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CAPÍTULO 01 CENA 01. SÃO PAULO/ PARQUE DO IBIRAPUERA/ EXTERIOR/ DIA. FADE IN. CAM aérea mostra a beleza do parque verde, contrastando com seu imenso lado no tom azul. (Fade in trilha “Open Bar” – Pabllo Vittar). Corta para uma passarela grande, imponente, montada em meio à sombra das árvores. Várias modelos desfilam, como em fila indiana, até voltarem ao início da passarela e formarem uma barreira. (Fade out trilha anterior/ fade in trilha “Amor, Amor“- Wanessa). PLANO FECHADO Mostra uma sandália de salto dourada. CAM abre em PLANO GERAL e mostra as modelos saindo pela lateral, enquanto uma mulher (loira, 35 anos, vestido longo vermelho) desponta no início da passarela. Imagens da plateia em êxtase, vibrando, sorrindo. Várias pessoas assistem ao desfile, nas dezenas de fileiras em volta da passarela. Poltronas douradas e devidamente alinhadas. Ao fundo, sobe um telão em letras vermelhas, com os dizeres: “COLEÇÃO PASSOS DA PAIXÃO – POR SÍLVIA CARDOSO”. A mulher desfila pela passarela sob os flashes dos fotógrafos e delírio da plateia, com um caminhar gracioso e preciso. Ao chegar à ponta da passarela, ela sorri e pisca o olho para a CAM. Ela volta até o início da passarela, sorri para a plateia, que aplaude de pé. Um homem da produção vem com um microfone e a entrega. (FADE OUT TRILHA “amor, amor” – Wanessa).

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CAPÍTULO 01

CENA 01. SÃO PAULO/ PARQUE DO IBIRAPUERA/ EXTERIOR/

DIA.

FADE IN. CAM aérea mostra a beleza do parque verde,

contrastando com seu imenso lado no tom azul.

(Fade in trilha “Open Bar” – Pabllo Vittar).

Corta para uma passarela grande, imponente, montada em

meio à sombra das árvores. Várias modelos desfilam,

como em fila indiana, até voltarem ao início da

passarela e formarem uma barreira.

(Fade out trilha anterior/ fade in trilha “Amor,

Amor“- Wanessa).

PLANO FECHADO Mostra uma sandália de salto dourada.

CAM abre em PLANO GERAL e mostra as modelos saindo

pela lateral, enquanto uma mulher (loira, 35 anos,

vestido longo vermelho) desponta no início da

passarela.

Imagens da plateia em êxtase, vibrando, sorrindo.

Várias pessoas assistem ao desfile, nas dezenas de

fileiras em volta da passarela. Poltronas douradas e

devidamente alinhadas. Ao fundo, sobe um telão em

letras vermelhas, com os dizeres: “COLEÇÃO PASSOS DA

PAIXÃO – POR SÍLVIA CARDOSO”.

A mulher desfila pela passarela sob os flashes dos

fotógrafos e delírio da plateia, com um caminhar

gracioso e preciso. Ao chegar à ponta da passarela,

ela sorri e pisca o olho para a CAM. Ela volta até o

início da passarela, sorri para a plateia, que aplaude

de pé.

Um homem da produção vem com um microfone e a entrega.

(FADE OUT TRILHA “amor, amor” – Wanessa).

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MULHER - (Emocionada) Agradeço muito a toda a equipe

que esteve comigo, que sempre trabalhou nos bastidores

para que eu brilhasse lá fora e aqui também, para o

meu público. Foram 20 anos de passarela. Comecei e

terminei um ciclo aqui, no Ibirapuera.

Olha emocionada para o horizonte.

MULHER (Voz embargada)- Não é um adeus, até porque

estarei modelando na Fotografia, mas fica aqui

registrado a minha gratidão a todos vocês. Obrigada!

Do fundo do meu coração!

Todos a aplaudem.

MULHER – Para terminar, eu queria agradecer a minha

amiga Silvinha, que fez essa coleção linda para o meu

encerramento. Ela não pode estar aqui, mas lá da Vila

Isabel, tenho certeza que ela acompanhou e torceu para

que tudo aqui desse certo.

Mais aplausos. Uma chuva de pétalas de rosas amarelas

cai sobre a mulher.

(Fade out trilha “Amor, amor” – Wanessa).

CENA 02. BACK-STAGE/ INT./ DIA.

Uma grande tenda branca, fechada também nas laterais,

onde visitantes, modelos e produtores circulam pelo

local.

A mesma mulher da cena anterior, está sentada de

frente para um grande espelho, retirando a maquiagem

de seu rosto, quando um homem (30 anos, cabelo preto,

curto, alto, branco, trajando calça jeans e camisa

polo azul) com as mãos para trás, tem sua imagem

refletida no espelho.

Ela se levanta e vira-se para ele.

MULHER – Eu não sabia que viria.

O homem sorri trás sua mão para frente e revela um

enorme buquê de rosas vermelhas.

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HOMEM (ENTREGANDO) – É para você, Maria Fernanda.

Ela sorri, pega o buquê e o cheira.

MARIA FERNANDA – Obrigada, Heitor.

HEITOR – Gostou?

Maria Fernanda olha para o buquê, sorridente. (Fade in

trilha “Pra você guarde o amor” – Nando Reis).

HEITOR – Rosas vermelhas são as suas prediletas,

acertei?

MARIA FERNANDA – Acertou, claro. Mas não cai bem, você

me mandar flores vermelhas. Eu sou uma moça

comprometida e você é casado.

HEITOR – Foi pra poder celebrar essa sua nova fase,

mostrar que você é importante. Eu sei que sou casado,

mal casado, mas sou...

Heitor se afasta.

MARIA FERNANDA – Heitor!

Ele para e vira-se para ela.

MARIA FERNANDA – Eu amei as flores. Obrigado por

sempre acompanhar a minha carreira.

Ele sorri e sai.

(Fade out trilha “Pra você guardei o amor” – Nando

Reis).

CENA 03. AP. ANA LUÍSA/ SALA/ INT./ DIA.

Abre na sala de um apartamento luxuosíssimo, com

esculturas nobres e pinturas de diversos artistas

famosos. Uma mulher (45 anos, alta, magra, elegante,

cabelos cor de mel e lisos até no meio das costas, com

um conjunto saia e blazer preto de bolinhas brancas,

salto alto no mesmo estilo da roupa), ela vem da

cozinha com um copo de água em uma das mãos e o tablet

em outra.

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MULHER (olhando o tablet) – Então quer dizer que a

Maria Ondina fez uma festa no Espaço Fama e não me

chamou pra ser a promoter? Tô chocada.

A mulher deposita o tablet numa escrivaninha e se

senta no sofá, tomando água. A campainha toca. Ela se

levanta e vai atender.

MULHER – Constância Edwiges?

(Fade on trilha “Tudo em Paz” – Seu Cuca).

Uma senhora (55 anos, estatura mediana, branca,

cabelos castanhos dourados em um corte Chanel, muito

elegante, com um longo vestido em tom pastel e óculos

escuros), adentra a sala.

MULHER – O que faz aqui, Constância?

CONSTÂNCIA – Eu marquei horário com a sua empregada.

Não lembra, Ana Luísa?

ANA LUÍSA – Infelizmente não lembro.

CONSTÂNCIA – Falei, ainda ontem com a Christine.

ANA LUÍSA – Ah, sim... Bom, a Christine deve ter se

esquecido de me comunicar. Mas, o que te traz aqui?

CONSTÂNCIA – É de boa educação convidar as visitas a

se sentarem, sabia?

ANA LUÍSA – Perdoe-me, Constância. Sente-se, por

favor!

As duas se sentam.

ANA LUÍSA – Aceita uma água, um café, um suco?

CONSTÂNCIA – Não, agradecida. O motivo que me trouxe

aqui foi o de planejar um mega evento em um curto

espaço de tempo, você daria conta?

ANA LUÍSA – Sou Ana Luísa Aimi, a promoter mais

badalada, eficiente e inteligente de toda São Paulo.

Pode dizer, o que for eu faço!

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CONSTÂNCIA – Bom saber. Daqui um mês, a AROMA, empresa

do meu marido, vai fazer 30 anos, e nós queremos uma

mega festa para lançar a nova linha de produtos

cosméticos e também, para dar um up maior na empresa.

ANA LUÍSA – Proposta interessante. Seria uma festa

intimista?

CONSTÂNCIA – Deus que me livre. De intimista já basta

o que a gente faz no banheiro todos os dias. Quero uma

festa badalada para 500 convidados com champanhe e

canapés a rodo. Quero também: fotógrafos, jornalistas,

umas celebridades, esse pessoal da TV, e os nossos

inimigos. É uma festa para emoldurar o século XXI.

ANA LUÍSA – Eu faço tudo com a maior agilidade. Vários

ambientes, comida, bebida e música da mais alta

qualidade, mas isso gera um custo alto.

CONSTÂNCIA – Eu não vim fazer orçamento, querida. Eu

vim te contratar, saber se você é apta a realizar e

administrar uma festa pra High Society Paulistana.

ANA LUÍSA – Claro que sou. Fiz meu nome na maior

qualidade. Bom, agora vou te mostrar o catálogo de

bufê, fotógrafos, DJ’s, iluminação, flores, tecidos,

tudo que você queira.

Ana Luísa se levanta, vai até a sua escrivaninha e

pega o tablet, volta a se sentar próxima a Constância

e começa a lhe mostrar fotos e a dar sugestões.

CENA 04. PARQUE IBIRAPUERA/ EXT./ DIA.

Várias pessoas caminham pelo local. Algumas saindo do

desfile, outras passeando. De repente, uma mulher (45

anos, morena clara, cabelos avermelhados e ondulados,

magra, de vestido azul) e um homem moreno (38 anos,

cabelo preto e curto, de calça jeans e camisa polo

preta), acabam se esbarrando e se encaram.

MULHER – Bento?

HOMEM – Virgínia? O que você tá fazendo aqui?

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VIRGÍNIA – Eu que te pergunto Bento: o que você está

fazendo aqui?

BENTO (sem jeito) – Bom, eu vim... Vim assistir ao

desfile... Circular pelo mundo da moda... Afinal de

contas, promoter de eventos tem que fazer isso.

VIRGÍNIA – Que promoter, Bento? Você me saiu de casa

dizendo que tinha conseguido um emprego numa corretora

imobiliária. Agora tá aí, vendo o desfile de despedida

da Poderosa.

BENTO – Meu amor, você me conhece, sabe que não me

sujeito a qualquer emprego. Preciso arranjar um cargo

a altura da minha capacidade. Aquele negócio de vender

apartamento não tá com nada. O país tá em crise. O

negócio é ter contatos com os endinheirados e tentar

carreira como promoter. Não vê a Ana Luísa Aimi?

Começou assim, indo a eventos e arrumando uns

contatos.

VIRGÍNIA – Eu me mato de fazer faxina na casa dessas

madames do Morumbi e você curtindo desfile. Olha,

Bento, tô cansada de ficar bancando essa sua fantasia

de emprego perfeito. Enquanto isso, a idade passa, e

eu tô pagando luz, compra, telefone e água.

BENTO – Ok! Eu sei que não estou pagando nada em casa,

mas o que você, uma faxineira, estaria fazendo num

desfile de moda?

Virgínia fica apreensiva.

VIRGÍNIA – Eu. (pausa, sua um pouco) Eu também gosto

de moda, ora bolas. Acha que só patricinha é ligada

nessas coisas? Gosto de me atualizar, de estar bonita

para o meu marido. Não posso?

BENTO – Claro que pode. Te confesso que até gosto.

VIRGÍNIA – Então vamos para casa?

BENTO – Não posso. Vai rolar um coquetel daqui a pouco

e eu fui convidado. Um empresário muito importante vai

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estar lá e você sabe como é, tenho que tentar

contatos.

VIRGÍNIA – Olha lá hein Bento.

BENTO – Fique tranquila, minha rainha. Eu tô buscando

o melhor para nós.

Bento olha para os lados e, rapidamente, dá um selinho

em Virgínia.

BENTO – Deixa eu ir, não posso me atrasar.

Bento se afasta.

CENA 05. SÃO PAULO / EXT. / DIA.

(Fade in trilha “SAMPA” – Caetano Veloso).

Imagem aérea de pontos estratégicos e conhecidos da

capital. TAKES da Avenida Paulista, o MASP, Memorial da

América Latina, Catedral Metropolitana, e toda a

extensão de avenidas conhecidas, como a Marginal Tietê

e seu tráfego fluindo.

CENA 06. SHOPPING/ INT./ DIA.

(Fade out trilha “SAMPA” – Caetano Veloso). Uma

mulher, 32 anos, magra, alta, morena clara, cabelos

levemente cacheados e na altura do ombro, trajando um

macacão preto, de tecido nobre, muito elegante. Ela

observa as vitrines com muita atenção, até que entra

em uma loja.

CENA 07. SHOPPING/ LOJA/ INT./ DIA.

Uma loja elegante, com cores sóbrias, ambiente

requintado. A mulher da cena anterior está olhando

alguns calçados. Uma senhora, 50 anos, baixa, cabelo

curto e em tom avermelhado, com um uniforme, se

aproxima.

SENHORA – Posso lhe ajudar?

A mulher vira-se, olha à senhora espantada.

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MULHER – De você eu não quero nenhuma ajuda, quero

distância.

SENHORA (triste) – Não faça isso comigo, Karen.

MULHER – Eu não sou Karen. Meu nome é Rafaela

Matarazzo. E faz uma coisa, Selma, esquece que me

conhece.

SELMA – Por que você não me aceita?

RAFAELA – Eu não tenho que aceitar ninguém. Cada um

escolhe a vida que quer levar. Eu escolhi a minha, e

nela não cabe você, ou aquela sua família de ratos.

SELMA – É uma pena que você renegue a sua...

RAFAELA (corta/ gritando) – Não ouse pronunciar essa

palavra, sua brega. Velha porca, pobre e brega.

A gerente (mulher branca, alta, entre 45 e 50 anos,

elegante e com um uniforme sofisticado) se aproxima

das duas.

GERENTE – O que tá acontecendo aqui?

SELMA – Não é nada.

RAFAELA – Como não é nada? Essa senhora está me

importunando. Disse coisas horrorosas para mim.

Admira-me muito, uma loja elegante e conceituada, ter

no seu quadro de funcionários uma caipirona velha e

sem educação.

GERENTE – Peço desculpas dona Rafaela. A senhora é uma

cliente vip e garantimos que isso jamais voltará a se

repetir.

RAFAELA – Mas não vai se repetir mesmo. Enquanto essa

senhora estiver aqui, eu não volto a pisar nesse lugar

e direi para todas as minhas amigas fazerem o mesmo.

Vamos boicotar essa loja.

GERENTE – Não precisará fazer isso, a dona Selma está

sendo demitida.

SELMA (surpresa) – O que? Como assim?

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GERENTE – Isso mesmo, dona Selma, a senhora está

demitida. Pode ir ao seu armário e pegar suas coisas.

Amanhã a senhora passa no Departamento Pessoal e

acerta suas contas.

SELMA (chorando) – Por favor, me dá uma chance. Eu

tenho família pra cuidar.

GERENTE – Negativo. Pensasse na família que tem pra

cuidar, antes de insultar uma cliente tão fiel, como a

dona Rafaela.

A gerente se afasta. Selma cai num choro e Rafaela

vibra feliz, altiva.

RAFAELA – Isso foi só uma palhinha do meu poder de

munição. Não atravessa o meu caminho não, pois a

próxima vez vai ser muito pior.

SELMA – Pra que fazer isso? Você se diverte com a

desgraça alheia.

RAFAELA – Fiz isso pra você ter noção do seu lugar no

espaço, e mostrar que somos muito diferentes, que

pertencemos a mundos diferentes.

Rafaela sai da loja.

CENA 08. SÃO PAULO/ MARGINAL TIETÊ/ EXT./ NOITE.

(Fade in trilha “Tudo em Paz” – Seu Cuca).

Imagem aérea de um táxi em movimento, em meio ao

tráfego de automóveis.

CORTA PARA O TÁXI: Na parte traseira, Bento e Maria

Fernanda estão sentados e abraçados um ao outro. Ela

bastante cabisbaixa e pensativa.

BENTO – O que foi, meu amor?

MARIA FERNANDA – Não pisar nas passarelas,

profissionalmente, acaba dando uma sensação de vazio.

BENTO – Um ciclo se encerra, para que outro comece.

Agora é hora de você pensar em você. Viajar, casar

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comigo, planejar os nossos filhos. Quero uma família

bem grande.

MARIA FERNANDA – Será que eu dou conta de ter uma

família desse porte?

BENTO – E por que não?

MARIA FERNANDA – Você sabe. Eu não tive mãe e nem tive

pai, fui criada naquele orfanato. Criada sem afeto,

sem ter alguém que pensasse em mim, que me abraçasse

no aniversário, que me compreendesse.

Maria Fernanda deixa escorrer uma lágrima.

BENTO – Não chora, meu amor. Você foi maior que esse

passado. Tornou-se uma supermodelo, é reconhecida como

a Poderosa das passarelas.

MARIA FERNANDA (secando o rosto) – Tem razão. É para

frente que se anda. Não vou mais deixar que esse

passado me atormente.

Bento sorri. Os dois se beijam.

(Fade out trilha “Tudo em Paz” – Seu Cuca).

CENA 09. HOTEL DE LUXO/ CORREDOR/ INT./ NOITE.

Um senhor (entre 55 e 60 anos, alto, branco, cabelos

grisalhos, de terno e gravata alinhados) anda por um

enorme corredor, até parar em frente uma porta e tocar

a campainha. A porta se abre sem revelar a outra

pessoa.

SENHOR (com desejo) – Isso tudo é pra mim? Faz assim

não que gamo.

(Fade in “Não tô valendo nada” – Henrique e Juliano).

O senhor sorri e, de repente, uma luva preta, de couro

e muito sensual, o puxa para o interior do quarto e

bate a porta com força.

CENA 10. MANSÃO MATARAZZO/ FACHADA/ EXT./ NOITE.

Uma enorme casa em formato de palacete, com

arquitetura medieval e esculturas do período romano na

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porta de entrada. Planos gerais do jardim, muito

colorido e bem cuidado, com inúmeras flores, dentre

elas: rosas, margaridas, violetas, antúrios e copos-

de-leite, tudo iluminado por luzes que mudam de cor de

segundos em segundos.

CENA 11. MANSÃO MATARAZZO/ SALA/ INT./ NOITE.

Uma enorme sala em tom pastel, com um imenso sofá

branco de couro no meio da sala. No teto há um lustre

gigantesco. Atrás do sofá, uma escadaria toda em

mármore africano, que dá acesso ao piso superior. Numa

das paredes, tem uma enorme pintura do rosto de

Constância, ao lado uma lareira e uma poltrona de

frente para a mesma.

Heitor está conversando com uma mulher (25 anos,

cabelo preto e liso na altura do ombro, rosto

angelical, estatura mediana, branca, usando um vestido

amarelo com bolinhas brancas). Ambos estão sentados no

sofá.

HEITOR – Será que dá tempo de sair a nova linha nessa

festa de comemoração da AROMA?

MULHER – Claro que dá meu irmão. Eu mesma já

desenvolvi as principais essências.

HEITOR – Não sei, Helena. Fico receoso. Você sabe como

o papai é exigente quanto a isso. Se a gente

apresentar porcaria, ele nos frita vivos.

HELENA – Heitor, calma. A paciência é uma virtude dos

fortes. E isso eu sei que você tem. A gente vai

conseguir fazer isso sim, te garanto.

HEITOR – Deus te ouça.

HELENA – Tô com fome. Que horas iremos jantar?

HEITOR – Mamãe deve estar esperando o papai chegar.

HELENA – Ah, cada dia o papai chega mais tarde. Daqui

uns dias, jantaremos ao nascer do sol. Trocaremos o

Page 12: CAPÍTULO 01 - megapro

horário das refeições. Ao invés de café, estaremos

tomando vinho.

HEITOR – Não seja exagerada. Uma horinha a mais, uma a

menos, não faz diferença. Aqui, tenho que te confessar

uma coisa.

HELENA – Diga!

HEITOR (cochichando) – Eu fui ao último desfile da

Maria Fernanda.

HELENA – A Poderosa?

HEITOR – É. Ela tava linda, extraordinária. Você

precisava ver. Eu acompanho o trabalho dela há anos,

tutoriais, desfiles, catálogos, entrevistas... Foi uma

honra falar com ela.

HELENA – Você falou com ela?

Heitor sorri e diz que sim com a cabeça.

CENA 12. SANTOS/ PLANOS GERAIS/ NOITE.

(Fade in trilha “FIREWORK” – Katy Perry). Imagens

aéreas revezando com planos gerais da cidade de

Santos: Igreja e Estação do Valongo, Monte Serrat,

Aquário de Santos, Museu do Café, Pinacoteca Benedito

Calixto.

CENA 13. EDIFÍCIO VILA BELMIRO/ FACHADA/ EXT./ NOITE.

Um enorme prédio todo em pedra. Ao lado da entrada

principal há um portão branco, que combina com as

grades que cercam o prédio, todas em cor branca, com

uma placa sinalizando: ”Garagem”. Nesse instante o

portão é aberto, eletronicamente e um carro preto,

modelo celta, ano 2008, quatro portas, entra. O portão

volta a se fechar.

(Fade out trilha “FIREWORK” – Katy Perry).

CENA 14. EDIFÍCIO VILA BELMIRO/ APTO. CHARLOTE/ INT./

NOITE.

Page 13: CAPÍTULO 01 - megapro

Uma enorme sala, TODA EM TOM CINZA, INCLUINDO: sofá,

lustre, quadros na parede, cortinas, tapetes. O local

está impecavelmente limpo e organizado. Numas das

paredes tem uma TV de plasma de 60 polegadas.

Uma mulher (negra, 35 anos, alta, corpo definido,

cabelo longo e em estilo afro, vestindo uma camisola

branca e curta) está sentada no sofá. De repente, um

homem (branco, 40 anos, alto, malhado, cabelos

levemente longos, barbudo, trajando roupa esportiva)

entra no apartamento.

A mulher logo se levanta e dá um beijo surpresa no

homem.

MULHER – Tô aqui te esperando. Fiz até uma

superprodução. Gosta?

Meio a contragosto, o homem olha a mulher dos pés a

cabeça.

HOMEM (sem animação) – Você tá linda, Charlote.

CHARLOTE – Mas que falta de animação é essa? Caramba,

Márcio. Eu me arrumo pra você, compro camisola nova,

me perfumo, fico horas te esperando e recebo um “você

tá linda”, como se tivesse falando de um par de meias?

MÁRCIO – Desculpa Charlote, são problemas. Não é nada

com você, o problema é comigo.

CHARLOTE – Comigo não é mesmo. Há dois meses que a

gente não tem nada. Nossa cama esfriou de uma maneira

que eu nem sei dizer.

MÁRCIO – Deixa eu tomar um banho. Cheguei suado da

academia, quero poder refrescar e descansar.

CHARLOTE – Ao menos hoje você vai dormir na nossa

cama? Porque há dias que você anda me evitando e

evitando a nossa cama. Não tô entendendo.

MÁRCIO – Já disse, o problema é comigo. Mas eu vou

dormir na “nossa cama”.

Márcio sai e Charlote fica pensativa.

Page 14: CAPÍTULO 01 - megapro

CENA 15. SÃO PAULO/ RESTAURANTE/ INT./ NOITE.

(Fade in trilha “Tudo em paz” – Seu Cuca). Restaurante

elegante, agradável, com pessoas chiques e

requintadas. Em uma das mesas, ao fundo, Maria

Fernanda e Bento estão jantando.

MARIA FERNANDA – Fiquei tão feliz em saber que você

foi ao meu desfile de despedida.

BENTO – E como eu não iria?

MARIA FERNANDA – Ah, sei lá, você não confirmou. Disse

que tinha uns compromissos no dia.

BENTO – E teria mesmo, mas desmarquei. Tudo pra poder

acompanhar esse passo importante da vida da minha

rainha.

MARIA FERNANDA – Era um passo que precisava ser dado.

Eu construí uma carreira sólida nas passarelas, mas

chega uma hora que a gente tem que abandonar o barco.

É igual aquela calça favorita que não serve mais, uma

hora ela vai ser de alguém, menos sua.

BENTO – O importante é que você foi feliz. Tá com a

cabeça boa e sabe que fez o melhor.

MARIA FERNANDA – Eu não podia desfilar de bengalas né.

(risos).

BENTO – Mas agora, com a vida mais calma, eu acho que

você pode fazer outra coisa... Não sei se é seu sonho,

mas é o meu. Pode parecer egoísmo, mas na verdade

humildade, é amor, é afeto. Não dá pra viver assim, eu

quero mais, eu tenho sede e fome de mais.

MARIA FERNANDA – O que é meu amor?

Bento tira do paletó da blusa, uma caixinha e abre,

mostrando um anel lindíssimo. Maria Fernanda fica

deslumbrada e emocionada.

BENTO – Eu não tenho muito dinheiro, mas juntei

durante esses seis meses que estamos juntos. Poupei

cada tostão para te dar o que pra mim é o melhor.

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MARIA FERNANDA – É lindo, meu amor. Eu adorei.

BENTO – Esse anel simboliza o nosso amor... Você

aceita se casar comigo?

MARIA FERNANDA (emocionada) – Casar? Você tá falando

sério?

BENTO – Nunca tive tanta certeza de algo na minha

vida, eu quero me casar com você, Maria Fernanda

Françoso.

Maria Fernanda cai num choro de felicidade, enquanto

Bento coloca o anel em seu dedo anelar direito. Os

dois se beijam.

CENA 16. MANSÃO MATARAZZO/ QUARTO DE CURY/ INT./ NOITE

(Fade out “Tudo em paz” – Seu Cuca). O quarto está

todo escuro e em silêncio absoluto. Quando um senhor,

o mesmo da cena 7, entra no quarto, acende as luzes e

se depara com Constância, deitada na cama, com os

olhos bem abertos. Ele a olha, meio surpreso e, em

seguida, começa a tirar sua roupa.

CONSTÂNCIA (séria) – Você sabe que horas são, Cury?

CURY – Hora da senhora estar dormindo, ou como você

mesma diz, descansando a beleza.

CONSTÂNCIA – Virou rotina chegar tarde agora? Mês

passado era um ou dois dias na semana. Esse mês, não

teve um dia, nem aos domingos, que você não chegasse

tarde, extremamente cansado.

CURY – Você está insinuando o que?

CONSTÂNCIA – Não estou insinuando nada. Não quero

acreditar em ilusões. Mas os fatos falam por si. Eu

não sei onde você trabalha até tão tarde. O Heitor, a

Helena e todos os outros funcionários saem no horário

normal.

CURY – Acontece que o Heitor, a Helena e todos os

outros funcionários não são donos da empresa. O dono

sou eu, sou responsável por empregar milhares de

Page 16: CAPÍTULO 01 - megapro

trabalhadores, direta ou indiretamente. Eu fico até

mais tarde fazendo balancete, vendo a produção,

desenvolvimento de produtos, importação e exportação.

Mas se você quiser, eu fico em casa, janto na hora

certa. É só você ir dar conta disso tudo pra mim.

Os dois ficam se olhando.

CONSTÂNCIA – Vai tomar seu banho. A Setembrina deixou

sua comida arrumada no micro-ondas.

Cury termina de se despir, ficando apenas de cueca, e

vai para a suíte.

CENA 17. SANTOS/ APTO. CHARLOTE/ SALA/ INT./ DIA.

(Fade in trilha “FIREWORK” – Katy Perry). Imagens de

Santos: Praia, Vila Belmiro, Prefeitura. Corta para a

sala do apartamento de Charlote. A campainha toca, e

ela vem do quarto, cara sonolenta, trajando um hobby

vermelho, vai e atende a porta.

CHARLOTE – Pois não?

Um oficial de justiça (50 anos, branco, alto, sério,

trajando terno e gravata) segura uma maleta.

OFICIAL – Será que podemos conversar? Eu sou o oficial

de justiça da primeira vara de Santos.

CHARLOTE – Bom, eu não me lembro de ter feito mal a

ninguém, mas entre, por favor.

O oficial entra.

CHARLOTE – Quer se sentar?

OFICIAL – Não, obrigado! Serei breve. Vim lhe trazer

uma intimação.

O oficial tira um papel e uma caneta da maleta e

entrega a Charlote.

CHARLOTE – Intimação? Mas de que? Eu não fiz nada.

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OFICIAL – Intimação de divórcio. O seu cônjuge, Márcio

Amorim, entrou com uma ação no Ministério Público,

pedindo a separação.

CHARLOTE – Deve estar havendo algum equívoco da parte

dos senhores.

Nesse instante Márcio aparece na sala, ainda de

pijamas.

MÁRCIO – Não há equívoco nenhum. Nosso casamento

acabou há muito tempo.

Charlote olha surpresa para Márcio.

(Fade on trilha “Firework” – Katy Perry).

CENA 18. CASA DE SELMA/ SALA/ INT./ DIA.

Uma sala simples, com poucos móveis, que em sua

maioria, estão velhos. Selma está limpando sua casa e

chorando, quando um rapaz (32 anos, alto, moreno,

cabelos pretos, malhado) vem do quarto para a sala e

se depara com Selma aos prantos.

RAPAZ – O que houve mãe?

SELMA – Não é nada, Samuel. É só tristeza, vai passar.

SAMUEL – Como nada, mãe? Desde ontem que a senhora não

para de chorar, desde que veio do shopping e...

(Samuel para, pensa) Já sei, foi alguma coisa no seu

serviço, não foi? Levou bronca?

SELMA – Pior, eu fui demitida.

SAMUEL – Como assim, mãe? Como assim demitida?

SELMA – Eles não querem uma velha analfabeta lá, meu

filho. Perdi meu lugar pra uma novinha metida a besta.

SAMUEL – Mãe isso não pode acontecer, não pode.

SELMA – Lei da oferta e da procura, meu filho. Nesse

mundo capitalista, pessoas mais novas, mais estudadas,

ganham.

Page 18: CAPÍTULO 01 - megapro

SAMUEL – Não fica assim. Daqui a pouco a gente reverte

essa situação.

SELMA – Deus te ouça.

Samuel abraça Selma, consolando-a.

Cena 19. APTO. CHARLOTE/ SALA/ INT./ DIA.

Continuação da cena 16. Charlote olha surpresa para

Márcio.

MÁRCIO – Há muito tempo que eu venho te dando dicas

que nosso casamento acabou.

CHARLOTE – Casamento não é jogo, em que você fica

dando dicas sobre o fim. Olha a situação em que você

me colocou.

OFICIAL – Por favor, dona Charlote, eu sou só um

oficial, assine aqui na folha.

CHARLOTE – Eu não concordo com esse circo, não vou

assinar. Acho que estamos passando por uma crise, como

qualquer casal, mas podemos sentar e chegar a algum

acordo.

MÁRCIO – Não tem acordo. Eu não quero mais.

OFICIAL – Dona Charlote, existe o divórcio direto

desde 2010. Mesmo que uma das partes não queira, o

divórcio é decretado. Ninguém é obrigado a ficar

casada contra a própria vontade.

CHARLOTE – Mas a descasar é? Porque é o que tá

parecendo isso aqui. Um complô pra me separar do meu

marido.

MÁRCIO – Facilita. Evita maiores atritos. Você mesma

sabe que o nosso casamento acabou.

CHARLOTE – Isso tudo aqui é uma falta de respeito aos

meus princípios, as minhas crenças. Pra mim o

casamento é indissolúvel.

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OFICIAL – Poupe o nosso tempo, dona Charlote. Assina

isso daqui e se livra de uma vez desse casamento

falido.

CHARLOTE – Eu não vou assinar. E o senhor, queira se

retirar. Eu tenho muito que conversar com meu marido.

OFICIAL – Eu tentei, mas é difícil realizar as coisas

amigavelmente com a senhora.

CHARLOTE – E tramar uma separação pelas minhas costas

é algo amistoso, senhor oficial?

O oficial sai do apartamento.

Márcio – Você poderia ter nos poupado deste

constrangimento público. O oficial de justiça não

precisava disso tudo.

CHARLOTE – Você, alguma vez, ao tramar esse divórcio

pelas minhas costas, pensou no tanto que eu sofreria?

Eu não sou nenhum sapato velho, que você descarta

quando não usa mais. Eu tenho sentimentos, sou humana.

Acha que não estou sofrendo?

MÁRCIO – Eu também estou sofrendo, não foi nada fácil

tomar essa decisão. Mas a gente precisa se libertar

disso... A gente precisa ser feliz. Talvez, lá na

frente, a gente analise que somos um para o outro, mas

nesse momento eu preciso respirar, preciso buscar a

minha inspiração, preciso ser eu... Sabe Charlote, eu

me anulei por você. A sua presença, o seu dinheiro, a

sua beleza... Nossa, tudo isso me sufocou demais.

CHARLOTE – Suas justificativas são incoerentes.

Beleza, dinheiro, tudo isso que é qualidade, você tá

colocando como defeito.

MÁRCIO – Eu não quero discutir o meu ponto de vista,

mas saiba que eu quero viver a minha vida. Se vou

conseguir ou não, já é assunto pra próxima parada. O

nosso casamento foi um erro.

CHARLOTE – E por que foi um erro? A gente se gostava

e...

Page 20: CAPÍTULO 01 - megapro

MÁRCIO – Éramos bonitinhos, novinhos, e nos

gostávamos, mas era só isso, o nosso repertório parou

aí. Faltou paixão, faltou amor, faltou cumplicidade. E

relacionamento implica em um ceder para o outro, e a

gente não teve isso.

CHARLOTE – Se o nosso casamento tivesse tido todos

esses defeitos que você pontuou aí, acha que ele teria

durado os quinze anos que durou? Olha pra gente, olha

pra você, tá sob o efeito de alguma biscate da rua e

não enxerga que o nosso casamento tem bases sólidas,

que não pode terminar assim.

MÁRCIO – Nosso casamento terminou há muito tempo, só

você não vê.

Márcio se encaminha em direção ao quarto.

CHARLOTE – Você vai onde?

MÁRCIO – Fazer minhas malas.

CHARLOTE – Se a minha companhia não te agrada, sai de

uma vez. Não perca tempo com malas, isso eu faço e

deixo na portaria e você busca depois.

MÁRCIO – Eu tenho umas roupas na casa de uns amigos.

Eu me viro até amanhã.

CHARLOTE – Amanhã à tarde as suas malas vão estar lá

na portaria. Agora some da minha casa.

Márcio sai e Charlote cai num choro profundo.

CENA 20. MANSÃO MATARAZZO/ SALA DE JANTAR/ INT./ DIA.

Cury, Constância, Rafaela, Heitor e Hélio (28 anos,

cabelos castanhos e na altura do ombro, barbudo,

branco, alto, trajando camiseta e bermuda), tomam café

sentados a mesa.

CURY – Constância, você já viu com a Ana Luísa sobre a

festa de trinta anos da AROMA?

CONSTÂNCIA – Mas é claro, hoje mesmo trataremos de

assuntos sobre a decoração.

Page 21: CAPÍTULO 01 - megapro

HÉLIO – Faz uma coisa mais thash, mãe. Essas festas

são sempre caretonas demais.

CONSTÂNCIA – Hélio, as festas não são caretas. É você,

meu filho, que não tem gosto refinado. Eu só lamento.

HEITOR – Pai, o senhor já viu quem será a nova garota-

propaganda da nossa marca?

CURY – Tô procurando no mercado publicitário, mas tá

difícil. Não acho uma modelo que seja carismática, que

já tenha uma identificação com o público.

CONSTÂNCIA – Gente talentosa é mais difícil do que

trânsito livre na Margina Tietê.

HELENA – Tem que ser uma mulher bonita, altiva, alto

astral, que passe para os clientes e patrocinadores,

confiança.

CONSTÂNCIA – Mas vejam só, é a chapeuzinho vermelho

dando dicas para o lobo mau.

HELENA – Mãe, por favor, não começa.

CONSTÂNCIA – Achei inusitado você falar de confiança,

de transpor confiança. Logo você...

HELENA – Logo eu, o que?

CONSTÂNCIA – Logo você que é uma corda bamba. É um

barranco em desmoronamento. Uma bomba-relógio que pode

explodir a qualquer momento.

RAFAELA – Mas do que vocês tão falando?

CONSTÂNCIA – De que agora a Helena tá bem. Mas todo

mundo aqui sabe que ela não controla os impulsos, que

bebe, faz vexame. Que bebe e perde a linha.

RAFAELA – Talvez ela precise de uma ajuda.

CONSTÂNCIA – Psicólogo ela fugiu. Analista ela deu uma

surra. Viajou o mundo, morou em Londres. Mas a cana, a

cachaça, foi mais forte que ela.

Page 22: CAPÍTULO 01 - megapro

HELENA – Como é que você me expõe assim, no meio de

todo mundo?

CONSTÂNCIA – Te exponho no meio da sua família, de

pessoas que querem te ajudar. Ao contrário de você,

que expõe o nome da nossa família pra sociedade, com

esses seus porres eméritos.

CURY – Chega Constância. Há muito tempo que a Helena

não faz mais isso.

CONSTÂNCIA – Eu no seu lugar, não estaria cantando

vitória não. Gente bêbada passa por essa fase, mas

daqui a pouco volta a beber e bebe o dobro, o triplo.

Agora se me dão licença, preciso ligar pra minha irmã.

Constância se levanta da mesa e sai.

HELENA – Ela é bruxa.

HEITOR – A mamãe tá magoada. Ontem vieram umas peruas

aqui e zombaram do vexame que você deu no restaurante.

CENA 21. PRAÇA DA SÉ/ EXT./ DIA.

Imagens da Praça da Sé, salientando a beleza da

catedral e tudo a sua volta. Maria Fernanda está

passeando pelo local, com uma felicidade ímpar. Ela se

senta em um banco, logo em seguida aparece uma mulher

(loira, alta, magra, 36 anos, cabelo curtinho,

trajando visual punk) e se senta ao seu lado. As duas

se abraçam, felizes.

MARIA FERNANDA – Ai amiga, desculpa te ligar e te

chamar pra me encontrar em cima da hora?

MULHER – Para de formalidade, somos amigas há tantos

anos. Não tem essa comigo.

MARIA FERNANDA – Ah Gaby, por isso que te amo, você é

a melhor amiga do mundo.

GABY – Eu também amo você, mas tô morrendo de

curiosidade pra saber quais as novidades que você tem.

MARIA FERNANDA – Tá bem. vou contar de uma vez.

Page 23: CAPÍTULO 01 - megapro

Maria Fernanda levanta sua mãe direita, mostrando o

belíssimo anel que está em seu dedo.

GABY (admirada) – Nossa, que lindo! Ai amiga, ficou

perfeito na sua mão, mas isso não é sinal de...

MARIA FERNANDA – Sim. Ele me pediu em casamento ontem.

Eu tô encantada, amei.

GABY – Quer dizer que a minha amiga, a PODEROSA, vai

se casar? Eu preciso comprar meu vestido.

MARIA FERNANDA – Um vestido lindíssimo, porque será a

minha madrinha.

GABY – Pra isso eu preciso emagrecer uns quilinhos.

MARIA FERNANDA – Onde? Me diz, onde Gaby? Você é

linda, magérrima. Tá perfeita.

GABY – Ah amiga, a gente sempre acha um pneuzinho

escondido. Por isso eu aboli almoço da minha vida.

MARIA FERNANDA – Mas você já não janta mais, vai viver

de que? De brisa?

GABY – Tomo shake, faço uma saladinha. Vou vivendo

assim.

MARIA FERNANDA – Vai morrendo assim né.

GABY – Eu moro em São Paulo, numa cidade cara. Pago

aluguel, patrocino uns poucos luxos pra mim, e ainda,

mando dinheiro pra minha família do interior. Eu vivo

do meu corpo, não dá pra descuidar. Daqui alguns anos,

quando eu me aposentar, aí eu volto a comer bobagem.

Maria Fernanda olha Gaby com reprovação.

CENA 22. CASA DE VIRGÍNIA/ QUARTO/ INT./ DIA.

Um quarto simplório, mas muito bem limpo e mobiliado.

Bento está deitado na cama, enquanto Virgínia penteia

os cabelos se olhando no espelho.

VIRGÍNIA – Chegou bem tarde ontem hein. Achei até que

esse jantar iria virar café da manhã.

Page 24: CAPÍTULO 01 - megapro

BENTO – Não é pra tanto né meu amor. Assuntos

profissionais demoram.

VIRGÍNIA – E deu certo? Conseguiu o emprego?

BENTO – Não é assim, de uma hora pra outra. A gente

vai analisar tudo. Não posso ir fechando contrato de

exclusividade sem ver vantagens.

VIRGÍNIA – Não entendo nada disso. Bom, o que eu sei é

que vou fazer faxina na casa da dona Maria Ondina, lá

no centro. Vou demorar, nem me espera pra jantar, tá

bem?

BENTO – Tá meu amor, vou sentir saudade.

VIRGÍNIA – Eu também meu bebê.

Virgínia se abaixa para dar um selinho em Bento e

deixa cair, sem perceber, seu aparelho celular.

VIRGÍNIA (saindo) – Fui!

Virgínia sai do quarto. Bento pega seu celular e disca

alguns números.

BENTO (ao cel.) – Alô, minha poderosa delícia? Tô

sozinho em casa, carente, você não quer vir me fazer

companhia (PAUSA) Tá bem, te espero. O endereço é...

CENA 23. APTO. CHARLOTE/ QUARTO/ INT./ DIA.

Charlote está fazendo um amontoado com as roupas de

Márcio em cima da cama. Uma empregada (24 anos, baixa,

gordinha, morena), está lhe ajudando.

CHARLOTE – Ele quer vida nova não é? Então vai ter que

comprar um enxoval novo.

Charlote derrama álcool sobre as roupas, em seguida

risca um fósforo e joga, fazendo uma labareda enorme.

CHARLOTE – Abre esse guarda-roupa, que eu quero tudo

que é dele no fogo. Vou queimar as roupas, a cama, o

sapato e as lembranças. Nada dele vai sobrar pra

contar história.

Page 25: CAPÍTULO 01 - megapro

EMPREGADA – A senhora tá sendo radical demais.

CHARLOTE – Você ainda não viu nada, meu bem. Essa é só

a ponta do iceberg. Uma mulher que se sente traída é

capaz disso e muito mais.

O fogo continua bem aceso, enquanto Charlote coloca

mais roupas na fogueira.

EMPREGADA – Coitadinho do seu Márcio, olha só, vai

ficar sem nada.

CHARLOTE – Eu não sou tão maldosa, deixei ele ir de

pijama. Tudo isso daqui foi patrocinado com o meu

dinheiro, nada mais justo que faça o que bem entender.

CENA 24. CASA DE VIRGÍNIA/ QUARTO/ INT./ DIA.

Maria Fernanda entra no quarto, acompanhada de Bento.

MARIA FERNANDA (admirada) – Sua casa é tão bem

cuidada, tão limpa, tão cheirosa.

BENTO – É a minha irmã que cuida pra mim. Mas eu

também ajudo, não desarrumo.

MARIA FERNANDA – Eu já te disse que você é perfeito?

BENTO – Não.

Maria Fernanda – Então eu digo: você é perfeito.

Bento e Maria Fernanda começam a se beijar.

CENA 25. RUA/ PONTO DE ÔNIBUS/ EXT./ DIA.

Virgínia está de pé no ponto de ônibus, aflita,

andando de um lado para o outro. Ela vê um rapaz

sentado, e resolve falar com ele.

VIRGÍNIA – Aqui, você sabe se o ônibus que vai pro

centro já passou? Tô aqui há mais de meia hora.

RAPAZ – Ih dona, já passou sim, tava vazio e passou

cedo. O próximo é daqui uns 40 minutos e ainda passa

na Casa Verde.

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VIRGÍNIA – Nossa assim vou chegar muito tarde ao meu

emprego. Preciso avisar a minha patroa.

Virgínia vasculha a bolsa a procura do celular, mas

não o encontra.

VIRGÍNIA – Esqueci meu celular em casa. Preciso dele.

Virgínia vai embora pra casa.

Cena 26. CARRO DE CURY/ EXT./ DIA.

Um carro importado preto percorre a Marginal

Pinheiros. No interior dele estão Cury (ao volante) e

um senhor (60 anos, cabelos e barba branca, trajando

terno e gravata) no banco do carona.

CURY – Ela é linda. Você não tem noção. Linda da

cabeça aos pés.

SENHOR – Para Cury. Isso é loucura, cara. Na sua

idade...

CURY – Na minha idade o que? Alberto, você acha que

porque sou mais velho, eu não posso atrair mulheres

mais jovens?

ALBERTO – Não é isso, mas você é casado com a

Constância, tem filhos. Em que situação você está

colocando-a?

CURY – Na situação de minha mulher, a única que eu

amo.

ALBERTO – Então por que você tá fazendo isso com ela?

Por que trair?

CURY – É um jogo de sedução. Com ela eu me sinto mais

rejuvenescido, mais garoto. É como se eu estive

explorando um território novo.

ALBERTO – Cuidado. Essa garota ainda pode te colocar

numa fria.

CURY – Eu sei o terreno que tô pisando.

CENA 27. CASA DE VIRGÍNIA/ PORTÃO/ EXT./ DIA.

Page 27: CAPÍTULO 01 - megapro

Virgínia chega apressada, abre o portão e entra.

CENA 28. CASA DE VIRGÍNIA/ QUARTO/ INT./ DIA.

Bento e Maria Fernanda estão se beijando, deitados na

cama e em trajes íntimos.

VIRGÍNIA (entrando) – Acho que eu esqueci meu celular

por... (Virgínia interrompe a fala e olha para os

dois, surpresa).

Bento olha assustado para Virgínia.

VIRGÍNIA – O que está acontecendo aqui?

Bento e Maria Fernanda se olham tensos. Virgínia

segura o choro. (Fade in trilha “O amor em paz” –

Ivete Sangalo).

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FIM DO CAPÍTULO 01.

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