos os nossos esforcos nos parecem semsentido e ponte nenhuma pareee conduzir de nosso ser aogrande Tu que sentimos estender-se ate a infinita escuri-dao em torno de n6s. Entao surgiu esta vivencia como

    36

    misteriosa festa de nupcias, e fomos libertados de todasas barreiras e encontramos 0 inefavel sentido da vida.Destas vivencias de alguns homens, surgiu uma NovaComunidade como fruto e confirma~ destas vivencias.Muitos outros a vivenciaram e, em horas de consagracaoe no sentimento de coessensialidade e de venturosa fusiacorn todas as coisas noespaco e no tempo, muitos seuniram numa cristaliza~o do momenta em urna brevecomunidade solene. Alguns. no entanto, quiseram vivero ideal - 0 desenvolvimento da maior individualidade apartir da mais intima comunhao, Eu creio: e1es podereovive-lo, No ideal, todavia, eles viverao ao mesmo tempoo sentido da vida humana, 0 livre crescimento e a cria~oda personalidade, 0 sentido do universe, a infinita unidadedo devir. Na verdade "solidao e finitude e limita~ao, co-munhao e liberdade e infinitude". Assim 0 individuo en-contra a natureza na qual ele brincou como crianca demodo irrefletido, na mais pura alegria, e da qual sedistanciou para voltar sobre si mesmo, em forma humanae em estagio mais avancado do desenvolvimento, de modoque ela lhe proporcione a realizacao de sua mais intimaessencia.o genero hurnano experimenta 0 mesmo desenvolvi-mento de comunidade para comunidade. Isto se nos imp6equando procuramos responder a pergunta: como a NovaComunidade se relaciona com a sociedade contemporaneaque por sua vez naseeu de uma comunidade?Em conhecida obra socio16gica, a comunidade "cujoregulador originario foi 0 instinto natural" e definida emsua essencia como pre-social "enquanto a sociedade quederiva suas regras de forma de vida em comum, como deuma convencao externa, mesmo que seja rudimentar, echamada com todo direito uma formacao social". Tudoisto sao meras palavras. Se levarmos esta linguagem emconsideracao, entao, nesse sentido seremos anti-sociais. Emoutra obra afirma-se que "a vida social e a vida em comumde homens regulamentada de fora". Quem nos compreen-de percebera 0 que existe entre esta assim denotninada"vida social" e a nossa Vida. Aquilo a que aspiramosnao e regulamentacao extema, mas formacao interna. Aforma de vida humana em comum nao pode ser impostade fora sabre grupos humanos ativos; ela deve emergir

    37

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    20/71

    do interior em cada tempo e lugar. Somente quando 0alegre ritmo da vida veneer a regra, somente quando aeternamente fluente e variavel lei interna da Vida substi-tuira convencao morta, a humanidade estara livre dacoercao do vazio e do falso, 86 entao encontrara a verda-de, pois "00 0 que e fertil e verdadeiro". A Nova Cornu-nidade quer .preparar ativamente 0 caminho para estaverdade.

    Porque ela quer isso, porque ela quer dar 0 exemplode novas formas de vida em comum para a humanidade,por isso ela refuta com a imediatez cristalina da ayaOaquela teoria segundo a qual a comunidade seria essencial-mente pre-social. Nossa comunidade deve, antes, ser carac-terizada como pos-social, uma vez que ela ultrapassa asociedade e suas normas, e se sustenta sobre bases corn-pletamente diversas. Ela nao quer reformar; a ela importatransformar. Pdt-em, mesmo isso ela nao quer realizaratraves de algum tipo de influencia sobre 0 existente, poisela quer viver. J a nos falaram por longo tempo que naose pode construir sem antes ter destruldo. Agora enten-demos que isso e radicalmente falso. Ha ainda lugar vagona terra para novas moradias e novos santuarios, Nao que-remos instalar nos so Mundo no torvelinho das cidadesonde, se se quiser construir casas, deve-se antes demolirvelhos rebotalhos; queremos ir bem longe, a uma terracalma e acolhedora, queremos procurar um solo forte evirgem, de modo que 0amor livre da natureza florescentee 0perfume fortificante da terra suculenta circunde nossacasa. LA podemos construir sem precisar destruir antes,crendo calma e firmemente que, enquanto houver homensque queiram construir, havera lugar livre para faze-lo -nao importa de que maneira este lugar for liberado. Destemodo, nossa comunidade nao quer revolucao, ela e revo-lucao. Ela ultrapassou, porem, 0 antigo sentido negativode revolucao. Para n6s, revolucao nao significa destruircoisas antigas, mas viver coisas novas. Nao estamos avidospor destruir mas ansiosos por criar. Nossa revolucao signi-fica que criamos uma nova vida em pequenos cfrculos eem comunidades puras. Uma vida na qual 0poder criadorarde e palpita de tal modo que ela se torna uma obrade arte tao resplandecente na forma e tao sonora emharmonia, tao rica em seu doce e secreto poder magico

    como nenhuma vida anterior; a nova arte que cria a tota-lidade da totalidade oferece a cada dia uma festiva consa-gracao divina. Nesta nova vida homens que, pela especia-lizacao da sociedade contemporanea, se tenham tornadoorgaos com uma funcao estritamente bem definida e que,para poderem viver, devem conformar-se com esta funyao,serao novamente homens capazes de haurir da plenitude.Tais homens nao se associarao mais como antes, pelofato de homens especializados dependerem mutuamenteum dos outros, mas se encontrarao por amor, por anseio-de-comunidade e por pr6diga virtude.

    Os homens que na atual sociedade foram atirados emuma engrenagem movida pelo proveito, de modo 0 atro-fiar sua criatividade livre sob 0 juga do trabalho quevisa 0 proveito, serao, nesta nova vida, elevados it novaordem de coisas, onde reina nao 0 principio utilitario, maso principio criador e libertador de suas forcas subjugadas.Nesta nova vida renascera, nao s6 a plurieomunidade nu-ma forma ainda mais nova, mais nobre e pura, mas tam-bern, e, atraves dela, e nela, a bieomunidade; e a solidaodas mais ealmas horas de contemplacao e de eriayao reeo-brara urn novo e mais rico colorido, Cada um viveraaomesmo tempo, em si-mesmo e em todos.

    Assim a humanidade que teve sua origem em umacomunidade primitiva obscura e sem beleza e passou pelacrescente escravidao da "sociedade", chegara a uma novacomunidade que, diferentemente da primeira, nao teramais como base laces de sangue, mas laces de escolha.Somente nela pode 0 antigo e eternamente novo sonho serealizar. E mais, a unidade instrutiva de vida do homemprimitivo que foi dividida e decomposta, durante tantotempo, voltara sob novas formas em um nivel superiore sob a luz de uma consciencia eriadora e, assim, a novacomunidade sera fundada ao mesmo tempo entre os homense no individuo.

    38 39

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    21/71

    2. PREFACIO A COLE~AO: "DIE GESELLSCHAFT"o problema tratado pela colecao e 0do inter-humano.Seu conteudo consiste em todas as formas, estruturas eaes da vida comunitaria dos homens. A perspectiva queatua nela e a psicossocial.o inter-humano e aquilo que acontece entre homens,em que estes tomam parte como em um processo impessoal,aquilo que 0 individuo vivencia como seu agente e pa-ciente da a'tso; nso se restringe, porem, exclusivamentea isto.o inter-humano s6 pode ser concebido e analisadocomo sintese do agir e do suportar a a'tso de dois oumais homens. Este fazer e sofrer se entrelacam mutua-

    mente e encontram um no outro oposicao e equilfbrio. Doisou mais homens vivem mutuamente, is to e, se defrontamem relacso recfproca, em a'tso reciproca. Cada relacao,cada a'tso reciprocas entre eles podem ser denominadassociedade. A funcao da sociedade eo social ou, mais con-cretamente, 0 inter-humano.41

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    22/71

    o que um homem pode conseber e definir como seucirculo existencial, sem precisar postular a existencia deoutros seres que tern fim em si mesmos, e 0 humano emsi ou 0individual. E esta a funcao do individuo. 0 pro-blema do inter-humano repousa sobre a existencia dediversos seres individuais que tem um fim em si, vivemcomunitariamente e agem uns sobre os outros. 0 proble-ma nao retoma 0 fato da individualizacao - da existenciade seres individuais de caracteristicas diferentes - ele naoa coloca novamente como problema, mas a aceita comotal e se constroi a partir dela.o inter-humano se manifesta em determinadas formase gera determinadas estruturas. As suas formas sao adominacao e a subserviencia, a cooperacao e a contra-cooperacao, os grupos, os estratos, as classes, as organiza-~6es, todas as formas de associacoes, naturais e normati-vas, economicas-e culturais. Asestruturas do inter-humanoSao as manifestacoes objetivas da coletividade humana, osvalores, os elementos de mediacao espiritual e economica,os responsaveis reais da producao, as criacoes comuni-tarias da cultura, todos os produtos da associacao. As for-mas e as estruturas compoem a estatica do inter-humano.Af nao sao incluidas as acoes, mutacoes e revolucoes davida social - que alias constituem a dinamica do inter-humane - representaveis numa justaposicao momentanea,mas sim as que se desenvolvem no tempo.

    A sociologia e a ciencia das formas do inter-humano.Suas estruturas serao tratadas pela Etica, pela EconomiaNacional, pela Teoria do Estado, pela Filosofia do Direi-to etc. As acoes do inter-humano sao objeto da Hist6ria:daHistoria Economica, da Hist6ria Social, da Hist6ria daCultura.Todas estas disciplinas nao podem prescindir do psi-cologico, se nao quiserem desligar-se completamente dasrafzes da vida vivida; fora de sua esfera se erige 0 pro-

    blema propriamente psicologico que exige consideracao etratamento especificos. Formas sociais, estruturas e acoes,sao expressao e origem de processos espirituais e, nesteambito, devem ser examinadas. Se se permanece em suaimagem externa, em sua estrutura, em seus contextos, emsua causalidade, a essencia da sociedade permanece inex-

    plorada. Somente quando a compreendemos como viven-cia de almas, avancamos para a suaessencia,o social se formapor percepcoes e manifestacoes davontade e desperta novas percepcoes e manifesta-~6es da vontade. Ele se passa em cfrculos espirituais e,tendo em vista seu sentido, nao e nada senao alma. 0 queacontece entre homens, acontece entre elementos psiquicoscomplexos e s6 assim e compreensivel. As formas sociaistern seu sentido ultimo no fato de que elas distinguem asalmas humanas uma das outras e as tornam semelhantesentre si. As estruturas sociais sao igualmente acumulacoesde forca espiritual de muitos homens que se encarnam emmuitas almas e se transformam neIas em conteiido pessoal.As acoes sociais sao essencialmente transformacoes da vidaespiritual em ritmo, tempo e intensidade de manifestacao.Deste modo, 0 problema do inter-humano e , no fundo, 0problema psicossocial, seu objeto e 0 social, visto comoprocesso psfquico,

    Qual e 0 sujeito deste processo? Onde esta 0 eu queo vivencia? Onde repousa 0 direito de separa-lo do ambitoda psicologia individual?Certamente nao existe uma alma social que se colocaacima da alma individual. E evidente que 0 psicossocialtambem acontece nos complexos psiquicos, os chamadosindividuais. Para justificar este fato diante do direito dedemarcacao especial, costuma-se acentuar um momenta

    genetico ou metodol6gico, a saber, que os fenomenos psi-quicos, aqui considerados, s6 sao possiveis na medida emque 0 individuo se encontra em estado de socializacao e,que estes fenomenos s6 podem ser considerados neste esta-do. Mais significativo ainda e outro ponto. Sem diivida,o processo psicossocial se efetua em seres individuais, masnao 0 processo todo em cada ser individual. Ele nao secompoe de muitos eventos do mesmo tipo, dos quais cadaum teria urna alma humana como sujeito. Ao contrario,ele se constitui de eventos de varies tipos, os quais con-juntamente 0 constituem como tal, dos quais relacao,intercambio, e comunidade e 0 inter-humano, 0 indivfduovivencia em si nao algo como urn exemplar. mas uma partedo processo, Freqiientemente esta relaeao fundamental eofuscada de modo que esta multiplicidade sera represen-tada nao por indivfduos mas de novo por grupos no seio

    42 43

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    23/71

    dos quais reina, para uma observacao mais apurada, umadiferenciacfo nova e mais sutil, As vezes isso e quaseimperceptivel, como em certos fenomenos de massa. Emrelacoes duais, como, por exemplo, na relatriio homem-mulher, 0 fato e bem evidente. Isto constitui mais do quequalquer outro momento a autojustlficacao do ambito dointer-humane,o problema psicossocial pode ser tratado e observadode duas maneiras distintas. De urn lade representa as di-versas formas basicas do processo psicossocial, isto e , parase empregar uma classificacao comum, as representacoessociais, os sentimentos e os desejos devem ser ordenadose analisados sistematicamente. A psicologia social, a quese chega por esta via, pode, naturalmente, ser obra de umindivfduo apenas. De outro lado, entao, as diversas formas,estruturas e a;esdo inter-humano devem ser apresenta-das e nelas todas deve ser evidenciada a essencia do pro-cesso psicossocial. Por pertencer aos mais diversos setoresda vida, a colecao em colaboracao se oferece para suaapresentacao geral de forma adequada. Se lograr exito, elapode, sem diivida, valer como um trabalho preparat6rio.para uma psicologia social a ser escrita. :3 . P) LAVRAS A J!POCA

    Primeira Parte: "PRINe/PI~S"

    o homem e a criatura na qual a imagem divina daexistencia universal e realizada nao simplesmente comosonho, do mesmo modo que em outras criaturas, mascomo dons naturais que ele ambiciona desenvolver. A for-ma pela qual e capaz de desenvolver em si mesmo a exis-tencia universal e 0 vinculo total. A imagem, a "filiali-dade" se efetivam no homem que realiza em sua essenciae em sua vida 0vinculo total; este homem se tomou "filho'de Deus". Todos os homens sao iguais nesta possibiIidadeque se abre, sem cessar, por ocasiao de cada nascimentohumano; eles sao livres na sua realizacao. 0 elementomatemo do vinculo total e a terra; a forma originaria desua atuacso e 0 trabalho; a forma espiritual de sua atua-Cao e a ajuda; sua fala, 0 espirito; sua construcao, a co-munidade.

    44 45

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    24/71

    A terra, bem natural e dadiva original, e proprieda-de de Deus, e, portanto, propriedade comum a todos.Nenhum individuo pode Iegitimamente te-la como proprie-dade, nenhum direito de divisao e de medida pode impor-se sobre ela; eia pode ser possuida somente como conces-sao da comunidade a pessoa.

    unidade notuma com a vida de todos os mortos, da uniaocom 0 mundo, necessaria pela sua inerencia espacial, 0homem se dirige ao Absoluto, trabalha 0espirito. Ondenao existe isso, 56 pode estar agindo uma aparencia deespirito, um nao-espfrito. Todo espirito autentico anseiapor religiao, nao. por sentencas de fe ou receitas, mas poruma saudacao comum a Deus por homens que nesta sau-dacao encontram-se e salvam-se mutuamente. Todo espiri-to autentico quer inserir-se na comunidade; nao na con-fusao ordenada, seja estatal, seja eclesiastica, dos contem-poraneos, mas na construcao da verdadeira vida comuni-taria fundada sobre a terra comum de Deus por um tra-balho santificado, por uma santa esperanca e por umsanto espirito. Todo espirito autentico trabalha 0 futuroabsoluto; e pressentimento, proclamacao, preparacao; re-vela 0 dominic puro do incondicionado no confuso pre-sente. Por isso, assim como a religiac, a comunidade, senao quiser cristalizar-se deve aprofundar-se incessante-mente na renovacao do espirito.

    o trabalho, a~ao estimulante e formadora do homemsobre a terra e seus tesouros, e culto a propriedade deDeus. 0 trabalho conserva este seu sentido e sua consa-gra~o somente quando 0 homem, como em todo cultoautentico a Deus, 0 realiza nao s6 atraves de algumas fun--rOesde seu corpo, mas com todo 0 seu ser e sua vontadeessencial. Qualquer outre tipo de trabalho existe apenascomojusto sacrificio exigido pela comunidade; impostopor forcas especiais significa mau usa da santidade.

    A ajuda, arrao generosa e apaziguadora do homemcom as criaturas e particularmente nobre e construtivapara com os homens, e a representacao de Deus atravesde n6s, e a administracao da funcao divina. 0 ajudantepermanece sempre no lugar de Deus, a criacao se repeteem seu ato: mao prestativa que concede existencia ao pos-sivel. Aplicada ao homem, a ajuda apenas comecou en-quanta significa somente a satisfacao de uma necessidadee nao tambem sua intensificacao e elevacao. 0 autenticoajudante educa visando necessidades elevadas e a cons-ciencia da mais intima fragilidade e do mais intimomandamento, tendo em vista 0 anseio de perfeicao. Todaajuda verdadeira e educacao e toda educacao autentica eajuda para a autodescoberta e para 0 autodesenvolvimento.A plenitude da verdadeira ajuda e 0 sinal da liderancacomo designio de Deus. A comunidade pode ser govemadasomente por Deus e dirigida somente pelo portador desua ordem, pelos ajudantes mais solicitos e mais capazespara a ajuda.

    A comunidade e uniao de homens em nome de Deusnuma instancia viva de sua realizacao. Tal uniao podeefetivar-se somente quando homens se aproximam uns dosoutros e se encontram de modo imediato, na imediaticidadede seu dar e de seu receber. Esta imediaticidade existeentre os homens quando sao retirados os veus de umaconceitualidade ditada pela procura de proveito, veus quenao permitem ao individuo manifestar-se como pessoa mascomo membro de uma especie, como cidadao, como mem-bro de uma classe; a imediaticidade existe quando eles seencontram como iinicos e responsaveis por tudo. S6 entaopode haver abertura, participacao, ajuda. Quanto maispura a imediaticidade, tanto mais autenticamente pode acomunidade realizar-se. A comunidade pode, a partir darelacao entre duas ou algumas pessoas, tornar-se 0 funda-mento da vida em comum de muitas pessoas. Mesmoassim, contudo, the sao colocados limites espaciais cujaultrapassagem representa 0 infcio da diluicao do conteiidoda imediaticidade: a forma legitima da comunidade comoconstrucao social e a comunidade concreta. Se a uniaoentre as homens acontece sob 0 signo da terra, surge acomunidade de vila que administra 0 solo comum; se ao espfrito e a saudacao do homem a Deus. Sua origeme sempre 0 sentimento essencial do vinculo total. Somentea partir do segredo da grande solidao, da transbordante

    46 47

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    25/71

    uniao acontece sob 0 signo do trabalho, surge a coopera-tiva que se dedica a obra comum; se a uniao acontece sobo signo da ajuda, surge a camaradagem que aspira emcomum a realizacao pela educacao mutua; se a uniaoacontece sob 0 signo do espfrito, surge a fraternidade queinvoca em comum 0 Absoluto, 0 proclama e 0 celebra.Estas quatro .especies de comunidade e seus tipos corres-pondentes de lideranca podem fundir-se e articular-se dediversas maneiras.

    quando os homens forem reunidos em comunidades con-cretas e estas em sistemas comunitarios e estes se reuni-rem uns aos outros. Segundo as mesmas leis, de modoimediato, sem os veus de uma conceitualidade ditada pelaprocura de proveito, a partir do desejo de se ajudarem mu-tuamente para 0 aperfelcoamento em nome de Deus.Assim, nenhum: outro caminho leva a esta realizacao anao ser a construcao de verdadeiros sistemas comunita-rios, e atraves disso, a exaltacao do nome de Deus acimados povos.

    o sistema comunitario e a legitima umao de umapluralidade de comunidades concretas de todo tipo, assimcomo a comunidade concreta e a legitima uniao de umapluralidade de homens e se forma pelas mesmas leis doencontro rmituo em nome de Deus, da imediaticidade, daajuda e da Iideianca: as comunidades concretas se relacio-nam do mesmo modo que seus membros 0 fazem. Elas saoas celulas com as quais se constroi 0organismo do sistemacomunitario. Uma grande associacao de homens pode con-siderar-se um organismo e ser denominada sistema comuni-tario somente se e enquanto for construida com aquelascelulas vivas e formadas com a imediaticidade da vida emcomum. Se elas morrem, a associacao se mecanizara emEstado, sucedaneo da comunidade, que se mantem pelaforca. Com 0 crescimento do exclusivismo do Estado,aumentara necessariamente a distancia entre Deus e oshomens e a aversao do homem por Deus; entao, sua uniaoem nome de Deus em um lugar vivo de sua realizacaosera reprimida e substituida por uma uniao sem vida esem Deus. Enquanto 0 Estado, por sua propria essencia,desconhece qualquer limite que Ihe seja imposto, e porisso, somente e impedido de violar outros Estados pelotemor da forca destes, 0 sistema comunitario tem limitespara alem dos quais a uniao de comunidades nao pode rea-lizar-se. 0 mais importante destes limites e dado atravesda raca, vale dizer, atraves do carater comum do tipode alma e de forma de vida que facilitam uma uniao maisestreita.

    o nome de Deus e hoje novamente desconhecido eselado. Somente a a~ao pode desvenda-lo.. Segunda Parte: "eOMUN/DADE"

    E desde que a cultura toda transfor-mou-se em civiliza~iio societaria e estatal,a propria cultura, nesta sua forma trans-formada, chega ao fim; a nao ser que suassementes esparsas permanecarn vivas e aessencia e as ideias de comunidade sejamrealimentadas e se desenvolvam, secreta-mente, no seio da cultura.

    TOENNIES, Comunidade e Sociedade.Socialismo e urn retorno; socialismoe urn novo comeco; socialismo e urn novovinculo com a natureza, uma nova reali-za~ao com 0Espirito, uma recuperacao darelacao , .. Os socialistas querem reencon-

    trar-se novamente em comunidades.LANDAUER, Apelo ao Socialismo.Ha urn so meio: a transformacao reli-giosa da alma humana.TOLSTOI, Didrio, 21.3.1898.

    A -legitima umao de sistemas comunitarios deve serchamada humanidade. Ela pode ser estabelecida somente

    Afirmar que a moderna cultura ocidental percorreuum caminho da comunidade a sociedade, e que 0 tipo me-canico de vida em comum impregnou e dissolveu 0 tipoorganico, representa a mais moderna compreensao da novasociologia, entendida como urn autoconhecimento ge-48 49

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    26/71

    netico da humanidade contemporanea'. A comunidade ea expressao e 0 desenvolvimento da vontade original, natu-ralmente hornogenea, portadora de vinculo, representandoa totalidade do homem. A sociedade e a expressao dodesejo diferenciado em tirar vantagens, gerado por pensa-mento isolado da totalidade. Sobre a primeira, consta emuma descricao da era correspondente da cultura chinesao seguinte: "naquele tempo nada foi feito assim, tudo eraassim": sobre a segunda: "dominado 0 impulso da natu-reza, entrega-se it razao, Razao trocou-se com razao, poremnao se pode mais levar 0 imperio it fonna". Comunidadee a Iigacao que se desenvolveu mantida intemamente porpropriedade comum (sobretudo de terra), por trabalhocomum, costumes comuns, fe comum; sociedade e a sepa-racao ordenada, mantida extemamente por coacao, porcontrato, convencao, opiniao publica. "Os homens eramurn com sua especle" e "entao, veio a confusao entre oshomens" - assim diz a descricao chinesa das duas eras.A cidade medieval e a forma representativa da comuni-dade, a grande cidade modema e a forma representativada sociedade. A primeira - a comunidade - e a tenta-tiva monumental, desenvolvida it mane ira de uma cate-dral, de

    manifesta-se fatalmente a decomposicao do "caminho" pelo"mundo".Neste momenta intervem, em sua forma dominante,o socialismo modemo que pretende veneer a atomizacao ea amorfizacao da vida contemporanea de modo a propor-cionar ao mecanismo do Estado um poder abrangente que

    regula e dirige, de maneira unifonne, tanto 0 trabalho comoo comercio. Este socialismo se considera 0 portador e 0executor de um processo de desenvolvimento que, todavia,000 e outro senao 0 processo de desenvolvimento da co-munidade it sociedade que ele vem promover e concluir.Pois aquilo que ainda hoje subsiste da autonomia da esfe-ra organica da vontade deve ser eliminado sob a a~odesta tendencia, Com 0 mal da atomizacao uma vez ple-namente realizada, seria do mesmo modo tambem abolidoo bern da "comunitariedade" (Gemeinschaftlichkeit) es-pontanea que ainda perdura em instancias isoladas. Naose trata de urn erro ou urn engano: e a Iogica imanentede uma ideologia hist6rica. Na verdade, esta deseja recons-truir a sociedade segundo 0 preceito da [ustica, mas 0pre-ceito espiritual, em virtude do poder total do Estado, setomaria a lei que controlaria tudo, lei esta que, pela Iogicade sua autoridade, deveria levar it destruicao 0 raro flo-rescer milagroso da justica livre e nobre. 0 Estado doabsurdo geral no qual vivemos ate agora foi urn tiranotremulo de febre, cujas convulsoes significam 0 sofrimentoe a ruina de milhoes, em cujo reino, porem, a sagradacrianca - a comunidade - livre do poder deste EstadoQU por este desconhecida, foi protegida na reclusao dasconfederacoes e das confrarias. 0 Estado de ordem socia-tista, tendo alcancado uma soberania indiscutivel, seriaurn govemo impassivel e soberano em cujos dominies naoseria tolerada nenhuma exploracao do homem e onde aque-les que nasceram como fins nao seriam degradados a me-ros meios, mas tambem em cujos domfnios nao haveriamais lugar e refugio para a comunidade.

    A comunidade, outrora em casas e em aldeias, emcidades e em provincias, em corporacoes e confrarias, foia condicao geral, 0principio que fonnou e afetou em seuamago a vida em sua totalidade. Hoje ela existe somentequase como algo pessoal, como urn feliz alvorecer da ver-dade entre os homens e persiste em formas duradouras -

    organizar uma associacao estreita para ajuda e assistencia rmituas,para 0 consumo e producao e para toda vida social, sem imporao homem as algemas do Estado, mas sob a total protecao daliberdade para a expressao do espirito criador de cada grupoparticular de individuos (Kropotkin) .

    A segunda - a sociedade - e uma unidade organi-zada com aparencia mecanica, mas que e, na realidade,uma massade pessoas livres, que entram, sem cessar, em contato direto umascom as outras, que efetuam trocas e trabalhos, sem que se formeentre elas a comunidade ou a vontade comunitaria, a nao seresporadicamente ou como residuos das condicoes passadas queainda sao basicas (Toennies).

    Aqui aparece, atraves de terriveis sinais, a dissolucaoda comunidade pela sociedade; segundo 0 ditado chines,, I. A formulacao basica desta compreensao e apresentada naobra de FERDINAND TOENNIES, Comunidade e Sociedade,1887.50 51

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    27/71

    em geral em estruturas decaidas ou decadentes - nas quaiso Estado contemporaneo nao pode ou nao quer tocar. Estasestt;Uturas, sejam elas denominadas comunidades, coope-rativas ou algo semelhante nao conseguiriam resistir aopoder abrangente do Estado socialista radical.o declinio da comunidade representa, por isso, umaevolu~ao inevitavel? Ou e possivel um retorno a ela?Na descricao do processo de decadencia da comuni-dade na China, ao qual aludi, apresenta-se a resposta:"os homens nao podem mais retornar ao impulso da natu-reza, ao estado originario ou it condicao primordial".

    Na realidade, nos que passamos pela era do individua-lismo, pela separacao da pessoa de sua interdependencianatural, nao podemos mais voltar para aquela vida emc~munidade. Pois, nao foram pessoas isoladas que se asso-clar~, mas, ~I!t~s; uma totalidade se manifestou na idi-versidade de indivfduos, conservando-os em vinculos es -treitos e sagrados; assim como nas grandes poesias nao eo verso que aparece como jun~ao de palavras, mas sao aspalavras que se mostram como a separacao da unidade ori-ginal do verso. N6s nao podemos retomar it totalidade pri-mordial; podemos, no entanto, avancar para outra totali-dade, produtiva, que nao se desenvolveu como a primeira,mas que e, sem duvida, feita com material espiritual verda-deiro e que, portanto, nao e menos autentica. Assim, umaobra de arte perfeita e de especie essencialmente diferen-te daquela da natureza, mas em virtude de sua autenti-cidade e tao organica quanta uma parte desta mesmanatureza. Somente 0 que vacila entre os dois carece deforma digna de fe. Assim, uma construcao que erigimossobre nos como suportes confiaveis, com dedicacao cor-reta e com absoluto desprendimento de toda arbitrarie-dade sequiosa de vantagens nao seria inferior it florestavirgem da qual, outrora, fomos desligados. Sem diivida,nao podemos voltar a uma etapa anterior it sociedade me-canizada, mas podemos ir alera dela para uma novaorganicidade. Nao podemos reconstruir 0 crescimentoprimitivo, mas podemos preparar 0 caminho de uma novaorganizacao social, em que 0 principio a partir do qualtal crescimento surgiu retorna it atividade consciente. Acomunidade e a sociedade sao ambas expressao e desen-volvimento de tipos de vontade. Nao possuimos mais a

    vontade global em sua forma natural; perdemos de formairreparavel a sua unidade vegetativa. Entretanto, nansentimos nos, para nas horas puras da vida, comoforcas soterradas se movem em nos para formar umanova unidade nascida do espirito, urna nova vontadeglobal vitalmente consciente? 0 pensamento isolado dotodo transformou esta "vontade de ser" em "arbitra-riedade"; a partir de uma integridade de espfrito jaconquistada, que deve incluir 0pensamento, a "vontadede ser" pode ser revivida em urn estagio posteriordo ser transformado. Nossa vida comunitaria naoe maisurn "viver-um-no-outro" primitivo, mas urn "viver-ao--lado-do-outro" ajustado. Nao experienciamos, porem, tan-tas vezes que um autentico olhar encontra seu parceiro demodo que, tambem para nos, 0Tu e primordial e 0 "um--ao-outro" e sagrado? A alma da antiga unidade da espe-cie repousa, como na penumbra em nosso intimo e naosabe se se aproxima a noite ou urn novo dia. As teoriasda evolucao de toda especie predizem a primeira, uma pe-quena centelha dentro de nos anuncia silenciosamente 0segundo e nao quer desistir. Aquelas teorias sao susten-tadas por todo 0 conhecimento historico, parecem inata-caveis, No entanto, na medida em que somos series e naonos deixamos intimidar, a pequena centelha brilhara maisdo que todos os far6is. 0 evolucionismo e, sem diivida,titil para uma observacao ordenada do passado; se sequiser demarcar 0 caminho do futuro com sinais indica-dores deve-se esperar que uma nova geracao, capaz detomar decisoes, enfrente 0 grande experimento que, aoassim proceder, ja comeca a refutar 0 proprio evolucio-nismo.A analise de um desenvoIvimento desastroso s6 podereforcar nossa decisao - que parece necessariamenteparadoxal e sem fundamento na perspectiva historica -de colaborar para que a mudanca interior, a verdadeirarevolucao aconteca. Ao socialismo que promoveria e rea-lizaria aquela evolucao, se contrapoe urn outro socialis-mo que deseja domina-la e supera-la. 0 primeiro pode sero produto e 0 auge ideologico de um grande processosocial; 0 segundo, a preparacao e 0 amincio de um grandeprocesso religioso. Nao e a primeira vez que forcas re-ligiosas intervem numa crise de forcas sociais de modorenovador e libertador.

    52 53

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    28/71

    Na verdade, nao e urn movimento que surge hoje con-tra a cambaleante voracidade de poder e contra a febrilambicao de poder dos dias atuais. Sao dois movimentosbern distintos. Urn, de superffcie, visfvel e eficiente e queestabelece c1aramente seus fins, baseia-se no primado daeconomia como satisfacao ordenada das necessidades hu-manas conduzida pela luta de uma classe, economicamentedesfavorecida, em prol da eliminacao da desvantagem. Estaluta, porem, se desenvolve naturalmente em luta pelopoder externo, pelo controle do Estado, e deste modo seexpoe ao fogo da voracidade e da ambicao. 0 outro movi-mento subterraneo, visivel somente a urn olhar mais pro-fundo, e ainda ineficaz no mundo das coisas, articulandode modo singular 0 seu sonho, baseia-se no primado doespirito como a demonstracao criadora do desejo ardenteque 0 homem tem de Deus; e conduzido pela aspiracaoque sente toda humanidade autentica pela comunidade co-mo manifestacao" de Deus que e de novo desconhecido.Tal aspiracao, naturalmente, nunca podera converter-seem aspiracao de controle sem anular-se a si propria; e,muito mais, ela so pode realizar-se no poder interior dedespertar e conduzir as almas umas as outras. 0 primeiromovimento quer apoderar-se do Estado e instalar novasinstituicoes no lugar das existentes, e assim, julga trans-formar, com isso, as relacoes humanas em seu Intimo. 0segundo movimento sabe que a substituicao de instituicoesgerais pode ter urn verdadeiro efeito libertador somente sepromover a reorganizacao da verdadeira vida entre os ho-mens de modo estimulante, esc1arecedor e unificador. Averdadeira vida entre 0homem e seu semelhante nao sepassa, no entanto, na abstracao do Estado, mas essencial-mente la onde existe uma vitalidade da coexistencia espa-cial, funcional, emocional e espiritual, a saber, na comu-nidade, precisamente na comunidade da aldeia e da cida-de, da cooperativa de trabalho e da oficina, da camarada-gem, da uniao religiosa. Esta verdadeira vida esta hojeprejudicada, reprimida, posta de lade: 0 Estado ho-rminculo sugou 0 sangue das veias da comunidade, e destemodo governa, exuberante, corpo exangue, em toda suaabstracao e mediatez, como se fora urn ser vivo e nao urnartefato. A aldeia e a cidade comunitarias se degene-raram em membro de urn aparato administrativo, a coope-rativa em instrumento de urn partido economico, a cama-

    radagem em associacao, a uniao religiosa em par6quia. necessario dar novamente a tudo isso sangue, forca, reali-dade de pleno valor; e necessario libertar a verdadeiravida entre os homens. Atualmente, a sociedade e um orga-nismo de celulas agonizantes, uma realidade fantasma, urnorganismo dissimulado pelo funcionamento confiavel deurn mecanismo aparentemente organico feito de partesaltamente eficientes, a saber, 0Estado. 0 mecanismo podeser levado a perfeicao de uma ordem absolutamente eficaze seu sistema de movimento pode se assemelhar de modoindistinguivel ao organismo vivo. Mas, entao, as celulasmorrerao completamente. Somente do interior, pela rea-nimacao do tecido celular pode realizar-se a cura e a reno-vacao. A comunidade em todas as suas formas deve serenriquecida com nova realidade, com a realidade das rela-yoes, puras e justas, entre os homens, de modo que, dauniao de autenticas comunidades, surja urn verdadeiro sis-tema comunitario que observa, sorridente, como a engre-nagem enferrujada se transforma, pedaco por pedaco, emsucata.

    Urn imenso desejo de comunidade penetra todas asalmas de pessoas nobres neste momento vital da culturaocidental. Nao se esta mais, como outrora, envolvido naitnediatez da relacao mutua e encerrado numa associacaonatural na qual se esta em uma inter-relacao segura e evi-dente, de modo a se poder tranqiiilamente afastar-se delapara uma solidao positiva. Ao contrario, entregues as celu-las decadentes da sociedade, abandonadas a urn radical de-samparo no meio do mecanismo, experimentando esta soli-dao negativa necessariamente como absoluta, como aquiloque 0 religioso chama "distancia de Deus", carencia deDeus, aquelas pessoas almejam a comunidade, anseiam porela, querem servi-la. Como a Taco, filho de Isaac, apos seteanos de service, foi dada como esposa no lugar da amadaRaquel, Lea, a mulher de olhar rnelancolico, do mesmomodo podem elas abracar 0 Estado fantoche bern desen-volvido em vez daquele com 0 qual sonharam. Esta foia historia espiritual da Europa durante a sua GrandeGuerra. Possa ela nao se repetir na revolucao que lhesucedeu, de modo mais amargo e sem esperanca,o Estado contemporaneo, mesmo que se tome socia-lista, nao pode satisfazer 0 anseio por comunidade. Ele54 55

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    29/71

    nao pode, alem disso, dar a s almas individuais a cons-ciencia profunda da uniao que elas esperam da comunida-de, porque ele, Estado, nao e e nao pode tomar-se umacomunidade. Uma grande associacao humana s6 pode serderiominada comunidade quando for formada por peque-nas comunidades vivas, por organismos celulares fortesem coexistencia sem mediacao, que entram em relacaodireta e vital, uns com os outros, como seus membros 0fazem, e que se unem em vista desta associacao igualmentede modo direto e vital. Onde a verdadeira vida entre oshomens se desagregou na sua unidade natural, a grandeassociacao humana pode contrapor ao anseio por comuni-dade somente decepcao e ilusao,

    Urge libertar a verdadeira vida entre os homens. imperativo 0 renascimento da comunidade, da comuni-dade da vila, da cooperativa, do companheirismo, da uniaoreligiosa. Isso ...udo, embora tenha se degenerado emmecanismo com aparencia de Estado, embora seja 0 escon-derijo de uma vegetacao extemporanea, tolerada ou des-percebida pelo Estado, deve tomar-se, novamente, 0 lugaronde a existencia terrena dos seres dotados de alma possase realizar. E aqui que a vida publica dos homens, amplia-da para uma vida de comunidade, deve ocorrer. Somenteaqui podem surgir, sob nova forma, as ligacoes intemasda comunidade primitiva - a propriedade comum do solo,o trabalho comum, costumes comuns, e a (e ..comum -quatro principios de ligacao que correspondem aos qua-tro tipos de comunidade. Nao 0 Estado, mas somente acomunidade pode tornar-se 0 autentico sujeito da proprie-dade comunitaria do solo". Nao 0Estado, mas 56 a coope-rativa pode tornar-se 0 autentico sujeito da producao co-munitaria. Nao e na sociedade, mas sim no companheiris-mo que novos costumes podem germinar; nfio e na igreja,mas nas confrarias que pode uma nova fe prosperar,

    Isso exige espaco livre para as comunidades, va!i-dade indiscutivel de sua vontade no amago de seu meionatural atividade ilimitada no ambito de suas tarefas na-turais. .lsso exige verdadeira autonomia, cujas fronteirasse encontram no intercomunal e no supercomunal, isto e,2. Que e bern conciliavel com a posse da terra e do solopor todos.

    em tudo 0 que for comum a vanas comunidades e quedeve ser consultado, decidido, organizado por 6rgaos co-muns de modo adequado - talvez 0 mais eficiente emum sistema de representacao escalonada.Entretanto, este espaco livre, esta autonomia das co-munidades - que, em ultima analise, equivale a autono-mia das esferas organicas da vontade - nunca seriamaceitos pelo Estado contemporaneo: e sobretudo pelo Es-tado que se tomou socialista, pois 0 Estado mais rigida-mente centralizado nao iria declarar a sua pr6pria des-centralizacao: aquele Estado perfeito em sua mecanica naoresignaria em favor do organico, Somente 0 Estado con-cebido como em desenvolvimento para 0socialismo (e estedesenvolvimento nao sera breve, apesar dos sinais em con-trario) nao sera capaz de resistir a forte exigencia das co-munidades socialistas, isto e , aquelas que desejam viver e

    administrar seus neg6cios de modocomunitario. Para isso,porem, elas devem existir verdadeiramente, devem verda-deiramente deseja-lo.A autonomia nao pode de modo algum ser decretada.Ela nao pode ser estabelecida de outro modo a nao seratraves do crescimento e da auto-afirmacao de um siste-ma comunitario que, de ficticio, se transformou em enti-dade real. Quando as celulas que hoje se atrofiam reju-venescem, quando novas celulas se alinham em tomo de-las, respirando forte juventude, quando, ativamente cons-cientes do grande sentido de tal evento, as comunidadesdo mesmo tipo de diversos locais se congregam, quandocomunidades do mesmo local e de diversos tipos se con-fratemizam, quando, portanto, do agrupamento de autenti-cas comunidades comeca a surgir um verdadeiro sistemacomunitario, entao pode haver somente aceitacao e naoreconhecimento.Para que tudo isso ocorra e necessario que os ho-mens e multidoes de homens se despojem de muitas van-

    tagens e privilegios particulares para 0 bem da comuni-dade e tomem parte de sua economia comunitaria comtoda a sua habilidade de trabalho; e necessario 0 inau-dito, a saber, que os homens, as multidoes, queiram a co-munidade com toda a forca de sua alma. E necessano queos homens se interessem pela comunidade as quais per-tencem, do mesmo modo pelo qual se interessam por seus56 57

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    30/71

    assuntos amorosos e pot suas amizades, ou antes, tal comocostumam preocupar-se com seus assuntos amorosos eamizades em seus momentos mais intimos. necessarioque fundem novas comunidades, assim como se constr6iurn lar -.ou antes, como se construa outrora, quandoainda havia autenticos lares. E, alem disso, que os homensreconhecam que esta pequena e modesta entidade que osenvolve com seu curto raio nao e de categoria inferior epode, de fato, ser superior ao Estado amplo e poderoso;que a autentica particlpacao em uma autentica assembleiacomunitaria exige forca de alma nao menos poderosa doque aquela exigida em qualquer parlamento; da mesmaforma, como a atividade naquilo que e proprio, pr6ximoe familiar se sobrepoe it politica do estranho, do distantee do desconhecido que em geral e praticada - s6 a pri-meira (a ultima apenas em grandes momentos extrema-mente raros) nlo e pfllavra e gestos descompromissadose desautorizados, mas autentica ajuda; convem que oshomens reconhecam como uma futura e legftima "poll-tica de Estado" pode ser criada somente como selecao eresultado de um a atividade completamente elaborada demodo comunitario, porque - com exce~o daqueles espi-ritos dominadores que perpassaram naturalmente a distan-cia - somente aquele que p rovou a alma em uma ativi-dade autentica naquilo que e proximo, somente a ele adistancia pode tornar-se proxima.Todavia, 0 d ec is iv am en te p ro blema tic o no homemcontemporaneo, aquilo pelo que a dissolucao da comuni-dade atraves da soeiedade e expressa de modo mais inequl-voeo, e 0fato de que ele, mesmo I!nde participa da "vidapublica" da res publica, 0 fa z sem vinculo e de modo ficti-cio. Isso e particularmente evidente, mais evidente ainda doque em todos os tipos de eleitores e de deputados obceca-dos pela fic~ilo, assim como nos politicos radicalmente in-teresseiros. E mais evidente ainda, naqueles politicos mo-vidos por ideias que trabalham arduamente para que, porexemplo, algo seja feito na forma da legislacao, enquantoque de modo algum sentem a urgencia interior de quealgo deva ser feitoquanto it forma de vida; para eles, ajustica e algo que deve ser "cumprido" e nao algo quedeve e pode ser iniciado pela sua incorporacao h1 ondeum homem vive no meio de homens. Nio pressentem

    ou nao querem pressentir que quando nao se micra, emqualquer lugar, com uma justi~a livre e nobre, a justi~"cumprida" deve permanecer u rn in vo lu cre vazio, um aveste de luxo no cabide. Por exemplo, quando ur n circulode intelectuais .discute e defende com pathos dialetico areorganizacao das rela~ humanas, enquantoque os quepertencem a este circulo relacionam-se UDS com os outrosde modo vazio e indireto como boje e usual entre intelec-tuais, entao, sua vontade ira determinar 5 6 na aparenciaa realidade social em um grau superior aquele que pode-ria determinar a sua realidade pessoal., A autenticidadedo conteudo politico de um homem 6 provada e formadaem sua esferanatural, "apolitica". Aqui esta 0 solo detoda verdadeira forca que atua na comunidade. A esclare-cedora mensagem hassfdica, segundo a qual a cada homem.sao dadas as coisas de seu meio para que ele as redima,deve ser completada: a salva~o do Mundo nao podeseguir um caminho mais curto que este. Nenhuma comu-nidade vivida e perdida e a comunidade da humanidadenao pode ser construfda com outros elementos.Para que a comunidade seja construfda: para que 0destino da "evolu~o inevitavel" em direcao a descomu-niza~ao (Entgemeinschajtung) definitiva seja rompido:para que a mudanca, a verdadeira revolucao aconteca -para isso e necessario 0inaudito: a grande forca que deseja

    a comunidade, que funda a comunidade. Parece que estaforca anda escassa em nosso tempo. Os homens de hojeaspiram tao apaixonadamente a , comunidade e parecemnao possuir a forca para cria-la.E, no entanto, esta f~a vive nas profundezas dagera~o. Cega , tateante, falhante; desprezada, incompre-endida, mal usada; matando onde deveria supostamentecriar, destruindo onde deveria construir; inconsciente deseu nome e ., de sua missilo; consumindo-se a si propria,

    pelo mau uso, em enganos: e mesmo assim elavive indes-trutfvel, esparsa, como centelhas, em todas as almas, ar-dendo, poderosa. Quem ira recolhe-la, orienta-le, con-duzi-Ia?Ninguem pode faU-lo senio 0 etemo espfrito da mu-danca, 0vencedor do desenvolvimento, 0uno, aquele que,sozinho, pode efetivar a conversao do homem perdido

    58 59

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    31/71

    quando a ultima necessidade 0 chama: 0 desejo humanepor Deus.Este e 0 sentido do movimento imortal, hoje nova-mente subterraneo, manifesto somente a urn olhar profun-do, ainda ineficaz no mundo das coisas, murmurandoadmiravelmente seus sonhos. Ele significa novamente de-sejo de Deus, espirito de mudanca,A vontade humana pode mudar aquilo que the pare-ce 0 destino da humanidade, se ela nao se orienta a simesma por outra coisa a nao ser pela vontade de queDeus exista. Pois entao, somente entao, Deus se deseja a siproprio nela. .Sempre que 0 acontecimento inevitavel, 0 "desenvol-vimento" aparece aos homens atormentados e atormenta-dores como urn destino fatal imposto pelo Karma ou pelo

    Demiurgo, peld'Moira ou pela "luta pela existencia" naqual sao encarcerados como numa irremediavel distanciade Deus, entao esta proximo 0desejo pela libertacao divi-na, pela teofania - a libertacao divina, a teofania estaoproximas. De qualquer modo que eia aconteca, seja porliberacao donisiaca, seja por absorcao budista, ou se umajovem na~ao e conduzida por uma coluna de chamas ouuma multidao de pessoas e levada atraves do deserto paraa montanha da revelacao: ou se 0 esplendor sangrento dosfmbolo divino-humane dilacera a plenitude instavel dasvelhas nacoes: 0 desejo humano por Deus e 0 desejo divi-no pelo homem nao podem ser separados. Quando a von-tade humana, no seio do mundo da determinacao mani-festa a liberdade de desejar Deus, a liberdade de Deus estasobre ela. A mudanca tern dupla face, uma delas e a faceda humanidade desejosa.

    As teofanias sao semelhantes neste segredo de seuacontecer, mas diferentes no segredo de sua forma. Estaevidente aqui de modo mais claro que a Historia, apesarde tudo, e urn processo da verdade e do sentido. 0 divino,na verdade, quer desenvolver-se na humanidade. Toma-secada vez mais diffcil encontra-lo: ele quer ser realizadocada vez mais intimamente. Ele apareceu, outrora, emvis6es e sonhos diumos aos receptores puros que s6deviam olhar; ou na vida do mestre "dominador do mun-do" ou "salvador do mundo" que deve ser co-vivenciado

    para poder serpossuido; mas finalmente 0 divino mergu-lha no possivel que se entrelaca entre os seres, ele querrevelar-se somente atraves de suas realizacoes, atraves daverdadeira comunidade. Sentimos sua presence brotar taofreqiientemente quando urn homem estende verdadeira-mente suas maos a outro homem; pressentimos, porem,que s6 na verdadeira comunidade pode ele transformar-sede vivencia em vida.

    Os homens que aspiram a comunidade, anseiamDeus. Todo desejo de verdadeira alianca conduz a Deus,e todo desejo de Deus conduz a verdadeira comunidade.Porem desejar Deus nao e a mesma coisa que querer Deus.Os homens procuram Deus, mas Ele nao pode ser encon-trado, pois nao esta "disponivel". Os homens querempossuir Deus, mas Ele nao se dii a e1es, pois Ele nao querser possuido mas realizado. Somente quando os homensquiserem que Deus seja, construirao a comunidade.A ultima necessidade apela para a vontade de Deus,para 0 espirito da mudanea.

    60 61

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    32/71

    4. ESTADO E COMUNIDADE*Hi! dez anos freqilentamos uma escola e desejo agoratentar verificar 0que nela aprendemos ou deveriamos teraprendido.Devemos dirigir nossa atenltao para fatosque ocorre-ram na Alemanha e com a Alemanha. Ao considerarmos

    estes fatos podeinos conhecer, embora de modo indireto,o que ocorreu no Mundo e com 0 Mundo. Na verdade,como a Alemanha se situa, diz-se, numa posiltio central,parece que os fatos ocorridos aqui apresentam caraterexemplar. 0 que existir de essencial e duradouro nos even-tos ocorridos nestes dez anos se tornara mais claro II luzdo que ocorreu aqui no passado e 0que ocorre no presente.Consideremos a querela entre 0 Estado e a Econo-mia, sobre a qual nao falarei hoje. Trata-se nao 56 dealgo extremamente importante e do maior significado para

    este seculo, mas tambem disto, de que se poderia at edizer: a Alemanha e 0pais onde esse fato ocorre de modomais claro, podendo, de certo modo, servir de exemplopara isto.* Palestra proferida em fevereiro de 1924.

    63

  • 5/13/2018 BUBER, Martin. Sobre Comunidade

    33/71

    Nos que, na Ultima decada, vivemos na Alemanhae vivenciamos diretamente estes fatos, conhecemos todo 0conflito de conceitos de Estado e Comunidade. Em dezanos percorremos 0 conceito de "Estado", de um extremoao outro. Tivemos conhecimento de todo 0 conflito dosconcejtos, Quero ilustra-lo brevemente. Em 1914, urn sen-timento vivo de identidade entre 0 Estado e a Comuni-dade apoderou-se de um segmento da populacao, aquelesegmento realmente vivo - em particular dos jovens, que,alias, percebem isso de modo mais direto. Foi aquela rea-lidade breve, porem importante na historia do espfrito,de um entusismo quase religioso, que levou a convergen-cia dos conceitos. Porem, nao so os conceitos, mas tam-bem as realidades "Estado" e "Comunidade" foram viven-ciados como realidades imediatas. Isso e diffcil de definir,quer the chamemos Estado ou Comunidade, 0 ultimo, 0inominavel: e a~o pelo qual 0 homem vive ou sacrificasua vida. Nestes dez anos ocorreu crescente e gradual di-vergencia entre os dois conceitos. Nao pretendo mostrar-lhes que eventos particulares influenciaram este processo.Nao me e possivel aqui tentar apresentar-lhes uma histo-ria desta decada, mesmo em linhas .gerais. Falo somentedo efeito de eventos vividos por nos, que todos nos conhe-cemos, sobre a relacao entre Estado e Comunidade.

    Consideremos, em primeiro lugar, 0Estado. No iniciodesta decada, no inicio da Primeira Guerra, 0 Estado foivivido como algo absoluto, aquilo que se sobrepoe a pessoae a antecede, vale dizer como aquilo que nao e constituidopor pessoas; ao contrario, as pessoas crescem a partirdele. 0 Estado era algo que poderia ser considerado in-dependente de outros Estados, como se nao existissemoutros Estados. E mais, aqueles aos quais fosse de-clarado guerra nao eram considerados contra 0 Estado,mas simplesmente irreais. I