194
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO Comunicação na disputa pela hegemonia contradições da imprensa sindical Gabriela Torres Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação do Prof. Luiz Anastácio Momesso Recife, maio de 2006

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CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

Comunicação na disputa pela hegemonia contradições da imprensa sindical

Gabriela Torres

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação do Prof. Luiz Anastácio Momesso

Recife, maio de 2006

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Gabriela Torres Barros

Comunicação na disputa pela hegemonia

contradições da imprensa sindical

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Comuni-cação da Universidade Federal de Pernambuco como um dos requisitos para obtenção de título de mestre, sob orienta-ção do Prof. Luiz Anas-tácio Momesso.

Recife, 2006

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Barros, Gabriela Torres

Comunicação na disputa pela hegemonia:contradições da imprensa sindical / GabrielaTorres Barros. – Recife : O Autor, 2006.

193 folhas: il., fig., quadros.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federalde Pernambuco. CAC. Comunicação, 2006.

Inclui bibliografia, apêndices e anexos.

1. Jornalismo. 2. Comunicação. 3. Movimentossociais. 4. Sindicalismo. 5. Imprensa e política. I.Título.

070 CDU (2.ed.) UFPE 070 CDD (22.ed.) CAC2006-

23

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À todos aqueles que teimam em sonhar, aos que morrem lutando, aos que se doam, aos loucos e poetas, aos que acreditam que a vida é boa demais para

desitirmos dela.

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Agradecimentos

Aos que trilharam o árduo e prazeiroso caminho acadêmico ao meu lado.

Aos que tiveram paciência e serenidade e que, com isso, ensinram-me.

À Daniela Torres por existir.

À Heloisa Quintão pela força.

À Luiz Momesso pela tranquila sabedoria.

À Ailson Druck por ter sido o melhor avô do mundo.

Aos sindicatos e amigos que tão gentilmente colaboraram com essa

pesquisa.

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Resumo

Este trabalho analisa a comunicação produzida pelo movimento sindical

como ferramenta na disputa por espaço social e por construção de projeto

social. Debruça-se sobre o discurso sindical com suas formas de

representação, estruturas argumentativas, processos dialógicos de

construção. Para isso, analisa matérias jornalísticas de dois diferentes

sindicatos, o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal em

Pernambuco (Sintrajuf) e o Sindicato Nacional dos Docentes das

Instituições de Ensino Superior (Andes), durante o início do ano de 2003

em meio à discussão e ao embate político sobre a mudança na estrutura

previdenciária pública brasileira.

Palavras-chaves: Comunicação social, imprensa sindical, movimento sociail

Abstract

This project analyzes the communication produced by the union

movement as a tool for disputing social space and social project

construction. It leans over the unions speech with its forms of

representation, argumenting structures and dialogical processes of

construction . For this purpose its analyzes news articles of two different

unions The Federal Judiciary Workers Union (Sintrajuf) and The National

Union of The Professors of Higher Education Institutions (Andes), at the

beginning of the year 2003 during the political discussion and political

battles about the changes in the structure of the Brazilian public

pevidenciary system.

Keywords: Social Communication, Union Press, Social Movement.

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“Agora, entre esses seres humanos mais livres, tem havido,

durante as últimas oitenta ou noventa gerações, uma relevante

concordância quanto ao ideal individual. Os escravizados têm

mantido erguido ainda, com admiração, tal modelo ideal de

homem, certamente. No entanto, em todas as épocas e em

todos os lugares, os que alcançaram a libertação se têm

expressado a uma só voz.”

(HUXLEY, O despertar do mundo novo, 1937:09)

Page 9: CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS …€¦ · Gabriela Torres Barros Comunicação na disputa pela hegemonia contradições da imprensa sindical Trabalho apresentado

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: COMUNICAÇÃO NO CENÁRIO DE DISPUTA SOCIAL

10

1. METODOLOGIA 14 1.1. Jornais sindicais X site governista 14 1.2. Descrição do corpus 19 1.2.1. Site Reforma da Previdência 19 1.2.2. Jornal InformAndes 20 1.2.3. Jornal Tem Novidade 21 2. COMUNICAÇÃO SINDICAL NO CONTEXTO 22 2.1. Conceituando imprensa sindical 22 2.2. História da imprensa sindical no Brasil 35 2.3. Imprensa sindical hoje 50 3. COMUNICAÇÃO SINDICAL NO TEXTO . 62 3.1. Disputa ideológica e comunicação sindical 62 3.2. Análise dos textos do site do Ministério da Previdência Social

64

3.2.1. Análise do artigo Previdência justa e sustentável 72 3.2.2. Estrutura argumentativa do discurso governista 77 3.3. Análise dos textos dos jornais sindicais 88 3.3.1. Representações sociais 88 3.3.2. Verbos introdutores de opinião 96 3.3.3. Formas de representação 101 3.3.4. Estrutura argumentativa do discurso sindical 117 3.3.5. Temas abordados pela imprensa sindical 125 3.3.6. Dialogismo na comunicação sindical 139 CONCLUSÃO: QUEBRANDO E REPRODUZINDO PADRÕES 142 BIBLIOGRAFIA 148 Livros 148 Publicações 152 Artigos 152 Trabalho Acadêmico 153 Jornais 153 Artigos em meios eletrônicos 154

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TABELAS Tabela 1 – Contrução de imagens no discurso governista

79

Tabela 2 – Imagens da Previdência Pública no momento presente e futuro

83

Tabela 3 – Para o Andes – SN Berzoini afirma que reforma não está definida

97

Tabela 4 – Governo não assume retirada do PLP 9/99

99

Tabela 5 – Imagem do governo no discurso sindical

113

Tabela 6 – Previdência do presente e do futuro no discurso sindical

120

Tabela 7 – Previdência projetada nos diferentes discursos

122

Tabela 8 – Desvios do sistema previdenciário (governo X sindicato)

125

Tabela 9 – Previdência projetada (governo X sindicato)

132

Tabela 10 – Imagem da Previdência no discurso sindical

135

APÊNDICE Entrevista 1 – Vito Giannotti

155

Entrevista 2 – André Pericione

159

Entrevista 3 – Hélcio Duarte

161

Entrevista 4 – Alexandre Lopes

162

Entrevista 5 – Guilherme Marques

164

Entrevista 6 – Kátia Ferreira

169

Entrevista 7 – Josevaldo Cunha

172

Entrevista 8 – Antônio Lins (Tato)

174

Entrevista 9 – Kátia Saraiva

179

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ANEXOS Anexo 1 – InformAndes, fevereiro 2003 Capa: Servidor público pode parar

183

Anexo 2 – InformAndes, março 2003, p.3 Matérias: Governo não assume retirar do PLP/99 Servidores públicos definem dia de luta contra o PLP 9/99

184

Anexo 3 - InformAndes, janeiro 2003, p.6 Matérias: Andes – SN Tem encontro com Cristovam Para Andes – SN, Berzoini afirma que reforma não está definida

185

Anexo 4 - InformAndes, fevereiro 2003, p.4 Matéria: Campanha Salarial 2003 está nas ruas – 46,95% já

186

Anexo 5 – Tem Novidade, março 2003 Capa: Reforma da Previdência Servidores públicos são privilegiados

187

Anexo 6 – Tem Novidade, março 2003 Matérias: A lenda do déficit da Previdência Fundos de Previdência servem ao mercado financeiro

188

Anexo 7 – Tem Novidade, março 2003, p.3 Matérias: Contribuição dos inativos precisa ser barrada Mobilização pelo arquivamento do PL 09/99 Os riscos do sistema de contribuição definida

189

Anexo 8 – Tem Novidade, fevereiro 2003 Capa: Reforma da Previdência ameaça direitos do servidor público

190

Anexo 9 – Site Reforma da Previdência Página principal do site

191

Anexo 10 – Site Reforma da Previdência Página da sessão opinião (artigos)

192

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INTRODUÇÃO: COMUNICAÇÃO NO CENÁRIO DE

DISPUTA SOCIAL

Penetrar no mundo sindical, com suas contradições, perspectivas e

dificuldades, por meio de sua linguagem, de suas produções textuais;

estender o olhar sobre sua dinâmica social e formas de expressão;

compreender como o movimento sindical utiliza a comunicação em meio à

dinâmica social são as principais motivações que impulsionam a pesquisa

Comunicação na disputa pela hegemonia: contradições da

imprensa sindical.

Por meio da análise de textos jornalísticos sindicais, pretende-se entender

a utilização da comunicação pelo sindicato como meio de expressão de

idéias, de versões de fatos e de disputa da hegemonia na sociedade.

Hegemonia é entendida, partindo-se do conceito gramsciano, como a

direção intelectual, moral, cultural e ideológica de uma classe ou grupo de

classe sobre outras classes ou sobre toda a sociedade. Essa direção ou

domínio pode se dar por coerção, força ou persuasão, legitimação e

consenso.

[...] podem-se fixar dois grandes ‘planos’ superestruturais: o que pode ser chamado de ‘sociedade civil’ (isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como ‘privados’) e o da ‘sociedade política ou Estado’, plano que corresponde, respectivamente, à função de ‘hegemonia’ que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de ‘domínio direto’ ou de comando, que se expressa no Estado e no governo ‘jurídico’ (GRAMSCI, 2004, v. 2, p. 20 - 21).

A comunicação desenvolve papel crucial nesse processo de disputa de

poder e de domínio de uma classe ou bloco social sobre as demais, uma

vez que é por intermédio dela que valores são revelados, ideologias

transmitidas, persuasões realizadas. O papel da comunicação se dá como

mecanismo de elaboração e difusão de cultura, de modelo de concepção

10

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de mundo, levando-se em conta que a hegemonia é disputada

principalmente na sociedade civil, nos âmbitos cultural e intelectual.

Teun van Dijk, na conferência “A comunicação na disputa pela

hegemonia” publicada pela Universidade del Vale, ressalta:

El poder moderno es el que se ejerce por medio del control mental, esta es la manera indirecta de controlar los actos de otros. El poder moderno consiste en influenciar a los otros por medio de la persuasión para lograr que hagan lo que quiere (1994, p. 11).

O texto da conferência ministrada por Van Dijk traz à tona essa visão da

comunicação como ferramenta empregada no alcance de espaço social e

poder por parte dos grupos sociais.

A fim de estudar essa dinâmica da comunicação como ferramenta de

disputa pela hegemonia, a pesquisa se centra no episódio da Reforma da

Previdência Social, durante o ano de 2003, o qual suscitou embates

ideológicos entre sujeitos sociais, principalmente sindical e governista.

Foram escolhidos jornais sindicais pertencentes a entidades cuja atuação

se destacou, ao longo do processo da Reforma da Previdência, com

mobilizações, publicações e ações com vistas a atingir ora segmentos

específicos, ora grupos sociais mais amplos ou toda a sociedade. Parte-se

da hipótese de que os impressos jornalísticos dessas entidades refletem o

embate de idéias e posições em torno da reforma do sistema

previdenciário.

A comunicação nesse cenário de disputa de convencimento configura-se

em ferramenta essencial para todos os sujeitos sociais envolvidos no

embate. A forma como o movimento sindical se apropria da comunicação

para se posicionar, colocar suas idéias e valores, contra-argumentar, e,

enfim, disputar um modelo de sociedade fortalecendo-se como sujeito é o

foco dessa pesquisa, que também procura verificar até que ponto essa

comunicação produzida pelo movimento sindical não reproduz valores

11

Page 14: CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS …€¦ · Gabriela Torres Barros Comunicação na disputa pela hegemonia contradições da imprensa sindical Trabalho apresentado

hegemônicos, ainda que tente combatê-los ou exercer postura crítica em

relação a eles.

[...] uma análise crítica das formas de comunicação das classes subalternas deve ter como objetivo verificar até que ponto essa comunicação se distancia do modelo de dominação das classes hegemônicas, no âmbito dos sindicatos, partidos, associações, etc; ou se realmente exercita novas formas de democratização da informação (FERREIRA, 1995, p. 17).

A partir de um olhar prolongado sobre a imprensa sindical e de reflexões

acerca de aspectos textuais e de como esses aspectos podem refletir um

âmbito maior no qual o sujeito se encontra imerso, interagindo com

outros sujeitos sociais, ganhou corpo, para desenvolvimento de pesquisa,

o questionamento de como o movimento sindical estaria se utilizando da

comunicação no processo de disputa social. A pesquisa pretende traçar

um perfil geral da comunicação sindical e aproximar-se de suas

problemáticas, compreendendo melhor a relação entre o sujeito e sua

forma de expressão e, ao mesmo tempo, a estratégia de comunicação

que esse sujeito constrói para se fazer presente socialmente1. Com base

nesse tema de pesquisa foram estabelecidas as seguintes hipóteses:

a) a comunicação produzida pelo sujeito, no caso o sindicato, reflete

aspectos desse sujeito, como valores, ideologia, posturas políticas

e sociais, embates, contradições;

b) o discurso do meio sindical reproduz, mesmo que não

intencionalmente, aspectos do discurso dominante ao qual visa

dirimir.

Foi escolhido, para efeito de estudo, o episódio da reforma da Previdência

Social que teve lugar durante o ano de 2003 ocupando fóruns de

1 O termo “sujeito social” é utilizado para expressar a concepção de sujeito, representado tanto individualmente quanto na figura de entidades representativas, órgãos sociais ou públicos (como sindicatos, governo, ministério, câmara legislativa, etc.), numa perspectiva de inserção na sociedade ou na esfera pública. O conceito de esfera pública é descrito por Jürgen Habermas em sua tese de doutorado “Mudança Estrutural na Esfera Pública” como espaço de discussão entre iguais. Há, portanto, uma suposição de que os sujeitos estejam em igualdade de condições para discutir e trocar idéias de interesse social.

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discussões, assembléias, pautas no Congresso, debates, mobilizações e

matérias nos meios de comunicação sindicais e da grande mídia. Jornais

sindicais, produzidos pelo segmento do movimento sindical auto-intitulado

classista2, filiado à Central Única dos Trabalhadores - CUT - na época da

pesquisa (ano de 2003) e de categorias pertencentes ao setor público,

foram escolhidos para análise de matérias jornalísticas sobre o assunto

reforma da Previdência.

A escolha desse perfil de sindicato (classista, predominantemente do

setor público e filiado à CUT) se deu por serem entidades que se

caracterizam como atuantes no cenário político-social, críticas ao sistema

hegemônico e buscadoras de uma comunicação que visa mobilizar a

categoria a lutar por seus direitos e disputar versões de fatos e

ideologias3 na sociedade.

2 Há várias correntes dentro dos sindicatos classistas, em linhas gerais, caracterizadas por privilegiar a organização nas bases, por serem legitimadas por suas categorias; por serem críticas a estrutura sindical onde atuam; por estimularem a participação dos trabalhadores; por defenderem a independência dos sindicatos frente ao Estado e aos empresários; por procurarem ampliar e melhorar sua intervenção na categoria; pela luta por melhores condições de vida para os trabalhadores. 3 Entende-se por ideologia um sistema de crenças ou práticas simbólicas, sendo que essas concepções e representações, mesmo simbólicas, traduzem relações de poder e dominação (VAN DIJK, 1994).

13

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1. METODOLOGIA

1.1. Jornais sindicais X site governista

Inicialmente foi previsto o estudo de três jornais sindicais. Além do Tem

Novidade, do Sindicado dos Servidores Públicos do Judiciário de

Pernambuco – Sintrajuf – PE, e do InformAndes, do Sindicato Nacional

dos Docentes do Ensino Superior - Andes – SN foi planejado o estudo do

Jornal Sindsprev, do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Rio de

Janeiro – Sindsprev. O Tem Novidade foi selecionado pelo papel de

destaque desenvolvido por seu Sindicato, o Sintrajuf – PE, ao longo de

2003 acerca do assunto da reforma da Previdência. Os trabalhadores do

judiciário de Pernambuco aderiram à greve, promovida como protesto

contra a reforma, participaram de manifestações e lideraram atos. A

diretoria e representantes do Sintrajuf estiveram presentes em frentes de

discussão entre entidades sindicais, com o objetivo de unir categorias

para fortalecimento do movimento em torno das reivindicações sobre a

reforma.

O jornal InformAndes foi escolhido também pelo papel de destaque do

Andes – SN em todo o território nacional. A maior parte das universidades

públicas filiadas ao Andes aderiu à greve, proposta pela entidade como

forma de pressionar o governo, realizou atos locais, regionais e nacionais,

promoveu discussões. O Sindicato Nacional participou de audiências e

reuniões com representantes do governo e foi um dos organizadores de

duas grandes passeatas realizadas em Brasília contra a reforma da

Previdência, a qual juntou entidades de todo o País e dos mais diversos

segmentos sociais. O papel desempenhado pelo Andes no episódio da

reforma influenciou entidades, política e ideologicamente, e fortaleceu o

movimento sindical e social.

Por sua vez, os servidores da saúde do Rio de Janeiro foram responsáveis

por boa parte da movimentação de resistência à reforma nesse Estado.

14

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Lideraram mobilizações e atividades conjuntas com outros sindicatos,

promoveram discussões e abriram canal de discussão com o governo

estadual e federal, tudo isso graças à atuação ativa do Sindsprev.

A intenção, ao se escolher os jornais dessas entidades, foi observar como

esses impressos se portam nesse período; como refletem, em seus

textos, comportamentos e posturas adotadas por suas entidades; como o

movimento sindical, que participou ativamente de um embate, constrói

seu discurso.

Com o decorrer dos estudos dos textos dos jornais, percebeu-se que o

discurso sindical sobre a reforma da Previdência contrapõe-se a um outro

discurso – o hegemônico – representado pelo discurso do governo. Para

melhor entender esse embate, mediado pela comunicação, resolveu-se

contrapor o discurso construído pelos sindicatos ao discurso governista.

O site Reforma da Previdência (www.previdenciasocial.gov.br/reforma),

construído pelo Ministério da Previdência Social e disponível na Internet

desde janeiro de 2003, foi escolhido como fonte representativa desse

discurso governamental. O site traz seções explicativas sobre a

Previdência e sua proposta de alteração, quadros comparativos entre a

Previdência atual4 e a futura, depoimentos de políticos e especialistas,

artigos assinados, que também foram veiculados em outros veículos

(sites, jornais ou revistas). A facilidade de acesso ao conteúdo desse

meio, a quantidade e a representatividade dos textos encontrados foram

determinantes na escolha dos textos do site para a pesquisa.

A pesquisa copiou todo o conteúdo disponível do site da Reforma da

Previdência, no dia 10 de outubro de 2005, e organizou os textos de

acordo com a divisão no site por seções. Foram analisados os textos de

4 Como “Previdência atual” entende-se a Previdência em 2003 antes de ser modificada, ou seja, a Previdência atual para os textos analisados de janeiro a março de 2003. A futura Previdência consiste na Previdência pós-reforma.

15

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abertura das seções e dos artigos produzidos pelo ministro da Previdência

Social, Ricardo Berzoini e por demais integrantes do governo e do

Partidos dos Trabalhadores que foram também publicados em outros

meios de comunicação na época da discussão da reforma. Textos técnicos

não foram analisados por não ser de interesse da pesquisa se ater a

dados (veracidade ou procedência dos mesmos), nem a especificidades

da Previdência Pública e da proposta de reforma. A pesquisa se detém

diante da colocação de argumentos e versões de fatos, da construção de

raciocínios e representação de sujeitos sociais.

Os textos do site escolhidos para análise da pesquisa pertencem às

seções: A Reforma, O que muda, Perguntas Freqüentes e Opinião.

Embora o conteúdo da seção Opinião conste de artigos assinados pelo

ministro da Previdência, por membros do Legislativo e por especialistas e

depoimentos de personalidades e especialistas sobre a Previdência e sua

reforma, foram selecionados, para efeito de estudo, apenas os artigos de

autoria do, à época, ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini, e do

presidente do Partido Nacional dos Trabalhadores, José Genoíno. A

preferência por esses autores se dá por serem eles membro do Poder

Executivo, no caso de Ricardo Berzoini, o chefe do Ministério responsável

pela Previdência Social, e representante do Partido que se encontra no

Poder, compondo a base do governo.

Com o acréscimo dos textos da reforma da Previdência, houve aumento

considerável do material a ser analisado pela pesquisa. Como os jornais

sindicais são praticamente mensais ao longo de 2003 (há alguns meses

sem publicação), os três sindicatos juntos somavam cerca de 36 jornais,

com os textos do site, totalizaram um universo muito grande de texto a

ser analisado. A necessidade de nova definição para viabilizar a pesquisa

implicou a restrição dos meses das publicações analisadas, que passaram

a ser janeiro, fevereiro e março, início do embate entre o movimento

sindical e o governo, e o Jornal Sindsprev foi ejetado da pesquisa. A

16

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desistência de se trabalhar com o jornal do Sindsprev se deveu à

priorização de jornais com o perfil do InformAndes e do Tem

Novidade, de abrangência nacional local, do Estado de Pernambuco

respectivamente. Com isso, o material analisado reduziu-se para seis

jornais sindicais (com matérias, artigo e editorial sobre a reforma) e cinco

artigos e textos do site.

Ao longo do processo de coleta do material de pesquisa (documentos

sobre as entidades, suas histórias e principais ações, materiais impressos

produzidos como informes, panfletos, jornais, etc.) e do estabelecimento

de contato com as entidades sindicais, foram realizadas entrevistas com

dirigentes, jornalistas e estudiosos que trabalham com o movimento ou

com comunicação sindical5. A coleta de material ajudou a compreensão

da relação do sindicato com sua produção midiática, embora as análises

tenham se restringido às matérias dos jornais relativas à reforma

previdenciária.

As entrevistas deram suporte a informações sobre as entidades, ajudando

a aprofundar discussões, esclarecer pontos específicos e levantar

informações sobre as instituições, seus jornais e o processo de

comunicação. Trechos de entrevistas, inclusive com jornalistas ligados ao

Sindsprev, são utilizados na pesquisa com o intuito de ampliar a visão

sobre o papel da comunicação no sindicato, numa tentativa de enriquecer

o conceito de comunicação sindical a partir do ponto de vista de quem

trabalha com ela.

Foram entrevistados: jornalistas do Sindsprev RJ: André Pericione, Hélcio

Duarte, a dirigente Kátia Ferreira; o dirigente do Sindicato dos Bancários

do Rio de Janeiro, Alexandre Lopes; membros do Núcleo Piratininga de

Comunicação (RJ), que realizam estudos e trabalhos na área sindical: Vito

5 As entrevistas transcritas podem ser lidas na íntegra ao final da dissertação (páginas 155 a 182).

17

Page 20: CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS …€¦ · Gabriela Torres Barros Comunicação na disputa pela hegemonia contradições da imprensa sindical Trabalho apresentado

Giannotti, Guilherme Marques, no mês de novembro de 2004, na cidade

do Rio de Janeiro. Do Andes – SN foram entrevistados: Antônio Lins de

Andrade, o Tato, na época, da direção nacional, em fevereiro de 2005;

Esmeraldo Fernando da Cunha, da direção nacional e da direção da Seção

Sindical do Andes –SN, na Paraíba (ADUFPB), em agosto de 2005. Do

Sintrajuf, foram entrevistadas a dirigente sindical Kátia Albuquerque e a

jornalista Renata do Amaral, em maio de 2005.

Mesmo o Jornal do Sindsprev não mais fazendo parte do corpus da

pesquisa, depoimentos de seus dirigentes e jornalistas são utilizados

como ponto de reflexão a respeito da relação do sindicato, de maneira

geral, com seu produzir comunicativo.

Para efeito final de estudo, foram definidos como corpus de análise da

pesquisa matérias jornalísticas sobre a reforma da Previdência dos dois

jornais (geralmente factuais), o editorial do InformAndes e os artigos de

opinião do Tem Novidade; do site da Reforma da Previdência foram

escolhidos textos das seções e artigos de opinião de representantes do

governo ou do Partidos dos Trabalhadores, datados de janeiro a meados

de maio de 2003 (com exceção de um artigo do ministro da Previdência

de 1 de maio).

Para análise dos textos selecionados, foram utilizados autores como

Bahktin (1981), Dominique Maingueneau (1993 e 2002), Antônio

Marcuschi (1991), Helena Brandão (19997), Diana Luz Pessoa de Barros

(2001) como suporte. Na linha da análise crítica do discurso são usados

Norman Fairclough (2001) e Teuns Van Dijk (1996).

A fim de levantar um breve histórico do movimento sindical no Brasil e de

sua imprensa foram utilizados autores como Nazareth Ferreira (1995),

Luiz Momesso (1997), Vito Giannotti (2002), Jácome Rodrigues (1997),

André Scharlau Vieira (1996), Boito Júnior (1991), Janine Ribeiro (2000).

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Page 21: CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS …€¦ · Gabriela Torres Barros Comunicação na disputa pela hegemonia contradições da imprensa sindical Trabalho apresentado

Obras de autores como Antônio Gramsci (2004), Hannah Arendt (2003),

Jürgen Habermas (1984), John Thompson (1995) ajudaram a esclarecer e

amadurecer a visão sobre o papel dessas entidades e de sua produção

midiática na sociedade, assim como a importância da comunicação nesse

cenário social maior de interação entre diferentes sujeitos e interesses.

1.2 Descrição do corpus

1.2.1. Site Reforma da Previdência

(www.previdenciasocial.gov.br/reforma)

O site da Reforma da Previdência (ver anexo 9, p. 163), de

responsabilidade do Ministério da Previdência Social, vai ao ar no início do

ano de 2003, permanecendo até os dias de hoje. Cumpre o perfil

institucional com lay out limpo, navegação simples e informações

objetivas sobre a Previdência Social e a proposta de reforma em questão.

Seus textos, voltados para o público em geral, procuram não entrar em

detalhes a respeito da reforma, esclarecendo dúvidas básicas e

oferecendo informações gerais sobre o processo da reforma, o conteúdo

da mesma e a situação atual da Previdência Social (no ano de 2003).

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Page 22: CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS …€¦ · Gabriela Torres Barros Comunicação na disputa pela hegemonia contradições da imprensa sindical Trabalho apresentado

Sua página principal abre com as últimas notícias (datadas de dezembro

de 2003), do lado esquerdo do site, há menu lateral com as seções: “PEC

– Proposta de Emenda Constitucional”, “Conheça a verdade sobre a

reforma da Previdência”, “Cartilha ‘Mudar a Previdência: uma questão de

justiça’”, “Dê sua sugestão para a reforma”, “Fale Conosco” e “Mapa do

site”. No menu superior, localizam-se as seções: “A Reforma”, “O que

muda”, “Perguntas Freqüentes e Opinião”. Do lado direito da página

inicial, embaixo da foto de um agricultor, encontra-se um box de

questionário com a chamada “Confira os resultados das enquetes feitas

entre 20 de julho e 24 de setembro de 2003”.

Há, em seções como A Previdência atual e O que muda, intenso uso de

números e dados, utilizados em textos argumentativos ou como fonte de

informação para o leitor (especialmente em quadros comparativos entre o

sistema de previdência público e o privado ou entre o sistema atual, em

2003, e o futuro - depois da reforma).

1.2.2. Jornal InformAndes

De perfil aguerrido e crítico, a publicação mensal InformAndes (ver

anexo), do Andes, é distribuída aos sindicalizados ativos e aposentados

pelas mais de 50 Associações Docentes – que representam o Sindicato

Nacional nas suas várias seções sindicais localizadas próximas às

universidades. De lá, cada AD se encarrega de distribuir o

InformAndes, levando-o aos sindicalizados, geralmente junto com

informe ou jornal produzidos localmente.

O impresso foca as defesas, principalmente das áreas social e

educacional, sem deixar de lado questões mais amplas da classe

trabalhadora e da sociedade. Em 2003, fizeram parte da pauta do jornal,

além de questões específicas da categoria docente, como a Campanha

20

Page 23: CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS …€¦ · Gabriela Torres Barros Comunicação na disputa pela hegemonia contradições da imprensa sindical Trabalho apresentado

Salarial, temas de cunho mais amplo como reformas Universitária,

Sindical e Previdenciária, questão da Alca e campanhas contra a violência

e de cunho ecológico.

As matérias do Informandes se utilizam de palavras de ordem, charges

de humor e frequentemente são postas no jornal junto com outras

matérias sobre o mesmo assunto – matérias vinculadas. Possui seções

interativas como cartas e artigos de opinião, além do editorial,

geralmente assinado por alguém do movimento docente (da mesma linha

política do jornal).

Suas cerca de oito páginas trazem as seções fixas: Editorial, Carta do

Leitor, Momento Atual (matéria sobre fato político ou breve análise de

conjuntura), Artigo (geralmente de professor universitário), Internacional

(matérias com notícias do exterior colocadas sob um prisma diferente do

tratado pela grande mídia).

1.2.3. Jornal Tem Novidade

Os 2.500 exemplares mensais do Sintrajuf, o Tem Novidade (ver

anexo), são distribuídos por funcionários a todos os postos dos servidores

públicos do judiciário do Estado de Pernambuco; são também enviados,

por correio, a outras entidades representativas e sindicatos. O jornal, de

oito páginas, debruça-se sobre o tema de reforma da Previdência com

bastante ênfase ao longo de 2003. Seu Sindicato desempenha papel de

destaque no Estado de Pernambuco durante o episódio da reforma em

termos de mobilizações, reivindicações e ações na mídia e na rua.

O Tem Novidade possui oito folhas de tamanho ofício, capa e contracapa

coloridas e miolo bicolor (preto e mangenta). Seu cujo lay out é leve e

limpo. Esporadicamente usa charges com críticas humoradas e desenhos

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explicativos ao lado de matérias e bastante uso de quadros elucidativos

para destacar informações ou destrinchar acontecimentos. As matérias se

assemelham ao estilo da grande imprensa, com tendência à

imparcialidade e a um tom mais objetivo, praticamente não usa frases de

efeito. Costuma trazer balancete financeiro do Sindicato, calendário de

atividades mensais e seções específicas da categoria como: Curtas e

Justas (notícias sobre o sindicato e o judiciário em Pernambuco),

Andamento de Processos Judiciais, Troca-troca (notinhas de contato para

servidores que desejam mudar de local de trabalho).

Possui matérias que abordam temas políticos de interesse mais

abrangente e temas mais próximos aos servidores do judiciário de

Pernambuco. Procura não ser enfático em suas matérias, antes disso,

tenta fustigar a dúvida e o questionamento no leitor, mas não perde o

tom crítico especialmente diante de assuntos como a campanha salarial e

a reforma da previdência, os quais o Sintrajuf trabalha bastante durante

todo o ano de 2003. A linha editorial também é mais leve e faz pouco uso

de artigos de opinião, menos de um por edição.

É produzido na sede do Sindicato, rodado em gráfica terceirizada e

distribuído por todo estado por meio de veículo que leva os exemplares

até as cidades mais distantes – Petrolina, por exemplo.

Apesar de ser apontado como ferramenta de mobilização pela jornalista

responsável, o Tem Novidade não traz muitas chamadas, nem matérias

sobre as assembléias, reuniões ou outros eventos da categoria. Na prática

a mobilização parece ser feita por boletins semanais enviados via e-mail e

fax e pelo boca a boca dos militantes.

2. COMUNICAÇÃO SINDICAL NO CONTEXTO

22

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2.1. Conceituando imprensa sindical

A imprensa sindical representa a voz de um setor organizado da classe

trabalhadora que fala para esse mesmo setor ou para esferas mais

amplas dos trabalhadores. Trata-se da produção de textos e imagens

impressos criada pelos trabalhadores (emissor) para os trabalhadores

(receptor) com temas de interesse dos trabalhadores (mensagem).

Definir a imprensa sindical como comunicação produzida para e pelos

trabalhadores, contudo, não é suficiente para estabelecer os limites de

suas especificidades, uma vez que as imprensas operária e partidária

também são dirigidas ao proletariado.

A comunicação operária, mais ampla que a sindical e partidária, abrange

a produção comunicativa das classes subalternas, definida por Maria

Nazareth Ferreira como imprensa de partidos políticos, associações

culturais, sociedades de bairro, comunitárias. Ferreira (1988, p.06) define

a imprensa operária como “sempre ligada a alguma forma de organização

da classe trabalhadora, seja partido, sindicato ou qualquer outra espécie

de agremiação, circulando de maneira diferente da imprensa burguesa,

ou grande imprensa”. A imprensa partidária é produzida e mantida por

organizações políticas, sendo considerada um braço importante da

imprensa proletária.

O segundo braço da imprensa operária, também pertencente ao núcleo

central da imprensa de classe, é constituído justamente da imprensa

sindical, produzida e mantida pelos sindicatos. Luiz Momesso destaca o

papel da comunicação sindical na interação entre as pessoas, uma vez

que sua criação e sustentação são frutos de um processo de construção

coletiva, de troca de idéias, pensamentos, preocupações. Construção essa

que não seria possível sem a comunicação, seja ela interna e organizativa

ou externa, jornalística, panfletária, mobilizadora.

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A comunicação sindical é entendida aqui como a inter-relação dos indivíduos entre si enquanto integrantes das entidades sindicais; a inter-relação dos indivíduos com as instâncias organizadas das suas entidades e vice-versa, a inter-relação das entidades sindicais entre si, da instituição sindical com outras instituições e com a sociedade. É a comunicação entendida como processo, incluindo os recursos mediáticos existentes (MOMESSO, 1997, p.41).

Outra especificidade da imprensa sindical é sua forma de circulação,

bastante diferente da imprensa burguesa. Os jornais sindicais são

distribuídos gratuitamente, para membros da categoria e para outros

setores sociais, por funcionários, diretores ou militantes do sindicato. A

tática de distribuição do jornal não só interfere na forma como este é

digerido pelos leitores, como também reflete aspectos do perfil de

atuação do sindicato. Tradicionalmente o jornal e outros impressos

sindicais são entregues por militantes ou diretores diretamente nas mãos

dos leitores em potencial (MOMESSO, 1997, p.169). A entrega desse

material funciona, então, como ferramenta de abordagem e aproximação

da militância com os sindicalizados, reforçando o trabalho de interação e

de mobilização da categoria. Ao entregar o jornal ao colega, determinada

notícia é comentada, fatos são ressaltados, reflexões incitadas e as

chamadas para atos ou reuniões ganham mais proximidade com o leitor.

Com a expansão das entidades sindicais e conseqüente profissionalização

da comunicação dos sindicatos, a partir do início da década de 80

(MOMESSO, 1997, p.171), boa parte das entidades passa a adotar uma

distribuição feita por seus funcionários. O uso do sistema de correio

também aumenta, principalmente para envio a aposentados e segmentos

mais distantes dos pontos de distribuição6. Se, por um lado, a entrega

ganha em agilidade e praticidade, por outro, há diminuição do contato

6 O Informandes, por exemplo, é enviado por correio para as seções sindicais e estas ficam encarregas de re-distribuir os jornais aos associados. Os professores que estão em local de trabalho geralmente recebem os jornais pelos seus departamentos ou depositados nos escaninhos pelos funcionários, já os aposentados os recebem por correspondência. O Tem Novidade é enviado aos postos de trabalho dos servidores do Judiciário de carro e de lá colocado à disposição para os interessados. Aposentados e sindicalizados fora dos locais de trabalho recebem por correio. Ambos os jornais também são enviados por correio para outras entidades e segmentos sociais.

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direto entre sindicalistas e sindicalizados e distanciamento entre a

categoria de base e sua entidade.

A desmobilização e a diluição da atuação da militância, também a partir

da segunda metade de década de 80, são outros fatores nesse processo

de afastamento (GIANOTTI; SANTIAGO, 1998, p.96). A forma de

distribuição dos veículos de comunicação ainda hoje é alvo de críticas e

polêmica dentro do movimento sindical. Contudo, em momentos de

greves ou mobilizações, dirigentes e militantes tendem a recorrer à

entrega tête-à-tête como forma de se aproximar das pessoas e melhor

influenciá-las a participar.

A dinâmica de distribuição também tem conexão com a forma de

produção, uma vez que os textos são resultados do conjunto de

discussões e preocupações produzidas pela coletividade e destinadas à

coletividade: “O jornal é um instrumento de informação, conscientização

e mobilização; o receptor não é um elemento passivo, mas alguém que

tem interesses comuns e participa da mesma forma de organização”

(FERREIRA, 1988, p.06). A pouca receptividade em relação ao informe

sindical pode refletir dificuldade de identificação do leitor com as

problemáticas abordadas, sendo indício do início de uma comunicação

distante dos interesses e necessidades da categoria.

À comunicação também cabe informar, relatar fatos, fornecer dados, ao

mesmo tempo em que materializa formas de representação, valores e

ideologias7, e constrói a imagem da instituição e do movimento sindical

diante da sociedade. Nesse sentido, a comunicação produzida, fruto do

ideário de uma coletividade, também possui o intuito de formar opinião,

sensibilizar a sociedade e disputar versões dos acontecimentos com a

grande imprensa e com outros sujeitos sociais. Daí o forte caráter

7 Ideologia no sentido de conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos (Bobbio, 1995, p.585).

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argumentativo de textos, pelo intuito de despertar na categoria e na

sociedade questionamentos e debates.

Promover manutenção de direitos antigos e aquisição de novos,

conscientizar a classe trabalhadora e sociedade para a luta de classe,

motivá-las a agir coletivamente com base em ideologia e valores são

também objetivos da imprensa sindical. Nesse caso, a comunicação ajuda

a organizar e mobilizar a categoria, chamando para assembléias e atos

públicos, instigando debates, propondo questões.

Ao desenvolver essas funções, a imprensa sindical expressa a visão de

um segmento social, coloca vozes de sujeitos que dificilmente encontram

espaço nos meios da grande imprensa e que se utilizam de canais

específicos, contribuindo, assim, para a pluralização de vozes no País. Ao

retratar esses sujeitos e expressar-lhe voz, a imprensa sindical contribui

para a construção de sua auto-imagem, fortalecimento da auto-estima e

desenvolvimento da cidadania. A comunicação sindical pode ser vista

como mecanismo de atuação, manutenção e aquisição de espaço social

pelo sujeito social sindicato. O sindicato se utiliza da comunicação para

se firmar como sujeito social, fazendo-se presente nas discussões de

idéias, proposições de acontecimentos e disputando espaço com outros

grupos sociais por meio do debate de idéias e contestação de versões.

Vladimir Llich Lênin, em “La información de clase”, debruça-se sobre o

tema da comunicação e de sua importância para o movimento organizado

dos trabalhadores:

El papel del periódico no se limita, sin embargo, a difundir ideas, a educar políticamente y a ganar aliados políticos. El periódico es no sólo un propagandista y un agitador colectivo, sino también un organizador colectivo. [...] Con ayuda del periódico y en relación con él, se irá formando por sí misma la organización permanente, que se ocupe no sólo del trabajo local, sino del trabajo general y regular, que se acostumbre a sus miembros a seguir atentamente los acontecimientos políticos, a valorar su significación y su influencia sobre los diversos sectores de la población, a elaborar los métodos

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adecuados que permitan al partido revolucionario influir sobre esos acontecimientos (LENIN, 1973, p.44).

O sindicato escreve para se constituir como forma de centrar e expressar

os ideários de seus membros; para se comunicar com grupos sociais, seja

para informar, convencer ou mobilizar. O sindicato escreve para existir

socialmente. Sua imprensa está tão relacionada a esse campo do agir

social, possui tarefa tão importante no funcionamento das atividades e

nas dinâmicas sindicais que é considerada “o coração” do sindicato.

A existência da instituição sindical por si só já implica num processo de comunicação. Não se constrói uma entidade sindical sem esse processo. Ele tem características bastante específicas. Origina-se do próprio relacionamento dos trabalhadores em seus locais de trabalho – fábricas, escritórios, bancos, hospitais, repartições públicas – onde desenvolvem a forma mais simples e primária de ação coletiva (MOMESSO, 1995, p.76).

Essa proximidade da comunicação sindical com o ambiente de trabalho

explica o seu desenvolvimento e sua forma de atuação paralelamente à

história do próprio sindicato. A imprensa sindical é também responsável

por registrar e difundir a história do sindicato, dos movimentos sociais

trabalhistas e das classes trabalhadoras que nem sempre têm suas

histórias ou suas versões de fatos contadas ou documentadas pela grande

mídia e por órgãos hegemônicos. Uma vez que o movimento sindical

tanto influencia quanto é influenciado pelo contexto social no qual está

imerso, atuando primordialmente na esfera pública, a divulgação dos

fatos, a história contada sob seu ponto de vista são fundamentais para

ampliação de suas ações e para sua penetração no tecido social.

As esferas públicas de discussão, segundo a socióloga e escritora Hanna

Arendt (2003), constituem um espaço onde atores sociais ouvem, têm

espaço para falar e são ouvidos. No Brasil a opinião pública, composta por

imprensa, formadores de opinião, entidades sociais, personalidades e

autoridades de visibilidade, configura-se numa esfera de participação de

sujeitos sociais com influência nas esferas de decisões do País, sejam elas

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econômicas, política ou jurídicas. Os sujeitos sociais existem

politicamente quando atuam na esfera pública – ouvindo, falando,

contribuindo em projetos sociais, opinando em decisões coletivas, etc.

Arendt (2003, p.50), em “A condição humana”, aponta a esfera social

como responsável pelo aniquilamento da esfera pública, que engloba

tanto a esfera pública quanto a privada, esmagando-as. A super

desenvolvida esfera social é caracterizada como a sociedade de massa

onde as pessoas estão tão conformadas (leia-se alienadas) que

participam pouco de discussões ou atividades coletivas. “O fenômeno do

conformismo é característico do último estágio dessa evolução moderna”,

sentencia a autora.

Com efeito, Janine Ribeiro reforça essa leitura da alienação dos sujeitos,

que, por estarem alheios ao entorno e a si mesmos como sujeitos sociais,

deixam de atuar socialmente. Conseqüentemente esse processo contribui

para a marcha de fragmentação por que passa a sociedade brasileira:

É óbvio que o país não está dividido em duas realidades, como os "dois Brasis" de que se falou em décadas passadas. O problema é esse discurso que de tão difundido se tornou dogma de fé, segundo o qual nossa economia está cindida de nossa vida social - como se uma não implicasse a outra. O grave está nessa exclusão a que são submetidos a vida social, o cotidiano, a teia das relações que se nutrem entre os homens - um tecido rico e fascinante, mas agora conotado pela imagem de coisa menor, atribuída por aqueles que se proclamam sérios, que se dizem a sociedade (RIBEIRO, 2000, p.24).

O espaço do movimento sindical no conjunto da sociedade também não

tem apresentado crescimento significativo. Pelo contrário, o movimento

tem perdido influencia social e política, mostrando-se fragilizado nos

últimos anos. Mesmo com todo esse arsenal composto por redações,

jornalistas, designers, fotógrafos e a produção de um número

considerável de publicações e outros meios de comunicação, o movimento

sindical não tem explorado esse potencial de forma eficiente. Suas idéias

e versões de acontecimentos não circulam na opinião pública com a

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amplitude e a influência que as de meios da grande mídia, mesmo os

sindicatos possuindo, algumas vezes, uma estrutura melhor e um corpo

maior de profissionais de que alguns jornais, rádios ou sucursais.

A imprensa sindical possui, hoje, uma estrutura de comunicação social

bastante consolidada, como estabelecido está o movimento sindical no

País. Segundo Vito Gianotti e Claudia Santiago (1998, p.30), a redação

jornalística da CUT é a segunda maior do País, ficando atrás apenas da

estrutura comunicacional das Organizações Roberto Marinho. São mais de

600 jornalistas só nas CUTs estaduais e nas federações nacionais. Mais

de 300 profissionais encontram-se nos departamentos de comunicação

dos sindicatos filiados à CUT. Dados da CUT Nacional de 1994 mostram

que os seus sindicatos filiados publicavam juntos sete milhões de jornais

ou boletins por semana (GIANOTTI; SANTIAGO, 1998, p.31).

Para Vito Giannotti e Claúdia Santiago (1998, p.30), contudo, os 600

jornalistas da Central Única dos Trabalhadores e os 300 profissionais da

área de comunicação de demais sindicatos filiados não se organizam de

forma a montar uma rede conjunta e eficiente de informação. Dispersos,

as redações e os jornais têm seu poder de disputa ideológica na

sociedade diminuído.

Outro fator de perda dessa influencia, apontado por pesquisadores como

Nazareth Ferreira (1995, p.29), é o processo de distanciamento de

discussões gerais dos trabalhadores e de questionamentos ideológicos em

conseqüência de um aumento de foco na especificidade da categoria

refletido nos impressos sindicais. Ao optar pelo enfoque em temas

específicos da categoria, o jornal sindical, como meio de informação e

como formador de opinião, distancia-se dos interesses da sociedade.

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Luiz Momesso (1997) cita questões econômicas e políticas de fundo como

principais responsáveis por essa dificuldade de penetração da

comunicação sindical no tecido social.

A atual situação de recessão do movimento sindical pode ser atribuída, em parte à situação de crise econômica nacional, à falta de perspectiva da luta dos trabalhadores no quadro da política geral com a derrocada das experiências de construção do socialismo real, agravada pelo avanço do neoliberalismo cujas marcas se encontram em todas as esferas sociais. O movimento sindical ficou na defensiva, inclusive presenciando o crescimento em seu próprio seio de organizações orientadas pela ideologia neoliberal e manifestações de penetração do neoliberalismo até mesmo nas fileiras do sindicalismo cutista (MOMESSO, 1997, p.17).

O isolamento político que o sindicalismo vem sofrendo repercute na

imprensa sindical, embora sua estrutura tenha crescido e os números de

profissionais envolvidos e de edições publicadas tenham aumentado nos

últimos anos. Guilherme Marques8, em entrevista para a pesquisa,

ressalta o mau aproveitamento da potencialidade comunicativa do

movimento sindical.

O que mais chama atenção é como o movimento sindical produz mais jornal do que qualquer tiragem da Folha ou do Globo se somarmos todos os jornais do movimento, mas não consegue produzir, nem regionalmente, um jornal de massa. Os sindicatos do Rio poderiam se unir para produzir um único jornal e atingir a massa. O movimento também não abraçou jornais alternativos como o Brasil de Fato e outras revistas. Impressiona como, com toda a estrutura que existe hoje nos sindicatos – jornalistas, diretores de comunicação, fotógrafos, não se consegue fazer um jornal para disputar a hegemonia na sociedade.

(MARQUES, dez, 2004, entrevista 05)

Esse divisionismo e essa falta de articulação na comunicação do

movimento sindical podem refletir uma segmentação do próprio

sindicalismo e uma dificuldade deste em se re-significar para se fazer

presente na sociedade atual. Para melhor compreender os impressos

sindicais de hoje, é necessário entender o sujeito que o produz - os

8 Guilherme Marques a época da entrevista (dezembro de 2004) era mestrando em História no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (RJ), sua dissertação versa sobre a relação de sindicatos com planejamento urbano.

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sindicatos. Ao mesmo tempo em que, em se analisando esses impressos,

é possível traçar características de seus sujeitos, captar seus valores

objetivos e subjetivos, enxergar contradições.

A fim de enriquecer os conceitos e as idéias colocados sobre a imprensa

sindical seguem, extraídas das entrevistas realizadas pela pesquisadora,

falas de jornalistas e escritores, que atuam na área sindical, a respeito da

imprensa sindical e sua função. Cada fala é seguida de comentário com

vistas a destrinchar questões relevantes como a imprensa sindical

enquanto espaço de fala de grupos organizados, como mecanismo de

fortalecimento de instâncias democráticas ou como ferramenta para

defesa e conquista de direitos, de disputa de classe. Também são

apontados aspectos específicos, como o papel da imprensa sindical na

qualidade de fonte de informação, a especificidade ou amplitude do

público da imprensa sindical e implicações na escolha desse público.

A principal função do jornal sindical é dar uma consciência de classe, um sentido de unidade. É um instrumento fundamental de formação política e histórica e fonte de informação. É um jornal de serviços no sentido da divulgação de informações que contribuem de alguma forma para a melhoria da vida no sentido social e econômico. É também um instrumento de mobilização - pode ser usada para isso sem ser panfletária.

(PERICIONE, dez, 2004, entrev. 02)

A fala do jornalista André Pericione, do Sindsprev/RJ - Sindicato dos

Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência Social no Estado do Rio

de Janeiro, coloca em primeiro plano o aspecto conscientizador da

comunicação com sentido de disputa da classe e, em segundo, o de

formação histórica e política dos trabalhadores. Seu raciocínio parte do

princípio de que para haver conscientização de classe deve ocorrer uma

formação histórica e política e a comunicação é instrumento em ambas

ações (conscientizar e formar). A imprensa sindical é posta por Pericione

como ferramenta não apenas para o público específico que a usa para,

dentre outros objetivos, formar-se, mas também como fonte de

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informação e notícias para a grande imprensa, beneficiando um público

mais externo e amplo.

Por último, o jornalista cita a mobilização como uma das principais

funções da imprensa sindical. Uma mobilização “sem ser panfletária”,

enfatiza, tocando no ponto de a imprensa sindical hoje ter dificuldade em

ser aceita, mesmo pela categoria a qual representa, por sua linguagem

ser considerada fechada ou radical por parte do público. O intenso uso de

siglas, palavras-chavões ou frases de ordem contribuem para essa

sensação de linguagem “panfletária”.

Acho que a principal função da imprensa sindical é dar voz aos que não têm voz. A segunda é contribuir na construção de uma nova consciência; e, depois, organizar a categoria.

(DUARTE, dez, 2004, entrev. 03)

O jornalista Hélcio Duarte, também do mesmo sindicato de André

Pericione, o Sindsprev, coloca em primeiro plano o fato de a imprensa

sindical dar voz aos que não têm voz. Hélcio levanta, então, a questão de

que os movimentos sociais, em específico o sindical, não possuem voz

nos espaços públicos, nem pelos meios de comunicação públicos e muito

menos nos da grande mídia. Como os movimentos sociais não se sentem

representados nos cenários político e social, na tentativa de serem

ouvidos lançam, eles mesmos, seus meios de comunicação (programas

de rádio, tevê, outdoors, carros de som, panfletos e o velho jornal).

Outras ações de visibilidade são inserções pagas na grande mídia, com

propagandas publicitárias ou programas de rádio e tevê. Poucas entidades

têm acesso a essa opção, uma vez que o custo para veicular peça

publicitária ou produzir programa, ainda que curto, em mídias como a

tevê é bastante alto. Há também a crítica interna do próprio movimento

que resiste em pagar a grandes empresas de comunicação para utilizar

um espaço ao qual poderiam ter acesso por meios de licenciamentos

garantidos pela legislação; e citam o direito de concessão dado pelo

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governo federal a algumas empresas e pessoas físicas em detrimentos de

tantas outras entidades representativas que não conseguem acesso. Essa

discussão, contudo, não será aprofundada neste trabalho. O importante

aqui é a noção de que o movimento sindical faz uso de outros meios de

comunicação que não apenas o jornal impresso e atua para que tenha

direito a concessões de rádio e tevê.

Há ainda contatos com parlamentares e autoridades do Poder Executivo

na tentativa de conquistar simpatizantes para causas e projetos de leis

direcionadas para o universo trabalhista e sindical, além de outros

projetos de fundo social ou econômico mais amplos, os quais parte do

movimento sindical abraça, como a participação do Brasil na Alca –

Associação de Livre Comércio das Américas e as implementações das

reformas (Universitária, Previdenciária, Agrária, Sindical) presentes no

ano de 2003.

O movimento sindical também procura contatar parlamentares, a fim de

influenciá-los a tomar posicionamentos favoráveis aos trabalhadores

diante de discussões ou votações no Congresso, ou simplesmente para

afinar canais de comunicação com o governo, operações nem sempre

bem sucedidas, uma vez que na disputa de interesses acaba prevalecendo

o mais forte, e o sindicalismo tem se encontrado enfraquecido. No

episódio da reforma da previdência, o movimento sindical contrário à

aprovação do projeto de lei que propunha a mudança na Previdência

contatou de várias formas deputados federais e senadores na tentativa de

dissuadi-los a votar contra a proposta. Uma das ações, no Recife, constou

em interpelar os parlamentares no aeroporto dos Guararapes, antes de

embarcarem para Brasília, conversando e entregando jornais e informes

sindicais. Matérias nos jornais sindicais trataram de posicionamentos e

falas de políticos a cerca da Previdência e do projeto de lei, valorizando os

que lhe eram favoráveis.

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O fortalecimento de instâncias democráticas, da opinião pública e de

esferas públicas é outra forma de garantir voz aos que não têm voz e de

desenvolver justiça social. As esferas públicas de discussão constituem

um espaço onde atores sociais ouvem, têm espaço para fala e são

ouvidos. No Brasil, a opinião pública, composta por imprensa, formadores

de opinião, entidades sociais, personalidades e autoridades de

visibilidade, configura-se numa esfera de participação de sujeitos sociais

com influência nas esferas de decisões do País, sejam elas econômicas,

políticas ou jurídicas.

O sentido da comunicação sindical é levar centenas, milhares, milhões de trabalhadores à ação em defesa de velhos direitos ameaçadas ou conquista de novas vitórias.

(GIANNOTTI, 1998, p.86)

Para Vito Giannotti, a conscientização e a mobilização andam de mãos

dadas. A fim de levar os trabalhadores à ação em defesa e em conquista,

são necessários uma boa formação, uma melhor ainda articulação do

movimento e o envio constante de informação.

Vale ressaltar que todas as falas coletadas nesta pesquisa giram em torno

do aspecto aparentemente ativo no ato da comunicação – a fala, a

emissão - seja ao se reclamar da falta de voz do movimento sindical na

sociedade, seja pela necessidade de informar, mobilizar e conscientizar

que tem a imprensa sindical. Em nenhum momento é mencionado o

ouvir, o receber a mensagem do outro, o sentir os outros sujeitos sociais

– o que seria o aspecto aparentemente passivo do ato de comunicar.

[...] a posição normal do homem no mundo, como um ser da ação e da reflexão, é a de “ad-mirador” do mundo. Como um ser da atividade que é capaz de refletir sobre si e sobre a própria atividade que dele se desliga, o homem é capaz de “afastar-se” do mundo para ficar nele e com ele. Somente o homem é capaz de realizar esta operação, de que resulta sua inserção crítica na realidade. “Ad-mirar” a realidade significa objetivá-la, apreendê-la como campo de

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sua ação a reflexão. Significa penetrá-la, cada vez mais lucidamente, para descobrir as inter-relações verdadeiras dos fatos percebidos9.

(FREIRE, 1983, p. 31)

Na sociedade atual, a excessiva valorização da ação, do sujeito ativo faz

com que as pessoas, mesmo àquelas que trabalham numa perspectiva

muitas vezes diferente da dominante ou que se esforçam por serem

críticos, esqueçam de cultivar aspectos que também fazem parte da ação,

e que são aparentemente passivos, como o ouvir e sentir o outro antes de

expor sua idéia. A fim de produzir um jornal que tenha afinidade com o

público-alvo, é necessária uma aproximação, um exercício de escuta e de

percepção desse público. No caso do movimento sindical, a prática de

assembléias, reuniões e o trabalho da militância criam canais de

comunicação de mão dupla, que permitem que os diretores sindicais

emitam informações e recebam conteúdos e reações da categoria,

percebendo as necessidades da base.

2.2. História da imprensa sindical no Brasil

A imprensa sindical surge no Brasil, no século XIX, com a organização do

movimento operário e de movimentos do campo. Nesse período, a

indústria nacional, ainda incipiente, apresenta seus primeiros sinais de

desenvolvimento, e o País recebe levas significativas de trabalhadores

imigrantes que acabam se estabelecendo. São em sua maioria italianos,

alemães, espanhóis e, mais tarde, japoneses e chineses. Os europeus,

com uma vivência mais avançada de organização social e industrial e

bastante influenciados pelas idéias comunistas e anarquistas que rondam

a Europa de então, contribuem para a organização dos trabalhadores no

país.

9 Grifos da pesquisadora. Paulo Freire aborda a importância de sentir o outro, do contato e da abordagem com o outro, ressaltando o processo dialógico da comunicação e da intervenção social no seu livro Extensão ou Comunicação?.

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Uma das principais ferramentas de organização e informação da época

são os jornais operários, produzidos pelos próprios trabalhadores e

direcionados aos mesmos. Sobre a ascendência dos jornais dessa época,

Ferreira (1988, p.12) acrescenta:

Justificava [Lênin] a necessidade da imprensa operária, justamente porque os trabalhadores não contavam com nenhum meio de comunicação tal como os outros segmentos da sociedade, que se representavam através de seus partidos legais, seus parlamentares, suas associações e da imprensa burguesa. [...] Assegurava que sem um jornal unificado o trabalho local permaneceria desarticulado das atividades gerais do proletariado.

Mesmo nos dias de hoje, a dificuldade de acesso a outros meios de

comunicação, especialmente à grande mídia, permanece.

A fase do início dos jornais operários no Brasil, que vai do século XIX até

1930, é chamada de anarco-sindicalista numa referência à influência

anarquista no meio operário, que começa a se formar. Caracteriza-se pela

força dos trabalhadores imigrantes (com suas ideologias e experiências

com patronato e governo); pela intensa produção de periódicos, apesar

das precárias condições de produção e mesmo do alto índice de

analfabetismo da classe trabalhadora; pela forma “amadora” de produção

de jornais; e pelo destacado papel dos gráficos, uma das poucas

categorias que domina, à época, a língua portuguesa e técnica da

impressão.

Dos fatos históricos que marcam esse período destacam-se: a realização

do 1º Congresso Operário Brasileiro, em 1906; a criação da Confederação

Operária Brasileira, em 1908; as greves, em 1º de maio de 1907, pela

redução da jornada de trabalho para oito horas; a criação do jornal A voz

do Trabalhador, em 1913; a Fundação do Partido Comunista (PCB), em

1922, e a criação da Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros,

em 1929.

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Os impressos circulam nas fábricas, centros comerciais e urbanos e

campos e levam idéias comunistas, socialistas, anarquistas aos

trabalhadores em textos bastante densos e extensos. Ao falar sobre um

debate, por exemplo, esses jornais não se limitam a descrever o evento e

tecer comentários. Páginas e páginas trazem o conteúdo do que foi

discutido (FERREIRA, 1988, p.21). Às vezes discursos inteiros são

transcritos para os jornais, bastante lidos. A época, para os movimentos

que começam a tomar corpo, é de grande efervescência.

Os jornais dos trabalhadores têm, desde o início, esse papel de informar,

conscientizar e mobilizar e funcionam, copiando os moldes da Europa,

como um instrumento para organização e politização das categorias. A

existência de periódicos em outras línguas chama a atenção. Dos 343

títulos encontrados, 60 são editados em idioma estrangeiro,

principalmente em alemão, espanhol e italiano (FERREIRA, 1988, p.14).

Os jornais do operariado têm, desde o início, esse papel de informar,

conscientizar e mobilizar, servindo de importante instrumento para

organização e politização dos trabalhadores.

Por serem contrários às leis do Estado, os anarquistas, diferentemente de

demais correntes políticas e ideológicas de esquerda do Brasil, não

reivindicam uma lei trabalhista, não concordam com sistema de partido,

nem de governo, não admitem a formação de alianças com demais

grupos sociais. Com o tempo, esses aspectos vão isolando o movimento

operário até que, com a influencia da Revolução Socialista na Rússia, uma

parte dos trabalhadores se desprende do bloco anarquista e funda, em

1922, o Partido Comunista, que passa a influenciar fortemente o

movimento operário, ajudando-o a organizar-se. Assim que é criado o

Partido Comunista passa a publicar a revista o Movimento Comunista e

logo depois o Manifesto Comunista. Em 1925, edita o jornal A Classe

Operária, com tiragem inicial de cinco mil exemplares.

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Com a ascensão de Getúlio Vargas à presidência da República do Brasil,

em 1930, tem início a fase sindical-partidária do movimento sindical, que

vai até o golpe militar, em 1964. Getúlio, sentindo a pressão dos

movimentos trabalhistas, que vinham realizando greves e mobilizações

para terem seus direitos adquiridos e espaço na sociedade, promove a

legalização dos sindicatos, cria o Ministério do Trabalho, institutos

previdenciários e estabelece o salário mínimo. Se, por um lado, reconhece

os sindicatos, por outro engessa-os ao impor uma série de normas e

medidas legais a serem seguidas. A Lei dos Sindicatos tem como modelo

a “Carta del Lavoro”, decretada na Itália em 1927 por Mussolini10.

Desde a entrada em vigor da Lei de Segurança Nacional, em 1935, os sindicalistas vinham sofrendo perseguições e as entidades passaram a perder suas características. Para aumentar o poder do Estado sobre as organizações dos trabalhadores, Vargas consolidou um modelo de cooptação de dirigentes e a criação de novos sindicatos, visando controlar as reivindicações e constituir uma estrutura sindical vertical e subordinada ao Estado (VIEIRA, 1996, p.15).

Greves em 1934; a promulgação, em 1935, da Lei de Segurança Nacional

e fechamento da Aliança Nacional Libertadora (ANL), fundada no mesmo

ano; o golpe do Estado Novo em 1937; a instituição do salário mínimo em

1942; a retomada de movimentos dos trabalhadores em 1944; o

surgimento de partidos políticos ao longo da década de 30 são fatos que

marcam essa segunda fase do movimento sindical, iniciada com o

governo de Getúlio.

As organizações operárias enfraquecidas aproximam-se de organizações

partidárias, que, ao contrário, proliferam e crescem nesse período. Dos

1.494 sindicatos existentes no final de 1934, segundo Nazareth Ferreira

(1988, p. 34), apenas 364 estão legalizados pelo novo decreto, enquanto

10 A Carta del Lavoro, segundo Ricardo Antunes, em seu artigo “O que é Sindicalismo”, da coleção Primeiros Passos, “Expressava a política da paz social, da colaboração entre as classes, conciliando o trabalho com o capital, negando violentamente a existência da luta de classes, com os nítidos objetivos de garantir a acumulação capitalista em larga escala e com um alto grau de exploração da classe operária” (vol 30, p.23).

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os outros sofrem pela ilegalidade e são perseguidos. As duas formas de

organização, sindicato e partido, são utilizadas, desde sempre, pela classe

trabalhadora como instrumentos de construção, formulação e ação. Daí, a

relação imbricada entre ambas e a permissividade de militantes, que

atuam ao mesmo tempo em sindicatos e partidos políticos. Como

resultado dessa aproximação, a imprensa operária vai deixando de

discutir grandes temas de formação da classe trabalhadora, do operariado

de uma forma mais ampla, para se centrar em questões político-

partidárias ou econômicas – de interesse dos partidos.

Em 1935, Getúlio Vargas decreta a Lei de Segurança Nacional, que proíbe

o direito à greve e dissolve a Confederação Sindical Unitária, também

intensifica o processo de controle e cooptação de dirigentes sindicais pelo

Ministério do Trabalho e começa a introjetar a burocracia no sindicato. Em

1939, com o objetivo de intensificar ainda mais o controle do Estado

sobre os sindicatos, é criado o imposto sindical e promulgado o Decreto

de Lei 1402 – a partir daí, uma categoria para ser reconhecida precisa

passar pela Comissão de Enquadramento Sindical, órgão do Ministério do

Trabalho.

O imposto sindical estabelece uma contribuição obrigatória dos

trabalhadores, equivalente a um dia de trabalho no ano, ao governo, que

repassa parte dessa verba às confederações e estas repassam parte aos

sindicatos. A implantação do imposto sindical encontra, como ainda hoje,

resistência do movimento, que desde então já vê essa prática como uma

forma de sustentar sindicatos pelegos11, pois de outra forma não teriam

11 “O peleguismo se caracteriza pela postura burocrática de conciliação de classe, pelo imobilismo e indiferença em relação às lutas dos trabalhadores e preocupa-se com atividades assistenciais” (MOMESSO, 1997, p. 88). “O peleguismo é uma prática sempre presente, com maior ou menor intensidade, no movimento sindical brasileiro. No início, era denominado sindicalismo amarelo. Como vertente sindical institucionalizada, porém, começou a existir a partir de Getúlio Vargas. Entre os anos de 1931/39, foram criadas as bases institucionais que objetivaram tutelar os sindicatos, destacando-se a instituição do imposto sindical em 1940. O Estado passou a ‘ordenar’ os sindicatos tentando transformá-los em meios de governo” (MOMESSO, 1997, p. 88).

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como sobreviver, e de controle do Estado, uma vez que os sindicatos não

têm acesso a essa verba quando querem ou precisam, mas o Estado é

que estabelece o repasse (BOITO, 1991, p.95). Muitas entidades, o Andes

– SN é uma delas, ainda hoje não aceitam esse dinheiro, devolvendo-o;

contudo, não tem havido movimentação política consistente por parte do

movimento sindical para por fim ao imposto sindical.

Ainda na Era Getulista, expandem-se as organizações “amarelas” e o

corporativismo no meio sindical, dando margem à constituição de

sindicatos chamados pejorativamente de pelegos, por evitarem o

confronto com a classe dirigente (entidades patronais e governo)

(MOMESSO, 1997, p.88). Ao invés disso, buscam soluções e acordos

dentro do sistema vigente, sem questionar a estrutura social ou

econômica. Esses sindicatos geram mais tarde (década de 80) os

sindicatos de negócios, interessados nos resultados práticos de ganhos

para a categoria, como aumento de salário e melhoria do ambiente de

trabalho.

Esse movimento corporativista se reflete nas publicações dos sindicatos,

uma vez que muitas entidades passam a não criticar o governo, nem suas

medidas, muito menos as políticas econômicas adotadas. As matérias dos

sindicatos assumem um tom conciliatório. O número de publicações

diminui consideravelmente (VIEIRA, 1996, p. 16), principalmente depois

da repressão durante o Estado Novo, de 1937 a 1945.

Por outro lado, pode ser observado um movimento de resistência, com

organizações trabalhistas que insistem em produzir uma comunicação

engajada com a ideologia de esquerda, direcionada para problemáticas da

classe trabalhadora.

Na medida em que as forças de esquerda, especialmente o PCB, iam conquistando as direções sindicais, exerciam uma transformação em seus órgãos da imprensa não só em relação ao conteúdo, que passava da postura colaboracionista para uma postura crítica, de

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mobilização, luta e conscientização da classe operária (MOMESSO, 1995, p.81).

Esses impressos alcançam melhorias gráficas, tornando-se mais atrativos,

e continuam sendo produzidos por diretor do sindicato ou associado

engajado no movimento. Ainda não há um trabalho profissional visando a

produção da comunicação sindical.

Apesar de todas as medidas repressivas exercidas pelo governo, o início

dos anos 50 é marcado por greves e mobilizações sindicais alimentadas

pelo aumento da classe operária; pela organização dos trabalhadores

influenciados pelo Partido Comunista, formando comissões de fábricas;

pela adoção de temas amplos, como o combate à carestia e à fome,

contra a presença militar americana; e por manifestações a favor da

liberdade sindical.

O início do governo de João Goulart, em 1961, é visto como o ápice

dessas manifestações tendo como marco o III Congresso Sindical

Nacional e conseqüente formação do Comando Geral dos Trabalhadores

(CGT), que uniria os mais diversos sindicatos e organizações sob uma

única coordenação em momentos de reivindicações sindicais. O número

de jornalistas sindicais cresce significativamente neste período, a

periodicidade dos jornais torna-se mais regular e o período de duração

dos jornais aumenta (MOMESSO, 1995, p.80). É marcante a influência do

Partido Comunista Brasileiro – PCB – nos sindicatos e em suas

publicações. De acordo com Luis Momesso, “os militantes do PCB

publicavam nove jornais diários, vários semanários, diversas revistas e o

PCB tinha duas editoras” (1995, p.81).

Com o golpe militar, em 1964, tem início o período da ditadura no País

até 1985. Num processo de industrialização e modernização acelerado, o

Brasil passa a receber capitais estrangeiros, ocorrem mudanças na classe

operária (fortalecimento dos setores metalúrgico, petrolífero e estatal) e

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migrações do campo para a cidade. No campo econômico, a época é de

forte arrocho salarial. Medidas repressivas como a proibição de greves,

prisões, intervenções em 143 sindicatos, ilegalidade do PCB e cassação de

parlamentares comunistas caracterizam a fase pré-golpe.

Com o aumento da repressão após a edição do AI – 5, em dezembro de

1968, gráficas são fechadas, equipamentos apreendidos ou mesmo

destruídos, pessoas envolvidas na produção ou distribuição de periódicos

considerados subversivos são perseguidas, presas ou mortas. Por conta

da repressão, a imprensa sindical nesse período é escassa e bastante

irregular. Pequenos grupos teimam em produzir clandestinamente jornais,

outros são editados no exterior e distribuídos clandestinamente no País.

No auge da repressão, em 1974, a gráfica clandestina responsável pelas publicações do PCB é empastelada, e o Voz Operária, órgão central do partido que vinha sendo publicado há alguns anos, passa por grandes dificuldades, sobrevivendo até 1975. A partir desse ano, esse jornal passa a ser publicado no exterior, onde também seriam publicadas outras fontes de informação do PCB [...] (FERREIRA, 1988, p.55-56).

Por outro lado, predomina um tom de conciliação nos impressos operários

que circulam mais abertamente nas ruas e nas mãos dos trabalhadores. A

ausência de matérias de cunho político e social crítico é compensada por

reportagens de questões específicas da categoria, como processos

judiciais e negociações para melhoria de ambiente de trabalho e de

salário. A maior parte desses impressos, seguindo o mesmo movimento

das respectivas diretorias dos sindicatos, perdem o tom aguerrido e crítico

tão presentes na fase inicial do movimento sindical. Os meios de

comunicação dos sindicatos acompanham o processo corporativista do

sindicalismo. O arrefecimento do tom “aguerrido” dos impressos também

tem relação com a “baixa” sofrida nas direções dos sindicatos durante

esse período.

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A partir da segunda metade da década de 70, com o arrefecimento da

ditadura militar, principia-se o período do movimento sindical conhecido

como o Novo Sindicalismo, por representar o rompimento com a estrutura

e o fazer sindical anteriores apontados como assistencialistas, letárgicos e

subordinados ao controle do Estado. São valorizadas discussões,

mobilizações, reivindicações, greves e o movimento sindical passa a

desempenhar papel de vanguarda nos movimentos sociais do Brasil

durante praticamente toda a década seguinte.

Dentre os fatos e as mobilizações que marcam esse período do Novo

Sindicalismo, destacam-se: as eleições plebiscitárias, em 74; o

movimento pela anistia aos presos políticos, a partir de 75; a luta por

reposição salarial, a partir de 7712; o movimento contra o custo de vida,

com um milhão de assinaturas, em 78; movimento estudantil organizado

pela retomada da UNE – União Nacional dos Estudantes, que se inicia em

79; a criação do Partidos dos Trabalhadores, em 80; a fundação de

centrais sindicais, na década de 80, em especial a Central Única dos

Trabalhadores – CUT, em 83; as greves gerais por todo o Brasil e a

campanha pelas eleições diretas, em 84.

A contribuição da Igreja Católica, nesse período de repressão, foi

significativa para a preservação de grupos e organizações sociais. O

movimento sindical, assim como os demais movimentos populares, conta

nessa fase de resistência e soerguimento, a partir do final dos anos 70,

12 O ano de 1977 marca o início da luta pela reposição das perdas salariais, sofridas pelos trabalhadores por causa de um ‘erro de cálculo’ da equipe econômica a respeito da inflação de 1973 – 74. Essa luta, em 1978, se transforma numa explosão de greves que, a partir do ABC Paulista, chega até a capital, espalhando-se, em seguida, por outras cidades dos Estados de São Paulo, Rio e Minas Gerais. As greves de 1978 mobilizam, inicialmente, metalúrgicos das grandes empresas. Posteriormente, alastram-se e atingem tanto setores tradicionais como a construção civil, quanto trabalhadores não-sindicalizados: os funcionários públicos. A luta, sobretudo as greves, marca o início do que veio a ser chamado pelos próprios sindicalistas e muitos estudiosos de novo Sindicalismo. Representa também o reaparecimento do movimento sindical na cena política do País (ZANETTI, 1988, p.21).

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com o apoio de setores esquerdistas da igreja católica – grupos Eclesiais

de Base, Agentes Pastorais, correntes progressistas, entre eles a da

Teologia da Libertação. Como não havia espaço público, mesmo físico,

apropriado (legalmente permitido) para encontros e reuniões entre

integrantes e lideranças de movimentos, a Igreja serviu em muitos casos

como espaço agregador, organizador e sediador desses grupos.

O Novo Sindicalismo tem como marco uma onda de greves e

mobilizações. O pontapé inicial é um movimento de greve por reajuste

salarial realizado na fábrica da SCANIA, em São Bernardo (SP), em 1978.

Essa ação gera uma reação em cadeia de mobilizações que chega à

capital paulista e se espalha no mesmo ano para todo o País. As greves e

mobilizações têm impacto na forma de comunicação dos sindicatos,

provocando mudanças que vão do aumento do número de periódicos e

informes em circulação à postura de fortalecer os meios de comunicação

sindical a fim de fazer frente ao poderio da grande imprensa e divulgar

sua versão dos fatos.

A atuação de diretores e militantes começa a dar lugar a um trabalho

profissional13. O papel do jornalista profissional ganha importância: as

redações sindicais tornam-se mais estruturadas; consolida-se o espaço da

assessoria de comunicação; as publicações recebem tratamento mais

profissional; aumentam as publicações em periodicidade, quantidade e

variedade (além dos jornais e boletins, são produzidos revistas, livros,

coletâneas); televisão e rádio passam a ser usados com maior freqüência

e de forma mais profissional; e os sindicatos adquirem ou estruturam

gráficas próprias.

13 A profissionalização da comunicação sindical surgiu, pode-se dizer, simultaneamente em muitos pontos do país. Caracteriza-se pela delegação de parte da comunicação das entidades para ser executadas através de um departamento especializado, com utilização de tecnolgias e apoio de profissionais da área para que possa ter uma abrangência maior, ampliar o trablaho da militância, inclusive liberando o sindicalista para outras atividades, e para que consiga levar as mensagens dos trabalhadores para além de suas categorias (MOMESSO, 1997, p. 137).

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[...] começavam a surgir entidades e empresas voltadas à comunicação sindical, especializando-se na prestação de serviços de assessoria de imprensa ou gráficos objetivando lucro e, em alguns casos, buscando estabelecer pontes entre organizações políticas e o movimento sindical. O surgimento de centrais sindicais, especialmente a CUT, por sua política sindical e seu dinamismo, significou certo apoio à imprensa sindical, com suas assessorias de imprensa próprias e iniciativas em vários campos. Mesmo os sindicatos menores, sem muitas condições, passaram a contratar serviços avulsos de profissionais da comunicação ou estruturar seus departamentos de imprensa (MOMESSO, 1995, p.88)

Em meio a um cenário econômico difícil e à sinalização de abertura

política e social, depois de um regime de décadas de ditadura militar, o

movimento sindical torna-se um sujeito social de peso, contribuindo para

a organização política e para a construção da democracia no país com o

apoio e o reconhecimento da sociedade.

O período considerado, de 1978 a 1983, representa um dos mais intensos da vida sindical brasileira: assembléias de massa, greves, no campo e na cidade, congressos, articulações, rachas, repressão, intervenção etc. Não é só a atividade sindical que agita este período; há uma “explosão” de iniciativas, movimentos e lutas de outros setores das classes populares: movimentos de bairros, de mulheres, de negros, de índios, de camponeses, dos sem terra, e outros mais (ZANETTI, 1988, p.53).

Apesar de manter a mesma estrutura jurídica fundamentada desde 1937

pelo governo getulista, o Novo Sindicalismo defende o direito à greve,

almeja um sindicalismo autêntico e democrático, busca a independência

em relação ao Estado e a organização a partir das fábricas. Surge o

sindicato classista, caracterizado por buscar não só melhoria na qualidade

de vida e de trabalho (salário, direitos trabalhistas, causas jurídicas,

condições no ambiente de trabalho, etc.), mas também por esforçar-se

para ampliação da participação dos trabalhadores no cenário político e

social, para a realização de justiça social. Fala-se abertamente em

tomada de poder pelos trabalhadores, em transformação do governo da

burguesia pelo governo dos trabalhadores.

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Em 1978, ganha corpo a discussão sobre a organização de um partido de

trabalhadores no meio sindical. Com avanços e recuos, várias etapas são

cumpridas e o projeto se consolida apoiado por diferentes grupos, entre

eles os sindicatos, principalmente os do ABC paulista; as Comunidades

Eclesiais de Base e setores progressistas da Igreja Católica; e grupos

esquerdistas com forte contingente trotskista. Em 1980, com a presença

de 242 delegados de quase todos os Estados, mais de mil participantes e

convidados de diversas correntes, o Partido dos Trabalhadores é

oficialmente fundado.

A criação da CUT, em 1983, com Jair Meneguelli como primeiro

presidente, dá-se com embate no movimento que separa de vez as duas

correntes divergentes: de um lado, a Unidade Sindical, considerada

conservadora ou mesmo pelega; do outro, a Articulação de Esquerda,

formada por grupos da oposição sindical, e outros mais à esquerda

(GIANOTTI, 2002, p.97). O movimento dos trabalhadores, em vez de

enfraquecer-se com as divergências internas, fortalece-se. A

heterogeneidade e a diferença apontam a dialética e as contradições

como fenômenos inerentes ao movimento social. Contradições essas que,

quando aceitas, podem ser trabalhadas de modo a impulsionar o

movimento, ao invés de paralisá-lo.

Os impressos, ao final da ditadura militar, ganham força no Brasil,

servindo não apenas como fontes de informação e espaço de discussão

das idéias, mas também como pólos de aglutinação de intelectuais e

militantes das esquerdas. A produção do jornal Movimento (de 75 a 79),

por exemplo, leva as mais diversas correntes de esquerda a sentarem

juntas para produzir textos e viabilizar (imprimir, distribuir) o jornal. No

processo de discussão e debate das matérias e artigos do jornal, as

pessoas, mesmo oriundas de diferentes meios e correntes ideológicas,

aglutinam-se e trocam idéias.

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Esse processo de aglutinação, no entanto, não se restringe aos

produtores e responsáveis de jornais como O Movimento, seus leitores

também são fortemente influenciados. Quem lê o jornal interage, em

maior ou menor escala, com as idéias postas e com as pessoas que se

mostram no jornal, sendo estimulado a aproximar-se do movimento. Em

tempo, a efusão por poder participar e expressar idéias é tamanha que a

integração das pessoas em projetos como um jornal de esquerda é

particularmente freqüente.

Não tardam a aparecer outros jornais de movimentos sociais e de

correntes políticas de esquerda produzidos pelos mais diversos sujeitos

sociais. A maioria tem vida curta, por motivos que variam da dificuldade

em “rodar” o jornal, por falta de verba e de estrutura, a desarticulação da

própria equipe editorial. Ainda sim, marcam presença neste período,

fazendo circular pela sociedade diferentes pontos de vista, concepções e

ideologias; numa contraposição ao período anterior no qual a censura

reprimia a expressão de idéias contrárias a hegemônica – pertencente ao

governo.

Junto com o endurecimento do regime da década de 70, aparece no Brasil um tipo de imprensa especial. São jornais com reportagens sobre a realidade dos trabalhadores, humor, cultura, temas feministas. Todos se caracterizavam por ser de oposição ao regime e ter posições de esquerda. Por apontar a necessidade de uma mudança, de uma alternativa ao regime de exploração, passaram a ser conhecidos como “imprensa alternativa”. [...] entre os principais veículos de circulação nacional estavam os jornais Opinião, Movimento, Pasquim, Versus, Em Tempo. O apogeu da imprensa alternativa aconteceu de 1975 a 1979. Naqueles quatro duros anos, a tiragem conjunta dos oito maiores jornais alternativos chegou até 160 mil exemplares por semana (GIANOTTI, 1998, p.94).

Com a legalização de tantos jornais, ocorre também uma dispersão do

público e dos próprios produtores. Se num primeiro momento há uma

centralização em torno dos principais jornais, Movimento, Pasquim,

Tribuna Operária, ligado ao PC do B; numa segunda fase parte das

pessoas que fazem esses jornais sai para produzir outros que vão

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surgindo. Os impressos do movimento operário, nessa segunda fase,

estão mais próximos dos partidos políticos, funcionando muitas vezes

como porta-vozes dessas organizações. Alguns exemplos são: Hora do

Povo, do MR-8; o Brasil Socialista (1975), do PC do B; Em Tempo (1978),

da Organização Marxista Democrática Socialista (OMDS) e do Partido dos

Trabalhadores, de tendência trotskista.

O aumento da diversidade de jornais de esquerda, por um lado, leva à

distribuição de vozes na sociedade, que pode ser vista como pertencente

ao processo de democratização e participação social, próprio desse

momento histórico. Por outro lado, leva a uma dispersão de produtores e

de público que acarreta o enfraquecimento dos jornais inicialmente mais

fortes e representativos. São considerados representativos pela grande

quantidade de exemplares numa tiragem, por uma periodicidade regular,

pelo alcance de leitores e pelo impacto perante o público e a sociedade.

A imprensa popular (operária, sindical e partidária) nesse período pós-

ditadura apresenta-se com uma profusão de jornais de esquerda e de

movimentos sociais, bastante influenciados por partidos políticos de

esquerda, sem periodicidade ou distribuições fixas e de duração

relativamente curta (de um a três anos da existência). O movimento

sindical situa-se nesse bojo, ajudando a produzir jornais de esquerda e,

ao mesmo tempo, estruturando os jornais do próprio sindicato. Nesse

sentido, começa o movimento de profissionalização da imprensa sindical.

As figuras de militantes e ativistas dão lugar, no processo de produção do

jornal impresso, ao profissional funcionário do sindicato e ao jornalista.

Muitos jornalistas de esquerda vão para a imprensa sindical,

principalmente no período que vai de 1979 ao fim da década de 80,

ajudando a incrementar e estruturar os departamentos de comunicação.

Esses impressos, sejam de partidos políticos ou de sindicatos, visam, em

sua maioria, organizar e fortalecer os trabalhadores e a esquerda para

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disputar espaço com o poder hegemônico. Inspiram não apenas as

discussões e concepções políticas desse período, uma vez que propagam

idéias, questionamentos, posições políticas, mas também influenciam a

realização de eventos e conferências de trabalhadores, além de aglutinar

a esquerda em diferentes grupos.

Com a cotização dos trabalhadores e apoio de outras instituições, produziam-se muitos boletins, folhetos, pequenos jornais de fábrica, de categoria, de oposições, desenvolvia-se trabalho de agitação nas portas de fábrica utilizando-se carros particulares com pequenos amplificadores e cornetas, megafones, etc. Foi notória, por exemplo, a riqueza das formas de comunicação desenvolvidas pela oposição sindical dos metalúrgicos de São Paulo na eleição para a diretoria em 1978. A campanha da oposição foi agitada e criativa, utilizando, além do material impresso, apresentação de peças de teatro, filmes, festas, contando com grande apoio do movimento popular [...] (MOMESSO, 1995, p.84).

No final da década de 80, o cenário político-econômico do País começa a

mudar, e junto com ele mudam as relações trabalhistas e a dinâmica do

movimento sindical. Fatos que marcam esse período são a promulgação

da Constituição de 1988, a fundação da Central Trabalhista Força Sindical,

em 1991, a criação da Coordenação Autônoma dos Trabalhadores (CAT),

em 1995, e a criação da Socialdemocracia Sindical (SDC), em 1997.

Com a Constituição de 88, os sindicatos conquistam um pouco mais de

liberdade para modificar e criar seus estatutos, e o Estado passa a ter

menos influência nas áreas administrativa e financeira dos sindicatos. O

imposto sindical, a CLT e a possibilidade de intervenções do governo em

eventos como greves, no entanto, permanecem. Sobre o atrelamento dos

sindicatos ao Estado, Armando Boito Júnior escreve: “No Brasil atual, a

Constituição jurídica é, no tocante à organização sindical, contraditória:

estabelece, ao mesmo tempo, a dependência e a autonomia dos

sindicatos diante do Estado. Ocorre que a Constituição real não o é: ela

estabelece a dependência dos sindicatos e só” (BOITO JÚNIOR, 1991,

p.58).

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Sobre a fundação da Força Sindical, em março de 1991, central sindical

que vai se contrapor politicamente à CUT14, principalmente nos seus

primeiros anos, há várias versões. A versão oficial afirma o papel da Força

Sindical como entidade moderna de representação da classe e de defesa

dos interesses dos trabalhadores. Os sindicatos classistas mais críticos

classificam a Central Força Sindical como um mecanismo de propagação

do sindicalismo de resultado e conseqüentemente das políticas

neoliberais, uma vez que foca suas ações em questões específicas da

categoria ou segmento, como ganhos salariais, e evita discussões

ideológicas e políticas com as categorias. “[...] o sindicalismo de

resultados se coloca como um dos pilares da implantação do projeto

neoliberal, como uma peça essencial ao funcionamento da sociedade

capitalista do fim do século XX” (GIANOTTI, apostila, 2002, p.149).

2.3. Imprensa sindical hoje

Na década de 90, cresce a tendência de os sindicatos se empenharem em

questões focadas em suas categorias. Conseqüentemente, seus jornais

passam a se centrar em temas específicos, deixando de lado discussões

políticas, econômicas e ideológicas mais amplas e densas. O nascimento

da Central Força Sindical, em 1991, favorece a proliferação dos sindicatos

de resultado, reforçando a tendência ao individualismo, ao exclusivismo

de um grupo, uma vez que o sindicalismo de resultados prima por ganhos

específicos da categoria, referentes a remunerações e a condições de

trabalho. Embora a maioria das entidades sindicais ainda hoje seja filiada

14 O antagonismo entre as duas centrais sindicais não ocorre apenas na área política, abrangendo outros planos como o ideológico, o econômico, o comunicional. Para Jácome Rodrigues (1997), a luta sindical vê-se diante de estratégias diversas de atuação: ampliar solidariedades, como meio de aumentar a pressão sobre o Estado, ou optar por uma política de pactos a que induz a atual recessão econômica. O sindicalismo da CUT opta, desde sua fundação, por ampliar solidariedades: fortalecer sindicatos, crescer, desenvolver uma estratégia conflitiva. Faz parte dessa política de fortalecimento a criação e expansão de assessorias de comunicação nas CUTs estaduais e nas entidades sindicais.

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à Central Única dos Trabalhadores, essa mudança de percurso de muitos

sindicatos provoca uma espécie de racha no movimento trabalhista.

Nos últimos anos, as duas centrais sindicais do País, Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical, têm se colocado numa disputa por filiações. Dados fornecidos pelas entidades em 1991 conferem à CUT um número de 1.771 sindicatos filiados representando 15,3 milhões de trabalhadores, enquanto a Força possui 282 sindicatos filiados com 8,5 milhões de trabalhadores (VIEIRA, 1996, p.18).

De um lado, estão os sindicatos de resultados (ou de negócios), que

caminham para uma postura menos atuante do ponto de vista ideológico

e político e mais ativa no que diz respeito a questões específicas da

categoria. Do outro, encontram-se os sindicatos classistas, cuja maioria

filiada à CUT15 defende uma ação mais ampla que abarque várias

categorias, quando não todos os trabalhadores ou toda a sociedade.

Somam-se a esse cenário os sindicatos patronais, os sindicatos pelegos

ou de Estado, os sindicatos puramente recreativos ou assistencialistas.

A existência dessas correntes implica em diferentes tratamentos da

problemática sindical e, conseqüentemente, ações de naturezas distintas,

com objetivos bastante divergentes. É vista criticamente como fator de

enfraquecimento do movimento por dividir forças em vez de concentrá-las

num único objetivo comum ou numa forma de atuação coerente com

todas as categorias e com o movimento trabalhista. Se, por um lado, a

multiplicidade/quantidade de sindicatos enfraquece o movimento porque

dispersa; por outro, o fato de existirem diferentes tipos de sindicatos e

centrais implica uma pluralização de idéias, concepções e formas de

atuação que pode ser considerada enriquecedora.

15 “Em 1986, as entidades sindicais que participavam da CUT representavam, em suas bases territoriais, um contingente de aproximadamente 12 milhões de trabalhadores” (ROGRIGUES, 1997, p..39). “Dados de dezembro de 1991 indicavam que a CUT contava com 1.724 sindicatos filiados, sendo 1.142 urbanos e 582 rurais. Essas instituições representavam, à época, 3.565.770 sindicalizados em uma base de 15.523.354 trabalhadores” (Informa CUT, n 170, p.12, 5 a 6 dez 1991). De acordo com Scharlau Vieira, no mesmo ano a Força Sindical consta de 282 sindicatos, totalizando 15,3 milhões de trabalhadores associados (1996, p.18).

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Com relação à comparação entre o sindicato classista e o de resultados,

os dois tipos de sindicatos mais atuantes e que mais se confrontam no

campo político, as opiniões se chocam. Enquanto uns enxergam o

sindicato classista como o legítimo, como o que está mais próximo do

trabalhador e que defende os verdadeiros interesses de operários e da

sociedade; outras correntes apontam o sindicato de resultado como a

saída para a crise sindical, por ser mais “moderno” e por apresentar

resultados imediatos e palpáveis. No seu livro “Sindicalismo e Política”,

Jácome Rodrigues (1997, p.40) aborda essa problemática da seguinte

maneira:

Em março de 1991, com o surgimento da Força Sindical, o panorama sindical brasileiro sofre algumas alterações, pois esta central é a única que tem demonstrado ser capaz de fazer frente à estratégia do sindicalismo cutista, independentemente dos resultados até aqui obtidos por sua atuação. Este padrão de ação sindical tem ocupado um espaço político específico no cenário nacional.

Em contrapartida, o sindicato de resultado ou de negócios, como também

é chamado, é criticado por adotar uma política de baixar demasiadamente

o patamar de negociação na tentativa de ter sua pauta atendida. É

também acusado de enfraquecer formas de reivindicação e de pressão

dos sindicatos (greves, mobilizações). Dentre as conseqüências dessa

estratégia, tem-se um maior número de pautas negociadas com patrões e

governos. Por outro lado, ao baixar o patamar de reivindicação e ao

flexibilizar certos princípios dos trabalhadores ou de categorias, o

sindicato ou sua central já começa a negociar abrindo mão de conquistas

mais amplas dos trabalhadores e inibe iniciativas em busca de discussões

e reivindicações de luta por direitos da classe trabalhadora.

Como o movimento sindical, já no final da década de 80, começa a

enfocar, por influência da consolidação do sindicato de negócios, a defesa

de interesses imediatistas e de ordem prática específica de cada

categoria, há uma tendência de os próprios trabalhadores enxergarem o

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sindicato como uma entidade apenas de busca de melhoria salarial e de

ambiente de trabalho de cada categoria. Perde-se de vista o papel mais

amplo de servir de referência política e ideológica que o sindicato a

princípio desempenha.

“Mas se o sindicato aparece simplesmente como um meio para obtenção de possíveis aumentos salariais, não há razão aparente para os trabalhadores considerarem as entidades como referência política, cultural, ou mais, um exemplo de conduta social” (VIEIRA, 1996, p.22).

Ao ter diluído seu papel como modelo de lutas ideológicas e políticas, o

sindicato vai deixando de ser referência de movimento social. As grandes

discussões ideológicas e políticas e as mobilizações vão descolando da

imagem do universo sindical aos olhos da população e dos próprios

sindicalizados.

Esse aumento, ao longo da década de 90, do número de sindicatos de

resultado tem reflexo também no perfil de sua comunicação. Ganham

espaço no impresso pautas de interesses mais específicos das categorias,

ao mesmo tempo em que temas de interesse geral dos trabalhadores vão

para segundo plano, quando são tratados. Campanhas e movimentos de

âmbito nacional ou mais geral nem sempre encontram apoio nos jornais,

ou por falta de espaço (não sendo consideradas prioritárias) ou pela

pouca consonância política e ideológica com a linha editorial da

publicação.

Uma geração de jornalistas mediada por relação cada vez mais

profissional e menos militante com o sindicato marca a redação sindical

das décadas de 90 e 2000. A presença do repórter ativista, bastante

comum na primeira fase do Novo Sindicalismo, diminui consideravelmente

e boa parte dos impressos ganha um ar mais objetivo, menos parcial,

com pouca discussão de concepção política e ideológica.

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Além de ser responsável pelo jornal, produzir e editar matérias, o

jornalista muitas vezes acumula tarefas outras na produção da publicação

como selecionar fotos, produzir imagens, montar legendas, títulos,

chamadas, acompanhar a diagramação do jornal, sugerir modificações,

acatar ou não sugestões da diretoria e colaboradores. A diretoria do

sindicato participa, na maioria das vezes, com sugestões de temas e

revisão final, podendo vetar pautas ou matérias.

Há crescimento expressivo da imprensa sindical, com investimentos em

estrutura, aquisição de equipamentos, ampliação de espaço físico,

aumento do número das assessorias de imprensa e de impressos rodados

em gráficas pertencentes a entidades sindicais ou encomendadas a

empresas profissionais. Torna-se mais regular a distribuição dos jornais

predominantemente feita por funcionários do sindicato e não mais por

dirigentes e militantes, que, com a ampliação da profissionalização e da

burocratização, fazem cada vez menos a atividade de distribuição do

jornal com a base.

Revistas e publicações especiais focam conteúdo no resgate histórico do

movimento ou em temas específicos da categoria. No caso do Andes –

SN, por exemplo, foram produzidas diversas publicações sobre educação

e universidade com ênfase nos campos econômico, político, social e

educacional. Geralmente de boa qualidade gráfica e com conteúdo mais

aprofundado e reflexivo, quase nunca factual, o material é exposto à

venda na sede dos sindicatos.

Os sindicatos passam a fazer largo uso da Internet construindo e

implementando os sites das entidades, utilizando e-mails para

comunicação e informes eletrônicos, para enviar notícias a associados e

cadastrados. Em épocas de greve, as web pages são bastante utilizadas

como fonte de informação, disponibilizando notícias de última hora,

análises de conjunturas, documentos e informes. Ainda sim, a utilização

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da Internet por parte desse segmento social deixa a desejar na medida

em que não há uma preocupação com periodicidade regular de

atualização de conteúdo e com formatos interessantes de web pages. O

sindicato se limita a utilizar o que já existe de forma muitas vezes

precária e mecânica, não tenta inovar ou criar novas configurações,

adaptando os recursos tecnológicos às necessidades da entidade sindical.

A rádio como forma de comunicação, que já vinha sendo utilizada em

pequena escala pelos sindicados desde a década de 70, tem seu uso

intensificado. Sindicatos recorrem a rádios comunitárias ou mesmo

programas em rádios comerciais FM e AM.

A partir de 94, vários sindicatos, junto com outras entidades do movimento popular, começaram a montar rádios comunitárias, aproveitando uma brecha na legislação das telecomunicações. As experiências são ainda muito recentes para avaliação de seus resultados, mas o assunto está, cada dia mais, sendo discutido pelo movimento sindical (GIANOTTI; SANTIAGO, 1998, p.24).

Há um início de engajamento em campanhas nacionais pela

democratização dos meios de comunicação, pela democratização da

informação, pela concessão de rádios comerciais e comunitárias aos

movimentos sociais. A participação do movimento sindical nessas

campanhas, contudo, são tímidas e desarticuladas. De forma geral,

mesmo com incursões na rádio e na Internet, a comunicação sindical

ainda mantém o foco nas publicações impressas.

O alto número de publicações específicas de cada entidade, praticamente

cada sindicato produz o seu jornal, contrasta com a escassez de jornais

de grande porte que abranjam um público extenso. A quantidade pouco

representativa de periódicos mais robustos no formato e conteúdo – com

maior número de páginas, aprofundamentos em questões-chaves para o

movimento trabalhista, integração com diversos setores, etc – contrasta

com a vasta quantidade de jornais de pequeno porte. Nem mesmo a

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Central Única dos Trabalhadores, com suas sedes e conseqüentemente

seus jornais nos Estados, ou a Força Sindical possuem uma única

publicação mensal de caráter nacional ou amplo.

A imprensa sindical, dos dias de hoje, foi gerada nas lutas das oposições sindicais para derrubar os pelegos e nas lutas contra a ditadura no final dos anos 70. Desenvolveu-se na década de 80, a partir da grande explosão das greves, que têm seu emblema nos metalúrgicos do ABC. É ela a sucessora da imprensa alternativa da década de 70. Só que muitas vezes não se comporta como tal, amarrada por uma tradição corporativista, que isola os trabalhadores, cada um em seu sindicato. Cada um no seu mundinho, tratando de assuntos que dizem respeito quase exclusivamente àquele universo de trabalhadores. Não se faz a ligação com o que acontece no resto do País e, muito menos, no resto do mundo (GIANOTTI; SANTIAGO, 1998, p.96).

A relação da comunicação sindical com a grande mídia mostra-se

ambígua e contraditória. Ao mesmo tempo em que tenta fazer uso da

grande mídia para nela aparecer com o objetivo de se fazer presente na

esfera social e de se mostrar atuante frente à opinião pública; os

sindicalistas, principalmente os classistas, criticam e reprovam duramente

a mídia de massa.

Sem refletir, o dirigente simplesmente rejeita os veículos comerciais, taxando-os de porta-vozes da burguesia. Esse tipo de posicionamento pode paralisar o relacionamento da entidade com a população através dos veículos comerciais. Quer dizer, a rejeição – causada, em grande parte, pela forma preconceituosa como a mídia é tratada pelos sindicatos – provoca uma perda de espaço que poderia ser utilizado de forma gratuita para o diálogo com a população (VIEIRA, 1996, p.29).

Essa resistência, apontada por Scharlau Vieira, ocorre dos dois lados. Da

mesma forma que o sindicalismo, principalmente o classista, critica a

grande mídia, setores da imprensa comercial olham com reserva o

movimento sindical, tanto como fonte de informação quanto para veicular

assuntos ou matérias sugeridas como ponto de pauta pelas assessorias de

imprensa dos sindicatos. A convivência entre ambos os setores é quase

sempre difícil. Ao mesmo tempo em que a assessoria sindical tenta

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emplacar matérias favoráveis, os grandes jornais e tevês tendem a

retratar o movimento sindical, geralmente em momentos de greves e

paralisações, levantando aspectos negativos (como o transtorno causado

à população por conta da mobilização, a ineficiência da mesa negociação

ou a estrutura pesada e lenta de entidades). Dificilmente fala-se das

reivindicações nos pontos de pauta, da motivação da greve ou da postura

adotada por governo ou patrões.

As razões dessa atitude da grande mídia, apesar de inúmeras, não são

difíceis de serem compreendidas ao se enxergar a comunicação como

pertencente ao jogo social por espaço e poder. Uma vez que os sindicatos

defendem interesses quase opostos aos empresariais e,

conseqüentemente, aos da imprensa de massa, devem ser rechaçados “A

relação dos sindicatos cutistas e desta central com a grande imprensa é

conflitante porque é uma relação de interesses antagônicos. O mesmo

não acontece com o sindicalismo de direita ou com as organizações

patronais” (SILVA, 1998, p.40).

Se por um lado os sindicalistas criticam os grandes conglomerados e suas

formas de atuação, como estrutura vertical de comunicação adotada pela

mídia de massa; por outro os próprios sindicatos acabam adotando

posturas semelhantes em suas assessorias de imprensa. Os meios de

comunicação produzidos muitas vezes repetem o formato utilizado pela

mídia de massa, inovando pouco, adaptando-se precariamente à

realidade dos trabalhadores. A falta de criatividade, contudo, está fora de

ser o único problema, não é difícil se deparar com estruturas

hierarquizadas e autoritárias dentro do sindicato e de suas assessorias

que, mesmo tentando combater o modelo hegemônico, findam

assimilando alguns de seus padrões.

Outro aspecto contraditório é a utilização excessiva de espaços da mídia

por parte do movimento sindical. Os mais comuns são spots de rádio,

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propagandas televisivas ou anúncios e matérias pagas em jornais de

grande circulação, tomando espaço de outros meios que poderiam ser

construídos pelas entidades. A partir da década de 80, observa-se uma

tendência, que vai se acentuando com o tempo, de os sindicatos

adotarem uma comunicação mais próxima à produzida pelos grandes

meios:

Um grupo de trabalho composto por pesquisadores do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) desenvolveu uma série de entrevistas com dirigentes sindicais e profissionais de comunicação de sete das principais capitais brasileiras em 1991. O resultado aponta para uma tendência cada vez mais acentuada dos setores de comunicação dos sindicatos de seguir os padrões de forma e conteúdo desenvolvidos pelos veículos comerciais. Na pesquisa citada se verificou uma crescente progressão dos processos de verticalização no aspecto comunicacional, tanto na relação dos dirigentes com os profissionais do setor, como na relação entre a comunicação da entidade e os receptores destinatários. Aqui, verifica-se que, apesar das críticas do movimento sindical contra o sistema representado pelos veículos comerciais, existe uma forte tendência para reproduzir o mesmo modelo (VIEIRA, 1996, p.28).

A opção pela utilização em demasia desses meios pode inibir o

desenvolvimento da comunicação do sindicato ou mesmo tolher a procura

por formas “alternativas” de comunicação, inclusive mais próximas

historicamente dos movimentos populares. Embora a utilização do termo

“alternativa” neste trabalho seja feita com ressalvas, alguns exemplos

dessas formas são: as rádios comunitárias ou as chamadas rádios de

poste, os carros de som, a panfletagem, a utilização de cartazes, de blogs

ou sites e mesmo os jornais podem ser inseridos nesse grupo.

Nem todos os sindicatos seguem essa tendência de investir em grandes

mídias em detrimento de mídias próprias. Principalmente os mais

aguerridos procuram estruturar assessoria de imprensa própria e

desenvolver meios de comunicação dirigidos a sindicalizados, a setores

mais amplos, como familiares e amigos e a outras entidades sindicais e

de movimentos sociais.

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Apesar dos esforços que tem feito, contudo, a comunicação sindical

mostra-se desfocada do público-alvo na medida em que tem despertado

pouco interesse dos leitores e da sociedade. A relação que o sindicato tem

estabelecido com sua base, público dos impressos, é um dos fatores que

podem contribuir para uma baixa leitura dos jornais sindicais. Percebe-se,

em alguns casos, uma postura pouco sensível e unilateral adotada pelo

sindicato em relação ao fazer comunicacional. Essa postura rígida propicia

a constituição de uma imprensa mais fechada, com olhar pouco voltado

para seu público (isso se reflete até mesmo nos poucos espaços

interativos encontrados nos diversos meios de comunicação, do impresso

ao site. Nos impressos, restringem-se, quando muito, a seção de cartas

ou artigos. Nos sites, a e-mails e telefones para contato).

Essa forma impositiva de se construir notícias, de fornecer informação

subestima o leitor e deixa de lado a possibilidade de construção conjunta

de idéias e concepções. Simplesmente porque fica distante a possibilidade

de o leitor ser um sujeito social ativo, crítico e consciente com espaço

para não aceitar as coisas da forma como são colocadas:

No aspecto da linguagem, existe uma forte tendência para substituir o discurso da classe dominante (que muitas vezes encobre a realidade e contribui para construir sujeitos dominados) por um outro discurso igualmente dominador. Isso porque, ao invés de buscar a emancipação intelectual dos trabalhadores, do público ao qual se dirige, a comunicação praticada pelas entidades sindicais tem se orientado apenas para a “conquista das mentes e corações de seus alvos: leitores, telespectadores ou ouvintes”, mesmo que para isso precise formular uma visão unilateral dos acontecimentos. O conteúdo e a linguagem ficam orientados para referendar o que já está definido pelo determinismo político das direções. Não há discussão e isso é o maior exemplo do autoritarismo (VIEIRA, 1996, p.51).

A informação ou idéia é dada de forma fechada, como se o leitor tivesse a

obrigação de entendê-la como a versão verdadeira. No mundo de hoje,

repleto de diferentes fontes de informação, com visões de mundo

expressas em outras mídias, é quase impossível um leitor assimilar

passivamente as idéias postas no jornal sindical como se fosse uma tábua

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rasa e não tivesse suas próprias idéias e concepções dos fatos e da

realidade. Como o jornal abre pouco espaço para ser criticado ou para ter

suas matérias e idéias questionadas, a própria linguagem das matérias é

muitas vezes impositiva, a tendência do leitor é rejeitar o jornal sindical,

percebendo-o como fonte de pouca credibilidade ou taxando-o de radical.

A postura incisiva somada a linguagem fechada contribuem para essa

diminuição da aceitação da imprensa sindical.

O uso freqüente das chamadas palavras de ordem (frases-chavões), tão

características do jornalismo sindical, é um dos fatores de linguagem que

podem contribuir para uma diluição de identificação com o leitor e

conseqüente perda de credibilidade. Os sindicalistas defendem que essas

expressões transmitem em poucas palavras muito da ideologia do

movimento, mais do que isso, exalam espírito de luta. Todavia, muitas

das expressões utilizadas nos informes e discursos sindicais parecem ser

vazias de conteúdo e significado para boa parte da população e mesmo

dos sindicalizados. Podem, inclusive, se mal colocadas, como, por

exemplo, se utilizadas no lugar de argumentos, ser interpretadas como

tentativa de convencimento a força, com baixo teor argumentativo.

A questão da parcialidade das notícias, tão alardeada pelos grandes meios

(embora seja um tanto discutível a real parcialidade de suas matérias) e

pouco cultuada no sindicalismo, pode ser outro fator de perda de

credibilidade da imprensa sindical. Enquanto a grande mídia se esforça

por vender uma imagem, mesmo que discutível, de imparcial e, quase

que conseqüentemente, de verdadeira e confiável; a imprensa sindical

tende a transmitir uma imagem de passional e aguerrida, o que, para

muitos leitores, principalmente os de fora do movimento que não

compartilham do mesmo ideário, corrobora uma perda de credibilidade.

Um dos aspectos onde isso pode ser identificável está na exibição de

diferentes pontos de vista nas matérias. Na imprensa sindical, quando o

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outro lado é ouvido e explicitada sua fala, geralmente é reproduzida

envolta numa aura de vilã, colocada num lugar de inimigo.

O espaço, no jornal sindical, para pontos de vista diferentes ou contrários

aos do movimento tende a ser restrito. Como o periódico é usado como

arma na disputa por espaço, ceder espaço para a voz do “inimigo”, que

geralmente possui mais recursos para disseminar sua ideologia16, é visto

como algo improducente. Uma das conseqüências disso é um discurso

que diz quase sempre a mesma coisa, sem procurar agregar outras

opiniões ou visões de mundo.

Mesmo assim, com suas peculiaridades, virtudes e debilidades, a

comunicação sindical tem marcado a história do Brasil e continua

influenciando movimentos, entidades, organizações e pessoas. Sua

história se confunde com a de seu sujeito, dada a relação entremeada

entre sujeito e obra, obra e sujeito. Estudar essa comunicação hoje, do

ponto de vista jornalístico, contribui para a elucidação de aspectos do

movimento sindical e para reflexão sobre a utilização da comunicação por

seu sujeito.

Pois uma demanda se mostra mais forte - numa sociedade complexa - quando consegue expressar-se numa linguagem que outros setores da sociedade entendam e possam aceitar. Quando ela é vasta, porém, em propósitos que só valem para um grupo fica relativamente fraca, pelo menos quanto à possível persuasão dos

16 A ideologia é vista aqui sob o seguinte prisma proposto por Teun van Dijk (1994, p.72):

En la parte inferior del recuadro de memoria semántica localizo los sistemas de ideologías porque son estos sistemas los que tienen el control sobre la mirada evaluadora de la cual hablamos antes. [...] expreso un gran interés por saber lo que pasa a nivel de las ideologías, por conocer acerca de las estructuras de este tipo de actitudes y la manera como estas actitudes aparecen en la ideología. Cuando se dice que un grupo es ecológico es porque hay un grupo de personas que comparten estructuras y principios de base, que comparten un sistema de actitudes coherentes con la ideología, que la constituyen y la definen y que al mismo tiempo son constituidas y definidas por la ideología

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outros, e por isso se torna relativamente aprisionada. Convence quem está convencido, persuade os já conversos. Daí, sua debilidade discursiva. A força de um discurso está em ele se estender e estirar, em lançar velas ao vento, em deixar a cabotagem para se aventurar no perigoso mar oceano (RIBEIRO, 2000, p.42).

3. COMUNICAÇÃO SINDICAL NO TEXTO

3.1. Disputa ideológica e comunicação sindical

A comunicação, na visão do próprio movimento sindical17, tem sido usada

pelo sindicato não apenas para informar, mas também para formar

opinião, disputar versões de fatos, idéias e concepções na sociedade.

Partindo desse viés da utilização da comunicação como ferramenta de

contestação e, conseqüentemente, de disputa de espaço social, o estudo

tem por objetivo entender como esse discurso do movimento sindical vem

sendo construído, principalmente em contraposição a discursos

antagônicos, como o do Governo Federal.

Discurso neste trabalho, assim como em Norman Fairclough (2001), é

visto como uma prática, não apenas de representação, mas

principalmente de significação de mundo, contribuindo para constituição

(reprodução ou quebra) de diferentes dimensões da estrutura social.

Ao usar o termo ‘discurso’, proponho considerar o uso de linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis institucionais. Isso tem várias implicações. Primeiro, implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo, e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação (FAIRCLOUGH, 2001, p.91).

Esse “agir sobre o mundo” de que fala Fairclough, neste processo de

reprodução ou quebra de dimensões sociais, implica numa dimensão de 17 Ver capítulo 2, item 2.1. Conceituando imprensa sindical, conceituação da imprensa sindical e visão desta por jornalistas, diretores sindicais e estudiosos.

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embate ideológico do discurso. A ideologia é, então, compreendida como

um sistema de crenças ou práticas simbólicas, construídas por formas de

concepção e de representação que traduzem relações de poder e

dominação. Para John Thompson:

A interpretação da ideologia envolve, necessariamente, a análise sócio-histórica das relações estruturadas de poder, com respeito às quais o papel das formas simbólicas é discutido. Por isso, a interpretação da ideologia pode servir para estimular a reflexão crítica sobre as relações de poder e dominação, suas bases, seus fundamentos e as maneiras pelas quais elas são sustentadas (THOMPSON, 1995, p.38).

A construção do discurso é vista, neste trabalho, sob o viés ideológico na

medida em que, ao conceber e representar a realidade, o discurso traduz

relações de poder e dominação (contribuindo para o reforço ou, ao

contrário, para a quebra dessas relações de dominação). O discurso

sindical pode, portanto, apresentar características ou táticas

argumentativas que reforcem ou que transcendam o sistema hegemônico

ao qual se contrapõe.

Sob este viés, a hegemonia, que já atingiu o senso comum e é vista de

forma cristalizada, ou seja, estável18; é passível de transformações a

partir da modificação das práticas discursivas. Relações de dominação,

por exemplo, podem ser transformadas a partir de uma mudança de

discurso. Da mesma forma, é possível que, diante de mudança no cenário

social, práticas discursivas tornem-se obsoletas, extinguido-se ou

remodelando-se para dar conta de representar a realidade, de cumprir

função social. Trata-se de uma via de mão dupla onde tanto o discurso

influencia relações sociais, quanto é influenciado por elas.

18 “As ideologias construídas nas convenções podem ser mais ou menos naturalizadas e automatizadas, e as pessoas podem achar difícil compreender que suas práticas normais poderiam ter investimentos ideológicos específicos. Mesmo quando nossa prática pode ser interpretada como de resistência, contribuindo para a mudança ideológica, não estamos necessariamente conscientes dos detalhes de sua significação ideológica” (FAIRCLOUGH, 2001, p.120).

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No episódio da reforma da Previdência, sindicatos classistas de categorias

de servidores públicos assumiram um papel bastante ativo nas discussões

sobre a reforma, na produção de matérias e informes destinados à

categoria e à sociedade e na realização de mobilizações, passeatas e

greves em diversos pontos do país, motivados pela disputa ideológica dos

fatos, pela necessidade de transformar o meio social naquele momento.

Os sindicatos analisados, em conjunto com outros movimentos sociais,

entidades de classe, associações civis e correntes políticas, têm como

objetivo, em 2003, frear o processo de implementação da reforma da

Previdência para efetivamente discutir e estudar o projeto do governo,

outros projetos e alternativas de mudanças e melhorias para a

Previdência Social. O discurso do movimento sindical, no episódio

Reforma da Previdência, contrapõe-se quase que diretamente ao discurso

do Governo, cuja intenção é a de implementar a reforma em 2003, leia-se

aprová-la no Congresso e no Senado Nacional. A fim de melhor entender

a construção do discurso sindical, a pesquisa examina também o discurso

governista com o qual mantém uma relação de confronto.

3.2. Análise dos textos do site do Ministério da

Previdência Social - (www.previdenciasocial.gov.br/reforma)

O sistema previdenciário dos servidores públicos está profundamente desequilibrado, em razão de regras inadequadas de acesso à aposentadoria e cálculo dos benefícios. O conjunto de mudanças do sistema previdenciário que propomos busca reverter o crescimento desse grave desequilíbrio e garantir que as aposentadorias da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios continue a ser honrada19 (site Reforma da Previdência, dez 2005, seção A Reforma).

19 Todos os grifos são de autoria da pesquisadora.

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Assim começa o texto da seção A Reforma, cujo ícone localizado à direita

do menu superior, sugere que seja a primeira seção da página online.

Apesar da linguagem aparentemente objetiva, o emprego de adjetivos e

expressões como “profundamente desequilibrado”, “grave desequilíbrio”,

“aposentadorias a ser honrada” revelam um texto repleto de juízos de

valor. Estes juízos de valor implicam numa certa parcialidade e apontam

para aspectos ideológicos do texto.

Toda oração é multifuncional e, assim, toda oração é uma combinação de significados ideacionais, interpessoais (identitários e relacionais) e textuais. As pessoas fazem escolhas sobre o modelo e a estrutura de suas orações que resultam em escolhas sobre o significado (e a construção) de identidades sociais, relações sociais e conhecimento e crença. O uso de um termo e não de outro, de um sinônimo, a aplicação de determinado verbo podem refletir significâncias política e ideológica (FAIRCLOUGH, 2001, p. 104).

A primeira frase do texto aborda a situação atual do sistema

previdenciário (no início de 2003, ou seja, antes da reforma): “O sistema

previdenciário dos servidores públicos está profundamente

desequilibrado, em razão de regras inadequadas de acesso à

aposentadoria e cálculo dos benefícios”. Além de profundamente

desequilibrado, o uso da expressão “grave desequilíbrio”, mais adiante, e

nos parágrafos seguintes as frases: “Temos convicção de que os

servidores não são os responsáveis pelo desequilíbrio nas contas do

sistema previdenciário” (seção A Reforma, 2º parág.) e “Mas o fato é que

as regras estabelecidas anteriormente na previdência dos servidores não

garantem equilíbrio entre as contribuições e os benefícios pagos” (seção A

Reforma, 3º parág.) reforçam a construção dessa imagem de uma

Previdência Pública em desequilíbrio com sua conta pública.

A construção dessa imagem de um sistema Previdenciário frágil,

ineficiente faz parte da estratégia argumentativa do governo para

convencer seus leitores (a população) da necessidade da reforma e, ao

mesmo tempo, reflete a posição política e ideológica do governo. A

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freqüência com que a questão do desequilíbrio no sistema previdenciário

é abordada ao longo de todo o site20, amparada ou não por números

comparativos e argumentações que procuram embasar tal afirmação,

mostram a importância para o governo da cristalização desse ideário.

Isso porque este argumento de que a previdência social está em

desequilíbrio constitui o cerne do discurso construído pelo governo. É a

partir dessa concepção que o Governo justifica a necessidade de

mudanças da Previdência Social e, conseqüentemente, busca a

aprovação, dos leitores (da sociedade) para implementação da proposta

de lei relativa à reforma.

Esse mesmo texto da seção A Reforma finaliza com a seguinte frase

justificando a necessidade de reforma: “Precisamos alterar essas regras

com urgência, preservando os direitos já adquiridos”. A lógica da

construção dos argumentos no discurso do governo demonstra ser a

seguinte:

a) 1º Pressuposto - A Previdência Pública encontra-se em

desequilíbrio

Ex: “Mas o fato é que as regras estabelecidas anteriormente na

previdência dos servidores não garantem equilíbrio entre as

contribuições e os benefícios pagos” (seção A Previdência).

b) 2º Pressuposto - A Reforma vai equilibrá-la

Ex: “A reforma tem como objetivo garantir direitos que hoje são

incompatíveis com as regras de financiamento e dar justiça

social ao uso de recursos do Orçamento [...]” (seção Perguntas

Freqüentes).

20 Só o texto da seção “A Reforma”, que consta de três parágrafos e um box, possui quatro frases com referência direta ao desequilíbrio (a palavra “desequilíbrio” aparece três vezes e a expressão “garantir o equilíbrio” uma vez).

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c) Logo - Precisamos fazer reforma para equilibrar o sistema

previdenciário

Ex: “Precisamos alterar essas regras com urgência, preservando

os direitos já adquiridos” (seção A Previdência).

A partir dessa noção consolidada de Previdência desequilibrada é que o

discurso governista justifica a necessidade da reforma: “O conjunto de

mudanças do sistema previdenciário que propomos busca reverter o

crescimento desse grave desequilíbrio [...]” (seção A Previdência).

O servidor público é outro elemento bastante abordado nos textos das

seções do site e nos artigos do ministro da Previdência. Ex: “Temos

convicção de que os servidores não são os responsáveis pelo desequilíbrio

nas contas do sistema previdenciário. Os funcionários públicos são

essenciais à estrutura do Estado e vêm cumprindo sua missão profissional

com dedicação” (seção A Reforma). Neste texto, há um discurso de

defesa do servidor público, que tenta quebrar a idéia de que seriam eles

os responsáveis pelo desequilíbrio nas contas previdenciárias ou que

formariam uma casta de privilegiados.

Outros textos, contudo, passam a idéia de que os trabalhadores da

iniciativa privada e a sociedade acabam pagando parte da conta da

previdência dos servidores públicos. Estes últimos teriam, portanto,

vantagens ou “privilégios” sustentados por toda a sociedade:

Porque as contribuições de servidores, da União, dos Estados, do DF e dos municípios não têm sido suficientes para pagar as despesas com aposentadorias e pensões. Quando isso acontece, toda a sociedade cobre a diferença com o pagamento de tributos. Em 2002, forma necessários R$ 39 bilhões para cobrir a conta (seção Perguntas Freqüentes).

Pode-se observar, portanto, uma contradição na imagem do servidor

público construída no discurso do governo que ora defende de forma

contundente a imagem do servidor público, ora aponta este segmento

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como privilegiado dentro do sistema, onerando toda a sociedade. Há um

cuidado no discurso em não caracterizar o servidor como responsável pela

suposta crise no sistema previdenciário, o próprio sistema é apontado

como falho e injusto, “as regras estabelecidas anteriormente na

previdência dos servidores não garantem equilíbrio entre as contribuições

e os benefícios pagos” (seção A Previdência). Geralmente, ao caracterizar

o servidor como privilegiado, o discurso governista procura mais uma vez

justificar a necessidade de uma reforma no sistema previdenciário.

O discurso do governo reflete essa posição delicada (e contraditória) de

explanar a necessidade de uma reforma, mostrando uma Previdência

social injusta, com desequilíbrios e privilegiados, e ao mesmo tempo se

colocando na posição de defendê-la, uma vez que faz parte da própria

estrutura do aparelho estatal. Evita criticar também as categorias dos

militares e juízes, colocados pela grande mídia na época como também

privilegiados do sistema. A única menção aos militares nos textos do site

do governo é quase um elogio: “Vale lembrar ainda que os militares já

contribuem para pensões quando vão para a reserva ou são reformados”

(seção Perguntas Freqüentes).

Ao buscar esse tom de conciliação, tentando mostrar desequilíbrio e

injustiça e ao mesmo tempo não se indispor com nenhuma categoria

social, o governo revela um posicionamento dúbio, produz um discurso

contraditório, como foi mostrado a respeito da imagem dos servidores

públicos.

Com relação à construção da própria imagem, contudo, não há

ambigüidades. Os exemplos abaixo, extraídos do texto da seção A

Reforma, trazem frases na primeira pessoa do plural que mostram a voz

do governo com suas colocações e conseqüentemente a forma como se

posiciona dentro do próprio discurso, como constrói a própria imagem:

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O conjunto de mudanças do sistema previdenciário que propomos busca reverter o crescimento desse grave desequilíbrio e garantir que as aposentadorias da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios continue a ser honrada. Temos convicção de que os servidores não são os responsáveis pelo desequilíbrio. Precisamos alterar essas regras com urgência, preservando os direitos já adquiridos.

A construção da imagem do governo é feita com colocações firmes, frases

afirmativas que transmitem a idéia de sujeito forte, superior, que sabe o

que está fazendo melhor do que ninguém e é capaz de fazê-lo para o bem

de seu povo. Verbos fortes acompanham o sujeito oculto que representa

o governo (propor, buscar, reverter, garantir, ter convicção, precisar,

preservar). Não há margem para dúvidas ou questionamentos, as

informações são colocadas de forma direta e objetiva, num tom

explicativo, mas ao mesmo tempo enérgico, “Precisamos alterar essas

regras com urgência”, ou seja, não há tempo para muitas discussões e

divergências. O governo adota uma postura protetora que pode ser

comparada à da figura paterna - sabe o que é melhor e faz o melhor para

seus filhos – no caso, a população brasileira.

A referência a outras vozes, a outros discursos e sujeitos sociais faz-se

presente no discurso governista mesmo que de forma indireta ou

implícita. Em “Só pode temer a reforma quem ainda não pôde conhecer

com detalhes a situação da Previdência no Brasil e as mudanças

propostas pelo governo Lula” e “É um tema que gerou muita polêmica nos

últimos anos, muitas vezes por desinformação e falta de diálogo” (seção

Perguntas Freqüentes) há referências a discursos anteriores de outros

sujeitos sociais: os que “temem a reforma”, os que geraram “polêmica”,

provavelmente sujeitos críticos e oposicionistas.

Ao fazer essa referência, mesmo que genérica, o discurso do governo

remete-se não apenas a sujeitos que temem e os que geram polêmica,

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mas a discursos que criticam a reforma e o governo, tanto que o governo

se defende dizendo que eles não conhecem “a situação da Previdência no

Brasil e as mudanças propostas pelo governo Lula”. Ao fazer essa

colocação, está defendendo a sua idéia de reforma e também a imagem

do governo Lula (criticam o governo porque não conhecem as mudanças

propostas pelo governo).

No outro exemplo, “É um tema que gerou muita polêmica nos últimos

anos, muitas vezes por desinformação e falta de diálogo”, há uma

referência às discussões e debates (polêmica) que vêm ocorrendo nos

últimos anos (antes mesmo de Lula assumir a presidência),

provavelmente quando o governo de Fernando Henrique Cardoso levou

proposta de reforma da Previdência Social ao Congresso Nacional, em

1998.

O discurso governamental mostra-se permeado de referências e de

discursos desses sujeitos sociais, mesmo que para criticá-los ou para

defender-se de suas críticas. Essa menção ao outro e a presença de sua

voz do discurso do governo reflete o que Michael Bakhtin chama de

dialogismo, que se define pela relação do discurso com a enunciação, com

o contexto sócio-histórico ou com o “outro”.

Para Bakhtin o texto é concebido como “um ‘tecido de muitas vozes’, ou

de muitos textos ou discursos, que se entrecruzam, se completam,

respondem uma às outras ou polemizam entre si no interior do texto [...]”

(in BARROS, 2005, p.34). Pelo fato de Bakhtin não ver a língua como

ideologicamente neutra, aponta a linguagem como palco de choques e

contradições entre os diferentes discursos. Esses choques e

confrontações, marcados por interesses divergentes, podem ser

observadas nesta disputa entre os discursos do governo e do movimento

sindical.

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Os textos das seções do site Reforma da Presidência são caracterizados

por frases curtas e linguagem acessível (evita-se a construção de

períodos longos, assim como o emprego de palavras difíceis ou termos

técnicos). Em vários trechos, contudo, há erros de concordância verbal e

nominal e de digitação, o que demonstra uma falta de cuidado com a

revisão dos textos21.

A linguagem objetiva só perde um pouco esse tom para se aproximar do

leitor/internauta, tornando-se mais emotiva. O uso da primeira pessoa do

plural, em alguns trechos, faz parte dessa tentativa de aproximação. “A

reforma é uma necessidade orçamentária e previdenciária do país. Por

isso, temos dito que o País vai quebrar se não a fizer. E também sabemos

que é uma entre tantas medidas que precisam ser tomadas em nosso

país” (seção Perguntas Freqüentes).

A análise, a seguir, dos artigos contidos na seção Opinião22 do site, de

autoria do ministro da Previdência Social e do deputado federal e

presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genuíno, complementa o

estudo do perfil do discurso governista. Os artigos de autoria do ministro

datam de 25 de janeiro a 5 de abril e são: “Previdência justa e

sustentável” (a), “O servidor e a Reforma da Previdência” (b), “Os

desafios da reforma da Previdência Social” (c), “Os fetiches do PLP 9” (d).

Do presidente do PT é veiculado um único artigo “Previdência: uma

reforma justa e necessária” (g), publicado também no site do PT Ceará

(www.ptceara.org.br), em 2 de maio.

21 “O conjunto de mudanças do sistema previdenciário que propomos busca reverter o crescimento desse grave desequilíbrio e garantir que as aposentadorias da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios continue a ser honrada” (seção A Reforma) e “Porque as contribuições de servidores, da União, dos Estados, do DF e dos municípios não têm sido suficientes para pagar as despesas com aposentadorias e pensões” (seção Perguntas Freqüentes). 22 Todos os artigos utilizados pela pesquisa encontram-se anexos nas últimas páginas da dissertação, estando, assim, disponíveis para consulta.

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3.2.1. Análise do artigo Previdência justa e sustentável

Previdência justa e sustentável Folha de S. Paulo, 24 de janeiro de 2003 Ricardo Berzoini

A Previdência Social completa hoje 80 anos de existência no Brasil, fechando um ciclo que impõe um profundo balanço. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito por quase 53 milhões de votos e pela esperança na construção de um Brasil melhor, assumiu durante a campanha o compromisso de tratar a Previdência Social como uma prioridade de governo. Por sua relevância social e seu impacto econômico, sua reforma será um dos pilares desse novo país. Um pilar fundado em dois pressupostos essenciais: justiça social e viabilidade financeira. A necessidade de um sistema que possa ser sustentável e ao mesmo tempo justo socialmente nos dá a direção para um conjunto de medidas que possa conferir segurança aos beneficiários de hoje e do amanhã. Previdência é exatamente isso: planejar o futuro.

O primeiro parágrafo do texto transmite firmeza na posição do governo

em promover a Reforma da Previdência. Começa citando o alto número

de votos obtidos pelo presidente eleito, demonstrando a credibilidade e a

força desse novo governo para, em seguida, falar do enfoque dado à

reforma da previdência:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito por quase 53 milhões de votos e pela esperança na construção de um Brasil melhor, assumiu durante a campanha o compromisso de tratar a Previdência Social como uma prioridade de governo. Por sua relevância social e seu impacto econômico, sua reforma será um dos pilares desse novo país (BERZOINI, Previdência justa e sustentável. jan 2003. a).

Este trecho mostra a preocupação do artigo com a construção da imagem

do governo Lula, ainda nas suas primeiras semanas de funcionamento, e

com a imagem da relação do novo governo com a reforma da

previdência: a promessa de campanha vira um compromisso prioritário de

governo. A imagem do governo construída neste trecho é o de uma

entidade respaldada pela sociedade, eleito por quase 53 milhões de

votos; que honra suas promessas e compromissos; séria e sabedora do

melhor para o país.

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O trecho “e pela esperança na construção de um Brasil melhor” remete a

um discurso anterior, quando o candidato vencedor das eleições

presidenciais, Luis Inácio Lula da Silva, comemorou com a frase “A

esperança venceu o medo”, numa referência indireta à fala da atriz

Regina Duarte que, em propaganda eleitoral, declarou ter medo de uma

vitória eleitoral do PT. Toda a sociedade, e não apenas a esfera política,

reagiu à declaração de Regina Duarte (os petistas rotularam de discurso

do medo). A repercussão do incidente da atriz só não foi maior que a

gerada pela frase de efeito do recém-eleito presidente da república “A

esperança venceu o medo”, que não tardou a virar mote, no discurso

governista e de setores da esquerda, na fase de transição e nos primeiros

meses do governo Lula.

Os termos:“profundo balanço”, referente ao aniversário de 80 anos da

Previdência Social; “prioridade de governo”; “relevância social”; “impacto

econômico”; “pilares desse novo país” dão peso e transmitem seriedade

ao texto. Não se trata de qualquer balanço, está se falando de um

profundo balanço. Os outros termos são referentes à Previdência Social e

sua reforma:

Por sua relevância social e seu impacto econômico, sua reforma será um dos pilares desse novo país. Um pilar fundado em dois pressupostos essenciais: justiça social e viabilidade financeira.

Ao estabelecer como pressupostos principais a justiça social e a

viabilidade financeira, o texto coloca em pauta duas questões cruciais

relativas à Reforma da Previdência e que faz parte do discurso governista

durante todo o período do processo da Reforma: a versão de que a

Previdência Social é deficitária e insustentável; e a desigualdade do

sistema previdenciário entre trabalhadores do setor público e os

trabalhadores do setor privado.

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No Brasil, convivemos com três sistemas previdenciários: o Regime Geral de Previdência Social (aplicado aos trabalhadores em geral e administrado pelo INSS), o Regime Próprio dos Servidores Públicos (destinado aos funcionários de carreira do Estado, nos três níveis da federação) e o Sistema Complementar (em que fundos de pensão ou empresas de previdência aberta buscam assegurar um benefício adicional à aposentadoria). Pretendo aqui discutir alguns pontos relativos ao Regime Geral e ao Regime Próprio. O Regime Geral, que o cidadão conhece por meio dos postos do INSS, será alvo de uma grande mudança de gestão. Há críticas graves e procedentes que terão por parte do Ministério da Previdência Social e da direção do INSS respostas objetivas e, quando necessário, duras. Aposentados e pensionistas, que por décadas deram seu suor para sustentar filhos e às vezes até mesmo netos, devem ser tratados com o devido respeito. As acusações de fraudes na concessão de benefícios ou na arrecadação não ficarão sem resposta. É obrigação nossa combatê-las de modo incansável. Para isso, vamos reforçar a fiscalização e ampliar as parcerias com o Ministério Público e com a Polícia Federal. Além disso, a sonegação será tratada com rigor. O sonegador, além de descumprir obrigações, pratica concorrência desleal com os contribuintes corretos. A fragilidade tecnológica do sistema de concessão de benefícios e da cobrança de contribuições também precisa ser superada. Anos de omissão prejudicaram a Dataprev, reduzindo sua capacidade de prevenir riscos e fraudes sofisticadas.

Neste trecho o ministro trata de questões técnicas e específicas da

Previdência (sonegação, direitos de servidores, aposentados e

pensionistas, fraudes na concessão de benefícios, fragilidade tecnológica

do sistema), inclusive fazendo referência a “críticas graves e procedentes

que terão por parte” do Ministério e da direção do INSS respostas

objetivas. De novo faz referência a discursos anteriores trazendo-os para

seu texto, e, de certa forma, respondendo-os.

A forma objetiva e simples com a qual o ministro trata dessas questões

tende a transmitir segurança ao leitor, tende a transmitir confiança no

que está sendo dito e, conseqüentemente, feito. Não há espaço para

dúvidas ou questionamentos ao longo do texto, mas ao mesmo tempo

não sufoca o leitor com excesso de determinismo. O texto reconhece

dificuldades sem se deter em detalhes ou questionamentos, colocando as

soluções, as posições do governo logo depois. Passa a impressão de que

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existem dificuldades, porém passíveis de serem resolvidas sem grandes

dificuldades, estando o governo a tomar as devidas providências.

Com essas mudanças, queremos recuperar a credibilidade do INSS, que tem sido desgastada, diga-se, muito mais pela ingerência política de grupos do que por seu corpo de funcionários, em geral comprometido com o espírito público que deve pautar a ação do Estado. Essas mudanças, porém, não são suficientes. Temos muitos trabalhadores na informalidade, que não contribuem para o INSS. São vítimas da crise econômica que reduz as vagas de emprego com carteira assinada. Isso se reflete na arrecadação e no futuro previdenciário desses milhões de brasileiros. O INSS também é responsável pela concessão de benefícios com forte repercussão social, entre eles os destinados aos trabalhadores rurais. Atualmente, mais de 18 milhões de pessoas superam a linha de pobreza porque têm acesso a uma aposentadoria de R$ 200. Esse subsistema custa mais de R$ 14 bilhões, plenamente justificável por seu impacto social.

O Regime Próprio dos Servidores Públicos é hoje o principal foco de atenção da sociedade. Estão colocadas para debate propostas de mudanças na legislação que rege as concessões de aposentadorias e pensões para os servidores da União, dos Estados e dos municípios. O que se quer, em linhas gerais, é transformar o sistema atual, complexo e em alguns casos até injusto, num conjunto de regras claras e, sempre que possível, isonômicas. Esse debate, entretanto, não será meramente fiscal, tratando o servidor público como uma unidade estatística a ser enquadrada num modelo econômico liberal. O servidor tem que ser valorizado e respeitado. A ele e à sociedade que paga por seus serviços deve-se dar conhecimento da realidade financeira do Estado. Não há recursos que financiem as regras atuais. Além disso, felizmente, vive-se hoje cada vez mais. Portanto, é preciso reequilibrar as contribuições necessárias aos benefícios que duram mais e mais anos.

Volta a fazer críticas ao sistema “atual”, adjetivando-o de “complexo” e

“injusto”, colocando como contraposição um sistema reformado com

“regras claras” e “isonômicas”. Essa argumentação baseada na

comparação entre o sistema existente e o sistema pós-reforma

previdenciária é usada ao longo de todo o discurso governamental na

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tentativa de convencer a opinião pública da necessidade de se realizar a

reforma. Faz parte, portanto, da estrutura argumentativa do governo.

Nas frases seguintes, o ministro toca na imagem do servidor público,

valorizando-a. A culpa do provável déficit da Previdência não recai no

servidor público, e sim num sistema financeiro ultrapassado. “Não há

recursos que financiem as regras atuais”, essa idéia de que o sistema

previdenciário da época é insustentável é dita de diferentes formas nos

discursos governistas, repercutindo na grande mídia. É contra esses

argumentos que os jornais sindicais vão se posicionar, tentando derrubar

a informação de que a Previdência Social é deficitária, enquanto que o

governo tenta reforçar essa idéia.

A rediscussão das regras da Previdência está na agenda de praticamente todos os países, sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento. Não devemos mudar por modismos. Nem vamos ceder a argumentos tecnocráticos. A partir do debate, que deve contar com a participação de todos, queremos chegar a um regime que represente mudar com segurança, respeitando direitos e garantindo um futuro melhor. * Ricardo Berzoini, 42, é ministro da Previdência Social. Em 2002, foi reeleito deputado federal pelo PT de São Paulo.

O final do texto volta a trabalhar a construção de uma imagem do

Governo de credibilidade e firmeza. As frases “Não devemos mudar por

modismos” e “Nem vamos ceder a argumentos tecnocráticos” além de

trazerem a voz do governo se colocando firmemente, fazem referência a

outros discursos, o discurso dos que criticam o governo por agir

oportunamente (por modismo) e dos que criticam tecnicamente a

proposta de reforma. Para reafirmar a imagem de um governo

determinado e seguro, o artigo faz referência a discursos de outros

sujeitos sociais respondendo-os e criticando-os (como quando, por

exemplo, classifica argumentos alheios, não especifica o autor desses

argumentos, de “tecnocráticos”). Para reforçar a sua imagem, o discurso

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governista se utilizada do discurso do outro, estabelecendo uma relação

de comparação por oposição.

A frase final do artigo, “A partir do debate, que deve contar com a

participação de todos, queremos chegar a um regime que represente

mudar com segurança, respeitando direitos e garantindo um futuro

melhor”, é repleta de termos que reforçam essa imagem que o governo

quer atrelar a si (segurança passa uma idéia de governo seguro) e na

relação com a população (participação de todos, de democracia mais

ampla, plena) e (garantindo um futuro melhor, transmite idéia de um

governo que sabe o que é melhor para o seu povo e pretende garantir

essa melhoria).

E por último, conclama a sociedade a participar do debate sobre essas

mudanças, “respeitando direitos e garantindo um futuro melhor”. O

ministro termina o artigo de forma a transmitir calma e segurança ao

leitor.

3.2.2. Estrutura argumentativa do discurso governista

Pelo que se pode observar do artigo analisado e dos demais artigos (ver

anexos nas últimas páginas da dissertação) está presente no discurso

governista a imagem do governo e também imagens de outros sujeitos

sociais. Em: “A necessidade de um sistema que possa ser sustentável e

ao mesmo tempo justo socialmente nos dá a direção para um conjunto de

medidas que possa conferir segurança aos beneficiários de hoje e do

amanhã” (BERZOINI. Previdência justa e sustentável. 24 jan. 2003. a23)

governo se mostra preocupado em garantir a segurança dos beneficiários

23 Para melhor praticidade da manipulação e da leitura do material, os artigos do site da Previdência Social estão organizados em ordem cronológica pelas letras do alfabeto (de A a G) - bibliografia, página 154.

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e sabedor de como fazê-lo. Passa uma auto-imagem de agente protetor,

forte, seguro do que deve ser feito para o seu povo.

Enquanto que a sua imagem é a de um sujeito forte e seguro, a dos

outros segmentos sociais tende a ser vaga, permeada de referências

indiretas. O trecho: “Nem vamos ceder a argumentos tecnocráticos. A

partir do debate, que deve contar com a participação de todos, queremos

chegar a um regime [...]” (BERZOINI. a), o texto não diz de onde surgem

esses argumentos tecnocráticos, nem quem os emite. Os leitores que

estiverem acompanhando o embate a respeito da reforma podem deduzir

que se tratam de críticos e até relacionar nomes de autores ou correntes

políticas que vêem questionando o governo. O texto, no entanto, não

fornece maiores especificações sobre essas pessoas e suas idéias.

Ao falar do debate com a participação de todos, o excesso de

generalidade também leva a um esvaziamento de sentido. “Todos” é

muito amplo para uma sociedade da complexidade da brasileira e para o

entendimento das diferentes dimensões que a discussão da reforma

abarca. Falar de todos é não apontar os setores sociais que vêm se

envolvendo na discussão, a maioria em contraposição ao governo, é não

tornar o processo de discussão e de envolvimento nela palpável.

A pesquisa localizou, nos artigos do ministro e do presidente do PT,

referências a sujeitos e grupos sociais que, para efeito de estudo, foram

classificados em três grandes grupos, de acordo com a imagem que o

governo procura construir desses sujeitos:

a) a dos sujeitos amigos que dialogam com o governo;

b) a dos sujeitos críticos que não dialogam e desconhecem ações e

proposta do governo;

c) a da sociedade, geralmente colocada numa posição de passividade

e de concordância com relação às posturas do governo

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O quadro abaixo ilustra, dentro desse agrupamento proposto, construções

de imagem do discurso governista com exemplos extraídos dos artigos:

Tabela 1 – Construção de imagens no discurso governista

GOVERNO

GRUPO A (amigos)

GRUPO B (críticos)

GRUPO C

(sociedade) O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito por quase 53 milhões de votos e pela esperança na construção de um Brasil melhor (BERZOINI. Previdência justa e sustentável. a).

Discuti o assunto com sindicalistas em São Paulo, em Belo Horizonte, na Bahia e no Rio Grande do Sul. Fui a audiências no Congresso Nacional e no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Discuti o tema com 27 governadores e com mais de mil prefeitos em Brasília (BERZOINI. Os desafios da reforma da Previdência Social. c).

O PLP 9 [...] foi transformado em dois enganosos fetiches. [...] Para outros, expõe a prova cabal de que o atual governo apenas cumpre o roteiro definido por seus antecessores, mancomunados com banqueiros e organismos internacionais. A verdade tem mais laços com a razão fria das letras do que com a emoção tendenciosa das vozes (BERZOINI. Os fetiches do PLP 9. d).

Com essas mudanças, a sociedade brasileira terá a oportunidade de reduzir a desigualdade social e acelerar a retomada do crescimento econômico(BERZOINI. c).

A prioridade deste governo é garantir que mais brasileiros possam ter acesso, no futuro, a pelo menos um salário mínimo (c).

Durante os 30 primeiros dias do governo Luiz Inácio Lula da Silva, tive a oportunidade de receber em audiências 45 entidades de classe [...] Uma das sugestões recebidas por representantes de servidores foi o reconhecimento contábil da contribuição patronal da União à Previdência (BERZOINI. O servidor e a Reforma da Previdência. b).

Por debate, entendo o confronto franco, honesto e comprometido de idéias, números e fatos. Coisa que parte dos interlocutores, minoritária é verdade, tem se recusado a fazer. Preferem esconder-se atrás de velhos chavões, como o que sustenta que a reforma é exigência do FMI ou de banqueiros nacionais e internacionais (c).

Trata-se de dar um tratamento democrático e com visão claramente social [...], em um país em que 40 milhões de brasileiros e brasileiras economicamente ativos estão excluídos de qualquer proteção previdenciária (c).

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Pode-se perceber pelos exemplos do quadro que os sujeitos sociais vistos

como amigos, como parceiros são retratados geralmente dialogando com

o governo (escutando ou sugerindo), numa posição de concordância e

contribuição. Por outro lado, os sujeitos sociais críticos são colocados

numa postura de radicalidade, de pouco ou nenhum diálogo e de

desinformação: “Alguns dos que estão contra a tramitação do PLP 9

denunciaram tratar-se da privatização da Previdência do setor público,

contra a qual também estou e sempre estive. Estão enganados, creio,

pois não admito que estejam enganando a quem representam”

(BERZOINI. Os fetiches do PLP 9. 5 abr. 2003. d).

Já a sociedade, representada por brasileiros e brasileiras, servidores,

trabalhadores, etc, é posta, no discurso governamental, numa posição de

concordância, afinidade com o governo, numa demonstração, por outro

lado, de que este se encontra em consonância com a sociedade. Aparece

como sujeito passivo, numa posição de espera de que outro sujeito

(geralmente o governo) faça algo por ela – os 40 milhões de brasileiros e

brasileiras excluídos de proteção previdenciária devem aguardar que o

governo aloque os recursos orçamentários.

O exemplo: “O servidor tem que ser valorizado e respeitado. A ele e à

sociedade que paga por seus serviços deve-se dar conhecimento da

realidade financeira do Estado” (BERZOINI, a), traduz a postura do

discurso governista de procurar valorizar tanto o servidor quanto a

sociedade, porém colocando-os numa posição secundária como sujeitos

sociais. O servidor aparece como sujeito passivo na oração – “tem que ser

respeitado” não é ele quem impõe respeito - e, embora o sujeito “a

sociedade” exerça a ação de “pagar por seus serviços”, o “conhecimento

da realidade financeira do Estado” é fornecido, de acordo com esse

discurso, pelo governo, não é a sociedade que o exige. É, portanto, do

governo a iniciativa de respeitar os servidores e de fornecer informações

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financeiras do Estado. Demais sujeitos sociais, os próprios servidores e a

sociedade, ficam numa posição de aguardo, numa postura passiva.

Há, por outro lado, um esforço em se retratar a sociedade numa posição

ativa, acompanhada por verbos que indicam ação. Exemplos:

Com essas mudanças, a sociedade brasileira terá a oportunidade de reduzir a desigualdade social e acelerar a retomada do crescimento econômico (BERZOINI, c). O Regime Próprio dos Servidores Públicos é hoje o principal foco de atenção da sociedade (BERZOINI, a). Se as contribuições de cada sistema previdenciário não são capazes de cobrir integralmente as despesas com benefícios, a sociedade brasileira, por meio de impostos pagos ao Estado, é chamada a cobrir a diferença (BERZOINI,c).

No primeiro exemplo a sociedade brasileira ocupa a posição de sujeito da

oração e mostra-se senhora de ações de peso – “reduzir a desigualdade e

acelerar a retomada do crescimento”. No segundo exemplo, apesar de

ocupar posição de objeto direto na oração – “é hoje o principal foco de

atenção da sociedade”, a sociedade desenvolve a ação de ter como foco

de atenção a Previdência, conferindo importância ao assunto. Mesmo

ocupando, no segundo exemplo, posição gramatical secundária na oração

(de complemento do predicado), o sujeito social sociedade desempenha o

papel ativo, no contexto do enunciado, de focar sua atenção na

Previdência. É esta atenção da opinião pública que, neste contexto,

empresta peso ao assunto Previdência.

No terceiro exemplo, a sociedade brasileira aparece como agente da

passiva (é chamada, não é ela quem chama) e, ainda assim, seu papel é

de sujeito ativo, pois é ela quem vai cobrir a diferença das contribuições.

Mesmo posta como vítima de uma situação, de acordo com o contexto de

pagar a conta do sistema, e ocupando na oração o lugar de sujeito

apassivado, a sociedade executa ação no contexto - de arcar com o ônus

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de equilibrar as contas públicas. É representada, portanto, como um

papel sujeito social forte e ativo, apesar de sofrer as conseqüências da

Previdência em desequilíbrio (de ser também vítima).

Com relação à Previdência em si, o discurso governista trabalha com a

construção de duas imagens bastante diferentes. Uma diz respeito à

Previdência do momento presente em que se encontram os artigos (ano

de 2003) e descreve uma Previdência desequilibrada, injusta e deficiente,

como nos exemplos: “O Regime Próprio de Previdência dos Servidores

gerou um violento desequilíbrio fiscal nos últimos anos” (b) e “Os dois

sistemas [previdenciários], portanto, são subsidiados de forma desigual

por toda a sociedade brasileira” (c).

A outra imagem encontrada no discurso governista delineia uma

Previdência pós-reforma, que se concretiza caso a mudança no sistema

previdenciário seja realizada. Apesar dessa Previdência futurista ser uma

hipótese, uma projeção, seu tratamento nos textos governistas é o de

algo tão concreto e palpável quanto a Previdência real. Os exemplos

extraídos dos artigos ilustram esses aspectos:

Ao garantir o pagamento de um salário mínimo a esses trabalhadores, que representam quase dois terços dos beneficiários desse sistema, o Regime Geral de Previdência Social pode ser visto como o maior programa de redistribuição de renda do País (BERZOINI, c). O PLP 9 poderá dar um direito pelo qual os partidos de esquerda lutam há muito tempo para toda a classe trabalhadora. O sistema de fundos de pensão geridos por empregados e empregadores (BERZOINI, d).

Essa Previdência do futuro, embora idealizada, encontra-se ao longo de

todo o discurso governista, reforçando seus argumentos sobre a

necessidade de uma mudança na Previdência atual e as melhorias que

essas mudanças irão proporcionar. Comparações entre as imagens

construídas da Previdência presente e da Previdência futura são uma

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constante, a fim de convencer o leitor a aceitar e apoiar a realização

desta última Previdência, a do futuro. O quadro a seguir traz trechos dos

artigos que revelam essas imagens:

Tabela 2 – Imagens da Previdência Pública no momento presente e futuro

PREVIDÊNCIA PRESENTE

(real)

PREVIDÊNCIA FUTURA

(hipotética) “O INSS também é responsável pela concessão de benefícios com forte repercussão social. Atualmente, mais de 18 milhões de pessoas superam a linha de pobreza porque têm acesso a uma aposentadoria de R$ 200. Esse subsistema custa mais de R$ 14 bilhões, plenamente justificável por seu impacto social” (a).

“[...] instituir regimes de previdência complementar para capitalizar aposentadorias de seus servidores, cujos salários superem o teto pago pelo regime geral, do INSS” (d).

“[...] a necessidade de financiamento da previdência do setor público denuncia de forma inconteste a urgência de uma reforma capaz de criar regras mais justas e sustentáveis” (b).

“A sociedade brasileira terá a oportunidade de reduzir a desigualdade social e acelerar a retomada do crescimento econômico. [...]passará a tratar com maior igualdade os trabalhadores do setor público e do setor privado” (c).

“As diferenças de regras entre os dois sistemas previdenciários oneram de maneira desigual os recursos do Orçamento. [...] agrava ainda mais a desigualdade social no Brasil” (c).

“[...] a reforma permitirá à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios destinar [...] mais recursos a investimentos nas áreas sociais e de infra-estrutura [...]” (c).

A construção da imagem da Previdência pós-reforma caminha lado a lado

com o desenvolvimento da argumentação no discurso governista. Permite

que o governo expresse suas idéias sobre a Previdência e a sociedade que

deseja construir e proporciona a construção de uma cadeia argumentativa

que começa por criticar a Previdência atual e termina por enaltecer a

Previdência depois de realizada a reforma.

A lógica da construção dessa cadeia argumentativa apresenta-se da

seguinte forma:

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a) 1º Pressuposto – A Previdência atual encontra-se em crise,

onerando toda a sociedade e tornando injusta a contribuição

previdenciária dos trabalhadores.

Ex: “Os dois sistemas, portanto, são subsidiados de forma desigual por

toda a sociedade brasileira” (c).

b) 2º Pressuposto - A Previdência depois da reforma será equilibrada,

justa e eficiente.

Ex: “[...] sistema sustentável, justo socialmente e direcionado para

medidas que conferem segurança aos beneficiários” (a).

c) Logo - Precisamos fazer reforma para obtermos esta Previdência

que queremos

Ex: “[...] queremos chegar a um regime que represente mudar com

segurança, respeitando direitos e garantindo um futuro melhor” (a).

Essas imagens antagônicas de ambas previdências, a real e a projetada,

balizam a estrutura argumentativa do discurso governista que tem como

cerne a colocação de que a Previdência Pública encontra-se em

desequilíbrio e que a reforma vai equilibrá-la. Daí, a apresentação de uma

Previdência frágil e problemática (com injustiças e desequilíbrios, sem

viabilidade financeira) que contrasta com a imagem da Previdência

projetada pelo governo (sustentável, justa e segura).

Outros pontos-chave na estrutura argumentativa do discurso governista

são as questões da justiça social e da viabilidade financeira. Mencionadas

ao longo dos textos, as idéias de promover justiça e viabilidade financeira

ao sistema de Previdência reforçam a justificativa de mudança no sistema

previdenciário.

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Apesar de retratar o outro em seu discurso, o governo cede pouquíssimo

espaço para a voz desse outro. Não há transposição de discurso relatado

nem direto, nem indireto livre nos textos do site e nos autorais. As

referências ao discurso do outro, geralmente quando se trata de um

discurso crítico, são indiretas, pouco claras e permeadas de juízos de

valor. Exemplos:

Quem postula uma posição de esquerda não pode ser contra a reforma da Previdência, já que ser de esquerda significa lutar pela justiça, pela igualdade e contra os privilégios. É incompatível definir-se de esquerda e defender um sistema previdenciário iníquo e injusto (GENOÍNO, Previdência: uma reforma justa e necessária, g). Uma visão de esquerda na Previdência não significa defender situações pré-estabelecidas, mas, ao contrário, enfrentar os desafios de construir o justo e o sustentável e liberar recursos públicos para que possamos construir um orçamento igualmente justo [...] (BERZOINI, c). Há críticas graves e procedentes que terão por parte do Ministério da Previdência Social e da direção do INSS respostas objetivas e, quando necessário, duras (BERZOINI, a).

Os dois primeiros exemplos acima fazem referência a grupos de esquerda

que criticam a reforma proposta pelo governo. A fala desses que

“postulam uma posição de esquerda” é reproduzida de forma indireta no

texto como sujeitos que se colocam “contra a reforma da Previdência” e

em “defesa de situações pré-estabelecidas”. Nesta reprodução do discurso

do outro estão implícitos processos como a seleção do que deve ser

reproduzido, a interpretação dada a esse discurso e a forma de

representação do mesmo; ainda estão implícitas as críticas que o governo

tece a estes sujeitos e a suas falas.

Com “quem postula uma posição de esquerda” o presidente do Partido

dos Trabalhadores questiona a real posição política do grupo a que se

refere. Com “É incompatível definir-se de esquerda e defender um

sistema previdenciário iníquo e injusto”, José Genoíno questiona ao

mesmo tempo a posição ideológica desse outro sujeito e a defesa que ele

faz, de uma Previdência “iníqua” e “injusta”.

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O discurso governista se utiliza da voz do outro, em especial quando este

outro é crítico ou antagônico das suas posições políticas e ideológicas,

como uma forma de tecer críticas a este sujeito e ao seu discurso, de

enfraquecer sua imagem, para, com isso, fortalecer a imagem do governo

e suas idéias. Para tanto, reproduz trechos do discurso os quais interessa

contra-argumentar e coloca aspectos da imagem desses sujeitos aos

quais interessa criticar. A voz do outro aparece no discurso governista,

portanto, com o intuito de reforçar o seu discurso, seja este outro

concordando e apoiando as idéias e iniciativas do governo, seja

criticando-as.

O PLP 9, um projeto de lei complementar que trata de parte da reforma da Previdência em discussão, foi transformado em dois enganosos fetiches. Para alguns, trata-se da própria reforma que dará justiça social e sustentabilidade orçamentária à Previdência do setor público. Para outros, expõe a prova cabal de que o atual governo apenas cumpre o roteiro definido por seus antecessores, mancomunados com banqueiros e organismos internacionais. A verdade, como de costume nesses casos, tem mais laços com a razão fria das letras do que com a emoção tendenciosa das vozes (BERZOINI, d).

O ministro da Previdência começa neste artigo falando de outros

discursos, uns que apóiam, outros que criticam sua iniciativa de promover

a reforma da previdência pelo projeto de lei (PLP 9). O texto divide as

opiniões voltadas ao assunto em dois grupos:

a) os que apóiam - “Para alguns, trata-se da própria reforma que dará

justiça social e sustentabilidade orçamentária à Previdência do setor

público” (d);

b) os que criticam e são contra a reforma - “Para outros, expõe a prova

cabal de que o atual governo apenas cumpre o roteiro definido por seus

antecessores, mancomunados com banqueiros e organismos

internacionais” (d).

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Ao utilizar o termo “mancomunados”, o ministro ironiza a oposição que o

critica. A ironia se completa com a frase seguinte: “A verdade, como de

costume nesses casos, tem mais laços com a razão fria das letras do que

com a emoção tendenciosa das vozes”, classificando seus críticos como

emotivos e tendenciosos. O ministro coloca o governo e seus aliados do

lado da razão e das letras, do lado da ordem, da racionalidade; enquanto

que seus críticos são caracterizados como não tendo acesso a

documentos e informações, como críticos sem fundamentação racional

nem técnica, logo, como sujeitos pouco confiáveis e sem credibilidade.

Dessa forma, o governo contribui para a construção de sua auto-imagem

como sujeito responsável, preocupado com seu povo e capaz de cuidar

dele (possui conhecimentos, informações e tem poder para isso, ou busca

viabilizar os mecanismos para fazê-lo através de projetos aprovados pelo

Congresso, por exemplo, como é o caso da mudança no sistema

previdenciário). Ao mesmo tempo, o texto governista constrói uma

imagem de seus críticos e opositores de sujeitos frágeis, desinformados,

emocionalmente motivados, com visão retrógrada dos processos de

mudança.

A percepção dessas imagens no discurso do governo contribui para o

entendimento da construção do discurso sindical. É contra essas imagens

geradas e esses argumentos estruturados que o discurso sindical se

coloca ao longo de 2003, tentando desmistificar representações contidas

no discurso governista, buscando derrubar seus argumentos. Ao mesmo

tempo em que é influenciado, influência a fala do governo, numa troca

constante que marca o desenvolvimento de ambos os discursos.

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3.3. Análise dos textos dos jornais sindicais

O movimento sindical, por colocar-se contrário ao projeto de lei referente

à Previdência Social, tenta convencer os trabalhadores e a sociedade,

principalmente a opinião pública e parlamentares, a questionar e a

rejeitar a reforma proposta. Nesse cenário de embate entre sujeitos

sociais e seus interesses antagônicos a comunicação funciona como

ferramenta-chave na disputa de idéias e opiniões. O discurso sindical

adota tom crítico em relação ao projeto de reforma e, com o acirramento

do embate, ao governo com vistas a vencer essa disputa, cujas

implicações vão sendo reveladas no decorrer dos fatos e no refinamento

da produção argumentativa.

3.3.1. Representações Sociais

Ao expor falas, discorrer idéias, explicitar concepções, a comunicação

produzida pelo movimento sindical se utiliza de imagens que ela mesma

constrói e que refletem como o movimento percebe a si e aos outros

sujeitos sociais. Essas concepções não são neutras. São construídas em

cima de valores e ideologias e refletem a maneira de ver o mundo e de

relacionar-se com ele e revelam a forma como o sujeito se posiciona na

sociedade. Para Serge Moscovici, as formas de representação

ultrapassam uma mera caracterização:

[...] sistemas de classificação e de nomeação não são, simplesmente, meios de agradar e de rotular pessoas ou objetos considerados como entidades discretas. Seu objetivo principal é facilitar a interpretação de características, a compreensão de intenções e motivos subjacentes às ações das pessoas, na realidade, formar opiniões (MOSCOVICI, 2003, p.70).

Logo, essas formas de representações, presentes tanto no discurso

sindical quanto em qualquer outro, influenciam o processo de

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compreensão da realidade e de formação de uma concepção da

mesma, induzindo opiniões.

Reafirmamos, portanto, nossa independência de classe, nossa autonomia. Vamos defender o sindicalismo classista, combativo, que reage no mundo inteiro contra os ajustes e a devastadora reestruturação produtiva imposta pelo Capital. (Informandes, fev 2003, p.2)

No trecho acima é posto não apenas o que o movimento sindical está

apto a fazer, mas principalmente a sua forma de se colocar diante da

sociedade e diante dos desafios por ele enxergados. Este trecho traduz a

imagem que o sindicato projeta dele mesmo como sujeito social, a qual

revela um sujeito firme, ativo e fiel a suas convicções.

O Informandes vem para contribuir, como organizador avançado, trazendo elementos de ordem científica, política e pedagógica para o embate, que é iminente, frente à disposição do Congresso brasileiro em atender às exigências do FMI (...) (Informandes, mar 2003, p.2).

Ao, neste recorte de texto, incutir a si o papel de “organizador

avançando”, colaborando para o “embate” com “elementos de ordem

científica, política e pedagógica”, o InformAndes delineia a imagem de

um sindicato de iniciativa e de um jornal pretenso à disputa ideológica,

com discussões densas.

O impresso sindical é, então, colocado como ferramenta que se contrapõe

ao discurso hegemônico, caracterizado por constituir um discurso amplo,

que se irradia por toda a sociedade uniformizando pontos de vista e

concepções de mundo24. Geralmente, o discurso hegemônico é construído

24 [...] podem-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismo designado vulgarmente como “privados”) e o da “sociedade política ou Estado”, plano que correspondem, respectivamente, à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade [...] Os intelectuais são os “prepostos” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso “espontâneo” dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce “historicamente” do prestígio

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ou apoiado pela grande mídia, pelo governo, por grupos políticos e

econômicos poderosos e tolera pouco outros pontos de vista e

questionamentos que não estejam de acordo com os seus valores e

ideologia. Daí, o embate freqüente do movimento sindical e da sua

comunicação com esses outros sujeitos sociais e com a comunicação

produzida por eles. Ao se disputar a mente das pessoas, está se

disputando poder. E a comunicação é uma das principais maneiras de se

conquistar mentes.

Por meio da comunicação produzida pelos jornais sindicais é possível

perceber também a retratação de fatos e de demais sujeitos sociais.

Entender e caracterizar essas formas de representações são uma maneira

de se aproximar do sujeito que as produz, o sindicato, e de perceber seus

valores e posicionamentos. De acordo com Serge Moscovici (2003, p.35):

Nenhuma mente está livre dos efeitos de condicionamentos anteriores que lhe são impostos por suas representações, linguagem ou cultura. Nós pensamos através de uma linguagem; nós organizamos nossos pensamentos, de acordo com um sistema que está condicionado, tanto por nossas representações, como nossa cultura. Nós vemos apenas o que as convenções subjacentes nos permitem ver e nós permanecemos inconscientes dessas convenções [...]. Podemos, através de um esforço, tornar-nos conscientes do aspecto convencional da realidade e então escapar de algumas exigências que ela impõe em nossas percepções e pensamentos. Mas nós não podemos imaginar que podemos libertar-nos sempre de todas as convenções ou que possamos eliminar todos os preconceitos.

Sendo assim, as representações construídas pela imprensa sindical

revelam a visão de mundo de seu sujeito, o movimento social, ao mesmo

tempo em que sofre influência de convenções sociais mais amplas,

preconceitos, condicionamentos, etc. Segundo Moscovici, as

representações possuem a função de convencionalizar objetos, pessoas

(e, portanto, da confiança) obtido pelo grupo dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de coerção estatal que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos que não “consentem”, nem ativa nem passivamente [...] (GRAMSCI, Cadernos do Cárcere, 2004, p. 20). Grifos da autora.

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ou acontecimentos, localizando-os em determinada categoria e

gradualmente se colocando como um modelo partilhado por um ou mais

grupo de pessoas. Quando uma pessoa ou objeto não se adapta

exatamente ao modelo, é “forçado” a assumir determinada forma, a

entrar em determinada categoria, sob pena de não ser nem

compreendido, de não ser decodificado (MOSCOVICI, 2003, p.34).

Essas categorias e as classificações não são, contudo, estáticas. Podem

mudar com o decorrer do processo de aprendizagem e vivência, com

tendência a ampliar-se para dar conta do universo de conhecimento do

indivíduo que cresce. Essa função de convencionalizar, além de colaborar

com o processo de apreensão por parte do indivíduo, também facilita as

relações sociais, uma vez que são geralmente reconhecidas e apoiadas

pelos grupos sociais no qual o indivíduo está inserido. Essas categorias e

modelos pré-existentes são formadas, portanto, por influência do meio

social.

Se essas formas de representação estão de tal forma enraizadas,

incrustadas nas mentes, impondo-se até certo ponto sobre as pessoas,

influenciando suas percepções, “[...] são prescritivas, isto é, elas se

impõem sobre nós com uma força irresistível. Essa força é uma

combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós

comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser

pensado” (MOSCOVICI, 2003, p.35); pode-se deduzir que a comunicação

sindical ao mesmo tempo em que constrói suas formas de representação,

também é influenciada pelas já existentes, por modelos consolidados e

assimilados, muitas vezes de forma inconsciente por pessoas e

instituições.

Em geral os seus representantes são retratados nas matérias em pé de

igualdade com autoridades do Executivo e do Legislativo, no que diz

respeito aos atos de escutar, emitir opiniões e fazer exigências em

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reuniões ou debates. O trecho a seguir ilustra essa paridade de

tratamento: “Eles [os representantes do Andes] explicaram [ao ministro]

que a formatação de um regime único de previdência, acrescido da

implantação de uma previdência complementar, é incompatível com os

objetivos da construção de um sistema previdenciário justo, como

anuncia o governo” (Informandes, jan 2003, p.6).

Esse lugar de igualdade e de autoridade na qual o sindicalismo é colocado

empresta-lhe credibilidade para opinar sobre assuntos como a reforma.

Ao serem retratados “explicando” ao ministro a incompatibilidade da

proposta governista com um sistema previdenciário justo o que o próprio

ministro e o governo Lula pregam, os sindicalistas se posicionam no

mesmo patamar do ministro, ao mesmo tempo em que tecem ferrenha

crítica ao modelo de reforma proposto pelo ministro.

A representação do movimento sindical, na maioria das matérias

analisadas, evita a especificação de nomes de pessoas do movimento,

sejam elas membros, dirigentes, participantes. Esses sujeitos sociais

geralmente estão presentes na matéria jornalística de forma ativa e seus

nomes não são revelados - o que seria, de acordo com Van Dijk (1997,

p.202), uma representação social por Nomeação, que é a que se utiliza

dos nomes, nomes próprios para representar algo ou alguém. As

referências a esses sujeitos são feitas na maioria das vezes pelos cargos

sociais que ocupam como os de “diretores do Andes”, “representantes dos

servidores públicos”, “lideranças dos servidores”. A opção por privilegiar a

reprodução do sujeito por sua função e não pelo seu nome pessoal ou por

outras formas de identificação, reflete uma valorização na atuação social

dos sujeitos.

Em “A Fenajufe já está cobrando o direito de participar das discussões,

como representante dos servidores judiciários e ministeriais” (Tem

Novidade, fev 2003, p.1) e em “Os delegados avaliaram que a CUT deve

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lutar junto com os trabalhadores, em lugar de legitimar o Conselho”

(Informandes, mar 2003, p.3), os sujeitos são a entidade e os delegados,

que representam a categoria, e não um dirigente ou representante

específico, uma personalidade isolada.

Em “Sabemos que outras questões também precisam ser discutidas e

estamos nos inserindo em todos os focos de discussão em torno da

Reforma da Previdência” (Tem Novidade, fev 2003, p.1) é utilizada a

primeira pessoa do plural. O recurso do sujeito nessa pessoa aproxima o

sindicato do leitor. A bandeira de luta também fica mais próxima e

familiar, envolvendo não apenas o sujeito sindical na ação, mas um “nós”

não especificado que pode abarcar vários outros sujeitos, inclusive o

leitor.

Opta-se, assim, por um sujeito coletivo, ora representado pelo “nós”, ora

representado por entidades representativas dos sindicalizados, servidores

públicos ou trabalhadores (Andes, CNESF, Fenajufe25) ou seus

representantes (delegados, diretores, lideranças, militantes).

Geralmente a discriminação do nome de uma pessoa do movimento

sindical ocorre quando são usadas falas diretas ou indiretas, como em

“´Não temos como aceitar esse projeto, porque sua base é o

estabelecimento da dívida. [...]´, afirmou o presidente do Andes – SN,

Luiz Carlos Lucas”, (Informandes, mar 2003, p.3). Ainda nestes casos, a

função desempenhada pela pessoa (de presidente, representante,

dirigente, etc.) é a principal referência. Essa forma de identificação social,

que tem como referência a ocupação ou atividade social, é chamada por

Van Dijk de “Funcionalização”.

25 CNESF – Coordenação Nacional de Entidades de Servidores Federais (www.cnesf.org.br) Fenajuf - Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (www.fenajufe.org.br)

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O ministro da Previdência Social (Ricardo Berzoini), assim como os

demais representantes do alto escalão dos poderes Executivo, Legislativo

e Judiciário tem seu nome mencionado com freqüência bem maior do que

os integrantes do sindicato e dos trabalhadores. Às vezes, são referidos

apenas pelo nome, sem que seus cargos públicos sejam explicitados.

Exemplos: “Berzoini, irritado, respondeu que, se dissessem isso, ele

negaria” (Informandes, mar 2003, p.3) e “Sobre o conteúdo da reforma,

Berzoini afirmou que o governo não tem nada definido” (Informandes, jan

2003, p.6).

Ainda assim, essas autoridades são representadas na maioria das vezes

pela Funcionalização, ou seja, pelos cargos que ocupam e pelas funções

sociais que desempenham. “Representantes do mercado financeiro,

inclusive, se reuniram como o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini,

[...]” (Tem Novidade, mar 2003, p.1). Em audiências e reuniões, contudo,

embora mencionados com mais especificidade, sujeitos sociais como

governo são colocados em pé de igualdade com representantes dos

servidores públicos federais, como se ambos os sujeitos sociais tivessem

o mesmo poder de voz, como se dispusessem de igual força e influência

na esfera social (política).

A utilização de adjetivos, advérbios e termos qualitativos no texto

também influencia o processo de representação social, uma vez que

tende a refletir valores e visões de mundo sobre o tema ou o objeto

tratado. A decisão por se adjetivar determinada palavra e a escolha do

adjetivo repercute na transmissão de juízos de valor e na construção da

imagem do termo adjetivado. Os textos dos impressos sindicais, assim

como do site da Previdência Social (e praticamente de toda a imprensa),

fazem uso, com maior ou menor intensidade, de adjetivos e expressões

adverbiais.

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Dizer que “O Congresso do Andes-SN indicou, com extrema

responsabilidade, às bases do Movimento Docente, o indicativo de greve

[...]”, possui conotação diferente de dizer apenas que “O Congresso do

Andes-SN indicou, às bases do Movimento Docente, o indicativo de

greve”26. Chamar o capital de “especulativo” implica dar outra conotação

ao “capital”, uma vez que remete a um universo ideológico repleto de

valores e significados. “[...] as medidas que estão prestes a serem

adotadas por meio do PLP 9 atacam a Previdência Pública e incentivam,

mais uma vez, a espoliação do patrimônio dos trabalhadores em prol do

capital especulativo”.

Nesse exemplo, o capital especulativo é geralmente entendido por capital

de alta rotatividade aplicado por investidores e fundos de pensão no

mercado de bolsas de valores, com vistas à obtenção de lucros a

curtíssimo prazo, possuindo uma conotação pejorativa. Esses valores e

significados do adjetivo especulativo geram um efeito de sentido no

substantivo “capital”, facilmente decodificados pelo leitor mediano,

principalmente do meio sindical, político e econômico.

“Berzoini, irritado, respondeu que, se dissessem isso, ele negaria. Depois,

mais calmo, esquivou-se argumentando que (...)”, (Informandes, mar

2003, p.3). A forma como o ministro é retratado, ao ser descrito como

“irritado”, “mais calmo”, “esquivou-se”, contribui para a construção de

uma imagem de alguém escorregadio, pouco confiável, que não rebate

questionamentos de frente. Assim, a imagem construída do ministro

nessa matéria do InformAndes revela elementos que remetem a alguém

inseguro durante a conversa com as lideranças sindicais.

Pode-se perceber, portanto, que a forma como a imprensa sindical

representa substantivos, temas, entidades e sujeitos influencia na

construção da imagem desses elementos, com vistas a influenciar a

26 Trecho de matéria do Informandes, de março de 2003, p. 2.

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formação de opinião acerca da realidade das questões tratadas,

objetivando fazer presente sua forma de enxergar o mundo, sua

ideologia.

3.3.2 Verbos introdutores de opinião

Verbos introdutores de opinião27 também emitem juízo de valor,

influenciando a representação social dos sujeitos, no caso dos sujeitos

cujas falas são explicitadas no texto principalmente por meio da

transcrição de discurso direto.

Tomando os verbos que introduzem opiniões nos tipos de discurso considerados, nota-se que eles têm várias formas de agir. Em primeiro lugar agem diretamente sobre o discurso relatado; em segundo lugar atuam sobre a compreensão desse discurso e, em terceiro, podem ser eles próprios o relato da forma como o discurso relatado atuou ou deve atuar (MARCUSCHI, 1991, p.83).

Analisando-se duas matérias do InformAndes do mês de janeiro, é

possível entender como esse jornal se utiliza dos verbos de opinião, e

apontar como isso influencia a construção das imagens dos sujeitos

sociais nos textos. A seguir, são analisados verbos introdutores de opinião

de matérias dentro do contexto textual em que foram escritas, sem

perder de vista o contexto sócio-político de fundo.

A semântica dos verbos introdutores de opiniões não pode ser feita à margem dos contextos de enunciação e fora das condições de produção do discurso como tal. Isto significa que toda informação é produzida dentro de algum sistema que não ignora a si próprio, veiculando implicitamente uma interpretação qualquer. Somente

27 Verbos introdutores de opinião são aqueles que introduzem a fala de um personagem, uma opinião (disse, falou, exclamou, pontuou, analisou, respondeu, concluiu, rebateu, argumentou, sussurrou, gritou, ironizou). O conceito aqui utilizado é extraído do texto de Luis Antônio Marcuschi, Ação dos verbos introdutores de opinião, no qual observa: “A idéia central é que os verbos agem seletivamente sobre os conteúdos dando-lhes uma intencionalidade interpretativa com características ideológicas. Com isso mostra-se que a atividade jornalística não é apenas expositiva, mas analítica e interpretativa” (1991, p.74).

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uma análise mais detalhada poderá fornecer uma resposta segura, mas é possível que órgãos de imprensa se caracterizem ideologicamente já pela forma de relatarem as opiniões dos políticos (MARCUSCHI, 1991, p.78).

Matéria: Para o Andes-SN Berzoini afirma que reforma não está definida

(InformAndes, jan 2003, p.6)

Tabela 3 - Para o Andes-SN Berzoini afirma que reforma não está definida

Frases com verbos introdutórios

Localização e sujeito

Inicialmente o ministro reafirmou a disposição [...] Ele entende que [...] Berzoini fez uma exposição da situação dando ênfase [...] descartando [...] [...] Berzoini afirmou que [...] [...] segundo ele, [...] Afirmou, também, que [...], disse. Mesmo assim, Berzoini explicou que "[...] ", disse, citando como uma possível alternativa [...]

três primeiros parágrafos ministro da Previdência, Ricardo Berzoini

Os diretores do Sindicato Nacional relataram ao ministro [...] Eles explicaram [...] [... deixaram explícito que essa reforma [...] "[...) "

4º parágrafo representantes do Andes

Berzoini concordou em tese, mas afirmou que [...]

4º parágrafo

ministro da Previdência

Por fim, os diretores do Andes-SN expressaram a

posição do Sindicato O Andes-SN reafirmou [...]

último parágrafo

falas dos representantes e do

próprio sindicato

Fonte: Informandes, p.6, março 2003.

Os verbos escolhidos para introduzir falas do ministro (reafirmar, dar

ênfase, afirmar, descartar) transmitem força e firmeza, conferindo às

suas falas um tratamento de discurso oficial. Segundo Marcuschi, verbos

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como declarar, afirmar, comunicar são indicadores de posições oficiais e

afirmações positivas. Por sua vez, os verbos “dizer”, “explicar”, “citar” e

“concordar” também usados nas falas do ministro, transmitem menos

força, ao mesmo tempo em que demonstram que seu sujeito, o ministro,

em diálogo com outro sujeito social (os sindicalistas), busca construir

seus argumentos. O verbo “concordar” indica inclusive uma convergência

de opinião entre os sujeitos.

O discurso dos sindicalistas é precedido de verbos que ressaltam a força

dos argumentos (relatar, explicar, deixar explícito, expressar, reafirmar),

emprestando ao movimento uma imagem de força e credibilidade. O

verbo “reafirmar” aparecendo duas vezes e o “afirmar”, três, tanto em

falas do ministro quanto dos sindicalistas, indicam um discurso conflituoso

e em disputa, onde os sujeitos tentam demarcar suas posições e retomar

positivamente seus discursos.

A utilização dos mesmos verbos introdutores de opinião para o ministro e

para os sindicalistas (expressar, reafirmar, relatar, explicar, deixar

explícito) confere peso semelhante a ambos os sujeitos sociais. Pode-se

dizer que há um movimento no texto sindical, indicado pela utilização

desses verbos, de equiparar os representantes sindicais a figuras do

governo no que diz respeito a reconhecimento de influência social e de

discurso de poder. O efeito de sentido que isso gera pode-se traduzir na

construção de uma representação social onde ambos os sujeitos estão no

mesmo patamar de poder social.

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Matéria: Governo não assume retirada do PLP 9/99

(InformAndes, mar 2003, p.3)

Tabela 4 - Governo não assume retirada do PLP 9/99

Frases com verbos introdutórios

Localização e sujeito

Representantes do SPF reafirmaram [...]

1º parágrafo representantes do serviço público federal

Os dirigentes sindicais enfatizaram [...] deixaram claro [...] reafirmam [...]

2º parágrafo representantes do serviço público federal

O ministro reiterou a posição [...] afirmando que (...)

3º parágrafo ministro da Previdência

[...] os representantes dos servidores questionaram

3º parágrafo representantes do serviço público federal

Berzoini respondeu [...] Berzoini, irritado, respondeu [...] [...] esquivou argumentando [...]

4º parágrafo ministro da Previdência

Berzoini disse que [...]

5º parágrafo ministro da Previdência

Os representantes dos servidores, no entanto, ressaltaram [...]

5º parágrafo representantes dos servidores

“[...]”, afirmou o presidente do Andes-SN, Luiz Carlos Lucas

último parágrafo (6º) presidente do Andes

Ato contra o PLP 9/99

Os servidores solicitaram aos deputados [...]

último parágrafo (3º) servidores públicos

Os parlamentares enalteceram o movimento [...] que consideraram [...]

Último parágrafo (3º) deputados federais

Fonte: Informandes, p.3, mar 2003.

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Essa matéria “Governo não assume retirada do PLP 9/99” é quase toda

formada por falas e opiniões dos personagens em discurso indireto.

Apenas o primeiro e os dois penúltimos parágrafos, com informações

factuais, não possuem discurso relatado. Os demais parágrafos versam

sobre pontos de vista relacionados à reforma da Previdência e, para isso,

usam declarações dos personagens durante reunião, sendo que o sexto

parágrafo finaliza com discurso relatado direto.

A intensa presença de verbos introdutores de opinião traz pontos de vista

que se contrapõem, formando uma sucessão de argumentos. Os

servidores públicos federais “reafirmam”, “enfatizam”, “deixam claro”,

“questionam”, “ressaltam”, “afirmam”. São verbos fortes introdutores de

opinião, que, de acordo com Marcuschi, expressam afirmações positivas e

retomada de discurso.

No caso do ministro, os primeiros verbos introdutores de opinião são

dominadores: reiterar e afirmar. No meio da matéria, contudo, os verbos

utilizados para introduzir suas falas passam a ser: responder, esquivar

argumentando, dizer. São verbos fracos que tendem a refletir, no

contexto analisado, uma postura defensiva e acuada por parte do

ministro.

A matéria, embora possua uma estrutura argumentativa com dois pontos

de vista praticamente antagônicos, reflete um efeito de sentido com

predomínio da voz do discurso sindical que se sobrepõe ao discurso do

governo. A conclusão final do texto, embora não esteja explicitada, pende

para o ponto de vista dos servidores públicos.

Além do emprego dos verbos introdutores de opinião com força maior

para os servidores, o texto termina com falas dos sindicalistas. No quinto

parágrafo, entra fala dos representantes dos servidores, com discurso

relatado indireto (“Os representantes dos servidores, no entanto,

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ressaltaram...”), e no último, fala do presidente do Andes em discurso

relatado direto. As falas do ministro, num sentido oposto, tornam-se

escassas e apoiadas por verbos introdutores fracos (responder, esquivar,

dizer).

É possível observar, por meio da análise dessas duas matérias, como o

sindicato, ao mesmo tempo em que reconhece o poder social e

hierárquico do Poder Executivo representado na figura do ministro, tenta

amenizar sua força. Por outro lado, procura valorizar o sujeito social

sindicato, utilizando verbos introdutores de opinião fortes e terminando a

matéria com a voz do movimento (transcrita em discurso relatado direto

ou indireto), numa clara oposição de forças em que o movimento dos

trabalhadores sai ganhando. Demarca, assim, seu espaço na sociedade;

disputa o poder hegemônico.

3.3.3. Formas de representação

Foi observada, nos textos estudados, a forma como os termos mais

freqüentes estão dispostos nas matérias. Esses termos bastante

presentes no discurso sindical foram contabilizados e, em seguida,

inseridos numa grade de classificação. A idéia é tentar perceber como os

principais termos do universo sindical, que podem corresponder a eixos

temáticos, a sujeitos sociais, a construções argumentativas, são

trabalhados ao longo dos textos e, assim, alcançar uma melhor

compreensão da lógica de construção dos textos sindicais.

Há, para isso, um cruzamento dos dados quantitativos, que têm como

referência a freqüência com que os termos aparecem, com dados

qualitativos, que dizem respeito à forma como aparecem - como são

utilizados nas frases e como isso reflete no conjunto geral do texto. Os

critérios da grade de classificação foram definidos durante o processo de

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leitura das matérias sindicais e a apreensão dos termos a partir de

observações feitas pela pesquisadora. Ajudaram no amadurecimento da

escolha desses critérios informações extraídas das entrevistas realizadas

com jornalistas e dirigentes sindicais, com apontamentos sobre aspectos

do texto sindical e sua forma de representação, e leituras específicas

sobre a comunicação sindical.

Servidores públicos, trabalhadores, governo ou representantes do

governo, líderes ou representantes sindicais, entidades sindicais,

aposentados, população, parlamentares são os sujeitos mais presentes

nos textos sindicais estudados. Ao se observar a forma como esses

sujeitos são construídos no texto, percebe-se que sindicatos, líderes

sindicais, representantes de entidades trabalhistas são geralmente

retratados com conotação positiva. Essa forma positiva de tratamento não

se dá especificamente com adjetivos ou advérbios, mas sim com ações

exercidas ou posturas adotadas pelos sujeitos, consideradas positivas

pelo movimento sindical e, conseqüentemente, por seus jornais.

Os delegados avaliaram que a CUT deve lutar junto com os trabalhadores, em lugar de legitimar o Conselho (Informandes, mar, p.3). Os servidores públicos federais também pediram o arquivamento do Projeto de Lei Complementar 9 (PLP 9), ameaçando fazer uma paralisação caso isso não ocorra (Informandes, fev, p.4).

Nas duas frases acima (grifos da pesquisadora) é possível perceber que

os sujeitos sociais “delegados” e “servidores públicos” ocupam também a

posição de sujeito na oração e desenvolvem uma posição ativa na frase.

A posição ativa é reforçada com verbos fortes (avaliar, ameaçar). O uso

de artigos definidos como complemento desses sujeitos também

transmite noção de força. Apesar de não determinar quem são os

delegados e os servidores (de não especificar os nomes), eles são

tratados como Os delegados e Os servidores, não são qualquer um.

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Os servidores também são encontrados numa posição mais passiva como

sujeitos da oração e, coincidentemente ou não, numa posição mais frágil

na conjuntura social. Os exemplos a seguir demonstram isso:

Na Reforma da Previdência, pode-se perceber como os servidores sempre são tratados como privilegiados (Tem Novidade, mar, p.1). Os servidores públicos precisam trabalhar pela não taxação dos aposentados e pensionistas, cuja implementação já recebeu apoio da maioria dos governadores [...] (Tem Novidade, mar, p.3).

No primeiro exemplo, “os servidores” ocupa a posição de objeto direto e

de sujeito apassivado; acompanhado pelo verbo “ser” na voz passiva num

contexto que lhe é desfavorável – “são tratados como privilegiados”.

Na segunda frase, é dado um conselho, uma ordem aos servidores

públicos – “precisam trabalhar pela não-taxação”. Eles não estão

tomando a frente, ao contrário, está sendo cobrada deles, de forma

enérgica (uso do imperativo), uma postura, “precisam fazer isso”. O

sujeito social servidores é representado nos textos sindicais tanto numa

posição mais ativa e positiva, quanto numa posição mais passiva,

fragilizada, quase como uma vítima (vítima dos que os tratam como

privilegiados, no caso do exemplo acima). Nos jornais de janeiro a março

do Tem Novidade, servidores ou servidores públicos foram encontrados

47 vezes, sendo que 17 como sujeito e 30 com objeto direto ou

complemento do objeto nas orações.

Por seu turno, sujeitos sociais como sindicatos e líderes ou representantes

sindicais são, na maioria das vezes, representados como sujeitos das

orações ao mesmo tempo em que revelam forte influência nos contextos.

Nos exemplos abaixo, é possível observar a diferença de tratamento entre

sujeitos sociais como servidores públicos e lideranças sindicais.

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A saída dos trabalhadores frente à crise do capitalismo é somente uma: mobilização, mobilização, mobilização”, defende o diretor do Sintrajuf, Adilson Paz Lira (Tem Novidade, mar, p.3). Os servidores argumentam que não são “os vilões” responsáveis pelo rombo da Previdência Social. Para a CNESF, não existe déficit previdenciário por causa do setor público, pois quando se faz o cálculo do déficit não se considera todas as fontes de financiamento da seguridade social (Informandes, fev, p.6).

O diretor do Sintrajuf dá sua opinião sobre a saída para os trabalhadores

de forma contundente. Além de exercer uma ação forte e de valor

positivo (defender), o diretor do Sintrajuf tem seu nome discriminado,

coisa pouco comum nos textos sindicais que tendem a tratar os sujeitos,

inclusive os ligados ao movimento sindical, de forma coletivizada. Aos

trabalhadores, que ocupam o lugar de complemento do sujeito na oração,

cabe um papel secundário (de seguir a dica da liderança).

No segundo exemplo, apesar de serem retratados numa posição delicada

(colocados na posição de “vilões” por parte da opinião pública), os

servidores argumentam que “não são os vilões”. Adotam uma postura

ativa contra-argumentando, em vez de desempenhar um papel passivo de

vítima. A CNESF, órgão representativo dos servidores públicos, é

retratada como entidade de peso, sua opinião é levada em conta pelo

jornal que transcreve seus argumentos.

Ainda, pelos exemplos dados, é possível observar que trabalhadores e

aposentados são geralmente colocados numa posição secundária nas

orações e no contexto social. Em “Os delegados avaliaram que a CUT

deve lutar junto com os trabalhadores, em lugar de legitimar o Conselho”,

os trabalhadores, embora mencionados ao lado da CUT, estão numa

posição secundária, além de não exercerem ação direta.

No outro exemplo: “Os servidores públicos precisam trabalhar pela não-

taxação dos aposentados e pensionistas, cuja implementação já recebeu

apoio da maioria dos governadores [...]”, fica clara a posição secundária

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dos sujeitos aposentados e pensionistas. De acordo com a frase, é

necessário que os servidores públicos trabalhem para evitar a taxação,

mas não se faz referência ao que os aposentados e pensionistas podem,

devem ou vêm fazendo. É como se eles não exercessem ação, mas

ficassem à espera de outros sujeitos sociais para agir por eles, para

defendê-los, para “trabalhar pela não-taxação” por eles.

Os aposentados e pensionistas aparecem retratados numa posição de

vítima, de sujeitos passivos não apenas nesse exemplo, mas ao longo de

boa parte das matérias analisadas. Quase nunca são sujeitos ativos no

contexto em que estão colocados. Raramente ocupam posição de sujeito

na oração (são geralmente complementos ou objetos direto) e muito

menos vêem acompanhados de verbos fortes (que indicam ação, que têm

peso na frase ou no contexto). Das 27 vezes em que aparece, no Tem

Novidade de janeiro a março, o aposentado está 23 vezes como objeto

direto da oração e apenas quatro como sujeito.

A repetição de um certo padrão de representação social, da forma como

são caracterizados os sujeitos ao longo dos textos sindicais, aponta a

existência de um perfil de representação social no meio sindical. Esse

perfil de representação tende a caracterizar os sujeitos dentro de um

roteiro prévio de comportamento, que traz em si conotações e juízos de

valor. Assim, a maioria das vezes em que aparece o termo “representante

sindical”, o leitor pode esperar a apresentação de um sujeito ativo,

acompanhado de verbos fortes, com influência no meio. Ao se falar no

Fundo Monetário Internacional, por outro lado, o leitor percebe um tom

negativo e crítico, embora esse sujeito social seja caracterizado de forma

atuante e influente.

Ao tentar traçar esse perfil de representação, a pesquisa aponta

abordagem de classificação dos sujeitos em grandes grupos. São eles:

Heróis, Vítimas, Vilões e Outros sujeitos. No grupo “Heróis” encontram-se

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sujeitos cuja ação, ou papel social no texto, lembra os mocinhos dos

filmes de faroeste - defendem os interesses dos mais fracos, dos

servidores públicos, dos trabalhadores, da coletividade. Sindicalistas,

líderes sindicais, representantes dos servidores públicos são geralmente

enquadrados nesse grupo, pelos critérios já mencionados: ocupando a

posição de sujeito nas frases, sendo protagonistas de ação,

desenvolvendo ações ou pensamentos de influencia no contexto.

Numa única matéria do InformAndes, de março de 2003, encontram-se

vários exemplos em que os sujeitos podem ser vistos como heróis. O

próprio título da matéria, "Servidores públicos definem dia de luta contra

o PLP 9/99”, já reforça a visão do sujeito social servidor público numa

posição de sujeito ativo e de enfretamento, no caso, contra o PLP 9/99.

Seguem exemplos extraídos da matéria (consiste no trecho inicial da

matéria quase na íntegra):

No último dia 23, em Plenária Nacional, os servidores públicos federais discutiram diversos pontos que estão na proposta de reforma da Previdência e o Projeto de Lei Complementar n 9/99, além da Campanha Salarial 2003. Os servidores deliberaram, por unanimidade, continuar pressionando o governo pelo arquivamento do PLP 9/99 e definiram um calendário de mobilizações da campanha. Os delegados à Plenária decidiram paralisar as atividades, por 24 horas, no 8 de abril [...]. Os sindicatos deverão fazer atos nos estados, em conjunto com as categorias dos serviços públicos estaduais e municipais. [...] Sobre a reforma da Previdência, na pauta de reivindicações da Campanha Salarial, as entidades reivindicam ao governo ampla participação nos debates e uma reforma que assegure a [...] No dia 25, a CNESF reúne-se com o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, para tratar das reivindicações da Campanha Salarial. No encontro, os representantes das 11 entidades da Coordenação vão apresentar oficialmente ao ministro a reivindicação de arquivamento do PLP 9/99 e a disposição dos servidores federais e realizar paralisações [...]. [...] Os delegados avaliaram que a CUT deve lutar junto com os trabalhadores, em lugar de legitimar o Conselho (Informandes, mar, p.3).

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Nas duas primeiras frases, “servidores” é colocado na posição de sujeito e

exerce ações de peso, expressas por verbos como discutir, deliberar,

pressionar e definir. Como a matéria se mostra claramente favorável à

ação dos servidores de paralisar a aprovação do PLP 9/99, estes são

vistos como mocinhos, refletindo conotação positiva.

Os sujeitos que compõem o grupo Vítimas são geralmente colocados

numa posição mais passiva e retratados como vítimas de uma situação

criada por outros sujeitos ou por circunstâncias externas; numa posição

em que não podem agir, precisando da ajuda, da atuação de outros

sujeitos sociais, geralmente os Heróis. Os sujeitos do grupo Vítimas

ocupam geralmente a posição de objeto direto ou mesmo de

complemento do objeto direto ou indireto. Mesmo quando posicionados

como sujeitos, suas ações não se mostram expressivas, seus verbos são

fracos e pouco significativos. Isso reforça sua posição de vítima no

contexto analisado.

O trecho a seguir, extraído da primeira página da edição de março do

Tem Novidade, exemplifica: “Mais um temor aflige os servidores: além

do fim da paridade entre ativos e inativos, volta à tona a proposta

inconstitucional de cobrança previdenciária dos aposentados”. Os sujeitos

sociais “servidores”, “ativos”, “inativos”, “aposentados” ocupam posição

secundária na oração, de objeto direto ou complemento. Os servidores

são atemorizados e os aposentados estão sob o risco de cobrança

previdenciária. Estes sujeitos sociais estão representados numa posição

de vítima da situação.

Os sujeitos do grupo Vilões, ao contrário, possuem verbos fortes, revelam

grande influencia no contexto onde atuam, ocupam posição geralmente

de sujeitos nas orações e suas ações repercutem e afetam outros sujeitos

e situações. Os Vilões, não raro, geram situações e embates as quais os

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sujeitos do grupo Heróis vão se contrapor, muitas vezes para defender

também o grupo Vítimas. Exemplos de sujeitos classificados como Vilões:

Diante dos aposentados, dos servidores públicos e de toda a sociedade, como vamos explicar a semelhança entre a vontade do governo FMI – FHC e do novo governo de implementar a contribuição previdenciária dos aposentados, entre outras mazelas? (Tem Novidade, jan., p.1).

Houve um superávit no Regime Geral de Previdência Social, como integrante da Seguridade Social, da ordem de R$ 31,5 bilhões em 2001, que vem se repetindo nos últimos anos, e que vem financiando o superávit primário – objeto principal dos acordos com o FMI e organismos de crédito internacionais. (Informandes, fev., p.7). Mesmo assim, Berzoini explicou que há controvérsias sobre a conceituação de direito adquirido (Informandes, fev., p.7).

No primeiro exemplo, extraído do impresso Tem Novidade, o “novo

governo” (referente ao governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva) é

comparado ao governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A

forma como este último é mencionado “FMI – FHC” faz menção crítica à

influencia do Fundo Monetário Internacional sobre o governo de Fernando

Henrique, a ponto deste organismo internacional ser retratado, de forma

irônica, como parte integrante do governo brasileiro.

Não se trata do governo FHC, mas sim do governo FMI – FHC, tamanho

espaço, na visão do movimento sindical, o Fundo Internacional e suas

metas ocuparam no governo anterior. O substantivo mazela, utilizado ao

final da pergunta, reforça o tom de crítica ao governo FMI – FHC e à

gravidade da implementação da contribuição previdenciária. A forma

como o sujeito social governo FCH é representado neste texto, induz o

leitor a vê-lo negativamente, logo, como um Vilão.

Esse tipo de estrutura de categorização (Heróis, Vítimas, Vilões) faz parte

da forma com a qual o ser humano lida com o entorno. As pessoas estão

sempre a categorizar fatos ou seres, buscando formas de representações

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para melhor entendê-los. Há mecanismos básicos de categorização,

levantados por estudiosos como Serge Moscovici, como a ancoragem e a

objetivação.

Sistemas de classificação e de nomeação não são, simplesmente, meios de agradar e de rotular pessoas ou objetos considerados como entidades discretas. Seu objetivo principal é facilitar a interpretação de características, a compreensão de intenções e motivos subjacentes às ações das pessoas, na realidade, formar opiniões (MOSCOVICI, 2003, p.70).

Embora simples e um tanto subjetiva, essa forma de representação

utilizada pela imprensa sindical classista reflete uma visão do movimento

sindical a respeito do cenário em que atua, a respeito de si mesmo e de

outros sujeitos sociais com os quais se relaciona. Como as relações entre

sujeitos, assim como as próprias concepções a respeito de sujeitos e da

realidade, não são estáticas, nem rígidas, as formas de representação dos

jornais sindicais também se mostram flexíveis.

Conseqüentemente, esse modelo proposto pela pesquisa procura seguir

essa fluidez. O sujeito servidor público nem sempre é retratado de forma

positiva e nem sempre ocupa posição de objeto direto. Ora é ativo, ora

adota postura mais passiva; logo pode ser classificado no grupo Heróis

em determinado contexto e no seguinte no grupo Vítimas. A construção

que o movimento sindical faz do Governo Lula sofre alterações ao longo

do tempo e com o acirramento do embate sobre a reforma da

Previdência. Entender as alternâncias de visões e de formas de

representações como algo processual e ao mesmo tempo significativo

permite que a pesquisa aprofunde sua análise.

Ao se propor esse modelo de representação social direcionado para o

movimento sindical, não se pretende afirmar ser essa a única forma de

representação do sindicalismo, nem inibir outras formas de percepção de

representação. Essa visão da representação social sindical não consiste

em visão única do movimento, nem inibe outras visões ou formas de

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observações, simplesmente se apresenta de forma predominante ao longo

dos impressos analisados.

Ao estruturar seus textos dessa forma (Heróis, Vítimas, Vilões e Outros

Personagens), o movimento sindical revela relações sociais

preestabelecidas, transmitindo ao leitor um roteiro de fundo

predeterminado. Ao retratar, por exemplo, lideranças dos servidores

públicos desempenhando papel de herói, o texto agrega valores como

altruísmo, coragem, determinação, bondade, típicas do estereótipo do

herói. Os representantes dos servidores públicos colocados nesse lugar de

herói passam a se revestir dessas virtudes.

Da mesma forma, ao caracterizar o FMI ou o Banco Mundial numa posição

de vilão, o texto sindical passa para o leitor uma sensação de que esses

sujeitos são pouco confiáveis, de que podem prejudicar a população, ou

boa parte dela em função de interesses próprios, de que são movidos por

ganância de lucros em detrimento de valores como solidariedade e justiça

social. Ao representar o FMI e o Banco Mundial na posição de inimigos, os

impressos sindicais agregam-lhes características pertencentes a vilões

conhecidos pelo imaginário da coletividade: sujeitos pouco confiáveis,

interesseiros, egoístas, desprovidos de ética e princípios morais,

maldosos, etc.

Essa caracterização é reforçada com frases críticas mais incisivas acerca

desses sujeitos vilões:

As metas do Fundo Monetário Internacional devem ser cumpridas, custe o que custar. Ou melhor, custe mais desemprego, insegurança, instabilidade social e econômica (Tem Novidade, jan, p.1). Milhões de pessoas em “escravatura salarial” são chamadas a debater em “pé de desigualdade” uma reforma que está no bojo da Reforma do Estado pretendida pelo Capital para reestruturar suas forças e avançar nos seus lucros e na sua destrutiva hegemonia. (Informandes, fev, editorial)

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Para os banqueiros, menos benefícios a serem pagos pelo Estado significam mais lucro para suas instituições. (Tem Novidade, mar, p.1) Uma rápida radiografia do que ocorre no País hoje deixa evidente quais são os verdadeiros privilegiados. Enquanto os servidores públicos e os trabalhadores da iniciativa privada assistem à corrosão permanente do seu poder de compra, [...], os bancos exibem a cada ano uma polpuda conta de lucros”, opina o presidente da (Anfip) [...] (Tem Novidade, mar, p.2)

Essa forma de representação social não só pode influenciar a maneira

como os sujeitos sociais são vistos pelos leitores28, mas também reflete a

maneira como o movimento sindical lida com a realidade em seus

diversos contextos. Ao representar os aposentados como vítimas das

circunstâncias, como atingidos pela ação de outros sujeitos (Governo,

FMI) e ao mesmo tempo como sujeitos frágeis, com pouca capacidade de

organização e de atuação, a comunicação sindical contribui para a

consolidação de uma visão que fragiliza esse segmento social e alimenta

um comportamento passivo e comodista, uma vez que não só se aceita

essa postura de passividade, como também se cobra, de outras esferas e

de outros sujeitos sociais, atuações em favor desse segmento.

Ao construir representações dessa forma, a comunicação sindical pode

estar reproduzindo formas de relação de dominação. Os sujeitos Vilões

são retratados como sujeitos fortes e influentes. Sua força é reconhecida

nos textos a ponto de, não raro, sobrepor-se aos demais sujeitos. As

Vítimas são colocadas em posturas quase sempre passivas, de espera.

Esse cenário parece remeter a uma história fechada em um círculo vicioso

que não se quebra, apenas gira repetindo os mesmo padrões: os vilões

que avançam sobre as vítimas, enquanto os heróis tentam protegê-las, e

a si mesmos, obtendo maior ou menor êxito.

28 Qualquer representação social provoca um efeito de sentido, umas com mais intensidade, outras com menos; umas com maior grau de proximidade com a realidade na visão de alguns, outras com menos; umas podem provocar rejeição maior em determinado grupo social, outras tendem a ser mais bem aceitas. Todas, porém, influenciam na forma como se enxerga a realidade.

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Embora alguns sujeitos sejam retratados em mais de um grupo, como

visto com os servidores e mesmo com o governo, não há quebras de

posturas, não há mudança dos papéis. Um vilão não é representado

realizando bons atos, desenvolvendo ações positivas, da mesma forma

que em um herói não aparecem defeitos, nem lhe são tecidas críticas. E

tudo permanece como está. O cenário pode mudar, mas o círculo

permanece girando e os papéis continuam os mesmos.

A relação com a forma de representação do governo merece maior

atenção. A ascensão à presidência da República do ex-dirigente sindical e

membro do Partido dos Trabalhadores, Luís Inácio Lula da Silva, vem

provocando alterações no cenário político e sindical, configurando-se um

momento de crise no movimento sindical. Inicialmente visto como um

aliado, como um herói, o Governo Lula, assim chamado pelo movimento

sindical, foi em pouco tempo alvo de inúmeras e duras críticas por parte

do movimento sindical, mais enfaticamente pelos segmentos ligados ao

funcionalismo público.

A crescente crítica ao Governo Lula gerou mudanças de posicionamentos

dos sujeitos sociais e alterações nas relações entre eles. Movimentos

sociais, entre os quais o sindicalismo, viram suas opiniões divididas ainda

no início de 2003, em meio ao episódio da reforma da Previdência:

enquanto alguns segmentos apoiavam, como ainda apóiam,

incondicionalmente o governo; outros passaram a criticá-lo acidamente.

Alguns adotaram a estratégia de tentar influenciar o governo a assumir

postura mais à esquerda; e ainda há grupos que passaram a fazer-lhe

oposição ferrenha.

Essa mudança de visão e de postura em relação ao Governo Lula se

reflete nos textos sindicais, fazendo com que esse mesmo sujeito social

seja retratado ora na posição de aliado, ora na posição de malfeitor. O

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exemplo abaixo mostra um acirramento da crítica do desempenho do

Governo Lula e revela um pouco desse embate de posicionamento entre

correntes do próprio movimento dos trabalhadores:

Numa situação marcada, de um lado, pela expectativa popular e pelo protagonismo das massas e, de outro, pelas exigências ditadas pelo imperialismo, o Governo Lula busca os meios de aplicar a política de flexibilização e desregulamentação com o beneplácito das organizações dos trabalhadores (InformAndes, jan, editorial,).

Visto inicialmente como um governo positivo e de esquerda, o Governo

Lula foi aos poucos sendo empurrado para o grupo dos Vilões, chegando a

ser colocado em pé de igualdade com governos anteriores como os de

Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor de Melo, e comparado a

organismos como o FMI e Fundo Monetário Internacional com relação a

posturas econômicas adotadas. De Herói ou Amigo do herói, o Governo

Lula passou a ser visto e retratado, por alguns jornais, como Vilão. A

reforma da Previdência Social foi um episódio marcante nessa mudança

de visão. A tabela a seguir traz exemplos de trechos de matérias que

ilustram essas diferentes visões do Governo Lula.

Tabela 5 – Imagem do governo no discurso sindical

GOVERNO FEDERAL VISTO COMO ALIADO

(conotação positiva)

GOVERNO FEDERAL EM DISPUTA

(conotação neutra)

GOVERNO FEDERAL VISTO COMO VILÂO (conotação negativa)

“Inicialmente, o ministro reafirmou a disposição do governo em reformar a Previdência Social Pública com as finalidades expressas de, por um lado, deixá-la sustentável e, por outro, torná-la elemento de justiça social para a classe trabalhadora” (Informandes, jan, p.6).

“Sobre o conteúdo da reforma, Berzoini afirmou que o governo não tem nada definido. A partir de agora, segundo ele, haverá uma série de contatos com a sociedade para que possa elaborar a sua proposta” (Informandes, jan, p.6).

“Diante dos aposentados, dos servidores públicos e de toda a sociedade, como vamos explicar a seme-lhança entre a vontade do governo FMI-FHC e do novo governo de implementar a contribuição previdenciária dos aposentados, entre outras mazelas?” (Tem Novidade, jan, p.1).

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Essa forma diferente de retratar ou de se referir a um mesmo sujeito

social, no caso o governo brasileiro, é decorrente principalmente do

embate discursivo travado pelos discursos de ambos sujeitos sindicatos e

governo. Trata-se também de uma forma de contra-argumentar o

discurso governista.

As representações sociais dos locais, a princípio algo aparentemente

irrisório, demonstra como o movimento sindical enxerga os palcos onde

atua e como se relaciona com esses diferentes cenários, que incluem

outros sujeitos sociais. No caso do Congresso Nacional, por exemplo,

bastante mencionado pela comunicação sindical, pode-se perceber a

relação do sindicalismo com parlamentares (senadores ou deputados

federais) ou mesmo com o Poder Executivo.

O Informandes vem para contribuir, como organizador avançado, trazendo elementos de ordem científica, política e pedagógica para o embate, que é iminente, frente à disposição do Congresso brasileiro em atender às exigências do FMI [...] (Informandes, mar, p.2).

A luta dos servidores públicos no novo governo inclui ainda a ampla discussão dos projetos em tramitação no Congresso Nacional – [...] – e o cumprimento dos 13 pontos assumidos no compromisso de Lula com os servidores públicos federais (Tem Novidade, jan, p.1).

Enquanto no primeiro exemplo o Congresso é um ente vivo, um sujeito

cuja decisão influencia o cenário político nacional (conseqüência) e pode

ser influenciada por ideologias e interesses (causa); no segundo exemplo

o papel do Congresso se restringe ao de um lugar onde ocorrem embates

entre servidores e governo, sendo esses os sujeitos sociais em ação.

É possível, portanto, perceber que um cenário pode ser colocado como

sujeito social, como sujeito ativo, a exemplo do Congresso Nacional ou de

significativos encontros sindicais. O governo também vira palco de luta,

nesse caso possuindo conotação neutra, e não aparece como sujeito

ativo. É apenas um lugar onde os embates ocorrem. A relação do

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sindicato com seu local de atuação revela-se dinâmica e viva, tendo sua

importância acrescida ou diminuída dada sua influencia no cenário político

em disputa.

Outros sujeitos sociais, como a grande imprensa, fazem-se presentes nos

jornais analisados revelando uma relação viva, quase um diálogo com o

sindicato. Enquanto o Tem Novidade, por exemplo, no mês de janeiro

sequer menciona a imprensa e no de fevereiro a cita como fonte de

informação (“Temo que não seja viável porque poderemos entrar numa

discussão sem fim sobre direitos adquiridos”, afirmou o ministro Ricardo

Berzoini ao jornal O Estado de São Paulo), no mês de março, com

acirramento do debate sobre a reforma, contra-argumenta suas opiniões

e tece críticas ao seu comportamento.

“A imprensa está jogando para a sociedade que somos culpados pelo rombo da Previdência”, reclama o servidor Winston Lemos, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Não é novidade a difamação do serviço público pela mídia: histórias de poucos servidores com salários exorbitantes escondem a realidade da massa que ganha pouco. É falaciosa a informação, amplamente divulgada pela Imprensa nacional, que a Previdência Social se encontra em déficit. Estudo da Anfip baseado em dados do Governo [...].

(Tem Novidade, mar, p.1-02)

A relação entre a grande imprensa e a imprensa sindical chega a um

ponto de conflito tal que esta passa a assumir um tratamento, em relação

à grande imprensa, de sujeito social antagônico, caracterizando-a como

um Vilão.

Outro sujeito presente nos jornais sindicais, e classificado geralmente no

grupo “Outros Sujeitos”, é o parlamentar (principalmente deputados

federais e senadores, os quais apreciam e votam o projeto de lei da

reforma da Previdência). A relação que o sindicato estabelece com esses

sujeitos tende a ser de enxergá-los como amigos, como parceiros,

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principalmente com os de tendência política de esquerda. O sindicato

tenta trazer os parlamentares para o seu lado, convencê-los de seu ponto

de vista, a fim de influenciar as tomadas de decisões. Os parlamentares

são vistos como agentes de poder e prestígio que podem estar do lado do

movimento sindical desempenhando papel de aliado:

Os servidores públicos precisam trabalhar pela não taxação dos aposentados e pensionistas, cuja implementação já recebeu apoio da maioria dos governadores, inclusive do governador Jarbas Vasconcelos (Tem Novidade, março, p.3). A deputada federal Luciana Genro (PT – RS) participou da Plenária Inicial do XX Congresso do Andes e se manifestou contra a Reforma da Previdência proposta pelo governo (Informandes, mar, p.7). Os representantes dos servidores foram recebidos após a reunião pelos deputados Nelson Pellegrino, Babá, Luciana Genro, Fátima Bezerra, Lindberg Farias, Arlindo Chinaglia, Ivan Valente, Paulo Ramos e João Fontes, que se manifestaram contrários ao PLP 09 (Informandes, mar, p.3).

A prática da discriminação dos nomes dos parlamentares demonstra o

reconhecimento e a valorização das pessoas, cujo apoio à suas causas é

de fundamental importância para ampliação do espaço político do

sindicalismo e para conquistas e manutenção de seus direitos. No caso da

reforma da Previdência, são constantes nos impressos sindicais falas de

parlamentares que apóiam as reivindicações dos servidores. Trata-se de

uma forma do movimento mostrar inserção na esfera política mesmo que

seja sobre uma minoria de parlamentares.

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3.3.4. Estrutura argumentativa do discurso sindical

A fim de entender a construção do discurso sindical em torno da questão

da reforma da Previdência, seus argumentos para convencer a opinião

pública, expressão de idéias e formalização de estratégias para rebater

observações feitas pelo governo, faz-se necessário compreender a

estrutura argumentativa do impresso sindical em contraposição ao

discurso governista. O fato de os discursos desses dois sujeitos sociais

serem analisados em conjunto facilita a percepção da lógica da

construção da cadeira argumentativa, entre outros aspectos decorrentes

desse embate de idéias, firmado a partir de uma disputa de interesse em

torno de um modelo de Previdência Pública e, conseqüentemente, em

torno de um modelo de sociedade.

O discurso do governo, em janeiro de 2003, foca a apresentação do tema

Previdência Social e a relação do governo com esse tema. Argumentos

em torno da necessidade de mudança e justificativa da reforma marcam o

primeiro artigo de opinião assinado pelo ministro da Previdência Social

(datado de 24 de janeiro), que apresenta a problemática e coloca

argumentos de forma leve, sem se ater a questões específicas. O próprio

ministro diz não ter um projeto político pronto: “A partir do debate, que

deve contar com a participação de todos, queremos chegar a um regime

que represente mudar com segurança” (BERZOINI, a). A proposta

colocada pelo ministro da Previdência é, então, de construção conjunta,

em debate com a sociedade, embora não mencione quais segmentos

participam, ou estariam interessados em participar dessa discussão.

Apesar da forma simplificada com que situa a questão da Previdência e do

tom didático, o artigo é permeado de argumentos e traz, já bem

marcada, a visão do governo, principalmente no que diz respeito à

necessidade das mudanças, apontadas como uma verdade óbvia e

incontestável. Ao expressar, por exemplo, a importância da questão da

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Previdência para o Governo Lula, o artigo coloca valores como segurança,

respeito a direitos, garantia de um futuro melhor, justiça social e

viabilidade financeira como metas a serem perseguidas. Essas metas

fundamentam e caracterizam o discurso governamental, emprestam

sentido às suas ações (grifos da pesquisadora29):

O presidente Luís Inácio Lula da Silva, eleito por quase 53 milhões de votos e pela esperança na construção de um Brasil melhor, assumiu durante a campanha o compromisso de tratar a Previdência Social como uma prioridade de governo. [...] A rediscussão das regras da Previdência está na agenda de praticamente todos os países, sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento. Não devemos mudar por modismos. Nem vamos ceder a argumentos tecnocráticos. A partir do debate, que deve contar com a participação de todos, queremos chegar a um regime que represente mudar com segurança, respeitando direitos e garantindo um futuro melhor. [...] Por sua relevância social e seu impacto econômico, sua reforma será um dos pilares desse novo país. Um pilar fundado em dois pressupostos essenciais: justiça social e viabilidade financeira

(BERZOINI, Previdência justa e sustentável, a).

Ao anunciar a ausência de proposta concreta em relação à reforma da

Previdência (“A partir do debate, que deve contar com a participação de

todos, queremos chegar a um regime que represente mudar com

segurança [...]”(BERZOINI, a) ) o governo coloca em discussão a

necessidade de reforma e não a reforma em si, privilegia o processo e

não o conteúdo da reforma, noticia o objeto “reforma” como algo ainda

abstrato, imaturo. Isso contribuiu para o adiamento do debate em torno

da proposta de reforma, uma vez que não se pode analisar ou criticar

algo que não existe ou, pelo menos, não está explicitado. Sujeitos sociais

como os sindicatos ficam impedidos de falar de algo que não tomou forma

oficialmente, que ainda está sendo delineado.

29 Todos os grifos encontrados nos exemplos utilizados são de autoria da pesquisadora.

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As justificativas de necessidade de mudança são, então, pontos fortes do

artigo do ministro (em lugar de falar do conteúdo do projeto de lei que

propõe as mudanças na Previdência). Ao mesmo tempo em que esclarece

a sociedade sobre a Previdência Social e a idéia de uma mudança em sua

estrutura, o governo tenta convencê-la da necessidade dessa mudança,

como algo inexorável, incontestável:

A necessidade de um sistema que possa ser sustentável e ao mesmo tempo justo socialmente nos dá a direção para um conjunto de medidas que possa conferir segurança aos beneficiários de hoje e do amanhã. [...] O que se quer, em linhas gerais, é transformar o sistema atual, complexo e em alguns casos até injusto, num conjunto de regras claras e, sempre que possível, isonômicas. [...] Não há recursos que financiem as regras atuais. Além disso, felizmente, vive-se hoje cada vez mais. Portanto, é preciso reequilibrar as contribuições necessárias aos benefícios que duram mais e mais anos (BERZOINI, a).

Os argumentos governamentais seguem uma lógica de antítese

relacionada aos objetos (a Previdência) de hoje30 (a realidade) e a do

futuro (depois da mudança, hipotética). Resumindo os argumentos acima,

tem-se: O atual sistema é insustentável, vamos torná-lo sustentável. O

atual sistema é inseguro, vamos adotar medidas que confiram segurança.

O atual sistema é complexo, vamos torná-lo claro. É injusto em alguns

casos, vamos transformá-lo num conjunto de regras, sempre que

possível, isonômicas. Não há recursos para as regras atuais, vamos

equilibrá-lo. Simplificando em um quadro, tem-se os seguintes adjetivos

contrapostos da Previdência real e os da Previdência a ser construída pelo

governo em conjunto com a sociedade, de acordo com o discurso do

governo:

30 Ao se referir à Previdência atual ou Previdência de hoje, está se falando do período de janeiro a julho de 2003. que antecede a reforma. É o momento presente para as matérias e artigos analisados, as quais estão disputando um projeto político e ideológico que, para elas, ainda não se concretizou.

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Tabela 6 – Previdência do presente e do futuro no discurso sindical

Previdência real

Objeto HOJE

Previdência a ser

construída, Objeto do FUTURO

insustentável

X sustentável

inseguro

X seguro

complexo

X claro

injusto

X isonômico

sem recursos (desequilibrado)

X equilibrado

É contra o argumento de que o sistema previdenciário é insustentável,

desequilibrado que a imprensa sindical realiza, ao longo de todo o ano de

2003, uma ferrenha contraposição. Ainda em janeiro, o Tem Novidade

contra-argumenta: “Segundo Moura, os debatedores do evento foram

unânimes em afirmar que a previdência social brasileira não é deficitária

e, por isso, não faz sentido falar em taxação de aposentados e

pensionistas”. (Tem Novidade, jan, p.3). Essa questão do déficit X não

déficit da Previdência é abordada não apenas nessa matéria do Tem

Novidade, já em janeiro, mas também ao longo de todo o jornal e

também nas matérias do InformAndes: “Para a CNESF, não existe

déficit previdenciário por causa do setor público, pois quando se faz o

cálculo do déficit não se considera todas as fontes de financiamento da

seguridade social” (Informandes, fev, p.6).

A tentativa do ministro de retardar o debate ou, pelo menos, seu

acirramento, principalmente em torno de questões polêmicas - e isso

pode ser percebido na ausência de menção a questões como a taxação de

inativos, o estabelecimento de um teto na Previdência Pública no discurso

do site da Previdência - é contrariada por organismos como a imprensa

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sindical dos servidores públicos que, em suas matérias, tece duras críticas

à proposta de reforma sinalizada pelo poder executivo.

Essas matérias trazem à tona questões que vêm sendo deixadas de lado

pelos textos do site da reforma da Previdência e deixam clara a posição

dos sindicatos diante de pontos considerados cruciais para o movimento

sindical (teto da Previdência, paridade entre ativos e aposentados,

taxação de aposentados, previdência complementar), além de

questionarem a postura do governo. Abaixo, seguem trechos onde os

jornais sindicais analisados levantam esses pontos considerados

importantes, ao mesmo tempo em que se colocam a respeito da reforma

da Previdência:

O ANDES – SN combate a reforma anunciada e reafirma a defesa dos direitos previdenciários dos servidores na sua integralidade, ao mesmo tempo em que luta pela extensão destes direitos ao conjunto da classe trabalhadora (Informandes, jan, editorial).

“Os servidores pleiteiam a manutenção da previdência pública e do modelo de repartição em vez de capitalização, além da paridade entre ativos e aposentados”, acrescenta Gleidson Ferreira (Tem Novidade, jan, p.3).

Sob esse ângulo, a reforma previdenciária, anunciada por Berzoini, aponta para perdas ainda mais drásticas do que aquelas impostas por FHC, por exemplo, quando empurra para o novo regime de previdência complementar até mesmo os trabalhadores que estão hoje no sistema (Informandes, jan, editorial).

O debate sustentado pela imprensa sindical centra-se mais na reforma

sinalizada pelo novo governo, mesmo não tendo sido apresentada

proposta formal ao Congresso Nacional ou à sociedade, do que na

imagem da Previdência atual ou dos próprios servidores públicos. Como a

imprensa sindical critica algo que ainda não existe, precisa fazê-lo

mediante os indícios deixados pelo governo, por meio do seu discurso em

que aponta direcionamentos para o sistema previdenciário. A imprensa

sindical relata, então, dentro do seu discurso, o discurso do governo para

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construir o seu em contraposição. Novamente tem-se um quadro rico em

antíteses, agora presente no discurso do sujeito social sindicato.

Tabela 7 – Previdência projetada nos diferentes discursos

Previdência projetada pelo

governo de acordo com o discurso

sindical (FUTURO – ABSTRAÇÃO)

Previdência almejada pelo

sindicato de acordo com o discurso

sindical (FUTURO - ABSTRAÇÃO)

é necessária.

“’se necessária’, deveria ser precedida da tributária”.

(Informandes, jan, p.6) quer implantar a contribuição previdenciária dos aposentados.

(Tem Novidade, fev, artigo)

X

“[...] não-contribuição previdenciária dos aposentados”.

(Tem Novidade, jan, p.1) teto de aposentadoria de 20 salários mínimos (R$1.561,00).

(Informandes, jan, p.6)

X

“[...] deverá atender aos princípios de integralidade dos vencimentos no ato da aposentadoria”.

(Informandes, jan, editorial) busca aplicar a política de flexibilização e desregulamentação.

(Informandes, jan, editorial)

X

reafirma a defesa dos direitos previdenciários dos servidores na sua integralidade e luta pela extensão destes direitos ao conjunto da classe trabalhadora.

(Informandes, jan, p.6)

paridade de vencimentos entre ativos e aposentados.

(Informandes, jan, p.6) implantação de previdência complementar.

(Informandes, jan, p.6) “[...] empurra para o novo regime de previdência complementar até mesmo os trabalhadores que estão hoje no sistema”.

(Informandes, jan, editorial)

X

manutenção da previdência pública e do modelo de repartição.

(Tem Novidade, jan, p.3)

“A União é, portanto, a maior caloteira da Previdência. E ainda fica chorando que há sonegação”.

(Tem Novidade, fev, p.2)

X

auditoria nas contas da Previdência Social para identificar focos de sonegação.

(Informandes, fev, p.4)

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“[...] a reforma previdenciária, anunciada por Berzoini, aponta para perdas ainda mais drásticas do que aquelas impostas por FHC”.

(Informandes, jan, editorial)

X

“[...] reafirma a defesa dos direitos previdenciários dos servidores na sua integralidade, ao mesmo tempo em que luta pela extensão destes direitos ao conjunto da classe trabalhadora”.

(Informandes, jan, editorial)

Como se pode observar pelo quadro, o discurso sindical reproduz o

discurso governista nos seus impressos para contra-argumentar suas

idéias, para fazer observações a respeito do que acredita ser melhor para

edificação do sistema previdenciário que almeja. O seu discurso é feito

em cima do discurso e das opiniões do governo, primeiro porque é este

que detém informações e posições a respeito da mudança no sistema

previdenciário, de forma que o discurso sindical precisa resgatar essas

informações, colocando-as em seu próprio discurso. Segundo porque a

lógica de construção do discurso sindical é a de contraposição, é a de

colocar-se contrário ou crítico a algo, no caso do tema estudado, contrário

a proposta de reforma sinalizada pelo governo.

As suas idéias e opiniões visam, fundamentalmente, rebater as

argumentações feitas por outro sujeito social, no caso, o governo. O

embate de idéias se dá nesse esquema de rebater o discurso do governo

e as propostas construídas pelo governo. Daí, a constante referência à

voz do outro, mesmo que essa voz seja transcrita sobre a visão não do

outro, mas de quem a está utilizando.

Ainda com relação à visão crítica relacionada à postura do governo, são

presentes comparações entre o Governo Lula e governos anteriores e

menções sobre a influencia de interesses internacionais na iniciativa de

reforma do governo brasileiro:

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Diante dos aposentados, dos servidores públicos e de toda a sociedade, como vamos explicar a semelhança entre a vontade do governo FMI-FHC e do novo governo de implementar a contribuição previdenciária dos aposentados, entre outras mazelas?” (Tem Novidade, jan, p.1). Numa situação marcada, de um lado, pela expectativa popular e pelo protagonismo das massas e, de outro, pelas exigências ditadas pelo imperialismo, o governo Lula busca os meios de aplicar a política de flexibilização e desregulamentação com o beneplácito das organizações dos trabalhadores (Informandes, jan, editorial). As metas do Fundo Monetário Internacional devem ser cumpridas, custe o que custar. Ou melhor, custe mais emprego, insegurança, instabilidade social e econômica. Sempre fomos e seremos contra qualquer tipo de interferência na soberania brasileira, e desta não abrimos mão (Tem Novidade, jan, p.1).

A imprensa sindical, ao mencionar governos anteriores, como os governos

dos ex-presidentes Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique

Cardoso, faz referência a um imaginário da sociedade relacionado a esses

governos e períodos, subentendendo que o leitor compartilha desse

imaginário, tem acesso a um conhecimento prévio de como foram esses

governos e de como a imprensa sindical e a opinião pública o percebem

hoje. Ao comparar esses governos passados e situações que os

caracterizam (como a possível ligação do FMI ao governo FHC, colocada

nos textos sindicais) com o governo atual e à situação atual (atual para o

ano de 2003), apontando semelhanças entre ambos, a imprensa sindical

tenta “colar” parte desse imaginário permeado de rótulos e conceitos ao

“novo governo”.

Serge Moscovici fala do sistema de ancoragem e define a função de

categorização da seguinte forma: “Categorizar alguém ou alguma coisa

significa escolher um dos paradigmas estocados em nossa memória e

estabelecer uma relação positiva ou negativa com ele” (MOSCOVICI,

2003, p.63). Para Moscovici, a neutralidade é proibida, pela própria lógica

do sistema, “onde cada objeto e ser devem possuir um valor positivo ou

negativo e assumir um determinado lugar em uma clara escala

hierárquica” (MOSCOVICI, 2003, p.62).

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Logo, quando o discurso sindical compara por semelhança aspectos de

governos anteriores ou de organismos outros ao governo presente, ele

está categorizando o governo presente (utilizando os paradigmas

estocados na memória coletiva) e estabelecendo uma relação crítica com

esse governo, incutindo juízos de valores.

O exemplo “Como vamos explicar a semelhança entre a vontade do

governo FMI-FHC e do novo governo de implementar a contribuição

previdenciária dos aposentados, entre outras mazelas?” (Tem Novidade,

jan, p.1) ilustra essa representação por categorização e a referência a

características, que o imaginário coletivo retém e que pode ser transferida

de um sujeito social a outro.

3.3.5. Temas abordados pela imprensa sindical

Uma questão tratada de forma contundente por ambos os sujeitos sociais

nesse início de debate, talvez por sua relevância e por justificar mudanças

e aprofundamento de discussão entre ambos os sujeitos, diz respeito aos

prováveis buracos na Previdência Pública que geraram desequilíbrio,

injustiças e déficit, segundo os textos. Nesse caso, o discurso do governo

tende a ser mais específico e técnico, citando outros órgãos públicos a

serem acionados no processo de investigação ou reestruturação do

sistema previdenciário. O discurso sindical, por outro lado, prefere uma

linha mais ampla e adota um tom de denuncismo.

Tabela 8 - Desvios no sistema previdenciário (governo X sindicato)

ARGUMENTOS DO GOVERNO Fonte: site da previdência Berzoini, “Previdência justa e

sustentável”

ARGUMENTOS DOS SERVIDORES

Fonte: jornais impressos Tem

Novidade e Informandes (janeiro)

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Folha de S. Paulo, 24/01/03

Há críticas graves e procedentes que terão por parte do Ministério da Previdência Social e da direção do INSS respostas objetivas e, quando necessário, duras. As acusações de fraudes na concessão de benefícios ou na arrecadação não ficarão sem resposta. É obrigação nossa combatê-las de modo incansável. Para isso, vamos reforçar a fiscalização e ampliar as parcerias com o Ministério Público e com a Polícia Federal. Além disso, a sonegação será tratada com rigor. O sonegador, além de descumprir obrigações, pratica concorrência desleal com os contribuintes corretos. A fragilidade tecnológica do sistema de concessão de benefícios e da cobrança de contribuições também precisa ser superada. Anos de omissão prejudicaram a Dataprev, reduzindo sua capacidade de prevenir riscos e fraudes sofisticadas.

(...) (diretores do Andes) deixaram explícito que essa reforma, “se necessária”, deveria ser precedida da tributária, dado que o financiamento previdenciário não pode ser dissociado do conjunto das contas públicas e, especialmente, no que se refere à Seguridade Social.

(Informandes, jan, p.6) (...) recaem sobre os servidores algumas perguntas: qual a causa de tudo isso? E os rombos? Como estão os empréstimos a outros Ministérios? O patrimônio da Previdência está bem administrado? O problema da Previdência é financeiro, social ou político?

(Tem Novidade, jan, p.1) Ora, mas se isso é necessário alguém roubou essa contribuição. Imagine até nos dias de hoje o que você pode programar com uma aplicação de R$ 200,00 mensais garantidos ao longo de 35 anos. Não é pouca roubalheira.

(Tem Novidade, fev, artigo) A CNESF inclusive defende uma auditoria nas contas da Previdência Social para identificar focos de sonegação e fraudes que esvaziam os cofres públicos. A auditoria tem o apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

(Informandes, fev, p.4)

O movimento sindical, a fim de abordar o tema da sonegação, introduz a

questão da reforma tributária que, na opinião dos sindicatos, deveria ser

feita antes da reforma previdenciária. Ao trazer esse tema para

discussão, a imprensa sindical relaciona reformas distintas, apontando

interligação entre ambas (a tributária influencia a previdenciária), reflete

uma visão que interliga diferentes ações e temas. A imprensa sindical não

raro relaciona ações e propostas, como a da reforma da Previdência, a

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projetos maiores de construção de mundo, de desenvolvimento de

macrossistemas econômicos e políticos. No caso da reforma da

Previdência, a motivação do governo está ligada, de acordo com o

movimento sindical, à ideologia hegemônica, contra a qual o sindicato se

coloca, compondo o grupo contra-hegemônico.

As ideologias estão nos textos. Embora seja verdade que as formas e o conteúdo dos textos trazem o carimbo (são traços) dos processos e das estruturas ideológicas, não é possível “ler” as ideologias nos textos. Como argumentei no capítulo 2, isso é porque os sentidos são produzidos por meio de interpretações dos textos e os textos estão abertos a diversas interpretações que podem diferir em sua importância ideológica e porque os processos ideológicos pertencem aos discursos e não apenas aos textos que são momentos de tais eventos (FAIRCLOUGH, 2001, p.118).

Essa forma de lidar com a realidade, realizando interconexões entre

diferentes projetos e ações que interferem uns nos outros, e procurando

fazer uma análise específica e, ao mesmo tempo, macro da problemática

tratada, revela a influência da dialética, da metodologia marxista, no

movimento e na comunicação sindical. O governo, por exemplo, em

nenhum momento relaciona a reforma tributária à reforma previdenciária,

como também não faz referência a modelo econômico ou a uma

concepção de construção de mundo que motivariam a realização dessas

mudanças. O discurso governista coloca a motivação de mudança do

sistema previdenciário como algo de cunho prático e sistêmico, como uma

necessidade de se sanar um problema pontual (o desequilíbrio na

Previdência) que prejudica o Estado e a sociedade. Aspectos políticos,

ideológicos, de modelos econômicos não são mencionados no discurso do

governo.

Enquanto o discurso do mês de janeiro constrói-se com ênfase na

apresentação do tema da Previdência e sua reforma, embora não tenha

proposta concreta, e na apresentação de justificativas da necessidade

dessas alterações; o discurso sindical foca as problemáticas da reforma e

levanta temas específicos de interesse dos servidores, questionando e

criticando as sinalizações do governo. A imprensa sindical faz movimento

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de aprofundar a discussão, de gerar debate. Ao mesmo tempo em que

expressa sua postura de forma clara em relação à reforma, o discurso

sindical procura questionar a postura do Governo Lula, enfatizando o

enfrentamento entre ambos os sujeitos sociais nessa questão da reforma

previdenciária. O governo prefere um caminho de conciliação, tentando

homogeneizar a questão da reforma, ao não mostrar peculiaridades, nem

traz à tona os inúmeros questionamentos existentes proferidos pelo

movimento sindical, trabalhista e por outros setores da sociedade.

O discurso sindical não só se apresenta permeado de influência

ideológica, como faz questão de explicitar essa influencia e esse

posicionamento ideológico. Remete-se a questões, muitas vezes locais e

pontuais, sem deixar de lado uma visão macro dos conflitos e embates.

No artigo do mês de fevereiro, “O servidor e a Reforma da Previdência”,

de 14 de fevereiro de 2003, o ministro da Previdência passa a tratar a

imagem dos servidores com especial atenção. É clara sua preocupação

em não depositar sobre os servidores a tarja de culpados pelo

desequilíbrio no sistema previdenciário, tarja essa já colocada por alguns

setores da sociedade, segundo o próprio ministro: “O início dos debates

sobre a Reforma da Previdência levou alguns setores da sociedade a

aderir a um argumento tão perigoso quanto desrespeitoso. Tratam os

servidores como uma casta de privilegiados que deve passar pela

execração pública, qual a Geni de Chico Buarque para se penitenciar por

seus pecados” (BERZOINI, b). Apesar de afirmar que parte desse

desequilíbrio se deve a “vantagens” concedidas aos servidores, como

aposentadoria integral, o ministro credita a responsabilidade desse

desequilíbrio nas contas públicas a governantes que não souberam

administrar a máquina:

Apesar de reconhecer que o Regime Próprio de Previdência dos Servidores gerou um violento desequilíbrio fiscal nos últimos anos, este governo não vai aderir a esse tortuoso discurso, que degrada os funcionários públicos, fragiliza o Estado e, com isso, reduz sua competência e seu raio de ação (BERZOINI, b).

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O governo anterior cometeu graves erros na condução desse debate, que não podem ser repetidos. Um deles foi esquivar-se de discutir com os servidores públicos o diagnóstico de seu regime previdenciário e buscar soluções para os problemas encontrados (BERZOINI, b).

A imprensa sindical procura desmistificar o discurso que se encontra

presente na sociedade, culpando os servidores ou taxando-os de

privilegiados. Geralmente se utiliza de frases categóricas para defender a

imagem do servidor público, como a do Tem Novidade: “Há um folclore

perverso que supõe que funcionários públicos não pagam a previdência”,

(Tem Novidade, fev, p.1) e argumentações com vistas a mostrar a

inexistência dos chamados privilégios ou das supostas vantagens dos

servidores públicos: “A primeira grande distorção consiste em se difundir

que a aposentadoria integral do servidor público se constitui em privilégio

incabível”, defende o economista João Carlos Bezerra de Melo [...] (Tem

Novidade, jan, p.3).

Uma questão central nessa discussão é a concepção de uma Previdência

Pública deficitária, equilibrada ou mesmo superavitária. Enquanto o

Governo afirma todo o tempo, e este consiste em um de seus principais

argumentos de convencimento, que a Previdenciária está em

desequilíbrio, sendo “deficitária” (essa expressão “deficitária” é utilizada

pelos jornais sindicais na reprodução do discurso do governo. O governo

prefere o termo “desequilíbrio” para definir as contas públicas); os

sindicatos ora são contundentes na existência de uma Previdência

equilibrada, ora admitem o desequilíbrio. Ao argumentar a respeito da

imagem do servidor público tentando desvinculá-la da pecha de vilão,

essa contradição no discurso sindical sobre a crise na Previdência aparece

com mais evidência.

No mês de janeiro, por exemplo, o Tem Novidade procura mostrar ser

baixa a possibilidade de a Previdência apresentar déficit: “Segundo

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Moura, os debatedores do evento foram unânimes em afirmar que a

previdência social brasileira não é deficitária e, por isso, não faz sentido

falar em taxação de aposentados e pensionistas” (Tem Novidade, jan,

p.3); mas, ao mesmo tempo, o Tem Novidade admite a existência de

problemas no sistema previdenciário: “(...) recaem sobre os servidores

algumas perguntas: qual a causa de tudo isso? E os rombos? (...) O

problema da Previdência é financeiro, social ou político?” (Tem Novidade,

jan, p.1).

O mesmo jornal retoma, em março, o discurso enfático de que a

Previdência não é deficitária e aponta, ao contrário, a existência de um

superávit: “É falaciosa a informação, amplamente divulgada pela

imprensa nacional, que a Previdência Social se encontra em déficit.

Estudo da Anfip, (...), revela que a Seguridade Social, que inclui

Previdência, Assistência e Saúde, teve superávit de R$ 36 bilhões em

2002” (Tem Novidade, mar, p.2). Podem ser percebidas, portanto,

contradições no discurso sindical a respeito dessa questão. Ora emite

argumentos enfáticos afirmando o equilíbrio no sistema previdenciário,

ora admite a existência de problemas, que indicariam ou explicariam um

possível déficit, ora aceita a possibilidade de desequilíbrio (levantada pelo

governo) e trabalha com ela em seus textos. Normalmente, quando

admite essa última possibilidade, procura mostrar as causas desse

desequilíbrio na contas da Previdência.

No mês de março, já não se discute a Previdência Pública do momento

presente (concreta, real). O fato de estar ou não em equilíbrio (e as

prováveis causas desse desequilíbrio); problemáticas como sonegação,

não-contribuição da União, etc.; a eficiência no cumprimento de serviço à

maioria da população, tão presentes nos meses de janeiro e fevereiro,

são deixados de lado tanto por jornais sindicais quanto pelos artigos

governistas.

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A partir de março, sindicatos e governo passam a centrar seus discursos

na reforma da Previdência, em como será a Previdência do futuro (na sua

projeção). O governo, que já vinha construindo a imagem de uma

Previdência pós-reforma (segura e equilibrada), reforça esse discurso.

Sua estratégia implica em eleger pontos da reforma, geralmente os mais

polêmicos, e discorrer sobre seu benefício para o sistema previdenciário e

para a sociedade.

A projeção da Previdência pós-reforma presente no discurso governista

difere bastante, quase antagonicamente, da Previdência prevista pelo

movimento sindical no caso do projeto da reforma obter êxito. Essa

divergência na concepção e na projeção do objeto de disputa (a

Previdência) leva à busca de fundamentações para o discurso, a fim de

conferir-lhe credibilidade. A imprensa sindical, com a finalidade de

fundamentar a imagem que projeta da Previdência pós-reforma, recorre a

um discurso acerca dos objetivos, das motivações que levam o governo a

implementar essa Previdência anunciada. Uma das formas de

desmascarar o discurso governista é apontar o que seriam para o

sindicato as reais intenções de mudança no sistema previdenciário por

parte do governo.

Na prática, o discurso sindical critica não apenas a reforma, mas também

o seu propulsor, o governo, sua ideologia, possíveis forças políticas que

estariam em seu apoio ou o influenciando e seu discurso. A tabela a

seguir traz argumentos do governo e do movimento sindical, extraídos de

seus respectivos textos estudados, a respeito da Previdência pós-reforma

e do seu impacto na sociedade. Interessante observar a disparidade das

imagens da Previdência Social construídas, bem como a forma como o

discurso sindical se contrapõe ao governista e vice-versa:

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Tabela 9 - Previdência projetada (governo X sindicato)

DISCURSO DO GOVERNO SOBRE A PREVIDÊNCIA PÓS-REFORMA

(FUTURO) fonte: site da previdência

(Berzoini, “Revista Teoria e Debate nº 53, mar/abr/mai )

DISCURSO DO SINDICATO SOBRE A

PREVIDÊNCIA PÓS-REFORMA (FUTURO)

fontes: jornais Tem Novidade e Informandes

(matérias de fevereiro e março)

A reforma da Previdência Social é um compromisso de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma exigência do País. A reforma é, sim, uma exigência, mas da população mais carente do País, que não tem acesso a políticas públicas do Estado porque o orçamento público está comprometido com outros tipos de despesa.

X

Os capitalistas, que vêm ao longo da história tomando de assalto o Estado, exigem reformas que retiram direitos dos trabalhadores e manutenção das políticas de FHC (Informandes, fev, editorial).

Milhões de pessoas em “escravatura salarial” são chamadas a debater em “pé de desigualdade” uma reforma que está no bojo da Reforma do Estado pretendida pelo Capital para reestruturar suas forças e avançar nos seus lucros e na sua destrutiva hegemonia (Informandes, fev, editorial).

Precisamos trabalhar para que os regimes previdenciários existentes hoje no Brasil observem regras mais adequadas, primem pela justiça social e tenham sustentabilidade orçamentária.

X

Em troca do atual sistema de solidariedade entre ativos e aposentados, propõe-se um modelo de alto risco para os trabalhadores, uma vez que é conhecido o histórico de fraudes nos fundos de pensão e o alto risco no mercado de ações em que os recursos podem ser aplicados (Tem Novidade, mar, p.2).

Com essas mudanças, a sociedade brasileira terá a oportunidade de reduzir a desigualdade social e acelerar a retomada do crescimento econômico. Primeiro, porque passará a tratar com maior igualdade os trabalhadores do setor público e do setor privado. Segundo, porque a reforma permitirá à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios destinar, já a partir de 2004, mais recursos a investimentos nas áreas sociais e de infra-estrutura, transformando em realidade a esperança que elegeu o

X

Elevação da idade mínima para aposentadoria, aumento dos prazos de carência, contribuição dos futuros inativos e redução de 30% no valor das pensões são riscos que os servidores estão correndo com a Reforma da Previdência. Todas as medidas atacam os direitos dos trabalhadores e seguem a cartilha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (Tem Novidade, mar, p.1).

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presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Portanto, o debate previdenciário nem se coloca apenas em termos fiscais, muito menos atende a interesses financeiros privatistas.

X

Representantes do mercado financeiro, inclusive, se reuniram com o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini para defender que a reforma fortaleceria o mercado e também para pedir a extinção do FGTS, que também se destinaria a fundos privados de seguro social (Tem Novidade, mar, p.2). Para os banqueiros, menos benefícios a serem pagos pelo Estado significam mais lucro para suas instituições. Fica claro a quem a Reforma pretende agradar – e não é aos trabalhadores (Tem Novidade, mar, p.2)

Em “Os capitalistas, que vêm ao longo da história tomando de assalto o

Estado, exigem reformas que retiram direitos dos trabalhadores e

manutenção das políticas de FHC” (Informandes, fev, editorial), é clara a

referência ao passado histórico do capital, sob uma abordagem de

influência marxista, com visão de disputa de poder e de classe (os

capitalistas vêm tomando de assalto o Estado).

A referência “às políticas de FHC” remete a um passado próximo da

história política do País e traz, ainda que de forma implícita, referência à

forma como o movimento sindical enxerga o governo FHC, com duras

críticas a sua política econômica e a sua linha político-ideológica. Esse

exemplo mostra como o discurso sindical se utiliza de recorrências a

informações e a universos representativos já existentes para a construção

da imagem da futura Previdência (a Previdência pós-reforma seria mais

uma forma de se retirar direitos dos trabalhadores).

Essa recorrência ao já existente remete ao tempo passado e também ao

universo de conhecimento partilhado pela coletividade e,

presumidamente, dominado pelo leitor do jornal. “Todos os sistemas de

classificação, todas as imagens e todas as descrições que circulam dentro

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de uma sociedade, mesmo as descrições científicas, implicam um elo de

prévios sistemas e imagens, uma estratificação na memória coletiva e

uma reprodução na linguagem que, invariavelmente, reflete um

conhecimento anterior e que quebra as amarras da informação presente”

(MOSCOVICI, 2003, p.37). Assim, ao relacionar ao tema presente

(reforma da Previdência) fatos ou sujeitos já conhecidos (capitalistas, a

exploração do capital , FHC), o discurso sindical aposta no acionamento

de um universo de conhecimento anterior para agregar informações e

juízos de valor ao tema tratado.

Referências, como “Todas as medidas atacam os direitos dos

trabalhadores e seguem a cartilha do ex-presidente Fernando Henrique

Cardoso” (Tem Novidade, mar, p.1) e “É imperativo barrar o modelo de

Reforma do Estado que vinha sendo implementada por FHC e sua equipe,

o que só será possível mediante a organização da sociedade a partir de

suas entidades representativas exigindo de LULA que ponha os interesses

dos trabalhadores acima dos interesses do Capital” (Informandes, fev,

editorial) reforçam a exploração desse universo prévio de conhecimento,

supostamente partilhado pelos leitores dos jornais sindicais, para

caracterizar a reforma e o embate social que ela representa.

Os jornais sindicais apostam, ao utilizar esse recurso, no perfil dos

leitores (como público específico) que seriam aptos a acessar o universo

de valores partilhado pelo movimento sindical (luta de classe, relações de

opressão e exploração, dominação, avanço do capital, etc.) e relacioná-lo

ao episódio da reforma.

A especificidade do público-alvo dos jornais sindicais facilita esse

compartilhamento de um universo comum de conhecimento e

pensamentos. Embora alguns impressos sindicais se voltem para a

sociedade como um todo, a maioria dos impressos “fala” para a categoria,

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ampliado, às vezes, para familiares e pessoas da área. Essa prática é

característica da imprensa sindical:

Os meios de comunicação de massa lidam com um público difuso, com modo de vida e características bem diferenciadas. A imprensa sindical direciona suas ferramentas para um público definido e coeso, com modos de vida e características similares e com trajetória e tradição políticas bem conhecidas (SILVA, 1998, p. 41).

Ao se utilizar desse recurso de referências, o discurso sindical reforça a

visão do embate sobre o sistema previdenciário como algo pertencente a

um universo maior de disputa de classes, de quebra de hegemonia,

ampliando, assim, o debate. A relação temporal revela um papel na

construção desse discurso de ampliar e aprofundar a discussão. Ao buscar

o passado e resgatar fatos e informações, a comunicação sindical visa

discorrer sobre o presente de forma mais ampla e lúcida e, com isso,

prever com maior precisão e credibilidade o futuro. Tem-se o seguinte

quadro de construção do discurso sindical:

Tabela 10 - Imagem da Previdência no discurso sindical

PASSADO

(motivações para a reforma e pano de fundo da disputa)

PRESENTE

(previdência social hoje e cenário de

disputa)

FUTURO

(cenário e previdência social pós-reforma)

“Os destaques (...) em 2000 questionam o sistema de contribuição definida em detrimento do benefício definido. É justamente essa falta de garantia ao trabalhador, causada pela instabilidade do mercado financeiro, o ponto mais preocupante da Reforma da Previdência” (Tem Novidade, mar, p.3).

“Mas o assunto é muito mais grave do que se possa imaginar. Isto porque a discussão da Reforma da Previdência não pode ser vista dissociada da discussão sobre Seguridade Social. Isto significa articular e estabelecer os nexos existentes entre as questões da Saúde do Trabalhador e da Assistência Social além da Previdência” (Informandes, fev, editorial).

“Em vez de estender a aposentadoria integral a todos os trabalhadores, pretende-se instalar um sistema que prejudique o serviço público” (Tem Novidade, mar, p.1).

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“Mas é preciso lembrar que o Brasil adotou um modelo econômico ruim, que gerou 40 milhões de pessoas desempregadas na informalidade ou no subemprego, que não contribuem” (Informandes, mar, p.5).

“É falaciosa a informação, amplamente divulgada pela imprensa nacional, que a Previdência Social se encontra em déficit. Estudo da Anfip, [...], revela que a Seguridade Social teve superávit de R$ 36 bilhões em 2002” (Tem Novidade, mar, p.2).

“O novo sistema pode substituir o caráter público e solidário da Previdência atual por fundos de pensão privados” (Tem Novidade, mar, p.3).

“Além disso, o dinheiro da Previdência vai para o Tesouro Nacional e muitas vezes acaba sendo desviado para outros fins. Obras como a construção de Brasília, da ponte Rio-Niterói e da rodovia Transamazônica foram financiadas com dinheiro da Previdência” (Tem Novidade, mar, p.2).

“A Reforma da Previdência, tal como está proposta no PL 09/99, tem como objetivo maior o fortalecimento do mercado de capitais e mostra a submissão do país em relação ao Fundo Monetário Internacional” (Tem Novidade, mar, p.2).

“Não temos como aceitar esse projeto, porque sua base é o estabelecimento de fundos de pensão para pagamento da dívida. Então, mesmo que seja elaborado um novo teto no Sendo, seu objetivo não vai mudar (...)”, afirmou o presidente do ANDES [...]” (Informandes, mar, p.3).

“Vale lembrar que renúncias fiscais – com a clubes de futebol – resultaram em uma lacuna de R$ 12 bilhões no ano passado, segundo estudo da Anfip” (Tem Novidade, mar, p.2).

“Ao contrário do que ocorre com os empregadores da iniciativa privada, o Governo Federal não deposita contribuição patronal para a aposentadoria de seus servidores” (Tem Novidade, mar, p.2).

“Mais um temor aflige os servidores: além do fim da paridade entre ativos e inativos, volta à tona a proposta inconstitucional de cobrança previdenciária dos aposentados. Isso mesmo: o trabalhador se aposenta e continua pagando” (Tem Novidade, mar, p.3).

É possível perceber, nos exemplos do quadro acima, como a imprensa

sindical se utiliza de informações do passado, de um universo de

conhecimento partilhado, a fim de caracterizar a Previdência do momento

presente e da pós-reforma (futuro). As informações encontradas nos

jornais sindicais de março, com dados que remetem a fatos passados,

referem-se a problemáticas econômica e previdenciária de hoje:

a) modelo econômico do Brasil gerou 40 milhões de trabalhadores

informais ou em subemprego;

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b) dinheiro do orçamento foi usado para pagar dívidas interna e externa;

c) dinheiro da Previdência foi desviado para fins como construção de

Brasília, da ponte Rio-Niterói;

d) renuncias fiscais resultaram em lacunas na Previdência.

A lógica dessa relação temporal incute diferentes camadas de raciocínios,

de percepções do cenário em disputa. Pode ser vista, a primeira vista, de

forma mais simplista:

I) fato a do passado,

fato b do passado,

fato c do passado;

II) contribuem para gerar essa situação econômica e previdenciária do

presente que estamos a descrever;

III) essa compreensão da realidade do momento presente difere da

expressa no discurso do governo e da elite dominante;

IV) isso porque nossa interpretação é mais profunda e se encontra mais

próxima da realidade (os argumentos e dados do passado embasam

isso);

V) Logo, nossa interpretação da realidade é mais correta e

conseqüentemente nossa visão e versão do futuro também tendem a ser

mais próximos da realidade futura (projetada);

VI) E se estamos a dizer que fatos a, b, c e d irão acontecer à Previdência

e ao País caso essa reforma seja implementada, estamos corretos (mais

próximos da verdade do que o governo).

O discurso sindical também projeta uma imagem da Previdência do futuro

no caso de a proposta de mudança do novo governo ser aprovada. Essa

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projeção, constituída no discurso sindical, mesmo hipotética, é utilizada

como base de argumentação. O raciocínio segue a seguinte lógica:

I) caso a reforma proposta pelo governo seja implementada;

II) a Previdência Pública apresentará tais aspectos (a, b, c, d...);

III) isso é ruim para trabalhadores, sociedade e Estado pelos motivos

(alfa, beta, gama, delta);

IV) Logo, não vamos permitir que essa reforma seja aprovada.

Ao se construir essa imagem da Previdência pós-reforma, o discurso

sindical se centra nos seguintes argumentos:

a) a reforma irá enfraquecer o Estado e prejudicar o serviço público;

b) a reforma irá substituir o caráter público e solidário da Previdência

atual por fundos e pensão privados;

c a reforma irá enfraquecer a Previdência Pública;

d) irá espoliar o patrimônio dos trabalhadores;

e irá pôr fim à paridade entre ativos e inativos;

f) cobrar aposentados;

g) estabelecer fundos de pensão para pagamento da dívida;

h) retirar direitos dos trabalhadores (elevar idade mínima para

aposentadoria, aumentar prazos de carência, reduzir em até 30% o valor

das pensões).

Referências a informações e fatos passados, de conhecimento geral são

utilizadas, portanto, no discurso sindical como forma de explicar o

presente, de melhor entender a realidade (com mais profundidade e sob

uma perspectiva de conflito de classes e de relação de domínio e

exploração). Ao demonstrar domínio sobre essas informações, a

comunicação sindical consolida sua interpretação da situação presente e

sua projeção do futuro. Utiliza-se de dados e informações para

fundamentar seus argumentos e apoiar a construção das imagens dos

sujeitos sociais e da realidade (nos momentos passado, presente e

futuro).

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3.3.6 Dialogismo na comunicação sindical

A imprensa sindical não apenas constrói uma imagem de si e de outros

sujeitos sociais, como também se utiliza de falas desses outros sujeitos

no seu próprio discurso por meio de menções de enunciados proferidos e

de transcrições de discurso relatado direto e indireto. Essas outras falas,

que trazem para dentro do texto a presença de outros sujeitos, são

empregadas no discurso sindical no auxilio de sua criação e no

enriquecimento de sua cadeia argumentativa.

Um enunciado vivo, significativamente surgido em um momento histórico e em um meio social determinados, não pode deixar de tocar em milhares de fios dialógicos vivos, tecidos pela consciência socioidelogógica em torno do objeto de tal enunciado e de participar ativamente do diálogo social. De resto, é dele que o enunciado saiu: ele é como sua continuação, sua réplica... (BAKHTIN apud BRAIT, Beth, 1999, p.96).

Sendo assim, os enunciados sindicais fazem vasto uso de enunciados de

outrem contribuindo para o entrelaçamento dos fios dialógicos vivos. O

dialogismo31 está presente no discurso sindical que se utiliza do discurso

governamental para rebater argumentos e apontar críticas, utilizando a

voz do outro na construção de suas idéias. Os trechos que se seguem

extraídos dos impressos sindicais analisados revelam essa relação de

construção de diálogo entre sujeitos sociais (grifos da pesquisadora):

“Esse é o momento mais oportuno para se posicionar e se inserir nos debates, uma vez que o novo ministro afirmou que a reforma vai ser uma das prioridades de sua pasta e que as propostas devem ser rediscutidas”, acredita o coordenador da Fenajufe Cláudio Azevedo (Tem Novidade, fev, p.1). Eles explicaram que a formatação de um regime único de previdência, (...) acrescido da implantação de uma previdência complementar, é incompatível com os objetivos da construção de

31 Dialogismo é entendido como uma construção de diálogo: “O dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade. É nesse sentido que podemos interpretar o dialogismo como o elemento que instaura a constitutiva natureza interdiscursiva da linguagem” (artigo de Beth Brait, “Bakhtin e a natureza constitutivamente dialógica da linguagem”, p.98).

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um sistema previdenciário justo, como anuncia o governo (Informandes, jan, p.6). Segundo o próprio governo, a cobrança da contribuição previdenciária dos aposentados não está descartada. “Temo que não seja viável porque poderemos entrar numa discussão sem fim sobre direitos adquiridos”, afirmou o ministro Ricardo Berzoini ao jornal O Estado de São Paulo, no último dia 10 (Tem Novidade, fev, p.1).

O discurso sindical geralmente se utiliza de falas governistas, de forma

direta (“Temo que não seja viável [...]”, afirmou o ministro...) ou indireta

(o novo ministro afirmou que a reforma vai ser uma das prioridades...),

para então contrapor suas críticas, introduzir seus argumentos. Além do

discurso governamental, os jornais sindicais também fazem referência a

ações e falas de parlamentares, especialistas, grupos políticos, grande

mídia. Essas falas são utilizadas no sentido de fortalecer o discurso

sindical.

No caso de parlamentares e especialistas geralmente são retratadas falas

que apóiam ou complementam o ideário sindical a cerca de reforma da

Previdência. Já as referências a discursos da grande imprensa -

geralmente tratada como vilã, tendem a ser acompanhadas de colocações

críticas. O artigo publicado no jornal Tem Novidade de fevereiro traz

exemplo:

A mídia vem divulgando alguns valores em relação à previdência do setor público. Como jornalista da grande mídia em geral é um especialista em superficialidade, vai abordar os números da forma mais simples e menos analítica possível.

Com isso, a imprensa sindical constrói uma imagem crítica da mídia,

apesar de atribuir a ela autoridade social. Provavelmente enxerga a

imprensa como espaço e ferramenta de embate ideológico de grupos

econômicos e políticos, disputando com ela a versão de fatos e de visões

de mundo. No episódio da reforma da previdência social, as divergências

entre imprensa sindical e grande mídia se evidenciam nos discursos

bastante diferenciados de ambos sujeitos sociais.

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Da mesma maneira, sujeitos como a imprensa e o governo também

fazem referência a enunciados do movimento sindical em seus discursos.

Essa mútua indicação de falas e colocações reflete uma permeabilidade

nos discursos do governo e do movimento sindical. Ambos os discursos

são moldados num processo dinâmico e interligado, desenvolvendo-se de

acordo com os fatos sociais, com o processamento de idéias, com o

amadurecimento de discussões.

Registrar a existência de um discurso indireto como forma de instauração da voz alheia não significa praticamente nada para o conceito de dialogismo, de vozes em confronto, estabelecido por Bakhtin. É necessário observar no conjunto do enunciado, do discurso, de que forma a confluência das vozes significa muito mais uma interpretação do discurso alheio, ou a manipulação na direção da argumentação autoritária, ou mesmo a apropriação e subversão desse discurso (BRAIT, Beth. “As vozes bakhtinianas e o diálogo inconcluso” in BARROS, Diana Luz Pessoa de & FIORIN, José Luiz (orgs.). Dialogismo, polifonia, intertextualidade, 1999).

A apropriação do discurso governista pela comunicação sindical se dá, na

grande maioria das vezes, com o intuito de subverter esse discurso, de

desconstruir seus argumentos. Daí um certo caráter autoritário da

imprensa sindical ao se utilizar da fala do outro com uma finalidade não

de atribuir uma pluralidade de vozes ao texto, mas sim de fortalecer a

sua própria voz.

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CONCLUSÃO: QUEBRANDO E REPRODUZINDO PADRÕES A comunicação sindical, como reflexo de seu sujeito social, revela nas

construções frasais, nos termos utilizados e, mesmo nas entrelinhas, as

posturas e os embates por que passa o movimento. Defender a luta de

classes ou mesmo a extinção das classes sociais, em pleno século XXI,

com arrefecimento do bloco soviético, avanço do capitalismo (ou

neoliberalismo), redefinições nas relações de trabalho e de direitos

trabalhistas e esfacelamento da esfera pública, dentre outros aspectos;

implica na adoção de uma postura por parte do movimento sindical

contrária a valores e visões de mundo já disseminados e cristalizados na

sociedade.

O sindicalismo também enfrenta contradições internas a começar pela

forma como foi concebido, com uma legislação e uma estrutura que o

amarram ao Estado e o burocratizam. No entanto, a postura crítica de

correntes sindicais como a classista leva muitas entidades a buscarem e,

até certo ponto, conseguirem uma atuação independente. A própria

natureza do sindicato parece contraditória ao ser apontada como um

mecanismo de manutenção do sistema pelo fato de, ao negociar com

patrões, contribuir com a diminuição de tensões sociais e com a

manutenção do sistema.

Ainda assim, os sindicatos classistas têm como bandeira a luta de classes,

que expõe a aresta inconciliável de interesses entre patrões e

trabalhadores. Essa forma de lidar com a realidade, observando os

interesses antagônicos de sujeitos sociais, marca a comunicação sindical

desde a sua estrutura argumentativa, que segue uma construção tendo o

discurso do sujeito ao qual se opõe como referência, construindo uma

espécie de diálogo com esse sujeito, mesmo que a produção midiática

não lhe seja voltada diretamente, como é o caso dos impressos sindicais

cujo público alvo são os sindicalizados ou trabalhadores da própria

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categoria. No episódio da reforma da previdência é clara a construção do

discurso sindical com o intuito de se contrapor aos argumentos do

discurso governista e derrubá-los.

A forma como representa os sujeitos sociais também traz essa marca da

luta de classes, de um embate em que se tem de um lado os

exploradores, sem escrúpulos, nem ética nem moral e do outro os

explorados, mas que dispõem ou cultivam a ética, a moral, a

solidariedade. Ocorre que, ao representar os sujeitos sociais dessa forma,

a comunicação sindical se distancia da multiplicidade de papéis

desempenhados pelos sujeitos, da diversidade e maleabilidade de

posturas. Se por um lado, a ênfase na representação dos sujeitos sociais

de acordo com um padrão pré-definido e rígido, facilita a transmissão de

idéia dos papéis sociais; por outro, tende a empobrecer a descrição da

realidade e a engessar os sujeitos em seus papéis.

Se por outro lado, o sindicalismo de negócios vem dando mostras de se

adaptar muito bem ao sistema capitalista atual, negociando com patrões,

obtendo ganhos principalmente salariais para suas categorias,

contribuindo para a inserção do trabalhador na lógica de produção e de

mercado, firmando seu espaço na sociedade; por outro, o sindicalismo

classista, voltado para pautas que vão além de ganhos salariais ou

melhorias de condições de trabalhos e se estendem à disputa de classes e

interesses sociais, continua sendo referência no Brasil. Espaço demarcado

pela relevância teórica dada a essa linha política pelos grandes cânones

da pesquisa científica e do movimento sindical e político; e prática por

arregimentar o maior número de entidades sindicais no país e por atuar

nas esferas social e política.

As entidades classistas tentam atuar em várias frentes, em várias

dimensões neste cenário múltiplo e complexo que, de forma direta ou

indireta, influencia o mundo do trabalho e traz, portanto, conseqüências

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para trabalhadores e trabalhadoras. Debruçam-se ou tentam se debruçar

sobre as diversas problemáticas da vida do cidadão comum, da financeira

à social e cultural, com o intuito de se colocar neste papel social de

equilibrar a balança, de funcionar como a voz, os ouvidos dessa imensa

maioria que, grande parte das vezes, não é ouvida e tem dificuldades

para escutar. Ter dificuldade em receber, digerir, gerar e emitir

informações, contudo, não é privilégio dos trabalhadores. Essas questões

encontram-se presentes em praticamente toda a sociedade, em maior ou

menor grau, e nos mais diversos segmentos sociais.

Fruto de uma necessidade natural das pessoas que formam o movimento

de interagirem entre si e com a sociedade e, portanto reflexo do universo

mental desses sujeitos, a comunicação sindical também se constrói em

contraposição ao modelo hegemônico, à comunicação monopolista

desenvolvida e sustentada pelo sistema capitalista. No entanto, mesmo

com o intuito de exercer postura de contestação, a comunicação sindical

finda absorvendo e refletindo aspectos vários da cultura hegemônica.

Autores como Narareth Ferreira (1995) e Scharlau Vieira (1996) apontam

o fato da comunicação sindical assumir, não raro, a mesma postura

autoritária e vertical da produzida pela grande mídia.

A ideologia “pura” das esquerdas e do movimento sindical, que implicaria

num fazer comunicacional necessariamente mais democrático e

participativo, numa produção midiática portadora fiel das vozes da

categoria, num espaço contínuo de reflexões e críticas, parece impossível

de ser seguida à risca. A prática tem mostrado contradições inúmeras,

inerentes não apenas à comunicação sindical, mas a diversas outras

formas de expressão. Contradições essas que encarnam uma realidade

social repleta de valores e influências que ora se chocam, ora se

complementam, ora convivem precariamente, ora harmoniosamente.

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A existência de uma comunicação sindical ou de faces dessa comunicação

que pendem para via de mão única, que expressam ponto de vista

restrito, que tratam o receptor como depositário, que reduzem a

amplitude do conteúdo ou mesmo que manipulam informação - implica

numa reprodução de modelos de dominação.

Ao reproduzir esses valores e ideologia que interesse da classe

trabalhadora estaria o jornal sindical refletindo? Isso seria fruto do

interesse de um segmento que compactua com a ideologia dominante ou

simplesmente estaria a comunicação irradiando impensadamente valores

entranhados do meio social no qual está inserida? Esta pesquisa não visou

dar conta desses questionamentos em sua profundidade (o que exigiria

aprofundado estudo político, sociológico e comunicacional do movimento

sindical), contudo, apontou a influencia do meio social a ponto de incutir-

lhe valores, a princípio, antagônicos aos seus.

A forma de representação muito utilizada pelos impressos sindicais,

colocando sindicalistas e lideranças como heróis, como representantes

não só do bem, do certo, da verdade, mas inclusive como defensores da

sociedade e de membros da categoria considerados frágeis pelo

sindicalismo, como os aposentados, é outro indício do enraizamento da

cultura hegemônica no discurso sindical. Ao retratar os trabalhadores

inativos nessa postura defensiva, desprotegida e frágil, a comunicação

sindical reproduz um padrão de comportamento amparado na ideologia

dominante de fragilização e vitimização de setores sociais e,

conseqüentemente na sua dependência em relação a outros segmentos,

que, no caso, podem ser os trabalhadores ativos do próprio sindicato, ou

mesmo o Estado.

Essa forma de representação alimenta a noção de que esses sujeitos

sociais não conseguem ou têm grande dificuldade de atuar em busca de

seus interesses, dependendo de outros setores ou da estrutura social

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existente (com seus mecanismos de amparo e assistência). A

comunicação sindical contribui, assim, para cristalização de um papel,

para acomodação de uma postura passiva. O escasso exercício de

quebras de padrão e estereótipos no discurso sindical, que se utiliza

amplamente de papéis e roteiros pré-determinados, contribui para o

reforço e não para a quebra e transformação dessa realidade.

A reprodução de relações dicotômicas entre os sujeitos sociais, que

remetem à relação Bem X Mal, revela uma visão da realidade que tende a

deixar de lado contradições, sutilezas, maleabilidade de papéis sociais,

diferentes facetas de um mesmo sujeito, de um mesmo fato. Se por um

lado essa forma dicotômica de lidar com a realidade contribui para a

construção de um discurso contundente, com ênfase em arregimentar

simpatizantes, mobilizar categoria e convencer a opinião pública; por

outro, a abordagem incisiva e, não raro, de sentido de efeito monofônico

tende a construir um discurso que amplia e acrescenta pouco.

Em contrapartida, ao expressar o episódio do sistema previdenciário como

algo pertencente a um universo macro de disputa de poder, de quebra de

hegemonia, a comunicação sindical acrescenta um enfoque diferente do

trabalhado pelo governo e bem mais amplo. Enquanto o discurso

governista se restringe a aspectos mais específicos e tecnicistas da

reforma, o sindicalismo associa a Previdência Social e alterações em seu

sistema a questões de cunho político e ideológico e não puramente

econômicos ou sistêmicos. Contribui, assim, para ampliação do debate da

reforma da previdência em direção à luta de classes e à relação de

opressão e exploração social.

Essa tendência da comunicação sindical, herança da dialética marxista,

em conectar o universo micro ao macro, também leva seu discurso a

digressões e referências a diferentes dimensões temporais e espaciais. No

caso da reforma da previdência, os impressos abordam questões e fatos

de décadas anteriores com o intuito de melhor analisar o momento

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presente e prever o futuro. Já a dimensão espacial é ampliada tanto com

referências a fatos e processos em outros países e continentes, quanto

com menções a interesses de organismos internacionais num assunto

que, a princípio, seria da alçada interna do país.

Os impressos procuram analisar o embate do momento presente, que diz

respeito a modificações no sistema previdenciário, em dimensões

localizadas dentro de um sistema maior que a tudo ou quase tudo

engloba – o hegemônico. Mudar aspectos de uma dessas dimensões

implica em quebra ou fissuras, mesmo que pequenas, do sistema

hegemônico. Essas fissuras dão espaço para fortalecimento de outra

ideologia e implantação na sociedade de outro tipo de estrutura. É esta a

disputa por trás da questão previdenciária.

Ao tratar o episódio da reforma sobre diferentes dimensões, a imprensa

sindical disputa mais do que um modelo de gestão pública; defende um

modelo de sociedade, uma forma de organização social, econômica e

política; luta pela implementação de um projeto ideológico diferente do

defendido pelo “capital”. A comunicação que produz reflete esse viés. Ao

mesmo tempo em que revela aspectos de seu sujeito – contraditórios,

singulares, frutos de uma tradição social, marca o território político e

ideológico porque passa o movimento sindical contribuindo para

ampliação ou restrição de suas fronteiras, para o delineamento da própria

sociedade.

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Entrevista 1 Rio de Janeiro, 31 de novembro de 2004

Vito Giaonnotti – sindicalista, pesquisador e escritor de mais de 17 livros, dentre eles “Estrutura Sindical, “A liberdade sindical no Brasil” e “Comunicação Sindical Falando para milhões”. Atuou ao longo de toda a sua vida no movimento sindical, tendo se especializado em comunicação dos trabalhadores, fundou, na década de 90, o Núcleo Piratininga de Comunicação, no Rio de Janeiro. Como é que o senhor enxerga o movimento sindical hoje? A comunicação sindical reflete a conjuntura sindical de cada período e de cada lugar. A situação da comunicação sindical hoje é bem diferente da de 10 anos atrás, reflete o desânimo após 15 anos de neoliberalismo. Isso gerou uma mudança na atitude dos sindicatos, da Central, só considero a CUT quando falo em central, o resto pra mim são coisas. Isso gerou uma diminuição tremenda do trabalho, o desemprego tem um papel fundamental porque diminuíram as greves. Isso enfraqueceu o movimento e a imprensa sindical refletiu esse enfraquecimento. Uma coisa é a imprensa sindical em outro momento em que falava de luta, de enfrentamentos. O neoliberalismo quebrou a alma do trabalhador infringindo uma série de derrotas, uma após a outra. Quais seriam essas derrotas? Primeiro o desemprego, que já seria suficiente para matar qualquer um. Segundo, a retirada de direitos e devido ao desemprego alto não houve reação dos sindicatos, foram flexibilizados boa parte dos direitos. Podemos citar o episódio da Reforma da Previdência? Foi uma grande derrota. Primeiro do setor privado que foi enganado pelos meios de comunicação, pela Central Sindical, e não teve reação. Depois, foi o setor público que não conseguiu se conectar ao setor privado, evidentemente toda a mídia apoiou o Governo Lula porque aquela reforma é inimiga da classe trabalhadora é um resultado do Consenso de Washignton. Outra, salário mínimo. Foi uma derrota por termos esperado um aumento maior e vimos que esse Governo é uma continuidade do governo neoliberal. Isso enfraqueceu tremendamente o sindicato e fez com que a imprensa sindical tenha se empobrecido. A imprensa sindical não sabe se critica ou se apóia o Governo. Há grupos de sindicato que são absolutamente governistas, outros são contra. Então, não sai nada porque não há entendimento. Estamos num momento muito difícil e isso se reflete na imprensa sindical na diminuição do volume de tiragem. Muitos sindicatos que há dez anos possuíam jornal diário, passaram a ter duas vezes por semana. Há um empobrecimento dos temas dos jornais sindicais. Quase não se fala do projeto neoliberal porque há uma parcela dentro do sindicato que acha que não é mais o neoliberalismo, que mudou. Então, não se fala mais. Outro, um processo de burocratização muito grande que não é automático. Já vinha desde a década de 80 e aumentou muito nos últimos anos.

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Outro ponto é a saída do sindicato de cargos preparados para a política. Ficou no sindicato o terceiro e quarto escalão. O primeiro e segundo estão no governo. Como o senhor vê essa relação do movimento sindical e governo? De gente que sai do sindicalismo para o governo ou para a carreira política? Acho que é uma epidemia nada saudável, tanto para a luta de classe, quanto para os sindicatos. Acho que deveria haver um bloqueio para proibir isso porque reforça a idéia para os trabalhadores de que a luta que se está fazendo é um trampolim para entrar na política ou por interesses próprios ou de um grupo do partido. A luta sindical não passa, então, de um estágio, um rito de iniciação necessário para a coisa importante de fato que é a disputa por cargo no parlamento? Seria uma forma de cooptação? O Governo precisa de gente experiente, isso é um fato. O problema é que o movimento sindical fica para segundo plano. Os bons mesmo vão para a política. Pode acontecer, mas sem esse êxodo que aconteceu. Aí, é fogo. O movimento sindical possui penetração hoje? Até com relação à Reforma da Previdência que implicou num embate entre alguns sindicatos e a grande mídia... Acho que os sindicatos estão longe da história da sociedade. Quantos sindicatos estão envolvidos na luta do Sem Terra? Quantos estão envolvidos na luta contra a Alca que vai mudar a história do nosso país? Passa-se anos sem falar de Alca, nem transgênicos. O desencanto com a política, com a luta política, com a perspectiva socialista... Falar de socialismo virou coisa esquecida, virou tabu. No estatuto da CUT tem duas vezes a palavra socialismo e os sindicatos não falam mais nisso. Fala-se em cidadania, em qualquer coisa, menos em socialismo. Não acha que há uma certa resistência da sociedade com relação aos sindicatos e aos jornais sindicais? Claro que há. Quem você acha que tem a hegemonia na sociedade? A classe burguesa. No neoliberalismo o sindicato não existe, não deve existir. Enquanto que na década de 80 era aquela coisa pujante, aquela luta que acabou conquistando tanto, um momento de ascensão da luta sindical; hoje o sindicato é visto como secundário porque o liberalismo não precisa do sindicato. Como a ideologia dominante é neoliberal, logicamente há uma visão negativa do movimento sindical. E isso se reflete na sociedade que vai ter resistência, rejeitar o movimento? Automaticamente. E como o sindicato pode mudar isso? Lutando por um novo projeto político. Não adianta pressionar só no Congresso porque eles já têm os grupos deles e seguem seus interesses. Já sabem no que vão votar ou não. Não há perspectiva de convencimento político num bandido do PFL ou do PL, ou dos oportunistas do PMDB. O único convencimento é se ele sente ameaça na sua reeleição. O único caminho para mim é mobilização de massa, com participação dos sindicatos. Se não, ficamos na masmorra. Houve a mobilização de massa na passeata de Brasília o ano passado para combater a proposta de Reforma da Previdência...

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Foi muito pouco, insignificante. Mobilização de massa significa o mesmo projeto neoliberal que está sendo levado hoje no Brasil e está sendo aplicado na Itália, na França, Alemanha. Este ano teve uma manifestação na Itália, greve geral de transporte e foi gente de trem, pago por cada participante. Três milhões de pessoas numa manifestação em trens especiais porque os outros trens estavam parados por conta da greve. Em Brasília foram dois milhões de pessoas, aí é possível, mas nos outros estados foram 30, 40 mil. Assim não dá. Aqui no Rio, a maior manifestação contra a Reforma da Previdência não chegou a 500 pessoas. O que é 500 pessoas numa cidade com 15 milhões de habitantes?! Nada. Em 1923, na Praça Mauá, no dia primeiro de maio, havia 60 mil pessoas reunidas exigindo oito horas de trabalho. A cidade tinha 600 mil, era 10% da população. Menos de 10% da população não é manifestação de massa. Quando teve a votação na Câmara Federal para aprovação da Reforma da Previdência, ainda no Governo de Fernando Henrique, e os deputados, depois de muito piquete, aprovaram a reforma; os sindicatos distribuíram cartazes com as fotos dos traidores do povo. A mesma votação aconteceu o ano passado e apenas uma pequena porcentagem fez esse cartaz “traidores do povo”. Por que dentro do sindicato essa divisão de força proíbe a crítica? Era o mesmo cartaz, a lógica era a mesma, bastava mudar de novo. Imagine a crise que está no movimento sindical. As produções estão mais espaçadas, ninguém tem tesão de distribuir porque fala de temas bobos, abobrinhas. Não pode falar da situação política, do FMI, dos transgênicos. Nosso movimento não conseguiu envolver os trabalhadores da iniciativa privada, que são a maioria dos trabalhadores no Brasil, não conseguiu convencer a sociedade que essa reforma acabava com a aposentadoria. Isso aconteceu por falta de enraizamento nosso na base. Tivemos uma manifestação no Rio de Janeiro, que tem a metade dos servidores públicos do Brasil, e no máximo 500 pessoas compareceram! Não dá 10% dos cinco mil dirigentes sindicais que atuam na Cidade, da CUT. Nem os dirigente compareceram! O movimento sindical não conseguiu colocar o dedo na ferida. Numa manifestação usual de local de trabalho, se há 300 pessoas, vão 20, 30. Agora, num sindicato onde há 80 dirigentes sindicais e só vai um, é zero após a vírgula. Não adianta procurar a culpa fora, a culpa é nossa. No dia primeiro de maio não havia 30 pessoas na manifestação da Praça da Sé. Em 1925, eram 600 mil pessoas sobre 600 mil habitantes. E aqui não teve 30. Como isso se reflete na comunicação? Se reflete em desânimo. Ninguém distribui material, ninguém manda sugestões, a pauta empobrecida e o jornal não está conseguindo responder ao desafio que está pela frente. Quer finalizar a entrevista com alguma colocação? Com a esperança de pormos o movimento de novo em ação. Queremos retomar o movimento de massa através das pessoas e dos núcleos interessados. Precisamos fomentar o trabalho de formação política. Politizar os dirigentes sindicais – bateria de cursos de formação e formação constante que se refletiria no movimento sindical e na comunicação sindical.

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Não é o fim da história, mas um movimento extremamente difícil. Temos que pôr o dedo na ferida e ver como retomar o movimento de massa para rejuvenescer o movimento sindical e retomarmos a comunicação sindical. Então, há uma necessidade de re-significação do movimento sindical? Uma necessidade de resignificar no mundo de hoje? Não estamos tendo uma perspectiva de retomada. Acho que há um medo da gente falar da nossa fraqueza. Temos que reconhecer que estamos doente e tomar o remédio para isso. O sindicato hoje se encontra profundamente doente, está paralisado. Com o Governo Lula, a paralisia do sindicato e da Central Única dos Trabalhadores é total. Esse salário mínimo que foi votado é vergonhoso, criminoso de R$ 260,00. E o movimento sindical cutista não incendiou nenhuma sede patronal. Não atacou nenhum órgão do Governo. Ficou por isso mesmo. Algumas lamentações, mas ficou por isso mesmo, depois de toda a expectativa criada com esse Governo. Você acha que há expectativa daqui pra frente das pessoas despertarem para isso? Vai demorar ainda. A perspectiva é questão de anos, às vezes décadas. Acho que o movimento sindical e político, se continua assim, vai haver uma destruição política de esperança, de ideologia que vai demorar décadas para se levantar de novo. É uma geração que está sendo destruída, um movimento de décadas que fica com essa sensação que não adianta nada, que foi tudo inútil, que não conseguimos mais. Isso não se resolve em oito meses e um ano. É toda uma geração e com isso vai a comunicação sindical. Embora haja toda uma facilidade por conta da Internet, não adianta. Internet não entrega o jornal de um em um com empolgação, com alegria, mostrando o jornal, conversando sobre as lutas, falando que vamos conquistar. Estamos um clima de que não vamos conquistar nada. Vamos perder. Estamos vindo de 15 anos de derrotas, grandes derrotas. Agora vem a flexibilização dos direitos trabalhistas. Se for implantando isso aqui, são 150 anos de atraso na história do mundo. Vamos voltar ao velho liberalismo quando o estado não se metia na economia, quando não tinha uma legislação porque a ideologia liberal não permitia que houvesse uma legislação para regulamentar o trabalho. A flexibilização das leis trabalhistas significa isso. É isso que o Conselho de Washington, o FMI, o Conselho de Bostom querem. É isso que os Estados Unidos e o Imperialismo querem. Para derrubar isso, seria necessário um movimento sindical fortíssimo. Mesmo nos lugares onde houve muita mobilização, onde o movimento sindical foi muito forte, mesmo assim está se perdendo, como é o caso da Itália. Se com três milhões você não consegue segurar a onda neoliberal que te impõe uma flexibilização dos direitos, imagina com 20 mil pessoas. É ser esmagado? Nessa rodada da história sim. Mas na próxima, daqui a 20, 30 anos ganharemos se soubermos analisar, colocarmos o dedo na ferida, ver o que aconteceu e reconstruirmos. Acho que é muito de reconstrução. Precisamos montar núcleos de reconstrução que gradativamente, numa ascensão de massas, poderão se articular e reacender as propostas de esquerda, sindicais e políticas.

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Entrevista 2 Rio de Janeiro 02 de dezembro de 2004 André Luiz Pires Pericione – jornalista do Sindsprev (Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Rio de Janeiro). Formado em 1986, André Pericione passou pela revista Isto É, na sucursal do Rio de Janeiro e trabalhou em assessorias de imprensa de sindicatos. André começa a entrevista falando de sua concepção sobre o sindicato em que trabalha, o Sindsprev. O Sindsprev é um sindicato de ramo por ser da Seguridade Social, inclui trabalhadores do SUS (Sistema Único de Saúde), da Previdência, da Assistência Social, do Ministério da Saúde, da Secretaria Estadual da Saúde, da Secretaria Municipal da Saúde, da Fundação Nacional da Saúde. Inclui servidores da DRT, do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), do MPS (Ministério da Previdência Social). A implicação que essa imensa estrutura traz para o trabalho da comunicação é de grandes desafios: É preciso ter vários instrumentos de comunicação na categoria. Não basta ter um jornalão que fale para toda a seguridade. Já temos isso. Mas não é o suficiente para despertar a consciência da massa de um único bolo. Nosso jornal se propõe a cumprir o papel de fazer com que todos esses trabalhadores se sintam pertencentes a um mesmo grupo. Guardadas as especificidades de cada setor, os servidores continuam se entendendo como parte de um interesse em comum que é a Seguridade. Como é estruturado o setor de comunicação em um cenário assim? Há alguma especificidade em relação ao jornal? Ocorre que uma publicação assim geral não consegue abarcar as especificidades, que muitas vezes são necessárias, dos diferentes setores. Atualmente, trabalhamos com boletins esporádicos. Não são regulares e são produzidos em função de uma demanda imediata. Na Funasa, houve um movimento dos trabalhadores para colocar uma coordenadora para fora. Estava havendo uma série de conflitos, fizeram três assembléias e pediram para a gente fazer um boletim. Então foi feito, mas sem planejamento prévio ou regularidade. Precisamos montar uma política para dar regularidade a esses boletins. Não significa dizer que vamos escapar dessa demanda imediata, mas podemos nos estrutura melhor. Estamos pensando, inclusive, em quê instrumentos podemos dispor para dar conta dessa demanda imediata. Que meios seriam esses? Estamos discutindo a utilização de meios áudios-visuais, quase não usamos hoje, a não ser a regional-centro que faz uns documentários. Podemos fomentar debates e discussões via vídeo. Usar o telão em eventos. O rádio também é subutilizado. Somos cotistas da rádio Bandeirantes e não utilizamos nossa quota. Outras entidades também são quotistas, mas nem todas participam da elaboração de programas. Há falta de articulação dos setores do sindicato para viabilizar isso. Na verdade, falta perna porque, como somos um

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sindicato de ramo, há muita coisa para ser feita. São várias categorias sendo representada por uma única entidade. A Internet é usada intensivamente, mas ainda não temos site. Utilizamos e-mail e para fazer pesquisa, consultas. Do ponto de vista do aparelhamento da estrutura, estamos melhorando muito. Ampliando inclusive o conceito de Assessoria de Imprensa e de Comunicação. Como você vê o Jornal sindical? Sua penetração na sociedade? Um elemento que as pessoas reclamam é a quantidade excessiva de texto. Acho que podemos melhorar nosso projeto gráfico, apesar de usarmos muita foto. É preciso discutir melhor nossa pauta, muitas vezes de última hora temos que derrubar uma pauta para colocar outra. Sou refratário à idéia de jornais grandes e acho que a periodicidade tem que ser maior. Tipo fazer um semanal de oito páginas, acho que seria o ideal dentro de nossa realidade hoje. Você falou da preocupação de juntar os diversos setores através do jornal, há também a preocupação de tratar de temas mais gerais, com a questão da Alca, por exemplo? Há, temos sempre trabalhado isso. Evidentemente que não queremos relacionar a categoria só com nosso umbigo, até porque relacionamos isso a políticas públicas, questões econômicas, políticas de governo em nível nacional e internacional. Procuramos sempre ter matérias econômicas e sociais nas três esferas, municipal, estadual e federal. Falamos sobre a reforma agrária, o livre comércio, o plebiscito, a questão dos Sem Teto. Procuramos ampliar o leque de repercussão do Jornal e também de formação. Até porque não adianta querer competir, do ponto de vista informativo, com o Jornal da Globo ou da Folha. Eles têm uma estrutura que dificilmente nós teremos e acho que o ponto não é esse. Temos aí um grande nicho que é tratar os acontecimentos de maneira diferenciada. Dá um outro viés para os fatos, o que não significa ser panfletário. A imprensa sindical tem opiniões mito explícitas, mas não precisa necessariamente ser panfletário para isso. No jornal sindical cabe fazer matéria e expor o contraditório do Governo, mas dentro dos cânon is do jornalismo, colocando várias vozes, o outro lado e até expondo pontos de vista que não necessariamente o sindicato defende. Acho importante estruturar uma boa matéria, dar números e deixar o leito pensar, mesmo que você tenha dado uma interpretação diferenciada da da grande imprensa. Qual, para você, é a principal função do jornal sindical? É dar uma consciência de classe, um sentido de unidade. É um instrumento fundamental de formação política e histórica e informação. É um jornal de serviços no sentido da divulgação de informações que contribuam de alguma forma para melhoria da vida no sentido social e econômicos. Por exemplo, matérias sobre tabagismo podem ser tratadas sem a visão moralista. É também um instrumento de mobilização, pode ser usado para isso. Não acho que a imprensa sindical deva deixar de ser panfletária, mas acho que deve usar

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esse tom panfletário em situações adequadas e na dose certa, de forma controlada. Acho importante restringir e compartimentar isso. Entrevista 3

Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 2004 Hélcio Duarte - jornalista do Sindsprev, desde sua fundação há 14 anos, e do Sintrajuf de São Paulo. Gostaria que você falasse da sua experiência no Sindsprev... Surgiu a partir da Constituição de 88, como a maioria dos sindicatos do funcionalismo público, quando houve a permissão institucional para formação do sindicato. Muitas associações, que cumpriam o papel de sindicato, se organizaram e formaram o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, da Previdência e do Trabalho, em 1989. Teve um crescimento muito expressivo para um sindicato que tem só 15 anos. Ele hoje tem 45 mil filiados, deve ser o quarto ou quinto maior da CUT. Embora esteja em processo de discussão a desfiliação à CUT, que teve início no ano passado com o processo de Reforma da Previdência. A CUT acabou defendendo a reforma de certa maneira... Nestes quinze anos de Sindsprev quais foram os principais embates e lutas? O plano de cargos e carreira deu margem a uma série de enfrentamentos por conta a postura do Governo capenga de resolver o problema, que deu uma série de gratificações no lugar do plano. No campo político é um Sindicato que sempre defendeu a saúde pública, a seguridade pública, combateu a corrupção na previdência. Em todos os movimentos gerais importantes, desde sua fundação, esteve presente. No Fora Collor, por exemplo, houve uma participação muito expressiva inclusive da assessoria de imprensa do Sindicato, fazendo material interno e também adesivos e cartazes que foram espalhados pela Cidade inteira. Qual a principal função do jornalismo sindical? Acho que a principal é dar voz aos que não têm voz. A segunda é contribuir na construção de uma nova consciência e depois organizar a categoria. Você acha que cumpre essas funções? De modo geral não, e quando o faz o faz de forma precária. Em alguns lugares não cumpre, nem de maneira precária. Por quê? Se temos um problema de periodicidade e de distribuição, já não cumpre porque o jornal não terá chegado a quem tinha que chegar. A própria qualidade... o espaço que existe é pouco. Acho que o jornal, se você quer disputar a hegemonia da sociedade, tinha que ser maior, ter mais seções. O jornal da Universal (Igreja Universal) tem trinta páginas, formato standart, com o objetivo claro de disputar a hegemonia da sociedade em todas as áreas. Para disputar essa hegemonia ela

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não faz um jornal de 12 páginas. Usa trinta e discute várias questões. Eles têm jornalistas, gráfica. O jornal sindical não disputa de fato todas as áreas da sociedade. Se há pouco espaço, tenho que optar pelo emergencial, pelo específico. Saem fora matérias culturais, esportivas, crônicas. Isso acaba excluindo as seções que são as mais lidas dos jornais comerciais que são justamente as seções de crônica, artigo de opinião, colunas. Quem lê jornal diariamente lê a parte de reportagem à medida que interessa, não conheço um jornal sindical que tenha espaço para crônicas, muito mal artigos de opinião ou cartas. No sindicato de São Paulo que trabalho temos seção “observatório” que traz comentários de articulistas, temos sete articulistas. Entrevista 4

Rio de Janeiro, 28 de novembro de 2004 Alexandre Francisco Lopes - diretor do Sindicato dos Bancários, secretário de relações intersindicais Alexandre Lopes é funcionário do Unibanco, milita no movimento sindical desde 1991, participou de quatro mandatos do sindicato dos Bancários, sendo três consecutivos. O Sindicato dos Bancários, segundo Alexandre possui cerca de 20 mil sindicalizados no Estado do Rio de Janeiro. Como o senhor entende a razão da crise sindical? Há mesmo crise? Principalmente nos setores de articulação, em direções de sindicatos, no setor que dirige a CUT há uma política consciente de atrelar o movimento sindical às políticas do Governo. Acho que a maioria da direção do movimento tem consciência desse processo de atrelamento do movimento sindical às política de governo. Se não o que explica que nossa direção, responsável por negociar os acordos, ter concordado com uma proposta do Governo que foi rechaçada pelas assembléias de base? A proposta não tem a ver com as necessidades da categoria, nem com a realidade do setor. A direção do movimento, numa postura de conciliação, acatou essa proposta do Governo achando que a base iria aceitar. O que aconteceu foi que a base decidiu optar pela greve. O acordo fechava em 8,5% de aumento, mas a assembléia optou pela greve contra o governo, contra os banqueiros e contra a direção do movimento. A direção sabe o que o movimento quer e atua para derrotar esse movimento. Está havendo um embate interno no movimento. A direção sabe o que o movimento quer, mas atua conscientemente pelos interesses do governo. Essa direção estaria sendo cooptada pelo Governo? Já foi e está fazendo de tudo para manipular o movimento. Para ser mais marxista, os patrões estão dentro dos sindicatos. Como isso aconteceu?

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Com a eleição do Lula. Ele não foi eleito para fazer mudança. Do ponto de vista econômico, o governo Lula conseguiu impor uma derrota econômica aos bancários. Mas eles não saem por baixo porque venceram politicamente. O Governo fez de tudo para que a greve saísse derrotada para dar uma lição aos trabalhadores que se insurgiram. Os companheiros do PSTU estão organizando rompimento à Central única dos Trabalhadores e oposição nacional bancária à atual direção da Confederação Nacional dos Bancários, isso criou atrito dentro da diretoria do Sindicato porque a maioria da diretoria é do PT e apóia o Governo, outros são do PC do B e também apóiam. Agora, o sindicado tem mesmo que ser formado por várias correntes, várias frentes únicas. Isso não dá o direito de fazer ataque político como suspender a liberação dos companheiros do PSTU que pertencem à diretoria do Sindicato. Os representantes do PSTU tiveram suas liberações caçadas, ficando impedidos de fazer trabalho junto às bases. É legal, mas não é legítimo. Com você vê a inserção do movimento sindical na sociedade? Acho que o sindicato fica muito restrito a resolver as questões de sua própria categoria. As questões relacionadas à sociedade acabam ficando de lado. Estamos vivendo agora processo de demissão em massa dos bancos privados. Só no Unibanco este ano, foram mandados embora mil funcionários. Isso está acontecendo em outros bancos e traz problema para a população porque o nível de atendimento cai, as filas ficam maiores. Reivindicamos aumento de carga horária de funcionamento do banco, o que implica em contratação de pessoal, mas até agora não tivemos sucesso. Acho que as pessoas vêem os sindicatos muito distantes, não percebem que podem ser um instrumento para melhorar a condição de atendimento do banco, por exemplo. E dentro do movimento, está difícil de mobilizar? Nos últimos dez, quinze anos (depois da greve dos Petroleiros em 1995, derrotados por FCH) vivemos um movimento de refluxo (assembléias esvaziadas). Com a eleição do Lula setores organizados se sentiram mais fortalecidos, as pessoas acreditavam que neste governo podem ir à luta sem sofrer nenhum ataque como outros governos fariam. Infelizmente, não é isso que estamos vendo. Estamos sofrendo repressão, ameaças, cortes, demissões. Há tendência de aumento de mobilização? Acho que sim. A mobilização dos servidores o ano passado foi a primeira grande contra o Governo Lula e acho que, apesar da Reforma ter passado, não perderam a capacidade de se organizar. A segunda grade mobilização foi a greve dos bancários. Dia 16 de junho houve um ato contra as reformas trabalhista e sindical que reuniu de 15 a 20 mil pessoas em Brasília. Professores estaduais e municipais também se mobilizaram. Os estudantes secundaristas se organizaram para exigir passagem estudantil. Acho que as pessoas, ao votarem no Lula, tinham grande esperança. À medida em que essa esperança está sendo frustrada, as pessoas estão indo a luta para reivindicar. A eleição do Lula já é a expressão de um momento de mudança.

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Os interesses são irreconciliáveis entre patrões e trabalhadores. E o sindicato não é para conciliar, é para fomentar o confronto e trazer conquistas para os trabalhadores que só são possíveis com derrotas patronais. Entrevista 5

Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 2004 Guilherme Marques, formado em história na UFRJ, mestrando em História no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, trabalha com movimento sindical há anos, inclusive em parceria com o Núcleo Piratininga de Comunicação, no Rio de Janeiro. Em 2002, logo que começamos a trabalhar, organizamos uma mostra de imprensa sindical, com salas repletas de jornais, 5 mil ao todo de mais de mil sindicatos cutistas de todo o Brasil. A exposição contou com jornais de 1988 a 2002. Chamou-me a atenção, dentre muitos jornais bons e ruins. Dentre os bons você citaria quais? O Vito (Vito Gianotti) fazia um jornal da regional leste da CUT que era excelente, o Sintuferj (Sindicato dos Trabalhadores da UFRJ) produz um jornal muito interessante, o Sintrasef, o dos metalúrgicos de São José, além do jornal semanal, fazem para a família metalúrgica para filhos, companheiros. Esse jornal dá uma perspectiva mínima de disputar a hegemonia na sociedade. O que mais me chama atenção é como o movimento sindical produz mais jornal do que qualquer tiragem da Folha ou do Globo, se somarmos todos os jornais do movimento, mas não consegue produzir, nem regionalmente, um jornal de massa. Os sindicatos do Rio poderia se unir para produzir um único jornal e atingir a massa. O movimento também não abraçou jornais alternativos como o Brasil de Fato e outras revistas. Impressiona como com toda a estrutura que existe hoje nos sindicatos – jornalistas, diretores de comunicação, fotógrafos – não consegue fazer um jornal para disputar a hegemonia na sociedade. Alguns sindicatos conseguem fazer bons jornais que disputar cabeças e ainda sim no âmbito da categoria. Há ações interessantes, como sindicatos que produzem publicações para os clientes, como os dos bancários que distribuíam para quem vai ao banco. Outros distribuem para a família. Há, contudo, pouca iniciativa de unidade para disputar a sociedade. É o que te chama atenção? Sim. E o que isso representa em termos de debilidade no que diz respeito à perspectiva classista do movimento. A idéia do classismo X corporativismo tem a ver com a classe trabalhadora, com sua cultura, unidade de consciência, suas experiências. Com a idéia de que os trabalhadores precisam construir uma consciência de classe trabalhadora dentro da sociedade.

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Por na prática não acontece? Por que na prática fica restrito e segmentado? Tem a ver com a história do sindicalismo. Com a dificuldade da CUT de ter uma visão mais comum, mais homogênea dos processos. Tem a ver com o processo de adaptação da CUT à estrutura sindical. Logo em sua fundação houve uma ruptura com movimento da Unidade Sindical – composto pelos PCs, MR 8 e os velhos pelegos da ditadura. Na primeira Conclat foi tirada a Comissão Pró-CUT que acabou organizando a primeira Assembléia da CUT só com uma parcela dos três segmentos que compunham a base do movimento sindical. A pelegada, os PCS e o MR 8 se organizaram para fundar a Unidade Sindical. A CUT contou com dois setores principais: as oposições sindicais e o sindicalismo combativo (composto pelo ABC do Lula). Esses setores de juntam no primeiro Concut e organizam o evento com a participação das oposições sindicais. O pessoal da Unidade Sindical não aceita essa participação e rompe com o Congresso A CUT surge fazendo uma critica fundamental ao movimento sindical, depois ela vai se adaptando a essa estrutura que tem milhares de benesses, poderes, dinheiro. A CUT vai se acomodando, se verticalizando e não desenvolve organizações de trabalho. Não desenvolve o que ela mesma dizia que tinha que ser diferente. Não é à toa que boa parte desses caras depois vieram para a CUT e a outra parte mais pelega hoje é aliada da CUT. Há muito pouca diferença hoje. Por falar nisso, como é que está a CUT hoje na sua visão? Acho que há problemas estruturais de adaptação a estrutura sindical, de falta de um projeto classista, da cair cada vez mais no corporativismo. Hoje agravado por problema conjuntural fortíssimo que é a CUT chapa branca. A CUT hoje é contra qualquer luta dos trabalhadores porque criticam o Governo e o modelo econômico. Então o movimento sindical está praticamente em uma Central? Não é que não existam articulações na CUT. Diferente do PT que expulsa qualquer um que pense diferente, a CUT ainda não chegou nisso. Então, continua sendo um espaço onde se articulam sindicatos sérios. O PSTU está construindo com lutas vários grupos. Estão rompendo com a CUT, para criar algo não chapa branca e mais a esquerda. Acho válido, mas não resolve o problema de se fazer assembléia com meia dúzia, de se ter visão corporativista, não rompe com a estrutura sindical, não cria uma organização de trabalho. Romper com a CUT nessa situação para mim é justificável, mas não a solução do sindicalismo no Brasil. E qual é a solução? É uma mudança de prática que precisa ser muito mais profunda e precisa ter como questões centrais a mudança de organização de trabalho, de organização de base. Precisamos reorganizar os trabalhadores sindicalizados ou não, algo tipo os conselhos de fábrica que o Gramsci falava. A relação com outros setores da sociedade, como o Movimento dos Sem Terra, dos Sem Teto, a criação de lutas comuns conjuntas são questões centrais O senhor acha que o movimento sindical vem perdendo a mobilização? Na década de 80, você não passava uma semana sem ver a CUT no jornal como uma representante de luta. Quando você pensava em representante dos trabalhadores no Brasil, você pensava na CUT. Hoje pensamos num cem número de atores com os quais a CUT tem dificuldade inclusive de se articular. O MST

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poderia participar da CUT. Poderia ser mais uma Central dos Trabalhadores e menos uma Central dos sindicatos e ter uma relação diferente com os setores sindicais. O jornal do Sindicato dos Bancários criticou o MST quando ele ocupou a fazenda de Fernando Henrique. Posso não concordar com as táticas, mas meus aliados são os trabalhadores e não Fernando Henrique. Esse lado é uma questão central. E sua pesquisa? De quê se trata? Minha pesquisa é como o movimento sindical participa da luta da cidade, de questões que não se restringem apenas à reajuste de salário ou condições de trabalho de determinado segmento, mas de questões como saneamento, habitação. Fiz seleção de sindicatos do Rio de Janeiro cutistas de 1998 a hoje e estou pesquisando por meio dos jornais. E o que pode falar do que já leu e pesquisou? Os jornais disputam pouco questões relacionadas à cidade. A cidade capitalista é vista como uma força produtiva socializada e tem duas funções para o capital: dar condições de criação e circulação do capital, é um espaço de divisão de trabalho entre as empresas também, uma empresa produz uma coisa, outra produz outra; a outra parte é a reprodução das condições de trabalho, os trabalhadores estão ligados a essa vertente. Questões como acesso a educação, lazer, cultura, saúde, trabalho, moradia tudo isso está ligado às condições de trabalho. O sindicato disputa pouco essas questões. Por exemplo, a habitação, é uma mercadoria cara e a maioria da população não tem acesso. A única forma de acesso, para boa parte das pessoas, é via ocupação ilegal, em áreas de menor valor como morros, mangue e autoconstrução. Essa é a forma clássica da América Latina de acesso à moradia. Os jornais sindicais não discutem essas questões. E são questões que precisam ser discutidas com o conjunto da sociedade para que haja políticas públicas. Sem escola pública, uma parcela significativa da população que ganha um salário mínimo não tem acesso. Os jornais discutem os camelôs no centro, mas não se fala do espaço que é ocupado pelos carros. Por que o espaço ocupado pelos carros, não pode ser ocupado pelo trabalho (pelos camelôs)? Academicamente dividimos a sociedade entre capital e trabalho, mas muita gente, aqui no Rio (Rio de Janeiro), divide entre asfalto e morro. O movimento sindical precisa se apropriar dessa visão da maioria das pessoas, se não, está perdendo hegemonia porque não consegue politizar as questões urbanas e relacioná-las com as questões capital X trabalho. Se não, estará reproduzindo a ideologia dominante e está perdendo espaço na disputa da hegemonia por não ver essa nova relação por trás da disputa capital X trabalho. As pessoas hoje vêem de forma diferente. A questão do transporte público é fundamental. É ela que dá acesso às pessoas. A favela não é só favela pelo tipo de moradia, mas também pela dificuldade de acesso. A pessoa poderia morar melhor se tivesse como chegar, como se locomover. O transporte é uma via de acesso à riqueza social produzida pela sociedade. Quando não se tem um transporte descente, está-se ajudando a concentrar renda.

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O policiamento no Leblon é um dos mais forte no mundo. Por que não colocam esse mesmo número de policiamento na favela, cujo número de morte, de estupro e violência é milhões de vezes maior que no Leblon? Um apartamento no Leblon de três quartos custa R$ 600 mil, o mesmo apartamento e em Bangu custa R$ 60 mil. Se em Bangu tivesse esse policiamento todo, iria valorizar muito o imóvel. Isso é dinheiro público que está sendo gasto para valorizar o empreendimento da elite. Pelo que você está colocando essa dificuldade de disputa seria uma dificuldade de visão do movimento hoje? Mais ou menos. Se o movimento quer construir uma sociedade mais justa, menos capitalista, fortalecer a organização dos trabalhadores, então é uma falta de visão. Agora, se partimos do princípio de um movimento que não está nem aí para a categoria, então não é falta de visão. Claro que as coisas estão misturadas e temos falta de visão, mas acho que há um misto das diferentes realidades do movimento. A gente pode falar que isso afeta a comunicação que o sindicato produz? A comunicação produzida reflete essa falta de visão ou esse posicionamento consciente? Tem jornal que só fala da própria categoria. Se há algo que me diz respeito diretamente, eu me interesso. Se não, o resto que se dane. Não vou ficar lendo essa chatice. Tem que tratar preferencialmente das questões da base, mas não são só essas. Pode-se falar da briga da hierarquia na fábrica, na perda de tempo no ônibus que leva duas horas para chegar no local de trabalho todos os dias. Todas essas questões são da base, são da conversa de botequim ou do cafezinho. Não se fala só de plano de cargos e salário. Tem a coisa da disputa de poder. A CUT poderia ter feito ou fazer um jornal para disputar a sociedade brasileira toda. O PT também. Ninguém faz. O PC do B fez um jornal na década de 40 com tiragem de milhões no Brasil todo. Humilha qualquer coisa que o PT tenha feito. Acho que se trata de uma coisa de não querer enfrentar essas coisas de buscar a unidade. E hoje como é que está? Podemos dizer que está mais fragmentado ainda essa imprensa sindical? Sim. A CUT, que seria o pólo de unidade, já teve imprensa sindical mais forte. No Rio, há o jornal da CUT estadual, o Conquista, que é uma experiência legal. Mesmo assim sai de vez em quando. Já teve tiragem regular, mas hoje está mais disperso. O Rápido que é o boletim enviado pelos sindicatos. Não é algo que chega fácil na nossa casa. É muito restrito. Alguns sindicatos estão acabando com o Departamento de Imprensa e contratando agências, dessas que vendem notícias para os grandes jornais. Têm a idéia de que não adianta fazer jornalzinho, querem aparecer na grande Imprensa. Querem uma consultoria que abra os espaços e não construir um departamento de imprensa que construa uma autonomia dos trabalhadores. Isso está se perdendo. A idéia não é disputar com a grande mídia, é entrar no meio. Se a idéia é ser deputado, a estratégia é interessante. Tem que se falar o que o povo, a mídia querem ouvir. Isso mata de vez a idéia de imprensa sindical autônoma.

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Geralmente, quem primeiro parte para isso são os sindicatos grandes que poderiam puxar um movimento de produção sindical mais ampla. Como você vê a questão da formação? Seria uma das formas de resistência, de sobrevivência? No setor de comunicação deveria ser prioridade absoluta. Tenho notado uma rejeição ao movimento sindical, as pessoas não lêem os jornais, não se interessam. Será que um dos motivos que leva a isso não seria a questão inicial que o senhor colocou do distanciamento do sindicato com a vida cotidiana das pessoas? Com certeza. O sindicato se aproxima pouco de temas que fazem parte da vida das pessoas. Existe uma campanha mundial de mídia de ideologia neoliberal e criminalizar a classe política e o sindicato está entrando neste bolo. Até porque muitas vezes o sindicalista vira candidato a deputado. Acho necessário uma reflexão no Brasil entre essa dicotomia da esquerda social e a esquerda institucional. Hoje em dia o MST, apesar da forma com a grande mídia retrata, aparece na cabeças das pessoas como próximo aos trabalhadores, à luta pela terra. A CUT quase não aparece hoje em dia. Isso é ruim para os sindicatos porque dá a idéia de que os sindicatos pertencem a uma esquerda institucional que é identificada com a política, com a corrupção, com cada um lutando por seus interesses e da qual a imprensa baixa o pau toda semana. Uma das dificuldades com relação à imagem do sindicalista é que, por conta da crise financeira do movimento, ele tem que continuar trabalhando mesmo sendo dirigente. Conseqüentemente, não pode estar diariamente junto à base. Os sindicatos passaram por crise, junto com as categorias, tiveram que colocar gente para fora, enxugar a máquina, administrar a crise e com isso o movimento junto a base ficou em terceiro, quarto plano. Quando o cara do sindicato é candidato a vereador, prefeito, estadual, a pessoa identifica como mais um figurão da política do que como um representante que está na luta. Uma boa parte dos dirigentes sindicais são hoje administradores dos Fundos de Pensão, que acaba ganhando com o neoliberalismo. Quem tem os fundos das dívidas públicas são os bancos e Fundos de Pensão. Pessoal bebe uísque com os cartolas. O fosso de vinte anos para cá vem aumentando a concentração de renda. Podemos falar que o sindicato trabalha na esfera pública? Na minha visão, sim, uma série de autores trabalham sobre essa perspectiva. O Armando Boto Júnior, por exemplo, com a tese de doutorado “O sindicato de Estado do Brasil” e outro livro sobre sindicalismo nos anos 80. Os sindicatos são parte de poder público, são uma forma de se tirar dos trabalhadores uma coisa que era deles. Até o período da ditadura Vargas, os sindicatos eram formados pelos trabalhadores. Quem decidia seu funcionamento, suas regras eram os trabalhadores. Hoje quem decide é o Congresso Nacional. Não são os trabalhadores que decidem a Reforma Sindical, são os deputados.

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Então os sindicatos acabaram distanciando os trabalhadores da esfera pública? É, no Brasil a forma como foram criados os sindicatos, as leis que os estruturaram acabou verticalizando. A nossa lei foi copiada da Itália, na época de Mussolini, para se construir um sindicato de estado e não dos trabalhadores. Está ali para conciliar as classes e não para lutar pelos trabalhadores. Entrevista 6

Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2004 Kátia Ferreira – funcionária do Sindsprev há 15 anos História do Sindisprev É um sindicato muito novo, até mesmo dentro da categoria de funcionários públicos. Tomou força, logo após a ditadura com a abertura para o funcionalismo de organizar enquanto categoria. O Sindsprev existe a nível nacional e tem uma federação que é a Fenape. Antes, funcionava como uma associação de hospitais, com o término da ditadura na década de 80, criou-se o Sindsprev. Foi vanguarda no Fora Collor. Como é muito grande, temos 47 mil sindicalizadas, é descentralizado, possui a sede que é essa e as subsedes. Ao todo são 60 mil servidores trabalhando e 30 mil aposentados. Trabalhei dez anos como secretaria do Departamento de Imprensa do Sindicato. Foi muito bom, especialmente nos períodos de greve. Pelo que a senhora contou o foco desse Sindicato não se restringe à categoria... Não, o projeto dele é muito maior. É está inserido nas lutas, não só da categoria. Nós tempos áureos, dávamos apoio da Amazônia ao Rio Grande do Sul, aos Sem Teto, MST... Como a senhora vê a inserção do movimento sindical, como um todo, na sociedade brasileira? Está difícil porque, uma coisa é você ver a esquerda como um todo unida em torno de um governo neoliberal, burguês. Com o advento do Governo Lula, que é de frente popular, a coisa fica mais difícil. Temos uma contradição, pois o cara que está lá é o mesmo que esteve aqui há 20 anos. É estranho como esquece o que passou. Um exemplo claro é a greve do funcionalismo público quando ele disse que iria cortar o ponto e suspender o pagamento da categoria - igual ao que FHC e Collor fizeram. Esse refluxo tem a ver com a contradição porque temos um governo inserido nas categorias e fazendo um processo de cooptação muito grande. Isso freia o movimento. Agora que começa a aparecer um estoque de resistência ao Governo, mas tem uma contradição muito grande do movimento com o governo e isso reflete muito mais na Central Única dos Trabalhadores que está com uma política de que se deve sentar e negociar, já vem com isso há algum tempo, até com os governos mais de direita mesmo. Isso tudo é o reflexo da frente popular no Governo. O

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movimento está meio que parado olhando o que é que vai fazer. Está todo o mundo meio perdido. A senhora falou rapidinho em cooptação. Acredita que o governo esteja “arrastando” as lideranças do movimento sindical para sua esfera? Muita liderança sindical está do outro lado da mesa de negociações. O Governo está apostando numa grande mesa de negociação para sentar e negociar e resolver o problema. Há uma crise no movimento sindical em relação a isso. E no meio disse tudo, o movimento sindical está tendo eco na sociedade? Como tem sido sua postura (a comunicação inserida aí)? Acho que o movimento sindical está tentando sair disso. Um exemplo bem claro que mostra essa contradição é a greve dos bancários que colocou um marco nessa história. Foi a vanguarda no que diz respeito a possibilidade de se lutar por um governo popular. Ainda temos problemas nas entidades sindicais, há um setor governista e outro mais a esquerda. A matéria do jornal, dependendo da composição da direção, não mostra o outro lado da moeda. No sindicato dos bancários não saía nada, nem foto das bases que eram contra a direção, contra esse governo. Não saía nada da base e isso freiva a voz dos trabalhadores no impresso. É a contradição do setor do governo no movimento sindical. Essa situação nunca havia sido enfrentada antes? Não porque era todo o mundo contra FHC, fazíamos a passeata dos 100 mil. Agora, tem muita gente apostando que esse governo vai mudar, então está havendo um racha. A Coordenação dos Servidores Federais está toda dividida e, ainda sim, dirigiram uma passeata dos servidores em Brasília de 80 mil servidores públicos em Brasília. A Fenajuf está dentro do Sinesp. Estamos tentando unificar, estamos vendo estratégia para unificar. E no meio disse tudo, o sindicato está conseguindo mobilizar a categoria? Tem penetração na sociedade? Esse é um problema político que estamos passando. A massa não entende, essa é uma questão da vanguarda e da direção. As categorias não se mobilizam mais por conta do arrocho. As pessoas não têm dinheiro, então, não se mexem mais por qualquer coisa. Estão muito economicistas, se mexem por índice. Há um fenômeno acontecendo no funcionalismo público que é o das ações judiciais. A categoria acha que via judicial vai conseguir alguma coisa. Um jornal chama a vanguarda, mas o resto das pessoas não é mobilizada, principalmente se a questão não envolve cifras, reajustes, nem aumento de tíquete. Isso é muito ruim porque as questões dos sindicatos não passam só por isso. Está havendo um refluxo muito grande de 20 anos para cá. Está havendo, então, uma ampliação do sindicalismo de negócios? É, o que é muito ruim porque a proposta do sindicato não é só essa, pelo menos não a do nosso aqui. Está havendo um refluxo muito grande de vinte anos para cá. O pior refluxo do movimento sindical que se dá com a aplicação do neoliberalismo. E a senhora acha possível para o movimento dar a volta por cima? Até do ponto de vista de comunicação que outros mecanismos poderiam ser usados para tentar superar essa situação?

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De imediato posso dizer que um dirigente talvez saiba mais do que eu... E que ferramentas políticas o sindicato se utiliza hoje para fazer pressão política junto ao Governo e à sociedade? É tudo paralelo, são vários movimento ao mesmo tempo. Destacaria a divulgação, o jornal do sindicato; a unificação das categorias (MUSP – Movimento Unificado dos servidores públicos Estaduais) (existe o dos servidores federais); atos na porta do Governo; caravanas estaduais daqui para Brasília. Aqui no estado tem o MUSP – Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais. Vão na Assembléia Legislativa e fazem audiências públicas, atos na porta do palácio do Governo. Caravanas estaduais. Faremos duas grandes marchas em Brasília uma no dia 25 contra a Reforma Universitária e a Reforma Sindical do Lula contra essas reformas que, na prática, já estão sendo aplicadas. Como é a relação entre o Sindprev e sua categoria? Somos organizados por núcleos em locais de trabalho e tem as regionais que são subsedes nas regiões. Isso facilita para descentralizar, como é um sindicato estadual, é muito grande. Mas a categoria dos servidores públicos federais ainda tem uma confiança no Sindicato, respeita. São 47 mil sindicalizados e ao todo da categoria devem ser uns 100 mil. Poderia ser melhor essa relação? Ser mais afinada? Pode melhorar mais. O problema é que a demanda de atividades é grande. Por exemplo, a categoria é muito carente pelo lado cultural e da formação. São secretarias que ficam muito soltas, não são amarradas. E tem a ver com a dinâmica da diretoria que é muito de luta. Programaram uma festa de final de ano, mas teve problema com a comida, acabou a comida, então a diretoria foi brigar por isso e a festa dançou. A dinâmica é essa porque é um processo de sucateamento muito grande, então todos os dias temos que brigar por um aparelho de raio X. Tem muita perda de direito do servidor, então, consome muito a direção. Fora a saúde que outras áreas vocês abrangem? Ministério da Saúde, Ministério da Previdência e Assistência Social, Funasa, DRT. Ainda tem saúde estadual. Qual o espaço que o sindicato está ocupando hoje? Não está ocupando. Por problemas políticos, por desgaste acho que o projeto sindical está indo para o buraco. Esse projeto de sindicato que o Brasil aplica hoje, que é o projeto de Getúlio Vargas, acho que ele está tendendo a ir para o buraco. Esse projeto assistencialista, uma boa parte dos sindicatos é muito assistencialista. Preocupa-se em resolver problemas pontuais e específicos. Isso gera uma contradição. O cara fica muito feliz quando pode ir ao dentista porque o sindicato paga para ele ir, mas isso por si só não resolve os problemas dele. É uma coisa muito imediatista. As categorias estão se sujeitando à coisas ínfimas. A pauta de reivindicação do funcionalismo é enorme, são mais de 80 pontos. Quando chega na questão economicista as outras, como abertura de concurso público, não são sequer discutidas. Ficam presos a questões economicistas e o social, que é mais importante, não é levado em conta. O movimento não tem discutido como vai ser os concursos, precisa abrir vagas, mas não discutimos. Só estão preocupados em receber mais 100 reais na carteira. No final das contas o que conta é o bolso.

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Se esse sindicato de funcionário público está dessa forma, a senhora vê isso, como estão os outros privados? Está fazendo a parte assistencialista. Acho que é o momento político porque se fosse um governo neoliberal nu e cru, sabemos que seria diferente. Tem um setor que ainda acredita no governo Lula, acha que está arrumando a casa. O funcionalismo público foi o que teve a experiência mais rápida com o Governo Lula por conta da reforma da previdência e agora os bancários. A vanguarda dos bancários já bate com o Governo, com a greve. Entrevista 7

João Pessoa, 3 de agosto de 2005 Josevaldo Pessoal da Cunha – ex-diretor regional do Andes - SN Cunha fez concurso para a UFBP e foi para Campina Grande. Na época, a ANDES – Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior - já existia, foi fundada em 1981. Aproximou-se da associação docente local, depois que virou sindicato com a Constituição de 1988. Participou de quatro diretorias. Como foi o início da fundação do Andes? A data de fundação do Sindicato Nacional é janeiro de 1981, antes disso houve movimentações. Durante a SBPC em São Paulo, em 1978, houve grande mobilização dos professores para fundação de uma associação – houve o ENAD – Encontro Nacional de Associações Docentes. Houve convocatória com colegas que tinham experiências e que faziam parte de associações docentes mais antigas – há algumas com mais de 40 anos. Essas associações antigas não tinham o caráter que hoje tem os sindicatos porque naquela época era bem diferente e havia a ditadura com toda a repressão. Então essas eram mais assistencialistas, recreativas. Naquela época, havia nas Universidades as Assessorias de Segurança e Informação. Em João Pessoa - UFPB - houve caso de professores denunciando professores e alunos e instalação de inquérito por denúncias feitas pela própria universidade, por professores. O encontro na SBPC acontecia sob o olhar de repressores, mas havia um clima de rebeldia, de liberdade. Por isso que o encontro ENAD foi dentro do SBPC e aí surgiu a idéia de uma entidade nacional que unisse os professores. Teve tanta aceitação que três anos depois em Campinas – SP – foi fundada a Andes. Já em seu processo de formação trouxe questões de repercussão para a sociedade, como a questão a Anistia. Havia muitos colegas da categoria e de outras categorias sociais que haviam sido banidos pela ditadura. Tínhamos representação no Comitê da Anistia. Em 1980, durante do governo de Figueiredo, último general de plantão da ditadura, houve uma greve nacional das universidades públicas federais. Foi a primeira greve nacional das universidades. O ministro da educação era o Eduardo

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Portela que renunciou em plena greve, foi substituído pelo general Rubens Ludovig. E o general negociou a greve, obtivemos importantes conquistas. Tivemos como conquista a carreira docente. Antes disso os docentes não tinham esquema de carreira, éramos contratados como celetistas – pela CLT. A partir daí, houve aperfeiçoamentos e melhoras na carreira docente. A fundação da Andes puxa a criação de outras seções sindicais, associações? Não, a maioria já existia. A seção na Paraíba existia desde 78, antes da Andes. Havia uma disputa da Andes com os sindicatos de professores – o Sinpro. Quando era associação nacional, os professores concordavam em ser filiados; depois que passou a ser Sindicato Nacional, os professores não queriam mais ser filiados. Houve muita resistência para transformar as associações docentes em seções sindicais porque mudou a relação. Quando era só associação docente cada uma tinha seu estatuto, quando passou a ser sindicato nacional, o estatuto passou a ser o do Andes e as seções sindicais passaram a ter regimento. Antes era uma espécie de federação nacional com um sindicato em cada local com vínculo nacional, com liberdade de seguir ou não. Mas isso trazia dificuldade para organizar e integrar as entidades, como cada uma dia seus estatuto. O Sindicato Nacional avança mais no coletivo porque amplia a base de tomada de decisão. Então, a decisão é mais forte e possibilita à seção sindical ter o apoio do sindicato nacional. Tem menos brecha para quem não está integrado ao coletivo. Você é uma parte do sindicato, uma seção sindical e não uma associação à parte. Tanto que agora em 2005, temos menos seções sindicais do que à época em que nos transformamos em associação nacional em 1981 por causa dessa dificuldade política de compreensão. Somos 120 seções sindicais hoje – de universidades federais, estaduais e particulares. São aproximadamente 70 mil filiados no Brasil todo. Como você vê o atrelamento do sindicato ao estado? Se não como sindicato oficial, como sindicato dentro do sistema de reconhecimento para obter as benesses garantidas pelo governo... Somos contra o imposto sindical, porque é uma imposição do Estado na organização dos trabalhadores. Devolvemos o dinheiro do imposto porque temos uma parte da categoria contratada pelo regime da CLT, de instituições particulares, e mesmo os de instituições públicas que querem cobrar isso, que equivale a um dia de trabalho no ano de trabalhadores sindicalizados ou não. Esse dinheiro é cobrado, vai para o estado que repassa parte para a federação até chegar nos locais sindicais. O Andes defende a livre organização sindical e a contribuição que o sindicalizado paga e recebida voluntariamente nas instâncias de base. Nós pagamos 1% ao sindicato nacional porque nós decidimos isso. Somos contra a unicidade sindical porque isso é decorrência dessa concepção de que o estado deve controlar a organização dos trabalhadores, com o imposto sindical, com a carta sindical. Só é reconhecido como sindicato aquilo que o Governo reconhece. Claro que o Andes deve que passar por isso, tramitar no Ministério do Trabalho. Tivemos que fazer porque foi exigido, mas nos estruturamos e nos formamos por cima disso. O Andes se distancia do sindicalismo oficial cada vez mais. O sindicato, representa também professores da rede privada onde as relações de trabalho são

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mais conflituosas, e para ter acesso à Justiça do Trabalho é necessária a representação sindical. Não precisamos da carta sindical para funcionar, mas precisamos tê-la porque, em alguns momentos, o mesmo Estado que nos proíbe de nos organizar cobra que o sindicato tenha essa carta para poder participar. É da natureza do Estado brasileiro e da Justiça Trabalhista que é coercitiva. Entrevista 8

Recife, fevereiro de 2005 Antônio Lins de Andrade (Tato) – ex-direção do Andes - SN O professor da UNESP, Antônio Lins de Andrade, conhecido por todos como Tato, foi diretor do Andes, encarregado de relações sindicais, participando do Andes desde 1992. Foi da diretoria do Adunesp (subseção sindical de Presidente Prudente) e coordenador do Fórum das Zeis (entidade que congrega o conjunto de sindicatos das universidades paulistas de professores e técnicos administrativos). Como era o movimento docente do início da década de 90? Era diferente do que é hoje? A gente tinha um quadro de militantes muita mais engajado na década de 80. Uma parte dessa militância, depois da queda do Muro de Berlim, da situação política a partir de 89, do avanço neoliberal e do ataque aos espaços coletivos do sindicato, houve um afluxo do movimento. Sentimos essa perda de militância. O quadro de renovação não foi proporcional às perdas. Os desafios que colocou o modelo neoliberal ocasionaram danos fortes à organização do movimento sindical. Alguns foram se estruturando no sentido de resistir enquanto espaço coletivo de trabalho. Hoje, o esvaziamento é uma conseqüência da destruição desse espaço coletivo, da perda de perspectiva classista da luta sindical. O conjunto de mudanças que ocorrem interferem não apenas no Andes, mas na Central Sindical, nos sindicatos de demais categorias. Com relação aos embates quais destacaria nessa trajetória que tem acompanhado? Acho que os principias embates envolvem questões maiores, como a questão de dívida externa, das greves gerais, algumas campanhas salariais, mobilização de categorias de peso no cenário nacional. Só que isso foi cedendo espaço para uma negociação mais recuada, ou seja, a questão do banco de horas, a criação das câmaras setoriais. Enfim, discussões levadas por uma parte do movimento que deixa as discussões e enfrentamentos com a base e passa a fazer um acordo maior por cima, através das cúpulas. Isso vai influenciando na organização dos trabalhadores a partir do momento em que vai colocando agendas cada vez mais rebaixadas. Isso provocou uma paralisia do movimento. Outro ponto é a questão da mobilização pela base. Por um grande período, as lutas levadas pelos sindicatos eram o principal motor dinâmico de vida do

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movimento, isso foi sendo apagado e substituído por formas de representação fora da base. Vai ficando mais restrito às cúpulas e mais longe das bases. O Andes segue também esse percurso? Tem professores da rede privada, de universidades estaduais e federais. Quando se transformou em sindicato com a constituição de 1988, que foi quando os servidores passaram a ter a possibilidade de ter um sindicato, o Andes viveu um momento de enfrentar ruptura: ou o Andes ia no sentido de discutir a idéia do sindicalismo novo que era a idéia dos departamentos organizados pela base; ou ia no sentido de esvaziar os departamentos, que foi a seguida pela CUT. A CUT foi substituindo os departamentos pelas secretarias, pelas federações e isso foi cristalizando uma cultura de cúpula que impede a participação da base, vai criando empecilhos de participação da base. De um lado, tem-se maior participação política, do outro, inviabiliza o que seria o que há de mais vida no movimento. Tanto é, que no último congresso da CUT, 75% dos delegados que participaram do Congresso faziam parte da estrutura da Central. Foram pouco mais de 25% delegados de base, o resto é direção. No Andes, tentamos manter a mobilização pela base. Mas os professores estão cada vez mais pragmáticos, por conta de situações do dia-a-dia. As relações de trabalho na universidade mudaram, há critérios produtivistas, a forma de acesso transformou-se, mudou a forma de avaliação e a estrutura das carreiras, desenvolvem-se práticas de prestação de serviço, que na verdade representam uma forma de privatização dos programas e cursos. Isso vai mudando o perfil do trabalhador interno da universidade e as relações de trabalho. E isso vai se refletindo na mobilização do movimento sindical. Conseguimos, contudo, manter, na linha política do sindicato, os princípios que ele defendeu quando foi formado lá em 1989. Naquele momento, tínhamos uma possibilidade que era nos transformar numa federação de entidades sindicais, como é a Fasubra; ou nos transformarmos num sindicato nacional, como era o projeto da CUT, organizado pela base, onde as bases têm autonomia do ponto de vista da organização, da gestão, da diretriz política. Venceu no Congresso do Andes a tese do sindicato organizado pela base em nível nacional e vemos construindo e defendendo esse sindicato até os dias de hoje. É um sindicato classista e de luta. Só que sofre os reflexos do ataque às suas próprias bases, das mudanças no mundo do trabalho. Esse é um grande impasse hoje. Há um grande número se seções sindicais com problemas organizativos de sua categoria. Em momentos específicos não consegue agregar esse conjunto de trabalhadores em cima de uma agenda política. Não tem o mesmo nível de agregação que tinha em 1984, mas ainda é uma referência justamente pela forma como se organizou. Uma parte da direção hoje CUT e de outros setores vêem no Andes uma pedra no sapato porque a gente continua defendendo o princípio da autonomia das assembléias de base, da organização pela base, de uma definição de diretrizes políticas independente do governo, de partidos políticos. O sindicato tem que se auto-sustentar, auto financiar. Não recebemos imposto sindical, vivemos da contribuição voluntária dos nosso professores, da nossa base.

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E numa época como esta de tempos bicudos de frente popular, isso é um elemento que cria um certo tensionamento porque tem-se diferentes envolvimentos das forças políticas dentro do movimento sindical e popular que tenta fazer uma mediação para evitar confronto, evitar tensionamento no sentido de garantir governabilidade e de garantir um projeto, que hoje não é mais o projeto da CUT. Na época era um projeto social, mas agora é um projeto de reforma social. Colocamos como princípio do nosso sindicato a construção de uma sociedade socialista nas nossas resoluções. Procuramos manter isso. Tem também isso no estatuto da CUT... Sim, mas você tem que ver que a construção política do ponto de vista real é diferente da prática que se desenvolve para construção desses movimentos. Como se pode construir o socialismo dizendo que você deve fazer parte do social? Como quer construir o socialismo e avançar a consciência da classe trabalhadora discutindo mesa setorial? Como é que você quer avanço para fazer a luta contra o capital se você trabalhar uma formação política cujo limite é a garantia pura e simples dos acordos setoriais? (branco de vinte minutos na fita da entrevista) Mesmo a opinião pública, com toda a máquina do governo, ficou do lado do movimento. Censura terrível. A comunicação, em 2001, foi muito importante, conseguimos várias coisas. Tínhamos uma jornalista muito boa, respeitada nos meios de comunicação, nos ajudou bastante na discussão com os grandes jornais, conseguiu marcar entrevista com a gente, conseguiu dar visibilidade aos eventos, inclusive visibilidade internacional. Tivemos uma assessoria de imprensa pesada. Ela conseguiu travar debate com Paulo Renato, levantar nossa discussão. Tivemos um trânsito nos meios de comunicação muito bom. Em 2003 foi utilizado esse mesmo trabalho de assessoria? Não porque essa jornalista já tinha saído. Leia os textos de análise de conjuntura que fizemos desde 2001 para você entender um pouco. Nossa posição é que esse governo está dando continuidade à mesma política econômica de FHC. Na “carta aos banqueiros”, é a “carta aos brasileiros”, mas nós a chamamos “carta aos banqueiros”, ele assume os compromisso de que vai cumprir os acordos que Fernando Henrique Cardoso havia firmando com organismos multilaterais como Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e por aí afora. Fazemos avaliação do governo antes inclusive da posse, já mostra que esse governo não tinha uma política de ruptura com o governo anterior. Essa visão se reflete nos jornais do Andes? Reflete. Tem textos sobre isso, artigos, análises de conjuntura. Fizemos uma publicação da revista Universidade e Sociedade sobre um ano de governo Lula. Temos vários elementos e discussões de análises feitas em outros espaços, como a participação do Andes no Fórum das Escolas públicas, na Constituinte de 88; presença do Andes na definição do Plano Nacional de Educação; a discussão do Andes na organização dos Condes; no Fórum Nacional de Educação. São espaços importantes de luta e mobilização que temos participado, temos ajudado a mobilizar. Como você o cenário político nos próximos anos?

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Estamos enfrentando certos problemas graves que são comuns numa instalação de um governo parecido com este de Lula que é um governo de coalizão de classe, de frente popular. Isso tem reflexo no movimento sindical e no movimento social porque uma parte desse movimento começa a funcionar como um anteparo de proteção ao governo e o Lula, como vem de uma origem operária, vinculado ao movimento sindical, criador do PT, fundador da CUT e tudo o mais, ainda está no imaginário das pessoas como se fosse o militante que chamava o Congresso Nacional de “300 picaretas”. Mas qual é a administração do Governo Lula? Construiu uma base de aliança com partidos da burguesia, com o PMDB, PSDB, PFL, PTB, PL compôs como parte de uma força política que é a força política do capital nos marcos da democracia burguesa. Ele optou por uma política de benefício desses setores em detrimento dos interesses dos trabalhadores. Os 30 milhões de trabalhadores que votaram nele esperavam que ele fosse reverter essas políticas econômicas, que fosse frear essas reformas todas, que e fosse recolocar a importância do trabalho frente ao capital como o principal elemento de política econômica, social e pública. A gente pode dizer, então, que o fato de Lula estar na presidência da república tem atrapalhado o movimento? Tem atrapalhado porque parte das lideranças dos movimentos tem funcionado como colchões de amortecimento ao poder. Qualquer crítica feita ao presidente, aos ministros, às políticas econômicas é vista como uma ameaça de desestabilização do Governo. Como se isso fosse uma ação deliberada de direita no sentido de desestabilizar o governo de esquerda, composto por trabalhadores que pela primeira vez chegam ao poder. Você acha que isso se reflete dentro do Andes? Sim, uma parte desses setores hoje constitui um grupo que faz oposição à direção do Andes - Sindicato nacional. São pessoas ligadas à base do Governo, são militantes do PT, do PC do B e outras forças políticas que estão na base sindical do Andes. Essas pessoas também estão na diretoria do Andes ou não? Não estão. Elas estão em algumas diretorias das seções sindicais de base do Andes. Essa crise que o senhor está colocando se repercute na comunicação do Andes? Reflete-se mais recentemente nessa discussão do Pró-Ifes. Isso reflete na medida em que tem a resposta da diretoria, na medida em que algumas seções sindicais estão se alinhando em torno do agrupamento Pró-Ifes e estão produzindo boletins para fazer propaganda dessa proposta do Pró-Ifes, que na verdade é uma proposta de adesão à política do Governo e à Reforma Universitária que o Governo quer implementar. E ela tem contato com o apoio da CUT na medida em que é uma alternativa que busca, por dentro das universidades federais, construir uma outra entidade ou um outro movimento que venha a se contrapor ao Andes, já de imediato. Tanto é que esse agrupamento todo está na mesa de negociação da Reforma Universitária, representando professores de instituições federais de ensino superior. Não é uma entidade sindical, mas tem a anuência do governo federal para estar na mesa. O

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que obriga o Andes a estar na mesa para não ser colocado como sectário, que não quer participar do debate. Isso cria um problema porque vai dar legitimidade política que o governo quer para dizer “participaram da discussão. Se não conseguiram problema deles”. E aí, tem todo um problema de discussão teórica. O senhor vê também essa mesma crise refletida no episódio da reforma da previdência, nos jornais? Lógico, porque uma parte desse movimento todo funcionava como freio de mão, desmobilizando a greve, impedindo que os jornais chegassem às bases da categoria, não convidando as bases a fazer parte das eleições para delegado no encontro dos Servidores Públicos Estaduais, soltando contra informação, negociando por fora com o Governo, negociando com a CUT acordos para serem negociados por fora, negociando na Câmara Federal com o líder, João Paulo, numa ocasião. Esses são os bastidores das maracutaias todas. Quer ressaltar algo para finalizar a entrevista? Apesar de todos os ataques, temos procurado manter-nos coerentes com nossos princípios. Hoje vemos cumprindo papel importante nesse pólo de resistência contra essas reformas que estão vindo aí (a sindical, a trabalhista, a universitária). O Andes está na coordenação nacional do Conlutas, o Andes foi para o encontro de Luisiana. Temos posição clara em relação a avaliação que fazemos do governo, sabemos dos ataques que estão vindo e nos colocamos na frente, não como a vanguarda institucional do movimento, mas como uma vanguarda que se propõe a lutar e a organizar os trabalhadores para enfrentar, e organizar junto com outros sindicatos e outras forças a resistência a esse projeto que está aí. Mesmo quando tivemos uma diretoria do Andes que era francamente negociadora, foi quando se estabeleceu a GED e a GID, na greve de 88; soubemos nos opor a eles. O equívoco político já estava feito com aprovação da GED e sistema de pontuação. Depois que aceitamos é mais difícil lidar com isso. Hoje, mais da metade do salário docente é gratificação. Você acha que há necessidade do movimento docente se re-significar, renovar-se? Mas isso daí não se dá sem... porque é um processo em construção. Não é um fim em si mesmo, é uma construção histórica. É algo que tem que ter materialidade, concreticidade enquanto movimento, consistência política para conseguir se ver enquanto uma categoria que tem condições de lutar. O problema é que essa re-significação que você fala está debilitada porque há descrédito de uma parte importante do movimento nessa luta. Temos os caminhos transversos, os ataques e, nesse processo, diminuem as forças. Se o processo de significação, significa buscar forças, puxar princípios e retomando bandeiras, precisa ser feito. Não sabemos em que momento. Pode ser feito agora na campanha salarial, na discussão da carreira porque isso vai implicar na discussão da reforma universitária, por exemplo, vai significar a questão das condições do trabalho, da privatização da instituição.

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Se essa re-significação implicar num reposicionamento da categoria no sentido de atender os princípios públicos e laicos, que são as bandeiras colocadas há muito tempo, aí concordo com você. Mas essa construção é difícil. Entrevista 9

Recife, maio de 2005 Kátia Saraiva - presidente do Sintrajuf (Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário de Pernambuco) Como nasceu o Sintrajuf? O Sintrajuf se forma a partir da constituição de 88 (1988), quando começaram a se formar sindicatos de servidores. Constitui-se em 1992, primeiro ligado ao Sindsep, depois se separou. Como era a relação diretoria e base no Sintrajuf? A base não costuma participar muito, deixa a cargo da diretoria as decisões. Não quer se envolver muito. Agora, entre a diretoria há muita divergência. Observo hoje o conflito no qual a diretoria quer avançar além das necessidades cotidianas e a base não quer se envolver nesses assuntos da politização dos trabalhadores. Fica difícil se fazer um movimento mais horizontal na base dos trabalhadores. A base prefere que a gente vá lutar por benefícios específicos da categoria, não se interessa muito por questões mais gerais. Quando mais amplo, menos ela tende a participar. E a relação entre a própria diretoria? Acho que antes era mais heterogêneo, havia mais correntes políticas e acho que de início o sindicato abordava questões mais específicas. Depois foi ampliando, ampliando, a tendência tem sido essa. Tínhamos posições políticas bem definidas e divergentes, mas sem racha. Na hora de decidir não havia problema. A base não participava das decisões. E a comunicação, como funciona? Em 2001 achava a comunicação fraca. O boletim era mais direcionado, mas não gostava do jornal. Tínhamos problemas e alguns fatores contribuíam para isso: não tínhamos uma pessoa do sindicato liberado para acompanhar de perto a comunicação. Só a partir de 2001 é que uma pessoa foi liberada para acompanhar o sindicato e a comunicação. Antes, o posicionamento político do jornalista não batia com a da direção. Tivemos alguns problemas com isso. No episódio da Reforma da Previdência, como a senhora enxerga a inserção do sindicato na sociedade? A partir de 1988, com a Constituição e a ascensão da classe trabalhadora, com o fim de ditadura, os trabalhadores começaram a se movimentar em torno de suas reivindicações. A expectativa era grande, era um momento de começar, de muita esperança. Depois as pessoas foram se acomodando, depois de algumas conquistas e de perdas significativas, como a reforma administrativa que abarcou todos os servidores públicos. Isso já foi decorrente da falta de uma maior mobilização do movimento.

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Como a sociedade foi sensibilizada com relação à reforma? Já antes das eleições presidenciais havia uma movimentação dos servidores de reposição salarial. Não conseguimos criar uma política forte o suficiente para evitar os reajustes, e com isso, muitas categorias buscaram seus ganhos específicos, saindo da luta mais ampla. Em 2003, com a história de reforma da previdência, conseguimos reunir um maior número de sindicatos inclusive de fora do serviço público. A mobilização foi grande porque acho que conseguimos passar a idéia de que a reforma era prejudicial da todos os trabalhadores. Acho que passamos para algumas pessoas essa idéia. Você acha que pelo fato do presidente ser Lula, isso influenciou na mobilização? Sim, tanto negativamente, quanto positivamente. Negativamente porque muita gente não queria entrar no confronto logo início de um governo que eles mesmos ajudaram a eleger. Outros não queriam macular a imagem do governo Lula. A lado positivo é que muita gente achando que por ser o Governo Lula ir para cima teria uma resposta mais favorável. Ele cederia mais fácil. De qualquer forma, existia uma expectativa muito grande. Acho que deveríamos direcionar nossas forças na linha de que não se poderia perder o direito e não na linha da denuncia pura e simplesmente. Na linha da denúncia é mais difícil a mobilização. Esse fator positivo que você citou pode ter se convertido em negativo se pensarmos que o pessoal que achava que seria mais fácil convencer o governo Lula se decepcionou? É verdade. Acho que ficou mais claro que esperança nem sempre resolve, nem as promessas. Acho que foi uma lição que os trabalhadores tiveram, de que é necessário continuar a luta, continuar a mobilização. Os servidores e os bancários tiveram essa experiência muito difícil com o governo Lula. Essa experiência teve que impacto no movimento sindical? Acho que teve uma mudança grande. Existe hoje uma forte pressão para desmantelar todo o movimento sindical como ele foi instituído. O Governo Lula, o trabalhador no poder é que está gerando essa mudança. Está gerando uma disputa política muito grande para ocupar o poder. A maioria dos trabalhadores está ligada às políticas que Lula defende, mas há outros setores do movimento que estão se mexendo para derrubar essas pessoas que estão. Disputa interna muito grande, uns para manter o lugar, outros para assumir o lugar. Disputa pelo poder sempre existiu, mas agora o ambiente está mais favorável porque Lula colocou a desconfiança dos trabalhadores contra os seus sindicatos. É uma pessoa do sindicato, dos trabalhadores que está decepcionando e colocando em dúvida, em questão os próprios sindicatos. A senhora acha que o governo chega a cooptar lideranças? O governo tenta cooptar a CUT, o movimento dos trabalhadores só poderia ser cooptado por um governo dos trabalhadores. A Força Sindical e outras não, mas

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a CUT só por um trabalhador. A direção da CUT é mista e sabe que pertence a uma ala ligada as correntes da base de Lula. A maioria não está mantendo a independência, não está mantendo os estatutos, nem o que está sendo referendado nos Congressos. Isso abre espaço para o PSTU lançar o CONLUTAS que mostra os problemas da CUT hoje. Só que isso divide o movimento dos trabalhadores e enfraquece por conta dessa disputa interna muito forte. A CUT quer manter seus sindicatos e o CONLUTAS, quer cooptá-los na linha da denuncia. Essa coisa da denuncia é muito destrutiva. Com tudo isso, as reivindicações ficam em segundo plano. E no meio disso tudo estão ocorrendo as reformas da burguesia. O governo está dando andamento às reformas e o movimento está fraco para reagir. Ainda na greve da reforma da previdência, o movimento já estava virando palco para criticar o governo, em vez de reivindicar os interesses das categorias. Isso tudo se reflete nos textos? Sim, um jornal na linha de denuncia constante das lideranças sindicais e do governo; o outro grupo querendo esconder o que está acontecendo, não mostrando as reais conseqüências de algumas ações do governo, como por exemplo, a reforma da previdência. Como a senhora percebe o movimento de hoje? Estamos passando por uma fase muito crítica de crise do movimento e com reformas como a sindical, que vai terminar de desmantelar o movimento, e a trabalhista logo em seguida. Quebra-se a resistência primeiro e depois vêem os ataques. Acho que o movimento deveria estar muito mais unido para combater essas políticas que o governo vem implementando e não ficarmos disputando internamente. Não é hora para isso. De um lado temos o governo querendo cooptar o movimento dos trabalhadores e do outro os trabalhadores destruindo seus meios de luta e proporcionando a hegemonia de algumas linhas que estão se deixando cooptar pelo governo. A articulação de esquerda sempre quis a hegemonia e está prestes a conseguir isso porque os setores combativos estão se afastando. Daqui a pouco as lideranças do movimento estarão brigando entre si, tão acirrado encontra-se esse confronto. O exemplo concreto foi a greve dos servidores do judiciário ano passado (2004) que entrou numa linha de discussão não política, mas de desqualificação pessoal. Não conseguimos uma boa mobilização e alguns setores começaram a colocar a culpa, por exemplo, na federação. Isso enfraquece o movimento, os próprios trabalhadores. Uma liderança colocando em questionamento outra liderança. Qual o principal papel dos sindicatos? Organizar os trabalhadores para fazer pressão junto aos patrões e a segunda etapa seria organizar os trabalhadores para eles tomarem o estado. Qual a principal função da imprensa sindical? Levar essa idéia aos trabalhadores. Cumpre essa função? Acho que cumpre essa função, mas em parte. Acho que pode melhorar com um informativo que trate das questões diretas dos trabalhadores, a partir daí colocar

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outros elementos, questões sociais. Os trabalhadores são maioria e vêem sendo dominados por uma minoria. Fizemos modificação recente no nosso jornal (Tem Novidade) e colocamos mais coisas da categoria. Parece que com as questões específicas da categoria, coluna de jurídico chama mais a atenção. Era mais na linha política, continua sendo, mas agora com questões mais específicas. As denuncias que temos colocados também dão dando maior retorno, o pessoal começa a chegar mais perto porque sente o sindicato perto. A partir daí, é mais fácil fazer um trabalho de formação maior. Se o jornal fica muito nas idéias, na política parece que o sindicato não se preocupa com ele. Desse jeito, podemos falar da lei de responsabilidade fiscal e de como isso atinge ele. Fica mais fácil fazer o trabalho de formação assim. Os movimentos sociais estão crescendo? Os espaços sociais estão cada vez maiores. Temos mais ONGs participando, o orçamento participativo implantando pelo PT, o Fórum Social Mundial. Por que os sindicatos deixaram de crescer? De ser vanguarda? Como é que o Fórum Social Mundial que tem a intenção de mudar as coisas recebe patrocínio do Banco Mundial. O orçamento participativo faz os trabalhadores brigarem entre si. Vão disputar os 25% do orçamento participativo, aquela migalha, enquanto os outros 75% vão para onde a burguesia quer.

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