CANEVACCI, Massimo. Metrópole comunicacional

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    MASSIMO CANEVACCI

    antroplogo, professorda Faculdade de Cinciasda Comunicao daUniversit La Sapienza deRoma e autor de, entreoutros, A CidadePolifnica(Studio Nobel).

    MASSIMO CANEVACCI

    Traduo de Aurora Fornoni Bernardini

    Metrpole

    comunicacional

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    REVISTA USP, So Paulo, n.63, p. 110-125, setembro/novembro 2004112

    intro: manchetes:

    ste meu ensaio quer ser uma

    homenagem a So Paulo pelos seguintes

    motivos: fazendo uma pesquisa no interiorda cidade comecei a compreender cada vez

    melhor aquilo que estava vindo tona, no

    apenas na imensa capital, mas algo que ia

    configurando um processo muito mais com-

    plexo. Um trnsito da cidade moderna (pe-

    los olhos da qual Lvi-Strauss havia visto

    e condenado entropia cidades brasileiras

    e culturas indgenas) para um novo tipo de

    metrpole: a metrpole comunicacional.

    Isto , as variegadas e fluidas formas decomunicaoque cruzavam essa nova me-

    trpole iam se tornando mais importantes

    do que o conceito tradicional de sociedade,

    com o qual eu tinha me formado cientfica

    e metodologicamente. Da, a insuficincia

    da forma-ensaio do passado (monolgica)

    e o impulso a experimentar uma multiplici-

    dade de formas expositivas, todas elas ba-

    seadas na montagem: uma reunio de frag-

    mentos, pois apenas eles sabem dar, por

    aproximao contnua, o sentido mutante

    desse novo pulsar da metrpole. A monta-

    gem de fragmentos , ao mesmo tempo,

    uma homenagem a Walter Benjamin, o

    primeiro grande pensador que atravessou

    esses novos espaos culturais comunicati-

    vos j nas primeiras antecipaes das me-

    trpoles do sculo XIX.

    O que mudou realmente em relao ao

    cenrio do comeo da dcada de 90 o

    enxerto da cultura digital nos fluxos dacomunicao; e o resultado a comunica-

    o digital entre os espaos metropolitanos

    assinala um outro trnsito: da montagem

    ao morphing, com o qual a comunicao

    digital modifica no interior (por meio da

    assemblagem depixel) duas ou mais figu-

    ras iniciais, transformando-as em algo de

    visual e radicalmente novo. Essa alterao

    icnica do morphing torna necessria a

    modificao de uma outra clebre tese de

    Benjamin: a que via na reprodutibilidade

    tcnica a utopia que desafia a aura aristo-

    crtico-burguesa. Graas ao digital, repro-

    dutibilidade e no-reprodutibilidade mis-

    turam-se e, dessa forma, afirmam-se as

    prticas ps-dualistas do corpo da comuni-

    cao. E a metrpole o contexto dentro do

    qual o corpo se configura e se transfigura

    como bodyscape.

    As paisagens corporais so paisagensdentro do corpo da metrpole comunica-

    cional. Os corpos metropolitanos so cor-

    pos comunicacionais em que a tecnologia

    somatizada segundo procedimentos irre-

    gulares, sincrticos, mutides [que tendem

    a mudar].A nova metrpole somatiza a

    tecnocomunicao e a difunde em seus flu-

    xos itinerantes. Basta abrir os poros do

    prprio corpo e os fluxos entram por qual-

    quer multplice sensorialidade.Quantos so os sentidos acesos da me-

    trpole comunicacional?

    :plano seqncia:

    A fila est excitada. Ordenada e veloz.

    Uma fila que parece consciente de estar

    experimentando algo de novo: algo para

    contar e para lembrar. Em volta, uma srie

    de funcionrios competentes (vestidos de

    modo uniforme, mas com variaes cro-

    mticas eltricas diferentes e individuali-

    zadas para cada um deles) distribui com

    discrio bilhetes e dpliant, entretm as

    crianas, responde s (poucas) perguntas.

    Em So Paulo, o novo mega shopping

    center Sensorlia est aberto h apenas

    uma semana e todos j falam dele. A fila

    escorre silenciosa por entre as plantas tro-

    picais falsas-verdadeiras, enxertadas ao

    longo de um jardim sinttico que precede aentrada. Chega o mini-mono, o trenzi-

    nho minsculo estilo Sottsass (super-

    design) e Star Trek (super-serial) no qual

    N. T.: Certos neologismos do au-tor, como mutide (que tende amudar) assemblagem, etc., fo-ram deixados inalterados na tradu-o. Igualmente no foram traduzi-dos em sua quase totalidade ostermos em diferentes idiomas es-trangeiros usados pelo autor. Ape-sar de no corresponder nossanorma, foi conservada, em suaquase totalidade, a notao emitlico do autor, tendo sido, entre-tanto, assinalados em itlico os

    vocbulos estrangeiros. Algunsoutros neologismos e/ou estran-geirismos menos compreensveisforam traduzidos (ou interpretados):nesse caso a traduo vem entrecolchetes.

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    sentam os consumers, que j sabem lidar

    com os cintos que se fecham com a simples

    presso dos dedos sobre o cone respectivo

    e sobre o casco que desce do alto para jun-

    tarsuas cabeas. O mini-mono, comple-

    tamente informatizado, parte: comea a

    viagem de ingresso ao novssimo e multi-

    sensorial-shop e, com ele, o espetculo.

    Leio um dpliantque diz: Forward

    vocs pensavam ter cinco sentidos: agora

    sabem que so infinitos .

    :primeiro plano sobre o dpliant e cut up:

    Learning from So Paulo

    O derrapar dos cdigos, o esvaziamen-

    to dos smbolos, aproliferao dos signos

    e sua descontextualizao caracterizam os

    novos sets do consumo: agora os shopping

    centers tornam a formatar-se como con-

    textos performativos pblicos que compe-

    tem entre si. O estilo comunicacional, que

    se afirmou nos theme-parks e que desloca

    massas crescentes de consumers, foireelaborado pelas grandescorporaesda

    distribuio e aplicado ao mega-shop, onde

    as emoes da viso so liberadas e contro-

    ladas no mesmo espao-tempo. O restyling

    do consumo performativo baseia-se numa

    precisa idia-guia: a competio entre os

    novos espaos metropolitanos d-se sobre

    os cdigos, sobre a ativizao do sujeito-

    consumer.Dressing.

    Se a dcada de 70 viu Las Vegas como

    modelo da simulao que prope o corta-e-

    costura como o trao da ps-modernidade

    como tudo, por sinal, j foi inventado,

    trata-se to-somente de misturar os cdi-

    gos feito uma sopa in progress: tudo isso se

    esgotou. Ao jogo da simulao (que conti-

    nua, em parte, em diferentes modalidades)

    substitui-se o enxerto das tecnologias co-

    municacionais no corpo da metrpole.

    Bodyscape. Tal modo do consumo de

    elemento secundrio e final da produo,torna-se diretamente produtivo. Em So

    Paulo, as novas fbricas que surgem nas

    reas menos favorecidas baseiam-se em um

    trptico, o trptico da contemporaneidade

    pulsante: cultura-consumo-comunicao.

    As invenes que inserem sets perfor-

    mativos no interior dos novos espaos me-

    tropolitanos (os enclavesdo consumo per-

    formativo) cruzam arquitetura, design,

    moda, style e comunicao visual. Esta

    ltima a comunicao visual emerge

    como o elemento de unificao, invaso e

    fragmentao das novas metrpoles. Tudo

    isso difunde e recria, continuadamente, a

    metrpole comunicacional. Gradualmente

    e sem pausa, ela passa a substituir a metr-

    pole moderna, baseada na produo. Os sets

    performativos do consumo so os sucesso-

    res das fbricas.

    O olhar doperformerque entra nessesenclaves afirma-se como arte da masti-

    gao: os olhos tornam-se dentes que se

    movem lenta e inexoravelmente sobre a

    dura comida a ser deglutida, que se agita na

    boca; deslocando a comida com movimen-

    tos sbios da lngua e umedecendo-a, os

    dentes conseguem lentamente atacar sua

    dureza, fragment-la, isol-la, dissolv-la

    at transform-la em bolo. Finalmente, esse

    bolo, cada vez mais molhado pelos sucoslinguais, pode ser engolido, j transforma-

    do e afofado em sua inicial solidez. Pois

    bem, os olhos, do mesmo jeito, selecionam

    vises, cdigos, signos, estilos; juntam-nos

    e fazem-nos rodopiar com os movimentos

    frontais do olhar, feito os planos-seqncia

    de uma telecmera incorporada, que tem o

    condo de reunir e amolecer os objetos da

    viso e os objetos-a-serem-vistos; depois

    so focalizados detalhes com verdadeiros

    zooms que pem em primeiro plano cada

    particularidade; finalmente o olho absorve

    engurgita, engole, deglute o pedao

    selecionado e o coloca em sua memria

    temporria.

    O olho tem o poder seletivo, mordedor

    e absorvente que outrora pertencia aos

    dentes.

    O olho o sucessor das presas.

    Olho pulsante.

    Os movimentos oculares atuam em con-tnuos cuts-up, entre os segmentos da co-

    municao visual inseridos nos espaos

    performativos do consumo. Esses espaos

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    oscilam entre citaes, reprodues, ino-

    vaes que atravessam parques temticos,

    outlets da arquitetura, tecnomuseus, mos-

    tras-espetculos, megaconcertos, malls,

    shopping centers, village-holidays, eco-

    turismo.

    Em Roma, o concerto gratuito de Simon

    & Garfunkel, realizado na cenografia ini-

    mitvel do Coliseu, em 31 de julho de 2004,

    comportou mais de 600.000 pessoas que

    aplaudiram o duo um contingente acres-

    cido de turistas que esgotaram todos os

    ingressos existentes na cidade. Um vo

    last minute vindo de qualquer cidade da

    Europa era superbarato frente ao concerto

    gratuito.

    Na gesto desses processos comunica-cionais, obtm-se uma srie de resultados

    optimais: governanceps-industrial, cida-

    dania mvel, fluxos de pblico, famlias

    nucleares, bandas juvenis, simples casais,

    grupos tursticos, encontros amigveis so

    atrados de modo crescente por um novo

    meio comunicativo inserido no corpo ex-

    tenso (material-imaterial) da nova metr-

    pole comunicacional: assim se substituem

    os novos pblicos-do-consumo aos quaisse oferecem elementos mltiplos para libe-

    rar e enquadrar as emoes.

    A grande distribuio ataca o poder de

    atrao dos parques temticos ou dos

    tecnomuseus, preparando montagens de

    partes especficas dentro de cronotopos em

    mutao constante, para subtrair cotas de

    mercado concorrncia comunicacional ou

    para aumentar as j existentes. Ou talvez

    melhor para tornar-se uma pera de Con-

    sumo Total.

    O shopping comopera.

    O trptico c-c-c oscila entre tornar-se

    museu, parque temtico ou set da TV. Um

    novo e poderoso hbrido em que consumo,

    diverso, lazer, comunicao, mdia, espor-

    te correm um atrs do outro e se cruzam

    com cada um ou com todos.

    Wagner em So Paulo: do projeto

    wagneriano de obra de arte total que

    assembla uma srie de cdigos primos se-parados para transform-los em um

    Lebenswelt vvido aoConsumo Total da

    pera consumo em sentido literal.

    Dentro do Sensorlia, os novos consu-

    midores assistem e, ao mesmo tempo, cri-

    amperformances no tnel de entrada que

    mostra a antecipao dos produtos a serem

    comprados como se fosse set, expo-uni-

    versal, mostra de arte, desfile de moda,

    museu etnolgico. No tnel do consumi-

    dor pratica-se uma mensagem mltipla e

    sinttica entre gneros profundamente di-

    ferentes, que agora o novo set tem poder de

    reunificar numa nica grande viagem. Em

    sincronia com o adiantar-se do mini-

    mono, o consumidor assiste performan-

    cedas mercadorias, a seu agitar-se nos ca-

    chos do set, a seu falar, cantar, recitar. A

    nova mercadoria exposta acha-se agora

    completamente performada.A mercadoria do consumo performti-

    co umfetiche visualdiferente da merca-

    doria apenas material da era industrial

    (Canevacci, 2001, cap. I).

    A arquitetura de So Paulo apreendeu

    com a Disneyworld e com a Rede Globo;

    o tnel do mega-shop um cut-up que

    atravessa (corta) diversos parques tem-

    ticos. A expo das mercadorias assimilou-

    se competitivamente expo dos parquestemticos.

    A derrapagem semitica transita de um

    gnero arquitetnico-comportamental a um

    outro. Para desafi-lo. E, ao mesmo tempo,

    para desafiar o pblico que, desse modo,

    passa aparticipar.As mercadorias so as

    animadoras dos consumidores, tal como os

    animadores das aldeias tursticas que le-

    vam os excursionistas adormecidos a faze-

    rem meditaes zen, danas tribais, eso-

    terismos, troca mansa de casais, tatuagens

    temporrias, jogos de papis, gincanas ex-

    citantes, passeios ecolgicos, silncios

    adestrativos.

    [:dissolvncia:]

    - Piranha: instrutivo visitar, nem que seja

    por algumas horas, um lugar que estava na

    moda em 2002, como o Piranha:por fora

    um edifcio baixo, descascado, annimo,quase em decomposio, gente esquisita

    na rua, dentro de uma rea que parece res-

    duo da clssica periferia Ao contrrio,

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    basta passar pela soleira,limen inefvel e

    decisivo, para mudar de identidade, per-

    cepes e metodologias e achar-se num es-

    pao ultramodernssimo, grandes cozinhas

    com nipo-cozinheiros ao ar livre, salas de

    msica on the edge,pessoas de todo estilo,

    mas, em geral, muito observadoras dos

    cdigos expostos, sujeitos transclassistas

    que pem em contato coactos [forados]

    vindos no se sabe de onde, quem sabe de

    casas prximas, com a elite intelectual,

    estudantes progressistas, provedores de

    tudo ou qualquer coisa, famintos por boa

    msica que no seja a MPB. E tudo se ex-

    pressa numa clara dimenso de poli-

    sensorialidade transclassista, cuja determi-

    nante aparecia como sendo a multiplicida-de dos nveis comunicacionais (vestir-se,

    comer, gesticular, fumar, danar, ouvir,

    etc.).

    Sensorlia.

    Basta atravessar grande parte do sprawl

    [esparramamento]paulista para penetrar em

    um bairro e em um lugar totalmente ou-

    tro da piranha vai-se ao moinho.

    - A Mooca um dos velhos bairros indus-triais de So Paulo. Ali esteve e em gran-

    de parte ainda est presente a emigrao

    de origem italiana que agora se diluiu no

    mosaico tnico da segunda metrpole do

    mundo nas diferentes vagas que deixa-

    ram forte marca na cidade-trabalho, funda-

    da na grande indstria. So Paulo baseava-

    se e em grande parte ainda se baseia

    nesse tipo de modelo de trabalho. Agora

    sua sensorlia comunicacional est se in-

    serindo entre seus contorcidos mapas ur-

    banos e seus interstcios. Espaos-entre.

    Pulsa um novo tipo de motor metropolita-

    no que se funda sobre vigorosas reestru-

    turaes ps-industriais. Por causa disso

    tudo, o consumo est se pondo como cen-

    tro de expanso de valor (em sentido eco-

    nmico) e, ao mesmo tempo, de valores

    (em sentido antropolgico, como estilos de

    vida), deixando atrs de si todas aquelas

    impostaes moralistas e pauperistas que ocondenavam a dissipaes vistosas. Os

    impulsos rumo a novos consumos esto

    redesenhando as formas da metrpole. De

    toda e qualquer metrpole comunicacional.

    Por isso tudo, assiste-se a processos de

    mutao que transportam os lugares est-

    veis, as identidades compactas, os traba-

    lhos repetitivos, os ambientes poludos para

    mudanas comunicacionais.

    Assim deu-se que, desde 1998, um ve-

    lho e enorme moinho que tratava o milho

    desde a espiga at a farinha refez seu lifting

    e se transformou em multilocal quente. O

    caminho que leva ao Moinho apertado e

    industrial, por perto ainda h velhas fbri-

    cas que produzem conforme os ritmos e os

    tempos da modernidade. De repente che-

    ga-se a esse multilocal. Ao entrar o cliente

    recebe um carto magntico com seu nome,

    onde sero marcadas todas as despesas. o Temporary Identity Card. Depois assis-

    te-se a uma multiplicidade de papis sepa-

    rados entre si ou para se juntar a bel-prazer,

    em relao aos quais cada cliente-performer

    decide seu percurso e seu consumo. (Con-

    forme foi dito, nesses multilugares o es-

    pectador no apenas isso, mas tambm

    um preciso criador deperformances.) Tudo

    inserido e transformado, desconstrudo e

    reconstrudo no espao do velho moinho.H pizzarias rpidas, restaurantes de cem

    dlares, sorveterias coloridas, paredes

    cheias de videogames, espaos-vdeo e ci-

    nemas, pistas de dana, doceiras, bares. E

    uma enorme discoteca que se envenena

    depois da meia-noite. Outros espaos es-

    to sendo programados.

    Nos velhos ptios foram erguidas

    como nos estdios de Cinecitt ou da Glo-

    bo enormes esttuas de papel mach que

    representam as fases do trabalho obreiro

    no moinho, num perfeito estilo de falso

    realismo socialista. O efeito deslocante:

    d a impresso de se estar mergulhando em

    um parque temtico onde se transita por

    entre o consumo visual de smbolos do

    passado, reduzidos a puros signos, com os

    quais pode-se brincar de identidades m-

    veis identidades-de-tempo ao invs de

    se permanecer pregados na nica identida-

    de que nos foi dada pelo modelo fordista.O consumidor-performer constri seu

    prprio itinerrio, usa cada cdigo sua

    disposio, transita nos espaos, nos esti-

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    los, e tambm nos tempos. O Moinho um

    no-moinho onde se comem as enormes

    pizzas paulistas. E os patrocinadores su-

    blinhando ulteriormente as profundas

    disjunes com o passado so Parmalat,

    Barilla, Fiat, ou seja: uma Itlia multina-

    cional. Num canto do moinho abre-se at

    mesmo uma espcie de cripta bem ao lado

    do modernssimo espao dos videogames:

    entra-se ali numa Itlia medieval, pintada

    por pintores-barilla, onde a imagem do sa-

    grado um sagrado dessacralizado, priva-

    do de seu poder simblico e transformado

    em puro espao de exposio e em tempo

    de diverso. Cripta e videogame coabitam

    e transitam. Tudo pode coexistir e tudo

    tolervel.

    metropolis comunicationalis

    H precedentes para essa mudana epo-

    cal e algumas dessas tendncias foram adi-

    antadas, com sua visionria lucidez, por

    Musil em um de seus romances que tem, no

    centro, a decomposio da Viena capital

    universal; na citao que ele faz evocada

    uma metrpole da dcada de 30 que desafiaa condio anmica atual:

    No damos particular importncia ao nome

    da cidade. Como todas as metrpoles, era

    formada por irregularidades, revezamentos,

    precipitaes, intermitncias, colises de

    coisas e de eventos, e, no meio de tudo, pontos

    de silncio abismais; por bitolas e terras vir-

    gens, por um pulsar rtmico e pelo eterno

    desacordo e perturbao de todos os ritmos;

    e, em seu conjunto, parecia-se com uma

    bolha em reebulio posta em um recipien-

    te feito de casas, leis, regulamentos e tradi-

    es histricas (Musil, 1996, p. 6).

    Trata-se do primeiro captulo, do pri-

    meiro pargrafo, da primeira pgina de O

    Homem sem Qualidades de Robert Musil,

    sendo que est claro que o autor quis atri-

    buir a esse comeo um valor de fundao,

    porquanto aquela cidade-sem-nome (capi-tal do estado de Cacnia) igualmente o

    contexto expressivo, poltico e terico den-

    tro do qual se desenrola a narrativa que

    anatomiza a crise de 1900. Parafraseando o

    homem, tambm a metrpole sem quali-

    dades. De fato, as assim chamadas quali-

    dades pertencem quelas pessoas do im-

    prio austro-hngaro que no perceberam

    a decomposio em curso, devida a um sis-

    tema poltico-cultural dentro do qual sua

    capital Viena jamais chegaria a festejar

    os 70 anos de seu imperador. Junto com o

    aniversrio aproxima-se a derrota do im-

    prio na Primeira Guerra Mundial.

    Quem sabe por isso mesmo, conforme

    sobejamente conhecido, se liberam tan-

    tas foras criativas no corpo-em-decompo-

    sio. Musil uma dessas personalidades

    extraordinrias que conseguem dar o sen-

    tido de uma condio metropolitana muitomelhor do que as famosas pesquisas

    contempory [contemporneas] da Escola

    de Chicago: irregularidades, intermitncias,

    colises, arritmias designam justamente a

    metrpole como uma enorme bexiga refer-

    vente. So Paulo foi e ainda assim. A ci-

    dade polifnica referve. O que se acrescen-

    ta tem a ver com a tecnocomunicao.

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    Por isso mesmo, aquilo que continua-

    mos a chamar de metrpole adquire fei-

    es cada vez mais fugidias e mltiplas que

    desafiam as classificaes tradicionais: me-

    trpole-sem-nome ou de-muitos-nomes.

    Em qualquer caso, a metrpole contempo-

    rnea, a que se pode dar o vago adjetivo de

    comunicacional, o contexto fluido e

    inovador que libera roots (razes) e mistura

    routes (itinerrios, cruzamentos, atraves-

    samentos): tambm um laboratrio que

    desafia as divises tradicionais das disci-

    plinas. No d para sentir a metrpole se

    nos fecharmos no especfico arquitetni-

    co, urbanstico, sociolgico, antropolgi-

    co, esttico e assim por diante; ao contr-

    rio, sente-se quando se entretecem meto-dologias descentralizadas e deslocadoras.

    A transdisciplinaridade no quer dizer

    colocar juntas vrias disciplinas, mas sim

    criar um novo objeto que no pertence a

    ningum. Esse novo objeto a metrpole

    comunicacional. MetaplisOu melhor:

    a nova metrpole sujeito transdisciplinar

    que no pertence a ningum e que, justa-

    mente por isso, todos temos que atravessar

    e cruzar. Criss-crossing.Esse trnsito caracterizado pela ten-

    dncia dissoluo da produo industrial

    que constitua o centro identitrio, poltico

    e mnstico [referente memria] da cidade

    (seu monumento por excelncia, com

    suas classes precisas, a dialtica sinttica,

    os dualismos centro-periferia, pblico-pri-

    vado, cultura de elite-cultura de massa). As

    inovaes complexas e plurais que favore-

    ceram, acompanharam, anteciparam dita

    dissoluo so o referido trptico: consu-

    mo-comunicao-cultura.

    Shopping centers, malls, parques tem-

    ticos,gentrification,museus, publicidade,

    arranjo de vitrines, desfiles, mostras, expo-

    sies, frias, encontros: tudo isso est

    redesenhando a vida material-imaterial do

    novo sentir metropolitanto. A competio

    entre as metrpoles d-se nesse plano, no

    mais pela quantidade de mercadorias que

    se podem produzir ou estocar, mas peloscenrios tecnocomucacionais e expo-cul-

    turais que cada metrple oferece em pano-

    rama glocal.

    A cultura e a comunicao dos consu-

    mos tomam o lugar da tradicional socieda-

    de dos consumos e a dissolvem.

    As novas tecnologias esto tendo um

    papel decisivo nessa passagem: as repre-

    sentaes arquitetnicas, urbansticas ou

    das cincias sociais e comunicacionais in-

    corporam e difundem uma multiplicidade

    sensorial de panoramas.

    :flash-back:

    -Avatar: os arquitetos mais inovadores (al-

    gum deles, tambm em So Paulo) enxer-

    tam-se dentro das multplices dimenses

    do avatar e espalham novas dimenses

    polilgicas e de muitas perspectivas:avatecture. Segundo o manifesto do arqui-

    teto Michael Heim, avatecture um

    morphingentre avatar e arquitetura, que

    exprime algumas tendncias da nova me-

    trpole comunicacional.

    Architecture is becoming avatecture:

    Physical buildings morph into visual

    structures that generate online avatar

    communities. The avatars discuss prototypestructures in virtual reality, and the physical

    structures become multimedia visualization

    a magic theater where buildings acquire

    networked significance. Avatecture injects

    transformation into physical structures,

    merging clicks with bricks, enlivening re-

    configurable buildings with flexibility,

    change, and soft significance. The avatect

    is a shaman who creates interactive visions,

    who initiates a shared version of future

    habitation. The shaman dances the

    community into a dwelling that responds to

    shared visions and that can later morph to

    accommodate the passages of time. The

    physical edifice becomes a theater of

    endless possibilities (www.mheim.com).

    E isso est ocorrendo numa metrpole

    como So Paulo. Os clssicos edifcios

    tornam-se espaos deperformances sem-

    fim. Desse contexto, junto com a comuni-cao digital, surge a dimenso fluida e

    plural do avatar. Em minhas pesquisas so-

    bre metrpoles, tecnologias e comunica-

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    o emergiu essa dimenso.Avatarsigni-

    fica criando-se uma metfora a partir do

    sentido primeiro da filosofia hindu, isto ,

    a multplice manifestao do deus a ex-

    perincia de uma subjetividade multividual

    e, ao mesmo tempo, a autoproduo de lin-

    guagens mltiplas. Avatar um desafio a

    qualquer discurso monolgico e a qualquer

    identidade fixa.

    So Paulo est transitando de mega-

    cidade industrial para metrpole comuni-

    cacional inexplorada. Os restos da era in-

    dustrial quem sabe o perodo mais funes-

    to da humanidade esto se descolorando

    e com os seus tempos lentos reconfiguram-

    se como espaos performativos do consu-

    mo. Espaos-tempos lentos. Alm dosexemplos j dados, h muitos outros. Quem

    sabe na segunda metade da dcada de 90

    um dos mais importantes desenhos urba-

    nsticos tenha sido ligar a Avenida Faria

    Lima com a AvenidaBerrini,conforme j

    antecipado em A Cidade Polifnica. Ali

    fora projetada no apenas a passagem de

    autoveculos, mas, essencialmente, um dos

    novos centros da metrpole, caracterizado

    de acordo com a concepo ps-industrial.

    No apenas tercirio avanado ou, se qui-

    sermos, quaternrio, mas justamente a

    mudana dos terrains vagues [terrenos

    vazios], onde as mercadorias da indstria

    se aposentaram, juntamente com um

    aparato conceitual e poltico (dialtica,

    partidos, hegemonias, etc.), para flurem

    para outras torrentes lingsticas.

    :primeiro plano:

    - Dress-code: a proliferao de fluxos

    panoramticos consegue dar sentido a todo

    esse entrecho de avatares com arquiteturas,

    onde os concepts storepodem constituir

    painis seja para um seminrio universit-

    rio, seja para uma exposio trendy[bada-

    lada]. Do conjunto variegado e mltiplo

    desses panoramas flutuantes, salienta-se um

    outro cacho de conceitos que desafia a

    semitica tradicional na busca de leis, opo-sies, inverses binrias, atravs dos qua-

    drados semiticos.

    :bodyscape:os fluxos panoramticos cor-

    porais que amarram, citam, excitam a rela-

    o entre location (locais cujos interiores-

    exteriores expressam textualidades arqui-

    tetnicas, design, instalaes que marcam

    uma tendncia) e bodyscape (os cdigos

    ligados a roupas, piercing, tatuagens,

    cosmese, acessrios) atravs da eXposio

    dedress-codesprecisos. O dress-codedes-

    loca as atraes inter e intratextuais entre

    location e bodyscape; dress-code uma

    chave de acesso de tipo semitico-compor-

    tamental sempre em mutao; dress-code

    um sistema narrativo hbrido que arquite-

    tos,designers, estilistas e cool hunterspro-

    curam muitas vezes interpretar observan-

    do os segmentos mais conflitivos das cul-

    turas juvenis; dress-code o novo corposomatizado e mutide da metrpole

    comunicacional; atravs do dress-code a

    maquilagem transita do bodyscape

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    location: dress-code cosmese para cos-

    mos flutuantes em mutao.

    Cosmos-avatar.

    Fashion-designer sound designer

    avatecture: o estilo cruzado de identidades

    flutuantes e linguagens sincrticas torna a

    definir cada profisso. Os limites fazem-se

    incertos e as fronteiras so sempre mais

    porosas.

    No bodyscape tranam-se cdigos cor-

    porais e arquitetnicos, ambos transforma-

    dos em paisagem. E esta a paisagem me-

    tropolitana por excelncia. por aqui que

    passa a metrpole comunicacional. Ao lon-

    go desses tranqilos fluxos panoramticos,

    tem-se tambm a viso de panoramas tni-

    cos que misturam e tornam a desenhar osfragmentos dentro de cada encaixe urbano;

    a metropolis comunicationalis somatiza

    fluxos miditicos divergentes atravs da pu-

    blicidade, da moda, da videomusic, dos

    estilos de comportamento, dos cdigos

    corporais, dos gestos, dos jarges, da sedu-

    o, dos erotismos, dos fetichismos. Esses

    fluxos corporais-panoramticos experi-

    mentam enxertos pervasivos entre corpos-

    metrpole-mdia. E as locations levam emconta todo esse flutuar e atravessar como

    se fossem corpos inorgnicos que arran-

    cam o in e se tornam plenamente e ps-

    dualisticamente orgnicos.

    O avatar detesta qualquer dualismo,

    multiplica as subjetividades e os infinitos

    enxertos entre orgnico e inorgnico.

    Nessa perspectiva, a semitica desvin-

    culou-se progressivamente de qualquer ten-

    tativa sistmica e classificatria que nos

    anos passados viu nascer ordens inter-

    pretativas que naufragaram nos fluxos

    conflituais, sincrticos, em mutao. jus-

    tamente a nova metrpole comunicacional

    que performa e pe em crise qualquer ten-

    tativa de ordenao (disciplinar), de com-

    posio urbana. Uma nova semitica irre-

    gular escorre pelos ditos panoramas e de-

    safia qualquer leitura sistmica, regular, de

    carter generalizante. Uma semitica

    conflitual qual nos cabe dar sentido evisibilidade.

    O dress-code testemunha a passagem

    dos paradigmas de carter industrial

    (monolgicos) para a multiplicidade ps-

    paradigmtica (plurilgica) das locations,

    cada vez mais prximas dos sets mix-

    midiais, dasperforming arts, das instala-

    es de rua; o dress-code sopra dos lugares

    tayloristas da produo aos espaos estti-

    cos (multissensoriais) do consumo.

    Sensorlia. O consumo como produtor de

    valor (econmico) e de valores (estilos):

    shoppings, museus, estaes, parques te-

    mticos, multissalas, neofolclore, mega-

    concertos, etc. e at mesmo de elementos

    ps-estatais, no meio do consumo glocal.

    :plano cruzado narrativo:

    Piranha uma location, tal como oMoinhoe os infinitos locais que nascem,

    morrem e ressurgem num cenrio metro-

    politano que flui continuamente, onde per-

    manece apenas o que se dissolve no ar como

    fluxo comunicacional. Em todas essas

    locations um novo contexto que cruza

    uma espcie de set cinematogrfico ou de

    TV, com qualquer possvel espao per-

    formativo , o corpo torna-se o ator princi-

    pal. E ele assume pragmticas comunica-cionais precisas, por afinidade, por contras-

    te, por tenso, por mudanas, por fragmen-

    tao, por assemblagem:e tudo isso se re-

    sume no dress-code.Cdigo de ingresso e

    de aclaramento, atravs do qual o sujeito

    que investe temporariamente aquele corpo

    com aqueles cdigos aceitvel naquela

    determinada location. Dela performer

    construtivista. Verdadeiro sujeito

    comunicacional que sabe expor e decifrar

    cdigos.Multi-viduo. Eus ii

    A passagem de cidade moderna para

    metrpole comunicacional adquire entre

    outras coisas a finalidade tendencional

    da distino clssica entre o centro e a pe-

    riferia.

    Centros diferentes esto nas periferias

    tradicionais assim como periferias igual-

    mente diferentes esto naquilo que era o

    centro bem definido e circunscrito. Se issoainda pouco visvel nas clssicas cidades

    italianas, basta visitar as metrpoles con-

    temporneas (So Paulo, Cidade do Mxi-

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    co, Los Angeles, Tquio) para sentir essa

    mudana e esse movimento. De um ponto

    de vista urbanstico como tambm antro-

    polgico-urbano o novo e freqentemen-

    te espontneo redesenhar dos espaos en-

    contra-se em relao estrita com a mudan-

    a dos comportamentos. Um desafio este

    que no apenas urbanstico, mas tambm

    poltico, mesmo que o termo poltico no

    d precisamente o sentido dessa derrapa-

    gem. Quero dizer com isso que o uso neo-

    colonial e retr de termos como terceiro

    mundo parece querer encobrir o fato de que

    China, Brasil, ndia e frica do Sul esto

    constituindo uma fora outra, que altera

    definitivamente a definio autoritria cen-

    tro-periferia (ou norte-sul, do mundo).Desse ponto de vista, os efeitos da globali-

    zao esto deslocando todo determinismo

    centro-periferias de acordo com mapea-

    mentos completamente inditos, cujos con-

    tornos comeam a ser visveis. E constitu-

    em um desafio para todos aqueles que con-

    tinuam a definir-se centros .

    A redefinio dos espaos mundia-

    lizados graas a um certo tipo de globa-

    lizao obriga as potncias clssicas (Eu-ropa, Estados Unidos, Japo) a se verem

    postas em discusso por essas novas potn-

    cias que emergiram, inclusive, graas ao

    nexo entre tecnologias e agricultura. Desse

    ponto de vista, o fato de que justamente

    durante o vero o WTO tenha aceitado re-

    tirar as barreiras alfandegrias sobre os

    produtos agrcolas dos pases ex-primeiros

    atesta a afirmao de uma nova era. Aquela

    em que a oposio centro-periferia apo-

    sentada.

    O conceito de centro especialmente

    quando referido s metrpoles possui um

    significado forte que tem muito do mito.

    Perde-se o centro (ao menos assim que se

    pensa) quando j no se tem a capacidade

    de estabelecer uma ordem vertical com

    referncia qual seja possvel dispor hori-

    zontalmente o restante. O centro produz o

    cosmo. Sem se estabelecer ritualmente esse

    centro, no se ordena o restante segundopadres hierrquicos e mapeamentos de

    poder cognitivo. Com o centro, o ritual casa-

    se com o poltico e o sagrado, o centro o

    poder. Quem controla o centro quem pro-

    duz o centro controla o todo. As religies,

    os estados, as economias devem estabele-

    cer sempre um centro; o poder simblico

    do centro.O smbolo do centro, portanto,

    afirma sua capacidade de unificar o todo. O

    poder simblico na construo do centro

    consiste no fato de que submete sua auto-

    ridade todo o restante. O centro uma au-

    toridade que se faz totalidade graas ao

    smbolo. Por esse motivo, todo ato sensato

    de libertao progressiva s pode afirmar

    uma descentralizao do sujeito e do espa-

    o; um conter, ou melhor, uma tendncia

    para dissolver qualquer smbolo. O centro

    a autoridade do UM. Esse poder simb-

    lico do Um pode ser rompido e dispersopor meio de novas disporas, j no mais

    determinadas pela coao forosa do aban-

    dono. O desejo descentraliza: no corpo

    como bodyscape e na metrpole como

    location.

    :subttulos:

    A metrpole contempornea no pro-

    duz mais (e felizmente) um discurso unit-rio; a autoridade do projeto passa a ser des-

    centralizada, a unidade esttica e poltica

    da plis est morta. Chegou o momento de

    colher as vozes mltiplas e mesmo disso-

    nantes que representam os fluxos snicos

    metropolitanos como algo de rico e de

    desordenado, de plural e de sincrtico. A

    hegemonia da sntese produzida pela ci-

    dade monolgica e moderna, com sua or-

    dem produtiva de tipo industrial, taylorista

    e fordista, com suas classes bem delinea-

    das em luta entre si pela hegemonia rom-

    peu-se, e em seu lugar foram se insinuando

    soundscapes dissonantes e polifnicos.

    Para somatizar e transformar as metr-

    poles contemporneas importante esse

    posicionamento do sujeito: os fluxos dos

    olhares afirmam uma particular sensibili-

    dade cognitiva que sensvel o bastante

    para colher aquelas inmeras pequenas di-

    ferenas, aqueles detalhes apenas aparen-temente insignificantes, aquela prolifera-

    o de signos em excesso constante. O

    olhar para dentro da metrpole comu-

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    nicacional cada vez mais determinante

    nesse trnsito. Diria mesmo que o olhar

    emerge como um meio (medium) que tran-

    a de modo inextricvel natureza e cultu-

    ra, um olhar infobiolgico. Desse excesso

    do olhar, do olho, do mirar nasce minha

    proposta metodolgica: ofazer-se ver. No

    no sentido banal de mostrar-se, mas no

    sentido de transformar-se em olho-que-v

    eque-se-v.

    O olhar do observador metropolitano ,

    de fato, reflexivo e, portanto, no apenas

    participante (conforme a clssica coloca-

    o etnogrfica de observao participan-

    te), mas mais participante: a observao

    observante implica dirigir o olhar tanto para

    o interior do sujeito inserido nos fluxos dametrpole comunicacional, quanto para o

    exterior dele. Isso testemunha o mtodo da

    comunicao visual como fazer-se ver,

    envolvendo seja as novas sensibilidades

    visuais, perceptivas, oculares, seja as

    informacionais, tecnolgicas. Tranformar-

    se em corpo que v e se v produz o prprio

    panorama corpreo interior/exterior:

    bodyscape.

    Um olho que assume (incorpora) o m-todo do fazer-se ver desenvolve uma poli-

    fonia do olhar. Este o sentido profundo da

    multiperspectiva, de acordo com a qual a

    polifonia est no objeto e no mtodo.A

    polifonia dos olhares transita pelos ntidos

    confins traados entre esses dois momen-

    tos (objeto de busca e representao tex-

    tual) e os transforma em subjetividades que

    dialogam entre si, que conflituam, que cons-

    troem dissonncias cognitivas. A metr-

    pole animiza-se em suas inmeras subjeti-

    vidades e sua representao pluraliza-se nas

    formas expressivas mais descentralizadas

    (Canevacci, 2004, p. 4).

    :dissolvncia: lembranas & saudades:

    Meu primeiro encontro com So Paulo

    foi com asDiretas j.Cheguei durante o

    carnaval de 1984 numa cidade a mim des-

    conhecida, na qual a atividade de trabalhoj fora suspensa desde a Quinta-feira Gor-

    da. Bancos fechados, escritrios fechados,

    tambm o Instituto Italiano de Cultura, fe-

    chado e naturalmente a Universidade.

    Tinha recebido dois convites: de Tonino

    dAngelo para realizar umas palestras so-

    bre Pasolini atravs do instituto e da gran-

    de filsofa Olgria Matos para ministrar

    um curso sobre a famlia, na USP. Ambos

    no estavam. Felizmente consegui que

    Teresa, uma funcionria da Rua Frei Cane-

    ca a qual ter meu eterno reconhecimen-

    to , me desse uma chave para umflat na

    mesma rua e alguns cruzeiros.

    Sozinho e sem dinheiro (ainda no sa-

    bia que na poca havia um cmbio parale-

    lo), sem falar portugus, comecei a andar

    a esmo. S que, ao contrrio de Roma, que

    se entende caminhando, caminhar por So

    Paulo tem um significado de todo diferen-te, visto suas extraordinrias e inmeras

    dimenses que ainda ignorava. De qual-

    quer forma, essa experincia inicial ver-

    dadeiramente dolorosa: uma espcie de

    rito de passagem e de passeio foi para

    mim extremamente til e dela sinto muita

    saudade.

    Devido a meu escasso portugus, ima-

    ginei que em SP todos fossem de direita.

    De fato, a cidade estava cheia de faixas,banners, manifestos com a escritaDiretas

    j que eu traduzi erroneamente (direta =

    direita) no sentido poltico do termo e ima-

    ginei que a cidade inteira tivesse adotado a

    cor amarela porque queria imediatamente

    um governo de direita, que no meu enten-

    der j existia, e ainda por cima, militar! O

    que queriam de mais direita esses paulis-

    tas! O equvoco foi resolvido pouco de-

    pois, quando encontrei Caio Graco Prado,

    o editor da Brasiliense que havia traduzido

    um livro meu sem me avisar e a quem sem-

    pre me ligar eterna amizade, pois foi atra-

    vs dessa traduo que descobri o Brasil e

    a mim mesmo. Quando esteve em Roma

    com a mulher, acompanhei-o para comprar

    um capacete de moto prximo Via Cavour,

    justamente o capacete que viria a tirar pou-

    cos minutos antes de atravessar aquele

    maldito viaduto (p de boi) onde sua moto

    capotou e ele morreu.Depois da tera-feira de carnaval en-

    contrei Tonino DAngelo. Era uma pessoa

    forte e passional. Situado esquerda coi-

  • 8/13/2019 CANEVACCI, Massimo. Metrpole comunicacional

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    REVISTA USP, So Paulo, n.63, p. 110-125, setembro/novembro 2004122

    sa no fcil no Ministrio do Exterior na

    Itlia tinha grande experincia das cultu-

    ras latino-americanas de lngua espanhola.

    Passava horas contando-me histrias es-

    pecialmente da Colmbia cujas persona-

    gens tresloucadas ele adorava. Era origi-

    nrio da Basilicata, uma regio do Sul da

    Itlia, na poca extremamente pobre, tra-

    zia os cabelos brancos longos, sobre as

    costas, e no escritrio desenvolvia uma

    atividade frentica. Queria tornar conhe-

    cidas as diferentes Itlias daquela poca e

    no a Itlia dos cartes-postais, com todos

    os esteretipos que conhecemos. Falava

    incessantemente e ouvir os outros era um

    sofrimento para ele. Depois de Caio, foi

    ele quem me introduziu na que haveria dese tornar minha segunda cidade e minha

    primeira metrpole.

    Em primeiro lugar levou-me aoEdif-

    cio Itlia,de cujo terrao vi, pela primeira

    vez, o incomensurvel panorama, em sua

    irredutvel polifonia e fantasmagoria. Ave-

    nida Paulista, Frei Caneca, Rua Augusta,

    praa da Repblica. J conhecera detalha-

    damente a p essa rea que ligava o assim

    chamado centro Paulista, pela Augusta. Ejustamente a Augusta tornou-se minha rua,

    a que aprendi a conhecer em seus microde-

    talhes, descobrindo, em particular, aquele

    mix de cdigos para mim completamente

    indito e que antecipou a descoberta dos

    sincretismos culturais.

    Rua Augusta tornou-se para mim um

    longussimo plano-seqncia que, do cine-

    ma, havia se estendido sobre essa rua igual-

    mente comprida, onde tudo se entrelaava

    com tudo, escolas primrias e prostituio,

    hotis cinco estrelas e pequenas saunas co-

    loridas para clientes especiais. Comecei a

    compreender que pela rua s andava certa

    parte digamos sociolgica da cidade.

    Nenhum de meus amigos paulistas teria ja-

    mais aceitado passear comigo a p, de tarde,

    na Rua Augusta Em particular, intriga-

    vam-me as diferenas e o fato de que essas

    diferenas se tornassem cada vez mais frag-

    mentrias, vivendo uma ao lado ou dentroda outra e, muitas vezes, uma contra a outra.

    Numa espcie de galeria sem sada que

    se abre na Rua Augusta, no longe de um

    luxuoso cinema, h uma loja de objetos de

    culto afro-brasileiro. Todas as vezes que

    posso, dou um pulo l para comprar algu-

    ma estatueta ou outras coisas. Uma dessas

    vezes, o dono, um negro alto e doce, sor-

    riu-me e presenteou-me com dois olhos-

    de-tigre . Conservo-os at hoje, no por

    terem me dado sorte conforme ele asse-

    gurava mas pela doura um pouco triste

    com a qual ele os pousou sobre minha mo.

    Do outro lado da Augusta existe outra

    loja que eu amo e que no posso deixar de

    visitar: chama-se Art-ndia e l se vendem

    objetos de artesanato indgena, alguns de

    grande beleza, outros mais do gosto dos

    rpidos turistas etnicamente corretos. Cer-

    tamente, a loja que se encontra no Museudo ndio no Rio de Janeiro muito mais

    bonita e possui peas raras ou, de qualquer

    forma, difceis de encontrar em outro lu-

    gar. No entanto, o fato de ter encontrado

    desde o primeiro ano aquela loja foi funda-

    mental para mim por diversos motivos:

    inclusive pelo fato paradoxal de um antro-

    plogo ter descoberto as culturas nativas

    numa loja e no em sua estada no campo!

    Situada num lado da Augusta que d paraa Repblica, a loja testemunhava que mes-

    mo a metrpole permevel s influncias

    das culturas nativas. E no apenas turisti-

    camente. O patrimnio indgena um bem

    precioso que o Brasil inteiro ainda tem di-

    ficuldade de exprimir em sua plenitude

    pluralizante. Quem sabe somente a moda

    esta moda que de So Paulo irradia em tan-

    tas partes do mundo com sensibilidade e

    inovao esta moda brasileira e em par-

    ticular paulistana, adquire muitas vezes jus-

    tamente os cdigos nativos (a imensa va-

    riao dos grafismos geomtricos indge-

    nas) dentro do tecido dos estilistas, no cor-

    po das modelos e, cada vez mais freqen-

    temente, at mesmo nas coreografias que

    conseguem fazer, sempre mais do que a

    moda, uma verdadeira performance ade-

    quada sua metrpole.

    A est: os desfiles paulistas de moda

    so a aplicao de como um dress-codeque entretece sincreticamente as muitas

    cores-cdigos-grafismos brasileiros se ex-

    pressa ao longo de uma location per-

  • 8/13/2019 CANEVACCI, Massimo. Metrpole comunicacional

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    formativa que se maquila segundo cdigos

    afins s modelos.Bodyscape cosmese que

    se faz cosmo.

    O desgarramento, o deslocamento, a

    perda como ato criativo, a amnsia como

    esquecimento ativo, e no-retrica do pas-

    sado que deve nos ameaar feito um monu-

    mento de bronze enfiado na memria: to-

    dos foram conceitos experimentados nesse

    movimento e apenas sucessivamente

    teorizados: conceitos decisivos para com-

    preender as coisas novas de um mundo

    novo. De outra forma, tudo o que outro

    colocado dentro das tradicionais gavetas

    interpretativas (paradigmas) e assim pro-

    duz-se ignorncia, etnocentrismo, autori-tarismo. SP era em parte semelhante e em

    parte diferente das cidades que j conhecia

    mas, com certeza, no podia lhe aplicar um

    ponto de vista externo (romano), pois nada

    teria compreendido. Tratava-se, portanto,

    de abandonar-se ao fluxo comunicacional

    da metrpole, sem a angstia de dominar

    tudo com esquemas vindos de fora. O pra-

    zer perturbador do deslocamento da per-

    cepo e do mtodo senti-o, pela primeiravez, quando me afastei da Rua Augusta,

    por ter seguido a direo contrria, e me vi

    na Brigadeiro.

    Grande lio para uma Grande So

    Paulo!

    :campo longo: panormica final:

    O processo de metropolizao do mun-

    do no tem uma mo nica. Ao lado, contra

    e entretecido a ele h um processo inverso

    de aldeizao da metrpole. Se, por um

    lado, a antropologia urbana no se subtrai

    ao desafio da mudana quanto comunica-

    o metropolitana, ao contrrio, insere-se

    em suas inovaes mais experimentais e

    polifnicas contra qualquer monologismo

    metodolgico ou representativo, por outro,

    uma etnografia atenta e apaixonada, reno-

    vada em sentido multivocal e sincrtico,

    volta a mergulhar nos contextos nativos:nas aldeias indgenas. Descobre-se, ento,

    que o anunciado catastrofismo quanto ao

    desaparecimento triste das culturas tro-

    picais no aconteceu, assim como as subje-

    tividades nativas recusam sua museificao

    (auspiciada por complexos de culpa ou de

    interesse disciplinar) dentro de espaos

    controlados e isolados pelos processos das

    diferentes mudanas culturais. Como se tais

    mudanas s pudessem pertencer a uma

    parte da humanidade (a histrica ) e,

    conseqentemente, as culturas nativas ti-

    vessem que ser colocadas por tradio

    fora de qualquer histria, delas mesmas

    ou de outrem, contra a qual a antropologia

    h tempo desceu em campo para afirmar a

    irredutvel pluralidade das histrias .

    E ento, tambm as culturas nativas,

    especialmente algumas suas subjetividades,

    aceitaram o desafio da mudana, atravs denovas e originais produes sincrticas.

    Dessa forma, esses produtos delas mais

    do que tradicionais, explicitamente mu-

    dados ingressam nas metrpoles no ape-

    nas brasileiras, mas mundiais. Trata-se de

  • 8/13/2019 CANEVACCI, Massimo. Metrpole comunicacional

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    REVISTA USP, So Paulo, n.63, p. 110-125, setembro/novembro 2004124

    um novo artesanato indgena, formas de

    arte nativa tantas vezes ignoradas e at

    mesmo excludas pelos tericos de esttica

    eurocntricos msicas tnicas, modifica-

    es extraordinrias do corpo com tatua-

    gens, grafismos, incises que transformam

    cada corpo em uma obra de arte, novos

    percursos de body-art privados dos vrios

    primitivismos ou arquetipismos. Dentro

    dessas vises e expanses panoramticas,

    navegam os jovens metropolitanos mais

    atentos e sensveis aos modelos de alteri-

    dade, antagnicos aos valores dominantes,

    xenfilos nos comportamentos e nas esco-

    lhas produtivas.

    As variegadas riquezas expressivas dos

    mundos tnicos podem invadir cada vezmais os espaos comunicativos das metr-

    poles, inserindo cunhas de aldeizao;os

    estilos, as formas, as sugestes das aldeias

    penetram nos interstcios metropolitanos e

    praticam a construo de paradigmas

    xenfilos. No se trata mais de salvaguar-

    dar a tradio: como j est claro, em cada

    pressuposta tradio h elementos de ino-

    vao ou de construo. A tenso sin-

    crtica e multivocal na comunicao tni-

    ca (aldeizao) ocorre tambm nos territ-

    rios erroneamente ditos avanados: as ex-

    perimentaes das linguagens. Ao mesmo

    tempo, os nativos usam cada vez mais os

    celulares muito teis em contextos onde

    muitas vezes falta a eletricidade e a

    internet para glocalizar conflitos e infor-

    maes, CD-roms para registrar seus ritu-

    ais, torcem por um time de futebol, so

    apaixonados por msicas mesmo metropo-

    litanas, usam o vdeo para se representar e

    para intercomunicar.A nova antropologia radical procurar

    favorecer uma cada vez maior aldeizao

    das metrpoles por meio dos instrumentos

    polifnicos dos novos sincretismos cultu-

    rais.O olhar etnogrfico oblquo por ser

    inquieto e instvel: oscila explorando,

    conflitando e experimentando entre os con-

    gestionamentos sgnicos metropolitanos e

    os fluxos frgeis mas resistentes das al-

    deias. De tal modo, a metrpole ou pelomenos algumas de suas partes expande-

    se e constri-se entre seus cimentos m-

    veis e uma pluralidade de formas significa-

    tivas sincrticas.

    :loop:

    Com um sorriso irnico saio do mini-

    mono. Apercebo-me que as modificaes

    em meu corpomente tornaram-se diversifi-

    cadas graas a meu estar, a meu transitar, a

    meu fazer-me ver no interior de Sensorlia.

    Ou ser no exterior? Reflito: por muito

    tempo se acreditou seguindo uma abor-

    dagem filosfica baseada em critrios

    vitalsticos e objetivistas que as desco-

    bertas tecnolgicas no passassem de pr-

    teses que se acrescentam aos rgos do ser

    humano, para favorecer operaes que este

    no estava em condies de realizar. Da

    surgirem as teses curiosas de o telefone sera prtese do ouvido, o cinema, do olho, o

    carro, das pernas e assim por diante, at a

    atual discusso sobre o PC e a inteligncia

  • 8/13/2019 CANEVACCI, Massimo. Metrpole comunicacional

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    artificial. O absurdo ou a ingenuidade des-

    sas posies to bvia que no se entende

    como ainda possa ser professada. Nela

    mantida a pior das tradies, que impre-

    cisamente definirei como iluminista, se-

    gundo a qual, por um lado, haveria uma

    natureza constituda evolucionisticamente

    noHomo sapiens; por outro, a cultura que

    se acresce a partir de um certo perodo.

    Durante minha viagem metropolitana e

    comunicacional compreendi definitiva-

    mente que, evidentemente, no assim.

    Nenhuma dessas tecnologias se acrescenta

    a um rgo, deixando-o ontologicamente

    intacto e separado do restante. O nexo

    corpo-tecnologia (tecnocorpo ou corpo

    ps-orgnico) no se adapta a seu rgode referncia, na medida em que cada um

    dos sentidos encontra-se entretecido numa

    densa teia de aranha que o liga, se no a

    todos, a muitos outros. Ou melhor, o cons-

    tri, segundo ligaes reticulares e flui-

    das. As perspectivas contemporneas

    rumam para um mindful-bodyque adquire

    a mente-corpo o corpo-cheio-de-mentes

    como biocultural que no exclui, mas

    inclui a tecnologia.Assim, nada h de natural no olho. Ele

    participa dos processos inovadores difun-

    didos pela tecnocomunicao, sendo que

    nada, em seu ato de ver, permanece imutado.

    No existe aqui (no binculo ou na tela da

    TV) a prtese e acol (na pupila), o olho.

    Os meus sistemas perceptivos, a minha

    sensibilidade do olhar, a minha arte de ver,

    a minha velocidade em decodificar afinam-

    se, modificam-se, desenvolvem-se, plura-

    lizam-se, aceleram-se segundo mdulos

    que pertencem experincia cotidiana, di-

    versificada em cada cultura, sujeito, espa-

    o. E os espaos interconexos atravs da

    metrpole comunicacional no comeam

    nem terminam dentro do circuito da Gran-

    de So Paulo, mas se estendem em sua

    ubiqidadepolifnica.

    Em suma, os sentidos no so cinco:

    so infinitos mesmo graas ao desgarra-

    mento no corpo mutide de So Paulo.

    :ttulos em coda:

    memria de Caio Graco e de suaEditora

    Brasiliense.

    APPADURAI, A. Disgiunzioni e

    Differenze nellEconomia CulturaleGlobale, in Featherstone (org.),La Cultu-

    ra Globale. Roma, Seam, 1996.

    AVATAR (ed. M. Canevacci).Rivista di

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    BAKHTIN, M.LAutore e lEroe. Teoria

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    Ensaio sobre a Antropologia da Comuni-cao Urbana.So Paulo, Studio Nobel,

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    ________.Sincretismos. Uma Explorao

    das Hibridaes Culturais. So Paulo

    Studio Nobel, 1996.

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    Rio de Janeiro, DpA, 2001.

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    LVI-STRAUSS, C.Tristi Tropici.Milo,

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