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VINCULAÇÃO TESE DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM ARTE E DESIGN PARA ESPAÇO PÚBLICO 2012/2014 INTERVENÇÕES NO QUOTIDIANO COMO FERRAMENTA DE CONSCIENCIALIZAÇÃO FILIPA VIANA

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VINCULAÇÃO

TESE DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EMARTE E DESIGN PARA ESPAÇO PÚBLICO2012/2014

INTERVENÇÕES NO QUOTIDIANO COMO FERRAMENTA DE CONSCIENCIALIZAÇÃO

FILIPA VIANA

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FILIPA VIANA2012/2014

DOSSIER DE PROJECTOSMESTRADO DE ARTE E DESIGN PARA ESPAÇO PÚBLICO

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FILIPA VIANA

DISSERTAÇÃO PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM ARTE E DESIGN PARA O ESPAÇO PÚBLICO ORIENTAÇÃO: Professora Doutora Maria de Fátima Lambert

Setembro de 2014

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INTRODUÇÃO Como ponto de partida para o desenvolvimento dos conteúdos teóricos desta dissertação, achou-se pertinente fazer uma breve reflexão sobre a origem das actuais inquietações. Desde a formação académica em Pintura, que a prática artística já manifestava o desejo de extrapolar os suportes e as metodologias individualizadas do processo. A composição pictórica era influenciada por referenciais do espaço que evidenciavam vestígios do quotidiano. Uma articulação de resíduos fotográficos e de sobreposição de esquiços de abstracção formal, motivavam o conceito sobre a diluição dos sentidos perante a rotina do lugar. Pensamentos que encontravam fundamentação teórica em teorias sobre a percepção de Merleau-Ponty e alguns conteúdos da psicologia da Gestalt. Questionava-se os mecanismos sensitivos e em que medida o acto de ver seria distinto da visualidade1. A acrescentar a este conceito, parece oportuno incluir a referência do filme At First Sight do escritor Oliver Sacks de1999, assim como o documentário Janela da Alma de João Jardim e Walter Carvalho de 2001, pela importância na consolidação teórica em dado momento de reflexão. Obras que exploram a subjectividade da percepção na interpretação do real, transmitindo o conceito de que a visualidade resulta de um processo de aprendizagem em constante renovação, adquiridas a partir do contexto social, destacando a experiência como um factor determinante para a sua elaboração. Uma imagem particular e subjectiva, edificada a partir de construções sociais portanto, será uma projecção fragmentada da realidade. Tal como intervém no documentário, José Saramago, dizendo: para conhecer as coisas, há que dar a volta toda.

Inquietações que se expandiram, numa nova dimensão artística que reúne diferentes ferramentas de discurso, agora direccionadas neste mestrado, para as dinâmicas do espaço público e para as práticas humanas no quotidiano da cidade. Uma actividade urbana em constante agitação onde o excesso de “ruído”, principalmente visual e sonoro, atrapalham o diálogo do ser humano com o seu

1 Conceito desenvolvido pelo autor Hal Foster, Vision and Visuality. Art Foudation in Discussions in Contemporary Culture, Number 2. Ed.Hal Foster, ByPress (1988). .

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interior e na relação com o mundo, uma insurdescência que retira o sentido da existência e da identidade. Um direito que necessita da permanente conquista, cada vez mais difícil de se gerir no actual contexto.

O que se entende por ser urbano? Mas antes de tudo o que se entende por ser humano? Questões que incitam uma reflexão sobre a realidade social das práticas humanas, no actual contexto urbano, onde se dissipa a unidade do espaço e do tempo. Um cenário que promove um indivíduo cada vez mais industrializado e cada vez menos social. Um ser desvinculado da essência humana e da natureza que o instala, contribuindo para o surgimento de uma paisagem enfraquecida, carente de afectividade e que em nada privilegia as relações humanas. Preocupações que estruturaram narrativas em espaço público, experiências no lugar que desafiassem a neutralidade da acção e que abrissem a possibilidade a novas estruturas do pensamento. Expandir a relação do sujeito com o espaço, que perante o desafio deixa-se penetrar pela totalidade da experiência. Segundo o geógrafo Yi-Fu Tuan pensando o espaço e lugar a partir da perspectiva da experiência, revela que os lugares íntimos são tantos quantos as ocasiões em que as pessoas verdadeiramente estabelecem contacto.2

A partir destas motivações que orientaram as pesquisas e adaptando a esta nova realidade artística, formula-se as perguntas de investigação. De que forma a arte para espaço público pode intervir no quotidiano, despertar inquietações pessoais ou colectivas que contribuam para uma nova prática do lugar? Será assim capaz de redesenhar contextos urbanos? O título “Vinculação” surge de interesses que interceptam várias áreas do pensamento mas que convergem numa reflexão fundamental sobre a prática urbana no uso do espaço e do tempo. Compreendendo o quotidiano como uma possibilidade de vinculação, do sujeito ao lugar, do sujeito à cidade, do sujeito a si próprio, uma possibilidade de reencontro onde se premeia a experiência do tempo e do espaço. O corpo teórico estrutura-se segundo 3 capítulos, o primeiro e o segundo dedicados à relação do indivíduo com o lugar e ao processo de urbanização na vida quotidiana. No terceiro propõe-se uma narrativa sobre o tempo na prática urbana na constante

2 Yi-Fu Tuan. Espaço e Lugar, A Perspectiva da Experiência, Trad. Lívia de Oliveira. Ed. Difel, São Paulo, |1977 (1983)|. Pg. 156.

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hibridez do lugar. Em cada um dos capítulos desenvolve-se a fundamentação crítica das três intervenções artísticas que se produziu no espaço público e que contribuíram para consolidação da presente dissertação. Pensando sobre o processo metodológico desenvolvido ao longo de 2 anos de questionamento, resulta da consonância entre a teoria e prática sem ordem constante. A fundamentação teórica derivou da prática artística e simultaneamente, deu origem a ela, sem pretensões de justificar nem impor-se, é acima de tudo o âmbito experimental de um processo que motiva esta dissertação. No primeiro capítulo que se intitulou “Fronteiras”, procurou-se compreender os processos de construção da identidade a partir da reflexão do quotidiano e das práticas sociais que nele se desenvolvem, salientando a importância da experiência do corpo no encontro de fronteiras, entre o interior e o exterior, onde o individual se encontra a partir do colectivo. Uma preocupação que articulou os conceitos sobre renovadas práticas artísticas, que deixaram de representar o quotidiano, para interferir directamente sobre ele. Esta crescente necessidade, que a arte manifestou em complementar o estudo com outras ferramentas de investigação, colocou o artista num novo papel de etnógrafo. O principal objecto de estudo, é agora o sujeito e as suas relações socioespaciais. Pensando numa prática colaborativa, desenvolve-se uma reflexão a partir do projecto “Libertando Emoções” que pretendeu explorar as preocupações da experiência colectiva em espaço público, reforçando a importância da acção participativa como propulsora de reflexão e questionamento individual e/ou colectivo. Uma partilha de memórias que desafia os limites do público e do privado. Questionando também o papel do artista enquanto catalisador de experiências afectivas. O segundo capítulo, “Lugar Praticado” procurará desenvolver uma reflexão sobre a produção do espaço a partir do actual contexto urbano. Compreendendo a prática humana no quotidiano da cidade, que se adapta às constantes mudança de valores, de hábitos e costumes, responsáveis pela actual relação do espaço e do tempo. Propõe-se uma abordagem sobre a actividade humana na (re)criação do quotidiano como forma de expansão de dinâmicas socioespaciais, capazes de cultivar o aparecimento de espaços íntimos e simbólicos. A partir da articulação destes conteúdos, concebeu-se o projecto “Estruturas Perceptivas” que procurou a partir de uma prática relacional, interferir sobre percursos quotidianos que promovam a unidade da experiência, como potencial ferramenta de discurso crítico, quanto ao uso do espaço público.

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O terceiro capítulo “Uma Narrativa sobre o Tempo” pretende reflectir sobre um quotidiano condicionado, gerido em função de um tempo acelerado e efémero, propício a automatismos que desvinculam o sujeito de acções autênticas. Por outro lado, uma geografia urbana em constante transformação, carente de afectividade e memorandos, concebe espaços híbridos sem referenciais históricos. No enquadramento destes conceitos, surgem duas propostas práticas de diferentes formatos, “ContraTEMPO” (performance) e “ContraRELÓGIO” (instalação). Estes projectos concebem uma narrativa sobre o uso do tempo na distribuição de tarefas subordinadas ao quotidiano da prática social urbana, procurando questionar a sua estrutura, a partir da noção de irreversibilidade. Neste âmbito, a partir da coordenação da teoria e da prática artística, desenvolvem-se conceitos que ajudam à compreensão da actividade socioespaçial no quotidiano, sobre a actual paisagem urbana.

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I FRONTEIRAS

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1| Esquema de conteúdos

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ENTRE O INDIVIDUAL E O COLECTIVO Partindo do interesse sobre o estudo do quotidiano e das práticas que nele se desenvolvem, encontrou-se maior definição para o conceito, compreendendo a relação do espaço e do tempo que regula a actividade humana. Dois vectores que se associam num acumular de vivências e a partir dos quais se constrói a definição de identidade. Neste primeiro capítulo achou-se prioritária a reflexão sobre a construção do sujeito e como ele se efectiva num percurso de vida, a partir do momento que explora as mais variadas sensações por via da emoção. Esta experiência subjectiva, é responsável pela compreensão e significação dos acontecimentos, sobre a qual a memória se constrói e cuja acumulação de dados, solicita um constante reposicionamento do sujeito, na sua relação com o mundo. Este actor social, promissor das mais fortes potencialidades e de capacidade híbrida sobre os diversos contextos é no entanto, uma identidade que se projecta a partir de uma perspectiva colectiva. Uma actividade humana, orientada por construções mentais, adquiridas no contacto com o mundo e representadas a partir dos formatos de uma conduta social. Por via do questionamento, da experiência e da persistência do agir inquieta-se o conhecimento pessoal, capaz de devolver o ser humano à sua verdadeira essência.

“Dizer que o homem é um ser livre significa, em primeiro lugar, afirmar que no ser humano há uma raiz ou semente de liberdade, uma capacidade fundamental para tomar as orientações do seu próprio agir, de tal modo que possamos chamar «meu», «teu» ou «seu». 3

É no entanto através de um corpo que nunca possui na totalidade, que o ser humano se apresenta e se relaciona com mundo. Embora consciente de seu peso gravítico e das dinâmicas naturais, não será total anfitrião dos seus comportamentos, é produto de um vínculo irredutível que o une à matéria e ao orgânico. No entanto, o corpo não

3 Joseph Gevaert, El Problema del Hombre: Introducción a la Antropología Filosófica, Trad. Alfonzon Ortinez y José María Hernandez. Ed. Sígueme S.A.U, Salamanca, |1992 (2003)|. Pg.203. Tradução livre: Decir que el hombre es un ser libre significa, em primer lugar, afirmar que el ser humano hay una raiz o sem illa de libertad, una capacidade fundamental para tomar las rendas del próprio obrar, de forma que se pueda llamar «mio», «tuyo» o «suyo».

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é só físico e independente da vontade do indivíduo, é também um intermediário da acção e da realização humana. É por ele que sentimos e que nos expressamos.

“É preciso também falar de corpo «humano». Quero com isto dizer que o organismo intervém na realização do ser humano e que esta se expressa e realiza com e através do corpo. «Meu corpo» não é só organismo que vive independente da minha vontade: sou eu mesmo que vivo, sinto, falo e sofro…”4

A partir da linguagem sensível, compreendida no discurso do autor Merleau-Ponty, que se desenvolve o conceito de corporeidade, como uma fundamental ferramenta que configura o conhecimento e a percepção da realidade. O resultado desse encontro, do mundo interior com o exterior, e as escolhas individuais perante a diversidade de possibilidades, que se define o trajecto da liberdade. Gestos particulares e sensíveis traduzem uma realidade individual, uma subjectividade criada a partir da percepção da experiência, de um corpo que se move no espaço, por onde comunica e através dele se relaciona com o mundo. Identidades construídas de memorandos singulares, a partir da dependência entre os referenciais da memória do passado a esperam do futuro e a atenção ao presente, tal como refere o autor Marc Augé num pequeno tratado sobre o uso do tempo no livro As Formas do Esquecimento.5 O indivíduo vive a sua existência corporalmente e espiritualmente por intermédio da experiência. É a partir da dimensão sensível que o ser humano se situa no mundo e celebra a sua existência. Suspender a actividade dos sentidos e do corpo seria suspender toda a actividade humana. A plenitude da experiência, vive-se na predisposição activa de se enfrentar o desconhecido, confiando na máxima de que a única certeza é o incerto.

A construção do sujeito, mesmo inerente à experiência corporal, pode ser pouco ou muito significativa à vida humana, dependendo da mediação que é feita pela percepção, pois quando a acção que ocorre, no “aqui e no agora” se liga a

4 Citação de C. Bruaire, Filosofia del corpo, Roma 1975 em, Joseph Gevaert, El Problema del Hombre: Inroducción a la Antropología Filosófica. Ed. 2003. Pg. 83. Tradução livre: Es preciso hablar tambien del cuerpo «humano». Com esto queremos decir que el organismo interviene en la realización de lá persona humana y que esta se expressa y realiza en y através del cuerpo. “mi cuerpo” no es solo uno e organismo que vive independentemente de mi vontade: soy yo mismo el que vivo, siento, hablo, sufro… 5 Marc Augé, As Formas do Esquecimento. Trad. Ernesto Sampaio. Ed. Íman Edições, Lisboa.|1998 (2001)|. Pg.67.

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automatismos sem que haja um processamento da informação, entre o agente/ situação, a experiência não acrescentará nada de novo ao conhecimento. Ela necessita de dedicação e vontade própria. As experiências partilham de uma componente emocional do qual não se podem isentar, e serão os principais responsáveis por acrescentar colorido à nossa memória. Assim a componente sensível que actua sobre a acção, terá toda a influência na intensidade da experiência, contribuindo para a posterior recordação. Quanto mais intensa ela for, mais facilmente será recordada pela imaginação recreativa. Compreendendo a relação indissociável dos objectos aos espaços que contextualizam a actividade humana e permitem a prática espacial, é a partir da experiência de vivências e da relação afectiva que se atribui significados e identidades aos espaços, transformando-os em lugares simbólicos. Contudo, é uma acepção subjectiva e de alguma forma questionável, pois é produto de uma construção social, sobre o conceito de espaço e de paisagem. Conforme nos sugere a autora Anne Cauquelin, desenvolve-se a partir de um conjunto de relações para além do corporal e do conceptual, resultam também de uma componente emocional e de uma recriação imaginária. A paisagem só se completa a partir do momento que é vivenciada para além dos sentidos num jogo de relações repletos de retórica. É o conjunto de um mundo que se deixa compreender em sua extensão6.

6 Anne Cauquelin, A Invenção da Paisagem. Trad. Marcos Marcionilo. Ed. Martins Fontes Lda, São Paulo, |2000 (2007)|. Pg. 47.

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A DIMENSÃO DO QUOTIDIANO

O quotidiano é o plano da vida social, onde se produz e reproduz a actividade humana numa sucessão de acontecimentos necessários à sua existência, é portanto, indissociável esta relação entre o indivíduo e o seu quotidiano. Um universo que se organiza por infindáveis vivências, onde intervêm simultaneamente pessoas, objectos e espaços sobre um contexto histórico e do qual nunca se poderá alienar. É no plano da quotidianidade que se requisita toda a capacidade sensorial, experimental e cognitiva do indivíduo, a partir do contacto com as emoções, paixões, ideologias e esperanças. É portanto, a dimensão da individualidade onde se desenvolvem os interesses particulares, que simultaneamente são parte integrante de motivações colectivas. Acrescentando ao discurso a perspectiva da autora francesa Ágnes Heller, a vida quotidiana é o campo da actividade humana onde o indivíduo particular se reproduz, possibilitando a reprodução social. É sobre uma herança quotidiana, também ela histórica que o sujeito se reproduz a si mesmo, aprendendo a dominar as estruturas e os sistemas que fazem parte do seu contexto social. A reprodução do homem particular é sempre uma reprodução do homem histórico, de um particular num mundo concreto7. Numa aproximação entre a arte e a vida, a reflexão sobre o quotidiano é a esperança de devolver os cidadãos às cidades e as cidades aos cidadãos. Repensar as metodologias de investigação e a eficácia das estruturas sociais, no sentido de resgatar a subjectividade individual (aquilo que é particular, aquilo que dá significado ao existencialismo humano), questionando sobre os efeitos nocivos do quotidiano actual. Numa espécie de apelo à acção participativa da população, na deliberação urbana, como um ponto de partida para se definir a melhor estratégia contra o conformismo e a passividade cultural. Partindo deste contexto, surge uma arte relacional que manifesta a vontade de ir para além da representação de narrativas da vida e das práticas sociais, passando a ambicionar uma arte capaz de gerar práticas humanas no espaço público. Uma arte 7 Ágnes Heller, Sociología de La Vida Cotidiana. Trad. J. F. Yvars y E. Pérez Nadal. Ed. Península, Barcelona |1970 (1994)|. Pg. 22. Tradução livre: la reproducción del hombre particular es siempre reproducción de un hombre histórico, de un particular en un mundo concreto.

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sustentada num sentimento de vida plena que integrou nas suas reflexões estudos antropológicos das ciências sociais, ultrapassando o pensamento histórico materialista e científico que as ciências modernas manifestavam8. Uma prática que contrariava o rigor científico (única fonte do conhecimento) e a universalidade do agir de uma cultura homogénea de comportamentos generalistas, composta por estruturas que convertiam o quotidiano em quantidade de acções pelo maior número de pessoas, retirando o potencial da subjectividade particular e abandonando assim, talentos individuais, dissimulados pelo véu da conformidade. Uma arte pensada para resgatar a unidade qualitativa do espaço e do tempo, incitando a experiências no e sobre o quotidiano, que se constrói com diversos formatos e se reinventa de muitas maneiras. Neste acervo de múltiplos discursos a arte será sempre uma importante ferramenta moderadora de debate actuando sobre o processo de desenvolvimento cultural mais pela via da divergência do que pelo consenso. A partir da Modernidade a arte actua dentro da esfera social, aproxima-se da vida quotidiana e explora práticas de rua que contribuam para uma consciência colectiva do lugar. Uma nova actividade artística aproxima-se da vida e do mundo interferindo no quotidiano urbano e apropriando-se de espaços públicos contaminam olhares e curiosidades que apelem à experimentação, e que na vivência desses momentos possibilite a emancipação do observador/participador. O artista assume uma postura de etnógrafo, manifestando a sua vontade em decifrar os processos de territorialização, deixando de querer representar a sociedade, para se inserir nos contextos sociais equacionando novas formas de socialização e recorrendo à colaboração participativa para propor novas experiências conscientes do real. Com a máxima de que, apenas por intermédio da acção conferimos significado ao mundo e somos capazes de compreender toda a sua diversidade formal, pensando no corpo como o veículo da experiência sensível.

8 Pensamento desenvolvido a partir das leituras do autor, Nicolas Bourriaud, Estética Relacional. Trad. Cecília Beceyro e Sergio Delgado. Ed. Adriana Hidalgo S.A., Buenos Aires, |2006 (2008)|. Pg 9.

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“A essência da prática artística residiria assim na invenção de relações entre sujeitos; cada obra de arte em particular seria a proposta para habitar um mundo em comum e o trabalho de cada artista, um elo de relações com o mundo, que geraria por sua vez outras relações, e assim sucessivamente até ao infinito.”9

Neste contexto, o artista passa a proponente de experiências, abrindo novos caminhos para a sensibilidade, quebrando as fronteiras entre o corpo e o objecto, onde o espectador é convidado a participar de uma experiência sensível, sem ignorar a memória subjectiva à individualidade. As práticas colaborativas e participativas surgem do crescente interesse em partilhar dos problemas comuns à sociedade, pelos assuntos quotidianos. Participa na esfera das relações humanas, onde promove encontros colectivos em contexto social, reflectindo sobre a comunidade como um local de partilha entre semelhantes que lutam contra o individualismo egoísta. A obra de arte é contínua deixando de estar retida no tempo. A sua duração é agora experimental e unificadora ao diluir os conteúdos entre o autor, espaço expositivo, obra e observador. O espectador é agora um consumidor do tempo e do espaço e o finalizador da obra de arte ao participar da elaboração do seu sentido.

9 Nicolas Bourriaud, Estética Relacional. Trad. Cecília Beceyro e Sergio Delgado. Ed. Adriana Hidalgo S.A., Buenos Aires, |2006 (2008)|.. Pg 23. Tradução livre: La esencia de la práctica artística residiría así en la invención de relaciones entre sujetos; cada obra de arte en particular seria la propuesta para habitar un mundo en común y el trabajo de cada artista, un haz de relaciones con el mundo, que generaría a su vez otras relaciones, y así sucesivamente hasta el infinito.

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PRÁTICA COLABORATIVA

Na sequência de encontros colectivos estimulados pela prática artística, destaca-se neste momento de reflexão o artista Ricardo Basbaum. Você gostaria de participar de uma experiência artística? é um projecto que o autor deu início em 1994 e continua a desenvolver em várias cidades de países diferentes e do qual surgiu a oportunidade de participar em 2012 na cidade de Guimarães, no âmbito Capital Europeia da Cultura. Uma obra com multiplicidade de discursos sobre: conversas colectivas, vírus, documento, performance, som e texto. Vocabulários que autor desenvolve e propõe a sua fruição, envolvendo os participantes numa experiência artística. Um projecto que se alicerça a partir de um objecto que o artista concebeu: NBP (Novas Bases para a Personalidade), onde promove o seu uso por quem ousa participar, dando-lhe as mais variadas utilidades. Um fragmento arquitectónico que se experimenta corporalmente, uma afecção em ambos os sentidos - uma estrutura que se transforma a partir do contacto de um corpo e um corpo que se deixa transformar pelo objecto. Um dispositivo de discurso, que também evoca a uma narrativa para além do físico, uma performance sonora ou um percurso geográfico delineado pela ausência do objecto.

2| workshop do artista contemporâneo, Ricardo Basbaum: Você gostaria de participar de uma experiência artística?

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Do ponto de vista conceptual e daquilo que foi esta experiência participativa neste projecto, interessa aqui salientar a inspiração criativa que resultou deste inesperado confronto. Uma proposta que desafiou o conforto pessoal na solicitação da participação no programa, conversas colectivas desenvolvidas a partir do texto, Os Intelectuais e o Poder10, sobre as relações entre teoria e práticas abordadas numa conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze. Uma problemática em torno da questão: o que vem antes do quê? Uma teoria que dá origem à prática ou uma prática que se formula a partir da teoria e portanto, surge na consequência de uma experiência? Enquanto autora, compreende-se que nesta dicotomia teoria/prática e prática/teoria não existe uma constante sequencial mas sim consequencial. Ambas derivam e afectam-se mutuamente, num processo infindável de causa/consequência. A teoria encontra os seus limites se não for testada e a experiência encontra superficialidade enquanto não for questionada. Uma partilha de pensamentos e conversas que foram dinamizadas e encadeadas para uma fala pública. Posteriormente gravadas e exibidas em formato de uma performance sonora, nos armazéns Asa de Guimarães. Foi a partir da envolvência pessoal nesta experiência participativa e na reflexão sobre os conceitos desta prática artística que se desenvolveu este processo criativo. Influenciando a direcção dos projectos práticos e toda a pesquisa que conduziu à actual dissertação.

10 Michel Foucault-Gilles Deleuze Los Intelectuales y el Poder, 1972. Entrevista em Michel Foucault, Microfísica del Poder. Ed. e trad. Julia Varela y Fernando Alvarez-Uría, Madrid: La Piqueta, 1992, 3ª, pp. 83-93; reproduzido 30/4/2012, no blog Linea de Fuego em (http://lalineadefuego.info/2012/04/29/los-intelectuales-y-el-poder-entrevista-michel-foucault-gilles-deleuze/), em (http://www.blogdodanieldantas.com.br/2012/05/iv-os-intelectuais-e-o-poder-231972.html), recebido por email para quem desejasse participar no projecto do artista, Ricardo Basbaum.

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PROJECTO1 | LIBERTANDO EMOÇÕES HAPPENING 1.06.2013 | 11h-20h

3| Dia do projecto “Libertando Emoções”, na localidade do Porto, 2013.

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É sobre a força renovadora da experiência perante o embate do sujeito com o inesperado, que afecta o corpo e mobiliza a acção, que se esboça uma prática artística colaborativa que propõe o desafio da participação. Inquietações que deram origem ao projecto que se intitulou “Libertando Emoções” e que desenvolveram uma prática para o contexto público, urbano e social da cidade, onde explorou a dimensão emocional e sensível do cidadão transeunte. Uma proposta que interferiu no quotidiano e que se objectivava a partir da envolvência do público na obra. De intenção concebida, mas sem guião da acção e sem a possibilidade de recorrência, produziu-se um resultado que dependia da envolvência participativa do público para a eficácia da proposta. Integrando o acaso como factor principal do processo criativo, intencionou-se expandir para questões e problemáticas para além das metodologias. Propôs-se transformar o espaço público num lugar de referências simbólicas e interactivas, desenvolvidas por um observador curioso com ânsia de participar numa experiência colaborativa.

Reflectindo sobre o contexto deste projecto, “Libertando Emoções” ocorreu em dois espaços transitórios e centrais de duas localidades diferentes: Rua de Santa Catarina no Porto e Rua Conde S. Bento na Trofa. Uma intervenção temporária que comunica a pergunta: “O que nos faz sentir criança?” a partir de vinis autocolantes afixados em dezasseis vitrinas comerciais (duas das quais, estavam abandonadas) no espaço público, ao longo destas ruas emblemáticas destinadas essencialmente ao comércio e no entanto, foram pontualmente desviadas para um contexto artístico. Das onze horas da manhã até às oito horas da tarde do dia 1 de Junho de 2013, os vidros de algumas lojas foram o suporte de intervenção para a partilha de fragmentos de memória, deixadas pelos transeuntes nos seus trajectos.

4| Mapa de localização do projecto. Porto, Rua de Santa Catarina.

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5| Mapa de localização do projecto. Trofa, Rua Conde S. Bento

Numa fase embrionária do projecto, ambicionou-se activar esta intervenção em várias ruas da cidade do Porto (Rua de Santa Catarina, Rua de Passos Manuel e Rua dos Clérigo) contudo, após alguma maturação sobre a viabilidade de concepção e orçamento, preferiu-se concentrar esforços e restringir o local de implantação. Inicialmente não se contemplava a inclusão de outras localidades para além do Porto contudo, a Cruz Vermelha da Trofa manifestou interesse, encarregando-se de desenvolver o projecto na localidade da Trofa, Rua S. Bento, respeitando a mesma estrutura conceptual que estava a ser desenvolvida. A escolha destes espaços e das ruas em questão, foi motivada pela habitual afluência pública de turistas e pessoas locais que circulam permanentemente por estes trajectos. Sobre o mesmo ponto de vista, na escolha da melhor estratégia para motivar a acção participativa, inclui-se a data em que decorreu a intervenção. O Dia Mundial da Criança (um de Junho), apelava à sensibilidade pública e acima de tudo acrescentava carga emocional à acção. Mesmo compreendendo que o espaço e o tempo não estão vinculados especificamente este conceito (pois poderiam ocorrer em qualquer cidade em datas diferentes), é no entanto determinante para a implementação e comunicação da narrativa artística, que tinha como propósito indispensável, promover a participação de uma experiência artística no lugar, como possibilidade de reflexão e questionamento individual ou colectivo. Uma atitude que se pretendeu desenvolver em todos os projectos idealizados. Promover um vínculo simbólico a partir da vivência de experiências, que não deve ser fragmentado pelo automatismo do quotidiano, num contexto público e urbano que deixou de ter como objectivo, proporcionar práticas de relações sociais.

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Dirigida intencionalmente a um público adulto que deixou de ser criança, interfere-se sobre um percurso transitório do quotidiano do cidadão que é inesperadamente incitado a participar da experiência, na resposta à questão: “O que nos faz sentir criança?”. Uma pergunta afixada em vitrinas comerciais com vinil autocolante que deu suporte a um arquivo temporário de fragmentos de memória, deixados pelo transeunte, que por intermédio de um marcador branco específico para vidros, rasuravam pensamentos e excertos do passado, na passagem pelas vitrinas. Por via da memória, a mensagem apelava ao regresso da criança latente em cada um de nós, revisitando o sentimento jovial que tende a diluir, com a diversidade de filtros que se desenvolvem quer a nível social, cultural e mesmo estético ao longo do crescimento e que retiram a espontaneidade individual por enfraquecimento de memorandos e da prática de os revisitar. Seria uma espécie de tributo à autenticidade pela via dos referenciais da memória. Uma narrativa poética sobre o passado e que se projecta sobre o tempo presente, que deve ser vivido com toda a urgência que lhe merece. É o tempo de uma prova, a da finitude, que torna cada instante grave e cada momento precioso11. Uma necessidade constante que o ser humano possui em revisitar o passado para atribuir significado ao presente e à sua existência. Reflectindo sobre o binómio, espaço público e espaço privado e pensando nas vitrinas como um muro edificado sobre a via pública, uma fronteira tanto daquilo que separa, como daquilo que une, entre o público e o privado, esta intervenção propõe como resultado um lugar de unidade. Possibilita uma esfera pública através de um discurso que reúne interesses comuns. Uma dinâmica do local, onde para além de memórias e narrativas do passado, partilharam-se também emoções, quebrando com as intenções económicas e privadas a que este espaço público se destina. Tal como defende a autora Hannah Arendt referindo que nem todo o espaço público possibilita a criação de uma esfera pública, pela falta de unidade no discurso, imposto pelas políticas económicas.

“A grandeza cedeu lugar ao encanto; pois embora a esfera pública possa ser grande, não pode ser encantadora precisamente porque é incapaz de abrigar o irrelevante.”12

11 Henri Lefebvre, A Revolução Urbana. Trad. Sérgio Martins. Ed. UFMG, Belo Horizonte, |1970 (2008)|.Pg. 80. 12 Hannah Arendt, A Condição Humana. Trad. Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, |1958 (2007)|. Pg 62.

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Uma prática urbana participativa e disruptiva que gerou uma dinâmica temporária do uso do espaço público. Na apropriação da vitrina, subverteu-se a funcionalidade do suporte de comunicação, transformando pontualmente o discurso económico que naturalmente a montra sugere, para um renovado contexto, de um dispositivo artístico. Uma espécie de palimpsesto de lampejos de memórias se amontoou sobre o suporte, tornando a leitura, de difícil compreensão. Aqui, o uso da rua que é destinado a um espaço de consumo onde a mercadoria é sedutoramente adornada e exibida na transparência das vitrinas para incitar o desejo da compra e enfatizar a magia do espectáculo.13 Com este projecto, ambicionou-se diluir os monólogos individualistas de pessoas que se cruzam em trajectos quotidianos ou pontualmente quebrar a sede capitalista, em adquirir e exibir aparências da vida privada que esvaziam a vida pública.

6| Resultados da Intervenção.

13 Pensamento apoiado nas leituras do autor Jean Baudrillard, A Sociedade de Consumo. Trad. Artur Mourão. 2ª Ed. Edições 70, Lisboa, 2008. Pg. 223-224.

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Os resultados extraídos das duas intervenções estiveram directamente influenciados pelo contexto geográfico e pelo tipo de público que se envolveu na acção. Um constante fluxo de transeuntes heterogéneos na rua de Santa Catarina, em permanente actividade que já nos habituou a não estranhar, alcançou uma maior adesão e identificação com a proposta artística onde o cidadão participou da experiência sem receios, nem hesitações. O mesmo não se verificou no contexto da Trofa, um local que talvez pela falta de público e pelo conceito inesperado da proposta, suscitou algum desconforto em usar um suporte que rompe com a ética de cidadania pública. Curiosamente, foi um pensamento que ficou vincado numa vitrina do Porto com a frase: “poder escrever nas montras e não ter que fugir”. Sendo um projecto temporário, investiu-se na criação de um arquivo com o registo fotográfico e videográfico; tanto do making of que revela a montagem da instalação nas vitrinas; como a reportagem durante o acontecimento público; e respectiva remoção no final do dia 1 de Junho. Estes registos estão disponíveis em anexo no “Dossier de Projectos” e numa página do facebook14. Um processo criativo que incluiu uma gestão de autoridades e que pressupôs flexibilidade metodológica de forma a não comprometer a sua existência. Uma articulação de discursos que a arte para espaço púbico deve saber gerir sem nunca desejar impor.

14 Filipa Viana, “Libertando Emoções”, (https://www.facebook.com/LibertandoEmocoes?ref=hl).

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II LUGAR PRATICADO

7|Esquema de conteúdos

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ACESSO À CIDADE

Pensar o espaço, é portanto pensar sobre as práticas sociais que concebem o lugar. Neste sentido, a produção do espaço é constantemente readaptada às necessidades sociais de realização humana, uma apropriação que deixa resíduos da humanidade na passagem histórica dos lugares. O ser humano realiza-se no espaço em função do contexto, é portanto indissociável da relação espaço-tempo, uma prática transversal a todos os indivíduos com quem partilha da mesma condição e que dão significado a um colectivo de relações sociais inspirando a vida quotidiana e o lugar.

"A cidade não é a expressão física do conjunto dos seus edifícios. É muito mais a vida social, sensorial e emotiva que tem lugar entre eles, ou seja, que se experimenta no espaço (...)."15

Fruto das relações de poder entre as diversas entidades de interesses públicos e privados que actuam sobre a organização do espaço é no entanto, uma paisagem que se apresenta à escala da humanidade e a partir da qual se desenvolve o conceito de cidade. Obra e produto da actividade social no espaço e no tempo é reflexo misto entre as heranças sociais do passado e a validação do presente. Um histórico de quotidianos onde a intervenção humana se apropria do território e com a introdução de signos e códigos específicos, transforma os espaços em lugares dominantes. Sobe o ponto de vista do autor Yi-Fu Tuan, a origem da cidade surge de uma intenção ideológica tendo por base a esperança da imortalidade. Um imaginário de reprodução da vida social que mantinha dentro de muralhas os servos e fora delas os vilões e a vida profana. Uma esperança sobre a igualdade dos direitos humanos e acesso à felicidade plena por via do mito. O poder é persuasivo, não pelo uso da força física mas pela necessidade de o ser humano em reconhecer e aceitar os signos que lhe são legítimos para a estabilidade de que necessita. A cidade assume o papel de transcender a vida da humanidade. 16

15 Henri Lefebvre, O Direito à Cidade. Trad. Rui Lopo. Ed. Letra Livre, Lisboa |2000(2012)|.Pg.13 16 Yi-Fu Tuan, Topofilia: Um Estudo da Percepção, Atitudes e Valores do Meio Ambiente. Trad. Difel. Ed. Difel / Difusão Editorial S.A., |1974 (1980)|. Pg. 172-175.

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Neste sentido, compreende-se o espaço como um território de tensões com intenções de domínio político, económico e social altamente complexo que condicionam a prática quotidiana do indivíduo no lugar. Uma evolução ao longo da história que assistiu a uma constante readaptação do sujeito às exigências impostas pelos diferentes ritmos do quotidiano. Uma aceleração que teve impacto sobre a transformação da paisagem influenciando a qualidade de produção do espaço e das suas vivências. O avanço tecnológico e científico dos últimos séculos e que está na origem da configuração da actual cidade urbana, em que tudo é simultâneo pela aceleração do tempo, tornou-se incapaz de legitimar lugares identitários, relacionais, históricos e portanto antropológicos17. Um constante diluir de referenciais dão origem a espaços fragmentados, invisíveis nas memórias do urbano com funções específicas mas sem afecções simbólicas. Um tema desenvolvido pelo autor Marc Augé que contribui com o estudo antropológico sobre a complexidade dos espaços contemporâneos, introduzindo o conceito de não-lugares. Caracterizando-os como sendo lugares de transição, lugares incertos, de passagem e indefinidos, pertencentes ao acaso de encontros fugazes que não apelam à permanência nem ao contacto, criadas em benefício de uma comunicação tão estranha que muitas vezes mais não faz do que pôr o individuo em contacto com uma outra imagem de si próprio18.

17 Conceito desenvolvido por Marc Augé no livro Não-Lugares. Trad. Miguel Pereira. Ed. Letra Livre, Lisboa |1992 (2003)|. Pg. 69. 18 Marc Augé, Não-Lugares. Trad. Miguel Pereira. Ed. Letra Livre, Lisboa |1992 (2003)|. Pg. 70.

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ESPAÇO URBANIZADO Um espaço fragmentado e um quotidiano fugaz propiciam a depuração das estruturas sociais, desvinculam o sujeito da dimensão sensível e diluem os relatos de experiências da vida urbana. A modernidade trouxe consigo o fascínio pela tecnologia, que de súbito entrou no dia-a-dia urbano até se transformar no principal objectivo da acção quotidiana. Este pensamento moderno, ideologicamente estruturado para emancipação do indivíduo por meio do desenvolvimento tecnológico fracassou. Conduzindo à racionalização dos processos de produção, que sobrecarregaram o planeta e substituíram o trabalho humano por máquinas. O projecto de emancipação moderno foi substituído por numerosas formas de melancolia.19 O argumento social está claramente condicionado pela dependência do objecto, que traz consigo a utopia de contribuir para uma boa qualidade de vida. Os produtos reproduzidos em série validam a atitude descartável, substituindo o autêntico pela réplica. O que parece tem tanto valor como o que realmente é. A sociedade adere em massa ao ilusionismo que o autor Guy Debord se refere como sendo A Sociedade do Espectáculo, em que tudo o que era directamente vivido se esvai na esfumaça da representação.20O espectáculo (…) não é nada mais do que a economia devolvendo-se para a si própria.”21 Uma crítica, que também o autor Henri Lefebvre lança sobre a padronização da vida social, em que a esfera privada torna-se comum a todos, referindo-se à quotidianidade, como um lugar social de uma exploração refinada e de uma passividade cuidadosamente controlada pelos processos de industrialização que convertem o mundo em mercadoria de consumo. Conduzindo a uma segregação generalizada do indivíduo. O discurso do autor apela a uma nova prática social a ser desenvolvida pela sociedade urbana contemporânea.22 No processo de urbanização a evolução social herdada pela economia de industrialização de produção massiva converte a qualidade de produção em

19 Nicolas Bourriaud. Estética Relacional. Trad. Cecília Beceyro e Sergio Delgado. Ed. Adriana Hidalgo S.A., Buenos Aires, |2006 (2008)|. Pg.10. 20 Guy Debord. Society of the Spectacle. Ed. Black & Red Detroit, Michigan and AK Press California |1983(2010)|.Pg.1 Tradução livre. Everything that was directly lived has moved away into a representation. 21 Idem. Pg.16 Tradução livre. The spectacle (…) is the true reflection of the prodution of things, and the false objectification o the producers. 22 Henri Lefebvre, A Revolução Urbana. Trad. Sérgio Martins. Ed. UFMG, Belo Horizonte, |1970 (2008)|.Pg.127.

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quantidade. O saldo da mercadoria produzida, é agora mais valorizado para uma economia mundial onde a esforço pela abundância ocupa a vida social e contribui para o mercado do espectáculo, reprimindo a independência da sociedade. Cidades urbanizadas, empobrecidas por falta de referenciais onde o indivíduo se anula no quotidiano e se isola na individualidade e no apego material, deixando de estar no comando para ser comandado pela aparente eficácia dos objectos. Um optimismo e esperança que a tecnologia trouxe, difíceis de sustentar nesta nova evolução de hábitos e costumes. Esta alteração da prática urbana produz uma cidade que é abreviada à sua funcionalidade como resposta às actuais necessidades efémeras. Pensando no espaço público como o local de interesses comuns, de contacto e partilha colectiva, e portanto também negociável, elege-se assim a rua, mais do que qualquer espaço público como o púlpito do quotidiano da prática urbana na cidade. A rua é acima de tudo um espaço transitório de essência antagónica; permite e suprime a possibilidade de expressão individual, lugar de encontros e desencontros, de ligação e ruptura entre lazeres e obrigações onde se escreve a palavra da desordem para uma nova ordem. Um referencial de vestígios históricos cada vez mais difíceis de perpetuar, pelo desejo insaciável da novidade. Uma cidade desconexa, fragmentada por vias de acesso e facilidades no percurso centradas na movimentação viária, geram rupturas na paisagem deixando de apelar ao uso da rua, à experiência atractiva dos percursos e das relações sociais, em prol de uma movimentação pensada apenas na velocidade de atravessamento. Uma estratégia que desvincula o ser humano da prática do lugar e da experiência de uma narrativa do percurso.

Hoje o contacto do corpo com a cidade, representa mais uma experiência de velocidade de corpo imóvel, em que a heterogeneidade do tempo desvincula-se da unidade do lugar. Desde a invenção da roda que o tempo deixou de ser linear e independente da relação com o espaço. A partir do momento em que se transcende as limitações físicas para uma mobilidade instantânea, diminui-se o tempo de uso, perdendo-se o contacto e as narrativas de percurso e com isso a possibilidade de uma poética do lugar. O espaço urbano passou a ser um lugar de passagem mediado pela velocidade de movimentação que os transportes permitem. Ao contrário da deriva, compreende a mobilidade do corpo na unidade do espaço. Este viajante que só deseja atravessar, pela geografia urbana de uma cidade desfragmentada por vias de circulação, vive uma experiência corporal narcótica, em que o corpo entorpecido se desvincula do espaço pela movimentação sem esforço, ficando à mercê do veículo. Um percurso que aumenta a individualidade e resistência

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ao contacto em todas as suas dimensões sensíveis. Uma herança do passado, em que a malha urbana das cidades continua a desenvolver-se, vendendo ideias de qualidade de vida, centradas na facilidade de acesso e na comodidade da habitação. Condomínios fechados, que simplesmente comprometem as relações interpessoais e as experiências corporais fundamentais à actividade humana. A plenitude dos sentidos e a actividade do corpo foram de tal forma erodidas que a sociedade actual aparece como um fenómeno histórico sem precedentes.23

23 Richard Sennett, Carne e Pedra: O Corpo e a Cidade na Cidade Ocidental. Trad. Marcos Aarão Reis. Ed. Record, RJ |1994 (2003)|. Pg19.

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O GOSTO PELA CIDADE

Viver a cidade, implica acima de tudo senti-la com toda a determinação dos sentidos. A importância de desenvolver o gosto pelo lugar, compreendendo o âmago da actual condição desta realidade urbana, permite a possibilidade de encontrar ordem onde prevalece o caos, harmonia onde alastra a desumanização. É como o pintor da vida moderna, um ser urbano que gosta de viver na cidade e perder-se nela, como forma de recriar não só a experiência humana mas também a concepção da cidade de onde actua, uma consciência individual que transcendendo o simples acto de caminhar24. Este conceito de Deriva, explorada por diversos autores e traduzido por Francesco Careri pelo termo Zonzo, resume a atitude gloriosa de nos perdermos na cidade traçando percursos sem destino, como um flâneur do século XIX, essa personagem da vida moderna criada pelo poeta francês Charles Baudelaire e tão relevante para Walter Benjamin nos seus estudos filosóficos sobre a Modernidade. Esse visitante da cidade, capaz de criar diferentes itinerários, parte da deambulação com uma importante ferramenta para a descoberta de algo de novo. Com esta atitude, abdica-se da sobrevivência dos sentidos em prol do acto integral de estar vivo. Esta capacidade motora, na qual deixou de ser uma acção consciente desde a infância, sendo substituída por um predominante andar involuntário, sem enriquecimento pessoal, é agora reflectida na obra de diversos autores quanto à sua dimensão salutar na forma como possibilita estabelecer relações. Responsabilizar conscientemente o corpo na atitude do caminhar como construção da esfera individual e colectiva.

“Define muito bem o poder revelador desta dinâmica, movimentando todo o corpo - o individual e também o social - com o fim de transportar o espírito de quem a partir de agora sabe ver.”25

Abordada a questão de forma mais ou menos poética, a ideia central desta deambulação consciente seria a de aprofundar não só, a relação do autor com a 24 Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna. Ed. Nova Vega, Lisboa, |1995 (2009)|. 25 Francesco Careri. Land & Scape Series: Walkscapes Walking as an Aesthetic Practice. Trad. castelhano: Maurici Pla; Trad. Inglês: Steve Piccolo, Paul Hammond . Ed. Gustavo GiIi, Sa, Lisboa |2002 (2003)|.Pg15. Tradução livre: Which stresses the revelatory power of this dynamism mobilizing then tire body -social as well as individual- in arder to then transform the mind of he who know show to look.

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natureza na sua dimensão mais física, como a de recriar leituras geográficas envolvendo o cidadão comum na mesma trama da questão, como pode ser observado nos trabalhos do artista Richard Long, onde promove o caminhar pela natureza, de um corpo estranho que por si só, já representa um acto simbólico. O corpo como arquitecto da paisagem, perspectivando e estabelecendo relações de tempo e de espaço explorando a natureza dentro do limites físicos do corpo. Uma performance pessoal que se aproxima do errante.

8| Richard Long, A Line Made by Walking, England 1967

Uma prática que procura a errância26 como uma ferramenta importante na experiência do lugar, propondo novos discursos subjectivos que lutem contra uma sociedade moderna, que se desvinculou da vivência urbana e da participação activa e consciente no quotidiano da cidade. Um sedentarismo que iluminou o território, o espaço contingente do cidadão moderno, sustentando o individualismo e a necessidade de propriedade, adquirindo bens como principal valor da vida humana. Esta mudança alterou a forma de habitar o mundo e de compreender o espaço. A atitude errante pela cidade não só, aprofunda o conhecimento do lugar, mas acima de tudo permite uma reflexão sobre o quotidiano e os comportamentos sociais no espaço público.

26 Conceito desenvolvido pelo autor Michel Maffesoli no livro: Sobre o Nomadismo: Vagabundagens Pós-modernas. Trad. Daniel Gutiérrez Ed. Record, Brasil, |1997 (2001)|.

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Uma postura que incitou discursos, sobre o conceito de nomadismo, crescente na sociedade pós-moderna, como é o caso do sociólogo Michel Maffesoli, que mesmo fazendo uma reflexão crítica, sobre o perigo deste constante desejo do infinito, daquilo que não se tem como mote da acção, compreende a importância desta errância para uma experiência de qualidade, como um possível caminho para restituir os valores na sociedade contemporânea. Deste ponto de vista parece-me importante acrescentar a importância da experiência do percurso, que não se deseja restrito ao prazer do impulso inicial, como refere Maffesoli a partir da ideia de pulsão migratória27 do nomadismo pós-moderno. Na perspectiva do errante urbano, a apreensão totalitária da experiência na cidade, é primordial para evidenciar percursos que escapam ao quotidiano. Uma espécie de emboscada pelos não-lugares da cidade, como uma possibilidade crítica, quanto à eficácia do urbanismo. Neste âmbito de derivação na prática do errante, vários artistas e teóricos das ciências sociais desenvolveram narrativas sobre o benefício desta intencionalidade, que parte do erro como metodologia para uma nova geografia da cidade. O levantamento do lugar, é mapeado pelo corpo errante e predisposto, que se inscreve no espaço e se deixa afectar pela experiência e pelas formas de apropriação do território. Uma geografia subjectiva e emocional baseada na sensação do lugar, que seriam fonte de inspiração para artistas, urbanistas ou mesmo, o cidadão errante.

Neste contexto, de relação directa com a cidade e com os cidadãos, destaca-se o colectivo Situacionista que desenvolveu narrativas poéticas a partir de experiências afectivas em espaço público, reveladoras de diferentes formas de percepcionar o meio urbano e de mapear segundo intensidades emocionais. Psicogeografias subversivas de regras topográficas e geográficas habituais de mapeamento, que acrescentam uma essência subjectiva e especulativa, capacitando os espaços de humanização, isto é, de uma maior sensibilidade que incitava a acção participativa dos habitantes, lutando contra a inércia do espectador passivo.

27 Este constante desejo de partir diante do fastio da solidão, que açula o indivíduo a mudar de lugar, de parceiros, à procura de uma vida que nunca parece suficiente. Trad. Daniel Gutiérrez Ed. Record, Brasil, |1997 (2001)|.Pg. 51.

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9| Situacionistas, The Naked City, 1957

The Naked City é uma psicogeografia urbana e é talvez o projecto que melhor define o pensamento Situacionista, inspirado na sociologia como recolha, resulta numa cartografia subjectiva de um mapa da cidade de Paris, em que a sua organização espacial advém da experiência da deriva.

“Abrindo este guia estranho encontramos Paris que explodiu em pedaços, uma cidade cuja unidade se terá perdido e em que não podemos reconhecer tão pouco os fragmentos do centro histórico, flutuando apenas num espaço vazio”28

Uma geografia imaginária, onde o conteúdo subjectiva um itinerário que quebra com a ordem de circulação, estabelecida pelos habituais mapas geográficos e sem qualquer relação física entre os espaços, transmite uma outra perspectiva da cidade, centrada na avaliação da intensidade de experiências afectuosa, dos indivíduos com o meio urbano. Uma nova consciencialização das potencialidades do espaço público, por via da participação com uma componente lúdica capaz de contribuir

28 Francesco Careri, Land & Scape Series: Walkscapes Walking as an Aesthetic Practice. Trad. castelhano: Maurici Pla; Trad. Inglês: Steve Piccolo, Paul Hammond . Ed. Gustavo GiIi, Sa, Lisboa |2002 (2003)|. Pg.102. Tradução livre: Opening this strange guide we find Paris exploded in pieces, a city whose unity has been utterly lost and in which we can recognize only fragments of the historical center floating in empty space.

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para uma sociedade mais consciente e responsável sobre a decisão das suas práticas. Outra artista que me parece pertinente referenciar pelo trabalho desenvolvido a partir da experiência de deriva é autora Sophie Calle, destacando a obra La Filature onde é criado um relatório detalhado com fotografias e textos sobre as suas deambulações na cidade de Paris, registadas pela autora e por um detective intencionalmente contratado para o efeito. Da subjectividade da experiência de cada um, resultam dois mapas identitários que se cruzam para desenhar uma nova realidade, construída a partir da memória e da imaginação. Um instrumento que, como explica Calle, expandia a relação da autora com os lugares que habitava. Uma prática artística que comunica a cidade pela viagem do imaginário, construindo narrativas poéticas de uma sociedade e dos locais ligados à memória numa realidade representada por si. Assumindo o papel de etnógrafa observa as movimentações na cidade, analisando a agitação, o quotidiano, o jogo das actividades humanas e as relações entre o Eu e o Outro, uma alteridade abordada numa obra que funde o texto com a imagem como uma espécie de ilustração de histórias. Explorando o espaço público e as suas memórias, diluindo assim as fronteiras entre a esfera pública e a privada. Um recurso à memória e ao quotidiano do qual se apropria e manipula, uma contadora de histórias pessoais ou de potenciais biografias que são exacerbadas pelo conteúdo emocional nas suas descrições ficando a dúvida quanto à sua veracidade. Neste jogo de subjectividade a autora constrói um cenário enquadrando personagens numa paisagem possível no recurso aos seus referenciais. Compreendendo o conceito da deriva, durante a atitude consciente do corpo no simples acto de caminhar no espaço, pode entender-se também, como um manifesto ao urbanismo e ao consequente comportamento social da actual realidade capitalista, da qual a população é condescendente e aceita sem questionar. Uma postura que contribui para o aumento da estratificação e das desigualdades sociais, retalhando as cidades e centralizando o poder, condicionando assim, a forma de se sentir e construir o urbano.

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EXPERIÊNCIAS DO LUGAR PROJECTO2- ESTRUTURAS PERCEPTIVAS

10| Instalação em espaço público, “Estruturas Perceptiva”, Porto, 2014.

O mundo existe não apenas para ser contemplado mas acima de tudo necessita de ser humanizado num constante apelo à expressividade como caminho necessário à realização humana. O ponto de inserção do ser humano com o mundo estabelece-se no espaço a partir da comunicação e da expressão individual e colectiva que organizam uma comunidade social. Pensando na prática do agir fundamental à realização humana, desenvolveu-se uma intervenção artística intitulada, “Estruturas Perceptivas”. Uma instalação temporária inserida no espaço público que intentava interferir no percurso quotidiano do cidadão transitório, promovendo uma experiência física ou simplesmente simbólica do e no lugar. Estruturas que por intermédio de um traçado simples esquiçam espaços/objectos/obstáculos passíveis de serem interpretados,

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num diálogo que se deixe penetrar pela imaginação. Um projecto que teve apenas um registo até ao momento, mas que irá reincidir no âmbito da exposição final de mestrado no espaço exterior da FBAUP.

11 | Memória descritiva da implementação da estrutura em espaço público.

Reflectindo sobre os interstícios da cidade, nos espaços intercelulares deixados pelos vazios dos edificados, elaborou-se uma proposta artística que ambiciona romper com os discursos surdos do quotidiano. “Estruturas Perceptivas” pretendem despertar narrativas conscientes sobre a possibilidade de uma prática do lugar ou sobre alternativas de percurso, propondo uma experiência corporal urbana. A opção deliberada da localização das estruturas, intenta interferir no fluxo do quotidiano, sobre territórios por consumar, lugares sem identidade, alhures na cidade. Espaços que cumprem simplesmente a função de acesso no trajecto de

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rotina29. Sobre a presença desta intenção que se desenha para o espaço público, propõe-se despojar os trajectos comuns, dos discursos mais banais e introduzir uma reflexão que incite o diálogo entre interior/exterior, dentro/fora, cheio/vazio uma ambiguidade de polaridades reforçada pela fragilidade da estrutura e pela falta de especificidade formal mas que, pela curiosidade e pela criatividade promovam uma experiência inspirada. Uma estrutura que se materializa no lugar, na relação com a envolvência através de fios de malha de algodão vermelha, que se esticam pelo espaço até elaborar simples formas geométricas. Fixadas por fio de norte imperceptível, que se une a elementos estruturantes da paisagem permitem a suspensão da forma. Uma abstracção formal transponível, que deseja ser experienciada em toda a sua dimensão perceptiva e sensível, superando a previsibilidade da acção desvinculada que sugere o contorno imediato da estrutura, sem que pelo menos fosse questionada a sua existência. Esta ideia de discurso sobre a prática do lugar, pode ser fundamentada em pensamentos de Michel de Certeau, onde o autor numa primeira instância faz a distinção entre espaço e lugar dizendo que o espaço estaria para o lugar como a palavra quando falada, isto é, pertence a um espaço-tempo no qual participa no presente e no qual é compreendida mesmo na sua subjectividade e multiplicidade histórica. Portanto, o espaço é um lugar praticado que só existe a partir do momento que é vivenciado.30 Como referencia também a Merleau-Ponty no que refere à rua, geometricamente traçada pelo urbanismo só se traduz em espaço, quando praticada pelo pedestre. A sua existência pressupõe a experiência do lugar e os relatos desses percursos são o veículo para a sua efectivação, existem tantos espaços, quantas experiências espaciais distintas.31

29 Marc Augé. Não-Lugares. Trad. Miguel Pereira. Ed. Letra Livre, Lisboa |1992 (2003)|. Pg 69. 30 Michel de Certeau, A Invenção do Cotidiano. Trad. Ephraim Ferreira Alves. 3ª Ed. Vozes Lda, Rio de Janeiro, 1990.. Página 202 31 Maurice Merleau-Ponty. A Fenomenologia da Percepção. Trad. Carlos Moura. Ed. Martins Fontes, São Paulo, |1945 (1999)|. Pg.391.

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12| Experiências do lugar a partir da instalação, Porto, 2014.

O que tem por indício um espaço desvinculado de referenciais, transforma-se em lugar simbólico à medida que a experiência do local, lhe vai atribuindo significados. Como conceito estrutural do projecto, recorreu-se ao uso de elementos estruturais organizadores de espaço e do imaginário urbano, como proposta prática para a solicitação de experiências intersubjectivas, capazes de activar a percepção a um nível fenomenológico. Um evocar de toda a dimensão dos sentidos, percepções e consciências, para uma experiência corporal face a uma nova realidade que se apresenta no mundo; esta estrutura suspensa no espaço de discurso ambíguo que se completa com a definição de cada sujeito.

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“A qualidade sensível, longe de ser coextensiva à percepção, é o produto particular de uma atitude de curiosidade ou de observação. Ela aparece quando, em lugar de abandonar todo o meu olhar no mundo, volto-me para este próprio olhar e pergunto-me o que vejo exatamente; ela não figura no comércio natural de minha visão com o mundo, ela é a resposta a uma certa questão de meu olhar, o resultado de uma visão secundária ou crítica que procura conhecer-se em sua particularidade (…).”32

Uma sensibilidade estética que se desenvolve a partir do corpo em contacto com o mundo e configura a corporeidade, tal como nos refere Merleau-Ponty. A dimensão sensível como uma ferramenta da percepção na articulação do conhecimento. Propor a possibilidade de uma experiência estética relacional e desenvolver um discurso poético, a partir da presença de uma estrutura deixada no lugar por tempo indefinido, para constante desassossego da percepção que incompreendida, incita o corpo a voluntariar-se numa experiência. Uma espécie de horizonte fragmentado pela percepção, mas completo pelo imaginário que atiça o desejo de percorrer as montanhas do deserto, na mais forte das jornadas, sobre a permanente curiosidade, do que estará para lá, dessa linha sem fim. Uma instalação temporária, inicialmente pensada para a duração de uma semana, mas que intencionalmente se prolongou pelo quotidiano até se diluir no espaço, avaliando a resistência frágil do objecto sobre as condições naturais do lugar e a resistência do cidadão perante a impertinência de uma estrutura sobre um trajecto transitório.

No seguimento da reflexão deste projecto e dos conceitos desenvolvidos sobre a percepção e a corporeidade desenvolvida na relação do espaço a partir de experiências corporais, neste caso propostas por estruturas fragmentadas, alude ao trabalho desenvolvido pelo artista Dan Graham ao qual intitulou Pavilions. Estruturas híbridas de diálogo em que comunicam com as especificidades do espaço e simultaneamente são penetradas pela envolvência do lugar, conduzindo o observador a interpretar o conjunto de elementos fragmentados das configurações urbanas durante a sua experiência e que para o autor se assemelha à mesma que a metropolitana impõe. Evocando desordem e rupturas num processo de deslocamento do lugar. É portanto, um dispositivo de discurso longe de ser pacífico, apesar da sua apelativa aparência estética. Aludindo na sua essência, a uma crítica às estruturas de

32 Maurice Merleau-Ponty. A Fenomenologia da Percepção. Trad. Carlos Moura. Ed. Martins Fontes, São Paulo, |1945 (1999)|. Pg. 305.

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poder, que negoceiam o passado e centram a revitalização urbana em projectos empresariais, em que as propostas do urbanismo evidenciam uma cidade idílica que caricaturiza o quotidiano, com ambientes pensados para usufruto colectivo com jardins e pátios comuns, por de trás das fachadas de edificados, e que se revelam incapazes, desumanizando o espaço público e as cidades modernas da prática humana 33 . Dan Graham fez repensar sobre o sentido da escultura na sua relação com a arquitectura e o urbanismo introduzindo factores de interacção e de múltiplas percepções do lugar.

13| Dan Graham, Double Exposure, Fundação de Serralves, 1995/2003.

33 Reflexão sobre a análise dos textos de Nelson Brissac Peixoto, no livro Intervenções Urbanas: Arte/ Cidade. Ed. Sena, São Paulo, 1998. Pg. 26-28.

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III UMA NARRATIVA SOBRE O TEMPO

14| Esquema de conteúdos.

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CONSCIÊNCIA DA FINITUDE Sendo o espaço um produto da materialização das relações sociais como condição à realização humana, é também indissociável do tempo e da duração que se apropria. Desenvolvendo nos capítulos anteriores, uma análise sobre a relação do sujeito com o espaço na constante (re)produção do quotidiano, completa-se o ciclo com o estudo da variável do tempo. Propõe-se uma narrativa sobre o tempo na perspectiva de intensificar a urgência do “agora”, a partir da consciência da finitude, como possibilidade de construção de um quotidiano de maior significado. Uma questão que do ponto de vista, tanto do autor Bergson como Heidegger, elegem a indagação sobre o tempo como sendo o elemento primordial de acesso ao conceito de humanidade, Heidegger sustenta que só a partir da consciência da finitude se completa a existência humana no mundo, opondo-se ao pensamento de Bergson que vive diluído na sua temporalidade, expondo a preocupação quotidiana como sendo a sequência infinita de presentes, para a qual direcciona toda a sua atenção. Partilhando do mesmo ponto de vista de Heidegger e fazendo uma breve reflexão filosófica sobre a proximidade entre os binómios, vida e morte tão bem mistificada pelas diversas construções religiosas para aliciar os seus seguidores, retirando na perspectiva pessoal, significado à mortalidade, através da esperança. Esperança esta alimentada pelo medo, que encontra tranquilidade sobre a probabilidade de eternizar a existência humana na expectativa de um retorno, mesmo que inconsciente pelo esquecimento da memória. Uma vida entre duas mortes que suaviza a urgência do presente, desresponsabilizando o individuo sobre a sua prática na vida quotidiana. Defendendo uma resignação comedida quanto ao destino da humanidade, e a consciência sobre a irreversibilidade34 dos acontecimentos, poderá ser um importante factor potencializador da atitude do sujeito perante a vida, contribuindo para também, para uma maior unidade social. Temer demais ou ignorar por completo ou paralisa ou provoca entorpecimento. Um saber que repassa o campo de acção, influenciando o comportamento e o pensar quotidiano quanto ao uso do tempo.

34 Conceito desenvolvido por Ágnes Heller no livro Sociología de La Vida Cotidiana. Trad. J. F. Yvars y E. Pérez Nadal. Ed. Península, Barcelona |1970(1994)|. Pg. 385-394.

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TEMPO SUBORDINADO A natural divisão do tempo, como gestão essencial à prática quotidiana sobre a condição da finitude humana, é também indissociável do referencial do espaço, embora mais complexa pela sua natureza subjectiva, mas de característica elástica e multidireccional. Hoje, a importância da repartição do tempo é mais necessária do que no passado e a eficácia da acção perante a multiplicidade de solicitações, resulta de uma boa estratégia. Contudo, esta constante falta de tempo, como consequência da quantidade de tarefas que se acrescentou à vida social, diminuíram a qualidade das suas práticas e consequentemente aumentaram o aborrecimento pelas tarefas mais demoradas. Esta falta de tempo pode ser entendida paradoxalmente como uma consequência do excesso de tempo35. Uma degradação valorativa das funções, em detrimento de uma ocupação superficial que compromete o desenvolvimento das capacidades do sujeito, que na falta de antídotos como: predisposição, atitude, tolerância e persistência; permanece sobre a ignorância de autoconhecimento.

A partir da Revolução Industrial e do consequente capitalismo, provocou um acelerar do ritmo do tempo, que teve efeitos profundos sobre a evolução social e histórica. Onde o sujeito perde a sua identidade a partir do momento que não se reconhece no produto. Um controlo de capital económico das cidades industrializadas, absorvem na totalidade o quotidiano dos cidadãos, que inconscientemente perdem a noção do uso do tempo. Contribuindo para um ciclo económico onde o espaço de lazer, é empregue no consumo que alimenta esse espectáculo económico. Tempo este, orquestrado e aceite por uma sociedade, que partilha dos mesmos interesses de uma economia de consumo, e que nela se sujeita à condição. O tempo pseudocíclico que refere Guy Debord relaciona-se directamente com uma economia industrial de expansão, que se acentuou com a modernidade onde se capitalizam os próprios valores sociais. A humanidade vive em detrimento da indústria e a vida organiza-se para a produção. O tempo é subordinado em função do consumo, é portanto distribuído em função das horas de trabalho, na produção de matéria-prima, e o restante descanso é maioritariamente desperdiçado a consumir,

35 Marc Augé. Não-Lugares. Trad. Ernesto Sampaio. Ed. Íman Edições, Lisboa.|1998 (2001)|. Pg.31-35.

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contribuindo para a consolidação do espectáculo. Gera-se um ciclo alimentado pelas próprias sociedades, devoradoras de imagens, em que é evidente uma degradação do ser em ter. Uma incessante insatisfação, gerada pelo prazer efémero do consumo e pelo desejo de uma aparência espectacular, alimenta uma sociedade faminta e essencialmente vulnerável aos comandos estratégicos de poderes económicos. Subvertendo a vida a tarefas ausentes de realidade e capitalizando todos os movimentos sociais para alimentar o espectáculo.

A cidade transforma-se num palco de encenações e de rotinas cronometradas para satisfazer o desenvolvimento do poder económico de uma sociedade que deixou de saber em que dimensão actua a realidade, perdendo a comunicação com a esfera individual, com o colectivo social e com as possibilidades do meio. Todos os excessos de vulgaridades, não trazem outra coisa senão a decepção sempre compensada pela promessa de uma nova decepção36.

“o tempo pseudocíclico consumível é o tempo espectacular em sentido restrito, tempo de consumo de imagens, em sentido amplo, imagens do consumo do tempo”37

A aceleração do ritmo do tempo e a velocidade dos acontecimentos, sobre os efeitos da transformação do ritmo histórico, afecta a vida quotidiana e a estrutura social, que dissolve consigo comunidades e suas práticas, com o epicentro nos extractos sociais que não participam activamente na história mas sofrem a sua influência. É solicitada uma capacidade de adaptação e flexibilidade, às novas exigência impostas pelas estruturas, como requisito essencial à integração urbana.

36 Guy Debord. Society of the Spectacle. Ed. Black & Red Detroit, Michigan and AK Press California |1983(2010)|. Pg 154. Tradução livre: They lead only to deception always compensated by the promise of a new deception always compensated by the promise of the new deception. 37 Guy Debord. Society of the Spectacle. Ed. Black & Red Detroit, Michigan and AK Press California |1983(2010)|. Pg 153. Tradução livre: Consumable pseudo-cyclical time is spectaculare time, both as the time os consumption os the time in the broad sense.

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A URGÊNCIA DO “AGORA” PROJECTO3- CONTRATEMPO E CONTRARELÓGIO

15| A vida em movimento.

A experiência de tempo não é estável ao longo da vida humana, é uma relação que se estreita à medida que a finitude se aproxima contudo, é sobre a consciência madura deste limite, que se compreende a sua importância, aprende-se pela escassez, a valorizar o seu significado. Um referencial histórico de momentos valiosos que acrescentam significado à existência humana e que a memória deseja percorrer mas sem a possibilidade de os reviver. Pois a saudade pode contaminar a acção e a predisposição para novos acontecimentos, desvalorizando um presente que perde substância. Da mesma forma que a constante promessa de um futuro surreal, limita o encanto de cada pequeno acontecimento. Uma multiplicidade de momentos que constroem uma identidade e revelam o percurso de uma vida humana pela construção da memória, a partir de vivências que se efectivam no espaço, num presente que recria o passado e projecta o futuro.

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É a partir da reflexão do tempo da actual civilização ocidental, que em constante frenesim dilui referenciais históricos, incapacitando a fruição poética da memória, que se desenvolveu um pequeno “arquivo”, ainda em estado embrionário da investigação. Contudo, parece pertinente referenciar pela influência directa em todo o processo criativo, e que embora estagnado, tenciona-se retomar para a exposição pública do final do mestrado, na galeria da FBAUP por meados de Outubro com um diferente formato, conforme se revela no anexo, “Dossier de Projectos”, no capítulo, “Ensaio para exposição FBAUP”.

16| Arquivo desenvolvido a partir de um levantamento iniciado em Berlim.

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17| Maquete do projecto “O que pensas do….Passado, Presente e Futuro?”.

Uma proposta que lida com três conceitos essenciais desta investigação de indissociável relação entre si: indivíduo, espaço e tempo. Este arquivo que se intitulou, O que Pensas do… Passado, Presente e Futuro? teve início numa viagem a Berlim e surge inicialmente de uma curiosidade pessoal em cruzar pensamentos de nacionalidades diferentes, questionando-me sobre formas subjectivas de sentir e de estar perante a vida. Um bloco de notas, que transportava ao longo da viagem e onde solicitava às pessoas, que de forma sucinta partilhassem o passado, o presente e a possibilidade de um futuro com apenas uma palavra para

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cada um dos momentos. Cada relato do arquivo era identificado com a informação do nome, idade e nacionalidade. Apontamentos que geravam algum desconforto e tensão nos momentos de partilha, mas que abriam uma possibilidade de diálogo. Um relato abstracto que, embora transmitisse de forma cronológica pensamentos de uma vida humana, não deixavam de ter como foco, a atenção sobre o “agora”. Pois os três momentos (passado, presente e futuro) são projecções ampliadas pelo desejo do presente. No seguimento deste arquivo, desta narrativa sobre o tempo, e a partir de leituras efectuadas da obra do autor Henri Lefebvre sobre a questão do tempo subordinado às tarefas quotidianas do cidadão urbano, esboçaram-se mais dois projectos de diferentes formatos onde ambos pretendem representar a rotina como uma ferramenta essencial à reflexão do comportamento urbano. “ContraTEMPO” e “ContraRELÓGIO” foram desenvolvidos para o espaço metropolitano do Porto, especificamente para a estação de metro da Avenida dos Aliados. A opção deliberada de implantação destes dois projectos no espaço público em questão, foi mais uma vez reflectida para um contexto que se apresenta reduzido às suas funcionalidades, portanto um não-lugar como nos revela o autor Marc Augé. Espaços estes, transitórios e sem história, que a modernidade tão bem fez emergir para benefício do ritmo acelerado de vida, e para prejuízo de uma paisagem que se apresenta desfragmentada por vias de acesso que privilegiam apenas o atravessamento instantâneo, confirmado pelo slogan da instituição do metro: A vida em movimento. Percorrendo novamente pelo discurso baudelairiano onde faz um constante convite ao movimento, parece-me aqui deturpado por uma experiência narcótica do viajante que se aproxima da transladação. Um corpo inerte que percorre pelo espaço a uma velocidade que desloca o olhar e esvazia a consciência de todo o conteúdo e sentido de uma paisagem, que não chega a contemplar. O local da estação, o início da partida ou o fim da chegada, o ponto A ou o ponto B de um trajecto que dispensa itinerários onde corpos apressados se cruzam e raramente se interceptam, simplesmente focados para assumir o papel de passageiros que pretendem atravessar o mais rapidamente possível, recolhidos no silêncio da sua individualidade, que é favor não incomodar! É sobre este contexto que se desenhou a prática destes dois projectos.

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18| Maquete do projecto “ContraTEMPO”.

“ContraTEMPO” foi uma performance pensada para integrar os circuitos artísticos de arte urbana Corpo+Cidade organizados pelo Balleteatro do Porto, na qual não chegou a ser seleccionada e portanto não se concretizou. Contudo, esta intenção propunha representar a velocidade das deslocações diárias que os corpos estão sujeitos em função de um cronómetro, que não pára de acelerar perante a proximidade ao limite. Corpos desvinculados do espaço que se deslocam em acções reproduzidas compulsivamente, com tempo, sem tempo ou com pouco tempo para pensar sobre o assunto. Partindo deste princípio conceptual, do movimento, desenhou-se uma performance que representasse a velocidade do corpo dominado por um relógio. Com a participação de 20 actores performáticos, localizados nas duas escadarias de acesso aos pisos intermédios fariam as suas marcações pelo espaço em movimentos circulares entre os dois acessos.

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19 | Marcações do espaço para a performance.

A partir desta dinâmica, acrescenta-se a projecção de um relógio digital portátil, que cada performer faria incidir sobre o seu corpo, e sob influência dessa variável de tempo exibida na sua t-shirt, resultava numa movimentação frenética pelo espaço púbico, onde o corpo exacerbava uma atitude dominada pela contagem do relógio. Esta performance anexada à proposta “contraRELÓGIO”, reforçava todo o conceito desenvolvido em torno desta temática do tempo, sobre o qual se orienta a actividade humana.

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20| Maquete do projecto “ContraRELÓGIO”.

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21| Instalação “ContraRELÓGIO”, na estação de metro da Avenida dos Aliados.

“ContraRELÓGIO” foram duas instalações de igual formato, que estiveram em exibição de 10 de Julho a 13 de Agosto nos dois pisos intermédios da estação da Avenida dos Aliados. Um dispositivo visual desenvolvido a partir do conceito das linhas de metro como analogia à linha da vida, e com a exposição da frase "A Vida, Em Tempo Real.", e um relógio analógico pretendeu-se questionar o uso do tempo no quotidiano na relação que se estabelece com a cidade e o espaço público, face à imposição deste relógio imaginário, sobre a actual condição humana. Duas instalações que propunham intensificar a valorização do presente, sem perder de vista as potencialidades do futuro. Esta possibilidade de linha de metro que é também a linha da vida e que por sua vez representa a linha do tempo, distribui-se segundo uma realidade subjectiva e pessoal e que se intencionou generalizar sobre a prática social do actual contexto urbano. Um grafismo repartido em função do

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tempo despendido nas tarefas diárias, inerentes à actual condição humana na cidade, ao longo de uma vida que pressupõe a esperança média de 80 anos. É sobre o uso do tempo no percurso entre o nascimento e a morte que se propõe reflectir e questionar, de que forma esta disposição foi também ela capitalizada pelos interesses políticos, conduzindo a uma ruptura da unidade entre o sujeito, o tempo e o espaço. Aqui, o tempo é configurado como a luta do corpo pela divisão das tarefas diárias, e a regularização sistemática do quotidiano, que se taxam preferencialmente em função do trabalho. Aqui, “o tempo é dinheiro”! este conceito fundamental ao capitalismo, sustenta uma visão económica da actual cultura moderna, onde o corpo está associado a uma máquina de produção. Enquadrando e intensificando esta percepção do tempo, desenvolveu-se uma plataforma trabalhada para o efeito, onde se inseriu um relógio analógico modificado no seu interior. Um mostrador com areia pretende fazer uma correlação directa com o conteúdo das ampulhetas que contabilizam o tempo de forma descendente. Uma consciência subversiva que intensifica o sentido de urgência de tempo, à medida que se aproxima do fim, potencializando a sua irreversibilidade. Um conceito também reforçado pela orientação do sentido do relógio, que sobre um olhar atento se regozija o observador com a inversão do seu sentido. Interferindo no quotidiano, sobre um percurso que está no limite da predisposição à contemplação, surge uma instalação que de alguma forma incitou curiosidade para uma leitura que não se pretendia imediata. Contudo, na possibilidade de comunicação ambígua, mas principalmente sobre a superficialidade da interpretação, o público apelava à interacção, colocando-se em cima do relógio à espera de respostas imediatas, resultando na danificação dos relógios. Uma obra pensada a partir do quotidiano da sociedade, para questionar e ser questionada, apelando às mais diversas interpretações que não ambicionam a verdade, mas sim expandir o discurso universal. Sobre a narrativa do tempo subordinado ao limite da existência humana, é possível remeter para o trabalho do artista Christian Boltanski. A Roda da Sorte38 e Dança Macabra39 são os dois projectos se destacam pela reflexão que fazem à morte, esta condição universal a toda a humanidade e sobre a qual o autor se questiona, ressoando como uma espécie de homenagem à vida. Filho de judeus, a sua obra consome-se de fantasmas da memória, revisitados e encenados a partir das sombras

38 Título original, La Roue de La Chance, apresentada pela 1ª vez na 54 Bienal de Veneza, 2011 39 Instalação exposta na fábrica Asa no contexto de circuitos artístico de Guimarães Capital Europeia da Cultura, 2012

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que ergueu durante a experiência do holocausto, justificando a sua existência como um caso fortuito. Como nos revela no projecto A Roda da Sorte com uma engrenagem de fotografias de recém-nascidos em movimento, que após o som de uma sirene é interrompida e aleatoriamente uma fotografia é ampliada no monitor no centro da instalação. Uma metáfora que universaliza a existência da humanidade como fruto do acaso, um terrível jogo de sorte ou azar, uma constante dúvida sobre o nascimento mas uma certeza quanto ao destino, como refere numa das suas obras: é tudo uma questão de tempo40.

22| Christian Boltansky, Roda da Sorte, Bienal de Veneza, 2011

23| Christian Boltansky, Dança Macabra, Fábrica Asa, Guimarães Capital Europeia da Cultura, 2012.

40 Título de uma peça que integrava uma série fotográfica que intitulou Cinquante Suisses Morts (Cinquenta Suíços Mortos) onde expunha fotografias extraídos do obituário de pessoas que realmente estavam mortas, mas apenas um ainda estaria vivo.

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A morte a que se resigna, mas uma memória que entende perdurar para além da existência através de vestígios que permanecem pelos recantos e que evocam quotidianos perdidos. A Dança Macabra reproduz esses gestos fragmentados, com a exibição de casacos antigos em movimento, que se relacionam com a vida de alguém e agora abandonados, são apenas os símbolos de memórias que lutam contra o esquecimento. Esta abordagem sobre o tempo que o autor Christian Boltansky desenvolve nas suas obras, manifestando a vulnerabilidade da vida e a determinação da morte, face a este cronómetro irreversível, intensifica o diálogo entre as memórias do passado, a urgência do presente e a possibilidade de um futuro.

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CONCLUSÃO

Esta investigação articulou conceitos teóricos juntamente com uma prática artística que contemplou a realização de três projectos no espaço público. Um processo criativo desenvolvido a partir do posicionamento pessoal, no contexto da cidade do Porto e incitado por inquietações ligadas à prática humana. A partir de gestos do quotidiano e sobre trajectos de rotina pensou-se na possibilidade de uma arte relacional, inclusiva, participativa, de intenções éticas e estéticas que promovam acima de tudo, o questionamento. Uma abertura ao diálogo intersubjectivo a partir de perguntas que se colocam sobre espaço público e onde cada indivíduo formula a sua resposta, ou melhor ainda: onde pode levantar a sua própria questão. 41 Uma possibilidade crítica contra o determinismo dos comportamentos humanos por via do questionamento, da especulação e criatividade, capaz de desenvolver novos discursos sobre a experiência e formas de pensar a prática urbana. Cada proposta, uma narrativa, uma metáfora, um encontro entre a obra e o corpo, onde o ser humano se recria a si mesmo no espaço e no tempo. É sobre o labirinto que percorre as questões fundamentais da humanidade, que se desenvolveu uma reflexão sobre a relação entre, o ser humano o espaço e o tempo. Compreender o espaço, é também pensar a pluralidade de interpretação da realidade, sobre um contexto que se reinventa ao longo da história. Pensar a cidade é integrar no discurso, as memórias da humanidade sobre as quais fornecem heranças para os futuros quotidianos da vida social, um cenário cada vez mais difícil de se qualificar pela aceleração dos ritmos históricos. Uma postura indiferente e acomodada no quotidiano da vida social de uma cultura com novos costumes, e refém de uma tecnologia que deixou de ser capaz de lidar com o passado, pela mediatização dos acontecimentos. A novidade é um presente sedutor mas carente de substância, transformando a cidade num cenário amnésico, empobrecido de relações sociais onde triunfa a necessidade de apego material. Tudo chega sem que seja preciso partir.42

41 Entrevista de Christian Boltanky ao canal 180 sobre na inauguração da sua obra Dança Macabra, no contexto Guimarães Capital Europeia da Cultura, 2012 ( https://www.youtube.com/watch?v=Bmg-i9OorBQ). 42 Paul Virilio, O Espaço Crítico e as Perspectivas do Tempo Real. Ed. Nova Fronteira S.A. Rio de Janeiro, 1993. Pg. 10-11.

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Esta “pós-modernidade” que se inscreve sobre a contemporaneidade assinala a forte transformação do tempo, tudo é acontecimento e mediatizado quase em tempo real. Este quantitativo, uso excessivo do tempo e a carência de condições apelativas à actividade humana, tem efeitos sobre o processo de envelhecimento, impossibilitando a vinculação de memórias ao lugar transformando a cidade num composto de formas obsoletas que fracassam em todos os seus propósitos. A relação espaço-tempo da vida quotidiana regula a prática social no sentido e uso da cidade. Sobre uma rotina acelerada que anula quaisquer relações de contacto o cidadão desvincula-se da cidade assim como, os progressos tecnológicos de produção contribuem para uma instabilidade morfológica, uma paisagem de formas deslavadas que pouco apelam a uma prática social numa cidade que não chega a conhecer-se. Sobre a constante novidade se esvai a possibilidade de qualquer narrativa do lugar. É necessário prolongar o presente para consolidar o passado (torná-lo digno de passar à história) ou por outro lado, uma prática que promova uma experiência do lugar, que mesmo breve, seja intensa de modo que estejamos dispostos a abandonar o lar pela terra prometida43. Uma cidade que assiste a uma prática humana estruturada em função de horários e honorários opressores de liberdade que implicam uma diversidade de esforços que, em nada beneficiam o convívio e a partilha em ambientes públicos. Uma fraca dinâmica social que estreita a relação com o espaço e a percepção que temos dele. Percursos programados para uma rotina onde nos refugiamos seguramente na sua comodidade, nada acrescentam à nossa essência e apenas fazem parte de um quotidiano de pouca actividade criativa, cada vez mais limitada ao conformismo. Esta actual capitalização do tempo de forma quantitativa em que a produtividade é a palavra de ordem afecta não só as relações quotidianas como contribui para a produção de um espaço centrado na circulação da mercadoria e portanto a rapidez dos trajectos não dão margem para espaços simbólicos e identitários. Um processo em constante ruptura pela actual transformação das motivações do uso do tempo, acelera o crescimento de lugares de abstracção44 sem referências, centrados na velocidade e na produção em que a efemeridade do presente fomenta relações instáveis, vazias e desvinculadas de contacto. Um espaço que se “estranha e nunca chega a entranhar”. Uma morfologia urbana, desenhada para uma dinâmica espacial

43 Yi-Fu Tuan, Topofilia: Um Estudo da Percepção, Atitudes e Valores do Meio Ambiente. Trad. Difel. Ed. Difel / Difusão Editorial S.A., |1974 (1980)|. Pg. 204. 44 Com base no pensamento de Lefebvre sobre a definição de espaço abstracto por oposição ao espaço concreto, presente no livro, A Revolução Urbana. Trad. Sérgio Martins. Ed. UFMG, Belo Horizonte, |1970 (2008)|. Pg 164-169.

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de movimentos pendulares (actividade humana, contabilizada segundo duração e distância), que em nada beneficiam a qualidade das relações entre comunidades vizinhas, desertificando ruas e anulando lugares da prática colectiva de culto. Nesta era pós-urbana, a proliferação tecnológica dos meios de comunicação privilegiam a dimensão virtual e desvinculam o contacto da vida urbana da sua dimensão do sensível. Experiências que rompem a unidade do corpo com o espaço, saturando o quotidiano de acontecimentos que não chegam a se encontram com o lugar. Uma desfragmentação do espaço pela predominância da unidade de tempo, um bem que nos parece cada vez mais escasso. Deixamos de ter tempo para todas as actividades que gostaríamos de realizar. Uma investigação que desenvolveu um discurso sobre o uso do tempo. Será possível viver no aqui e no agora? Como viver um quotidiano de experiências significativas, vinculadas a uma unidade de espaço e tempo? Após os desenvolvimentos dos projectos e da investigação teórica, compreendeu-se de forma clara, que a questão do tempo esteve presente na maior parte do discurso desta investigação. Este tempo linear, absoluto, universal e irreversível, face ao referencial humano e actualmente subordinado às exigências de um quotidiano caótico, que se pretendeu reflectir e expandir a sua potencialidade. Uma sociedade urbanizada que precisa de reconhecer a urgência de uma nova planificação dos conteúdos de civilização, que lutem contra o individualismo e contra o domínio do materialismo, uma transformação que talvez a crítica poderá propor. Não se pretende um jogo de egos e de individualidades, mas sim pensar no indivíduo como aquele que consegue afirmar sua existência, num mundo já estruturado na relação a outrem. A partir da análise dos processos de desenvolvimento urbanísticos e compreensão da morfologia urbana ao longo da histórica, poderemos talvez retirar pistas para uma nova produção do espaço. Partindo do cenário actual e compreendendo a necessidade de incluir novas metodologias de investigação que procurem enfatizar o uso do território, para a instrução de novas práticas socioespaciais que beneficiem o colectivo e não apenas sectores privados. Pretende-se uma prática urbanística mais conhecedora do seu objecto de estudo, focado na essência humana e nas suas

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práticas, e menos preocupada com os funcionalismos da técnica e da matéria. Antes de alojar é preciso conhecê-los.45 Sem pretender em qualquer momento conduzir o papel do artista para actividades de acção social, nem apresentar soluções quanto ao processo urbanístico de expansão do território, a questão será pensar num conceito global de espaço público a partir da subjectividade particular, na expectativa de dar um sentido ao lugar que contribua para uma melhor prática humana e urbana, unificadora da relação espaço-tempo. Privilegiando assim as relações sociais, fazendo-se ouvir diferentes vozes discursivas, activas e participativas onde a crítica intervém como mediadora de debate, sobre as actuais problemáticas comuns, ampliando uma percepção individualista de que não estamos isolados nesta tentativa de dar significado à nossa existência.

45 Paul-Henry Chombart de Lauwe, em Nuno Portas, O Ser Urbano no Caminho de Nuno Portas. Ed. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2012. Pg 189.

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ÍNDICE DE IMAGENS 1| Esquema de conteúdos. 2| Workshop do artista contemporâneo, Ricardo Basbaum: Você gostaria de participar de uma experiência artística? 3| Dia do projecto “Libertando Emoções”, na localidade do Porto, 2013.

4| Mapa de localização do projecto. Porto, Rua de Santa Catarina. 5| Mapa de localização do projecto. Trofa, Rua Conde S. Bento 6| Resultados da Intervenção. 7| Esquema de Conteúdos 8| Richard Long, A Line Made by Walking, England 1967 9| Situacionistas, The Naked City, 1957 10| Instalação em espaço público, “Estruturas Perceptiva”, Porto, 2014. 11 | Memória descritiva da implementação da estrutura em espaço público. 12| Experiências do lugar a partir da instalação, Porto, 2014. 13| Dan Graham, Two Way Mirror Punched Steel Hedge Labyrinth, Fundação de Serralves, 1994. 14| Esquema de Conteúdos. 15| A vida em movimento. 16| Arquivo desenvolvido a partir de um levantamento iniciado em Berlim. 17| Maquete do projecto “O que pensas do….Passado, Presente e Futuro?”. 18| Maquete do projecto “ContraTEMPO” 19 | Marcações do espaço para a performance. 20| Maquete do projecto “ContraRELÓGIO”. 21| Instalação “ContraRELÓGIO”, na estação de metro da Avenida dos Aliados. 22| Christian Boltansky, Roda da Sorte, Bienal de Veneza, 2011. 23| Christian Boltansky, Dança Macabra, Fábrica Asa, Guimarães Capital Europeia da Cultura, 2012.

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CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS

1| Filipa Viana, esquema de conteúdos, fotografia, dactilografia e fotomontagem, 2014

2| Madep, Ricardo Basbaum Narrative walks, Guimarãoes Capital Europeia da Cultura, 2013

3| Filipa Viana, “Libertando Emoções”, Rua de Sta. Catarina, 2013.

4| Google Maps, planta de localização do projecto “Libertando Emoções”, editada em Photoshop, Porto, 2013 em: (https://www.google.pt/maps/place/Rua+de+Santa+Catarina,+4000+Porto/@41.1470914,8.6069284,17z/data=!4m2!3m1!1s0xd2464fa6d5fe651:0x46e05879a7514a6b).

5| Google Maps, planta de localização do projecto “Libertando Emoções”, editada em Photoshop, Trofa, 2013 em:

(https://www.google.pt/maps/place/Rua+Conde+de+S%C3%A3o+Bento,+4785+Trofa/@41.3376842,-8.5581414,17z/data=!3m1!4b1!4m2!3m1!1s0xd245e912cccb6f1:0x78ccf9a4ee68773d).

6| Filipa Viana, “Libertando Emoções”, Rua de Sta. Catarina, 2013.

7| Filipa Viana, esquema de conteúdos, fotografia, dactilografia e fotomontagem, 2014.

8| Nationalgalleries.org. Richard Long, A Line Made by Walking, England, 1967.

9| Guy Debord, The Naked City, illustration de l'hypothèse des plaques tournantes, 1957 em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.035/696.

10| Filipa Viana. Instalação em espaço público, “Estruturas Perceptiva”, editada em Photoshop, Porto, 2014.

11| Filipa Viana. Memória descritiva da implantação da Instalação da estrutura em espaço público, desenho sobre papel, fotografia e fotomontagem, editada em Photoshop, 2014.

12| Filipa Viana. Experiências do lugar a partir da instalação, Porto, 2014.

13| Anabela Rosas Trindade, Two Way Mirror Punched Steel Hedge Labyrinth, Fundação Serralves, 1994.

14| Filipa Viana, Esquema de conteúdos, fotografia, dactilografia e fotomontagem, 2014.

15| Filipa Viana, A vida em movimento (slogan da instituição da metro do Porto), fotografia editada em Photoshop. 2014.

16| Filipa Viana, fotografia e fotomontagem editada em Photoshop, 2013.

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17| Filipa Viana, Maquete do projecto “O que pensas do….Passado, Presente e Futuro?” com o esboço do novo formato que irá integrar a exposição final de mestrado na Galeria FBAUP, fotografia e fotomontagem editada em Photoshop, 2013.

18| Filipa Viana , Maquete do projecto “ContraTEMPO”, fotografia e fotomontagem, 2014.

19| Filipa Viana, desenho sobre papel, 2013.

20| Filipa Viana, Maquete do projecto “ContraRELÓGIO”, desenho sobre papel, fotografia e fotomontagem, 2014.

21| Filipa Viana, Instalação “ContraRELÓGIO”, na estação de metro da Avenida dos Aliados, fotografias, 2014.

22| Image©designboom, Christian Boltansky, Roda da Sorte, Bienal de Veneza, 2011.

23| João Peixoto, Christian Boltansky, Dança Macabra, Fábrica Asa, Guimarães Capital Europeia da Cultura, 2012.

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