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Leonor Santos, 2000 19
Capítulo I
Conhecimento Profissional
Evolução histórica da investigação sobre professores
A investigação sobre professores não é recente. O que tem evoluído
tem sido o foco dos aspectos a estudar e a forma como se tem procurado
dar resposta às questões enunciadas.
Já nos meados do século XX esta temática é objecto de estudo. A
investigação tenta responder-lhe através de estudos de cariz quantitativo,
que procuram estabelecer relações entre o conhecimento do professor e o
rendimento dos alunos. O conhecimento profissional do professor é
sobretudo identificado com o número de disciplinas da sua área científica,
feitas na universidade, ou pelo número de cursos realizados na sua
formação. O objectivo é quantificar/medir o referido conhecimento e não
perceber como está organizado e estruturado. Os principais instrumentos
utilizados são questionários e testes de medida. É a fase do paradigma
prognóstico/produto (Marcelo, 1993). No entanto, nem o conhecimento
dos professores, nem as suas atitudes se revelam fortemente relacionadas
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
20 Leonor Santos, 2000
com a aprendizagem dos alunos. Há mesmo resultados perturbadores,
como, por vezes, serem os professores com maior preparação científica
os que promovem piores níveis de aprendizagem (Ball, 1991).
Este modelo de investigação é então posto em causa, nomeadamente
questionando-se a adequabilidade das variáveis escolhidas. Esta situação
vem dar origem a uma viragem no objecto de estudo, passando este a
incidir sobre o que fazem os professores na sala de aula e o que aprendem
os alunos. Por outras palavras, do estudo do que o professor é passa-se ao
estudo do que o professor faz. Pretende-se assim identificar quais os
métodos e estratégias mais eficazes para ensinar cada conteúdo. Atribui-
se um papel sobretudo passivo ao professor. Este é encarado como um
técnico, e cabe-lhe a tarefa de aplicar o currículo estabelecido e as
prescrições fornecidas pelos investigadores. É o período da investigação
processo/produto. Embora se mantenha no essencial a mesma
metodologia de investigação, o contexto começa a tomar nova
importância, passando-se também a fazer observação de aulas. No caso
particular dos professores de Matemática, estas investigações assentam
no pressuposto que a matemática escolar elementar consiste num corpo
de saberes-fazer que são aprendidos através de tarefas rotineiras e da
prática (Ball, 1991).
A entrada dos investigadores na sala de aula leva-os, aos poucos, a
aperceberem-se da complexidade tanto da cultura da sala de aula, como
da própria actividade de ensinar. Os itens de análise habitualmente
considerados passam então a ser vistos como redutores e inadequados. O
ensino passa a ser considerado como uma actividade que inclui raciocínio
e acção (Ball, 1991). Dá-se, assim, uma segunda viragem na investigação
centrada no professor. Há um acréscimo na valorização do seu papel. O
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 21
seu pensamento passa a tomar um lugar de destaque, dirigindo-se a
investigação para os processos mentais do professor. Segundo Mosquera
(1993), esta nova viragem é um marco decisivo para o desenvolvimento
da investigação que toma como foco o professor. De uma investigação
que segue uma metodologia quantitativa e visa os comportamentos do
professor, passa-se para uma investigação de cunho essencialmente
interpretativo, cujo foco é o sentido dado pelo professor ao seu ensino e
os seus processos de tomada de decisões.
Uma primeira abordagem desta fase procura dirigir-se às concepções e
sistemas de crenças dos professores tendo como objectivo central
perceber se serão as concepções que os professores têm da Matemática o
aspecto fundamental que determina as suas práticas. Começam a surgir
estudos de natureza qualitativa com o recurso a instrumentos de recolha
de dados, tais como entrevistas, observação de aulas e análise
documental. É neste período que se situam os estudos sobre o
processamento de informação e a comparação entre professores peritos e
novatos (Marcelo, 1993). Mais recentemente, a investigação sobre o
pensamento do professor dirige-se antes à natureza, estrutura e conteúdos
do saber profissional do professor. Procura-se conhecer os processos de
raciocínio e as tomadas de decisão do professor no desenrolar da sua
prática lectiva.
No campo da Didáctica da Matemática, também em Portugal o foco
no pensamento do professor dá origem a uma linha de investigação
importante, que se iniciou nos anos 80. Percorrendo diversos níveis de
ensino e incluindo professores em serviço ou futuros professores, são
diversos os estudos a partir de então realizados. A título de exemplo
refira-se Guimarães (1988), Loureiro (1991), Canavarro (1993), Boavida
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
22 Leonor Santos, 2000
(1993), Delgado (1993), Fernandes (1994) e Fonseca (1995). Nestes
estudos as práticas são já objecto de alguma atenção, muito embora
surjam sobretudo como contraponto das concepções. Começa, no entanto,
a tomar cada vez mais força a ideia de que “na relação dialéctica entre
concepções e práticas, tem mais peso o pólo das práticas do que o das
concepções” (Ponte, 1993). É seguindo este pressuposto que,
actualmente, se encara como prometedor o estudo do saber práticos dos
professores. É cada vez mais claro que para se conhecer o que o professor
sabe e pensa não se pode ficar pelo estudo das suas concepções e crenças.
É preciso alargar o âmbito do conhecimento profissional dos professores,
recorrendo para tal à sua prática lectiva.
O estudo das crenças e das concepções, embora parte integrante do
conhecimento profissional, recaiu muitas vezes na falta de coerência
entre as concepções e as práticas do professor ou a discrepância entre
aquelas e as orientações pedagógicas mais recomendadas (Ponte et al.,
1998). Ao deslocar-se o foco para um campo mais abrangente, o do saber
profissional, procura-se compreender como é, qual a sua natureza,
estrutura, processos de construção e suas manifestações na acção.
Natureza do conhecimento profissional
Muitas são as questões que têm interessado os diversos autores que se
dedicam ao estudo do conhecimento profissional dos professores.
Conhecer a sua natureza tem sido uma destas questões. Há, no entanto,
perspectivas e modelos diversos. Por exemplo, há aqueles que atribuem
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 23
um papel decisivo à teoria, outros à prática, isto é, não negando estas
duas fontes de criação e de desenvolvimento do saber, a importância que
atribuem a uma ou outra é que pode ser diversa. Por outras palavras, o
conhecimento pode ser entendido como sendo sobretudo um corpo de
saber, a que se pode ter acesso, por exemplo, através de um livro
[racionalismo técnico], ou este é visto como dinâmico, existindo na acção
[epistemologia da prática]. É a perspectiva onde nos colocamos que leva
mesmo alguns autores a recorrerem a diversas terminologias para se
referirem ao conhecimento profissional, como veremos adiante. Para
além desta problemática, há igualmente a questão de saber como é que o
conhecimento profissional é constituído e por que processos se
desenvolve ou se constrói. Começaremos, no entanto, a discuti-lo numa
perspectiva da sua natureza.
Segundo Bromme e Tillema (1995), se encaramos o conhecimento
profissional, de um ponto de vista cognitivo, ele é resultante da acção
profissional e estabelece-se através do trabalho e do desempenho da
profissão. Se, pelo contrário, seguimos uma perspectiva socio-histórica, o
conhecimento profissional desenvolve-se gradualmente na enculturação
do profissional no contexto de trabalho, visto como parte constituinte de
uma certa cultura. Seja qual for, contudo, a perspectiva que for seguida, o
conhecimento profissional distingue-se na sua estrutura e conteúdo de
qualquer teoria construída a partir da investigação.
Dando especial relevância à componente do conteúdo disciplinar,
Shulman (1986) indica diversas fontes para o conhecimento profissional
dos professores: a teoria, a prática e o domínio dos valores ideológicos e
filosóficos. Note-se que enquanto há neste autor componentes
essencialmente identificadas como saber académico, como seja, o
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
24 Leonor Santos, 2000
conhecimento do conteúdo, o conhecimento didáctico não é, no seu
entender, “nem exclusivamente técnico [resultante da teoria], nem
somente reflexivo [resultante da prática]” (1993, p. 58). Para este autor, o
papel do raciocínio e da reflexão são essenciais na construção do saber:
“Nós não aprendemos a partir da experiência, mas sim do pensar sobre a
experiência” (1993, p. 60).
Já Elbaz (1983) enfatiza largamente a componente prática do saber
dos professores. Para si o conhecimento do professor é essencialmente
prático, isto é, é um saber orientado para a prática, um saber “de como
fazer” (p. 14). É a partir de saberes teóricos e de saberes criados a partir
da experiência que o professor constrói o seu saber prático, isto é, o saber
orientado para a sua situação prática. Esta integração de saberes opera em
interacção directa com os sistemas de valores e crenças pessoais do
indivíduo.
Posição idêntica é também defendida por outros autores. Clandinin e
Connelly (1986) discutem como os professores aprendem através da sua
prática e como usam esse saber — conhecimento prático pessoal.
Chapman (1997) considera que o saber profissional é prático e pessoal, e
para capturá-lo deve fazer-se num contexto holístico.
Ainda segundo Elbaz, embora decisivo para a sua prática profissional,
grande parte deste conhecimento é mais implícito do que explícito.
Reforçando esta ideia, Eraut (1994) justifica-a defendendo que todo o
indivíduo tem dificuldade em explicar o que sabe quando se trata de
conhecimento que provém da experiência. Esta, poderá ser uma possível
razão explicativa para que muitas vezes os professores não reconhecem,
nem tão pouco valorizam o saber decorrente da experiência, como
apontam alguns estudos (Ponte, 1996).
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 25
No entanto, o carácter implícito do conhecimento profissional dos
professores nem sempre merece consenso. Em particular, Ball (1991)
defende que o que deve caracterizar o saber do professor é este ser
explícito. Não basta saber, é preciso ser capaz de falar sobre os assuntos:
“O conhecimento explícito inclui razões e relações, o ser-se capaz de
explicar os porquês, bem como relacionar ideias particulares ou processos
a outros dentro da Matemática” (p. 17). É, aliás, segundo esta autora, este
o aspecto essencial que destingue o saber dos professores do dos
matemáticos. Enquanto o primeiro tem de ser explícito, o dos segundos
pode ser implícito, sem deixar de ser conhecimento valorizado. Embora
se reconheça a importância de se ser capaz de explicitar o conhecimento,
os resultados empíricos sobre o conhecimento profissional dos
professores apontam claramente para a sua natureza implícita, pelo que
discordamos desta autora.
Azcárate (1998) aponta igualmente um conjunto de características do
conhecimento profissional como seja, ser contextual, interactivo,
especulativo, situado, de carácter prático e pessoal e adaptável a
contextos determinados: “O saber profissional não é um conhecimento
académico nem empírico, é um conhecimento prático” (p. 32). Por outras
palavras, segundo esta autora, se o conhecimento profissional é gerado
num dado contexto concreto, ele é produto da própria actividade. É assim
um saber dirigido à acção, integrador de outros conhecimentos que se
caracteriza pela elaboração de teorias práticas que orientam e dirigem a
acção (Azcárate, 1999a).
Para além destas características, esta autora acrescenta ainda que o
conhecimento profissional é multiconceptual, multiprocedimental e
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
26 Leonor Santos, 2000
transdisciplinar, sendo resultante de uma composição particular de
conhecimentos teóricos e práticos (Azcárate, 1999a).
Donald Schön (1991), seguindo uma epistemologia da prática em
oposição ao que designa por racionalismo técnico, defende que o saber
profissional dos professores se traduz num conjunto de competências
marcadas pela prática da reflexão a diversos níveis. Este conhecimento
tem saberes que se manifestam e se aprendem apenas na prática.
Christiansen e Walther (1986) consideram que a experiência do
professor, em particular a sua interacção com os alunos, é a fonte
primordial da construção de novos saberes. Também na mesma linha
apontam os resultados obtidos em recentes estudos desenvolvidos em
Portugal. Guimarães (1996), ao realizar dois estudos de caso de
professoras de Matemática do 2º ciclo, conclui que:
No que se refere ao tipo de conhecimento, pode afirmar-se que este é essencialmente experiencial. De facto, tanto as técnicas de gestão da sala de aula, como o conhecimento do que interessa aos alunos, as suas necessidades e dificuldades perante determinada matéria, os estilos de aprendizagem, o modo de organização conveniente para desenvolver esta ou aquela tarefa e o conhecimento das representações mais adequadas para os alunos, foram aquisições que, em ambas as professoras — cuja licenciaturas não eram sequer orientadas para a docência — tiveram essencialmente origem na prática. (p. 214)
Oliveira (1998), num estudo que desenvolveu com duas professoras de
Matemática do 3º ciclo que teve como principal objectivo estudar
aspectos da prática profissional num contexto de actividades de
investigação matemática, conclui igualmente que o conhecimento sobre
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 27
este tipo de tarefas é “essencialmente de natureza experiencial, orientado
para a prática , tendo pouco de proposicional” (p. 233).
Embora seja possível observar-se uma clara tendência, apontada, quer
por via teórica, quer através de evidência empírica, de considerar o
conhecimento profissional dos professores como um conhecimento
essencialmente prático é de incluir nesta discussão, dada a sua
pertinência, uma chamada de atenção feita por Eraut (1994). Este autor
afirma que a discussão à volta da natureza do conhecimento profissional
assume por vezes posições extremas, isto é, pressupõe que certas
características são exclusivas de um ou outro tipo de conhecimento.
Como argumentação desta constatação, este autor faz referência a duas
dessas características. A primeira é que o conhecimento teórico é usado
de forma sistemática e explícita, enquanto o conhecimento de tipo prático
é idiossincrático e implícito. Ora, nem sempre tal acontece, isto é, o
conhecimento teórico também pode ser implícito e o conhecimento
prático explícito. Por um lado, e a título de exemplo, refira-se as “teorias
em uso” identificadas por certos autores ou ainda as teorias implícitas em
certas interpretações de situações de ensino, feitas pelos professores. Por
outro, as diversas investigações realizadas em torno do conhecimento
prático dos professores têm contribuído para o tornar explícito. A
segunda ressalva diz respeito à associação que geralmente se faz em
termos do conhecimento teórico ser descontextual, isto é, livre de
contexto, e o conhecimento prático contextual. Ora, como observa este
autor, a aprendizagem de um conhecimento teórico não se faz em duas
etapas: primeiro aprende-se e depois pensa-se para que serve. Toda a
aprendizagem está interrelacionada com o uso a dar ao objecto aprendido.
Para além disso, o professor muitas vezes vai construindo generalizações
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
28 Leonor Santos, 2000
sobre o conhecimento que foi construído no contexto da sua prática. Estas
observações não negam a natureza essencialmente prática do
conhecimento profissional, mas contribuem para uma maior clarificação
da natureza deste conhecimento e alertam para os perigos de se
assumirem posições extremadas.
Do exposto ressalta que existe um forte consenso entre os diversos
autores que têm estudado o conhecimento profissional dos professores,
nomeadamente na forma como o diferenciam do conhecimento teórico,
da importância que atribuem à experiência e nalguns dos aspectos que
caracterizam a sua natureza. Considerando-o como um conhecimento
sobretudo dirigido para a acção, este conhecimento é construído e
desenvolvido ao longo da experiência e da reflexão sobre a experiência.
Sendo um conhecimento dinâmico e evolutivo, a sua natureza é
essencialmente implícita, situada e pessoal.
Estrutura e componentes do conhecimento profissional
No que respeita a estrutura do conhecimento, existe uma diversidade
de propostas, variando de autor para autor e algumas interrogações.
Um dos autores que tem tido um papel preponderante no estudo do
conhecimento profissional dos professores é Shulman (1986). Segundo
este autor, numa perspectiva global, os domínios e categorias do
conhecimento estão representados na mente do professor segundo três
tipos ou formas de conhecimento: o proposicional, de casos e o
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 29
estratégico. Muito daquilo que é ensinado ao professor surge na forma de
proposições consideradas como verdadeiras, quer por resultarem da
investigação empírica — princípios —, quer provindo da experiência —
máximas —, quer ainda porque reflectem valores ideológicos ou
filosóficos — normas. O conhecimento de casos é um conhecimento
específico, bem documentado, que representa o caso de qualquer coisa
que é possível identificar de forma clara e bem definida. Por fim,
considera que o conhecimento estratégico é de tipo diferente dos
anteriores. É essencialmente um “processo de análise” (1986, p. 14) que
surge perante situações que exigem o confronto e a comparação entre
princípios e casos, situações em que se deve actuar de forma
contraditória. O resultado deste processo pode ser gerador de novos
princípios ou casos. Para Shulman, o conhecimento estratégico é
indispensável na prática do professor e requer da parte deste a capacidade
de reflexão e compreensão daquilo que faz.
Elbaz (1983) identifica igualmente três níveis de estruturação do
conhecimento: as regras, os princípios, e as imagens. Partindo de
situações muito específicas, estes níveis vão sucessivamente aumentando
o seu grau de generalidade, sendo a sua relação directa com a acção cada
vez mais fraca. As regras de prática dizem respeito aos meios, são muito
pessoais e referem-se sempre a casos concretos. Os princípios são
afirmações que orientam a prática, através de um conjunto de ideias
fundamentais. Finalmente, as imagens constituem o nível mais geral e
menos explícito do conhecimento profissional. As imagens podem tomar
a forma de metáforas. Como a própria autora reconhece, este modelo
pode levantar certas dificuldades, quer na identificação de certos casos
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
30 Leonor Santos, 2000
num dos níveis definidos, devido à forte interligação entre eles, quer
devido ao facto da relação entre estes nem sempre ser linear.
Clandinin (1986), elabora o conceito de imagem, proposto por Elbaz,
atribuindo-lhe diversas dimensões: moral; emocional; privado e
profissional. Já Chapman (1997) trabalha o conceito de metáfora como
nível mais amplo da estrutura do conhecimento profissional e como meio
para compreender as práticas dos professores.
Também Leinhardt e Greeno (1986) apresentam um modelo
alternativo para explicar a estrutura do conhecimento profissional dos
professores, em particular dos professores de Matemática, baseado na
psicologia cognitiva. Partindo do pressuposto que a actividade de ensino
é de elevada complexidade, tendo o professor que se confrontar
constantemente com ambientes que variam, estes autores defendem que
este conhecimento se estrutura através de conjuntos interrelacionados de
acções organizadas, denominados por esquemas (schemata). Estes
esquemas incluem as rotinas, os esquemas de informação e a agenda. As
rotinas são repertórios de actividades que frequentemente são utilizadas.
São pequenas peças de comportamentos conhecidos, quer pelo professor,
quer pelo aluno, que permitem ao professor dispor de fontes mentais para
actividades mais gerais e significativas do ensino. Os esquemas de
informação resultam de registos que o professor vai realizando, para
utilizar quando é oportuno. Por último, a agenda é um plano mental, não
visível em texto escrito, que contém os objectivos e as acções para a aula.
É dinâmico e não estático, uma vez que pode ser modificado ao longo do
ensino (Leinhardt et al., 1991).
Segundo estes autores existem, para além da agenda, mais três formas
de acesso ao conhecimento profissional dos professores: (i) o guião
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 31
curricular; (ii) as explicações; e (iii) as representações. O guião curricular
(curriculum script), é uma estrutura de conhecimento, semelhante a um
esquema, que permite ao professor interpretar situações e actuar sobre
elas. Este conhecimento sobre o modo como se ensina um dado tópico é
cumulativo e construído ao longo da experiência do professor. Inclui
sequências de ideias ou passos a serem introduzidos, representações a
serem usadas, notas sobre conceitos ou procedimentos que em geral
criam dificuldades aos alunos. Ao contrário da agenda, é relativamente
estável ao longo da aula e é revisto ou actualizado de uma forma
cumulativa ao longo do tempo. Este guião será tanto mais rico e flexível
quanto mais estruturar em malha, e não em sequência linear, os
objectivos gerais, os subobjectivos e as acções.
As explicações são a actividade através da qual o professor comunica
aos alunos o conteúdo da matéria. É um conjunto de técnicas usadas pelo
professor. Não se reduz aquilo que diz ou mostra. Inclui igualmente a
sequência de experiências que permite ao aluno construir uma
compreensão significativa do conceito ou do processo. Assume um papel
central no ensino, não sendo mais do que formas de implementar a
agenda e o guião curricular.
Por último, as representações referem-se à entidade usada para
explicar qualquer coisa. São objectos ou sistemas de objectos físicos e
conceptuais que incorporam as entidades ou ideias matemáticas. Segundo
estes autores, das quatro “janelas” apresentadas, esta é aquela que permite
perceber com mais detalhe como é que um tópico particular de
Matemática é entendido pelo professor. É a explicação, através dos seus
objectivos e da sequência de acções a eles associada, que vai influenciar a
representação que o professor vai escolher e a forma como a vai usar.
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
32 Leonor Santos, 2000
As quatro componentes deste modelo estão interrelacionadas. O forte
relacionamento que se estabelece entre os objectivos e as acções do
professor é o aspecto mais positivo a destacar. Podemos questionar,
contudo, até que ponto ele é aplicável, em particular, se pensarmos num
tipo de aula em que o professor não assume um papel central, isto é, uma
aula que não siga um modelo dito tradicional.
Temos vindo a apresentar o que diversos autores apontam no que
respeita a estrutura do conhecimento profissional. Detenhamo-nos agora
na questão relativa ao conteúdo deste mesmo conhecimento. Os autores
que procuram identificar os conteúdos que constituem o saber dos
professores encaram o saber essencialmente de um ponto de vista formal
e explícito. Em todos eles se reconhece a influência de áreas
diversificadas de saberes, nomeadamente, o conhecimento do conteúdo
que leccionam e de outros, o conhecimento do currículo, o conhecimento
sobre aspectos gerais de pedagogia e o conhecimento do contexto onde se
incluem os alunos. A ênfase que é atribuída a um ou outro conhecimento
ou a inclusão de outra componente é essencialmente o que os distingue,
muito embora em todos eles se encontre a preocupação em compreender
as inter-relações entre as diferentes componentes do saber dos
professores. Note-se que pode haver diversas razões que justifiquem tal
facto, nomeadamente o nível de ensino onde lecciona o professor ou
mesmo as suas características particulares e percursos profissionais.
A especificidade do saber dos professores é marcada por Shulman
(1986), ao incluir nas diferentes componentes do saber profissional dos
professores três categorias no conhecimento referente ao conteúdo: do
conteúdo a ensinar, didáctico do conteúdo e o do currículo. O
conhecimento didáctico do conteúdo depende, por um lado, de um
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 33
conhecimento profundo dos conteúdos e, por outro, de métodos gerais de
ensino. Não se confinando a nenhum deles, resulta da sua combinação.
Através de uma compreensão profunda, flexível e aberta do conteúdo, o
professor deve possuir diversas representações das ideias a transmitir,
dispor de analogias, de exemplos e de explicações que assentam na
compreensão dos processos de aprendizagem dos alunos e das suas
concepções. Deve compreender o que torna fácil ou difícil a
aprendizagem de um dado assunto, quais as concepções e preconceitos
que o aluno traz consigo e quais as suas implicações para a aprendizagem
de um dado tópico. É o conhecimento didáctico do conteúdo que permite
ao professor transformar o seu saber académico numa forma
compreensível para o aluno. É neste conhecimento que reside a diferença
entre o saber do professor de uma dada disciplina daquele que desenvolve
ou trabalha nessa área do saber.
Desenvolvendo o conceito de conhecimento didáctico do conteúdo,
Shulman (1993) considera que este não é apenas um repertório de
múltiplas representações de um dado assunto. Esta forma de
conhecimento é caracterizada por “uma forma de raciocínio que é
facilitadora da geração das transformações, o desenvolvimento do
raciocínio pedagógico” (Shulman et al., 1987, p. 115). Shulman
desenvolve assim um modelo de raciocínio e acção pedagógicos onde
inclui:
— A compreensão dos objectivos a ensinar e de outras disciplinas;
— Uma transformação, onde considera a interpretação crítica da
diversidade de materiais já existentes disponíveis ao professor; o
desenvolvimento do referido repertório de representações, metáforas,
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
34 Leonor Santos, 2000
analogias; a selecção do método de ensino e da organização da aula e a
adaptação destes aspectos às características específicas dos alunos com
que no momento está a trabalhar;
— O ensino propriamente dito;
— A avaliação enquanto se desenvolve o próprio ensino e após este;
— A reflexão que ocorre quando planifica, durante o ensino e na
revisão e avaliação sobre o que foi feito;
— Uma nova compreensão na qual ocorre o crescimento do saber
sobre os objectivos do ensino, a matéria ensinada, os alunos e sobre si
próprio.
Segundo este autor, estas diferentes etapas do raciocínio e acção
pedagógicos não têm que surgir numa lógica sequencial. Os actos de
transformação e de reflexão estão subjacentes aos actos de qualquer
outro. Além disso, poderão existir em paralelo. A importância deste
modelo tem como pressuposto que sem raciocínio e sem reflexão, o
professor torna-se um mero executor de rotinas “sem oportunidades
mínimas para aprender e crescer profissionalmente” (Shulman, 1993, p.
60).
Embora a abordagem seguida por este autor seja referida múltiplas
vezes em trabalhos de educação matemática não deixam de lhe ser feitas
diversas críticas. Se é verdade que o que tem dado notoriedade a Shulman
tem sido o conceito de conhecimento didáctico do conteúdo, não é menos
verdade que este é por vezes indicado como exactamente o seu ponto
crítico. Nem todos os autores reconhecem a vantagem de diferenciar o
conhecimento didáctico do conteúdo do conhecimento do conteúdo,
argumentando que este facto “introduz uma complicação desnecessária e
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 35
insustentável no marco do trabalho teórico em que se fundamenta a
investigação” (McEwan & Bull, 1991, in Marcelo, 1993, p. 159).
Azcárate (1998), referindo-se ao conhecimento didáctico do conteúdo,
afirma que o problema não reside em transformar um conhecimento
noutro mais acessível, mas sim em elaborar um conhecimento diferente
das disciplinas, um conhecimento profissionalizante da Matemática que
capacite o professor numa intervenção didáctica fundamentada. O
conceito de Shulman, segundo esta autora, reflecte uma visão muito
parcial e simplificadora do saber e capacidades postas em jogo pelo
professor face ao ensino e aprendizagem do conhecimento matemático. A
questão de base provém de considerar como referencial de partida a
epistemologia da própria Matemática no desenvolvimento de um
conhecimento que tem características próprias e diversas desse
referencial (Azcárate, 1999a). Esta autora questiona igualmente até que
ponto é legítimo diferenciar analiticamente o conhecimento profissional
em diferentes componentes, que se configuram como separadas, se o
entendermos como um todo integrado cujo sentido de integração está
definido pela sua finalidade: o ensino da Matemática.
Esta autora alerta ainda para o carácter epistemológico deste
conhecimento que, sendo fundamentalmente prático, se destingue na sua
estrutura e construção de um conhecimento formal como o matemático.
Na mesma linha crítica se coloca Ponte (1993) que refere que, embora se
note em Shulman uma componente de ordem prática no saber
profissional dos professores, é ainda primordial o papel do conhecimento
de tipo declarativo e proposicional. Contudo, é de salientar que a
evolução que é possível sentir-se em Shulman procura minimizar este
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
36 Leonor Santos, 2000
aspecto. Um outro ponto crítico referente às ideias deste autor diz
respeito à falta de atenção dada à componente pessoal do professor.
É na procura da simplificação que alguns autores trabalham o
conhecimento do conteúdo, dando-lhe uma abrangência mais ampla. É o
caso de Ball (1991), que tem desenvolvido estudos com professores de
Matemática de vários níveis de ensino. O seu contributo está
directamente relacionado com a forma como desenvolve o conhecimento
do conteúdo. Segundo esta autora, este conhecimento é constituído por
três componentes: o conhecimento da matéria que se ensina; o
conhecimento sobre essa matéria e a atitude do professor face à mesma.
O primeiro refere-se ao conhecimento sobre a Matemática de tipo
substantivo, no qual inclui o proposicional, procedimental, estrutural e
relacional. O segundo diz essencialmente respeito à compreensão que o
professor tem acerca da natureza do conhecimento, do discurso e da
actividade da Matemática. Finalmente, a terceira componente refere-se ao
modo como o professor se posiciona face à Matemática, quais as suas
inclinações, qual o sentido de si mesmo em relação às várias áreas desta
disciplina.
Os estudos a desenvolver nesta área são, de acordo com esta autora, de
extrema complexidade pois no ensino o conhecimento do conteúdo, no
sentido por si atribuído, interage com as ideias que o professor tem sobre
o que é o ensino e a aprendizagem da Matemática, sobre os alunos, os
professores e o contexto da sala de aula. A forma como esta interacção se
desenvolve não é por si especificada.
Na tese defendida por Ball, podemos questionar até que ponto a
eliminação do conhecimento didáctico do conteúdo, embora podendo vir
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 37
a contribuir para uma simplificação do modelo, não leva a perder-se a
riqueza das ideias avançadas por Shulman.
Outra autora muito referida nesta temática é Elbaz (1983) que, embora
tenha desenvolvido apenas um único estudo sobre os saberes dos
professores, não deixou por isso de ocupar um lugar importante. Embora
esta autora esteja ainda no grupo dos conteúdos do conhecimento, ela
distingue-se dos anteriores na ênfase da componente prática que atribui
ao saber do professor, como já anteriormente referido. Para além disso,
esta autora dá uma visibilidade mais forte à componente pessoal, ao
incluir entre as componentes constituintes do conhecimento profissional
dos professores a vertente do conhecimento de si mesmo, componente
não considerada pelos autores anteriores. Segundo Elbaz, o auto-
conhecimento é constituído por três partes:
— O eu como fonte de recursos que se refere às capacidades que cada
pessoa vê em si própria;
— O eu em relação com os outros que diz respeito ao tipo de
preocupações que se tem com os outros;
— O eu como indivíduo no que concerne objectivos e características
pessoais.
Esta autora considera ainda outras quatro categorias para caracterizar
o saber prático do professor: o conhecimento do contexto de ensino, do
conteúdo, do desenvolvimento curricular e do ensino. De forma a
perceber a forma como este saber é estabelecido e usado, Elbaz define
cinco orientações: para as situações, para a pessoa, para a sociedade, para
a experiência e para a teoria. Dada a importância reconhecida da
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
38 Leonor Santos, 2000
componente do conhecimento de si mesmo, é surpreendente que não seja
referida por outros autores. Uma possível razão deste facto poderá residir
na dificuldade extrema em a estudar.
Segundo Oliveira (1998), as componentes do conhecimento prático de
duas professoras do 3º ciclo que mais se evidenciaram num contexto de
actividades de investigação matemática foram o conhecimento de si
própria e o conhecimento didáctico.
Em síntese, existe uma diversidade de propostas, variando de autor
para autor, no que respeita à estrutura do conhecimento profissional (por
exemplo, proposicional, de casos e estratégico, segundo Shulman, regras,
princípios e imagens, segundo Elbaz ou ainda as rotinas, os esquemas de
informação e a agenda, segundo Leinhardt e Greeno). Contudo, há algo
que se mantém comum em todas elas. É o facto da estrutura ser
caracterizada por diversos níveis de generalidade e graus de relação com
a acção.
É possível igualmente encontrar uma diversidade de modelos relativos
ao conteúdo do conhecimento profissional. É, no entanto, de destacar a
importante contribuição dada por Shulman, ao introduzir o conceito de
conhecimento didáctico do conteúdo, visto como o conhecimento que
permite uma intervenção didáctica fundamentada do professor
distinguindo-o dos profissionais de outros áreas.
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 39
Conhecimento na acção
O estudo dos saberes dos professores poderá seguir um outro tipo de
abordagem onde, contrapondo-se a um conhecimento essencialmente
formal e escolar, se dá primordial importância à interacção entre o saber e
a acção, isto é, um conhecimento situado na acção.
Um autor que tem constituído um marco no estudo do saber
profissional é Donald Schön. Como referido, seguindo uma
epistemologia da prática em oposição a um racionalismo técnico, este
autor defende que o saber profissional dos professores se traduz num
conjunto de competências marcadas pela prática da reflexão a diversos
níveis. É em torno dos dois conceitos — acção e reflexão — que este
autor desenvolve a sua tese. Como afirma Alarcão (1991):
A competência profissional implica um conhecimento situado na acção, holístico, criativo, pessoal, construído, um conhecimento que depende, entre outras coisas, da capacidade do profissional para apreciar o valor das suas decisões e as consequências que delas decorrem. (p. 10)
Como conhecimento de primeira ordem, Schön (1991) define o
conhecimento-na-acção entendendo-o como resultante da experiência e
de reflexões anteriores. Este conhecimento consolida-se em rotinas ou em
esquemas semi-automáticos, sendo caracterizado pela espontaneidade e a
intuição. Quanto mais a prática é estável no sentido em que traz para o
profissional o mesmo tipo de situações, tornando-se cada vez menos
sujeita a surpresas, este conhecimento vai-se tornando também ele cada
vez mais implícito, espontâneo e automático. Todas estas características
fazem com que seja difícil o professor falar sobre ele.
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
40 Leonor Santos, 2000
Como conhecimento de segunda ordem, este autor apresenta a
reflexão-na-acção. Surgindo na acção, uma análise é feita sobre o
acontecimento, exigindo uma nova acção. É uma “conversa com uma
situação única e incerta” (Schön, 1991, p. 130). O seu tempo de duração é
igual à própria acção.
Finalmente, existe a reflexão-sobre-a-acção, que sendo um
conhecimento de terceira ordem, leva à reconstrução e à reformulação:
“Reflectir sobre a reflexão-na-acção é uma acção, uma observação e uma
descrição, que exige o uso de palavras” (Schön, 1992a, p. 83) É
essencialmente este nível de conhecimento que leva ao desenvolvimento
profissional do professor, contribuindo fortemente para a construção da
sua forma pessoal de conhecer.
Perrenoud é um sociólogo que apenas episodicamente se dedicou ao
estudo dos professores e sobretudo numa perspectiva de formação. A
forma como encara a acção pedagógica do professor é um modelo
alternativo ao de Schön, a apresentar. Ele procura explicar como se
constrói o saber profissional através da prática, distinguindo duas
situações. A acção pedagógica do professor é, por um lado, baseada em
rotinas e, por outro, em “improvisação regulada” (Perrenoud, 1993).
Ano após ano, a realidade do professor pouco ou nada é alterada: os
programas pouco evoluem, os alunos não mudam significativamente e as
condições de trabalho são sensivelmente as mesmas. Deste modo, à força
de serem interiorizadas, há um conjunto de acções que não são pensadas,
nem escolhidas ou verdadeiramente controladas. “É a parte da
reprodução, da tradição colectiva retomada por conta própria ou de
hábitos pessoais cuja origem se perde no tempo” (1993, p. 21). Não
sabemos constantemente o que fazemos. Mesmo que tenhamos
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 41
vagamente consciência, nem sempre sabemos porque agimos de certa
forma. Seja à força da formação de rotinas que nos vamos esquecendo
progressivamente, seja por se tratar de um conhecimento de sempre,
reconhecemos a inutilidade e a impossibilidade de estarmos
constantemente conscientes dos nossos actos e dos seus motivos. É um
“inconsciente prático” (Perrenoud, 1996). Note-se que o desenvolvimento
e criação de rotinas para o professor é igualmente resultado da sua
necessidade de sobrevivência, isto é, é a forma de tornar tolerável o seu
dia-a-dia. Existe um número tão elevado de variáveis presentes em cada
momento na sala de aula que sem elas dificilmente seria possível manter
um esforço mental aceitável (Eraut, 1994).
No entanto, nem todas as situações de ensino são estereotipadas. Há
aquelas que são inéditas e que põem o professor perante a dúvida de
como actuar. É então necessário transpor, diferenciar, ajustar os
esquemas disponíveis. É para estas situações que Perrenoud recorre à
noção elaborada por Bourdieu (1972). No sistema de habitus, isto é, “um
sistema de esquemas de percepção e acção que não está totalmente e
constantemente sobre o controle da consciência” (Perrenoud, 1993, p.
21). Este sistema age como “um computador que funcionando em tempo
real transforma os dados numa acção mais ou menos eficaz” (Perrenoud,
1993, p. 40). O nosso habitus é constituído pelo conjunto de esquemas de
percepção, de avaliação, de pensamento e de acção. Graças a ele somos
capazes de fazer face a uma grande diversidade de situações do
quotidiano, através de pequenos reajustes. Quando estes ajustes são
pequenos ou ocasionais não há lugar a qualquer aprendizagem. Estamos
na zona da flexibilidade da acção. Quando o reajuste é maior ou
reproduz-se em situações semelhantes, estabelece-se a diferenciação e a
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
42 Leonor Santos, 2000
coordenação de esquemas existentes, criando-se novos esquemas. Neste
caso, o habitus enriquece-se e diversifica-se (Perrenoud, 1996).
Segundo este autor, a acção pedagógica está constantemente sobre o
controle do habitus, pelo menos de acordo com quatro mecanismos:
— uma parte daquilo que o professor faz são rotinas, que não exigem
a mobilização explícita de saberes e de regras;
— mesmo quando se aplicam regras ou se mobilizam saberes, a
identificação da situação e do momento oportuno provêm do habitus;
— a parte menos consciente do habitus intervém na micro regulação
de toda a acção intencional e racional;
— na gestão de situações de urgência a improvisação é gerida por
esquemas de percepção, decisão e acção que mobilizam de forma fraca o
pensamento e os saberes explícitos.
No que respeita à transformação dos esquemas em rotinas, Perrenoud
(1996) defende que no princípio da carreira, o jovem professor não tem
rotinas à sua disposição. Procura, sim aplicar métodos, procedimentos,
técnicas e receitas. Apesar disso, o habitus já intervém nesta fase, pondo
em prática esses processos e esquemas de acção. Com a passagem do
tempo, a parte das rotinas que se vão entretanto formando passam à parte
menos consciente do habitus.
Quanto à parte do habitus que intervém na micro regulação das acções
racionais, este autor avança com o princípio de que toda a acção
complexa faz apelo a certos saberes e raciocínios, excepto talvez no caso
das situações que designa por urgentes, que não permitem ter-se tempo
para pensar. No entanto, a acção racional contempla também o habitus,
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 43
uma vez que a lógica natural de um dado assunto é um subconjunto de
esquemas e também porque outras componentes do habitus permitem
fazer face aos imprevistos do desenvolvimento dos acontecimentos. É
deste modo que o professor é capaz de enfrentar uma situação não
prevista na sala de aula embora tenha feito uma preparação prévia
cuidada e minuciosa. O enfrentar acidentes críticos leva a um
enriquecimento da prática profissional, constituindo um novo estádio do
habitus, cuja origem não resulta de um contexto geral, mas sim de uma
experiência de aula.
Há ainda situações que podem surgir na sala de aula que nada têm a
ver com a preparação feita, mas que resultam da iniciativa dos actores
presentes. São situações que exigem uma resposta imediata. Segundo
Perrenoud (1996), para agir sobre estas situações, mobilizam-se
esquemas que vêm “não se sabe de onde” e que não contemplam de
forma nenhuma a reflexão. Pensamos então que agimos intuitivamente ou
espontaneamente. Seguindo o defendido por Bourdieu, Perrenoud
argumenta que não agimos por acaso, mas sim em função do nosso
habitus. Assim, o professor não improvisa, mas sim mobiliza um
esquema interiorizado a que pode chamar de carácter, personalidade ou
intuição. Aliás, alguém que conheça muito bem esse professor poderia
prever o que ele irá fazer face numa dada situação. É de notar que, face a
estas situações urgentes ou não previstas, a explicação deste autor é
distinta da de Schön, já anteriormente apresentada. Enquanto um faz
apelo a um certo grau de reflexão, o outro explica o fenómeno através de
esquemas de acção, que constituem o habitus. São, de facto duas posições
distintas para descrever o mesmo fenómeno, muito embora nenhum deles
ponha em confronto a razão e o instinto. O habitus não se opõe ao saber,
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
44 Leonor Santos, 2000
“traduz simplesmente a nossa capacidade de funcionar “sem saber”,
numa rotina económica para fazer face às urgências do quotidiano”
(Perrenoud, 1996, p. 192).
Por último, é através da releitura da experiência, da retrospectiva
preferencialmente em comunhão com outros que poderá levar a um
debate interior por parte do professor, transformando o seu habitus. A
tomada de consciência assim realizada muda o habitus porque é feita em
tempo real e em situação. No entanto, quando essa mudança pede demais
à pessoa, isto é, requer um trabalho demasiado exigente, a tomada de
consciência pode ser anulada ou adiada. Mas seja qual for o caminho a
dar à tomada de consciência, tal actividade, segundo Perrenoud, é quase
inevitável uma vez que o professor tem absoluta necessidade de
compreender e reinterpretar acontecimentos da sala de aula para que lhe
seja possível esquecê-los.
Do nosso ponto de vista, esta posição tão segura de existência de
reflexão é ou não questionável de acordo com o sentido que o termo
reflexão estiver a ser usado. Se encararmos a reflexão como um acto
consciente inerente ao ser humano, que reinterpreta permanentemente o
passado, trazendo-o para o presente, isto é, um conceito alargado de
reflexão, então compreendemos os pressupostos avançados por
Perrenoud. No entanto, se nos estivermos a referir à reflexão como uma
meta-cognição, a garantia de ser uma realidade constante não é muito
realista, se tivermos em conta a prática usual das nossas escolas. Se é
possível aplicar-se em situações muito particulares, estamos ainda longe
de que seja generalizada para as múltiplas situações que ocorrem no dia-
a-dia do professor.
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 45
Daquilo que se acabou de expor ressalta uma tendência clara na
rejeição da perspectiva anteriormente dominante que encarava o
professor como um “recipiente e consumidor da investigação e da
prática” (Richardson, 1994, p. 6). Assim, perspectivamos que, ao longo
do tempo, o professor vai acumulando e criando conhecimento na acção.
O conhecimento profissional é construído através da experiência e
depende de uma aquisição cumulativa e da selecção e interpretação dessa
experiência (Eraut, 1994). “Os professores estão sempre a teorizar, à
medida que são confrontados com os vários problemas pedagógicos, tais
como a diferença entre as suas expectativas e os resultados” (Zeichner,
1993, p. 21). Llinares (1991), sobre este assunto, fala num ciclo em
espiral que segue as seguintes fases: aplicação na sala de aula do método
do professor; reflexão sobre os resultados obtidos; comparação com os
objectivos previamente definidos; e procura de reajustes, tanto no que se
refere aos princípios subjacentes ao método utilizado, como ao próprio
método. A dinâmica assim definida, estabelece uma interrelação entre os
“princípios teóricos” e os “métodos de ensino” que se desenvolvem e
mudam em dependência mútua.
Em síntese, verificam-se diferenças de abordagem entre diversos
autores, em particular, na forma como o conhecimento se constrói e
emerge na acção. Em particular, Schön apresenta um modelo fortemente
apoiado no seu conceito de reflexão-na-acção, enquanto Perrenoud faz
recurso ao conceito de habitus.
Numa primeira análise, e partindo do pressuposto que nesta área,
como em tantas outras relativas à Educação, as situações não deverão ser
entendidas de uma forma radical, consideramos que o conhecimento
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
46 Leonor Santos, 2000
profissional dos professores é constituído por componentes de tipo mais
formal e outras de características menos estruturadas e informais,
desempenhando a prática um papel essencial no desenvolvimento e
crescimento desse conhecimento. Fica ainda a certeza de que o estudo
dos saberes dos professores, em particular, dos professores de
Matemática está longe de se encontrar numa fase conclusiva, constituindo
um domínio ainda mal conhecido. Os progressos que se vierem a
conseguir poderão favorecer um aperfeiçoamento de um quadro
referencial conceptual que poderá permitir uma outra vivência
profissional com importantes consequências para o processo de ensino e
de aprendizagem e para a própria formação de professores.
Planificação
Temos vindo a falar sobre o conhecimento profissional dos
professores, em particular como se revela e se constrói na prática lectiva.
Para uma melhor compreensão deste conhecimento procuraremos, em
seguida, focalizar a nossa atenção em certos momentos particulares da
acção do professor, procurando perceber o que pensa e o que faz.
São habitualmente consideradas três fases fundamentais da acção do
professor no que respeita a sua prática lectiva. Por exemplo, como
apontam Clark e Peterson (1986), uma forma de destinguir as fases de
ensino é considerá-las em três momentos: o pré-activo, interactivo e pós-
activo. Estes autores partem da hipótese de que o pensamento que os
professores desenvolvem durante a aula é qualitativamente diferente do
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 47
que realizam antes e depois da aula. No entanto, das investigações
realizadas a distinção entre a fase pré-activa e pós-activa não tem
sobressaído. Aliás, diversos autores (por exemplo, Pacheco, 1996)
designam-na por “planificação do professor”, isto é, a planificação inclui
não só os processos de pensamento que antecedem a aula, como
igualmente os processos de reflexão sobre o que aconteceu que vai ser
projectado em futuras aulas. Deste modo, o processo de ensino é cíclico.
Assim, planificar não é mais do que “converter uma ideia ou um
propósito num curso de acção” (Zabalza, 1992, p. 47) Por outras palavras,
“planificar consiste em ordenar o curso da acção que se pretende seguir,
dando-se-lhe um sentido prático e orientado para as direcções desejáveis”
(Pacheco, 1996, p. 105).
Clark e Peterson (1986) propõem um modelo organizador do
pensamento e da acção do professor. Este modelo considera dois
domínios fundamentais no processo de ensino. Por um lado, os processos
de pensamento (presentes na planificação — pré-activa e pós-activa – nos
pensamentos interactivos e nas decisões e nas teorias e concepções do
professor) e, por outro, as acções e os seus efeitos observáveis (presentes
nos comportamentos, na sala de aula, do professor e dos alunos e nos
desempenhos destes últimos). Estes dois campos são influenciados pelas
restrições e oportunidades que se apresentam ao professor, isto é, os
factores do contexto que poderão influenciar de forma determinante a
planificação e os processo de decisão dos professores. Estes dois
domínios distinguem-se pelo seu nível de observação. Enquanto o
primeiro não é observável directamente uma vez que ocorre “na cabeça
do professor”, o segundo é constituído por fenómenos observáveis, sendo
portanto mais fácil de ser sujeito a métodos de investigação empírica.
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
48 Leonor Santos, 2000
Estes dois domínios correspondem a duas abordagens paradigmáticas na
investigação sobre o ensino. Como fazem notar estes autores, o processo
de ensino só será totalmente compreendido quando estes dois domínios
forem considerados em conjunto e analisadas as suas inter-relações.
Segundo estes autores, a conceptualização da planificação tem sido
feita na investigação segundo duas perspectivas. A primeira assenta na
psicologia cognitiva e compreende um conjunto de processos nos quais o
professor antevê o futuro e define meios e fins que orientam a sua acção
futura. A segunda, seguindo uma abordagem fenomenológica e
descritiva, define planificação como tudo aquilo que o professor faz
quando diz que está a planificar. Para estes autores, estudar a planificação
é uma tarefa desafiadora, uma vez que tanto é um processo psicológico
como uma actividade prática. Seja qual for a posição em que nos
colocarmos, segundo Zabalza (1992), no processo de planificação estarão
sempre presentes:
— um conjunto de conhecimentos, ideias ou experiências sobre o fenómeno a organizar, que actuará como apoio conceptual e de justificação do que se decide; — um propósito, fim ou meta a alcançar que nos indique a direcção a seguir; — uma previsão a respeito do processo a seguir que deverá concretizar-se numa estratégia de procedimento que inclui os conteúdos ou tarefas a realizar, a sequência das actividades e, de alguma forma, a avaliação ou encerramento do processo. (p. 48)
Clark e Peterson (1986) estruturam a literatura neste campo em torno
de três questões:
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 49
— Quais os tipos e funções da planificação?
— Quais os modelos que têm sido utilizados para descrever o
processo de planificação?
— Qual a relação entre a planificação e as acções posteriores na aula?
De forma a responder à primeira questão enunciada, estes autores
referem oito investigações que tomaram lugar entre o final dos anos 70 e
o início dos anos 80. Os professores envolvidos são todos do ensino
básico, sendo o sexto ano o ano de escolaridade mais avançado. Em cinco
destes estudos os professores estudados cobrem todas as áreas
disciplinares. Em dois dos restantes, está presente a Matemática,
juntamente com uma ou outra disciplina. As metodologias de recolha de
dados incluem na generalidade a observação e a entrevista.
Dos principais resultados apontados ressalta que, em termos
temporais, os professores planificam sobretudo para uma semana, dia e
unidade, embora tenham sido identificados oito tipos diferentes de
planificação: semanal, diária, a longo prazo, a curto prazo, anual, por
período lectivo, por unidade e aula a aula. Em particular, segundo Clark e
Yinger (1979, in Clark e Peterson, 1986) os professores consideram a
planificação de uma unidade como a mais importante, seguindo-se-lhe a
semanal e em terceiro lugar a diária. Mais do que passarem para o papel,
a planificação é feita mentalmente, contribuindo para a construção de
uma imagem mental da aula ou da unidade, que pode conter uma
sequência de actividades e possíveis respostas dos alunos.
Já em Portugal, num estudo realizado por Guimarães (1996) através
de dois estudos de caso de duas professoras do 2º ciclo, ambas com cerca
de duas dezenas de anos de carreira, ressalta a importância atribuída à
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
50 Leonor Santos, 2000
preparação das aulas. Uma das professoras, mais formal, tem necessidade
de fazer uma planificação por aula e por unidade. A outra, mais flexível,
privilegia a planificação por unidade, passando-a por escrito e sobretudo
fazendo a selecção das tarefas a propor aos alunos.
As investigações estudadas por Clark e Peterson (1986) sugerem
múltiplas razões que podem levar o professor a planificar: (i) para
responder a uma necessidade imediata do professor, como seja, reduzir a
incerteza e a ansiedade ou definir uma dada orientação; (ii) como um
meio para o ensino, nomeadamente para conhecer, organizar e
seleccionar materiais e estabelecer uma orientação temporal; (iii) e ainda
para responder a um aspecto particular do ensino, como escolher o
método de trabalho dos alunos ou para antever o início de uma dada
actividade.
Para perceber quais os modelos usados para descrever o processo de
planificação, Clark e Peterson (1986) recorrem a dez estudos,
compreendidos entre 1975 e 1983, que abarcam agora não só professores
do ensino básico, como também do ensino secundário, embora estes
surgem num menor número de estudos.
Tradicionalmente, o modelo que descreve o processo de planificação
é um modelo linear, apontado por Tyler (1950, in Clark e Peterson, 1986)
que contempla as seguintes fases: especificação dos objectivos; selecção
das actividades de ensino; organização das actividades de ensino; e
especificação dos processos de avaliação. Mais tarde, Taylor (1970, in
Clark e Peterson, 1986; e in Pacheco, 1996) questiona este modelo,
afirmando que os professores começam com os conteúdos a ensinar,
considerando em paralelo aspectos contextuais, como seja, o tempo, a
sequência e as fontes disponíveis; em seguida consideram as situações de
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 51
ensino que mais podem motivar e envolver os seus alunos e só depois,
analisam os objectivos que tal ensino pode cobrir. Do mesmo modo,
Zahorik (1975, in Clark e Peterson, 1986) conclui que as decisões
tomadas na planificação nem sempre seguem um processo linear, e os
objectivos não desempenham, de facto um papel primordial. Segundo o
estudo desenvolvido por este autor, o principal foco de atenção na
planificação mencionado pela maior parte dos professores (81%) dizia
respeito às tarefas a propor aos alunos, e a decisão tomada em primeiro
lugar referia-se aos conteúdos (51%), seguida pelos objectivos de ensino
(21%). Estudos desenvolvidos posteriormente vêm reforçar estes
resultados, quando afirmam que a maior parte do tempo gasto na
planificação é dedicado ao conteúdo a leccionar, seguindo-se-lhe a
atenção nos processos de ensino, estratégias e tarefas. Os objectivos
constituem o assunto que menos tempo ocupa na planificação.
Um outro autor que se destacou no estudo dos processos
desenvolvidos na planificação foi Yinger (1977, in Peterson e Clark,
1986; Pacheco, 1996). Este autor, defendendo um modelo cíclico,
identifica três fases em que se desenvolve a planificação. A primeira é
aquela em que o professor identifica o problema, através de um ciclo de
descoberta, onde estão presentes os dilemas de planificação, o
conhecimento, a experiência e as concepções sobre o ensino do professor
e os materiais disponíveis. A segunda fase, inclui o formulação do
problema e a sua resolução. Para este autor, a elaboração, a investigação e
a adaptação são fases através das quais o professor formula os sucessivos
planos ao longo do tempo que constituem o processo de resolução de
problemas. Por último, na terceira fase, o professor implementa, avalia e
eventualmente transforma em rotina esses processos. Do que foi afirmado
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
52 Leonor Santos, 2000
resulta que, ao contrário de um modelo racional, Yinger apresenta um
modelo cíclico em que os objectivos se formulam de forma interactiva à
medida que o plano se vai desenvolvendo. Este contínuo dificulta a
distinção entre planificação, ensino e reflexão habitualmente usada.
Seguindo este modelo, Clark e Yinger (1979, in Clark e Peterson, 1986)
num estudo desenvolvido com professores do ensino básico, descrevem a
planificação como um processo cíclico, que tipicamente começa com
uma ideia geral e passa por sucessivas fases de elaboração. Note-se que,
enquanto o modelo de Tyler atribui à planificação uma função
prescritível da acção do professor, centrando-se na tomada de decisões
que tomam lugar na fase pré-activa, no modelo de Yinger a planificação
tem por função a orientação do professor, abarcando os três momentos de
tomada de decisões: antes, durante e após a aula.
Poder-se-á questionar se os processos descritos se mantêm invariáveis
ao longo da carreira do professor. Sardo (1982, in Clark e Peterson, 1986)
procurou estudar professores com diversos anos de experiência. Os
resultados deste estudo apontam para a existência de diferenças.
Enquanto os professores mais jovens seguem de perto o modelo linear de
Tyler, planificando diariamente, aula a aula, os professores mais
experientes tendem a ser menos sistemáticos na sua planificação, a perder
menos tempo nesta actividade e a fazê-la semanalmente.
Para além dos processos desenvolvidos na planificação, como
complemento, poder-se-ia falar dos “mediadores da planificação”
(Zabalza, 1992), isto é, as fontes de informação disponíveis ao professor
durante a planificação. Entre os mais frequentes, este autor aponta: os
livros de texto, os materiais comerciais, os guias curriculares, as revistas
e as experiências (casos ouvidos ou lidos). No entanto, em Espanha,
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 53
como nos afirma, são os livros de texto os mediadores privilegiados e
mais influentes. Situação idêntica poder-se-á afirmar da realidade
portuguesa. A maioria dos professores do ensino básico (2º e 3º ciclos) e
do ensino secundário (87%) utilizam o manual escolar adoptado na escola
sempre ou quase sempre na preparação das suas aulas. Segue-se-lhe em
segundo lugar, com 68%, o recurso a outros manuais escolares. As
orientações dos programas encontram-se em terceiro lugar, sendo
utilizadas por 62% dos professores destes níveis de ensino (APM, 1998).
De acordo com o modelo de análise sugerido por Clark e Peterson
(1986), estes autores questionam, por último, a relação entre a
planificação e acção do professor na aula. Para dar resposta a esta
questão, assentam num novo conjunto de quatro estudos, em que o ensino
básico é uma vez mais o universo preferencialmente escolhido e a
Matemática está representada num único caso. Em geral, estes estudos
apontam para uma influência da planificação no que respeita aos
conteúdos ensinados e a sequência dos tópicos, muito embora aspectos de
detalhe da aula sejam imprevisíveis e, como tal, não possíveis de ser
planificados. Daí poder-se afirmar que embora a planificação reduza a
incerteza e a insegurança do professor, ela não poderá nunca eliminá-las
na sua totalidade, uma vez que o ensino na sala de aula é um processo
social complexo que inclui regularmente interrupções e surpresas (Clark e
Peterson, 1986).
Em síntese, parece poder dizer-se que a actividade de planificar não
decorre de uma forma linear e passo a passo, mas é mais complexa
podendo destacar-se, conforme os autores, uma maior ênfase neste ou
naquele aspecto. Contudo, seja qual for o modelo que perfilharmos, há
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
54 Leonor Santos, 2000
algo que é transversal a toda a planificação — esta não é possível sem
envolver objectivos, conteúdos, actividades, recursos e materiais de
avaliação. “Se é difícil encontrar um modelo único de planificação, pois
não haverá um estilo específico que seja mais apropriado que um outro,
mais fácil será constatar que a actividade didáctica é a unidade básica da
planificação” (Pacheco, 1996, p. 115).
Tomada de decisões na acção
Procurámos no ponto anterior apresentar alguns dos aspectos relativos
ao processo de planificação resultantes de estudos desenvolvidos nesta
área. Falar em planificação é falar sobretudo nas fases pré-activa e pós-
activa da acção do professor. Considerando, no entanto, que esta acção
ocorre em três momentos, vamos procurar debruçarmo-nos agora sobre a
terceira fase, a interactiva, isto é, aquela que ocorre durante a aula,
nomeadamente procurando saber quais as questões que se colocam ao
professor e como este as procura resolver.
Clark e Peterson (1986) procuraram igualmente fazer um apanhado de
estudos que se debruçaram sobre o conteúdo do pensamento do professor
durante o ensino. Para tal, seleccionaram seis investigações, realizadas
entre 1977 e 1982, compreendendo professores do ensino básico,
incluindo o equivalente ao 3º ciclo. Em dois destes estudos, a Matemática
foi uma das disciplinas consideradas. A metodologia de recolha de dados
fez recurso à observação de aulas, com registo vídeo e entrevistas feitas
com base no seu visionamento.
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 55
De uma análise transversal destes estudos, estes autores concluem que
o assunto que surge com maior frequência nos pensamentos dos
professores são os alunos, quer no que respeita às suas dificuldades, quer
nos seus comportamentos não esperados. Em segundo lugar, surgem os
processos de ensino, no qual se incluem estratégias e métodos. Por
último, com menor frequência, encontram-se os objectivos de ensino e os
conteúdos programáticos. Foi verificada uma forte consistência entre os
resultados destes seis estudos.
A categorização apresentada pode ainda ser subdividia, tendo por base
os processos cognitivos. Baseando-se num estudo de Marland (1977),
aqueles autores apresentam as seguintes subcategorias:
— Percepções, correspondendo a unidades em que o professor
transmite uma experiência sensorial;
— Interpretações, correspondendo a unidades em que o professor
acrescenta um significado pessoal à percepção;
— Antecipação, respeitante a pensamentos especulativos ou
prescritíveis sobre o que poderá vir a acontecer numa fase posterior da
aula;
— Reflexões, correspondendo a unidades em que o professor procura
compreender factos passados ou acontecimentos a decorrer.
Estes autores chamam ainda a atenção para o facto de não ter surgido,
em nenhum destes estudos, situações em que o professor pensa sobre
assuntos extra-aula, nomeadamente da sua vida privada. Assumindo
grandes reservas quanto a este facto, explicam-no através das
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
56 Leonor Santos, 2000
metodologias usadas que levam o professor a fazer unicamente referência
a situações directamente ligadas ao trabalho da aula.
Estes trabalhos proporcionam uma ideia sobre os temas que merecem
mais atenção por parte do professor na fase de interacção. Poder-se-á
então perguntar como toma o professor decisões a partir das questões que
a si próprio coloca durante o ensino? Perfilhamos neste estudo a definição
de decisão interactiva apresentada por Clark e Peterson (1986) que a
considera como todo o acto consciente que ocorre quando estão presentes
pelo menos duas alternativas: a de alterar o comportamento ou o de não o
fazer. Este acto surge como resposta a uma situação, com que o professor
se confronta, que intervém de forma diferente daquela que foi
planificada.
Peterson, Marx e Clark (1978, in Clark e Peterson, 1986) apresentam
um modelo que descreve o processo de tomada de decisões interactivas.
Partindo do pressuposto que o processo de pensamento do professor na
sala de aula é cíclico, passando pela observação do comportamento dos
alunos, seguindo-se-lhe um julgamento sobre este, em termos de ser ou
não aceitável dentro de certos limites, prosseguindo pela decisão de
continuar ou de procurar na memória estratégias alternativas de
comportamento que possam levar o aluno a mudar o seu comportamento
para um aceitável, estes autores apresentam quatro vias alternativas
possíveis. A primeira é aquela em que não se verifica alteração, porque o
comportamento observado do aluno foi considerado aceitável. A segunda,
embora o comportamento não tenha sido apreciado como aceitável, o
professor continua, por ausência de estratégia alternativa. A terceira,
embora disponha de estratégia alternativa, decide continuar. Por último, a
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 57
quarta, o professor muda de comportamento de acordo com uma
estratégia alternativa encontrada.
Este modelo foi contudo questionado uma vez que diversos estudos
apontam para um reduzido número de estratégias alternativas de que o
professor dispõe sobre o momento. Procurando dar resposta a esta
questão, Shavelson e Stern (1981, in Clark e Peterson, 1986) apresentam
um novo modelo que inclui de forma explícita o papel das rotinas (ver
Fig. 1, página seguinte). Deste modo, no decurso da acção o professor
pode considerar apenas uma rotina de ensino que funcionará como via
alternativa de acção.
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
58 Leonor Santos, 2000
Figura 1. Modelo de tomada de decisões interactivas,
segundo Shavelson e Stern (1981)
rotinas de ensino na aula
Observação de um comportamento
O comportamento é aceitável?
É necessária uma acção imediata?
Não
Sim
Não
Sim
É necessário adiá-la?
Lembrar executar a
acção adiada
Sim
Não
Guardar a informação para futuro?
Sim
Não
Lembrar informação
Há uma rotina
disponível?
SimIniciar a rotina
Não
Tomar acção
reactiva
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 59
Contudo, quer num, quer no outro dos modelos apresentados, toma-se
como pressuposto que o que antecede uma tomada de decisão interactiva
é a observação, por parte do professor, do comportamento dos alunos. No
entanto, este pressuposto não é pacífico, uma vez que há estudos que
apontam para o facto de que a tomada de decisões interactivas relatadas
pelos professores decorrem mais como resposta a situações factuais,
como seja, questões colocadas pelos alunos ou na mudança de uma
actividade para outra ou, ainda, da antecipação por parte do professor de
problemas, do que da mera observação e apreciação do comportamento
dos alunos.
Os factores que influenciam a tomada de decisões parecem ser
diversos e cobrirem diferentes campos. Entre eles parece óbvia a
experiência individual do professor. Esta inclui, entre outros factores, o
número de anos de serviço. Calderhead (1981, in Clark e Peterson, 1986)
procurou estudar se havia diferenças entre professores experientes e
jovens professores face aos incidentes críticos da aula. Os resultados do
seu estudo apontam para uma diferença marcante na natureza e
sofisticação das interpretações dos acontecimentos da sala de aula. Os
jovens professores parecem ter falta de estruturas conceptuais ou
estruturas indiferenciadas para explicar estes acontecimentos e não
parecem atribuir-lhes o mesmo significado que os professores mais
experientes. Estes acumularam um amplo conhecimento sobre os alunos
que lhes permite mesmo “conhecer” a sua turma antes de se encontrarem
com ela pela primeira vez.
Também Bush (1986) procurou estudar quais as principais fontes que
determinam a tomada de decisões dos professores. Considerar que as
acções da sala de aula são resultado de decisões tomadas anteriormente
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
60 Leonor Santos, 2000
(pré-activa) ou durante a aula (interactiva) é um dos pressupostos donde
se partiu. O estudo desenvolvido incluiu cinco futuros professores de
Matemática do ensino secundário, que frequentavam um programa de
formação inicial que incluía numa primeira fase, um curso de
metodologia de dez semanas, com duas horas semanais e, numa segunda
fase, a leccionação de pequenos grupos de alunos numa escola secundária
local, durante três semanas consecutivas, durante uma hora semanal. Para
além disso, a sua prática pedagógica cobria um período de dez semanas.
Começando durante uma semana apenas a observar, iam
progressivamente tomando responsabilidade por um maior número de
turmas, até perfazer cinco de que ficavam responsáveis por dez dias
consecutivos, no mínimo. Foram feitas entrevistas antes e depois de aulas
que foram igualmente observadas. As fontes apontadas por este conjunto
de cinco futuros professores foram:
— o curso que tinham frequentado, a fonte citada mais
frequentemente;
— os livros de texto, que tiveram um papel determinante na
planificação;
— a influência de outros professores (os professores de Matemática
do passado parecem ter tido uma influência moderada, os professores
acompanhantes da escola foram referidos como tendo tido uma influência
superior aos próprios supervisores da instituição formadora);
— a reflexão sobre a sua prática, fonte com pouca expressão, o que
não é de admirar tendo em conta que estes professores não tinham
qualquer experiência dessa mesma prática.
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 61
É de notar que este estudo é bastante particular e o seu contributo
parece dirigir-se mais à formação inicial do que dar grande informação
sobre a tomada de decisões quando se fala do professor com um número
variado de anos de serviço. Contudo, é de destacar o papel importante
para a tomada de decisões pré-activas dos livros de textos, mesmo neste
contexto.
Em síntese, procurou-se identificar quais os temas que mais
preocupam o professor ao longo do seu ensino no momento interactivo e
de que forma ele desenvolve a tomada de decisões. Os alunos foram
apontados como o factor mais importante na tomada de decisões dos
professores na sala de aula. Seja através da observação, seja da
interacção desenvolvida, seja em momentos particulares da aula, esta
tomada de decisões segue um processo cíclico desencadeado por questões
que o professor coloca a si mesmo. Estes elementos poderão ajudar a
compreender o papel do professor, a forma como pensa e actua na sua
prática pedagógica. Mas uma vez mais, no entanto, se sente que muito
está ainda por estudar e que o objecto de estudo é complexo e
influenciado por múltiplos factores. Em particular, ressalta que “os
factores que condicionam a modificação do pensamento e
comportamento do professor são muito diversos, não sendo possível
caracterizá-los totalmente dado que dependem da experiência individual
adquirida e do contexto em que se actua” (Pacheco, 1996, p. 119).
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
62 Leonor Santos, 2000
Considerações finais
Na sociedade contemporânea é bem visível como o conhecimento
académico, o conhecimento de senso comum e o conhecimento
profissional assumem formas e papéis claramente distintos. Cada um
destes tipos de conhecimento corresponde a uma prática social
diferenciada. O conhecimento académico respeita à criação e validação
de conhecimento científico, humanístico ou filosófico, o senso comum
regula a condução da vida quotidiana e o conhecimento profissional
refere-se à resolução de problemas concretos num domínio de prática
bem definido (Ponte, 1994).
Deste modo, e na sequência da análise crítica da literatura
apresentada, entende-se por conhecimento profissional do professor o
sistema de ideias e conhecimentos sobre o qual se apoia para a realização
da sua actividade profissional. O conhecimento profissional está
profundamente relacionado com a acção. Tem necessariamente uma forte
relação com o senso comum e pode estar mais ou menos relacionado com
o conhecimento científico. Não se trata de um saber essencialmente
académico, nem tão pouco empírico, mas sim de um saber sobretudo
prático. O conhecimento profissional resulta da integração da experiência
com o conhecimento teórico (Azcárate, 1999a). Nesta integração a
experiência é um factor determinante, mas o conhecimento profissional é
tanto mais desenvolvido quanto melhor é a relação entre ambos e quanto
mais aprofundado e consistente for o conhecimento teórico.
Este conhecimento constrói-se e desenvolve-se sobretudo através da
prática profissional. Baseia-se na experiência e na reflexão sobre a
experiência. Reconhece-se sobretudo pela forma como orienta a prática.
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 63
Deste modo, este estudo tem por base uma abordagem essencialmente
interpretativa, considerando-se que a prática é o contexto mais promissor
para se estudar o conhecimento profissional.
Este conhecimento de carácter fortemente didáctico, constitui-se
através da interacção de informação de diversa natureza, nomeadamente
decorrente dos pressupostos teóricos, ideológicos e ontológicos, de
saberes oriundos de diversas disciplinas, e da experiência profissional,
que inclui tanto as rotinas que permitem orientar a acção mais directa,
como um conjunto de ideias e hipóteses mais reflectidas e técnicas e
procedimentos. O professor passa, deste modo, a ser visto como um
construtor do seu próprio conhecimento e como mediador das ideias que
poderão ter diversas fontes. Entre estas poder-se-ão apontar as de área
disciplinar (a Matemática e a Didáctica da Matemática); as
metadisciplinares (Filosofia da Educação e a Pedagogia); a biografia
pessoal (experiências pessoais, onde se inclui os acontecimentos críticos);
as representações sociais (sobre a escola, os alunos e a educação em gral);
a experiência profissional (lectiva e não lectiva, momentos de formação
formal); e a elaboração sobre a experiência (reflexão sobre a prática).
O presente estudo adopta um conjunto de pressupostos relativos à
natureza do conhecimento profissional do professor. Assim, considera-se
que este conhecimento:
— é dinâmico e evolutivo, uma vez que vai sendo progressivamente
construído pelo próprio;
— muito dele é sobretudo implícito;
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
64 Leonor Santos, 2000
— tem carácter pessoal, experiencial e situado, sendo enformado pelas
características individuais do indivíduo, pelas suas experiências e pelas
características do contexto.
O quadro de referência donde se parte para estudar, quanto ao seu
conteúdo, o conhecimento profissional do professor, posto em uso na sua
prática lectiva, é o que a seguir se apresenta (ver Fig. 2). Os quatro
domínios fundamentais apresentados incluem um conjunto de
conhecimentos estruturados pelas concepções que os professores trazem
consigo (Ponte, 1992).
A componente do conhecimento sobre a Matemática não só inclui o
domínio dos conteúdos que o professor ensina, como igualmente a visão
que ele tem sobre a natureza e estrutura enquanto ciência e enquanto
disciplina escolar, em particular, o seu entendimento do que é e como se
caracteriza o raciocínio matemático.
A componente do conhecimento sobre a aprendizagem, não só inclui
conhecimentos sobre o modo como se aprende em geral, como sobre os
alunos particulares a quem se ensina. Tem em conta as concepções e
influências culturais dos alunos, bem como os processos cognitivos e
metacognitivos. Este tipo de conhecimento é de grande importância para
a construção de contextos de aprendizagem — as tarefas a propor aos
alunos e o seu nível de dificuldade.
A componente do conhecimento do currículo, inclui o entendimento
do professor no que respeita aos grandes objectivos do ensino da
Matemática, às orientações programáticas, nomeadamente às
metodologias e estilos de trabalho e tipos de tarefas, aos materiais
educacionais e às orientações relativas à avaliação do desempenho dos
alunos.
Capítulo I – O Conhecimento Profissional
Leonor Santos, 2000 65
A componente do processo de instrução é determinada de forma
directa por estes três domínios do conhecimento profissional e está
presente nas três fases da prática lectiva: a pré-acção, a acção e a pós-
acção. Pode ser analisada através de aspectos como: os exemplos e
ilustrações; as tarefas; o discurso; a estrutura da aula; e formas de
trabalho dos alunos. Ainda no que respeita a aspectos da gestão da aula
tem-se, entre outros, a condução da aula, com o estabelecimento de um
bom ambiente de trabalho e de condições que permitem ao aluno
trabalhar, e com tomadas de decisões e mudanças de agenda.
Figura 2. Componentes do conhecimento profissional, posto em uso na prática lectiva
Conhecimentosobre
Matemática
Conhecimentosobre
Aprendizagem
Instrução Prática
Conhecimentosobre
Currículo
Conhecimento do contexto
Conhecimento de si mesmo
A prática lectiva como actividade de resolução de problemas
66 Leonor Santos, 2000
Mas o conhecimento profissional é igualmente modelado por outras
duas componentes, agora a um segundo nível: o conhecimento do
contexto e o conhecimento de si próprio. A componente do conhecimento
do contexto inclui aspectos relacionados com os colegas e a escola, com a
comunidade (pais, sociedade em geral) e com o sistema educativo. A
componente do conhecimento de si mesmo inclui as características
pessoais do professor que vai tomando consciência através da reflexão
que vai desenvolvendo sobre a sua prática. A forma como esta
componente pode intervir na prática é, por exemplo, através das opções
que o professor toma entre várias possíveis, de acordo com limitações ou
preferências que identifica como suas.
Parte-se da expectativa que ao procurar estudar o conhecimento
profissional, em particular num contexto de reforma educativa, será
possível encontrar todas estas componentes, embora provavelmente não
ao mesmo nível. Enquanto se espera que o conhecimento do currículo ou
dos alunos se revele através da observação e compreensão da prática
lectiva, por exemplo, o conhecimento de si mesmo será mais difícil de
reconhecer.