31
Adélia Borges Alfredo Bonduki Altair Assumpção Ana Carla Fonseca Reis Andrea Ciaffone Andrea Matarazzo Angela Tamiko Hirata Aurílio Caiado Branislav Kontic Carlos Américo Pacheco Carlos Jereissati Filho Celso Marcondes Cledorvino Bellini Clovis de Barros Carvalho Eduardo Rabinovich Eduardo Rath Fingerl Eliana Simonetti Fabio Barbosa Fernando Pimentel Francisco Simplício Graça Cabral João Alfredo Meirelles João Marcello Bôscoli Lala Deheinzelin Lídia Goldenstein Marcio Utsch Maria Luiza de Oliveira Pinto Pedro Passos Ricardo Guimarães Ricardo Weiss Rogério Massaro Suriani Rosa Alegria Rose Carmona Ruy Porto UM CAMINHO DE DESENVOLVIMENTO PARA O PAÍS ATRAVÉS DA MODA E DO DESIGN O SÃO PAULO FASHION WEEK REUNIU 33 ESPECIALISTAS PARA DISCUTIR OS NOVOS DESAFIOS DO BRASIL E REGISTRA AQUI ESTA INICIATIVA

Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

Embed Size (px)

DESCRIPTION

O SÃO PAULO FASHION WEEK REUNIU 33 ESPECIALISTAS PARA DISCUTIR OS NOVOS DESAFIOS DO BRASIL E REGISTRA AQUI ESTA INICIATIVAUM CAMINHO DE DESENVOLVIMENTO PARA O PAÍS ATRAVÉS DA MODA E DO DESIGNhttp://laladeheinzelin.com

Citation preview

Page 1: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

Adélia Borges • Alfredo Bonduki • Altair Assumpção • Ana Carla Fonseca Reis • Andrea Ciaffone • Andrea Matarazzo • Angela Tamiko Hirata • Aurílio Caiado • Branislav Kontic • Carlos Américo Pacheco • Carlos Jereissati Filho • Celso Marcondes • Cledorvino Bellini • Clovis de Barros Carvalho • Eduardo Rabinovich • Eduardo Rath Fingerl • Eliana Simonetti • Fabio Barbosa • Fernando Pimentel • Francisco Simplício • Graça Cabral • João Alfredo Meirelles • João Marcello Bôscoli • Lala Deheinzelin •

Lídia Goldenstein • Marcio Utsch • Maria Luiza de Oliveira Pinto • Pedro Passos • Ricardo Guimarães • Ricardo Weiss • Rogério Massaro Suriani • Rosa Alegria • Rose Carmona • Ruy Porto

UM CAMINHO DE DESENVOLVIMENTOPARA O PAÍS ATRAVÉS DA MODA E DO DESIGN

O SÃO PAULO FASHION WEEK REUNIU 33 ESPECIALISTAS PARA DISCUTIR OS NOVOS DESAFIOS DO BRASIL E REGISTRA AQUI ESTA INICIATIVA

Page 2: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

Aproximar os Brasis e lançar o país no mundo como sinônimo de inovação • GRAÇA CABRAL

A Economia Criativa e a sustentabilidade do crescimento • LÍDIA GOLDENSTEIN

Economia Criativa, desenvolvimento e cooperação cultural no século 21 • LALA DEHEINZELIN

Como se constrói o intangível • RICARDO GUIMARÃES

Pensar grande, começar pequeno e andar rápido • FABIO BARBOSA

Papel do design e da alta escala de produção • CLEDORVINO BELLINI

Fortalecer um sistema portador do futuro • BRANISLAV KONTIC

A sustentabilidade como verdade e diferencial de marca • MARIA LUIZA DE OLIVEIRA PINTO

Inovação de processos, sistemas e usos • ROSA ALEGRIA

Estudos e criação de metodologias voltadas para o intangível • EDUARDO RATH FINGERL

Aspectos-chave para implementar ações em Economia Criativa • FRANCISCO SIMPLÍCIO

Criatividade e conceitos não são copiáveis • ANGELA TAMIKO HIRATA

Gestão criativa e competitividade internacional • MARCIO UTSCH

Transgressão e eficiência • CARLOS JEREISSATI FILHO

A importância da convergência nas políticas públicas • CARLOS AMÉRICO PACHECO

A busca da excelência e da qualidade • PEDRO PASSOS

Proposta de bairro “criativo” • ROSE CARMONA

Bem intangível como oferta do setor público• CLOVIS DE BARROS CARVALHO

Estratégias para se valer de um mercado rico em oportunidades • EDUARDO RABINOVICH

Panorama da Economia Criativa • ELIANA SIMONETTI

A cultura do medo promovida pela mídia – JOÃO ALFREDO MEIRELLES

Exportar marca, e não produto • RUY PORTO

Formar um grupo forte de articulação • ALTAIR ASSUMPÇÃO

Qualidade para concorrer com o “basicão” chinês • RICARDO WEISS

Criatividade, emoção e experiência • ANDREA CIAFFONE

Ênfase na valorização do talento • ANDREA MATARAZZO

Investindo em criatividade: riscos e oportunidades • JOÃO MARCELLO BÔSCOLI

Foco no micro, na formação e na sustentabilidade • FERNANDO PIMENTEL

Mais atenção ao criativo • ADÉLIA BORGES

Desprezo aos meios de produção • ALFREDO BONDUKI

Designers e indústria • ROGÉRIO MASSARO SURIANI

Interação entre o setor e o BNDES • CELSO MARCONDES

Cidades criativas: da teoria à prática em uma volta pelo mundo • ANA CARLA FONSECA REIS

União entre criação e negócio • AURÍLIO CAIADO

04

06

08

10

12

13

14

18

20

22

24

26

27

28

29

30

32

33

34

36

38

39

40

41

42

43

44

46

48

49

50

51

52

56

Enquanto uma movimentação fre-nética tomava conta da Bienal, com gente circulando pelas rampas, corredo-res e salas de desfiles, um grupo de em-presários, economistas e profissionais de diferentes segmentos discutiam o de-senvolvimento econômico do país e o universo que fervilhava naquele prédio. Acontecia a semana de desfiles do verão 2007/2008, e o São Paulo Fashion Week, por meio de seu braço institucio-nal, o IN-MOD (Instituto Nacional de Moda e Design), se lançava no desafio de promover um debate sobre uma no-va estratégia de crescimento, a chamada Economia Criativa _ tida como o toque de Midas de economias desenvolvidas _, e o papel da moda e do design como condutores desse processo. Nos dias 13, 14, 15, 16, 18 e 19 de junho, o IN-MOD levou à Bienal representantes do setor público, da moda, do design e da mídia, economistas, empresários, es-pecialistas em Economia Criativa e pro-fissionais ligados à chamada indústria criativa. Cada um recebeu da organiza-ção do evento uma proposta de abor-dagem para ser desenvolvida – muitos, talvez levados pela criatividade, não se detiveram a ela, o que não representou nenhuma perda; ao contrário, como vo-cê vai conferir. Entretanto os três desa-fios sugeridos para nortear as conversas foram mantidos: qualidade, sustentabi-lidade e convergência.

A organização convidou ainda uma seleta platéia, na verdade, uma falsa pla-téia, porque dela esperava-se mais do que simplesmente assistir. E, felizmente, foi o que aconteceu. Nessa publicação, você encontra os trechos mais significativos das falas de todos que estiveram reunidos nos seis dias de encontro. Algumas participa-ções se deram na forma de diálogos e in-tervenções, mas, para facilitar a leitura e simplificar o entendimento, os textos foram editados separadamente. As inovações promovidas pela sus-tentabilidade adotada como vetor es-tratégico no Banco Real são descritas pela sua diretora de desenvolvimento sustentável, Maria Luiza de Oliveira Pin-to: clientes antigos e bastante rentáveis, mas que não se alinharam ao conceito, tiveram o relacionamento encerrado. “Só existimos em contexto, em re-lacionamento. É a economia do hí-fen, daquilo que está ‘entre’”, afirma o consultor Ricardo Guimarães em sua apresentação sobre a construção do in-tangível. O debate sobre métricas e metodolo-gias de avaliação de ativos intangíveis é aprofundado por Eduardo Rath Fingerl, do BNDES. Para Rosa Alegria, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas do Futuro da

PUC-SP, o mundo pede mais do que inovação: “Não basta criar novas coisas, vendáveis, precisamos criar sistema de reinvenção a partir dos sistemas que nos restam, aprender a reutilizar, a res-taurar, a reciclar”. O segmento de moda como um siste-ma portador do futuro, que representa bom negócio, de preço baixo e grande retorno, é a tese do sociólogo Branislav Kontic. Da ABIT (Associação Brasilei-ra da Indústria Têxtil e de Confecção), Eduardo Rabinovitch alerta para a in-formalidade do mercado como fator que inviabiliza o possível investidor de analisar um negócio. “Não há números, as marcas surgem sem projetos, sem sa-ber aonde querem chegar. Falta plane-jamento”. Para combater os asiáticos, é determinante a existência de uma gran-de escala de produção, destaca Cledor-vino Bellini, presidente da Fiat. São diferentes análises, enfoques e experiências em 34 textos que conver-gem para um mesmo ponto: a constru-ção de uma visão de futuro. Este é apenas o registro do primeiro de uma série de Encontros IN-MOD/SPFW de Economia Criativa. Na próxi-ma estação tem mais.

Bell KranzEditora

Negócios na passarela

0302

Índice

APRESENTAÇÃO

Edição - BELL KRANZ • Fotos - AGÊNCIA FOTOSITE • Projeto gráfico - AG_407

Uma publicação do IN-MOD (Instituto Nacional de Moda e Design), braço institucional do SPFW (São Paulo Fashion Week)

IN-MOD - Rua Tavares Cabral, 102, conj. 84, CEP 05423-030, São Paulo, SP • Tel.: (11) 3094-2880

JUNHO DE 2007

EXPEDIENTE

PARTICIPANTE DA PLATÉIA

Convidados discutem Economia Criativa no lounge oficial do SPFW, na Bienal; encontros aconteceram durante seis dias do evento, em junho de 2007

Page 3: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVAECONOMIA CRIATIVA

caminhos. Um trabalho contínuo que requer cuidado e atenção, que requer tempo de maturação e avaliação. Um processo de e em construção. Até onde podemos ir? O novo está em cada conexão que fazemos. E o futuro chega cada vez mais rápido, o que faz com que tenhamos que nos reinventar com igual agilidade. Em setores maiores e tradicionais, como a indústria automobilística, já se tem uma compreensão do papel fundamental que o design exerce como diferencial com-petitivo capaz de reinventar o negócio. No caso das empresas menores, a ino-vação e a tecnologia aliadas à criativi-dade são vitais. Tudo isso custa tempo e dinheiro. Que tipo de atenção e investi-mento estamos atraindo? De que forma abrir espaço para discutir questões in-tangíveis no âmbito da economia? Co-mo gerar uma percepção positiva de um segmento que, muitas vezes, parece só se lamentar e não ter projeto de futuro? A intenção deste ciclo de encontros é exatamente iniciar uma conversa com setores que normalmente não se conhe-cem e pouco se falam. Abrir um espaço de diálogo entre economia e criativida-de. Um novo ciclo que possa pautar e convergir esforços públicos e privados em torno de um planejamento de mé-dio e longo prazo para a moda e o design brasileiros. A revisão de todos os proces-sos é só o início de um movimento mais amplo de qualidade, convergência e sus-tentabilidade. Isso inclui analisar nossos modelos de gestão, níveis de eficiência, meios de produção, nossos critérios de qualidade e inovação, nossas fontes de financiamento. Como valorar o intangível? Como mapear esse mercado de tamanhos dife-rentes, que vai desde o micro e pequeno empresário que tem uma confecção até o pequeno e médio industrial, e enten-der quais são as necessidades desse mer-cado? Como beneficiar uma camada maior da população que vive à margem do processo, porque ainda está tentando copiar ou fazer a mesma coisa que todo mundo faz? Como impulsionar tudo is-so e trazer inovação, tecnologia? Como reunir inteligências para ace-lerar o salto qualitativo necessário? Esse é o foco do Instituto Nacional de Moda e Design (IN-MOD), braço institucional do SPFW. Nesse segundo ciclo de inovação,

é importante ouvir e aprender com exemplos de empresas brasileiras que já trabalham com o conceito integral de globalização, investindo dentro e fora do país para ganhar mercado e compe-titividade e acesso a novas tecnologias. Tudo isso demanda reflexão e inves-timento. É isso que estamos tentando construir. Uma visão de futuro para atrair novos investimentos e estabele-cer uma interlocução eficiente entre as empresas criativas – e a moda e o design estão inseridos nisso – e a indústria e os setores econômicos e financeiros, pú-blicos e privados. Queremos estabelecer novas conexões. Relações que nos aju-dem a crescer, e crescer é aceitar mudan-ças, transformações. E por que não? Estamos juntando “cabeças” para pensar como gerar uma nova percep-ção de mercado. É uma segunda etapa crucial para a consolidação do espaço que foi conseguido nesses primeiros dez anos e que precisa ser aprofundado. Isto quer dizer investir em pesquisas e estu-dos que possam mostrar qual é a realida-de do setor e apresentar oportunidades e riscos, gerando atratividade. A moda tem a liberdade de sempre poder olhar de maneira inesperada para o óbvio e dizer de outros jeitos, múlti-plos e complexos. A sua universalidade reside exatamente nessa capacidade de ser única e diversa ao mesmo tempo. À moda cabe propor mudanças, trans-formações, derrubar padrões e criar no-vos hábitos. A responsabilidade de nos reinventarmos dia a dia é um pressupos-

to da moda. É essa irreverência que pro-duz um novo olhar. Ao inovar e integrar meios culturais e criativos da economia, o SPFW é visto, em vários lugares do mundo, como um caso referência de Economia Criativa. Talvez por ter se utilizado de questões intangíveis, como articulação, marca, idéias e estratégias, para transformar o tangível. Tem uma visão de futuro que vem da ordem e do progresso inseridos em nossa bandeira; e tem o futuro que vem da transgressão, do não aceitar fórmulas prontas, de ultrapassar limites, de dei-xar o caminho desimpedido, aberto ao desconhecido, que também faz parte do nosso DNA. Precisamos tomar posse dessas duas forças e levá-las até o limite do que podem produzir.

ESPAÇO DE CRIAÇÃO COLETIVA

Mais do que nunca o futuro é uma experimentação, uma aventura, uma in-venção. O São Paulo Fashion Week é um espaço para esse exercício. Um espaço ampliado de criação coletiva, onde em-preendemos, divergimos, inventamos, experimentamos, criamos, adminis-tramos, modificamos, aperfeiçoamos, lideramos, inovamos, compartilhamos, trocamos semelhanças e diferenças. Seu maior mérito, ao longo destes anos, tem sido o de promover bons encontros. Encontros que geram acontecimentos, que provocam mudanças, que abrem perspectivas, que criam novas soluções. Encontros que dá vontade de repetir.

05

O SPFW entra na segunda década de vida e inicia mais um ciclo de transfor-mação, em que novos desafios se colo-cam dentro de um projeto de 30 anos – até agora, conseguimos estabelecer um calendário de moda para o país e consolidar um espaço para o design e a criatividade dentro e fora do Brasil. Um processo de longo prazo, dinâmico, de construção coletiva, algo até então ini-maginável no país do imediatismo e da falta de planejamento. Está cada vez mais claro que a gran-de estratégia de desenvolvimento para o século 21 está nos negócios criativos. Moda e design desempenham um papel fundamental neste processo, inovando, abrindo portas, adicionando valor aos negócios, gerando empregos, sintetizan-do tendências, criando redes não só de negócios como de saber e cultura. Quando paramos para pensar o que queremos projetar para os próximos 10 anos, imediatamente pensamos em uma série de encontros, onde pudéssemos ter a oportunidade de conversar e discutir caminhos para a inserção definitiva do Brasil no mundo como país criador de moda e design, sinônimos de inovação e tecnologia. Uma oportunidade única para abrir novas possibilidades, multi-plicar nossas imaginações e comparti-lhar conhecimentos. Vivemos um momento importante na moda brasileira. Estamos aprenden-do a trabalhar juntos de forma contínua, preservando diferenças e fortalecendo o que temos em comum. Começamos a enxergar com mais clareza as mudan-ças necessárias para continuar crescen-do e atendendo às novas necessidades

do mercado. A intenção é aprofundar o conhecimento do setor e determinar níveis reais de crescimento interno e externo, capazes de promover políticas públicas de Estado e gerar atratividade e investimentos que possam garantir a sua sobrevivência. Fundamentalmente, temos em men-te a idéia de começar a construir uma visão de futuro em torno de princípios já bem estabelecidos da Economia Cria-tiva voltada para o desenvolvimento. Chamo isso de “aproximar os Brasis”. O Brasil do design, da inovação, da tec-nologia com o Brasil da vocação, do ta-lento, da diversidade. Estabelecer novos vínculos com base no reconhecimento, auto-estima e confiança.

DE SUSTENTADA A SUSTENTÁVEL

O São Paulo Fashion Week é, antes de mais nada, um espaço de relações, um ponto de convergência de redes criativas diversas. Quando falamos em redes, falamos em sustentabilidade. Re-des interdependentes com capacidade para trocar, ampliar, disseminar conhe-cimentos e experiências e inovar. Fala-mos em sair da condição de criatividade sustentada para sustentável, trabalhan-do de forma integrada, onde cada pon-to individual agrega valor e potencial ao todo, e todos podem compartilhar e usufruir de seus produtos. Falamos de inclusão, de gerar oportunidades para somar e construir. Para isso é preciso co-nhecer, conversar, prestar atenção, fazer contato de verdade.

A moda como comportamento e estilo de vida está inserida em quase to-dos os negócios. São poucas as áreas em que a imagem de moda não é utilizada como alicerce de comunicação, venda e posicionamento de marca, ancorando as grandes estratégias de marketing em torno dos chamados objetos de desejo. Tudo isto gera bilhões de dólares em ne-gócios extremamente variados.

MODA LANÇA CONCEITOS

O Brasil tem várias caras, inúmeras identidades e muitas vocações. Moda brasileira é a moda que leva a marca dessa diversidade. Se moda é compor-tamento, e comportamento é atitude e comunicação, a moda não lança só roupa, lança conceitos. Logo uma pla-taforma como o SPFW tem a obrigação de propor novos olhares, dentro de um processo de construção de uma cultura de moda num país tão rico e diverso e tão avesso à reflexão. Inventar novas possibilidades é um desafio tremendo porque não depen-de de uma única cabeça solitária. É no meio dos inúmeros encontros entre pessoas, idéias, coisas que isso aconte-ce. É por isso que a moda no Brasil é tão fascinante, porque é movida pelo dese-jo de muitos, o desejo que resulta dos inúmeros cruzamentos e geram uma multiplicidade fantástica. Esse desejo é contagiante, ele provoca novos dese-jos e possibilidades que podem ganhar consistência, desencadear novas manei-ras de cooperar e de se associar, novos

Aproximar os Brasis e lançar o país no mundo como sinônimo de inovação

Graça CabralVice-presidente do IN-MOD e

diretora de relações corporativas do SPFW

04

Page 4: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

tecnologia, mas amplie a capacidade de utilização dos benefícios da inovação através do conhecimento em todos os setores. Um ambiente no qual os ativos intangíveis, a geração de valores através do capital intelectual, se disseminem e impulsionem os mais diferentes seto-res da economia, capacitando-a para enfrentar os novos desafios que forem aparecendo. No Reino Unido, um dos países que mais tem investido na chamada Econo-mia Criativa, a redução de sua estrutu-ra produtiva tradicional para a China e Índia foi “compensada” pela geração de empregos e capacidade de exportação deste conjunto de setores que, depois do mercado financeiro, é o maior do país e atualmente o que mais cresce: propagan-da, arquitetura, mercados de arte e anti-guidades, crafts, design, design fashion, filme e vídeo, software interativos de la-zer, música, performing arts, publishing, software e computer services, televisão e rádio, entre outros. São setores dinâmicos, que mais têm capacidade de criar empregos, princi-palmente entre os jovens, e que, se bem articulados e apoiados, tornam-se pro-pulsores de inovação e da ampliação da capacidade produtiva do conjunto da economia nacional. O Brasil, dadas as características de sua população – tamanho, escolarida-de, faixas etárias – e sua desigualdade na distribuição de renda, não pode se dar ao luxo de prescindir de um setor ma-nufatureiro, tanto por sua capacidade de gerar empregos, muito superior ao setor agrícola e aos setores produtores de commodities em geral, como por sua capacidade de amortecer os ciclos de-correntes das vicissitudes do comércio internacional.

Portanto a garantia não só de maior sustentabilidade, mas de maior equida-de do crescimento atual, passa necessa-riamente pelo fortalecimento da Econo-mia Criativa. É a Economia Criativa que pode garantir a geração de um ambiente inovador robusto, que se espraie para todos os setores da economia, criando e alavancando os instrumentos necessá-rios para o fortalecimento do setor ma-nufatureiro brasileiro, o qual tem per-dido espaço quer internamente, para as importações, quer no mercado interna-cional, para outros países exportadores.

INTANGÍVEIS NA COMPETIÇÃO

Setores considerados tradicionais, como o têxtil, por exemplo, articulados e “vitaminados” pela Economia Cria-tiva, passam a assumir a construção de ativos intangíveis como forma de com-petição, inovando, quer em design, quer em produtos, quer em processos e ou materiais, tornando-se setores dinâmi-cos, com capacidade de exportar, atrair investimentos, gerar empregos e sobre-viver à violência da atual concorrência internacional. Indústrias tradicionais deixam de ser tradicionais quando in-corporam ao seu cotidiano o desenvol-vimento de novos processos e produtos, novos materiais e design.

07ECONOMIA CRIATIVA

Pode-se dizer, sem dúvida, que o Bra-sil hoje vive um cenário macroeconô-mico bastante positivo tanto do ponto de vista das contas externas, quanto in-ternamente, especialmente se compa-rado aos quase vinte anos de sucessivas crises, com baixo crescimento, elevada inflação e recorrentes problemas no Ba-lanço de Pagamentos. Os indicadores de solvência externa revelam uma situação muito confortá-vel: um superávit comercial projetado de U$ 43 bilhões para o final de 2007, re-servas internacionais líquidas projetadas para cerca de U$ 190 bilhões e uma dí-vida externa decrescente. Conseguimos uma importante redução estrutural da nossa vulnerabilidade externa, com o financiamento do Balanço de Pagamen-tos deixando de ser um problema. Internamente, a inflação não só foi controlada, mas permanece em um ní-vel baixo, permitindo a redução da taxa de juros, a qual, apesar de ainda elevada e uma das mais altas do mundo, já caiu significativamente, situando-se no me-nor nível desde os anos 80. Com tudo isso, resultado de mais de duas décadas de ajustes difíceis, fi-nalmente a economia voltou a cres-cer. E, exatamente por isso, temos uma oportunidade única para pensarmos o futuro do país sem o peso das sucessi-vas crises que nos abateram por longos anos. É o momento, quando os mais variados indicadores macroeconômi-cos mostram-se excelentes, ou no míni-mo razoáveis, de fortalecer as bases para que a economia brasileira consolide a atual fase de crescimento e, finalmente, entre em uma trajetória de crescimento sustentável.

Na atual conjuntura internacional, extremamente favorável, crescer a ta-xas elevadas por um ou dois anos está se revelando muito possível. Porém não se pode contar para sempre com um ce-nário tão positivo. Ciclos e crises sempre existiram e continuarão a existir. Ou seja, apesar da nítida redução da vulnerabilidade externa brasileira, não se pode esquecer que ela é fruto, de um lado, da imensa liquidez no mercado financeiro internacional e, de outro, da elevação dos preços das commodities em decorrência da demanda chinesa. A reversão deste cenário poderá não tra-zer o nível de stress ao qual estávamos acostumados, mas, sem a menor dúvi-da, imporá limites às nossas taxas de crescimento. No mundo atual, no qual a inten-sificação do processo de globalização graças às novas tecnologias continua provocando impactos profundos na distribuição geográfica mundial da pro-dução, a China, juntamente com outros pequenos países da Ásia, vem se trans-formando no grande supridor interna-cional de manufaturados, ameaçando não só as estruturas produtivas dos países emergentes, como a de tradicio-nais produtores. A forma como os diferentes países vêm enfrentando este novo cenário in-ternacional não é única. Muitos, prin-cipalmente os chamados emergentes, quer por dificuldades na sua estrutura produtiva, quer por dificuldades políti-cas, muitas vezes por ambas, têm conse-guido, a duras penas, agir apenas defen-sivamente.

Neste contexto, a questão mais pre-mente e simultaneamente mais difícil que se coloca hoje para o Brasil é como construir um caminho de sustentabili-dade do crescimento. Como aproveitar o atual “bom momento” e não só con-solidá-lo, mas ampliá-lo, ousando, ras-gando fronteiras, colocando o Brasil no mapa do mundo de forma diferenciada, garantindo uma inserção internacional privilegiada num mundo cada vez mais competitivo e complexo.

MENTALIDADE INOVADORA

A indústria brasileira tem consegui-do sobreviver, mas sempre com um pro-jeto defensivo, driblando as sucessivas crises. Entretanto, para competir com a China com suas escalas de produção e mão-de-obra barata, é preciso muito mais. Para enfrentar este desafio precisa-mos de empresas com uma mentalidade inovadora, capazes de construir marcas fortes, produtos com design, desenvol-ver tecnologia e inovar, gerando maior valor agregado para seus produtos. Mas esta mentalidade não floresce es-pontaneamente, necessita de um “caldo de cultura” gerado com o fortalecimen-to do que pode ser chamado Economia Criativa, um complexo de atividades profundamente ancoradas nas econo-mias urbanas e que são propulsoras de inovação e da ampliação da capacidade produtiva do conjunto da economia nacional, inclusive dos setores conside-rados mais tradicionais. Trata-se de criar um ambiente no qual a chamada economia do conheci-mento não se restrinja apenas à ciência e

A Economia Criativa e a sustentabilidade do crescimento

Lídia GoldensteinEconomista, consultora, membro da Agência

de Desenvolvimento da Prefeitura de São Paulo e membro do Conselho do IN-MOD

06

As características culturais do Brasil representam uma imensa oportunidade de desenvolver suas indústrias criativas e, com elas, elevar o valor agregado do setor de serviços e segmentos do setor industrial. Mas, para isso, é fundamen-tal ter um projeto proativo que envolva governos, agências de governo, setor pri-vado, empresários dos mais diferentes setores, economistas e representantes dos setores criativos e culturais. É pensando nisso que nós nos pro-pusemos o desafio de realizar durante o SPFW uma série de encontros que aju-dassem a pensar este futuro. É um desafio que se impõe a todos nós, de construir as rotas que permitam sairmos de trajetó-rias defensivas para uma trajetória proa-tiva, de construção de um futuro. E o sucesso dos encontros deixou claro não só a importância da nossa pro-posta, mas a sua viabilidade. Setores tão diversos, como o financeiro, o automo-bilístico, o de cosméticos, o calçadista e o têxtil têm, na Economia Criativa, um mínimo denominador em comum que, se trabalhado conjuntamente, tem o po-der de alavancar a capacidade de criação de bens intangíveis, os únicos, em um mundo cada vez mais “commoditiza-do”, capazes de, através da diferenciação, criar riqueza e garantir crescimento.

Page 5: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

design como ferramenta para redese-nhar o mundo) e tem como principais desafios a sustentabilidade e o planeja-mento (outro ponto fraco no Brasil). As formas de capital relacionadas a ela são o capital natural e o tecnológico. 4. A dimensão econômica atua como mediadora das outras. É trabalhada por meio do mercado e de sua regulação. Seus principais desafios são a distribui-ção eqüitativa e a regulação dos fluxos (de capital, de bens, de direitos de pro-priedade). E a forma de capital a ela rela-cionada é o capital financeiro.

DE PRODUTOS A PROCESSOS

Como atuar com Economia Criativa levando em consideração os dois ecos-sistemas interdependentes (o ambiental e o cultural) e essas quatro dimensões? Precisamos mudar nossa política de atuação através de produtos (eventos e ações isoladas e imediatistas) para uma política de processos (ações integradas e em médio e longo prazo). Processos que, para terem sucesso, devem ser mul-tissetoriais, transversais e multidimen-cionais. Temos uma grande dificuldade aqui, pois nossas instituições, do ensino ao setor governamental, são comparti-mentalizadas e despreparadas para isso. É preciso também contemplar as quatro dimensões, pois a ênfase dada exclusivamente à dimensão econômica não propicia o desenvolvimento sus-tentável. O São Paulo Fashion Week é um exemplo de sucesso: não se trata de um evento, mas de um processo que in-tegrou o setor e criou redes (dimensão social); reforçou o papel da identidade e do design, mudou a imagem do Brasil (dimensão simbólica); tem visão de lon-go prazo e sustentável e gera inovação tecnológica (dimensão ambiental) e cria mercado e novas formas de distribuição (dimensão econômica).

SER OU ESTAR, EIS A QUESTÃO

Neste século 21, a nova ciência nos apresenta uma visão de mundo onde existe constante mudança de estado

entre matéria e energia, tangível e in-tangível. A física quântica dá um novo sentido à celebre frase de Shakespeare: “To be or not to be, this is the question”. Nas línguas latinas, a frase ganha o que acredito ser seu sentido original: “Ser ou estar, eis a questão”. As coisas são, mas também estão. Mudam de estado, como a água, que é gelo, rio ou nuvem. Se as coisas não apenas são, mas estão, podem estar de outro jeito. Promover mudança de estado – através de processos integra-dos – seria então nosso papel. Por exem-plo: acredito que o Brasil é o país mais ri-co do mundo, pois não temos desertos, inverno, terremotos, conflitos étnicos/religiosos e temos auto-suficiência ener-gética e recursos hídricos, naturais e cul-turais incomparáveis. Se somos, por que não estamos? Pela incompetência em ter ação arti-culada entre os setores público e priva-do e a sociedade civil; pela falta de con-tinuidade nos governos, que leva a um descrédito; pela nossa dificuldade em nos organizarmos como um setor – tra-balhamos baseados nas nossas diferen-ças, e não nas nossas semelhanças –; pela falta de planejamento e visão de longo prazo. E, principalmente, por termos feito “canja da galinha de ovos de ouro” ao não reconhecer o papel estratégico de nossa cultura e criatividade, que de-veriam ter centralidade na formulação de políticas de desenvolvimento.

ESTRATÉGIAS

Há dois fatores que considero estra-tégicos na atuação em Economia Criati-va e desenvolvimento.

1. Criar conectores. Conectividade e convergência são as grandes caracterís-ticas deste século. Precisamos de conec-tores que integrem e articulem poder público, privado e sociedade civil. É preciso formar profissionais modem, ou conectores, com perfil transdisciplinar e aptos, por exemplo, a desenvolver proje-tos que incluam as quatro dimensões da Economia Criativa. Precisamos ainda de ferramentas conectoras que sirvam, por exemplo, para difundir as melhores prá-ticas, dar-lhes visibilidade e promover a conexão entre elas. Finalmente, neces-sitamos de instituições conectoras, que desempenhem o tão necessário papel. O IN-MOD é uma delas. 2. Preparar terreno. Geralmente acre-ditamos que boas sementes são garantia de bons frutos, porém nossas sementes (idéias, inovações) morrem porque o ter-reno não está preparado. Por isso temos o papel de garantir futuros possíveis e de-sejados, preparando o terreno e fomen-tando o ambiente favorável por meio da sensibilização e da instrumentalização das lideranças sobre o papel estratégico da Economia Criativa. E, finalmente, a base de tudo: ética. A falta de ética é o que devasta o ecossistema cultural e seu efeito nefasto corresponde ao efeito do aquecimento global sobre o ecossistema ambiental. Com esses elementos, estaremos mais aptos a tomar em nossas mãos a tarefa de mudar o mundo, mudando nossas mentalidades e hábitos: não mais uma relação de usufruto, mas uma relação de cuidado, criando um mundo que deseja-mos e merecemos.

09ECONOMIA CRIATIVA

De acordo com várias unidades do sistema ONU, a Economia Criativa é a grande estratégia de desenvolvimento para o século 21. Assim, nosso trabalho tem sido o de mostrar às lideranças go-vernamentais e empresariais o seu papel estratégico, já que trabalhar com desen-volvimento pressupõe a capacidade de enxergar além do presente, construindo visões de futuro. De maneira simplificada, a Econo-mia Criativa é um guarda-chuva que abrange as atividades que têm a cria-tividade e os recursos culturais como matéria-prima. Agrupá-las como um setor permite a formulação de políticas e a criação de ambiente adequado. Ela é constituída por um núcleo de artes (artes cênicas, visuais etc.); um núcleo de geração de conteúdo (mercado edi-torial e fonográfico, rádio, TV etc.); um núcleo de serviços criativos (moda, de-sign, arquitetura, publicidade etc.), um núcleo importantíssimo originado a partir do popular e tradicional (artesa-nato, festas populares, cultura popular etc.) e um núcleo ligado ao espaço pú-blico (equipamentos culturais, revitali-zação e qualificação de espaços públi-cos, atividades de massa etc.). Economia Criativa é um conceito amplo o suficiente para incluir nossa diversidade, tanto de linguagem quan-to de modelos de negócios, englobando uma vasta gama que vai do indivíduo que trabalha educação complementar através de música a uma grife de luxo. Distingue-se da indústria criativa pe-lo foco em desenvolvimento, e não em crescimento econômico, por gerar mer-

cado ao trabalhar com inclusão social e produtiva, por incluir a economia infor-mal, pela ênfase na preservação da diver-sidade cultural, pela inclusão de saberes e fazeres tradicionais, pela interface com economia solidária e pela sustentabili-dade originada por modelos de negócios de pequenas empresas articuladas. É considerada estratégica, por exem-plo, por lidar com o único recurso que não se esgota com o uso, mas, ao con-trário, se renova e multiplica: criativi-dade e conhecimento. Gera renda com postos de trabalho com baixo custo e melhor remunerados. Qualifica o capi-tal humano e fortalece o capital social. É um setor que cresce duas vezes mais que a indústria e quatro vezes mais que a manufatura.

ECOLOGIA CULTURAL

Na nossa história, tivemos fases em que o motor da economia foi sucessiva-mente matérias-primas, produtos, servi-ços. Nesta época de passagem do tangí-vel para o intangível, do mecânico para o virtual, o novo motor da economia é a experiência, a qualificação e a diferen-ciação através de valores culturais e sim-bólicos agregados. Este século também se caracteriza pela percepção da nossa interdependência. Já fomos dependen-tes da natureza, já tivemos a ilusão de independência e agora começamos a ter noção de nossa interdependência. A inter-relação dos mercados mundiais é um exemplo disso. A percepção da interdependência fi-ca clara no que diz respeito ao ambiente. Por risco de destruição, fomos forçados,

na primeira metade do século 20, a ado-tar uma visão sistêmica e integrada das disciplinas que lidam com o ambiente. Hoje, nossos maiores desafios são de ordem cultural, interpessoal e precisa-mos passar pelo mesmo processo no que diz respeito às disciplinas que lidam com o intangível. Acho que vivemos o momento da constituição de uma nova disciplina: a ecologia cultural, que trata de forma sistêmica as disciplinas que li-dam com o humano, como economia, cultura, direito. O interessante da Eco-nomia Criativa é que ela atua de forma interdependente com os dois ecossis-temas: economia para o ecossistema tangível, ambiental, e criativa para o ecossistema intangível, cultural. O ecos-sistema cultural tem quatro dimensões, que coincidem com aquelas ligadas à sustentabilidade. 1. A dimensão simbólica, ou cultural, é aquela onde estão inseridos os valo-res. É trabalhada por meio do conheci-mento e tem como principais desafios o acesso democrático e a visibilidade. As formas de capital a ela relacionadas são o capital humano e o cultural. 2. A dimensão social abarca o setor público e o privado e a sociedade civil organizada e é trabalhada por meio de redes. Tem como desafio a ação arti-culada e transdisciplinar e está ligada àquilo que é nossa grande carência: ca-pital social. 3. A dimensão ambiental inclui o ambiente natural e o ambiente tecno-lógico (infra-estrutura e equipamento disponíveis). É trabalhada por meio do design (no conceito de Bruce Mau: o

Economia Criativa, desenvolvimento e cooperação cultural no século 21

Lala DeheinzelinAssessora em Economia Criativa da Unidade Especial de

Cooperação Sul-Sul da ONU, superintendente de cultura do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP e membro do Conselho do IN-MOD

08

Page 6: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

valorização do indivíduo e de seu senso crítico que enriquece a cultura da em-presa porque nada, nunca, está pronto. Isso é intangível, é o processo. A Chrysler resolveu fazer um carro que fosse o paradigma da qualidade e pelo qual todo consumidor tivesse res-peito absoluto. A empresa fez pesquisa de mercado para saber qual era o carro ideal? Claro que não! Consumidor não entende de automóvel, só sabe dirigir. A Chrysler deu carta branca para os en-genheiros projetarem o automóvel dos sonhos – deles mesmos. Nasceu o Dodge Viper, que é absoluto sucesso nos Estados Unidos, uma referência de qualidade. Isso é branding: ir além do que o mercado quer. Além de ouvir o merca-do, avaliando os hábitos e costumes da sociedade e as expectativas do consumi-dor, a empresa deve usar o conhecimen-to, o senso crítico, os valores e as crenças de seus funcionários. Fazer aquilo que acha que deve ser feito, e não apenas o que o povo quer. É dessa forma que uma empresa sai na frente das outras, apos-tando em aspectos que ainda não são constatáveis pelos instrumentos da pes-quisa convencional. Por que estou falando dos valores e das crenças individuais? Porque a socie-dade não se estrutura mais por países e instituições. Faz tempo que as econo-mias são interdependentes em um nível tal que as fronteiras nacionais são obstá-culos para o fluxo de riqueza e de com-petência entre as pessoas. Soberania nacional é um valor data-do do século 20, quando acreditávamos que bom era ser independente. Matu-ridade é o reconhecimento da interde-pendência. Só existimos em contexto, em relacionamento. É a economia do hífen, daquilo que está “entre”.

VALORES E CONVERGÊNCIA

O que está impactando nosso futuro, nossa competência, nossa dificuldade de criar riquezas de forma sustentável é não saber fazer a gestão do “entre”, da inte-ratividade, do relacionamento. Pessoas, empresas, produtos são tangíveis, mas as relações – o hífen – são intangíveis. No lugar de United Nations, deve-mos criar a United People: fragmentar mais o mundo não em nações e insti-tuições, mas em pessoas, porque são as pessoas que têm emoções, vêem signifi-cado e se ligam umas às outras. Países e empresas têm interesses, mas as pessoas desses países e dessas empre-sas possuem valores e crenças. O que coloca uma empresa na vanguarda da economia não é o plano de marketing, é a crença e a visão das pessoas que fazem essa empresa, que conseguem ver aquilo que os outros não vêem. As empresas são estruturas fechadas. Já as pessoas são estruturas abertas. O ser humano aprende, interage. Os conflitos de interesse entre os indivíduos existem, mas, quando se trabalha no plano das crenças, existe a possibilidade de con-vergência. Quando as pessoas se unem em torno de um projeto grande, existe mais tolerância. Com convergência de crenças e de visão de mundo, é mais fá-cil administrar conflitos de interesse. VÍNCULO COM AS MARCAS

Esse raciocínio é aplicável também ao relacionamento do consumidor com as marcas, que, como as pessoas, são es-truturas abertas, permanentemente cria-tivas em todos os seus processos. Se ele tem um vínculo com os valores da mar-ca, é mais tolerante para os eventuais erros da empresa que detém aquela

marca. Esse consumidor acredita que a empresa quer acertar e, por causa disso, dá uma segunda chance. Se não há esse vínculo, ele troca a marca por uma da concorrência. O identificador fundamental do in-tangível é a atratividade. O mercado de capitais trabalha com isso: quanto maior a atratividade, menor o custo de capital. A atratividade, o magnetismo de uma marca é mensurável. Quanto tempo a mais o consumidor está disposto a espe-rar pelo que ele quer? Quanto a mais ele está disposto a pagar por aquela marca? O mundo está se organizando em partes cada vez maiores, mas a partir da menor parte. A menor parte é o indiví-duo, que tem no marketing e na custo-mização a possibilidade de ser atendido em suas mais ínfimas peculiaridades. As partes maiores são os blocos econômi-cos, que se organizam pela competiti-vidade, pelo que podem oferecer com qualidade e baixo custo. É preciso deter-minar a identidade, a vocação de uma região para formar esses blocos. Com a tecnologia disponível hoje, o conhecimento já não tem fronteiras, então não podemos continuar falando de limites territoriais e políticos. Deve-mos falar do vínculo, dessa identidade que viabiliza produtos e serviços com melhor qualidade e melhor preço.

11

Como se constrói o intangível

Ricardo GuimarãesFundador e presidente da Thymus Branding

O intangível de maior valor econô-mico hoje é o futuro, a certeza do futu-ro – justamente porque ele é incerto. Se fizermos uma busca na internet, vamos encontrar mais de 150 livros sobre a “era da insegurança” ou “era da incerteza” lançados nos últimos anos, porque esta-mos vivendo essa era. O futuro ainda não existe, não é um resultado tangível, passível de contabi-lização e de registro. Quando o futuro é incerto, a certeza sobre o futuro passa a valer muito. Onde a economia atribui valor ao futuro? Nas bolsas de valores. Além do valor contabilizável, definido pelos ativos tangíveis, o ‘book value’, – o in-vestidor avalia também que resultado futuro uma empresa pode lhe garantir se ele comprar suas ações; e assim chega ao seu valor de mercado. De uma forma bem simples a his-tória conta que nos primeiros anos da década de 1990, no início da populari-zação da internet, a Microsoft começou a valer mais do que a GM. Isso porque as garantias de resultado futuro da Microsoft eram melhores do que as da GM. Seja pelo mercado seja pelos ativos, as garantias que a GM oferece eram mais tangíveis: seus prédios, seus estoques etc. Já as garantias de resultado futuro da Microsoft são o conhecimento que reside em seus funcionários, que é in-tangível. Empresas como a Microsoft possuem uma flexibilidade, uma adap-tabilidade para se adequar a situações novas, não previstas, que quem está apoiado em ativos tangíveis não tem. Em síntese, quanto mais incerto e turbulento o futuro, mais valem os ati-vos flexíveis e adaptáveis.

INFORMAÇÃO EM TEMPO REAL

Está cada vez mais difícil fazer pre-visões. A tecnologia da informação disponível na nossa sociedade conecta pessoas, empresas, governos e mercados numa velocidade tão grande que as in-formações circulam numa simultanei-dade tal que não se consegue mais fazer previsões seguras. Tradicionalmente, quando se vive num ambiente incerto, turbulento, e há necessidade de garantir resultados futuros, as pessoas começam a investir na ferramenta que todo gestor usa até hoje: controle. É o modelo mental de gestão: vou olhar aquilo que eu posso controlar; aquilo que não consigo con-trolar, não levo nem em conta. Hoje não temos mais variáveis con-troláveis por causa da tecnologia da informação, que acelera o tempo histó-rico. O setor da economia que mais usa essa tecnologia é o sistema financeiro internacional. Nele, é possível observar eventos e fenômenos que surpreendem o modelo mental de previsão de ocor-rências. Em outubro de 1998, por exem-plo, com a crise da Rússia, todas as bol-sas do planeta caíram em 13 segundos. O investidor George Soros é uma fi-gura muito interessante que nos ajuda a entender este momento. Com a crise russa, ele perdeu U$ 2 bilhões e decla-rou: “Precisamos criar um organismo internacional de natureza política para controlar o mercado financeiro”. Ele sa-bia que, sem mecanismos de controle, ele não teria como receber informações antecipadamente e, assim, se preparar para evitar prejuízo. Sem controle, não há possibilidade de manipulação ou de usufruir de informações privilegiadas.

Hoje, o sistema financeiro trabalha em tempo real, como o tempo biológi-co: se eu pisar no pé de alguém, o cérebro da pessoa recebe a informação imedia-tamente, desencadeando uma reação. Foi o que aconteceu na crise da Rússia: em apenas 13 segundos, o mercado rea-giu. Com a tecnologia, o sistema finan-ceiro internacional ganhou a dinâmica de um organismo vivo, portanto extre-mamente plástico, extremamente adap-tável, extremamente imprevisível. Ele não é uma máquina, não é controlável, não é previsível e não segue o modelo de gestão que adotamos até ontem para gerenciar as empresas. ECONOMIA INTERATIVA

Pensando nessa nova dinâmica, po-demos falar em economia interativa como uma contribuição à economia criativa. A economia interativa é uma economia em rede, em que nada está pronto e o valor está na relação, na ca-pacidade de se conectar e se adaptar. É saber usar os recursos para produzir um bem ou um serviço e, simultaneamente, gerar feedback para ter melhores condi-ções para reformular o projeto com ou-tros parceiros e recursos. Essa dinâmica de desenvolvimento, de evolução em tempo real pelas cone-xões e relações é que vai determinar a sobrevivência e a garantia de resultado futuro. É uma economia de acolhimen-to, de vínculo. Por exemplo, quando uma pessoa vai trabalhar na GM, ela é contratada para fazer carros. O operário é como uma máquina, programada com um chip para fazer carros da maneira co-mo sempre foram feitos. Já na Toyo-ta, a pessoa é contratada para melho-rar o jeito de fazer carros. Existe uma

10

Desfile da grife do Grupo Cultural AfroReggae

Page 7: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

Papel do design e da alta escala de produção

Cledorvino BelliniPresidente da Fiat

No modelo brasileiro, temos que li-dar com algumas questões básicas, fun-damentalmente começar pela prepara-ção dos recursos humanos. Nós temos uma grande experiência nesse setor. Mantemos um centro de estilo aqui, no Brasil, pois o design de um automóvel é fundamental. A grande atração está sempre muito ligada à modernidade, às linhas que mostram o futuro, à beleza do produto. Pensando no futuro, o que temos que fazer nesse campo é investir mais na capacitação, na preparação dos nos-sos jovens. O Brasil está realmente ca-minhando e temos que pensar como vamos ser competitivos, como vamos enfrentar a competição asiática. Nosso grande diferencial é a capa-cidade de criar de forma diferente dos orientais, talvez fruto da nossa latinida-de. Além disso, a evolução tecnológica – nanotecnologia, biotecnologia, novos tecidos que vão surgir – vai influenciar a moda e dar um novo impulso. Mas todos esses avanços, seja no de-sign, nos produtos ou nas tecnologias, devem ser suportados pela consciência ambiental. É absolutamente necessário ter como base a ecologia.

BRASIL DÁ EXEMPLO

A ONU mostra que o Brasil tem dado um exemplo para o mundo. Em debate recente, Bill Clinton e George Bush pai elogiaram o Brasil abertamente, pois hoje temos 95%, 97% de carros flex. Os americanos são responsáveis por 25% do gás carbônico do mundo, e nós, do Brasil, conseguimos um equilíbrio com o carro a álcool. Ele polui também, mas,

com o crescimento da produção de cana-de-açúcar, a fotossíntese seqües-tra o gás carbônico do meio ambiente e, conseqüentemente, fecha a zero. O mundo está reconhecendo, mas nós não estamos tendo esse reconhecimen-to no Brasil. São estes saltos tecnológi-cos que, aliados a design e criatividade, sem dúvida nenhuma vão fortalecer nossa economia. Por outro lado, se não tivermos po-líticas que garantam um crescimento sustentável, corremos um risco muito sério. Para criar condições de competiti-vidade, devemos investir e gerar tecno-logia aqui dentro. Um exemplo: quando você importa tecnologia, você paga al-tas taxas. A MP do Bem criou condições para você importar máquinas e equipa-mentos sem grandes taxas, mas, quando você importa tecnologia de ponta, que é necessária para gerar avanços tecnológi-cos, ainda temos custos altos, que preci-sariam ser modificados. O Brasil é um celeiro enorme de ca-pacidade. O nosso setor é um exemplo. No mês de maio [de 2007], bateu o re-corde histórico de todos os tempos: mais de 200 mil veículos vendidos no mercado brasileiro, todos produtos de alta tecnologia e do design mais mo-derno que existe no mundo inteiro, que está no Brasil.

FORÇA DO DESIGN CRIATIVO

Quero dar um depoimento sobre economia criativa que considero muito

importante neste momento. O exemplo começou com a Fiat, com um design es-pecial, o da linha Adventure, copiado hoje por todas as montadoras brasileiras. Um fato que revela o alcance da criati-vidade: criou-se um novo segmento de mercado, o segmento adventure. Isso mostra a capacidade criativa do Brasil, a qual deve ser explorada, trabalhada, valorizada. Em relação às exportações, eu diria que os juros ainda são altos, existe de-masiado capital especulativo, que apro-veita essas taxas. No nosso setor, ainda temos o PIS como problema, e a conse-qüência é que não vemos horizonte de estimulo à exportação.

ESCALA DE PRODUÇÃO

O que é capaz de mudar efetivamen-te o cenário brasileiro é a existência de um grande mercado, de uma grande es-cala de produção. Assim, teremos com-petitividade para combater os asiáticos. Passamos por períodos de estagnação e agora vivemos um novo momento. Se tivermos um crescimento sustentável e se, dentro de quatro a cinco anos, o Brasil conseguir ter um mercado inter-no de 4 milhões de automóveis, ganha-remos competitividade. Nós temos criatividade, design, capa-cidade, recursos minerais e temos uma energia renovável, o álcool. Todos estes são fatores de competitividade, mas o determinante é ter uma alta escala de produção.

13

Pensar grande, começar pequeno e andar rápido

O Brasil vai ocupar um espaço dife-renciado no mundo. Essa é uma cons-tatação importante de ser feita. Estive nas Nações Unidas recentemente e, na questão do meio ambiente, o Brasil apa-receu como peça fundamental. E qual a razão? Porque o país é grande? Não, porque o Brasil tem sido inovador, o país que mais novidades tem trazido nessa área. Está se voltando para a ques-tão do combustível, do biodiesel, do eta-nol, do combate à devastação da Ama-zônia... Está totalmente conectado com as tendências mundiais no que se refere a meio ambiente, assim como nós, co-mo organização, no Banco Real. Isso coloca o Brasil perante o mundo como um país que tem, de fato, algo a agregar, não pelo seu tamanho nem apenas pelo volume de negócios que pode gerar, mas pela inovação, pela nos-sa visão diferenciada. O banco tem tido uma proposta muito inovadora no sentido de olhar para o todo, promovendo impacto nos vários públicos com os quais se relacio-na. Provocamos nas pessoas reflexões com relação àquilo que tem sido feito, se aquela é a maneira de fazer, se existe outra, e notamos que isso está gerando uma mudança. Entendemos que, por estarmos no pelotão de frente desse mo-vimento, temos que dar respaldo a tudo aquilo que quer seguir nessa mesma di-reção, como é o caso do SPFW.

É muito gratificante mostrar não pa-ra a indústria em si, mas para todo o país que é possível seguir um outro modelo de negócios, um modelo que estimula a criatividade, o design, valoriza as pes-soas, estimula os pequenos produtores e abre portas para o mercado internacio-nal. E tudo isso sem causar danos nem ao meio ambiente, nem à sociedade. Mas isso só vai se realizar se formos capazes de articular os vários aspectos e segmentos que devem estar envolvidos: do projeto de educação até a questão do suporte que pequenas empresas podem dar às grandes e o tipo de comunicação a ser usado dentro e fora do país para que, de fato, o nosso posicionamento seja diferenciado.

SEM IMPROVISAÇÃO

Ser criativo e focar no design não quer dizer improvisar. A minha resposta ao Brazil investment grade, termo usado quando o Brasil é aceito como um lugar bom para se investir, passa por essa ne-cessidade de planejamento. Olhar dez anos à frente, e não ficar na base da im-provisação. É o que temos que mostrar para o mercado externo e, assim, trans-mitir credibilidade. Também acredito que as coisas come-çam dentro de casa. A imagem do Brasil como um país bagunçado estava ligado à inflação e à idéia de que nada se plane-ja. Hoje a situação do país, até em termos de inflação, permite um planejamento. Então cabe a nós fazermos o trabalho

aqui dentro e, com isso, despertarmos o interesse de quem vem de fora. Eu acho que no passado o Brasil pe-cou por querer, às vezes, tirar uma vanta-gem num curto prazo, com alguns atos de esperteza. Acho que essa cultura está mudando. A valorização desse tipo de empresário está ficando para trás. Ago-ra a valorização é daquele que constrói algo que se sustente, que estabeleça rela-cionamentos não apenas com eventuais compradores ou consumidores finais, mas também com seus parceiros. O que ele faz com seus fornecedores, o que ele faz com a comunidade com a qual ele se relaciona? Quer dizer, ele está montando alguma coisa que seja sustentável? Essa é a direção para onde estamos seguindo. Eu gosto muito de dizer que a gente tem que pensar grande, começar peque-no e andar rápido. Não existe um pulo do gato, e sim bastante trabalho de base, uma visão de longo prazo de onde você quer chegar e mostrar um diferencial, que pode ser o design, pode ser a flexi-bilidade, pode ser a confiabilidade, mas todos eles respaldados por um profissio-nalismo que passa para a outra pessoa a noção de que aquilo é duradouro e que, portanto, um relacionamento de longo prazo pode ser estabelecido.

Fabio Barbosa Presidente do Banco Real ABN AMRO e presidente

da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos)

12

Detalhe da Biblioteca Real, montada na Casa SPFW, na Bienal, onde ocorreram os Encontros IN-MOD de Economia Criativa

Detalhe da exposição Fashion Innovation Attitude, da Fiat, instalada no prédio da Bienal durante o evento

Page 8: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

juros, do câmbio, da importância da Chi-na, dos empregos que são ruins... Lógico que ninguém vai colocar dinheiro em uma coisa que não tem futuro. Por isso eu tento mostrar aqui a certeza no Brasil. Em primeiro lugar, olhamos a moda não como a soma da indústria do vestuário, têxtil, de calça-dos e acessórios, mas como um sistema que envolve vários tipos de serviço. O SPFW, por exemplo, não está em ne-nhum tipo de classificação, mas é um serviço ligado à moda, ao emprego dos estilistas, à engenharia de produção, aos bureaux, aos fotógrafos, às agências de modelo e de publicidade e a toda a mí-dia. Gera emprego em função da moda e não faz parte da cadeia da moda. Temos que sair da visão de cadeia produtiva e enxergar redes que fazem essa rede de conhecimento funcionar. São redes mais complexas e, por isso, mais difíceis de serem percebidas. O papel que o SPFW vem criando é uma ponte entre esses vários mundos, entre vários tipos de serviço e indústria, entre a moda local e a moda no exterior e gera uma compreensão de que existe uma plataforma avançada de criação e produção de design e de moda no Brasil.

IBGE: AUMENTO DE EMPREGO

Alguns números rapidamente: se analisarmos os dados da pesquisa na-cional de amostra domiciliar do IBGE, que pergunta ao indivíduo no que tra-balha e qual a sua função, percebemos que a indústria da moda gera emprego. De 2004 para 2005, ela agregou 40 mil vagas no país. Na região metropolitana, onde em tese o emprego deveria cair, ele sobe de 2000 para cá, segundo dados do

PNAD, que inclui o estilista, o modelis-ta, o engenheiro e gerente de produção. Na mesma pesquisa, se observarmos a estrutura ocupacional do setor, per-cebemos 10,5% dos empregos voltados para atividades de criação e desenvol-vimento de produto. Para ter uma idéia disso, na indústria de software, que é a mais inovadora, intelligence intensive, são 13,5%, na têxtil são 7%. Vemos então que uma indústria tida como atrasada tem um crescimento de emprego signi-ficativo no setor de inteligência. O emprego formal na indústria têx-til cresce sistematicamente desde 2000 e acentuadamente de 2003 para cá. Por-tanto não podemos falar de aumento de crise no setor. Esta é a parte que precisamos res-saltar e apresentar ao governo, porque, do contrário, temo caminharmos para uma direção ruim, e aqui merece um comentário: embora eu defenda o atual governo, achei muito ruim aumentar a tarifa de importação. Por quê? Porque a moda depende de internacionalização, ela não existe sem escala global. A San-tista se internacionalizou não apenas para ampliar a escala, mas para ter aces-so à inteligência no exterior e desenvol-ver um produto avançado. Então, temos que globalizar nossas empresas e permitir que elas possam

importar insumos mais ricos, de maior qualidade. Devemos importar as coisas para as quais o Brasil não tem compe-tência e exportar o que o Brasil produz com competência.

MUDANDO O DISCURSO

Para concluir, o primeiro desafio é sair desta esquizofrenia: ter bons núme-ros e fazer maus discursos. Temos que fazer um discurso mais justo, que ajude o setor público e o setor privado a ala-vancar esta indústria nascente no Bra-sil. O que significa alavancar? Significa olhar esse sistema como uma pirâmide. Uma pirâmide de três camadas a grosso modo. O topo da pirâmide são os criadores. Chamo de criadores as empresas que detêm os valores do mercado, que in-fluenciam a rede de varejo e toda a re-de produtiva (têxtil, varejo, vestuário) para as tendências da próxima estação: materiais, tecidos, cores, padrões etc., como ocorre na Europa com os grandes estilistas. Temos uma segunda camada que são os difusores, as marcas que difundem a moda, que não são os imitadores, mas aqueles que adaptam o tecido a um pre-ço mais médio. Muitos criadores estão nessa camada, como o Giorgio Armani e seu Empório Armani. Muitas vezes, estão nas duas cama-das, que não se restringem ao vestuário. Esses criadores, em geral, são multipro-dutos, desenvolvem design para roupas,

15

Fortalecer um sistema portador do futuro

Branislav KonticSociólogo e membro do Conselho do IN-MOD

Queria me apresentar como sociólo-go e pesquisador desse sistema de moda, coisa mal definida pela economia, pela pesquisa e pelas estatísticas. Minha ten-tativa é superar os limites dos dados e buscar entender melhor como funcio-na esse sistema produtivo que mistura indústria, serviços, arte, cultura, design, vários tipos de conhecimento. Hoje há um consenso entre pesqui-sadores, empresários e estudiosos de que existe uma interdependência forte entre crescimento e inovação, entre produção e conhecimento. Isso tem uma conse-qüência enorme para a indústria e para os segmentos econômicos de uma for-ma geral. Significa, sob o ponto de vista da competição global interna e exter-na, que não há saída se regiões, parques industriais e empresas não migrarem para produtos com maior conteúdo de conhecimento.

Conhecimento pode ser tecnologia, tecnologia embarcada em máquinas, tecnologia de materiais. Pode ser de-sign e estilo. Dentro da abordagem da moda e do que se discute na economia criativa, o foco maior é desenvolver a idéia de que aquilo que a biotecnologia significa para a indústria farmacêutica, aquilo que a física e estudos de mate-riais significam para a microeletrônica, aquilo que a matemática avançada sig-nifica para os softwares equivale ao que o design significa para a indústria tradi-cional da moda. Portanto isso deve ser valorado de uma forma igual. Se não apresentarmos essa realidade, a indústria da moda vai ser vista co-mo parte de uma economia em atraso, porque, como ela não incorpora direta-mente nenhuma tecnologia de ponta, não é inovadora. Você analisa estilistas, pesquisas de inovação no Brasil e no mundo e não consegue identificar em-presas muito inovadoras.

Assim, chegamos à grande questão: como mostrar para governos, bancos e financiadores que falamos de um sistema alta e diretamente gerador de empregos no futuro, que é um sistema importante, mas que não crescerá se a indústria como um todo não entender como possível competir com base no design e no conhecimento?

REDES X CADEIA PRODUTIVA

Gostaria de colocar um desafio para nossa discussão. Eu acho que tratamos a indústria da moda de uma forma esqui-zofrênica. Porque as entidades de classe, os governos e parte dos estudos de pes-quisadores acadêmicos olham o segmen-to que compõe a indústria do vestuário, a indústria têxtil e de calçados como um setor atrasado, porque só reclama dos

14

É PRECISO PROVAR PARA

BANCOS E MERCADOS DE

CAPITAIS QUE AQUI HÁ UM

BOM NEGÓCIO, DE PREÇO

BAIXO E COM GRANDE

RETORNO NO FUTURO

Espaço do salão de negócios FWHouse no SPFW

Desfile Alexandre Herchcovitch

Page 9: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

TEMOS QUE SAIR DA VISÃO

DE CADEIA PRODUTIVA E

ENXERGAR REDES QUE FAZEM

ESSA REDE DE CONHECIMENTO

FUNCIONAR. SÃO REDES MAIS

COMPLEXAS E, POR ISSO, MAIS

DIFÍCEIS DE SEREM PERCEBIDAS

17

sobretudo, mas também para calçados, acessórios, jóias, perfumes etc. Estas em-presas são muito mais empresas de mar-cas de moda, de produto, do que uma cadeia produtiva. Depois tem a base da pirâmide: aque-les que se apropriam destas idéias e as transformam em produtos de difusão e massa. Faço esta divisão esquemática para di-zer que eu gostaria que as políticas públi-cas estivessem voltadas, sobretudo, para o topo da pirâmide. Por quê? Por que é onde está a geração do conhecimento essencial. O pico da pirâmide tem de ser olhado como um sistema de insumos que pode ser criado pelas marcas.

SPFW: COORDENAÇÃO

A grande contribuição do SPFW é ter conseguido trazer para um único lugar e para um calendário essas realida-des do país: as confecções que transita-vam da imitação para a criação; a arte e a cultura nacional com sua identidade e este sistema voltado para os serviços (bureaux, comunicação, publicidade, modelos) e deu para isso um espaço de coordenação. O SPFW também deu para as marcas brasileiras influência, autoridade, mer-cado interno e mercado externo inicial-mente, mas, por ser um salão de moda, passou a ser olhado internacionalmen-te como um elemento diferencial. Um lugar onde as pessoas podem vir – jorna-listas, empresas – para influenciar seus produtos. Qual o desafio deste setor? Se esse topo da pirâmide, a segunda camada também, mas sobretudo o pico, não crescer, se suas empresas não ganharem escalas, musculatura, não se globaliza-rem, a tendência pode ser a regressão. Ou seja, o governo e o mercado de bá-sico deveriam fazer uma grande aposta no topo desta pirâmide. Como os recursos públicos e priva-dos são escassos, a minha idéia é que devemos vender esse sistema como

portador do futuro. Algo que contribui para o crescimento do país, dos seg-mentos envolvidos na produção (têxtil, vestuários, calçados) e, sobretudo, algo que também vai expandir influência para outras indústrias e segmentos. Não é à toa que Fiat, ABN e Motorola vêm buscar inspiração nos valores da moda e do design para poder diferenciar os seus produtos.

DIFERENCIAL BRASILEIRO

Acho que um dos aspectos impor-tantes da indústria da moda no Brasil, talvez um diferencial em relação ao que aconteceu com a indústria inglesa e a americana e, em grau muito menor, com a indústria italiana e a francesa, é a possibilidade de construir aqui uma in-dústria de moda forte, poderosa e com-petitiva global e comercialmente sem romper o nexo do conhecimento com a manufatura. Ou seja, ter uma indús-tria que é intensiva em conhecimento, incorpora tecnologia, incorpora design, que é a sua matéria-prima básica, e ao mesmo tempo consegue manter uma estrutura produtiva importante, geran-do empregos em quantidade e, sobretu-do, em qualidade. Acho que as políticas públicas e financiadores – bancos e mercados de capitais – não conseguem enxergar o se-tor porque vêem cadeias, e o que existe aqui não são cadeias, são redes. E dentro das redes existem sistemas de articula-ção que são empresas, não são pesso-as, são um coletivo que chamamos de empresas. Elas carregam consigo um acúmulo de conhecimento e é fundamental pre-servá-lo e estimulá-lo para que cheguem mais às fronteiras do setor. É preciso muito dinheiro para obter uma pesquisa de produto e um produto

interno forte. A Santista que o diga, mas que o digam os estilistas, os lançadores de coleção. Quanto custa uma coleção? Quantas equipes são necessárias? Via-gens? Fornecedores? Quanto tempo e energia se mobilizam nisso? Então, para esse segundo ciclo de transformação, o debate com a políti-ca pública deve deixar claro que esse é um setor que precisa de P&D [pesquisa e desenvolvimento], de financiamento pesado de capital, que só baratear bem de capital não vai resolver o problema.

PREÇO BAIXO E RETORNO ALTO

Do ponto de vista do setor privado, é preciso provar para bancos e mercados de capitais que aqui há um bom negó-cio, de preço baixo e com grande retor-no no futuro. Vender a imagem de um setor diferente, que não está em atraso, mas, ao contrário, sobreviveu, está fir-me, forte, com problemas, mas com po-tencial para ser muito maior e crescer muito mais. Este é o momento para o segundo ciclo. Acho que as instituições do mercado financeiro se movimentam com muito mais agilidade do que as instituições públicas e têm uma percepção de futu-ro, de risco. Eu daria, então, mais impor-tância a abordar o mercado de capitais. Isso não é uma panacéia, mas aproveitar um momento muito feliz da economia brasileira, em que há disponibilidade de capital para o investimento produtivo. Quem sabe esteja aí uma possibilida-de forte para alavancar, globalizar, dar musculatura, peso, internacionalizar as empresas de moda e aquelas que a servem, como já começou a acontecer com a Santista, a Alpargatas e assim por diante. Aí tem um conjunto de políti-cas que, associadas, podem dar um bom futuro. A pulverização do crédito para financiar P&D e inovação em pequenas e médias empresas, que são o grosso do setor, e o investimento, a aposta em em-presas que são portadoras de criativida-de, conhecimento e estilo.

16

Desfile André Lima

Page 10: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

Falamos muito das empresas, mas temos falado muito pouco de seus in-divíduos. Uma coisa que deve estar sendo sempre fortalecida e para a qual a empresa tem que colocar foco é a consciência dos profissionais para o te-ma da sustentabilidade.

FUNCIONÁRIO/CIDADÃO

A maneira de despertar essa cons-ciência nos nossos 30 mil funcionários é conscientizá-los em todas nossas ações referentes à sustentabilidade e olhar pa-ra eles como cidadãos que trabalham também na organização. É fazer com que entendam que, antes de serem fun-cionários, eles fazem parte da sociedade e têm um papel para desenvolver na so-ciedade e no banco. Despertar as pessoas para que en-tendam que o trabalho no banco está impactando e abrangendo um espaço maior; que, a partir de diferentes di-reções, seja quando você contrata seja quando você fornece, você está passan-do por uma avaliação de suas práticas ambientais. Entender que o consumidor

tem uma força maior. Se ele decidir hoje que tal empresa não é boa, tem o poder de acabar com ela – ou fortalecer as que estão compromissadas com o futuro. Para participar do desenvolvimento das pessoas, temos que valorizar as uni-versidades, o setor produtivo, o terceiro setor, o governo, ou seja, uma convi-vência que perpassa por vários papéis. A sustentabilidade para nós é um valor intangível transversal à organização. Foi nesse processo de associação e alianças para o futuro que nós nos as-sociamos com o grupo que dirige o SPFW, quando descobrimos uma visão compartilhada de futuro. Acho que o sucesso e a construção do futuro estão muito ligados a perceber e assumir que vivemos numa trama.

SEMPRE PROCURAMOS MOSTRAR QUE

NÃO É UMA RELAÇÃO EM QUE QUEREMOS

SER BONZINHOS, MAS ESTABELECER

UMA RELAÇÃO DE GANHA-GANHA-GANHA.

GANHA O BANCO, GANHAM A EMPRESA E

O CLIENTE E GANHA A SOCIEDADE

SUSTENTABILIDADE VALORIZA

Hoje, quando olhamos o mercado fi-nanceiro, não somos os únicos que tra-balhamos com talões de cheque [com papel reciclado], mas fomos os primei-ros. Quando começamos, em 2001, fo-mos taxados de loucos, que a iniciativa não traria dinheiro, que era insana e se-ria vista como uma tentativa de mudar a imagem do banco porque ela era ruim. Ou seja, que seria vista como um bom e grande trabalho de marketing, e não uma mudança de fato. Nos últimos anos, nossos resultados só aumentaram. O banco saiu de sexto e quinto lugar e está hoje lá em cima em termos de atratividade, não só junto aos clientes, mas também em termos de retenção de funcionários. Nos dois últi-mos anos, a marca que mais valorizou foi a nossa. Valorizamos mais de 300% por conta da sustentabilidade.

19

não têm, tentamos que demonstrem pelo menos uma atitude para consegui-lo. Se a empresa tiver essa postura, esta-remos junto com ela nesse processo, que é demorado. Com aqueles antigos clientes bas-tante rentáveis, mas que não têm es-se interesse, procuramos encerrar o relacionamento. Há outros que não têm essa consciência, e para eles mostramos que não é somente uma questão de pro-teger o ambiente, mas o futuro de seu negócio. Mostramos que hoje é possível exportar, mas que amanhã não. Mos-tramos que o consumidor está mais consciente, que a velocidade do proces-so muda e que amanhã talvez não con-siga vender o seu produto nem mesmo dentro do seu país. Sempre procuramos mostrar que não é uma relação em que queremos ser bonzinhos, mas estabelecer uma relação de ganha-ganha-ganha. Ganha o banco, ganham a empresa e o cliente e ganha a sociedade.

Desde que nós nos associamos à sus-tentabilidade como um vetor estratégi-co, descobrimos um dos maiores fatores de inovação da organização. E, quando se assume a sustentabilidade como par-te integral estratégica, é preciso assumir e acatar a complexidade da gestão da organização. No primeiro momento, nós pensá-vamos só na dimensão econômica. Era assim que tomávamos as decisões em relação aos clientes na concessão de em-préstimos, nas condições de pagamen-to. Nunca perguntávamos a eles se em seus projetos de financiamento existia algum impacto ambiental ou desloca-mento de grupo de pessoas de alguma comunidade social. Só pensávamos na questão econômica. A partir do momento em que o ve-tor sustentabilidade passou a integrar a estratégia de como fazemos negócios, de como tratamos as pessoas e de todo o relacionamento do banco, abrimos os olhos para coisas que não víamos. Aí en-tra o lado criativo.

NOVA FONTE DE LUCRO

Percebemos que a questão ambiental do cliente era, na realidade, um potencial

enorme de negócios para nós. Podíamos financiar desde as mudanças nas fábri-cas até os processos produtivos e acabava sendo muito melhor para o cliente –no começo, ele investia mais, mas no fim reduzia o custo de produção. Também era bom para o banco, que gera negó-cios, lucros – não podemos deixar de ser lucrativos – e bom para a sociedade, que tem como benefício a redução do uso de recursos naturais. Enquanto organização financeira, nos últimos seis, sete anos, o que esta-mos fazendo é ampliar o nosso escopo de atuação. Onde antes não víamos negócios nem relacionamento, hoje não só estamos vendo e fazendo como procurando convencer aqueles que ainda não vêem que esse é o caminho a ser seguido. Hoje temos muito claro em quais segmentos queremos atuar, quais políti-cas queremos financiar e compartilhar e quais não queremos. Por exemplo: um modelo simples como as madeirei-ras. Hoje só nos interessa trabalhar com aquelas que possuem um selo verde de manejo ambiental. Com as que ainda

A sustentabilidade como verdade e diferencial de marca

Maria Luiza de Oliveira Pinto Diretora executiva de desenvolvimento

sustentável do Banco Real ABN AMRO

18

Detalhe de tapetes que decoraram a Casa SPFW, feitos com aparas de papel jornal por ex-moradores de rua da Oficina de Arte Boracea

Page 11: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

Então reinventar é a solução, o que hoje é consumo de produtos poderá ser consumo de serviços. Temos que ter tecnologia e criatividade para desen-volver a área de reparos dos produtos duráveis e investir menos em produtos descartáveis. A indústria de hoje celebra o descarte, temos que trabalhar com produtos duráveis e recicláveis.

MÉTRICAS PARA O INTANGÍVEL

As macrotendências apontam pa-ra várias direções, mas o que mais me preocupa no momento é a questão da sustentabilidade, não apenas no que diz respeito aos recursos naturais, mas a relação sistêmica que existe entre esses recursos, a economia e a sociedade. Precisamos criar novos métodos e métricas que permitam que indicado-res intangíveis, como a criatividade, as alegrias e a brasilidade, sejam traduzidos em valores. Hoje nossas métricas e valo-res são traduções de produtos tangíveis, e nossas maiores riquezas não são con-tabilizadas como divisas para o país. Is-so não pode mais ser assim. Mudar essas métricas e torná-las legítimas é uma ati-tude possível e que levaria o país a uma posição real em relação à sua própria sustentabilidade. O futuro não existe, nós criamos o futuro. Então, por que não criar um fu-turo com Economia Criativa, com valo-res diferentes, revolucionários, em que a criatividade está pautada na sustentabi-lidade? Planejamento, continuidade e identidade são as chaves para que essas mudanças aconteçam. Precisamos encontrar nossa identi-dade e nossa auto-estima, perceber que temos pontos fortes que nos dão força e trazem oportunidades. Como? Através de nossa biodiversidade, nossos recursos naturais, criar uma moda que reutiliza, recicla e restaura e levá-la para o merca-do externo. Acredito que essa moda sus-tentável já existe: fibras naturais, moda que gera receita nas comunidades indí-genas, moda orgânica... Tudo isso como uma marca Brasil. A moda tem um enor-me potencial para alavancar as mudan-ças necessárias. Vivemos em uma sociedade de-mocrática, a mídia é tanto um poder concentrado quanto um campo de li-berdade. Uma outra tendência é que as pessoas estão se apoderando do con-teúdo da mídia, e a mídia do século 21 vai nos oferecer uma via de duas mãos.

Existe um estudo da IBM que afirma que em 2010 todo conteúdo gerado pelo sistema da mídia será criado por pessoas comuns, nós! Esse processo eu considero um gran-de desafio e o que proponho às empre-sas é abrir canais para a criatividade em conjunto com os consumidores. Abrir esses canais não significa apenas criar canais de escuta ou para sugestões e idéias, mas, sim, canais de co-produção com seus consumidores, utilizar profis-sionalmente o consumidor-produtor. Para nós, consumidores, não basta mais engolir coisas produzidas por siste-mas econômicos, queremos produzir, e a Economia Criativa pode ser a desenca-deadora desse processo.

ÉTICA E BELEZA

Voltando à idéia de sustentabilidade, uma coisa que a maioria das pessoas e empresas ignora é que sustentabilidade não é só meio ambiente, é a inter-rela-ção entre os sistemas econômico, social e ambiental. E existe também um outro pilar do qual tenho falado muito: o ético, que traz uma oportunidade para a indústria da moda. Hoje, infelizmente, ainda exis-te uma submissão a um padrão ditato-rial de beleza. Sei que houve iniciativas muito interessantes em relação a isso, muitas delas aqui no SPFW, mas acredi-to que ainda precisamos mudar muitas coisas nesse sentido. É muito importante o compromisso sustentável que o SPFW assumiu, o Brasil precisar incorporar essa cultura e os va-lores de inclusão. Isso, sim, é o conceito de beleza. Se trouxermos novos padrões de beleza, dentro dessa sustentabilida-de da moda, o Brasil vai fazer diferença, pode ser uma revolução. O brasileiro é o povo mais vaidoso do mundo, estamos preocupados com nossa estética, porém isso não pode extrapolar fronteiras da sustentabilidade.

21

Inovação de processos, sistemas e usos

Nós não aprendemos a pensar no futuro. Estudamos todos os detalhes do passado, mas raramente ouvimos ques-tionamento ou somos estimulados a pensar no futuro, a criar alguma coisa daquilo que desejamos ou queremos. O que quero dizer com isso é que tenho ficado assustada com a sobre-vivência do planeta e da civilização. E inserir nessa discussão o aspecto da cultura e da indústria, principalmente tratando de economia criativa, é muito importante. Não há mais como restaurar aquilo que foi perdido, não podemos partir para outro planeta e começar de no-vo. Não há outro caminho a não ser o da Economia Criativa. Portanto temos duas formas para lidar com essa situa-ção: adaptar aquilo que nos restou ou partir para o caminho da reinvenção, criar tudo de novo. O Brasil é hoje o maior reservatório de água do mundo, somos detentores da maior biodiversidade do planeta, ou seja, um ponto de luz neste momento. E vivemos um momento mágico, em que somos referência daquilo que sustenta

a economia mundial, a energia. Isso se deve a um dos raros momentos em que o Brasil pensou no futuro, resolvendo investir em energia limpa. Então é evi-dente que, se nós perdermos este mo-mento, não haverá outro século.

INVENÇÃO E INOVAÇÃO

Quando falo em reinvenção, pen-so que temos em nosso DNA cultural a capacidade de criar, inventar, recriar processos, idéias etc. O planeta precisa reinventar tudo, o trabalho, o consumo, o vestir... Então, acredito que a melhor estratégia é gerar um sistema de valores que seja pautado na criatividade. Nós somos muito inventivos, mas existe uma grande diferença entre in-venção e inovação. A inovação acontece quando essa in-venção gera algo novo na economia, ge-ra um impacto no sistema econômico como um todo, e para que isso aconteça é preciso ter medidas em longo prazo, planejamento estratégico. O que nos falta é planejamento. Quando conse-

guirmos fazer a ponte entre invenção e inovação, poderemos mostrar ao mun-do todo o potencial criativo do Brasil. Quando falamos em exportar, mos-trar, gerar criatividade, estamos falando em criar uma economia criativa não pautada nos sistemas de valores do sé-culo passado. Não basta criar novas coi-sas, vendáveis, precisamos criar formas de sobrevivência, sistema de reinven-ção, a partir dos sistemas que nos res-tam, aprender a reutilizar, a restaurar, a reciclar. Falando da inovação dos processos e dos usos, temos ainda que lembrar da nova frente para os serviços, o que o IBGE chama de bônus demográfico. Em 2025, o Brasil estará entre os seis países com maior índice de população idosa do mundo e, ao mesmo tem-po, com uma estabilidade ou até uma descendência dos mais jovens. Teremos uma gigantesca massa de mão-de-obra madura, capacitada profissionalmente e esperando possibilidades de geração de renda.

Rosa AlegriaFuturista e diretora de pesquisa do Nef

(Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP)

20

Painel na entrada da Bienal, que registrou diariamente o número de árvores a serem plantadas para “neutralizar” o SPFW

Detalhe da parede de papelão

Page 12: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

Razão para isso: evitar a evasão de cé-rebros, pois o Brasil cria a inteligência, mas, se você não sedimenta a inteligên-cia no país, o brain drain é inevitável: uma quantidade de brasileiros vão para o exterior e não voltam. É necessário criar uma rede de aproveitamento dessa inteligência, e o que nós estamos procu-rando fazer é justamente a fixação de inteligência no Brasil através de partici-pação acionária de empresas nascentes de base inovadora. Existe uma enorme dificuldade em avaliar intangíveis, e eu faço parte de um grupo mundial que estuda isso. O que vemos é a utilização de métricas e metodologias do passado para avaliar empresas que têm nos ativos intangí-veis a sua essência, a sua criação e ma-nutenção de valor. Isso passa por uma discussão de natureza contábil, que, aliás, é comandada pelo Zamboni, da Universidade de Ferrara. Existem diversas perplexidades no sentido do que fazer, do ponto de vis-ta da taxonomia, da metodologia e das métricas, mas esse debate está avançan-do. O Brasil, representado pelo BNDES,

faz parte desse grupo de debate, que tem como objetivos olhar para o futu-ro, a redução de subjetividade e da vola-tilidade e a observação de uma maneira mais apurada.

GRUPOS DE AÇÃO

Nós fizemos três grupos e contratamos a Coope-UFRJ para nos ajudar. O pri-meiro é dedicado à conscientização – “awareness”. Temos que conscientizar órgãos de controle, por exemplo, de que trabalhar nesse nível de venture capital é risco mesmo, é assim que acontece em qualquer lugar no mundo. Algumas empresas se transformam num Google, outras quebram. Mas as empresas que crescem ultrapassam de longe as que quebram. Então, temos que conscienti-zar também a imprensa, os empresários e o próprio BNDES de que é um outro mundo que estamos vivendo. O segundo grupo se dedica ao rate de capital intelectual, métricas e metodo-logia de avaliação, contando com apoio de diversos especialistas no mundo, pa-ra que nossas metodologias de avaliação de empreendimentos e de empreende-dores seja compatível com um mundo que muda a cada dia. E o terceiro grupo é o Criatec, que são instrumentos financeiros adequados a

esse novo mundo. Estamos procurando romper paradigmas, é difícil, mas nós temos que romper esse tipo de barreira para que o Banco de Desenvolvimento possa ter um papel importante numa so-ciedade em mutação e numa sociedade inteligente, extremamente inteligente. Recentemente, nos Estados Unidos, o presidente da American Venture Capi-tal Association me disse: “Adoro o Brasil, porque o Brasil é um país extremamen-te inteligente e muito barato e...”. Nós temos que trabalhar para levantar o pre-ço e, além disso, estamos participando de diversas empresas de pequeno porte, discutindo taxas, apoio, engenharia. A complementação do que o Banco de Desenvolvimento faz hoje é partir cada vez mais para o intangível. Como diretor da área de mercado de capitais, procuro coordenar dentro do banco esse trabalho de avaliação dos ativos intangíveis e de introdução dessas mé-tricas e metodologias. Acho que vai ser uma contribuição que o banco pode dar, junto com a imprensa, com a aca-demia e com empresários no sentido de nos colocar no rumo do futuro.

23

Estudos e criação de metodologias voltadas para o intangível

O papel do Banco de Desenvol-vimento é obviamente olhar para o futuro. Temos a obrigação de ter me-tas, metodologia e analistas com técni-cas modernas de olhar para a frente. A minha tese de mestrado foi Avaliação de Ativos e Intangíveis, sua importância para o Brasil e para o BNDES. Um dos se-tores que analisei, e apresento freqüen-temente, é o setor têxtil. Nós, no banco, ainda caímos na armadilha de conside-rar que este é um setor tradicional, mas é um setor onde há uma revolução per-manente de materiais e tecnologia. Quando nós falamos da indústria têxtil, estamos falando de eletrônica embarcada, nanotecnologia, tecnologia do setor agrícola, muita coisa na área de petroquímica, na área de especialidades químicas, sem falar em estilo, nas nossas modelos. Se tudo isso faz parte da cadeia têxtil, como podemos dizer que é um setor tradicional? Empresas sobrevivem e competem no mundo se elas tiverem capacidade de inovação, e não apenas inovação tec-nológica, mas inovação vista de uma maneira muito mais global. São diver-sos fatores que determinam o valor das companhias e, digamos, o valor do país: design, tecnologia, rede de relaciona-

mentos, relação com universidade, re-lação com consumidor, câmbio. Se um país não investe nesses fatores, está fada-do ao atraso. Dando um breve panorama do Bra-sil: o país possui, aproximadamente, 300 incubadoras, das quais de 10% a 20% são adequadas ao apoio financeiro. Se considerarmos que cada uma delas in-cuba dez empresas, nós temos de 300 a 400 empresas de pessoas, que geralmen-te vêm de escolas e universidades públi-cas, apoiadas por incubadoras também públicas. Falta o passo que transforma todo esse investimento público em ren-da: falta o capital empreendedor, “capi-tal-semente”, sem risco.

“SEGURAR” OS CÉREBROS

Então nós, no BNDES, descemos na cadeia da inovação e enfatizamos venture capital, pois no Brasil existem muitas empresas de pequeno e médio porte de base inovadora (não especifica-mente tecnológicas). Estamos com dez fundos de venture capital, um total de R$ 260 milhões, que estão alavancando R$ 1 milhão de investimentos para o fundo de capital-semente, justamente para apoiar essas empresas que estão nas incubadoras.

Eduardo Rath FingerlDiretor de mercado de capitais e de tecnologia

da informação e processos do BNDES(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)

22

O BRASIL CRIA A

INTELIGÊNCIA,

MAS, SE VOCÊ NÃO

SEDIMENTA A

INTELIGÊNCIA NO

PAÍS, O BRAIN DRAIN

É INEVITÁVEL

Desfile Ronaldo Fraga

Page 13: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

agregação de valor, cria-se valor para acessar o mercado. Há diversos meca-nismos para fazer isso acontecer. Gosto de dizer que o São Paulo Fashion Week é um excelente exemplo de grande pro-cesso, de uma grande cadeia de valor.

COLABORAÇÃO EMPRESARIAL

Há muitos desafios a serem enfren-tados, muito a se aprender e é por isso que as nossas propostas de trabalho continuam a incentivar o debate, a discussão, a formalização de idéias, a documentação das lições aprendidas e o intercâmbio. Entre os temas mais importantes, porém, acho que o que vem em primeiro lugar é a necessidade da formação de um novo tipo de coo-peração empresarial, uma nova forma de colaborar. A questão a se observar é: como essa colaboração entre empresas, entre instituições que normalmente es-tão acostumadas a competir deve acon-tecer? Esse é um processo que temos de aprender. Não é uma receita de bolo: faça assim que vai dar certo. Temos de descobrir. A Pensilvânia, por exemplo, está ten-tando utilizar a Economia Criativa para se renovar. Como não há mais indústrias, estão tentando recuperar a economia do Estado com esse novo discurso. Em Mi-chigan, também estão tentando fazer o

mesmo esforço em alguns setores, não há soluções individuais. Além de um novo tipo de colabo-ração em diversos níveis, é necessário um apoio à experimentação, que é um pouco diferente da inovação. Há três semanas, eu estava em Beijing num de-bate sobre esses temas e a conclusão a que chegamos foi que a criatividade é que vende inovação. A quantidade de patentes, de desenhos que nós temos registrado, na verdade não importa tan-to. As inovações somente são vendidas quando existe um processo criativo que as coloca no mercado. Um exemplo na área de tecnologia: são conteúdos que vendem computadores, não computa-dores que vendem conteúdos. É conteú-do que vende música, não equipamento de som. Temos de participar também do processo de formação de conteúdo, que exige experimentação, tentativas.

Acho que o mais importante, neste momento, é dizer que não há uma res-posta clara ainda. Sabemos que temos de fazer alguma coisa, sabemos que as tendências não nos são favoráveis. Se não fizermos alguma coisa, a tendência é piorar, não melhorar. Ao mesmo tem-po, vemos oportunidades importantes. É possível modificar essas tendências e um exemplo claro dessa modificação é a Irlanda, que, em poucos anos, saiu do es-tágio de país subdesenvolvido para país desenvolvido, puramente baseado em técnicas e trabalho principalmente na área da Economia Criativa. Muita gente diz que a saída é produzir computado-res, mas não é, é produzir escritórios, en-saios, conteúdos, advogados de direitos autorais, enfim, uma rede de serviços em torno dessa linha de trabalho. O que é Economia Criativa não está claro e não vai estar claro, é importan-te entender isso, em algum momen-to próximo. Um dos nossos esforços é trazer todas as agências da ONU, por exemplo, para discutir esse tópico e ter um pouco mais de clareza sobre quais seriam as políticas públicas necessárias para estimular a Economia Criativa. É um desafio para o setor público enten-der o que é a Economia Criativa e como medi-la.

25

Aspectos-chave para implementar ações em Economia Criativa

A Unctad identificou que havia um certo conjunto de atividades econômi-cas que crescia mais que os outros nos países desenvolvidos e os chamou de setores dinâmicos. Esses setores dinâ-micos, que cresciam mais de 10% em média nos países desenvolvidos, tam-bém podiam ser observados nos países em desenvolvimento. Para surpresa de todos, em alguns anos, esse conjunto de atividades, as chamadas indústrias cria-tivas, passou a ser o segundo segmento econômico mais importante dos países desenvolvidos, principalmente Estados Unidos, França, Inglaterra e Alemanha. A Unesco fez uma estatística de dez anos de comércio de bens e serviços de base cultural e descobriu que há um crescimento acentuado desse comércio nos países desenvolvidos em relação ao resto do mundo. O mundo em desen-volvimento está perdendo de uma for-ma acentuada nesse comércio. Quando observamos o comércio da América Latina na área de bens e serviços na área cultural, incluindo to-das as expressões culturais importantes, seja o reggae, a música colombiana, a cubana e música brasileira, isso dá me-nos de 4% da economia mundial. Isso assusta, pois está diminuindo, não está crescendo. Há um processo que nós, do mundo em desenvolvimento, não esta-mos entendendo. A Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul, preocupada com os países em de-senvolvimento, está tentando compre-ender este processo. Estamos discutindo

principalmente três aspectos: geração de riqueza, sustentabilidade e transição do financiamento público para o priva-do, já que os produtos de base cultural são fortemente financiados pelo Estado em todas as economias. Começamos a observar, fizemos uma série de fóruns e discussões e, feliz ou infelizmente, a China é um dos líderes nessa discussão.

LIMITES DE PRODUÇÃO

Como o atual sistema nos leva ao limite? O que chamamos hoje de cadeia produtiva nos leva a produzir cada vez mais barato, mais rápido e com mais qualidade. Para onde esse processo vai nos levar? A produzir de graça? A China se pergunta isso também: onde vamos parar? Acho que os países em desenvol-vimento têm de se colocar: isso é um jogo, mas não queremos continuar ne-le pelo resto da vida, senão um dia te-remos de produzir de graça. Esse jogo vai ter de parar em algum momento. A efetividade do sistema produtivo vai chegar ao seu limite, seja no limi-te dos recursos naturais, seja no limite

dos direitos dos trabalhadores. E esses limites estão próximos. É aí que entra essa outra visão, a Economia Criativa. Essa é a resposta, apesar de não sabermos exatamente como. Os chineses também não sabem, mas eles já perceberam que existe um jogo diferente, querem parti-cipar dele também e nos perguntam o que existe nesse novo jogo. Nós sabemos que existem marcas, pa-tentes, proteção dos nomes e, acima de tudo, um processo de cadeia de criação de valor. É um processo onde, a partir de um produto que tem um custo que eventualmente vai ser mínimo, há uma

Francisco SimplícioCoordenador do Programa de Economia Criativa da

Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul da ONU

24

AS INOVAÇÕES SOMENTE SÃO VENDIDAS

QUANDO EXISTE UM PROCESSO CRIATIVO

QUE AS COLOCA NO MERCADO. UM EXEMPLO

NA ÁREA DE TECNOLOGIA: SÃO CONTEÚDOS

QUE VENDEM COMPUTADORES, NÃO

COMPUTADORES QUE VENDEM CONTEÚDOS

Backstage do desfile de Lino Villaventura

Page 14: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

Gestão criativa e competitividade internacional

A palavra gestão sempre é relaciona-da a dinheiro – gestão financeira, gestão de produtos, gestão de marcas etc. Ges-tão criativa é um termo bastante novo e provocativo, que nos leva a refletir um pouco mais. No Brasil, 10% da população conse-gue demonstrar que pode ser criativa. Quando nós tivermos 100% das men-tes do nosso país podendo demonstrar aquilo que sabe, o potencial e a criativi-dade que têm, teremos um salto quan-titativo muito grande. Hoje, dadas as deficiências que temos, nem todo mun-do com uma boa idéia, um bom pen-samento, uma boa capacidade de criar consegue fazê-lo. A Alpargatas é hoje uma empresa essencialmente de marcas. A cada dia, é menos relevante aquilo que fabricamos e nos preocupa muito mais aquilo que é intangível e que agregamos. Hoje, agre-gamos mais inovações, mais aspectos intangíveis que elementos tangíveis. O produto pode ser fabricado em qual-quer lugar, mas as idéias, a inventivida-de, a capacidade de se diferenciar por al-go que é agregado ao produto, isso tudo é nosso. Empresas como a Natura e a Alpar-gatas, que têm uma preocupação gran-de em desenvolver marcas e em levar conceitos, deveriam ter um tipo de in-centivo diferente. Hoje temos 12.850 funcionários, uma folha de pagamento dantescamente grande para uma em-presa do nosso tamanho. Não temos crédito de ICM, PIS, COFINS, de nada. E ainda há os encargos sociais. Na China, o operário que fabrica calçados ganha R$ 120 por mês. Aqui, o salário de um operário da fábrica está em torno de R$ 440, R$ 450. Já é uma diferença gran-de. Somando os encargos, o salário do

operário aqui quase dobra. Lá, os encar-gos variam entre 11% e 16%. Lá se traba-lha dez horas por dia, seis dias por sema-na, o que dá 60 horas por semana. Aqui se trabalha 44 horas por semana. Lá se ganha 12 salários e se trabalha 11,5 meses; aqui se ganha 13 salários e se trabalha 11 meses. A questão não é se está certo ou errado. A questão é: como vamos li-dar com essas diferenças? A história mostra que empresas que desenvolvem marcas têm um diferen-cial, são mais imunes às crises, às vul-nerabilidades, à volatilidade dos países, e acho que esse pode ser um caminho. Acho o tema extremamente propício e, confesso que, para nós, tratá-lo dessa forma, como gestão criativa, é uma no-vidade, é uma abordagem diferente. No setor de calçados, exportamos empregos para a China. Existe um tipo de couro, chamado red bull, que não é tratado depois de retirado do curtume. Esse couro hoje é exportado para a Chi-na com 7% de imposto. Se for tratado no Brasil e utilizado no mercado domés-tico, o imposto sobe para 18%. Existe um centro na China chamado Shoetown, com cerca de 70 mil pessoas e todas fabricam calçados. Eles impor-taram 2 mil pessoas do Rio Grande do Sul para ensiná-los a fazer calçados. Lá, você fala português nos restaurantes, tem churrascaria, tem um cara que toca samba horrível, mas toca... No ano passado, o mundo produziu 16,4 bilhões de pares de calçado. A Chi-na foi a maior produtora, com 65% da produção, seguida pela Índia, que pro-duziu em torno de 6%. O Brasil ficou em terceiro, com 5,4%. Ou seja, o terceiro maior produtor mundial responde por menos de 10% da produção do maior. Temos que pensar como a gestão criati-va pode ajudar a reverter esse cenário.

Marcio UtschDiretor presidente da Alpargatas

27

ra incorpora conceitos de design e valor agregado. Ser sustentável é importante, mas não basta, é necessário gerar desejo de compra. Essa união de ecologia com moda pode gerar economia de longo prazo, a economia de escala, pois, se ela não exis-tir, não existe sustentabilidade real. Nós vamos pagar royalties para os desenhos dos índios, outra condição para a sus-tentabilidade real.

Criatividade e conceitos não são copiáveis

Angela Tamiko HirataConsultora executiva de comércio

exterior da São Paulo Alpargatas

Quando assumi a direção, em 2001, a Havaianas já havia reconquistado o mercado brasileiro. Então, eu observei que existia uma oportunidade, pois não havia nenhuma marca de sandália de dedo no mercado com posicionamento como produto de valor agregado en-trando para o high market. Não foi fácil, mas procuramos os principais merca-dos e formadores de opinião, sempre em busca de eventos que agregam valor à marca. Criar novamente um produto na forma de apresentar e de comunicar é importante também, fazer com que ele se torne o desejo do consumidor. Essa

inovação é uma ferramenta que dificil-mente o concorrente pode copiar da gente, porque o produto é fácil de ser copiado, mas o que nós temos dentro da gente, como criatividade e conceitos, não é copiável. Essa cultura está dentro da empresa. Talvez esse tipo de criativi-dade e inovação constante seja a razão do sucesso com a Havaianas e mantê-lo, criando mais mercado, mais diferencial, é um desafio bastante importante. Eu vou para outro desafio grande, que é a Amazon Life, e a Alpargatas está junto. Trata-se de uma das empresas que começou com materiais descartáveis vindos da Amazônia, certificados, e ago-

EM OUTROS PAÍSES, HÁ MODELOS

DE MIGRAÇÃO E IMIGRAÇÃO

SIMILARES AO NOSSO, MAS NÃO

EXISTE SINERGIA. E ESSA HERANÇA

CULTURAL, NO BRASIL, SE TRANSFORMOU

EM UMA CRIATIVIDADE INCRÍVEL

26

Bancos de madeira certificada na Casa SPFW, o lounge oficial do evento Roupas expostas no FWHouse

Page 15: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

A importância da convergência nas políticas públicas

O Brasil, que sempre conviveu com dívida externa, está se tornando credor de dívida internacional. O que vai acon-tecer nos próximos anos no país é algo extraordinário do ponto de vista econô-mico: um ambiente muito interessante, com um crescimento que provavelmen-te será a uma taxa que alcançará o do-bro do que assistimos nos últimos anos. Apesar de não ser tão expressivo quanto poderia, esse crescimento vai gerar mui-tas oportunidades de novos negócios. O curioso é que ele será acompanhado por um câmbio estruturalmente orga-nizado. Será um desafio, para todos os setores da economia, conviver com es-se câmbio em um momento em que a Ásia é o que é. O Brasil vai crescer, as vantagens se-rão enormes e dificilmente alguém irá reclamar. A transformação, porém, vai ser muito grande; muitos setores, muitas atividades vão desaparecer. Em São Pau-lo, em particular, isso vai ser bastante mais trágico do que em outros lugares.

É um contexto muito desafiador, que exige estratégias que passam pela questão da inovação, da capacidade de se modificar como empresa e como ne-gócio, e de desenvolver processos e pro-dutos novos numa escala muito maior do que temos feito. Devido às nossas dificuldades institucionais, nossos ar-ranjos econômicos e até à falta de con-tinuidade política, o desafio é conseguir mover esses fatores na velocidade em que o mundo o faz. A partir dos anos 1990, fomos desafia-dos enormemente: a abertura da econo-mia foi concomitante com uma reces-são e com o risco de uma hiperinflação. Essas questões, porém, eram mais fáceis

de serem absorvidas. Hoje, o mundo es-tá mais complicado, a agenda ampliou, há mais temas. A grande nova questão em relação à velha agenda da qualidade é o tema da inovação. O debate, porém, não decola, apesar de o país ter a mesma liderança privada, de as grandes empresas estarem envolvidas e de o Gerdau ser um gran-de condutor dessa discussão. O tema da inovação é difícil de ser explicado para as pessoas e para as empresas. O grande problema da Economia Criativa é ser um objeto também intan-gível, complicado, multifacetado, hete-rogêneo. Temos de pensar sobre como discutir esse tema de uma maneira mais simples. A palavra central é talento, des-pertar talentos, seja nas empresas, seja nos indivíduos.

Carlos Américo PachecoSecretário-adjunto da Secretaria de

Desenvolvimento do Estado de São Paulo

29

Transgressão e eficiência

Carlos Jereissati FilhoSuperintendente do Grupo Iguatemi

Empresa de Shopping Centers

O Brasil é um mercado imperfeito, pequeno, mas, sempre que há um salto de qualidade, é possível ver como tu-do melhora. As telecomunicações, por exemplo. Depois da privatização, o mer-cado brasileiro deu um salto. Hoje, tudo está mudando. O mercado está crescen-do e precisa continuar crescendo para que surjam novas oportunidades. O Brasil precisa procurar o que é nosso, o que é próprio – como foi a bossa nova na década de 60, de que todo mundo se orgulha até hoje.

Hoje, qualquer um pode transgredir. O mundo cresceu e o Brasil se democra-tizou. Precisamos de educação de quali-dade e levar qualidade também para os negócios. Tem de ter pessoas analisando e criando processos que dêem susten-tação para novos negócios. Com isso, o mercado de varejo também vai crescer. Com novos produtos sendo feitos, com novos espaços comerciais sendo lan-çados, haverá uma competição maior, uma busca pela eficiência.

28

O GRANDE PROBLEMA DA

ECONOMIA CRIATIVA É SER UM

OBJETO TAMBÉM INTANGÍVEL,

COMPLICADO, MULTIFACETADO

Desfile Gloria Coelho no Espaço Iguatemi São Paulo

Backstage do desfile de Reinaldo Lourenço

Page 16: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

Num determinado momento difícil da nossa história, no início dos anos 1990, depois do Plano Collor, foi um longo processo de olhar para a empresa e esta-belecer a razão de ser e as crenças funda-mentais: qual é nosso jeito? Não era nada quantitativo, não era planejamento ain-da, era definir no que acreditávamos.

DEFININDO A MISSÃO

Em 1992, ano no qual tivemos um grande prejuízo operacional, escreve-mos nossa missão: queríamos ser uma empresa, uma marca internacional, reconhecida pelo comportamento em-presarial, pela qualidade das relações que estabelece com todos os seus públi-cos, pela qualidade de seus produtos e serviços e fazendo parte de uma comu-nidade que quer ver o mundo melhor a partir da relação do indivíduo consigo mesmo e com o outro. Naquele ano, apesar de já ter uma história empresarial, voltamos para a escola para estudar um pouquinho e percebemos que começava um movi-mento forte de gestão e competitivida-de no Brasil. Tínhamos acabado de abrir a economia e, naquele momento, teve inicio o movimento da qualidade. O Brasil foi buscar a tal da competi-tividade. Naquela época, não eram os chineses que estavam nos ameaçando. As barreiras de importação tinham caí-do e as empresas nacionais tinham de se equipar para poder ter a gestão, as prá-ticas das melhores empresas. Quando fomos para o Insead [escola de negócios internacional com sede na França], tive-mos um choque ao perceber que as em-presas brasileiras que começaram conos-co estavam muito melhores em termos de práticas de gestão, planejamento, tra-tamento de pessoas etc.

Foi nesse momento que tivemos contato com o mundo da gestão e co-meçamos a superar a época da guerra, só da vontade, do empreendedorismo, da inovação, e tivemos contato com a Fun-dação Nacional da Qualidade. Fizemos então um diagnóstico, uma avaliação da organização, para identificar quais eram as nossas dificuldades e os pontos em que podíamos melhorar. Essa auto-avaliação, que é o modelo de excelência em gestão que a Fundação Nacional da Qualidade utiliza, ajuda as empresas a fazerem um diagnóstico, apontando quais são os pontos fracos, quais são os pontos fortes e qual é a sua pontuação de acordo com as referências do setor, o que permite uma compara-ção com outras organizações. Adotamos esse modelo em 1992 e 1993, junto com a profissionalização forte da empresa, trazendo executivos de diversas áreas, o que permitiu que, em quatro ou cinco anos, a empresa passasse de um conglomerado de qua-tro ou cinco fundos de quintal, em-presas que faturavam, cada uma, R$ 10 milhões, R$ 15 milhões, para uma em-presa já com faturamento na ordem de US$ 600 milhões em 1999. Esse modelo de olhar a gestão de forma integrada permitiu um salto na empresa, que, entretanto, continuava tendo o empreendedorismo original, continuava tendo a força da inovação baseada em filosofia, crença, valores muito fortes. Em 1998 a empresa passou a ser reconhecida, ganhando um impor-tante prêmio da revista “Exame”.

DESAFIO DA GESTÃO

Acho que a economia criativa não prescinde nem prescindirá de uma ges-tão muito eficiente. Caso contrário, vamos falar de conceito, marketing, di-vulgação, mas não vamos dar sustenta-bilidade a esses processos. Vivemos em um mundo que tem um modelo, eu diria, preocupante, pois exige das companhias e dos países um

crescimento a taxas bastante fortes, em um modelo de desenvolvimento que vai extraindo recursos naturais que são finitos. Estamos diante de um impasse: qualquer projeção expõe alguns limites de recursos naturais, de inclusão social com os quais vamos nos defrontar. Temos um padrão de consumo ab-solutamente exacerbado, com as indús-trias procurando entuchar mais pro-dutos em cima de seus clientes de uma forma absolutamente desnecessária e com uma produção em detrimento da qualidade de vida do mundo. Agora, temos uma oportunidade de inovar, de transformar as estratégias das empresas: qual é o jogo que vamos jogar diante dessa nova realidade.

PERDENDO O BONDE

Às vezes, parece que existe uma cer-ta anestesia no âmbito do privado e também do público em enxergar uma nova direção para esses limites. O Brasil está perdendo uma oportunidade, está deixando passar o bonde. O Brasil tem condições privilegiadas para criar um novo conceito, para inovar, para liderar, porque isso não depende de capital, de-pende de cabeça, de determinação, de filosofia, de conceito e de propósito e vai gerar uma enorme oportunidade de inclusão social. O Brasil tem condições de não fazer os mesmo erros que a China, por exem-plo, está fazendo. A China está atrope-lando seu ambiente, já falta água. O Estado brasileiro, em suas diversas instâncias, tem de sinalizar. Não estou falando de subsídio, estou falando de prioridade, de articular o centro de São Paulo para uma, duas ou três finalidades. Subsídio, às vezes, é importante para de-terminados setores, mas estou falando que, se não existir uma liderança, então vão criar uma política para o que mes-mo? Só para ficar tapando passivo não dá, tem de sinalizar o futuro. Parece que falar do papel do indutor do Estado vi-rou pecado.

31

mesmo com esse câmbio. O problema é como construir a marca Natura nos Estados Unidos. Esse é o grande desafio que temos pela frente e que está presen-te nas outras pequenas empresas que es-tão entrando agora no clube. Para mim, o primeiro ingrediente para se construir um empreendimento é um sonho. Foi assim que a Natura nas-ceu. Ela não nasceu com capital, ela não nasceu com uma análise de negócio, nasceu fundamentalmente da paixão que o Luiz Seabra [presidente e funda-dor da empresa] tinha pelos cosméticos e da possibilidade que ele tinha de ser um instrumento de autoconhecimen-to, de permitir a relação do indivíduo consigo próprio e com os demais. E o capital de um Fusca – era o equivalente a R$ 10 mil de hoje. Foi assim que a Na-tura nasceu. O resto é batalha de empre-endedor. Então o primeiro ingrediente é o empreendedorismo, a garra de quem quer fazer. Acho que um segundo fator deter-minante para a nossa história foi a de-terminação de propósitos, ou seja, o que queremos mesmo ser, o que o coração está nos dizendo para fazer, o nosso propósito enquanto grupo empresarial.

A primeira pergunta é: por que hoje há tão poucas marcas brasileiras fora do país? Quantas são de consumo? A Na-tura, um caso exemplar, está tentando, mas, depois de um processo com mui-tos erros de mais de vinte anos, só 3% ou 4% da nossa receita vem de receitas do exterior. É um exercício de humildade e de muita persistência acreditar que temos condições de criar ativos que podem atravessar as fronteiras. O SPFW está fazendo um esforço que, quando co-meçou, não imaginei que pudesse ter a dimensão que tem hoje. Não só di-mensão como agregação, como hub de conhecimento, que não só articula essa rede toda de conhecimento e ação, co-mo também inspira jovens empreende-dores, dos quais alguns tiveram a cora-gem de também levar suas marcas para o exterior e já estão tendo muito sucesso. A internacionalização, para nós, é um desafio. Não é levar um conceito, porque talvez o conceito nós já tenha-mos com algumas adaptações e aprimo-ramentos. O que faz uma empresa ser re-conhecida internacionalmente é como esse patrimônio – marca – viaja. Será que essa dificuldade está rela-cionada ao fato de que não tínhamos necessidade de buscar esse mercado ex-terno? Éramos muito fechados? Acho

que faltam políticas públicas nessa di-reção. Política pública é para fazer sal-do comercial, até hoje foi assim. Não é para gerar dividendos, remessas, negó-cios. A Natura nunca conseguiu que o BNDES financiasse suas operações no exterior. Só conseguíamos financia-mento em moeda estrangeira, mas, co-mo gerávamos todos os nossos recursos em moeda brasileira, tínhamos medo de assumir uma dívida em dólar. Faltou política pública de incentivo. Como empresa pequena, que não tem acesso a capital, tivemos muita dificuldade pa-ra montar uma operação fora do Brasil, não foi fácil.

CONCEITO E MARCA

Pelas características do nosso negó-cio, não conseguimos exportar produ-tos. Exportamos marca e conceito. O que a Natura exporta não é cimento. O produto, se bem feito, pode ser feito em qualquer lugar, levando os ingre-dientes ativos. Vemos a diferenciação não no pro-duto, na fabricação, mas no que ele car-rega como conceito. Nossa vantagem não é de custo. Podemos exportar para os Estados Unidos, produzindo no Brasil

A busca da excelência e da qualidade

Pedro PassosCo-presidente do Conselho de Administração da Natura e

presidente do Conselho Curador da Fundação Nacional da Qualidade

30

Redário instalado na Bienal para exibição de vídeos sobre sustentatibilidade

Page 17: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA 33

Bem intangível como oferta do setor público

Clovis de Barros CarvalhoSecretário de Governo da Prefeitura de São Paulo e

coordenador da Agência de Desenvolvimento da Cidade

Neste momento, o que falta é a toma-da de consciência dos centros de decisão pública e privada sobre o significado da Economia Criativa ou da criatividade como valor econômico. Esse conceito precisa contaminar toda a sociedade, incluindo o setor público, que tem um papel importante enquanto indutor. Um exemplo de intangível que contamina a sociedade é o Cidade Lim-pa [programa que proíbe outdoors e

restringe a propaganda nas fachadas de estabelecimentos comerciais na cidade de São Paulo]. Para a maioria, é surpre-endente o êxito e a aceitação desse pro-grama. É uma das primeiras vezes que a autoridade pública traz para a socie-dade não um bem ou serviço material, mas um bem intangível, que é a beleza, a falta de sujeira, a estética, o reapareci-mento da cidade.

O centro de São Paulo tem tudo para abrigar essa economia. Acho que a prefeitura já tem instru-mentos para isso, temos algumas leis de incentivo que estão meio adormecidas, mas que podemos ressuscitar. A vida cultural no centro é riquíssima, com vários espaços como o Teatro Municipal, e temos áreas vazias, prédios que podem tranqüilamente abrigar esse tipo de atividade.

Proposta de bairro “criativo”

Rose CarmonaArquiteta e urbanista

Existe um movimento internacional de urbanistas trabalhando a questão de espa-ços para a Economia Criativa. Como a cidade acolhe esse tipo de economia? Como ela provê esses espaços? Como ela pode participar desse processo? Como fazer o casa-mento do centro da cidade de São Paulo com todas essas idéias, por exemplo?

32

Vista aérea de São Paulo

FOT

O C

RIS

TIA

NO

MA

SCA

RO

Page 18: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA 35

Durante encontro com um grande empresário italiano, cujo grupo na área de confecção fatura 1 bilhão de euros, não esperei nem um minuto para ouvi-lo dizer: “Sim, eu me interesso por mar-cas brasileiras”. Existe grande interesse pelo país porque o Brasil tem essa aura de alegria do povo, de meio ambiente, que são aspectos extremamente ricos. Do ponto de vista de marketing, isso poderia ser muito aproveitado, mas somente o marketing não é suficiente, temos que enraizar esses aspectos no mercado interno.

FORMALIZAÇÃO

A carga de impostos brasileiros pe-naliza o industrial e o incentiva a não se formalizar e a sonegar. Mas, se ele não se formaliza, não consegue investimento externo, financiamentos ou outros in-vestimentos de capital. Para captar esses recursos, a formalização da indústria é essencial.

Temos que ajudar, então, essas em-presas a se formalizar, a ter ferramentas efetivas de gestão e rentabilidade e atra-tividade para o investidor. As oportuni-dades existem e também muita gente com talento, com extrema capacidade criativa, mas pouca capacidade de ges-tão e quase nenhum capital. Precisamos incluir esse talento no mundo formal dos negócios. Uma marca, quando bem focada e administrada, tem potencial de crescimento muito grande, e são poucos que fazem isso no mercado. Falando um pouco de economia e usando o exemplo do SPFW: o poder de comunicação que esse evento tem no Brasil, aparecendo durante uma sema-na, todos os dias, nas principais emisso-ras de televisão e nos principais jornais, mostra que isso é negócio! Talvez as pes-

ANALISANDO A CADEIA COMO

UM TODO, AS OPORTUNIDADES

MAIORES ESTÃO MUITO MAIS

LOCALIZADAS NA PONTA DO QUE

NA INDÚSTRIA. EVIDENTEMENTE,

ESSA PONTA PODE AJUDAR

MUITO A INDÚSTRIA NO FUTURO

soas não enxerguem negócio, porque não está estruturado, mas é negócio. Es-sa capacidade de alavancar negócios pe-la comunicação nos mostra que temos grande possibilidade de ajudar o Brasil, de transformá-lo e criar uma imagem melhor do que a atual. Quando vemos um planejamento de 30 anos [do SPFW], vemos o trabalho de um visionário. A questão é que não existe um visionário, existem muitos visionários, e aqui, no SPFW, temos a oportunidade de pôr em prática esses planos. Uma proposta de atuação talvez seja formar grupos de trabalho através, por exemplo, de associações de classe, porque é uma maneira de englobar o maior número de setores e empresas e se comunicar com o maior número possí-vel de empresas.

34

ter talento para gestão? Talvez não se deva exigir isso deles, pois em nenhum lugar do mundo isso aconteceu. Lá fora, as marcas se organizaram, juntaram es-forços, formando grupos de marcas, e o comando ficou por conta de grupos fi-nanceiros, que administram isso de uma forma bastante profissional. Eu acredito que no Brasil não vá ser diferente. Aqui, o desafio dos investidores in-teressados em constituir um grupo de marcas ou somente investir em uma marca brasileira está na dificuldade de analisar o negócio. Não há informação, dados, números para analisar, por causa da informalidade do nosso mercado, que é um grande obstáculo.

FALTA DE PROJETOS

As marcas surgem sem projetos, sem saber aonde querem chegar, que mer-cado querem atender. O que falta não é produção e capital de giro, mas planeja-mento e projeto. Hoje eu sou um inves-tidor, tenho uma empresa que investe em marcas e as oportunidades são mui-to grandes, mas a dificuldade de analisar uma empresa é tremenda por essa falta de informação. As informações sobre o mercado a que elas atendem, suas metas e expectativas, seus planos de cresci-mento são dados que, se bem projeta-dos, com certeza irão atrair o mercado investidor.

O Brasil vive um momento de esta-bilidade econômica, controle de infla-ção, superávit, ou seja, um momento extremamente positivo. Outro fator que tem nos ajudado muito é a situa-ção econômica externa, que está muito bem, sem grande estresse econômico e com muita liquidez. Apesar deste cenário positivo, os nú-meros da Fiesp mostram que a indústria tem enfrentado graves problemas de “desindustrialização”. Nesse caso, não podemos culpar somente o câmbio e os juros, que têm afetado bastante o setor, não favorecendo uma boa política in-dustrial, tampouco podemos desconsi-derar o “efeito China”. Na verdade, temos dois fatores, que devem ser separados: o “efeito China”, que afeta o setor manufatureiro como um todo, e a política brasileira, que não tem beneficiado a indústria nos últi-mos anos. Alguns setores no Brasil crescem a “ritmo chinês”, 8,8%, mas são setores extrativistas, da siderurgia, setor far-macêutico. Nos setores de mão-de-obra intensiva, temos indústrias altamente prejudicadas pelo “efeito China”, pelo câmbio e pelos juros. Por outro lado, temos uma situação econômica extremamente favorável e um fluxo de capital absurdo, e que ten-de a aumentar, porque, em um ano e

meio ou dois, o Brasil deve ter uma ava-lanche de dinheiro entrando no país. Vivemos, portanto, num momento de oportunidade muito grande porque existe capital no mercado, existe gente disposta a investir na economia. Como não temos controle sobre o “efeito China” ou sobre o Estado, temos que manter o foco nos fatores que pode-mos controlar. Analisando a cadeia co-mo um todo, as oportunidades maiores estão muito mais localizadas na ponta do que na indústria. Evidentemente, es-sa ponta pode ajudar muito a indústria no futuro.

DESAFIOS DA INDÚSTRIA TÊXTIL

Mas, observando friamente o setor têxtil e de confecção brasileiro, enxer-gamos uma série de empresas familia-res de pequeno e médio porte e com gestões muito pouco profissionais e ex-tremamente informais. Talvez, o gran-de desafio da indústria têxtil hoje seja inserir essas empresas na economia real e adequá-las ao que elas precisam para sobreviver. Porém, como querer que estilistas, profissionais mais ligados à arte, possam

Estratégias para se valer de um mercado rico em oportunidades

Eduardo RabinovichPresidente ER Gestão de Marcas e Participações, vice-presidente da Abit

(Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) e diretor deRelações Internacionais e Comércio Exterior da Derex-Fiesp

Dispostos no pit, fotógrafos e câmeras registram os desfiles

Page 19: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

ano, enquanto a economia está crescen-do menos do que isso, e a previsão deles é que, em 2010, essa indústria criativa vai produzir 10% da riqueza de todo o mundo. No Brasil, a riqueza gerada pelo setor cultural responde por 53% do PIB relativo ao fabrico de material elétrico e eletrônico, e a 42% do PIB da indús-tria de material do transporte. É 5% do PIB do país, sendo que não temos o ma-peamento da Economia Criativa em seu conceito mais abrangente. Criatividade é um investimento lucrativo, reduz a pobreza, reforma a au-to-estima e ainda torna o mundo mais atraente – e o Brasil é um celeiro de ex-periências bem sucedidas e ainda des-conhecidas. Porém as empresas ainda não enxergam com clareza o potencial existente. Damos um enorme reforço à crise ambiental, sem considerar que sal-var o planeta e não dar oportunidades ao homem não resolve o problema. A economia criativa oferece uma alterna-tiva: você salva o ambiente e também o homem.

NEGÓCIO DA CHINA

Números apresentados pelo Ministério da Cultura mostram que R$ 1 milhão em investimentos na Economia Criati-va geram 160 postos de trabalho. Isso sig-nifica que um emprego custa R$ 6.250. No comércio, segundo a Associação

Comercial de São Paulo, ele custa qua-tro vezes mais e, na indústria siderúrgi-ca, o emprego custa R$ 1.400. Estamos preocupados com a China? Pois inves-tir na Economia Criativa é um negócio da China. O rendimento médio do trabalhador do setor cultural é mais ou menos 30% maior que o do conjunto do mercado brasileiro; eles trabalham menos horas do que um trabalhador de fábrica e são mais escolarizados e experientes. É uma indústria com pessoal diferenciado. Falando de cultura, pois é onde exis-tem números, ela ocupa o primeiro lu-gar nas ações de comunicação e marke-ting das empresas públicas e privadas, sendo que, na década de 90, o número de projetos culturais patrocinados por companhias privadas cresceu 80% e os recursos cresceram 350%. Houve inves-timento em mais empresas, com menos recursos para cada uma, o que significa oportunidades para mais gente. O cinema é uma das áreas em que, tanto empresas públicas como privadas, têm investido muito. No ano passado, o cinema brasileiro comemorou 110 anos

de história, lançando 58 longas-metra-gens. Hollywood lança menos títulos do que a Índia, mas ocupa 90% das salas de cinema do planeta, o que mostra que a chave está na distribuição. A Nigéria é um exemplo interessan-te de inovação: seus filmes são semica-seiros, gravados em DVD e distribuídos por uma rede de camelôs. Dessa forma, fazem 1.200 títulos por ano, o dobro de Hollywood. E isso porque não há uma única sala de cinema, mas há produto-res e consumidores, são criativos. Ou seja, existem saídas. O setor editorial reclama bastante, mas tem cerca de 3 mil editoras, 15 mil gráficas, 1.500 livrarias no Brasil. Em 1990, foram lançados 22.500 livros, com faturamento de mais ou menos R$ 900 milhões; 15 anos depois, o número de títulos dobrou e o faturamento foi 2,5 vezes maior. O Brasil, por sua carência, oferece inúmeras oportunidades para inves-timento futuro. Temos tudo: criativi-dade, consumidor e gente precisando produzir. É preciso acreditar e investir, principalmente porque o Brasil é sinô-nimo de diversidade, essa coisa de que o mundo precisa cada vez mais.

37

Panorama da Economia Criativa

O que vou fazer aqui é um panora-ma rápido do que é Economia Criativa, partindo do seguinte princípio: o capi-talismo sempre encontra uma maneira de sobreviver. Depois do paradigma da sociedade do conhecimento, chegamos a mais um novo paradigma, originado pela percepção das empresas de que seu mercado está esgotado. Depois da aceleração da globaliza-ção, que aumentou a distância entre os mais pobres e os mais ricos, temos al-guns mercados limitados, cuja solução é criar emprego e gerar riquezas, senão, não se sobrevive. Num mundo globalizado, as pessoas querem se diferenciar, e isso abre uma oportunidade para a empresa e para o criador, por meio da criação de produ-tos ou serviços diferenciados. A Econo-mia Criativa tem a vantagem de fazer bem para todos: empresa, pessoas, o país e o mundo, pois promove desen-volvimento ao gerar mercado através da inclusão. Ela engloba um mundo variado de produtos e serviços, que vão do desen-volvimento de softwares até Havaianas e, por isso, envolve muita gente, áreas e habilidades. É uma oportunidade de trabalho que inclui pessoas que hoje são excluídas do mercado, do DJ às senho-

ras que fazem renda de bilro no Ceará e vendem para o estilista na SPFW. É um universo de oportunidades em que ga-nha mais quem mais se diferencia.

PROVEITOS INTANGÍVEIS

Os ganhos no setor não são só pelo volume de dinheiro, mas pela inclusão de pessoas, pela movimentação, pelos efeitos secundários. Quando acontece um SPFW, por exemplo, o que se movi-menta é muito mais do que dinheiro, são idéias, contatos, a inovação, o intan-gível já mencionado. As indústrias criativas no mundo movimentam U$ 1,2 trilhão, mais que o dobro de todo o PIB brasileiro. No Brasil, os levantamentos ainda são poucos, mas estima-se que gerem só 5% do PIB, U$ 25 bilhões – temos um espaço para crescer nessa área. Esse é o setor que mais cresce, mais exporta e melhor paga. Há núme-ros muito impressionantes. Segundo o Banco Mundial, a cadeia produtiva da cultura tem registrado crescimento médio superior a 6% ao

Eliana Simonetti Jornalista, historiadora e consultora do

PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) para assuntos editoriais

36

Detalhe de trama de tecido

Backstage do desfile da Cavalera

AS INDÚSTRIAS

CRIATIVAS NO MUNDO

MOVIMENTAM U$ 1,2

TRILHÃO, MAIS QUE

O DOBRO DE TODO O

PIB BRASILEIRO

Page 20: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA 39

As Havaianas foram sucesso no mun-do porque primeiro foram sucesso aqui. É muito difícil você fazer sucesso lá fora não tendo uma verdade dentro do país. Importante dizer também que não se pode querer exportar um simples pro-duto, uma commoditie, devemos ex-portar uma marca. Então a Havaianas sofre com dólar baixo? Claro que sim, mas sofre muito menos do que alguém que exporta um calçado de couro para o italiano, o inglês ou o francês botar a marquinha dele. Se você não tem marca, vai ficar sujeito aos ventos da valorização do capital. Um exemplo: há cinco anos, a Zara quis comprar da gente cinco milhões

de pares. Mesmo para Havaianas, é um número considerável, mas, tirar a marca Havaianas, a gente não quis _esse é um “canto de sereia” que diuturnamente cai na nossa mesa. Hoje é até fácil dizer não, mas cinco, dez anos atrás era muito mais difícil, porque existe uma pressão por lucro, por rentabilidade, produtividade, e nis-so todas as empresas são absolutamen-te iguais. Exigiu coragem da empresa lá atrás, por isso não tenho pena daqueles que reclamam muito com o governo, mas exportam um calçado, uma meia,

uma calça, não uma marca. Porque fazer marca é complicado, exige selo acadêmico, energia, muito trabalho e investimento. Não há país mais criativo que o Brasil. Para a Havaianas não é possível ter um designer que nunca viu um pôr-do-sol na Bahia, que não conhece os Lençóis Maranhenses e só a Serra Gaúcha. Não é patriotada, a gente tem muitos proble-mas neste país, mas não somos um país pobre, nós temos uma Espanha aqui dentro, seus 40 milhões de habitantes correspondem à nossa classe média. Existe pobreza e existe também um país civilizado e rico, com uma classe média criativa e altamente consumista.

Exportar marca, e não produto

Ruy PortoConsultor de comunicação

e mídia da Alpargatas

NÃO TENHO PENA DAQUELES

QUE RECLAMAM MUITO COM

O GOVERNO, MAS EXPORTAM

UM CALÇADO, UMA MEIA, UMA

CALÇA, NÃO UMA MARCA

Vivemos situações nas quais não podemos mais operar na lógica do “ou/ou” – é branco ou preto, rico ou pobre. Temos que operar na lógica do “e” – brancos e negros, pobres e ricos, palmeirenses e corinthianos. E para conviver com essa diversidade e complexidade é necessária uma base de auto-estima. Até o próprio valor de marca começa a partir do valor que você dá a si, porque a identificação com a marca é a identifica-ção que você tem com você mesmo.

Para se ver, para se perceber, para criar, a pessoa precisa romper a barreira do medo. A auto-estima é fundamental para que a gente possa criar. E a cultura do medo é a cul-tura mais forte hoje, a qual é alavancada pela mídia.

A cultura do medo promovida pela mídia

João Alfredo MeirellesPsicoterapeuta sistêmico e coordenador

educacional do Projeto Treme Terra

Sinto que todas as forças empresariais, intelectuais, criativas têm que se juntar para denunciar essa ditadura do medo. A mídia, principalmente aquela que escreve para ela própria, é extrema-mente excludente e não valoriza a imagem positiva e empreendedora do brasileiro.

38

Sala de imprensa do SPFW

Page 21: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA 41

Qualidade para concorrer com o “basicão” chinês

Ricardo WeissPresidente da Santista Têxtil e diretor

de operações da Tavex América do Sul

A Santista e parte da Tavex procu-ram diferenciação. Ao concorrer com o chinês, procuramos evitar que eles nos pressionem a concorrer com mais velocidade e com o “basicão”, a massa, aquela oferta de produto destinada a uma pirâmide achatada, a necessidade primária dos pólos em desenvolvimen-to. Desta concorrência, estamos fora! Decidimos ir para segmentos supe-riores, estratificar, diferenciar, procu-rar, inovar. Como se define algo neste sentido? Primeiro, tentando fazer rapi-damente produtos novos, impedindo a ação da velocidade de cópia. Para isso, a empresa precisa pensar diferente – co-meça aí a importância da criatividade. E o que estamos fazendo para pensar diferente? Temos uma gerência de inovação de desenvolvimento. Damos importância a ela ao fazer com que se reporte dire-tamente à presidência da empresa. As novas idéias, os novos conceitos, even-tos, produtos têxteis e pesquisas passam por um núcleo composto de 30 pesso-as, com formação de superior a média e que se mantém constantemente tro-cando idéias com fornecedores, fazen-do pesquisas técnicas, procurando um olhar diferenciado. Tudo isso também é fruto de um outro setor de criatividade, que é a Universidade Santista Têxtil, onde se ensinam as melhores práticas de con-fecção, de lavanderia – um serviço de suporte e informação aos nossos clien-tes e fornecedores.

EDUCAÇÃO INTERNA

Ensinamos para uma equipe de ven-das o que é uma “cadeia jeans” na moda. Temos cursos de estilo para quem quer aprender como construir um novo ne-gócio da melhor maneira possível. Fa-zemos não apenas capacitação básica – costurar e lavar –, ensinamos também como agregar valor ao produto e a se destacar em relação aos demais. Mais de 3 mil pessoas já passaram por esses cursos. A demanda é surpreenden-temente grande. Assim nós consegui-mos concorrer com o “basicão” chinês. Isso é parte de um contexto que abarca desde um planejamento estra-tégico até a estrutura organizacional, passando pela capacidade de acessar o mercado para ter produtos diferentes, de desenvolver técnicas de lavanderia e de comunicação com estilistas, tentan-do abranger vários elementos da cadeia para ter velocidade. É neste contexto mais estratégico que a Santista se fundiu com uma em-presa européia para se tornar líder mun-dial em denim, tendo acesso muito mais rápido ao que é desenvolvido no centro da moda, a Europa.

Grandes marcas, como Diesel e Miss Sixty, discutem com quem desenvolve tecidos europeus para criar aquilo que, seis meses depois, vai estar nas fashion weeks de Milão, Paris e Londres e que nossos concorrentes, ou mesmo clien-tes, vão encontrar em suas pesquisas um ano depois. Nós já temos a ficha técnica do produto um ano antes e a oferece-mos para quem está perto de nós. Comecei falando do micro, como empresa, mas eu queria terminar falan-do do macro. Uma empresa de capital aberto tem que pensar dois trimestres à frente. Por mais estratégico que seja, se não trouxer resultados com tal antece-dência, os acionistas cobram. A política econômica e o estímulo a atividades inovadoras são fundamen-tais. O BNDES até tem linha para isso, o difícil é conseguir e fazer com que isso vá em frente. A qualidade do ensi-no também é fundamental. A Coréia, por exemplo, que até anos atrás não era conhecida, investiu maciçamente em ensino e hoje tem aparelhos de TV, DVDs, carros. O Brasil precisa investir nessa educação e no estímulo a linhas de crédito. Com um bom financiamen-to, esse negócio explode, porque há inúmeras empresas muito pequenas.

40

Formar um grupo forte de articulação

Altair AssumpçãoSuperintendente-executivo da área de

middle market do Banco Real ABN AMRO

Se estamos pensando em iniciativas para formar um grupo fixo de trabalho, acredito que o Banco Real tem forças bem efetivas para realizar esse tipo de contato. O Fabio Barbosa, presiden-te do Banco Real, é também presidente da Febraban e, em conjunto com o presidente da Fiat, com o presidente da Alpargatas, da Santista Têxtil e tantos outros, pode articular essa formação a partir do que for produzido aqui.

É muito importante que essas discussões gerem documentos que possam ser acessa-dos por outras pessoas estratégicas, como governos, ministros, até mesmo o presidente. Enfim, ganhar importância com setores representativos da economia para conseguir atrair parceiros, como, por exemplo, o presidente do BNDES.

É preciso agrupar-se, criar um denominador comum, ter força, “status quo”. Precisamos dessa articulação, caso contrário, nós mudamos, a economia muda, e certamente daqui a 10 anos teremos um problema.

Falar em uma marca Brasil também é muito interessante. Temos que utilizar isso como um diferencial competitivo e como valor agregado.

Calças jeans expostas no salão de negócios FWHouse

Corredores do prédio da Bienal

Page 22: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA 43

Ênfase na valorização do talento

Andrea MatarazzoSecretário de Coordenação das

Subprefeituras de São Paulo

Os donos do talento têm de agregar valor à criatividade e têm de se orga-nizar. Os grafiteiros de São Paulo, por exemplo, possuem um potencial de criação de valor imenso. Entre eles, existem artistas fantásticos, mas eles es-tão desvalorizando o próprio talento. Os estilistas e os designers de moda também não se valorizam como deve-riam se valorizar. Apenas uma meia dú-zia é mais conhecida. Se vamos para a

periferia, encontramos muitas mulheres que não têm a menor idéia de quanto vale o trabalho que fazem. No Brasil, o conceito do made in é muito atrelado ao bem físico. Acredito que devemos pensar em trabalhar de maneira mais moderna, com o intangí-vel. Como os italianos, que valorizam muito mais o intangível do que o tangí-vel. Para eles, o Pini Farina é muito mais importante do que a Ferrari.

Criatividadeemoção e experiência

Andrea CiaffoneJornalista

No inicio dos anos 90, as ações das empresas de software começaram a valer mais do que as ações de companhias de outros setores, como do mercado au-tomobilístico. A maioria das pessoas já tinha carro, mas quase ninguém tinha computador. As empresas de software ofereciam produtos novos, criativos, com potencial de atingir um público consumidor maior e, na percepção dos agentes econômicos, isso indicava que as perspectivas de crescimento dessas empresas eram maiores. Acredito que esse seja um grande di-ferencial da indústria criativa. Ela sem-pre lança produtos que ninguém tem, o que lhe dá um grande potencial de cres-cimento. Por isso essa indústria pode alcançar um grande valor no mercado.

Empresas que se preocupam mais com processos têm melhores condições de sobreviver em um ambiente extre-mamente truculento, veloz e competi-tivo. Começamos a perceber que o valor de mercado de uma empresa é muito maior que os valores tangíveis registra-dos e está diretamente ligado à garantia de resultados futuros. O que as empresas perceberam tam-bém é que ainda existe muito para in-vestir no que se chama economia da ex-

periência: agregar a experiência positiva ao produto e fazer disso um diferencial. Antigamente, se fabricavam produtos pensando em detalhes, mas as empre-sas perceberam que ninguém compra um carro, por exemplo, porque o banco tem duas polegadas a mais ou a menos. As pessoas compram carros pela emo-ção. Existe um componente emocional, criativo, de experiência, que tem efeitos muito claros naquilo que é contabili-zável, no índice de vendas. Quem está focado nesses aspectos tem melhores re-sultados na competição pelo mercado consumidor.

42

Peças criadas por alunos de design de moda com habilitação em modelagem, expostas na mostra Talentos Senac, na Bienal

Grafiteiro da Galeria Choque Cultural participa de ação realizada ao longo da semana do SPFW

Page 23: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA 45

da a partir do que chamamos aqui, no Brasil, de jabá e, nos Estados Unidos, de payola, expressão que vem da junção de de payment e victrola. Sei que não existe payola na Rede Globo, mas ela se pauta pelos tops de sucesso das rádios. A Rede Globo é responsável por 76% de tudo o que é veiculado no Brasil e is-so traz uma série de responsabilidades de que eles não poderiam abrir mão: responsabilidade de oferecer música de qualidade, não só o que mais toca nas rádios, onde existe payola. Até os pontos de venda estão suca-teados. Richard Branson conseguiu fazer a Virgin decolar quando montou uma loja onde as pessoas podiam se sentar e conversar enquanto curtiam a música. Isso não existe mais. Afinal, se não pre-cisamos convencer ninguém de nada, se é mesmo um curral eleitoral, se aper-tamos um botão e soltamos um jingle para o mundo inteiro por meio de uma máquina de distribuição, para que preci-samos nos preocupar com a experiência de compra? O consumidor vai comprar de qualquer maneira. Isso é uma loucu-ra, porque não acho que exista outra ra-zão para uma pessoa consumir música senão a própria música. Não existe outra razão que não seja emocional. As grandes gravadoras esqueceram o lado emocional e abraçaram aquele pedaço de plástico. E a internet está in-do muito à frente, fez com que muitas gravadoras fechassem as portas. Só para dar uma idéia do impacto da internet: nos últimos três anos, 60% das receitas da Trama não vêm da venda de CDs, mas de DVDs. Colocamos músicas em videogames, em celulares...

ALÉM DO CD

A solução para a música no mundo digital não veio de uma gravadora, veio da Apple, que pensou na cadeia por inteiro. Hoje quase todo mundo tem

acesso a computador, temos mais tec-nologia disponível para gravar um disco que o Jonh Lennon, os Beatles ou o Pink Floyd jamais tiveram. Tudo é mais sim-ples, a revolução está caminhando e sin-to que as grandes gravadoras perderam o passo da história. Antes de 1949, quando a RCA criou o disco, a obra física tal qual a conhecemos, fazia-se música. A maneira como escutamos música, porém, vai se modificando com o tempo. Não impor-ta se é um vinil, um CD ou um DVD. Pa-ra os artistas, ainda é importante ter uma obra tangível, mas hoje, com a economia digital, a música não pode estar apoiada apenas nesse objeto. Ainda não se comenta sobre o quan-to é poluente um CD, mas, a partir do momento em que começarem a falar disso, as vendas cairão ainda mais. Li no “New York Times” que já existe um CD feito de milho, mas ainda não existe in-teresse por essa tecnologia. Quando criamos a Trama, eu recebia muitas demos, as gravações de demons-tração, e entre 80 e 100 telefonemas por dia. Não era possível gravar tudo há oi-to anos, não era tão simples gravar um disco como é hoje. Foi então que meu sócio, André Szajman, deu duas suges-tões: uma loja da Trama como um site de download, em que você paga um va-lor bem baixo por música, e uma grava-dora virtual. Nós nos perguntamos como fazer isso, então pensamos em um lugar on-de as pessoas pudessem simplesmente

deixar sua obra disponível na internet. Foi então que abrimos a Trama Virtual, que é uma gravadora, onde qualquer pessoa pode colocar músicas, tudo grá-tis. Tem de ser música própria, não pode ser cover. Hoje temos 40 mil bandas e 100 mil músicas inéditas. Todo mês en-tram de 500 a 600 músicas novas. Regis-tramos mais de 1 milhão de downloads por mês.

PUBLICIDADE NA MÚSICA

Apesar de termos um resultado exce-lente, continuamos nos perguntan-do: como vamos viver? Como vamos sustentar os músicos, os técnicos, os engenheiros de som, a manutenção do portal? Então criamos uma solução, o download remunerado, que estamos lançando agora. Cada vez que alguém fizer um download, essa música será paga por um patrocinador. Se tivermos um ou mais patrocinadores que pa-guem, por download, um valor baixís-simo, de centavos, e associarmos a isso a marca de 90 a 100 mil downloads que temos por mês, poderemos resolver essa questão. É uma ferramenta que já existe em sites como o “You Tube”, por exem-plo. Isso forma uma cadeia contínua, porque o download é patrocinado por uma marca. Sempre penso que a música é o úni-co setor que não tem publicidade como fonte de sustentação. Até televisão a cabo tem anúncios. Estamos tentando trazer essa dinâmica para o mundo da música. Não cobraremos nada da pessoa que fizer o download, porque, em uma loja digital, você já faz isso. Se você quiser ir ao cinema, por exemplo, você paga e as-siste o filme, mas, se você quiser ver na televisão aberta, apenas liga a TV e não paga nada por isso. Você aluga seu tem-po àquele patrocinador e assiste. É isso que queremos na música.

44

Investindo em criatividade: riscos e oportunidades

Estamos vivendo uma mudança de era no que diz respeito à música. No mercado, existiam empresas que ganha-vam dinheiro com a música ou imagi-navam que faziam isso. Há seis grandes gravadoras, as maiores, que documen-tam a raça humana inteira, e nunca se viu o presidente de alguma delas se in-comodar porque venderam 5 milhões de cópias de um disco no qual ele não acreditava musicalmente. Claro que es-sas gravadoras produzem discos muito interessantes, mas, na verdade, elas ven-dem o suporte. Na minha opinião, fica então muito claro que o produto que as gravadoras desejam levar aos consumi-dores não é o artista, e sim o plástico. A mudança que está acontecendo ho-je parece simples, mas não é. A chegada da internet assustou muito essas empre-sas, porque elas vivem dessa distribuição e acham que ainda é possível viver disso. Esse apego à venda do suporte fez com que as gravadoras perdessem a grande oportunidade de apresentar a internet para o mundo. Com certeza, seria mui-to mais fácil para a música e as artes em geral entrarem nesse universo que para a

indústria automotiva ou os bancos, por exemplo. Os bancos, os carros, enfim to-do mundo chegou antes na internet, só a indústria da música ainda não. Como explicar para um jovem de 20 anos que o MP3 é proibido? Uma pes-quisa feita para uma revista feminina jo-vem, para qual eu escrevia, questionava as jovens sobre o que elas mais queriam na vida. No primeiro ano, a resposta foi MP3, sexo e música. No segundo ano, foi música, sexo e MP3. Como falar para essas meninas que as gravadoras grandes são contra o MP3 até hoje?

NADANDO CONTRA A CORRENTE

Essas gravadoras estão tão preocu-padas com a distribuição e a venda de suportes que não percebem a chance histórica que está vindo. A distribuição nas mãos dessas seis gravadoras tornou

a indústria fonográfica um verdadeiro curral eleitoral. É impressionante ima-ginar que essas grandes empresas acre-ditam que vão segurar a revolução di-gital. A revista “Billboard’, por exemplo, que tem quase 120 anos, não traz mais anúncios nem reportagens sobre discos na capa. A TV Globo, no final do ano passado, realizou um especial sobre Elis Regina. Fiquei surpreso com o fato de fazerem um especial sobre ela no horário nobre no final do ano, então perguntei aos envolvidos no projeto por que tinham escolhido a Elis. Eles me responderam que foi resultado de uma pesquisa que realizaram em todo o Brasil, que dis-se que a Elis é a única artista que dá audiência. Fico muito feliz como filho, mas me pergunto se não temos um problema. Parece-me muito estranho que uma pessoa que não se apresenta há 25 anos ainda seja a melhor opção para um horário nobre. É importante lembrar que boa par-te da indústria da música é construí-

João Marcello BôscoliPresidente da gravadora Trama

PARA OS ARTISTAS, AINDA É

IMPORTANTE TER UMA OBRA

TANGÍVEL, MAS HOJE, COM A

ECONOMIA DIGITAL, A MÚSICA

NÃO PODE ESTAR APOIADA

APENAS NESSE OBJETO

Show do grupo AfroReggae durante o SPFW

Page 24: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

potencial nacional, mas para ter acesso a informações e linhas de mercado e por condições de produção mais equilibra-das em relação ao restante do mundo. O Brasil está patinando no consumo de fibras por habitante/ano há mais de dez anos. Isto é fruto do baixo cresci-mento nos últimos 15, 20 anos. Neste momento, temos que explorar esta vi-são de criatividade sem perder de vista problemas sérios de competitividade e de inserção futura. Não temos e não po-demos competir com o modelo chinês, não é este modelo e não será nunca. Temos de 60 a 70 escolas de moda. Não vou discutir se são boas ou não, mas temos. Temos também 12 universi-dades formando profissionais em nível superior no país. Temos um fórum liga-do a estas universidades, onde discuti-mos não só a concorrência mais próxi-ma, mas os mecanismos de formação de pessoal necessários para esta indústria criativa se desenvolver, porque é uma ilusão achar que todos são estilistas. Quantas profissões, neste caminho de vasos comunicantes, estão atreladas a este conceito de moda e design? Junto ao BNDES, estamos discutindo a questão da inovação tecnológica e a si-tuação desta indústria, que é portadora de inovações tecnológicas a setores va-riados – do agronegócio à indústria pe-troquímica, passando por criação e sus-tentabilidade –, para que o banco possa entender a inovação incremental como fator a ser apoiado. A visão de competição dentro da nos-sa cadeia produtiva é de sustentabi-lidade, mote para estarmos aqui, e de

formação de pessoas, que não só podem criar mais, mas também responder e antecipar, pois a velocidade de transfor-mação do que é micro para algo mais básico é enorme. A atual inserção é fruto de compe-tência de nosso segmento. São os casos da Alpargatas, que reposicionou tudo, da Santista, que internacionalizou, e de designers e estilistas que estão projetan-do essa imagem de criativos. Mas todo mundo é criativo, não só o brasileiro. Vamos adicionar valor.

CONSUMO EQUILIBRADO

Nós entendemos a política econômi-ca para o setor como uma política emer-gencial, resultado da falta de trabalho das questões macroestruturais. Uma po-lítica que possa fazer com que haja um consumo mais equilibrado, porque, por mais criativos que sejamos, existe uma questão econômica de preços e custos afetando principalmente uma socieda-de como a nossa. Nosso país tem que trabalhar com es-te conceito de sustentabilidade, mas nós temos muita gente para empregar de for-ma produtiva, pois a indústria construiu esse benefício sem nenhum planejamen-to, sem nenhum subsídio, sem nenhum favor, sem nenhuma política específica.

De qualquer maneira, temos essa visão de futuro através da educação, pelo co-nhecimento. A Universidade Santista é um exemplo fortíssimo. O Brasil está despertando para uma realidade duríssima e só mesmo com muita criatividade, dedicação e inte-ligência seremos capazes de provocar uma inserção positiva no mercado, sob o risco de voltarmos ao tempo das capi-tanias hereditárias, quando se exportava matéria-prima. Nada contra, mas quan-do acabar acabou. O nosso grande desafio na questão de financiamento é como capitalizar o conhecimento sem colocar em risco o dinheiro público e privado, mas dando acesso. O crédito consignado democra-tizou a chegada de uma série de cida-dãos ao crédito. As Casas Bahia fazem pelo crédito, através de bancos, o que ninguém consegue fazer. O crédito no Brasil é 33% do PIB do país, enquanto em outros países ele é 120%. Então, como chegar nisso? Este é o desafio. Em sua área de mercado de capitais, o BNDES continuará aplicando R$ 120 milhões, mas o setor fatura R$ 70 bilhões ao ano. Um fundo que possa atingir R$ 500 milhões não é nenhum absurdo. Apesar de achar que temos que come-çar com R$ 50 milhões, R$ 60 milhões. Então, proponho que o Banco Real se reúna com a área de mercado de capitais e lancemos no SPFW o primeiro Fidic setorial, com selo Abit.

47

Foco no micro, na formação e na sustentabilidade

Fernando Pimentel Diretor-superintendente da Abit

(Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção)

Desde o início da nossa gestão, tive-mos duas preocupações claras. Primeiro, combater os desequilíbrios concorren-ciais a que são submetidos os produto-res e trabalhadores brasileiros. Em se-gundo lugar, combater diuturnamente a ilegalidade. Não há moda criativa e design que vençam três, quatro anos de contrabando. Temos uma visão maior de internacionalização do Brasil, dos grandes acordos preferenciais. Este é o eixo da questão. Quando falamos da indústria têxtil e de confecção em todas as variáveis, esta [o SPFW] é a variável mais visível e glamourosa. Mas muita coisa existe na cadeia produtiva, e a Santista é um exem-plo disso, que incorpora tecnologia. A visão sistêmica na cadeia produ-tiva demanda uma série de ações que têm na moda, nestes eventos de moda, no SPFW, o seu ápice, mas que possui uma base no trabalho de sustentação, no hard work do dia-a-dia. Para dar uma pincelada: o Brasil exporta 1 kg de algodão a U$ 1, em mé-dia, exporta 1 kg de vestuário a U$ 20 e exporta 1 kg de moda a U$ 70, U$ 80. É 1 para 20, 1 para 80. Santista, Coteminas e Marisol, em-presas importantes do setor, através de um processo conjunto, lançaram o Pure Brazil Cotton. Mas começaram a perce-ber com muita clareza que tanto o al-godão egípcio quanto o peruano têm um espaço conquistado neste mercado como um algodão de qualidade. Se fôs-semos manter pela lógica a qualidade neste espaço ocupado e lutar para de-salojar [o algodão egípcio e o peruano] da mente destas pessoas, seria uma ta-refa hercúlea e de resultados reduzidos.

Tivemos que buscar uma outra verten-te, a da sustentabilidade: desde a lavoura até o produto final com certificações. Isto já esta rendendo negócios de U$ 60 a U$ 70 milhões. É o viés típico com o qual você incrementa valor. Todos nós sabemos o que é este incre-mento de valor. Vivemos numa época onde o que é diferenciado hoje é com-moditie amanhã. Vivemos uma situa-ção em que a competição é total. Não disputamos entre marcas ou indústrias, mas onde o consumidor quer gastar. No âmbito da tecnologia, estamos trabalhando com a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] e vamos receber um curso para incrementar isso nas in-dústrias brasileiras. Porque este é um se-tor que tem um arco de conhecimento interagindo desde a base da pirâmide, com trabalhadores que estão sendo trei-nados e capacitados – são pesquisadores da maior importância na percepção da tendência de produtos, de química, de biotecnologia etc.

TEX-BRASIL COMO DESAFIO

No nosso discurso e na nossa práti-ca, o Brasil tem futuro, mas não será de qualquer jeito, não nos iludamos. Há necessidade, sim, de mudança estrutu-ral, mas a posição da nossa entidade é seguir esquecendo o macro. Dentro do cenário “mezzo” e micro, temos que trabalhar como se ele fosse permanecer. E o que vamos projetar como desafio é a

Tex-Brasil, um programa desenvolvido pela Abit. Ele levou o país, juntamente com algumas mudanças cambiais, a expor-tar e passar de U$ 1 bilhão em 1999 para U$ 2 bilhões em 2005. Em 2006 e 2007, nossa exportação estagnou e houve um aumento vertiginoso da importação. Lembro aqui que a entidade não tem nada contra a importação, desde que legal e equilibrada. Não acho graça ne-nhuma dar sustentação para o câmbio desvalorizado chinês. Acho que a socie-dade brasileira não tem que pagar por isto e vamos brigar sempre.

DESAFIO DA APEX

Sob esta ótica e voltando para a sus-tentabilidade, a Apex (Agência de Pro-moção de Exportações e Investimentos) tem um desafio fundamental: como fazer para que as empresas que apostam no comércio externo e desenvolvem produtos, marcas, que participaram e participam de eventos, possam conti-nuar participando deste programa – já que, infelizmente, por mais que você coloque criatividade, uma calça jeans brasileira para entrar nos EUA paga uma taxa de 17%? Nós estamos assistindo a uma série de internacionalizações e anúncios de internacionalizações de empresas na-cionais que são impositivos. A única coi-sa que nós lamentamos é que elas estão nesta busca não por esgotamento de um

46

Peça assinada por Fause Haten para a exposição do SPFW sobre moda sustentável

Page 25: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

Desprezo aosmeios de produção

Alfredo BondukiConselheiro da Abit (Associação Brasileira da Indústria

Têxtil e de Confecção) e diretor-tesoureiro do Sinditêxtil-SP (Sindicato das Indústrias Téxteis do Estado de São Paulo)

O Bom Retiro é, para mim, o símbolo do que é o Brasil. O Brasil é tolerância, é a convivência entre raças, é exemplo.O Brasil tem o potencial criativo e tam-bém os meios de produção, mas estamos correndo o risco de não ficar nem com um, nem com outro. Hoje, a estrutura econômica não está voltada para o de-senvolvimento dos meios de produção do país. A mão-de-obra é tributada, o trabalho é tributado. Neste cenário, va-mos continuar crescendo 4%, 5%, mas desempregando cem mil pessoas por ano do setor de confecção, que é o se-gundo maior empregador do país. O Brasil é um dos maiores fabricantes de denim do mundo. Mas, por falta de acordos com os grandes centros consu-midores e divulgadores de moda, o país exporta o seu denim, a linha de costura e o zíper para a Colômbia. São os colom-bianos que criam as peças em jeans e exportam para os Estados Unidos e para a Europa. Então, nós estamos exportan-do a possibilidade de nos envolvermos com a criatividade.

A educação é um aspecto importan-te. O Brasil é um dos países com mais cursos de moda do mundo e que mais criou desfiles nos últimos anos. Existe uma busca grande por cursos de moda porque há mercado de trabalho, mas está sobrando vaga nos cursos de enge-nharia têxtil.

SUPORTE PARA A CRIAÇÃO

A nova geração não acredita no Brasil como um país que produz. Eles querem ir para a área criativa, para a arquitetura, para a moda; não querem ir para a en-genharia, para a produção. É uma dis-torção: se não houver ninguém desen-volvendo produtos e tecnologia, não haverá suporte para quem cria. O Brasil é um grande centro borda-dor no mundo e os maiores pólos de bordado não estão nas grandes cidades. Ibitinga (SP) e Tobias Barreto (SE) são os maiores centros de bordado do país, mas não há faculdades de moda e estilo ou de engenharia têxtil próximas a es-sas cidades. Isso é um desperdício.

A função da nossa associação é tentar sensibilizar os governos. Eles passam e a indústria, a moda e os criadores ficam. Não defendemos apenas a indústria têx-til, mas todo o conjunto em que a ativi-dade têxtil está integrada. Em America-na (SP), por exemplo, havia mil fábricas de tecido; hoje, são 400, muitas delas encravadas em bairros residenciais. Foi feita uma parceria com a Cetesb (Com-panhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, ligada à Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo) para controlar o nível de vibração dos teares, para evitar que afetem as casas vizinhas. Foi realizado um grande investimen-to de reestruturação das empresas do se-tor têxtil para torná-lo mais sustentável. Uma boa parte dele foi feita em trata-mento, em desenvolvimento de novos materiais, em uso racional da água e de energia. Hoje, produzindo o dobro, usa-mos metade da água que gastávamos há dez anos.

49

Mais atenção ao criativo

Adélia BorgesJornalista e curadora

especializada em design

Estamos falando de Economia Cria-tiva, mas falando muito sobre o subs-tantivo “economia” e pouco sobre o adjetivo “criativa”. Temos de refletir so-bre um comportamento que é nosso e de vários outros países do hemisfério sul, que é o complexo de inferioridade, de povo colonizado. Segundo a expres-são muito interessante de um antropó-logo, somos caracterizados pelo torcico-lo intelectual: ficamos sempre olhando lá fora para procurar as luzes, as chama-das tendências. Todos os casos de sucesso, porém, que foram citados neste debate – Havainas, Natura, Embraer, H. Stern, Marco Pólo –,

são exemplos de empresas que olharam para o mercado. A Embraer, por exem-plo, desistiu de tentar copiar as altíssi-mas tecnologias das empresas aeronáu-ticas estrangeiras, desenvolveu-se para o mercado interno e acabou atendendo ao externo também. A empresa teve a capacidade de ver os problemas – por exemplo, as pistas de pouso precários do Brasil – e, a partir desse momento, foi fá-cil encontrar a solução. Temos de prestar atenção quando fa-lamos em criatividade, em formulação de conteúdos, pois temos uma enorme riqueza em nosso país, que é a inventi-vidade do nosso povo.

Acho que está havendo uma revo-lução atualmente na América Latina, que é a união entre design e artesanato. Tenho visto iniciativas fantásticas de requalificação de objetos, de inserção de comunidades inteiras em condições pelo menos razoáveis de vida, de desen-volvimento de capacidades criativas locais, com base em matérias-primas lo-cais, em patrimônios e técnicas de pro-dução locais que, além de tudo, exigem investimentos muito baixos. Nessa questão do artesanato e do design, a relação custo-benefício é altís-sima e eu acho que deveríamos atentar para essa riqueza que está explodindo não só no Brasil, como em vários países latino-americanos.

48

Oficina de customização no espaço do Banco Real, dentro da Casa SPFW

Inspirada em pinturas de grafite, toy art feita de meia para a grife do Grupo Cultural AfroReggae

Page 26: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

Interação entre o setor e o BNDES

O caminho para competirmos com a China é o da qualidade, e não da quan-tidade. Não há armas nem interesse em combater a China no mesmo nível, especialmente quando se pensa em trabalho infantil, destruição do meio ambiente, câmbio mantido artificial-mente e regime repressor e ditatorial. Acho que a marca do Brasil é a cria-tividade e, quando se leva a discussão para a Economia Criativa, temos aí uma chave de atuação, porque permite unificação com cultura, com turismo, com as próprias características do povo brasileiro. E é evidente que o Brasil tem esse di-ferencial também na indústria da mo-da. Mas é preciso transformar o sucesso semestral do SPFW em maior volume de negócios e maior capacidade de ex-portação. Temos que traduzir essa mar-ca Brasil, formada por excelentes estilis-tas, modelos de renome internacional, por este evento, situado entre os cinco maiores do mundo, em empregos, capi-tal, geração de renda. Isso pode aconte-cer, fundamentalmente, através de uma forte articulação entre os setores públi-co e privado. Acredito que os principais atores dos dois setores já tenham uma visão dife-rente em relação à moda e isso deve, ne-cessariamente, gerar alguma articulação

formal, um grupo de trabalho, uma co-missão com bases, sede, pois senão esse processo não tem continuidade. Falando sobre linhas de crédito e fi-nanciamento, nós [do BNDES] criamos uma linha de crédito, há sete anos, que se chama Cartão BNDES. Voltado para o pequeno e médio empresário, funciona como um cartão de crédito pessoal, com o qual você compra de fornecedores que são credenciados através da internet. O cartão tem atendido a feirantes, do-nos de padarias, de pequenos mercados, papelarias e pequenas indústrias têxteis. Com ele, o empresário faz compras par-celadas em até 36 meses, pagando 0,3% de juros ao mês.

CHAMADO AO SEBRAE

O mercado informal no Brasil cria algu-mas dificuldades para se encaixar nesse tipo de política, por isso é fundamental a presença do Sebrae. O órgão deveria lançar campanhas de incentivo à for-malização dessas empresas para ajudar os pequenos e médios empresários a en-trar no mercado formal e usufruir desse tipo de sistema. Hoje, temos uma media de 40 mil produtos credenciados, operando atra-

vés de três bancos (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Bradesco), e mais de 600 produtos oferecidos para a indústria têxtil, um dos poucos setores atendidos que têm insumos. O cartão visava atingir financiamentos para ma-quinário, mobiliário, informatização, veículos, mas, no caso da indústria têx-til, é muito utilizado para compra de insumos. Com o SPFW, começamos a desenhar uma linha de crédito de duas mãos, para quem quer vender e quem quer comprar. Para posicionar as linhas de crédito para as questões intangíveis, precisamos que os profissionais do setor nos dêem informações e precisamos formar um grupo de trabalho onde estivessem re-presentados não só os setores interessa-dos, mas também o Ministério da Indús-tria e do Desenvolvimento, o comércio, o BNDES e o Ministério da Fazenda. Esse é um momento apropriado para mobi-lizar uma força-tarefa. O BNDES é uma instituição que nas-ceu lá atrás, para cuidar da infra-estrutu-ra, não existia lei de financiamento para micro e pequena. O olhar interno é para grandes empreendimentos e tem resis-tência para lidar com o pequeno, então esse tipo de iniciativa é importante para nos auxiliar num reposicionamento, só que é fundamental que haja continui-dade para poder de fato articular os ato-res envolvidos.

Celso Marcondes Assessor da presidência do BNDES

51

A indústria é totalmente voltada para a produção do produto fechado, e não para o processo. Já o designer pensa na essência da profissão, em todo o processo de de-senvolvimento do produto. É preciso uma formação extremamente complexa para colocar os designers no mercado, mas o mercado exterior é bem mais interessante para eles que o nacional. Isso tem mudado gradualmente, com pequenas empresas que conseguem inserir um valor diferenciado no seu produto, mas ainda é um mo-vimento tímido.

Designers e indústria

Rogério Massaro SurianiReitor do Centro Universitário Senac-SP

50

Cenografia feita com papelão

Sala de desfile no MAM; nas laterais, banquinhos feitos de papelão reciclado

Page 27: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

À cultura é reconhecido um papel crucial como processo (de criação estética e funcional) e como resulta-do (constituindo setor econômico). Veremos como, a partir de dois exem-plos emblemáticos de cidades criativas: Barcelona e Londres.

BARCELONA: MAIOR EXEMPLO

Tida como um dos símbolos máxi-mos das cidades criativas, Barcelona utilizou o momento dos Jogos Olímpi-cos de 1992 e o financiamento europeu oferecido à época para reformular sua infra-estrutura e sustentar o desenvol-vimento de uma nova base econômica, ao mesmo tempo em que se mostrava ao mundo com uma nova imagem ur-bana, ancorada em um ambiente cultu-ral e criativo.O sucesso da cidade, nesse sentido, é fre-qüentemente atribuído à concepção e à execução de um plano estratégico de dez anos, elaborado e levado a termo por um grupo integrado de agentes públicos e privados, dos setores cultural e criati-vo. Nele, o design urbano foi apontado como prioritário, indo além da arte pú-blica (mais de mil esculturas ao ar livre foram distribuídas pela cidade desde en-tão), abrangendo habitação, transportes, patrimônio e espaços públicos.

A partir dos primeiros anos desta dé-cada, abordagens alternativas começa-ram a surgir, tentando contextualizar esse conceito em uma realidade local.

CRIATIVIDADE GERENCIADA

As cidades criativas nascem, assim, como locus dessa nova economia, cuja representatividade chegaria a 7%, 8% do PIB mundial (UNCTAD). Enquanto a maioria dos autores que se dedicam ao tema não apresenta uma definição clara de cidade criativa, destaca-se a proposta difundida pela Canadian Policy Resear-ch Networks: “Cidades criativas são lo-cais de experimentação e inovação, on-de novas idéias florescem e pessoas de todas as áreas se unem para fazer de su-as comunidades lugares melhores para viver, trabalhar e se divertir. Baseiam-se em tipos diferentes de conhecimento, pensam holisticamente e agem saben-do da interdependência econômica, social, ambiental e cultural; usam a par-ticipação pública para lidar com temas complexos, (...) e problemas urbanos perenes de habitação, inclusão, preser-vação e desenvolvimento.” Em suma, a cidade ideal. O que se reconhece, em última instância, é a capacidade da criatividade humana, quando bem gerenciada por uma política pública abrangente, de impulsionar o desenvolvimento socio-

econômico e a qualidade de vida de um local, fomentando fluxos de talentos, investimentos e idéias. Diante de um cenário tão vasto, não é de estranhar que os autores que se debruçam sobre o tema há mais de uma década, como Charles Landry, elaborem caracterizações igualmente amplas da criatividade e, por decorrência, das ci-dades criativas. Tônica comum é a pre-mência de considerar a criatividade de modo multidisciplinar e transversal às atividades econômicas: “São necessá-rios tipos distintos de criatividade para desenvolver e responder às complexi-dades da cidade mundial, que requer continuamente que lidemos com inte-resses e objetivos conflitantes. Pode ser a criatividade dos cientistas para resolver problemas relacionados à poluição ou a dos urbanistas para gerar novas polí-ticas urbanas; a dos artistas, para ajudar a fortalecer a identidade de um lugar ou estimular a imaginação; a dos executi-vos, para gerar novos produtos ou servi-ços que incrementem as possibilidades de criação de riqueza.”

53

Cidades criativas: da teoria à prática em uma volta pelo mundo

Nos últimos dez anos, o conceito de cidades criativas tem despertado o inte-resse crescente de urbanistas, arquitetos, sociólogos e pessoas interessadas em discutir o design do mundo em um diá-logo íntimo, com uma ebulição de estu-dos e teorias econômicos abrangendo a chamada Economia Criativa. Alimen-tando esse tema estão o acirramento da competitividade mundial; a agilidade e os entraves aos fluxos de idéias, talentos e investimentos; a busca pela identida-de individual e coletiva no contexto urbano e o reconhecimento da necessi-dade de lançar sobre as cidades e a eco-nomia um olhar multidisciplinar como única forma possível de lidar com sua complexidade.

O QUE SÃO CIDADES CRIATIVAS

O conceito de cidades criativas surgiu no bojo das discussões acerca da Economia Criativa. Esta, por um lado, bebe nas fontes da economia do conhecimento, caracterizada pela centralidade do conhecimento na ge-ração de competitividade, pelo papel primordial das novas tecnologias na produção, distribuição e consumo de conhecimento (inclusive de conteúdos culturais) e na organização em redes.

Acima de tudo, a nova economia revela a prevalência do conhecimento e dos ativos intangíveis sobre as formas tra-dicionais de organização econômico-social, francamente apoiada em manu-faturas e serviços tradicionais.Por outro lado, a Economia Criativa acrescenta novas respostas a um contex-to geopolítico que, ao se deparar com a queda do potencial diferenciador das indústrias tradicionais, incorporou às novas tecnologias um contraponto fundamental de caráter cultural e de entretenimento.Conceito de contornos fluidos, ainda em formação, a Economia Criativa sur-giu de forma oficial na Austrália, em 1994, mas tem como seu maior expoen-te o Reino Unido, onde foi adotada pe-los Trabalhistas de Blair, em 1997, como base da estratégia nacional de recupera-ção econômica. Para estes, as indústrias criativas têm por essência a criativida-de individual, habilidades e talento, capazes de gerar riqueza e empregos por meio de direitos de propriedade in-telectual.

Ana Carla Fonseca ReisSócia-fundadora da Garimpo de Soluções - economia, cultura e

desenvolvimento e autora de “Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável - o Caleidoscópio da Cultura” (Prêmio Jabuti 2007)

52

Desfile Maria Bonita

Page 28: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA 55

EM LONDRES, COMO NA

MAIORIA DAS CIDADES

CRIATIVAS, ÍCONES

ARQUITETÔNICOS TÊM

SIDO UTILIZADOS EM

PROPORÇÕES DRAMÁTICAS

NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS

Paralelamente, o investimento con-templou a vocação criativa e a identi-dade de cada região da cidade; nesse desenho, Ciutat Vella e Sants-Montjuïc possuem uma concentração de empresas culturais, ao passo que em Sarrià-Sant Gervasi e Les Corts predominam design, decoração e demais criações artísticas funcionais (“applied arts”). Segundo a Câmara de Comércio de Barcelona, entre 1993 e 2003 o cresci-mento populacional da região de Cata-lunha foi de 8,9%, superior à média es-panhola, de 7,4% no período; na União Européia, não passou de 3,1%. A economia do conhecimento, en-tendida para a região como abrangendo serviços culturais, de comunicação e design, impulsionou o nível de empre-go na região metropolitana de Barcelo-na. Mais de 80% da força de trabalho se escora em serviços e tem dado mostras de respaldar o título de uma das seis áreas econômicas européias com maior potencial de crescimento. O crescimento a passos rápidos, po-rém, tem deixado pegadas pesadas no ín-dice de assaltos (50% de crescimento en-tre 1996 e 2001) e no preço das moradias (60% de acréscimo nesse qüinqüênio). Não por menos a Economia Criati-va tem recebido atenção privilegiada como estratégia de desenvolvimento regional. Dados de 2004 relevam que as indústrias criativas representam de 6% a 8% do PIB da cidade e, quando com-binado com turismo, chega a 17%. A in-fra-estrutura hoteleira se expandiu 85% desde 1990, voltando seus olhos para os 12 milhões de visitantes que visitaram 46 museus e 27 festivais de música. A cultura passou a ser vista como gerado-ra de inovação, talentos e criatividade,

geradora de empregos e riqueza e for-madora do prestígio internacional da cidade, criando espaços e processos de socialização.

LONDRES: A PIONEIRA

Cidade símbolo da Economia Criati-va, Londres tornou-se referência nos es-tudos de cidades criativas. Em 2003, 680 mil pessoas (20% da força de trabalho) tinham ocupação nas indústrias criati-vas da cidade, que por sua vez represen-tavam 15% da economia local. Com 12% da população do Reino Unido, Londres contava com 40% de sua infra-estrutura artística, 90% das empresas de música, 70% da produção audiovisual, 85% dos designers de moda e 27% dos projetos arquitetônicos do país (Landry). Como na maioria das cidades criati-vas, ícones arquitetônicos têm sido uti-lizados em proporções dramáticas nos últimos dez anos. Vários deles serviram de base para estudos de impacto econô-mico (como o da Tate Modern), dando conta de que o investimento realizado em sua construção e/ou requalificação era inferior aos benefícios econômicos gerados com a dinamização do entorno e sua contribuição à reinserção local no tecido socioeconômico e turístico da cidade. Para aprofundar o estudo do tema, a Comissão Municipal para as Indús-trias Criativas foi criada em 2003, en-volvendo 16 representantes das indús-trias criativas e dos setores empresarial, educacional e de políticas municipais. Segundo os dados divulgados, as indús-trias criativas que apresentaram maior crescimento na década anterior à pes-quisa são intensivas em mão-de-obra qualificada, como moda e design (71%);

atores, produtores e diretores (47%) e autores, escritores e jornalistas (43%). A partir desses levantamentos, foram também indentificados os gargalos das diferentes cadeias produtivas e de eleva-ção da qualidade de vida na cidade.

O QUE MOSTRA A EXPERIÊNCIA

Ao analisar as veias mais salientes das cidades criativas, destacam-se alguns tra-ços recorrentes, como a presença de se-tores criativos fortemente ancorados em conhecimento; a convivência de uma diversidade étnica e conseqüentemen-te cultural, em especial com parcela ex-pressiva de mão-de-obra qualificada ou em formação; a concentração de equi-pamentos e espaços culturais voltados à multiculturalidade e à geração de áreas de convívio; forte apelo turístico, via de regra respaldado e fomentado pela cons-trução de ícones arquitetônicos; infra-estrutura de comunicações e transportes que sustente a economia de negócios e o fluxo turístico gerado; e, invariavelmen-te, a presença de uma agência pública de desenvolvimento, atuante localmente, que escora e incentiva a franca partici-pação da iniciativa privada na estratégia e na execução de um plano de desenvol-vimento da cidade. São questões e premissas que revelam o comprometimento com a continui-dade de políticas públicas de longo pra-zo; a percepção da complexidade real da dinâmica da cidade em um contexto global de competitividade e agilidade sem precedentes; o reconhecimento da cultura como área prioritária para o de-senvolvimento urbano, sendo os recur-sos aplicados tidos como investimento, em oposição a despesas; e, por fim, a vi-são de que talentos só florescem onde a vitalidade urbana oxigena a criativida-de individual e coletiva, em uma con-junção saudável de símbolos estéticos e infra-estrutura funcional.

54

Cenografia em papelão assinada por Daniela Thomas e Felipe Tassara

Page 29: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

União entre criação e negócio

Aurílio CaiadoPesquisador da Fundação Seade

A região metropolitana de São Paulo tem em torno de 5% de seus empregos formais em algum tipo de ocupação na área da cultura. No Estado de São Paulo, essa área movimenta um contingente de pessoas e de renda que já é significativo. Sabe-se que a chamada economia criativa é bem mais ampla, porque con-templa toda a economia da cultura. Especula-se que envolva 5% a 7% dos empregos na região metropolitana. Se a região metropolitana de São Paulo tem 30% dos empregos formais do Brasil, dos empregos criativos tem quase 40%. Esse tema é muito novo, controver-so, até a própria delimitação do termo. Nem dentro da ONU há clareza sobre isso: o que a Unesco chama de Econo-mia Criativa é distinto do que a Unctad diz. É um conceito em elaboração, em delimitação e, mesmo que fosse delimi-tável, é muito amplo, pois engloba do artesão tradicional do interior do Ama-zonas ao designer de móveis, de jóias e de aviões, portanto é um setor muito heterogêneo.

É o momento de Brasil e de São Paulo se mobilizarem, estimulando a discus-são, se inserindo mais nesse debate e ten-tando incluí-lo na agenda das autorida-des nacionais. Criatividade nós temos, somos um dos povos mais criativos do mundo. O design brasileiro, por exemplo, se desta-ca. O que falta é a ligação entre a criação e o negócio. Falta um elo que é vital na economia. Faltam empreendimento, sustentabilidade, capitalismo. Essa pas-sagem da criatividade para o negócio é muito complexa e requer muito esfor-ço público e da sociedade. Nosso esforço, na Fundação Seade, tem sido nos dois sentidos: delimitar o que é a Economia Criativa, do que se trata, tentar mensurar e contribuir para a formulação de políticas públicas.

56

01

02

03 04

05

07

1009

06

08

01. Fabio Barbosa02. Cledorvino Bellini

03. Branislav Kontic04. Maria Luiza de Oliveira Pinto

05. Eduardo Rath Fingerl06. Marcio Utsch07. Graça Cabral

08. Angela Tamiko Hirata09. Andrea Matarazzo

10. Lala Deheinzelin

Page 30: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

11. Fernando Pimentel12. Francisco Simplício

13. Eduardo Rabinovich14. Ana Carla Fonseca Reis

15. Altair Assumpção16. João Marcello Bôscoli

17. Ricardo Guimarães18. Pedro Passos

19. Eliana Simonetti 20. Celso Marcondes21. Andrea Ciaffone

22. Adélia Borges23. João Alfredo Meirelles

17

1615

13

19

18

20

232221 33 34

32

28

24

30

31

24. Ricardo Weiss25. Rosa Alegria

26. Carlos Jereissati Filho27. Lídia Goldenstein

28. Clovis de Barros Carvalho29. Alfredo Bonduki

30. Carlos Américo Pacheco31. Graça Cabral e Rose Carmona

32. Aurílio Caiado33. Rogério Massaro Suriani

34. Ruy Porto

29

2725 2614

11 12

Page 31: Caderno Economia Criativa SPFW Vol 1

ECONOMIA CRIATIVA

Apóia iniciativas de Economia Criativa para o desenvolvimento do país.