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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
Programa de Mestrado
RENATO FARTO LANA
O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E AS CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS A CARGO DAS EMPRESAS
CURITIBA
2013
RENATO FARTO LANA
O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E AS CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS A CARGO DAS EMPRESAS
Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação “stricto sensu”, mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito, na linha de pesquisa: Atividade Empresarial e Constituição: Inclusão e Sustentabilidade.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Gustavo Knoerr
CURITIBA
2013
RESUMO
Este trabalho tem por objeto o exame da matriz constitucional brasileira com enfoque específico na Contribuição Patronal à Seguridade Social, comumente denominada por Contribuição Previdenciária das Empresas, que incide sobre as remunerações pagas ou creditadas aos segurados empregados. A amplitude dos princípios fundamentais genéricos constantes da Constituição Federal de 1988, tanto formalmente como materialmente, leva crer que é indispensável à imposição do pagamento de tributos, dentre eles as contribuições à Previdência Social, devidas pelas empresas, para a manutenção do que hoje denomina Estado Social Democrático de Direito. A compulsoriedade, por sua vez, deve ter apego não apenas nos anseios sociais representados pelo Sistema de Seguridade Social, como no próprio principio fundamental da legalidade e da segurança jurídica. Concentrando a atenção na regra-matriz de incidência tributária, pelo seu alto potencial para revelar a essência jurídica de um tributo, analisou-se a estrutura dessa contribuição, para, enfim, questionar sua sob a ótica da legalidade tributária num viés não apenas infraconstitucional, mas constitucional, na medida em que no campo tributário a Constituição Federal pouco deixou ao legislador ordinário. Palavras-chave: Contribuição Previdenciária das Empresas. Legalidade. Constituição. Regra-Matriz de Incidência Tributária.
ABSTRACT
This work has for its object the examination of Brazilian constitutional matrix with specific focus on Employer Contribution to Social Security, commonly referred by Social Security Contribution of Companies, which focuses on remuneration paid or credited to their employees. The amplitude of the fundamental generic principles contained in the Federal Constitution of 1988, both formally and materially, leads to believe that it is essential to the imposition of tax payment, including contributions to Social Security, payable by companies for the maintenance of which today is called State of Social Democratic Law. The obligation, in turn, must have attachment not only in social expectations represented by the Social Security System, as the fundamental principle of legality itself. Focusing attention on the matrix rule tax incidence, for its high potential to reveal the legal essence of a tribute, we analyzed the structure of this contribution, to finally question it structure from the perspective of legality. Key words: Social Welfare Tax of the Corporations. Legality. Matrix Rule Tax Incidence.
“O processo de involução do direito foi inarredável: a lei é um comando, um comando com autoridade e autoritário, um comando geral, um comando indiscutível, com sua vocação essencial de ser silenciosamente obedecido; a partir daqui, a sua propensão é a de consolidar em um texto, a encerrar-se num texto escrito em que qualquer um possa lê-lo para depois obedecê-lo, em um texto que é pela sua natureza fechado e imóvel, que logo se tornará empoeirado e, com relação à vida que continua a fluir rapidamente em volta, também envelhecido. Mas o poder persistirá em se fazer forte naquele texto com o auxilio dos juristas servis que persistirão na sua liturgia sobre o texto.” (PAOLO GROSSI)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 02 CAPÍTULO 1- Constitucionalidade do Tema ................................................ 10 1.1. Direito Constitucional ............................................................................ 10 1.1.1 Sistema Constitucional .................................................................... 10 1.1.2 Princípios Constitucionais Genéricos .............................................. 21 1.2. Direito Constitucional Tributário ........................................................... 44 1.2.1. Subsistema Constitucional Tributário ............................................. 44 1.2.2. Princípios Constitucionais Tributários ............................................. 48 1.2.2.1. Ensaios Sobre o Princípio da Legalidade ................................. 48 1.2.2.2. O Princípio da Segurança Jurídica ........................................... 56 CAPÍTULO 2 - Contextualização Sócio-Política ........................................... 66 2.1. O Direito de Tributar e o Dever de Pagar Tributo ................................. 66 2.2. O Sistema de Seguridade Social .......................................................... 74 2.2.1. Traços Elementares do Sistema - História e Contexto ................... 78 2.3. Princípios Inerentes à Seguridade Social ............................................. 84 2.3.1. Solidariedade ................................................................................. 86 2.3.2. Diversidade da Base de Financiamento ......................................... 90 2.3.3. Equidade na Forma de Participação do Custeio ............................ 92 CAPÍTULO 3 - Contribuições Sociais para a Seguridade Social ................ 94 3.1. Espécies Tributárias ............................................................................. 94 3.2. O Tributo "Contribuição Especial" ........................................................ 98 3.3. A Norma Jurídica ................................................................................ 104 3.4. A Norma Jurídica no Âmbito Tributário ............................................... 109 3.5. A Estrutura da Regra-Matriz de Incidência Tributária ......................... 110 3.6. A Regra-Matriz de Incidência da Contribuição Previdenciária das
Empresas ................................................................................................. 112 3.7. Hipótese de Incidência Tributária ....................................................... 113 3.7.1. Generalidades .............................................................................. 113 3.7.2. Critério Material ............................................................................ 114 3.7.3. Critério Espacial ........................................................................... 117 3.7.4. Critério Temporal .......................................................................... 118 3.8. Consequente Tributário ...................................................................... 120 3.8.1. Generalidades .............................................................................. 120 3.8.2. Critério Pessoal ............................................................................ 121 3.8.3. Critério Quantitativo ...................................................................... 125 3.9. Síntese Conclusiva ............................................................................. 130
CAPÍTULO 4 - O Princípio da Legalidade na Esfera Tributária ................ 134 4.1. Noção Inicial ....................................................................................... 134 4.2. A Constituição e os Direitos Fundamentais ........................................ 135
4.3. A Natureza "Fundamental" do Princípio da Legalidade na esfera Tributária ................................................................................................ 139
4.4. O Princípio da Estrita Legalidade Tributária ....................................... 142 4.5. A Aparente Exceção ao Princípio da Legalidade Tributária ............... 151 CAPÍTULO 5 - Aplicabilidade do Princípio da Legalidade Tributária ....... 158 5.1. Contribuições Previdenciárias das Empresas e o Princípio da
Legalidade Tributária ............................................................................... 158 5.2. As Violações à Legalidade Tributária e a Previdência Social ............. 164 5.3. As Ilegalidades Praticadas pela Administração Pública ..................... 173 5.4. As Violações Jurisdicionadas ............................................................. 184 CONCLUSÃO ................................................................................................ 205 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 208
2
INTRODUÇÃO
É inegável, em um Estado Social Democrático de Direito, a
relevância assumida pelos princípios constitucionais, os quais, não mais
possuidores de cunho meramente axiológico, conquistaram o verdadeiro
“status” de normas jurídicas.
Importante reconhecer, ainda, que tais princípios constituem os
instrumentos jurídicos fundamentais para a realização dos valores supremos do
ordenamento jurídico, informando, materialmente, as demais normas. Nesse
sentido, assevera CANOTILHO que “... os princípios são normas de natureza
ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição
hierárquica no sistema das fontes, ou à sua importância estruturante dentro do
sistema jurídico”1.
Os princípios, ultrapassando o âmbito axiológico, situam-se pelo
caráter normativo que assumem, de modo a ser quase que cogente a adoção
dos comportamentos necessários à promoção do estado ideal de coisas
preconizado por essas figuras normativas.
Sob o ponto de vista lógico, são enunciados admitidos como
condição ou base de validade das asserções que compõem dado campo do
saber.
É de se destacar, ainda, a elevada utilidade hermenêutica dos
princípios, os quais, desempenhando uma função sistêmica, assumem a
condição de “fundamento de regras jurídicas” tendo “... uma idoneidade
irradiante que lhes permite ligar ou cimentar objectivamente todo o sistema
constitucional.”2
Exercem, outrossim, relevante função de limitar a atuação do
Estado, estabelecendo, para tanto, enunciados preceptivos e proibitivos.
É nesse contexto, que desde a promulgação da Constituição
Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana passou ao “status” de
1 Direito Constitucional, p. 1034.
2 Ib., p.1037.
3
fundamento do Estado Social Democrático de Direito. Fora assinalado, nesse
passo, o marco histórico que consolidou a mudança de paradigma, para o fim
de esculpir uma “nova vida”, essa atenta a resguardar e proteger os princípios
que regem esse modelo de Estado de Direito, sempre com o escopo assegurar
a totalidade dos direitos do homem.
Foi nesse momento que a Seguridade Social, através da
Previdência Social, da Assistência Social e da Saúde, revestiu-se da condição
de direito público subjetivo, tendo sido eleita como sistema apto a garantir a
proteção social3.
O Sistema de Seguridade Social consiste, então, no conjunto
integrado de ações e iniciativas, não só das empresas, mas de toda a
sociedade, inclusive do próprio Poder Público, que tem como objetivo garantir e
proteger os cidadãos dos riscos sociais, tudo isso com a intenção de
resguardar os objetivos supremos da Ordem Social constitucional, quais sejam
a justiça e o bem-estar.
Trata-se, portanto, de sistema contributivo onde todos os
integrantes da sociedade colaboram financeiramente para que os objetivos da
Ordem Social sejam alcançados.
Por sua vez, grande parte das dificuldades financeiras da
Seguridade Social, em especial da previdência, é apontada pela doutrina como
decorrência da má administração do fundo pelo Poder Público, o que vem
acarretando discussões sobre a sustentabilidade do sistema e a conseqüente
carga tributária das empresas.
Contudo, a análise do problema não pode, obviamente, ficar
limitada a argumentos econômicos. A discussão mais profunda extrapola a
monótona motivação da correção do déficit orçamentário, para abranger
aspectos de proteção dos direitos fundamentais, e também critérios de justiça
que garantam respeito aos fundamentos constitucionais.
3 Sobre o tema, destaque para o professor WAGNER BALERA in Noções Preliminares de
Direito Previdenciário.
4
A variação da necessidade de obtenção de receitas públicas é
inevitavelmente ditada pelo contexto político e econômico em que um
determinado estado se insere.
No caso do estado brasileiro atual, em que a Lei Maior é típica de
um modelo social de direito, existe a necessidade de arrecadar vultosos
recursos financeiros para prestar os numerosos serviços públicos disciplinados
pela Constituição da República; dentre eles, o de manter o equilíbrio mínimo
nas relações sociais através de políticas de inclusão social, que geram
obrigações para o Estado, no atendimento aos necessitados, através de regras
constitucionais de Seguridade Social.
Por oportuno, cumpre destacar que o atendimento das metas
constitucionalmente traçadas depende, intrinsecamente, da obtenção de
receitas, sendo certo que a conquista desse numerário, por sua vez, pode
ocorrer diretamente, pela via da exploração da atividade econômica estatal, por
meio de bens e empresas pertencentes ao Estado, bem como pela aquisição
compulsória do patrimônio particular, através de tributos e penalidades
pecuniárias.
Observa-se, entretanto, que a preferência estatal, no que diz
respeito à obtenção de recursos, recai justamente na tributação, em especial
através de contribuições sociais impostas às empresas, sob a óptica da
alegada maior capacidade contributiva.
Isso porque, a instituição de contribuições sociais constitui um
instrumento altamente eficaz para fazer frente às numerosas despesas que o
Estado possui, primordialmente as relativas à efetivação dos direitos
fundamentais e sociais contidos na Constituição Federal, mas também em
virtude do atual ressecamento de outras fontes de arrecadação, pela hodierna
tendência da redução da participação estatal em atividades produtivas.
Tal situação retrata, de modo emblemático, uma das principais
facetas da crise desse “Estado-Providência”, no campo da Previdência Social,
5
o qual se defronta, progressivamente, com o aumento das despesas em
detrimento das receitas4.
Nesse contexto, o desequilíbrio entre receitas e despesas, como
conseqüência direta da desregulada relação entre o que se gasta e o que se
arrecada, e a predileção do Estado em fazer do tributo a fonte principal de
obtenção de receitas públicas, acarreta a retirada, cada vez mais intensa, de
parcelas do patrimônio particular, podendo atingir, dessa forma, princípios
basilares do Estado Democrático de Direito, como a Legalidade e a própria
Segurança Jurídica, afetando, por corolário, a justiça do Direito Constitucional
Previdenciário, preconizado por ditames tais como a equidade na forma de
participação do custeio, a diversidade da base de financiamento e a própria
solidariedade dos atores sociais na manutenção do sistema social.
Com efeito, a elevada carga tributária nacional exige que o
processo de elaboração legislativa tributária e a respectiva aplicação sejam
cautelosamente manejados, com vistas a garantir os direitos fundamentais dos
contribuintes, tão indispensáveis, no contexto do Estado Social Democrático de
Direito, quanto àqueles relativos às necessidades públicas5.
4 Interessante o registro de JOSÉ ROBERTO VIEIRA em trabalho apresentado no II
Congresso Brasileiro de Direito Empresarial e Cidadania, realizado em 2012, no UNICURITIBA, em Curitiba/PR, através do artigo “A Regra-Matriz de Incidência da Contribuição Previdenciária das empresas: Indigência, Complexidade e Prestígio”, no qual o professor expõe haver elevado prestígio das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas. “Quando da promulgação do Texto Magno de 1988, mexeu-se na repartição das receitas tributárias, de modo a incrementar um pouco os recursos destinados aos estados e aos municípios, intensificando assim o nosso federalismo. E como reagiu a União ? Reduzindo tributos partilhados com as demais esferas de governo – como é o caso do Imposto de Renda, por exemplo – e majorando as Contribuições Especiais, tributos não compartilhados. Se tomarmos em conta, num exemplo, apenas a COFINS, o PIS/PASEP, a CSLL e as Contribuições Previdenciárias, as principais Contribuições para a Seguridade Social, suas respectivas arrecadações, somadas, perfazem quase quarenta por cento (39,04%) de toda a arrecadação tributária nacional de 2009; sendo que, nesse total de recursos das Contribuições Previdenciárias, a Contribuição Previdenciária das Empresas responde, sozinha, por 21,26%.”
5 Nos anos de 2010 e 2011 observou-se um incremento ainda maior da tributação, a qual,
segundo dados oficiais, da Receita Federal – Coordenação-Geral de Estudos Econômico-Tributários e de Previsão e Análise de Arrecadação, em relação ao PIB, a carga tributária nacional atingiu 35,31% contra 33,53% em 2010, indicando variação positiva de 1,78 pontos percentuais. Essa variação resultou da combinação dos crescimentos, em termos reais, de 2,7% do Produto Interno Bruto e de 8,15% da arrecadação tributária. Em relação a 2010, os tributos que registraram maiores variações positivas, médias com percentual do PIB, foram, respectivamente, o imposto de renda e a contribuição para a previdência social. Para as contribuições previdenciárias, a variação concentrou-se, em maior escala,
6
No contexto dos princípios constitucionais tributários, como acima
mencionado, encontra-se o Princípio da Legalidade o da Segurança Jurídica,
aliados a princípios outros que regem a Seguridade Social, tais como o da
equidade na participação, o da diversidade do financiamento e o da
solidariedade.
Tais princípios integram o subsistema constitucional tributário e
securitário, aos quais cabem a indicação das diretrizes básicas de
interpretação de normas em matéria tributária e previdenciária, em especial
quando o assunto são as Contribuições Previdenciárias incidentes sobre a
folha de salários.
O Princípio da Legalidade reveste-se da qualidade de essencial à
justiça do sistema tributário brasileiro, garantindo ao contribuinte de possíveis
desmandos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.
Como princípio de estatura constitucional que é, constitui um dos
instrumentos normativos fundamentais para a realização dos valores
constitucionais, além de servir de fundamento de validade a todos os
postulados infraconstitucionais que tenham por objeto a instituição de
Contribuições Sociais para a Seguridade Social.
Em virtude de seu caráter normativo e, logo, obrigatório, e graças
ao seu aspecto limitador da competência tributária, o Princípio da Legalidade,
no Direito Tributário, determina que o Estado se abstenha de exigir ou
aumentar tributos sem que a lei assim estabeleça. Com isso, quer impedir que
o patrimônio dos contribuintes seja dilapidado pela via da tributação
incongruente, uma vez que a violação ao princípio, ditame de crucial
importância no Estatuto do Contribuinte, refoge à idéia originária de que o
tributo deve ser um ônus suportável, ou seja, um encargo que o contribuinte
deva pagar sem sacrifício do desfrute normal dos bens da vida.
O Princípio da Legalidade constitui, com efeito, uma limitação à
tributação exacerbada, determinando que as pessoas políticas de direito
na tributação das empresas – (Receita Federal do Brasil - Carga Tributária no Brasil – 2011). Fonte: Receita Federal do Brasil. Acessado em 10/01/2013.
7
público, que instituem tributos e os arrecadam, estejam proibidas tanto de criar
exações como de arrecadar tributos em desconformidade com o que preceitua
a Constituição Federal e as leis. Isso tem escopo de evitar a violação não
somente da legalidade, mas, sobretudo, da solidariedade entre os membros da
sociedade quando o assunto é a arrecadação e a manutenção do sistema de
proteção social.
A garantia de um sistema tributário justo, por sua vez, não se
opera sem a observância ao já citado Princípio da Legalidade.
A tributação que se revele excessiva, em vista da não
observância do princípio, desatenderá, ao mesmo tempo, aos princípios
inerentes à Seguridade Social.
Dessarte, a vedação ao recolhimento de Contribuições Sociais
para a Seguridade Social, em especial para a Previdência Social, sem respaldo
legal, objetiva garantir, precipuamente, um sistema que ao mesmo tempo
possa fazer a proteção social, e, também garantir a higidez de princípios tão
importantes para o Estado Democrático Social de Direito, como a Legalidade e
a Segurança Jurídica.
Sob a bandeira de manter hígido o sistema, ou seja, sob a óptica
da Ordem Social, não há como atribuir às empresas exação exagerada na
participação no custeio social. Essa é tarefa coletiva e depende da participação
de todos, inclusive da União, a quem também incumbe parcela da
responsabilidade por verter receitas ao sistema.
Com base nessa premissa, há que se encontrar, pois, a justa
proporção entre as quotas com que cada ente social irá contribuir para a
satisfação do sistema; sendo certo que é justamente nesse contexto que o
Princípio da Legalidade e o da Segurança Jurídica, além de outros princípios
fundamentais da Seguridade Social, mostram-se indispensáveis.
A grande problemática em se manter hígido um Estado Social de
Direito, por sua vez, encontra lugar justamente no impacto econômico que isso
8
provoca. Entretanto, dentre as causas da crise previdenciária brasileira, talvez
a causa principal seja a permanente dívida da União para com o sistema.
Daí porque não se pode, para garantir a Ordem Social
constitucional, enaltecer as empresas como os atores sociais mais importantes
na divisão do custeio, deixando de lado princípios fundamentais constitucionais
para justificar a manutenção de demandas sociais.
É indispensável que, aliado ao exame valorativo, busque-se, a
partir de uma perspectiva deontológica, legitimar parâmetros para a aplicação
racional dos valores protegidos pelos aludidos princípios, urgindo, para tanto,
verificar quais os comportamentos necessários à realização desses valores e
quais os instrumentos indispensáveis à fundamentação controlável de suas
aplicações.
A observância, assim, dos princípios de justiça tributária,
constitucionalmente assegurados, é imprescindível à realização de uma
democracia constitucional que se pretenda mais justa.
Nesse contexto, atentar para as contribuições atinentes a folha de
salários e demais rendimentos do trabalho, ou seja, para a perspectiva
dimensível das exações previstas no art. 195, I, “a”, da Constituição Federal,
sob a égide do Princípio da Legalidade, apresenta-se, no rol dos direitos do
contribuinte, como prerrogativa indispensável6.
O tema ganha importância, sobretudo, diante da chamada nova
hermenêutica constitucional, a qual não se fundamenta apenas em juízos de
mera subsunção, específicos das regras, mas, mormente, em um modelo de
princípios, aplicáveis mediante uma minuciosa tarefa de ponderação, visando à
solução mais justa no caso concreto.
E a precisa tarefa dessa nova fase da hermenêutica constitucional
consiste em não somente redescobrir os princípios constitucionais como figuras
6 Alguns princípios são exclusivos da seguridade social, o que revela sua autonomia
didática, enquanto outros são genéricos, uma vez que aplicáveis a todos os ramos do direito, inclusive Ao previdenciário. Entre esses princípios gerais, merece guarida o da legalidade Tributária.
9
normativas, mas também, dedicar-se à elaboração teórica das dificuldades que
a sua interpretação e aplicação oferecem, tanto no que tange à determinação
de seu conteúdo, como, igualmente, na da sua eficácia.
Nesse aspecto, a relevância do estudo em questão passa pela
dificuldade pragmática de estabelecer critérios de averiguação da correta
quantificação da grandeza financeira das Contribuições Sociais de Seguridade
Social sobre a folha de salários, impostas às empresas, para definir o que
realmente pode ser alvo dessa exação.
10
CAPÍTULO 1- Constitucionalidade do Tema
1.1. Direito Constitucional
1.1.2. Sistema Constitucional
A Constituição, em seu sentido amplo e sob o aspecto jurídico,
pode ser entendida como a “pedra fundamental” que, além de conter as
normas estruturantes de um Estado, regula o funcionamento do sistema
jurídico como um todo. ALEXANDRE DE MORAES, em dizeres carregados de
pragmatismo, preceitua a Constituição como a lei fundamental e suprema de
um Estado, regramento que regula toda a estrutura estatal, além da distribuição
de direitos, garantias e, ainda, deveres do próprio Poder Público7.
De fato, o que inclusive é salientado pelo já consagrado professor
CELSO RIBEIRO BASTOS, a orientação acima é fruto do olhar individualizado
de apenas um dos enfoques que uma Constituição pode ser analisada, “seria
como que um poliedro que fosse examinado a partir de ângulos diferentes.”8
Nesse passo, não é de se estranhar que a palavra “constituição”
venha acompanhada por diferentes qualidades, mas, de qualquer maneira, em
não sendo esse o objeto deste trabalho, qual seja, o de analisar todos os
aspectos de uma Constituição, eventualmente contemplá-los ou mesmo criticá-
los, a orientação que se segue é aquela onde a Constituição da República
surge como núcleo que serve de centro comum a todos os outros conceitos
jurídicos.
Já em 1959, em sua aula inaugural na Universidade de Freiburg,
KONRAD HESSE afastava aquela noção trazida por FERDINAND LASSALE,
de que a Constituição representaria apena um “mero pedaço de papel,” para
arraigar sua função ordenadora da vida do próprio Estado 9.
7 Direito Constitucional, p. 36.
8 Curso de Direito Constitucional, p. 57.
9 Apud KONRAD HESSE. A Força Normativa da Constituição, p. 9-11.
11
Uma tentativa, ainda em HESSE, para o estudo da Constituição é
o da realidade político-social. Isso, por sua vez, leva crer, ao que tudo indica,
que a Constituição está condicionada pela realidade concreta de seu tempo10.
Foi nesse ambiente que CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
registrou que a Constituição, na história dos povos, é fruto de uma elaboração
que leva em conta a necessidade de fortalecer a conquista individual frente ao
poder estatal11.
A assertiva pode ser corroborada pelos ensinamentos de PAOLO
GROSSI, que vê o direito não como uma paisagem física a ser introduzida no
cotidiano dos homens, mas sim como o resultado do passar dos tempos, do
transcorrer da história12.
Nesse contexto, é oportuna a simples, mais contundente, posição
de CELSO BASTOS, para quem a Constituição significa a maneira de ser de
qualquer coisa, sua particular estrutura13.
Sobre outro enfoque, a Constituição também reúne normas que
dão sustentação ao Estado, ou seja, lhe dão estrutura, além de traçar a ação e
os limites desse mesmo Estado, fazendo, com isso, que sejam respeitadas as
mínimas garantias do que hoje se conhece por Estado Social Democrático de
Direito.
Não é difícil constatar que a realidade jurídica depende não
apenas de uma sociedade organizada na forma do Estado de Direito, mas,
além disso, que os direitos dos homens sejam preestabelecidos num
documento que, além de listar, também possa os resguardar. Até porque, como
lembra PAOLO GROSSI, o Estado é apenas a cristalização da sociedade e,
até por isso, deve ser democrático14.
10
Ib., p. 24. 11
Tendências do Direito Constitucional Brasileiro, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (Coord.), As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo, p 161.
12 PAOLO GROSSI, Primeira Lição sobre Direito, p. 8.
13 Curso..., op. cit., p. 59.
14 Primeira Lição..., op. cit., p. 4.
12
O Estado não pode dispensar sua legitimidade e autonomia,
características, inclusive, inerentes a sua própria natureza, mas a força desse
Estado não pode ser bruta. Ensinou, aliás, ALAIN BADIOU, que “... a verdade
não é força.”15
O próprio Direito não pode vir “do alto e de longe, como se fosse
uma telha que cai de um teto sobre a cabeça de um passante,” não pode surgir
apena como poder ou comando com apenas possibilidades de coerções e
sanções16.
Mas, apenas para posicionar o que nos dias atuais se denomina
Estado Social Democrático de Direito, vale lembrar alguns aspectos que
desembocaram no que hoje se confia ser um sistema aberto de regras e
princípios que é a Constituição.
Através dos ensinamentos de PAULO BONAVIDES, sabe-se que
o ideal liberal acabou sendo, de certa forma, humanizado, ou mesmo
democratizado, na Idade Moderna, mas “morreu” com o declínio do
capitalismo, cedendo espaço às disputas e ofensivas que se deram a partir dos
socialistas e mais especificamente da dialética de MARX contra esse modelo
liberal17.
Aquele Estado inimigo, incitado através da “bandeira” que cativou
a democracia e um Estado de "todas as classes", ditado pelo ideal de justiça
social, inevitavelmente sucumbiu com o rompimento das doutrinas liberais.
Assim, pode-se dizer que praticamente todas as mudanças
sociais decorreram de novas posturas ideológicas, que, em seus tempos,
trataram de romper, de forma definitiva, com o modelo de Estado liberal em
substituição pelo Estado social que era retratado pela figura do provedor.
Em suma, como já mencionado, lembrando os ensinamentos de
PAOLO GROSSI, o Direito não é escrito numa paisagem física que aguarda o
15
Ética: um ensaio sobre a consciência do mal, 93. 16
PAOLO GROSSI, Primeira Lição..., op. cit., p. 2. 17
Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 32.
13
inserir humano, ele é escrito na história, eis que é nela que os homens teceram
seus sentimentos, seus ideais e interesses18.
Na mesma linha registra-se RUDOLF VON IHERING que, em sua
notável obra “A Luta pelo Direito”, salienta que todos os direitos do homem
foram conquistados através de lutas, até porque, frisa o autor, “o direito é uma
força viva.”19
IHERING, por oportuno, sempre defendeu a idéia do Direito
envolvido num movimento progressivo de transformação, tendo, inclusive,
assinalado àqueles que imaginam “que o direito se forma sem dor, sem custo,
sem ação como erva dos campos...” que “... a dura realidade ensina porém o
contrário.”20 (sic)
Na mesma linha, NORBERTO BOBBIO defende que os direitos
dos homens, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos,
nascidos de certas circunstâncias21.
Talvez por isso, PAULO BONAVIDES tenha contemplado que as
disputas entre o modelo liberal e o social foram "sangrentas", mas buscaram
ajustar o corpo social às novas categorias de exercício do poder que ansiavam
por um novo sistema social22.
Mas em substituição ao modelo liberal, o ideal de esquerda, por
sua vez, apresentou-se totalitário e incapaz de atingir seus objetivos. Um
modelo de reflexão criativa, derivado do consenso e de efeitos graduais
afigurou-se no Estado Social Democrático de Direito, da segunda metade do
século XX, esse sim adequado a concretizar a universalidade dos valores
abstratos das Declarações de Direitos Fundamentais23.
18
Primeira Lição..., op. cit., p. 8. 19
A Luta Pelo Direito, p. 1. 20
Ib., p. 7-9. 21
Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano-Democráticos da Legalidade Tributária: óbvios Ululantes e não Ululantes, in MELISSA FOLMANN (coord.), Tributação e Direitos Fundamentais: Proposta de Efetividade, p. 191.
22 Do Estado..., op. cit., p. 32.
23 Id.
14
Trata-se de um Estado Social, onde, por decorrência lógica, avilta
menos, e, a sociedade mais; onde princípios como a liberdade e a propriedade
dão lugar às diligências do Poder e do cidadão de modo que alcança um
campo de concretização de direitos, princípios e valores24.
CARLOS ALBERTO MENESES DIREITO lembra BOBBIO
quando registra que a liberdade coincide não com autodeterminação individual,
mas com a autodeterminação coletiva25 26.
Esse é o Estado Social de Direito, positivado no Brasil após a
promulgação da Constituição de 1988, que acabou por reconstruir o valor
essencial para a vida coletiva, que é retratado na dignidade da pessoa
humana, permitindo a reconciliação da sociedade com o Estado. É a
“humanidade do Direito”, na medida em que esse nasce com o homem e para
o homem, “incindivelmente coligado às vicissitudes humanas no espaço e no
tempo.”27
O texto constitucional foi objetivo ao demonstrar a importância da
dimensão protetiva da liberdade do homem diante do Estado.
De todo modo, didaticamente, parece oportuno dizer que a
Constituição, nesse diapasão, representa aquele conjunto de regras e
princípios que tem a finalidade de estruturar, organizar e desenvolver o poder
24
“O Homem de nossos dias não tem reservas para enfrentar, resoluto, a hora das crises, e, como dispõe apenas um espaço de existencial mínimo, que, nos casos extremos, já freqüentes em grandes centros populacionais, o faz inquilino de um quarto sublocado, prestacionista de bens que o conforto tecnológico sedutoramente lhe oferece, aumentando-lhe o fardo dos compromissos materiais assumidos, esse Homem angustiado e neurótico do século XX move-se com insegurança num circulo de interesses que estreitam e acentuam cada vez mais sua dependência em face do Estado. Quando esses laços de dependência se tornam, como em nossos dias, verdadeiro nó górdio da problemática social e política, corre o individuo sério perigo. O Estado, que, em si, por sua natureza mesma, já é uma organização de domínio, pode, sob o leme de governantes ambiciosos e de vocação autocrática, destituídos de escrúpulos, converter-se em aparelho de abusos e atentados à liberdade humana, o qual exploraria, no interesse de sua força e de seu predomínio, aquela dependência básica do individuo, transformado, então, em mero instrumento dos fins estatais.” (Ib., p. 201).
25 Tendências do Direito Constitucional..., op. cit., p 163.
26 “O Direito é de fato dimensão intersubjetiva, é relação entre vários sujeitos e é marcado
pela sua essencial socialidade.” “... pode se tratar de uma pequena tribo primitiva nas profundezas de uma selva amazônica ou de um Estado com todo o seu formidável aparato organizado de poder; mas sempre é necessário aquele encontro que transforma em social a experiência do sujeito singular.” (PAOLO GROSSI, Primeira Lição..., op. cit., p. 8).
27 Ib., p. 7-8.
15
político de um Estado, além de definir suas ações e limites através do que se
convencionou chamar de direitos fundamentais do cidadão.
Trata-se da norma superior, por excelência, que, portanto, regula
a produção das normas inferiores numa espécie de escalonamento normativo
que nos faz lembrar HANS KELSEN, para quem a ordem jurídica forma uma
espécie de construção escalonada de diferentes camadas ou níveis, que tem
na Constituição o nível mais alto28.
Fato é que o Estado liberal e, em contra partida, o estado
interventor pleno, criou a síntese do Estado Social de Direito, pós-segunda
guerra. A partir desse momento a preocupação muda seu foco, tentando atingir
objetivos traçados pela Ordem Social. Isso porque, o Estado Liberal,
individualista, ansiava pela conquista e manutenção da igualdade formal sem
as devidas preocupações quanto às desigualdades materiais inerentes a
própria condição de ser humano.
Então, aquele modelo de Estado que sempre serviu de adversário
e que aterrorizava o cidadão, até como o maior inimigo de sua liberdade,
modelo construído ainda em KANT para quem o homem fruía de plena
liberdade. passou pelo modelo de Estado Social em MARX, até alcançar a
forma jurídica onde fora possível formular um ideal liberal, mas não aquele
pleno e absoluto como a história alvitrava.
A saída foi fazer com que a democracia sobrevivesse através das
garantias dos direitos sociais, a qual justificava a necessária, e lícita,
intervenção estatal para manter a idéia, não menos justa, do individualismo que
precisa de reconhecimento e segurança.
Trata-se do Estado Social de Direito, onde as liberdades
prevaleciam, mas não de forma plena, onde o Estado provia, mas distante da
figura do “Estado Providência” e onde a temperança entre o liberal e o social
vinha da condição do próprio Estado, mas aquele “de direito”.
28
Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz de Incidência: Texto e Contexto, p. 33.
16
É ai que aumentam as demandas por direitos individuais, cresce o
espaço para justiça constitucional, justamente com o intuito de concretizar os
direitos. Trata-se do momento do nascimento de um direito transformador, e
não regulador ou provedor somente.
Vem à tona a noção principiológica e compromissória do
constitucionalismo, abarcando temas antes reservados apenas à esfera
privada. Com base no que registra PAOLO GROSSI, pode-se dizer que é a
humanidade e a socialidade do direito29.
Enfim, o modelo Social de Direito não é mais apenas ordenar
como o era o Estado liberal, tampouco, e unicamente, provedor como na
modelagem tipicamente social; é sim transformador e garantidor dos direitos
fundamentais, permitindo, com isso, que o próprio Direito assuma uma posição
onde seu papel maior é o de concretizar direitos e evitar as discricionariedades.
Foi nesse ambiente que em fevereiro de 1987, especificamente
no dia primeiro do citado mês, fora instalada a Assembléia Nacional
Constituinte. Ao término de seus trabalhos, fora promulgada a Constituição
Federal de 1988 cujas intenções foram previstas em seu preâmbulo, que
consiste numa certificação da legitimidade do documento e na proclamação de
princípios que demonstraram a ruptura com o paradigma anterior,
comemorando o surgimento do Estado Social de Direito.
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.
30
29
Primeira Lição..., op. cit., p. 9. 30
BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988 (Preâmbulo).
17
Ressalva, porém, deve ser feita, na medida em que apesar de
justificar os objetivos e as finalidades do Estado que foram inaugurados através
do rompimento do antigo paradigma, o preâmbulo constitucional não integra o
texto da Constituição. Entretanto, é possível obter do preâmbulo alguns vetores
para que a atividade interpretativa possa ser feita, e, talvez por isso, CELSO
BASTOS tenha registrado que o preâmbulo consagra declarações
principiológicas e, portanto, de caráter geral31.
Há, todavia, nítida relação entre sua redação e a própria
interpretação da Constituição, de modo que a certidão de legitimidade, como
reconhecida por ALEXANDRE DE MORAES, servirá de elemento integrador
das diversas normas que seguirão no corpo do documento mais importante da
nação32.
Talvez tenha assumido um papel do próprio Direito, que nas
palavras de PAOLO GROSSI, seria o de evitar a separação entre esse e a
sociedade33.
Como ensina KONRAD HESSE, a norma constitucional somente
logra atuar se procura construir o futuro com base na natureza singular do
presente e, assim, a Constituição converte-se na ordem geral objetiva do
complexo de relações da vida34.
ROBERTO QUIROGA MOSQUERA assinala que a Constituição
impõe seus comandos que são obrigatórios no comportamento do cidadão
nacional, “por intermédio de um feixe de normas jurídicas que prescrevem
mandamentos, obrigações, imperativos e direitos.” Na mesma toada, o autor
registra que a Constituição não dá conselhos, ela obriga. Não é apenas um
ideário, na medida em que suas regras e princípios estipulam contornos da
atuação do homem em sociedade35.
31
Hermenêutica e Interpretação Constitucional, p. 144. 32
Direito..., op. cit., p. 48. 33
Primeira Lição..., op. cit., p. 2. 34
A Força..., op. cit., p. 18. 35
Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O Imposto e o Conceito Constitucional, p. 72-73.
18
Enfim, a “Constituição representa a Lei Máxima, o Comando
Superior, na qual todas as demais normas jurídicas irão buscar seu
fundamento de validade, seu alicerce de sustentação”36
Nessa linha de raciocínio, importante trazer à baila a “Teoria dos
Sistemas”, já no século passado pensada por KARL LUDWIG VON
BERTALANFFY, que na busca por uma definição de sistemas que fosse
passível de aplicação em todos os campos da investigação científica, registrou
que o sistema é um conjunto de elementos que se relacionam entre eles
mesmos e com um ambiente37.
O pensamento sistêmico, acima destacado, é nitidamente
aplicável à centralidade da Constituição, numa ordenação unitária em um
contexto de relacionamento externo e consigo mesmo. Oportunamente,
NIKLAS LUHMANN trouxe ao conhecimento de todos a “Teoria Geral dos
Sistemas de Segunda Geração”, que acabou por inaugurar a concepção dos
sistemas autopoiéticos. Esse sistema “vivo” alimenta a idéia de que ele próprio
produz seus elementos e estruturas, assim como a Constituição38.
A característica fundamental do sistema, no ideário de
LUHMANN, é sua auto-referência, ou seja, ele é objeto de sua própria análise,
e define a si mesmo a partir do reconhecimento de sua diferença em face do
que está a sua volta. Esse sistema deve ser aberto para ser estimulado pelo
seu entorno e é isso que o fortalece e fomenta sua higidez, permitindo sua
funcionalidade39.
Não é por outro motivo de PAULO DE BARROS CARVALHO
identifica essa reunião de regras e normas jurídicas, inclusive a própria
Constituição Federal, como um conjunto integrado de elementos que se inter-
relacionam, formando um verdadeiro sistema. Para o professor emérito da
PUC-SP e da Universidade de São Paulo, esse “sistema jurídico” faz com que
36
Ib., p. 73. 37
Teoria Geral dos Sistemas, p. 191-209. 38
Introducción a la teoria de sistemas, “passim”. 39
Sociedade y sistema: la ambición de la teoria, p. 57.
19
as regras e as normas se interliguem mediante vínculos verticais e horizontais,
criando relações de coordenação e de subordinação hierárquica40.
É nesse passo que o professor define sistema conjugando a idéia
de que “onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e
aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental
de sistema.”41
PAULO DE BARROS bem esclarece que as normas jurídicas é
que formam esse sistema jurídico. Essa afirmação decorre do fato de que as
normas no sistema jurídico estão dispostas numa estrutura de cunho
hierárquico e é isso que regula a criação e a própria transformação do sistema
jurídico42.
JOSÉ ROBERTO VIEIRA lembra que a noção de sistema do
ordenamento jurídico é, talvez, a maior das contribuições do Jusnaturalismo43.
O professor paranaense aponta o sistema jurídico e sua
primordial característica: a unidade44.
Oportuno lembrar GERALDO ATALIBA, que bem remonta a idéia
fulcral de que não há norma jurídica solitária, eis que, para o autor, somente é
jurídico o preceito integrado no sistema45.
Enfim, todas as normas do sistema convergem para um ponto
único que é representado na norma fundamental, sendo essa a responsável
pela higidez e validade do sistema. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, por
oportuno, registra que “sistema”, na Teoria Geral de Direito, é o “... conjunto de
objetos e seus atributos (repertórios do sistema), mas as relações entre eles,
conforme certas regras (estrutura do sistema).”46
40
Curso de Direito Tributário, p. 10. 41
Ib. p. 130. 42
Ib. p. 134. 43
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 34. 44
Noção de Sistema no Direito (Revista da Faculdade de Direito da UFPR), p. 54. 45
República e Constituição, p. 166. 46
Apud, JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 34.
20
É dessa idéia que decorre o caráter unitário e homogêneo47.
Isso revela o repertório do sistema como o conjunto de normas
que tem uma unidade certificada pela Constituição, não podendo deixar
escapar a concepção de que as normas que compõem o repertório, e que
estruturam de modo especial o sistema, são justamente os princípios48.
Assinala, por fim, PAULO DE BARROS CARVALHO, que a ordem
jurídica brasileira pode ser vista como um sistema de normas que tem o “papel”
de promover e alterar a conduta humana no seio da sociedade49.
A Constituição é o espaço das linhas gerais que tem como
atribuição a organização do Estado, sendo coerente, portanto, CELSO
RIBEIRO BASTOS, para quem essa regulação é feita em grande escala. Na
mesma linha, assinala o professor, que ainda que todas as normas
constitucionais tenham uma eficácia mínima, algumas desfrutam da
capacidade de incidirem diretamente sobre o caso concreto e outras
necessitam, para tanto, de certa integração50 51.
Da mesma forma, PAULO DE BARROS CARVALHO traz à baila
a noção de sistema que contempla o conjunto de elementos que se relacionam,
compondo um todo unitário52.
Entretanto, cabe frisar que além da unidade, lembra EROS
ROBERTO GRAU, que todo sistema também contempla uma ordenação53. Daí
pode-se extrair que o modelo jurídico contempla um repertório de elementos,
que, por sua vez, devem ser ordenados numa estrutura homogênea e de
unidade.
O texto constitucional, por conta disso, pode ser visto como o
objeto da interpretação através de suas regras e princípios, sendo plausível
47
“Define-se sistema como um conjunto de elementos (partes) que entram em relação formando um todo unitário.” (MARCELO NEVES, apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Id.)
48 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 35.
49 Ib. p. 138.
50 Hermenêutica..., op. cit., p. 83.
51 Ib., p. 88.
52 Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Noção de Sistema..., op. cit., p. 54.
53 Id.
21
afirmar que a Constituição, por isso, não pode ser considerada senão em seu
conjunto, ou melhor, na condição de sistema jurídico; mais especificamente,
considerada como a unidade fundamental.
Até porque, como lembra GERALDO ATALIBA, não há norma
jurídica avulsa, na medida em que somente pode ser jurídico o preceito que
esta integrado num determinado sistema54.
Talvez por isso RICARDO LOBO TORRES tenha argumentado
que a “unidade não leva ao fechamento, mas à compatibilização entre diversos
valores.”55
Nesses moldes, registra MARCELO MARTINS ALTOÉ, que os
valores políticos, jurídicos e éticos vêm determinados na Constituição, sempre
na forma de normas constitucionais que podem ser tanto regras como
princípios56.
Contudo, considerando a amplitude da discussão e os diversos
caminhos que podem ser percorridos em face da complexidade contextual, o
presente trabalho seguirá a teoria de RONALD DWORKIN ,ROBERT ALEXY
MARCELO ALTOÉ, para quem os princípios e regras se distinguem por sua
qualidade, pela força da estrutura da norma, e não em razão apenas de sua
estrutura.
1.1.2. Princípios Constitucionais Genéricos
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, constitui-se num Estado
Social Democrático de Direito cujo arcabouço lógico, interpretativo e
sistemático, decorre da Constituição Federal promulgada em cinco de outubro
54
Ib., p. 61. 55
Valores e Princípios Constitucionais Tributários, p. 43. 56
Direito versus Dever Tributário. Colisão de direitos fundamentais, p. 52.
22
de 1988, após longo período, desde fevereiro de 1987, com a instauração da
Assembléia Nacional Constituinte.
Nesses quase vinte e cinco anos de vigência, muitas coisas foram
alteradas e modificadas e até mesmo inovadas através de setenta e uma
emendas, a última datada de vinte e nove de novembro de 2012, que
representaram as modificações, alterações, reparos e também as inovações no
ordenamento jurídico brasileiro.
Os fundamentos da República, todavia, permanecem inalterados
em razão até da opção constitucional de calcar todo o ordenamento
constitucional em fundamentos de tamanha amplitude para o Estado Social de
Direito, e cuja eventual alteração poderia comprometer a higidez de todo o
sistema constitucional.
Tais fundamentos consubstanciam-se na a soberania; na
cidadania; na dignidade da pessoa humana; nos valores sociais do trabalho, na
livre iniciativa; e, no pluralismo político.
O fundamento da “dignidade da pessoa humana”, para trabalhar
com um preceito que contribui efetivamente com o presente trabalho,
representa não só objetivos do sistema constitucional, mas verdadeiros direitos
fundamentais das pessoas.
A dignidade humana é que unifica os direitos e garantias
fundamentais de cada cidadão. Como assinalada JOSÉ ALFREDO DE
OLIVEIRA BARACHO, a dignidade humana, juntamente com a definição de
justiça, passaram a ocupar lugar de destaque na própria democracia eleita pelo
modelo de Estado, sendo essa, portanto, diretriz essencial ao modelo
contemporâneo de Estado Social Democrático de Direito57.
É justamente esse fundamento que garante a higidez do modelo
de Estado, afastando o predomínio das concepções individualistas que
marcaram o Estado Liberal e, ao mesmo tempo, resguardando o homem do
57
Teoria da Constituição, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (Coord.), As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo, p 279.
23
predomínio das concepções do próprio Estado provedor, garantindo as
liberdades e as individualidades, mas de maneira com que o direito possa
sopesar e resguardar aquilo que fundamenta a Constituição, seus valores e
postulados.
Há, ainda, na medida em que os fundamentos constitucionais
deram o “pontapé inicial” ao modo como operaria o ordenamento jurídico
inaugurado pelo Sistema Constituição do Estado Social de Direito, os objetivos
fundamentais da nova ordem constitucional, revelados no próprio texto, como
aqueles que devem construir e garantir uma sociedade justa e solidária; além
de reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos.
Então, na análise da Constituição o que desperta atenção são os
princípios nela consagrados e, resumidamente, são esses os princípios
fundamentais da Republica Federativa que adotou o modelo Social
Democrático de Direito. Nesse diapasão, talvez seja conveniente trazer à baila
o registro de IHERING, para quem a defesa do direito é um dever da própria
conservação moral58.
Mas, antes de discorrer acerca de alguns importantes e essências
princípios constitucionais genéricos, cabe uma breve incursão acerca dos
princípios e das regras, questão fulcral, embora não seja essa a preocupação
central deste estudo, razão pela qual esse ponto não será objeto de análise de
grande profundidade. De início, apenas para consignar, como lembra MARÇAL
JUSTEN FILHO, “trata-se, essa, de uma das maiores preocupações da
doutrina nos últimos anos”.59
O ordenamento jurídico é formado por um conjunto encadeado de
normas que buscam validade na Constituição e por isso é que dizemos ser ela
a Lei Fundamental num Estado. “Mas mesmo na Constituição existem normas
mais importantes e normas menos importantes...” afirma ROQUE ANTONIO
CARRAZZA, que continua registrando que “... as normas constitucionais não
possuem todas as mesmas relevâncias, já que algumas vinculam simples
58
A Luta..., op. cit., p. 19. 59
Curso de Direito Administrativo, p. 111.
24
regras, ao passo que outras, verdadeiros princípios. Os princípios são as
diretrizes, isto é, os nortes, do ordenamento jurídico.”60
As normas cogitam o conjunto de princípios e regras. Tais
normas, por sua vez, compõem um repertório que guarda entre si uma relação
sistêmica. Os princípios são os verdadeiros alicerces desse sistema jurídico,
são eles normas de caráter especial. Na visão de JOSÉ SOUTO MAIOR
BORGES, os princípios não são diferentes das demais normas, apenas
possuem um âmbito de validade maior, na medida em que passam a informar
todas as demais normas do sistema, exercendo verdadeiro papel de “norma
jurídica qualificada”.61
Os princípios constitucionais merecem uma menção especial, até
porque o conteúdo revelado por eles deve ser perquirido pelo intérprete,
sempre. CELSO RIBEIRO BASTOS assinala que servem eles de norte para a
atividade interpretativa e, justamente por isso, têm relação com o que se pode
chamar de valores constitucionalmente adotados62.
O enfoque é o mesmo na visão do professor HUMBERTO ÁVILA,
que vê nos princípios prescrições dirigidas a todos os operadores do direito,
estabelecendo, com isso um estado ideal de coisas para cuja realização é
necessária a adoção e comportamentos que provocam efeitos que contribuem
para a promoção próprio ordenamento63.
Contudo, com objetivo de não estabelecer polêmica acerca do
tema de suma importância como os princípios, tomar-se-á emprestado os
dizeres de RONALD DWORKIN, para quem os princípios são um conjunto de
padrões que não são regras, mais precisamente, um padrão que deve ser
observado independente de qualquer coisa, na medida em que é uma
exigência de justiça ou equidade ou outra dimensão da moralidade64.
60
Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 30. 61
Apud, JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 37. 62
Hermenêutica..., op. cit., p. 144. 63
Segurança Jurídica – Entre permanência, mudança e realização no direito Tributário, p. 112-113
64 Levando os Direitos a Sério, p. 36.
25
Afinal de contas, dão eles “vida a estrutura e conferem unidade ao
texto constitucional determinando-lhes às diretrizes fundamentais, eis que se
irradiam influenciando na interpretação, na determinação de conteúdo e até
mesmo tornando inconstitucionais leis que estejam a liberar comandos que
conflitem os princípios.”65
A compreensão da Constituição enquanto sistema integrado
anseia por um conjunto interligado e harmonioso, que tem por escopo a
efetivação de políticas eleitas fundamentais por uma sociedade.
Justamente para que isso seja possível é que a Constituição foi
concebida como um sistema adaptado de normas que se dividem em princípios
e regras. Ressalva que se faz, todavia, é a mesma registrada por MARCELO
ALTOÉ, ou melhor, “... princípio e regras são espécie de normas jurídicas. Tal
distinção, entretanto, é alvo de controvérsias, não existindo, tanto na doutrina
nacional como na estrangeira, qualquer unanimidade sobre o assunto.”66
Etimologicamente, registra ROQUE ANTONIO CARRAZZA, o
termo princípio vem do latim (principii) e encerra a idéia de origem, começo,
fundamento, base. Em linhas gerais, lembra o professor da PUC/SP, é o ponto
de partida e o fundamento de qualquer processo67.
Em DWORKIN, a diferença elementar entre um e outro é a
dimensão de importância, na medida em que as regras são aplicadas de forma
“ou tudo ou nada” ao passo que os princípios não se anulam, mas em cada
situação assumem “pesos” diferenciados que justificam a aplicação daquele ou
daqueloutro68.
A diferença, portanto, é de natureza lógica e a distinção se dá
quanto à natureza da orientação que oferecem.
Tanto Dworkin quanto Alexy são representantes da tese da separação qualitativa entre regras e princípios, que advoga que a distinção entre ambas espécies de normas é de caráter lógico, Uma alternativa a essa tese é aquela que defende que a distinção entre
65
CELSO RIBEIRO BASTOS. Hermenêutica…, op. cit., p. 208. 66
Direito versus..., op. cit., p. 54. 67
Curso de Direito..., op. cit., p. 30-31. 68
Id.
26
ambas é de grau, seja de grau de generalidade, abstração ou fundamentalidade.
69
Isso não quer dizer que não existam conflitos entre princípios,
mas sim que uns complementam os outros e, dessa forma, cada princípio
fornecerá uma resposta relevante para um problema jurídico específico,
fornecendo uma razão em favor de uma solução, mas sem dizer a resposta.
Caberá, portanto, ao intérprete avaliar os princípios conflitantes e
chegar a uma resposta, não se podendo simplesmente anular os demais como
se não fizessem parte do ordenamento.
Por óbvio, as regras também podem estar em conflito, mas nesse
caso, a decisão é pela regra válida e isso afeta de forma dramática o conjunto
a ser decidido.
Em que pese tanto os princípios como as regras sejam genéricos,
ponto que merece atenção é o fato de que as regras regulam situações
específicas apresentadas, enquanto os princípios comportam, em seu
arquétipo, uma generalidade que contempla uma série indefinida de
aplicações. Os princípios, então, justificam as regras estabelecidas.
Em ROBERT ALEXY os princípios são como “mandados de
otimização” que são caracterizados pelo simples fato de poderem ser
cumpridos em diferentes graus 70.
WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR corrobora ressaltando-os
como a “norma das normas.”71
Os princípios se resolvem, portanto, no contexto deontológico
onde não há invalidade, mas sim importância numa ou noutra circunstância
posta em conflito. MARÇAL JUSTEN FILHO bem complementa, consignando
que a regra traduz uma solução concreta e definida, refletindo escolhas
instrumentais, ao passo que os princípios indicam uma escolha axiológica, que
69
HUGO DE BRITO MACHADO, Direitos Fundamentais do Contribuinte e a Efetividade da Jurisdição, p. 41.
70 Teoria dos Direitos Fundamentais, “passim”.
71 Probidade Administrativa, p. 14.
27
pode concretizar-se em diversas alternativas concretas. Em regra, lembra o
professor paranaense, “a regra torna válida uma solução determinada,
enquanto o princípio impõe a invalidade de soluções indeterminadas.”72
Isso quer dizer, ao contrário das regras, que os princípios são
aplicados em face do “peso” que assumem numa dada situação; ou melhor, a
decisão de afastá-lo não o invalida, eis que o problema se resolve através da
importância que ele representa em um determinado caso concreto. A resposta
é a ponderação, sendo certo afirmar que a opção será por aquele de maior
“carga” no caso em exame.
Nesse contexto, princípios e regras se diferenciam quanto à forma
de resolução dos conflitos. Aqueles se resolvem pelo sopeso entre uns e outros
aplicáveis no caso específico, não havendo que se falar em prevalência perene
de um em relação ao outro, na medida em que a dado princípio pode
“prevalecer” sobre outro apenas diante condições concretas apresentadas.
Essa é a tese mais difundida na doutrina, mas seja como for, o
importante é a fundamentalidade dos princípios e sua ampla gama de
efetivação e importância no sistema jurídico. É nesse diapasão, inclusive, que
WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR registra que os princípios jurídicos
funcionam como que um fator de aproximação entre o Estado e a sociedade,
servindo, como conseqüência lógica, de elemento essencial para a própria
conquista da legitimidade e produção de normas jurídicas subalternas73.
No mesmo sentido anota CELSO ANTONIO BANDEIRA DE
MELLO, para quem os princípios são os mandamentos nucleares do sistema.
Talvez por isso, o mesmo autor tenha assinalado que violar um princípio é
muito mais grave que transgredir uma norma qualquer74.
Daí, pode-se dizer que os princípios são verdadeiros alicerces do
sistema. Suas disposições irradiam-se através do ordenamento, servindo de
72
Curso de Direito..., op. cit., p. 111. 73
Probidade..., op. cit., p. 14. 74
Curso de Direito Administrativo, p. 476.
28
critério para a exata compreensão e interpretação das normas, dando
racionalidade, lógica e sentido harmônico ao sistema75.
O sistema jurídico necessita de princípios (ou valores que eles exprimem) como os da liberdade, dignidade, democracia, Estado de direito; são exigência de optimização abertas a várias concordâncias, ponderações, compromissos e conflitos. Em virtude de sua ‘referência’ a valores ou da sua relevância ou proximidade axiológica (da ‘justiça’, da ‘idéia de direito’, dos ‘fins de uma comunidade’), os princípios têm uma função normogenética e uma função sistêmica: são o fundamento de regras jurídicas e têm uma idoneidade irradiante que lhes permite ‘ligar’ ou cimentar objetivamente todo o sistema constitucional.
76
Os princípios constitucionais genéricos, por óbvio, devem ser
percebidos através do exame do ordenamento constitucional, sem que se deixe
de lado a idéia do pensamento sistêmico de LUHMANN, a centralidade da
Constituição e sua auto-referência.
Todavia, o presente trabalho tem como foco as peculiaridades
tributárias, sendo coerente afirmar, por óbvio, que os princípios genéricos aqui
selecionados têm relação direta com a influência exercida no estudo científico
do Direito Tributário.
Não se pretende exaurir todos os princípios constitucionais, até
porque o presente estudo não se presta a esse fim, seja pela modéstia, seja
pela dimensão que isso comportaria.
Nesse passo, cumpre dar seqüência ressaltando o emérito
professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA, para quem a conformação dos princípios
privilegia aqueles que não podem ser tocados, nem mesmo por reforma
constitucional, o que leva o jurista a tipificá-los como princípios superiores,
elencados pela Constituição no art. 60, §4º. O professor da Universidade
Federal do Paraná os coloca no patamar de “primeiros princípios do sistema
constitucional brasileiro”, elencando, nesse passo, o Princípio Federativo (art.
75
LEDA DE OLIVEIRA PINHO, O conteúdo Normativo do Princípio da Solidariedade no Sistema da Seguridade Social, in LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON e JOÃO BATISTA LAZZARI (Coord.), Curso Modular de Direito Previdenciário, p 39.
76 JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, p. 1163.
29
1º); Princípio da República (art. 1º); Princípio da Democracia (art. 1º); Princípio
da tripartição de poderes (art. 1º); e os Princípios dos Direitos fundamentais
(art. 5º)77.
A designação “primeiros” decorre da própria condição topográfica,
na medida em que são enunciados já nos primeiros dispositivos constitucionais
que os elegem como primordiais. Além disso, são eles princípios de limitações
materiais explícitas, imunes até ao “poder constituinte reformador”, que
conhece limitações constitucionais expressas, eis que sob o controle de
constitucionalidade.
Interessa dizer que tais orientações principiológicas são cláusulas
pétreas o que, de certa forma, confere estabilidade e segurança ao
ordenamento jurídico. Tais princípios, como lembra CELSO RIBEIRO BASTOS,
têm caráter informador e acabam por amparar a própria função interpretativa78.
Sendo objeto do mundo da cultura, o direito e, mais particularmente, as normas jurídicas estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico, invariavelmente presente na comunicação normativa, experimenta variações de intensidade de norma para norma, de tal sorte que existem preceitos fortemente carregados de valor e que, em função do seu papel sintático no conjunto, acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vector de compreensão de múltiplos segmentos. Em Direito, utiliza-se o termo “princípio” para denotar as regras que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma.
79 80
E, como lembra JOSÉ ROBERTO VIEIRA, convocando
OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, “voltemos os olhos para os
primeiros princípios, o arquiteto, ao construir um prédio, mais se deve
77
Medidas Provisórias em Matéria Tributária: As Catilinárias Brasileiras, p. 47. 78
Hermenêutica..., op. cit., p. 221. 79
PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 141-142. 80
A partir dessa reflexão, o uso da palavra “princípio” pode denotar usos distintos, seja ele como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; como os valores insertos nas regras jurídicas de posição privilegiada; e como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia. Nos dois primeiros casos se tem “princípios” como “norma”, no terceiro como “valor” e no quarto como “critério objetivo”. (Id., p. 142).
30
preocupar com a solidez dos alicerces que com as cores vistosas das
paredes.” Afinal de contas, só se conhece algo se as suas causas são
conhecidas, se os fundamentos são dominados81.
Mas, então, quais seriam os princípios gerais?
Para JOSÉ ROBERTO VIEIRA, são os princípios: federativo, da
república, da democracia, da tripartição de poderes e relativos aos direitos
fundamentais. CELSO RIBEIRO BASTOS não destoa, elencando os princípios
da igualdade, da justiça, da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Os
denomina Princípios Gerais do Direito, resguardando uma natureza jurídica de
valores, em que pese sem criar uma efetiva diferenciação entre o que chama
de princípios gerais do direito e princípios constitucionais, na medida em que
ambos se apresentam generalistas absolutos82 83.
Nesse contexto, ao que tudo indica, pode-se dizer que os
princípios genéricos constitucionais seriam: o federativo; o da república; o da
igualdade (que alberga o princípio da democracia); e o princípio do Estado de
Direito (que abrange o princípio da tripartição de poderes e os princípios dos
direitos fundamentais, em especial o da liberdade, da justiça e da dignidade).
Não é difícil confirmar a prevalência de tais princípios, na medida
em que estariam eles aptos a cumprirem os objetivos da Nação, quais sejam: o
de construir uma sociedade livre, justa e solidária, que possa se desenvolver
com parâmetros atinentes à redução de desigualdades sociais e promover o
bem de todos84.
Fato é que muitos são os princípios constitucionais gerais, sendo
prudente consignar que no presente trabalho o escopo foi o de considerar os
de maior expressividade. Para isso, tomemos como direção o professor
PAULO DE BARROS CARVALHO que elenca os princípios genéricos
81
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 186-187. 82
Hermenêutica..., op. cit., p. 222-224. 83
“Enquanto princípios gerais do direito ou princípios constitucionais, a verdade é que são estes enunciados constitucionais que permitem melhor caracterizar a Constituição e compreendê-la.” (Ib., p. 226).
84 Vide art. 3º, da Constituição Federal de 1988.
31
constitucionais como sendo o princípio da justiça, o princípio da segurança
jurídica, o princípio da igualdade e da legalidade85.
Enfim, há que se ter em mente que quando do estudo de qualquer
segmento do Direito, o foco deve prevalecer nos alicerces do sistema jurídico
que remete ao direito constitucional. Isso porque, como registra JOSÉ
ROBERTO VIEIRA, “as normas constitucionais são logicamente anteriores às
normas de qualquer outro ramo jurídico, para as quais inclusive desempenham
o papel de supedâneo legitimador.”86
Além disso, o ordenamento jurídico revela um conjunto integrado
de elementos que se inter-relacionam, formando um sistema que busca sua
referência nos princípios constitucionais, estejam explícitos, ou não.
Como assinala ROQUE CARRAZZA, os princípios possuem
função especificadora dentro do ordenamento jurídico, e, por isso,
menosprezá-los pode representar a quebra de todo o sistema. O professor
registra, ainda, que são os princípios constitucionais genéricos que dão
coerência ao sistema, sendo certo afirmar que são eles responsáveis pela
estrutura e coesão do ordenamento jurídico87.
E não é por outra razão que alguns princípios constitucionais
genéricos serão relacionados e individualizados a seguir, eis que, ao que nos
parece, fundam o sistema jurídico como um todo, irradiando seus efeitos por
todo o ordenamento que se diz social democrático de direito.
Enfim, como registrou JOSÉ ROBERTO VIEIRA em sua tese de
doutorado, “não poderia ser outro, portanto, o nosso ponto de partida: os
princípios do nosso sistema constitucional”; mas com suas peculiaridades e
especificidades atinentes a matéria tributária, eis que objeto deste modesto
trabalho, de modo que os contornos constitucionais selecionados possam
ambientar o presente estudo, influenciando o que será objeto de análise
aprofundada: a Contribuição Previdenciária das empresas destinada a
85
Curso..., op. cit., p. 145-155. 86
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 39. 87
Curso de Direito..., op. cit., p. 40-41.
32
Seguridade Social, em especial aquela incidente sobre o pagamento ou o
crédito dos rendimentos do trabalho pagos pelas empresas aos que lhe
prestaram serviços, em consonância com o princípio da legalidade88.
JOSÉ ROBERTO VIEIRA já elencava, dentre “primeiros princípios
do sistema constitucional brasileiro”, os princípios da federação e o
republicano. Da mesma forma, ROQUE CARRAZA cita-os como aqueles que
têm projeção e pertinência no sistema jurídico.
De início, importa dizer que nos termos da Constituição Federal
de 1988 (art. 1º), o Brasil é uma República: tipo de governo fundado na
igualdade formal das pessoas, onde os detentores dos poderes políticos os
exercem em caráter representativo e em função de mandato eletivo e
transitório outorgado pelo povo.
Nesse modelo há que se privilegiar a igualdade, na medida em
que não podem haver distinções entre as pessoas, até porque, não devem
existir vantagens em face do privilégio de classes. Enfim, partindo da premissa
da igualdade, não há como se deferir tratamentos diferenciados em razão de
privilégios de nascimento ou classe econômica.
O cerne é a igualdade, e, portanto, o princípio é fulcral na
organização política do Estado. Talvez por isso possa se dizer que tal princípio
é integrante da noção republicana.
Mas esse Estado não é o senhor de todos os cidadãos, senão
apenas o responsável por resguardar e proteger seus interesses. Nesse
contexto, na República todos são iguais perante a lei e detentores da mesma
dignidade social. Daí decorre a igualdade formal e a democracia
representativa, onde a assertiva que se reproduz é aquela onde todo poder
emana do povo que o exerce por meio de seus representantes eleitos na forma
da Constituição.
É a partir deste princípio que a Constituição proclama como
objetivo fundamental a garantia de uma sociedade justa e digna.
88
Medidas Provisórias..., op. cit., p. 46.
33
Nesse tom, diga-se, que é possível extrair-se do Princípio
Republicano, o Princípio da Justiça, de PAULO DE BARROS CARVALHO e
CELSO RIBEIRO BASTOS.
Seria tal princípio, então, uma diretriz suprema do ordenamento;
capaz de se caracterizar como um “lugar comum”89?
Como bem registra GERALDO ATALIBA, o princípio da República
é o mais importante e decisivo do direito público. É por isso que o regime
político em que os exercentes de funções políticas representam o povo com
responsabilidade e mediante mandato periódico, retrata a igualdade e a
democracia90.
Além do princípio da igualdade (PAULO DE BARROS
CARVALHO e CESO RIBEIRO BASTOS), “a norma jurídica de maior
envergadura constitucional que serve de apoio à Legalidade são os princípios
da república e da própria democracia.”91
Talvez por isso, CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA tenha
registrado que o princípio da República e o Democrático condicionam-se,
reciprocamente, na medida em que estariam fundidos e condenados a serem
tomados numa expressão única e indissociável: que seria a República
Democrática92.
Outro princípio de grande importância ao Direito Tributário é o
Princípio Federativo. A própria Constituição assegura ser o Brasil não apenas
uma República, mas uma República Federativa. A Federação, diferentemente
da República, é forma de governo que influencia no exercício das
competências tributárias, por exemplo.
O Princípio da Federação integra a parte mais íntima da
Constituição. Dele deflui, por corolário, a isonomia dos entes políticos,
89
PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 145. 90
Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 203. 91
Ib., p. 187. 92
Ib., p. 206.
34
assegurando, com isso a autonomia das pessoas políticas de direito
constitucional93.
É o que PAULO DE BARROS CARVALHO denomina “princípio de
isonomia das pessoas constitucionais” onde fica assegurada a autonomia
recíproca dos entes políticos, de modo que se seja resguardado um Estado
descentralizado, onde todos entes membros possam conviver de forma pacifica
e harmônica em respeito à Constituição, suas prerrogativas e limitações94.
A união entre Estados e União cria um “novo Estado”, diverso dos
Estados membros, e isso assegura, ao mesmo tempo, tanto a autonomia
particular de cada um dos entes políticos, mas também assegura que as
competências constitucionais sejam observadas e respeitadas reciprocamente.
Isso importa dizer que Estados e União ocupam o mesmo plano hierárquico,
ficando a diferença apenas nas competências distintas que cada qual recebeu
da Constituição da República.
Outro importante, dentre os denominados “primeiros princípios do
sistema constitucional brasileiro”, é o princípio dos direitos e garantias
fundamentais95. Na mesma linha segue ROQUE CARRAZZA que, além dos
princípios da República e Federativo prioriza os Direitos Fundamentais,
ressaltando-os na figura dos princípios da legalidade e da segurança jurídica
principalmente.
Com relação à legalidade, destaque para a dicção do texto
constitucional onde “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza.” (art. 5º, II)
As limitações impostas pelas leis deixaram de lado a
discricionariedade dos modelos despóticos, para estabelecer o princípio da
legalidade como limitador do poder do Estado. Essa diretriz assume a condição
93
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Imposto sobre Produtos Industrializados: Atualidade, Teoria e Prática, in PAULO DE BARROS CARVALHO (coord.), Justiça Tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário, p. 527.
94 Ib., p. 151.
95 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 46.
35
de “aspiração genérica dos povos” e, portanto, tem validade indistinta perante
todos96.
Nesse contexto, somente a lei tem o condão de impor uma dada
conduta ou limitar o exercício de um dado direito subjetivo. Por conta disso, no
Brasil, somente a lei pode compelir as pessoas a agir de maneira tal, fazer ou
deixar de fazer alguma coisa. O princípio da legalidade, portanto, a partir dessa
premissa, permeia todo o Direito97.
Isso se aplica a todos, inclusive ao Estado que fica obstado de
agir com arbítrio em suas relações com o indivíduo. Mais precisamente,
diferente do que ocorre com as pessoas, onde a liberdade é vasta até que a lei
imponha óbice, o Estado só age nos termos da lei.
A legalidade funciona como princípio geral de direito, e, no campo
do exercício da pretensão punitiva, por exemplo, é dado ao Estado agir sempre
nos limites determinados pelo ordenamento jurídico. Isso implica dizer que no
Estado Social Democrático de Direito não é lícito ao Estado agir se não nos
contornos da lei.
Para o professor DANIEL FERREIRA a legalidade é marco crucial
do modelo de Estado Social de Direito, de modo que a ninguém será imposta
uma obrigação sem prévia cominação legal, ou seja, a atuação estatal,
qualquer que seja, ficará circunscrita às possibilidades legalmente
constituídas98.
PAULO DE BARROS CARVALHO chega a afirmar não ser
possível pensar no surgimento de direitos subjetivos e de deveres correlatos
sem que a lei o estipule, registrando, ainda, que a diretriz da legalidade tem
posição privilegiada99.
96
SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de Direito Tributário Brasileiro, p. 216. 97
“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...).” (Constituição Federal de 1988).
98 DANIEL FERREIRA, Sanções Administrativas, “passim”.
99 Curso..., op. cit., p. 149.
36
Nesse contexto, somente a lei tem o condão de impor uma dada
conduta ou limitar o exercício de um dado direito subjetivo. Ensina ROQUE
CARRAZZA que o “Estado de Direito limita os poderes públicos, isto é,
concretiza-se numa proibição em desfavor das pessoas e por isso, nele, a
constituição vincula o administrador, o juiz e até o legislador.”100
Ao que tudo indica, é inviável imaginar um Estado Social de
Direito sem a limitação dos poderes públicos, até porque a Constituição vincula
não só os administrados, mas também os administradores.
A própria República é reafirmada através do princípio da
legalidade, e vice-versa, haja vista que o Estado não é o senhor de todos os
cidadãos, eis que todo poder emana do povo que o exerce por meio de seus
representantes eleitos na forma da Constituição. As restrições devem sempre
ser estabelecidas através da lei, que, por sua vez, deve ter caráter genérico e
igualitário, sempre preservando os interesses dos mandatários do poder: o
povo.
É intuitivo que no sistema da civil law, como é o sistema brasileiro,
a consolidação do ordenamento se dê através de regras rígidas, e, dentre elas,
aquela que regula a relação entre Estado e particular, impondo limites
intransponíveis.
Registra DANIEL FERREIRA que o modelo de Estado
Democrático Social de Direito trouxe para os brasileiros uma série de garantias,
dentre elas os princípios fundamentais. Esse mesmo modelo de Estado
inaugurou alguns mandamentos nucleares que são expressos e, muitas vezes,
implícitos. Com relação ao princípio da legalidade: trata-se do cerne do Estado
de Direito, fixando os limites para a regular o exercício do poder e das relações
entre Estado e particular. Trata-se e princípio geral do direito essencial ao
modelo de Estado Social de Direito, além de poder ser considerado um vetor
interpretativo constitucional101.
100
Curso de Direito..., op. cit., p. 215. 101
DANIEL FERREIRA, Teoria Geral da Infração Administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, “passim”.
37
Se é óbvia a importância do princípio da legalidade, também o é o
princípio da segurança do direito.
Aqui há certeza de que o direito incidirá, não porque logicamente
necessário, mas pelo fato de que o Estado Social de Direito impõem essa
assertiva, sempre com base em regras claras, precisas e antecipadamente
noticiadas. Trata-se da segurança da realização do direito, até porque cabe a
esse direito a busca pela realização dos valores fundamentais da humanidade,
dentre os quais merece especial destaque a segurança.
Com esse entendimento, HUGO DE BRITO MACHADO aclama
que a segurança é um dos valores fundamentais da humanidade e que ao
direito cabe preservar102.
PAULO DE BARROS CARVALHO vai além, atribuindo ao
Princípio da Segurança Jurídica a função de coordenar as relações inter-
humanas, mas no sentido de propagar na sociedade o sentimento de
previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos de uma dada conduta ou outro ato
qualquer103.
Talvez por isso a segurança jurídica mereça ser preservada a
qualquer custo, eis que é condição essencial à existência de quaisquer
relações intersubjetivas harmoniosas104.
A segurança jurídica pode apresentar-se como objetivo de
promoção da própria justiça, da igualdade e também da liberdade como bem
registrou ANTÓNIO MARCOS. Citado autor realça o princípio da segurança
jurídica a uma condição de possibilitar a inviolabilidade dos bens jurídicos
fundamentais do regime do Estado Social de Direito, até porque, a segurança
permite ao cidadão desenvolver seus atributos existenciais, na medida em que
tem ela condições de poder conhecer, antecipadamente, as conseqüências de
seus atos105.
102
Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 1. 103
Curso..., op. cit., p. 147. 104
HUGO DE BRITO MACHADO, Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 3. 105
O Direito dos Contribuintes à Segurança Jurídica, p. 83.
38
Na mesma linha de raciocínio, diga-se que a segurança jurídica
tranqüiliza os cidadãos, permitindo que as coisas futuras, até certo ponto,
possam ser planejadas e antecipadas. Para isso é essencial que se conheçam
não somente as normas jurídicas, mas também seus efeitos, condições e
conseqüências tanto mediatas como imediatas. O cidadão, portanto, deve
conhecer e estar confiante do modo pelo qual as normas do direito irão se
realizar106.
JOSÉ ROBERTO VIEIRA lembra que a segurança jurídica é
proclamada já no preâmbulo da Constituição Federal de 1988 como um dos
valores supremos da sociedade brasileira107.
Talvez por sua importância, o Princípio da Segurança Jurídica
integre a condição de direito fundamental na Constituição de 1988,
influenciando a todos, indistintamente, na condição onipresente. É nesse
contexto que RICARDO LOBO TORRES atribui ao princípio da segurança
jurídica o status de valor básico do Direito108.
Valor básico porque é praticamente impossível de se imaginar um
Estado Social Democrático de Direito sem que seja assegurado ao cidadão a
garantia de que não será ele surpreendido pela supressão de seu patrimônio
em face da tributação, por exemplo. Valor básico porque é indispensável para
que as pessoas não fiquem a mercê do arbítrio dos entes políticos. O cidadão,
portanto, deve se desenvolver no contexto de determinados paradigmas que a
Constituição minuciosamente traçou109.
É a partir da idéia de que o princípio da segurança é onipresente
e oponível a todos, que ROQUE ANTONIO CARRAZZA registra estar implícito
na Constituição que o Estado deve não só reconhecer e considerar invioláveis
106
PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 147. 107
Medidas Provisórias Tributárias e Segurança Jurídica: A Insólita Opção Estatal pelo “Viver Perigosamente”, In AIRES FERNANDINO BARRETO, et al, Segurança Jurídica na Tributação e Estado de Direito, p. 318.
108 Liberdade, Segurança e Justiça no Direito Tributário, In PAULO DE BARRROS
CARVALHO (coord.), Justiça Tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário, p. 679.
109 ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso de Direito..., op. cit., p. 348.
39
os direitos constitucionalmente previstos, como também garanti-los, fazendo
com que sejam por todos respeitados110.
A idéia central da segurança jurídica, como já salientado, é,
portanto, a implantação de um valor específico que coordene as interações
humanas, no sentido de propagar o sentido de previsibilidade.
Da mesma forma, portanto, pode-se dizer que a vida em
sociedade é possível somente se além da previsibilidade, for coerente e
conhecida a forma através do qual as normas são operadas, bem como se
houver certeza do tratamento normativo dos fatos já corridos e consumados.
“Quanto ao passado, não pode a lei retroagir. Quanto ao futuro, deverá a lei,
previamente defini-lo. Por irrecusável, veja-se a conexão com as necessidades
cada vez mais presentes do princípio da segurança jurídica.”111
A essência, portanto, é possibilidade de previsão objetiva, ou
melhor, a meta seria a de assegurar aos cidadãos uma expectativa precisa de
seus direitos e deveres em face da lei. Assim, é importante que, na dimensão
formal, o cidadão saiba de antemão quais normas estão vigentes; e, na
dimensão material, a exigência da demanda deve resguardar, em certa
medida, a clareza para os destinatários da regulação112.
O princípio da segurança jurídica visa, designadamente, garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas tributárias e deve presidir à solução dos conflitos de direito intertempral, obrigando a Administração na sua ação futura e impondo-se como exigência ao próprio legislador. Protege-se, desse modo, o contribuinte dos abusos e da volubilidade da Administração, garantindo-lhe um estatuto onde radica a segurança jurídica.
113
Trata-se de “sobreprincípio” uma vez que em valor sobrejacente,
ou seja, caracteriza-se por impor a realização de um ideal mais amplo, que
engloba outros ideais mais restritos. Nesse sentido destaque para HUMBERTO
ÁVILA, para quem o princípio da segurança jurídica tem duas formas: uma que
110
Ib., p. 361. 111
SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de Direito..., op. cit., p. 215. 112
HUMBERTO ÁVILA, Sistema Constitucional Tributário brasileiro, p. 310. 113
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 187.
40
segue a interpretação do princípio maior do Estado de Direito; e outra que pela
interpretação indutiva de outras regras constitucionais como direito adquirido,
coisa julgada, regras de legalidade, anterioridade e irretroatividade114.
É “valor supremo” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA)115; “certeza e
garantia dos direitos” (RICARDO LOBO TORRES)116; “certidumbre Del derecho
y eliminación de La arbitrariedad” (EUSEBIO GONZÁLVEZ GARCÍA)117;
“estabilidade e previsibilidade de modo a possibilitar aos indivíduos o
conhecimento dos seus direitos e deveres” (ANTÓNIO MARCOS)118; mas,
acima de tudo, alcança a o status negativo quando limita o Estado, e, ao
mesmo tempo, a faceta positiva, eis que dependente da proteção desse
mesmo Estado.
Ainda que estejamos a tratar dos princípios constitucionais
genéricos, não se pode deixar de lado o fato de que o presente trabalho tem
como escopo o Direito Tributário, não havendo razão para escapar aos
princípios genéricos atinentes ao ambiente tributário.
É nesse passo que uma organizada coleção de princípios quase
que irretocável, fora difundida por ROQUE ANTONIO CARRAZZA, que
enumera os princípios republicano, federativo, da legalidade e da segurança
jurídica.
Todavia, resta o princípio da igualdade, talvez esquecido pelo
citado autor quando da seleção dos princípios gerais, em seu “Curso de Direito
Constitucional Tributário”, mas que a concepção de República acaba por
assumir em face da presença da isonomia como bem pontua JOSÉ ROBERTO
VIEIRA119.
114
Sistema Constitucional..., op. cit., p. 39. 115
Princípios Constitucionais e Estado de Direito. Revista de Direito Tributário, nº 54, p. 98.
116 Liberdade, Segurança..., op. cit., p. 686.
117 Relaciones entre los Principios de Seguridad Jurídica y Legalidad, In PAULO DE
BARRROS CARVALHO (coord.), Justiça Tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário, p. 149.
118 O Direito dos Contribuintes..., op. cit., p. 87.
119 Medidas Provisórias..., op. cit., p. 52.
41
Aliás, o princípio da igualdade está estritamente ligado não
somente ao princípio republicano, mas ao da própria legalidade que será
analisado mais profundamente quando tratarmos do princípio da legalidade
estrita na seara tributária120.
Tal princípio está em perfeita consonância com o caput do art. 5º
da Constituição de 1988 e, segundo PAULO DE BARROS CARVALHO, a
previsão constitucional, propositalmente, é a mais larga possível, o que dá a
entender que não se está a privilegiar a igualdade formal apenas, não
desmerecendo, entretanto, sua importância num Estado Social de Direito121.
MARCO AURÉLIO MELLO, analisando o Princípio da Igualdade
em face da Constituição de 1988, registrou que aquela igualdade formal e
estática, ou seja, meramente negativa, que fora consagrada pelos constituintes,
passou a uma espécie “igualização” eficaz, dinâmica, já que os verbos
“construir”, “garantir”, “erradicar” e “promover” implicam, em si, mudança de
ótica, ao denotar ação122.
Esse é, de forma análoga, também o posicionamento do professor
da Universidade Federal do Paraná JOSÉ ROBERTO VIEIRA, para quem ‘tal
mandamento não se limita a igualar os indivíduos em face das leis.” O que se
deve buscar é a igualdade perante a lei, o que resguarda a todos um
tratamento isonômico que afasta as diferenciações discricionárias e
arbitrárias123.
A igualdade formal cria desigualdades que são intoleráveis. A
neutralidade da igualdade formal passou a ser questionada já quando se
percebeu que era ela insuficiente para ascender socialmente às pessoas
desfavorecidas, sem oportunidade, desprivilegiadas. Começou assim a
esboçar-se o conceito de igualdade material, a qual escapa do ideário formal e
abstrato da concepção igualitária do pensamento oitocentista, para um ideal
120
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 97. 121
Curso..., op. cit., p. 148. 122
Ótica Constitucional – A Igualdade e as ações Afirmativas, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (Coord.), As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo, p 39.
123 Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 97.
42
onde se leva em conta a desigualdades concretas existentes na sociedade,
devendo as situações desiguais serem tratadas de maneira
desassemelhada124.
A igualdade que se pretende, como já dito, não é aquela formal e
absoluta, na medida em que a diversidade e as próprias características
inerentes aos cidadãos impõem algumas distinções, que, de qualquer modo,
não podem ser arbitrárias e, daí, a relação ao princípio da legalidade.
Essa é a idéia que desde ARISTÓTELES relembra a importância
de uma igualdade material que consiste em tratar desigualmente os desiguais,
na medida de suas desigualdades. ROBERTO ALEXY registra, por oportuno,
que “a igualização de todos, em todos os aspectos, faria com que todos
quisessem fazer sempre a mesma coisa.”125
Mas quem são os iguais e quem são os desiguais? Essa pergunta
já fora respondida, talvez de forma plena, por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA
DE MELLO que nos faz pensar quais seriam, de fato, as discriminações
juridicamente toleráveis. Sua conclusão é a de que, “qualquer elemento
residente nas coisas, pessoas ou situações, pode ser escolhido pela lei como
fator discriminatório.”126.
Todavia, registra CELSO ANTÔNIO que existe um vínculo de
correlação lógico essencial entre a peculiaridade diferencial acolhida e a
desigualdade de tratamento em função dela, e, isso deve respeitar o que
preceitua a Constituição, ou seja, a peculiaridade diferencial deve ser
compatível com os interesses elencados na Constituição127.
Apenas a título exemplificativo, diga-se que a própria Constituição
veda que a eventual desequiparação se dê por motivo de raça, sexo, trabalho,
crença religiosa e convicções políticas.
124
JOAQUIM BARBOSA GOMES, Ações afirmativas e princípios constitucionais de igualdade: o direito como instrumento de transformação social: a experiência dos EUA, “passim”.
125 Teoria dos Direitos..., op. cit., p. 397.
126 Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, p. 11.
127 Ib., p. 17.
43
Não é qualquer tratamento desigual de casos substancialmente iguais que é vedado, mas apenas o tratamento arbitrariamente desigual de casos substancialmente iguais. O enunciado da igualdade é violado se não é possível encontrar um fundamento razoável, que decorra da natureza das coisas, ou uma razão objetivamente evidente para a diferenciação ou para o tratamento igual feitos pela lei; em resumo, se a disposição examinada tiver que ser classificada como arbitrária.
128
O que importa é saber que através do princípio da igualdade “... a
ordem jurídica pretende firmar impossibilidade de desequiparações fortuitas ou
injustificadas.”129
Com isso, em especial no campo tributário, o que se pode
assinalar é a vedação da instituição de tratamento desigual entre contribuintes
que se encontrem em situações equivalentes130. No caso da Seguridade
Social, trata-se da idéia fulcral de participação solidária entre os diversos atores
sociais habilitados a manter hígido o sistema, o que será visto em item
específico mais adiante.
Essa ótica revela que a lei deve ser precisa na determinação dos
conceitos abertos, e também quando permitir o exercício discricionário a
Administração Pública. Isso implica dizer que a lei aplica-se em todos os casos
abrangidos pela hipótese da norma, e, apenas a esses.
Nesse contexto, diga-se que o dever de igualdade reforça a
vinculação da Administração Pública às normas criadas pelo legislador, até
porque, “quem quer promover a igualdade fática tem que estar disposto a
aceitar desigualdade jurídica.”131
Passemos ao Direito posto, em especial ao Subsistema Tributário,
como adiante se fará.
128
ROBERT ALEXY, Teoria dos Direitos..., op. cit., p. 403. 129
Ib., p. 18. 130
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 98. 131
ROBERT ALEXY, Teoria dos Direitos..., op. cit., p. 417.
44
1.2. Direito Constitucional Tributário
1.2.1. Subsistema Constitucional Tributário
Até aqui, o que se viu foi que o ordenamento jurídico brasileiro
pode ser visto como um sistema de normas. Esse sistema, que definiu chamar-
se “Sistema Constitucional Brasileiro” é composto, por sua vez, por
subsistemas que se “... entrecruzam em múltiplas direções, mas que se
afunilam na busca de seu fundamento último de validade que é a Constituição
do Brasil.”132
Assim, ao se falar de qualquer segmento do direito, inclusive o
tributário, é importante que a preocupação central esteja nos alicerces, ou
melhor, na Constituição, eis que essa é anterior a qualquer ramo do direito,
desempenhando, inclusive, “papel legitimador”.133
A partir daqui, o que interessa ao presente trabalho é o
subsistema tributário, formado pelas normas constitucionais que versam sobre
a matéria atinente a esse ramo do direito.
Registra o professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA, invocando os
ensinamentos do mestre JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, que a
Constituição brasileira de 1988 assume a figura de “Constituição-Mãe”, tão
vasta é sua amplitude. Quando o contexto é o tributário, VIEIRA chega a dizer
que a Constituição “raia pelo exagero” o que, de fato, caracteriza nosso
subsistema tributário134.
Na mesma linha de raciocínio seguem os ensinamentos de
GERALDO ATALIBA, que vê no sistema brasileiro tributário, o mais rígido que
se conhece, além de complexo e extenso. Citado autor pontua que na ordem
tributária tudo foi descrito na Constituição, o que fomenta a idéia de que o
132
PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 139. 133
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 39. 134
Ib., p. 40.
45
subsistema tributário está pronto e acabado para o legislador
infraconstitucional135.
Como bem assinala EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, a idéia
de tributo é conceito fundamental para a demarcação do território coberto pelo
subsistema tributário, até porque, essa demarcação será essencial para a
definição do objeto de estudo do Direito Tributário136.
Na mesma linha, GERALDO ATALIBA conclui que tributo é
conceito fundamental do sub-ramo tributário137.
Não se pode olvidar que esse ramo do direito é didaticamente
autônomo e integrado pelo conjunto de proposições jurídico-normativas que
tem relação com a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos, ou
melhor, com a regulação da tributação. Para garantir a autonomia, GERALDO
ATALIBA assinala que o conceito de tributo, por exemplo, é um conceito
jurídico privativo do direito tributário e que não se confunde com outros setores:
financeiro e econômico138.
Mas há autonomia num sistema que se relaciona através de
subsistemas? Como ficaria, neste caso, a unidade do ordenamento? E a visão
sistêmica?
Não podemos deixar de lado a premissa de que o sistema jurídico
é caracterizado pelo caráter absoluto da unidade (PAULO DE BARROS
CARVALHO)139.
Além disso, se o sistema é conjunto de partes numa relação de
unidade (MARCELO NEVES),140 não haveria espaço para se falar em
autonomia do subsistema tributário, até porque a unidade é conferida por um
único documento, no plano positivo, que é a Constituição Federal que dá
135
Apud, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 44. 136
As Classificações no Sistema Tributário Brasileiro, In PAULO DE BARROS CARVALHO (coord.), Justiça Tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário, p. 125.
137 Hipótese de Incidência Tributária, p. 23.
138 Id.
139 Curso..., op. cit., p. 13.
140 Teoria da Inconstitucionalidade das Leis, p. 02.
46
fundamento a todas as demais normas do ordenamento jurídico, seja no campo
tributário, seja no civil, seja no penal.
O que confere unidade definitiva, portanto, ao sistema, é a
Constituição (JOSÉ ROBERTO VIEIRA)141.
É o que JOSÉ AFONSO DA SILVA esclarece quando tece
comentários acerca da impossibilidade dos elementos da Constituição
suportarem valores isoladamente, na medida em que se inserem na
modelagem de um sistema. Menciona, citado autor, que “... os elementos da
Constituição não têm valor isoladamente...”, pois, “... não se pode interpretar
uns sem ter presente a significação dos demais...”; continua, “Influenciam-se
mutuamente e cada instituição constitucional concorre para integrar o sentido
de outras, formando uma rede interprenetrante que confere coerência e
unidade ao sistema ...”142.
Autonomia, como ressalta a grande maioria dos juristas, não
ilumina o Direito Tributário, até porque, ao que tudo indica, a unidade é algo
imutável e invariável no âmbito do sistema jurídico. Entretanto, a partir das
lições de PAULO DE BARROS CARVALHO que não crê na autonomia
tributária, pode-se chegar a conclusão de que a caracterização de autonomia
meramente didática não dá margem para cisão do sistema, eis que não há
cisão do incindível, o que deixa margem á idéia de existir sim uma autonomia
ainda que meramente didática.
Essa autonomia vai somente até as proposições que tratam da
regulação do direito tributário, permitindo, com isso, que se resguarde a
unidade do sistema jurídico, deixando margem para que as articulações lógicas
e o conteúdo orgânico desse subsistema tributário (autonomia didática) sejam
vistos sempre dentro da concepção unitária do sistema jurídico143.
A existência de uma autonomia didática, tese originalmente
defendida por ALFREDO AUGUSTO BECKER, é repetida em GERALDO
141
Noção de Sistema..., op. cit., p. 62. 142
Apud. JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Ib., p. 63. 143
PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 15.
47
ATALIBA que bem registra, o que nos parece razoável, que o Direito Tributário
assume essa autonomia em vista da composição das normas que regulam a
tributação, concentrando, porém, o núcleo essencial na Constituição, o que
resguardaria a unidade essencial ao sistema jurídico.
Assim, pode-se concluir que mesmo acatando a tese de
autonomia didática, não há violação ao laço unitário do sistema jurídico. Suas
normas estão de maneira tal vinculadas ao sistema macro que não podem
dispensá-lo sem que com isso se desnaturem.
Passada essa questão, importante consignar que o subsistema
tributário encontra-se sob o influxo de diversos princípios constitucionais.
Alguns genéricos como se pôde discorrer anteriormente; outros, de maior
envergadura e já canalizados para a ordem tributária. São os princípios
constitucionais tributários, responsáveis pelo exercício da “função de maior
relevo axiológico no seio do ordenamento.”144
Enfim, como asservou JOSÉ ROBERTO VIEIRA, o sistema
Constitucional Tributário é um subsistema do Sistema Constitucional. E, além
dos princípios constitucionais genéricos já elencados, há que se ter em conta
os princípios constitucionais específicos145.
Esse, inclusive, é o posicionamento de LUCIANO AMARO, que
bem registra que o caráter relativo da autonomia do Direito Tributário, e de
qualquer outro ramo do direito, não afasta o entrelaçamento que existe no
ordenamento entre os seus vários setores146.
Como já se registrou anteriormente, no contexto do direito
Constitucional Tributário a seleção de princípios erigida por ROQUE ANTONIO
CARRAZZA, retocada pela assunção do princípio da igualdade, parece bem
posta. Cabe pontuar, por sua vez, que dentre os direitos fundamentais
CARRAZZA prioriza o princípio da legalidade e o da segurança jurídica.
144
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Bocage e o Terrorismo Constitucional das Medidas Provisórias Tributárias: A Emenda Pior do que o Soneto, In ROBERTO FERRAZ (coord.), Princípios e Limites da Tributação, p. 686.
145 IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 41.
146 Direito Tributário Brasileiro, p. 11.
48
Diante da perspectiva apertada dos citados princípios para o
presente trabalho, refletiremos acerca do Princípio da Legalidade e também da
Segurança Jurídica.
1.2.2. Princípios Constitucionais Tributários
1.2.2.1. Ensaios Sobre o Princípio da Legalidade
No Brasil, somente a lei pode compelir as pessoas a agir de
maneira tal, ou a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. O princípio da
legalidade, a partir dessa premissa, permeia todo o Direito, em especial por
conta do que preceitua o art. 5º, inciso II, da Constituição de 1988147.
Bem verdade que todo o ordenamento orbita na liberdade, mas
ela vai até onde não encontre um obstáculo previsto na lei, ou seja, pode-se
dizer que a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não viole o direito de
outrem.
Isso se aplica a todos, inclusive ao Estado, ressalvadas as
particularidades, que fica obstado de agir com arbítrio em suas relações com o
indivíduo. Mais precisamente, diferente do que ocorre com as pessoas, onde a
liberdade é vasta até que a lei imponha óbice, o Estado só age conforme a lei,
ou seja, o Poder Público age apenas como ordena a lei148.
Fato é que no paradigma do Estado Social de Direito, a realidade
não mais contempla aquela organização política unitarista e centralizadora. O
147
“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...).” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988).
148 “Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, o Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)”(BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988).
49
modelo de sociedade feudal medieval, que possuía a racionalidade centrada na
teologia, além de extrair a verdade do “divino,” cede espaço ao modelo de
Estado Liberal que, por sua vez, permitiu a emergência do modelo de Estado
Social.
O rompimento significativo do Estado Feudal deu-se com
MAQUIAVEL, que foi a figura de destaque no nascimento do Estado Liberal,
seguido de HOBBES e ROUSSEAU, os quais acabaram por aprofundar tal
modelo.
Como já registrado, a passagem do Estado Liberal para o modelo
Social foi marcada pela robustez da intervenção do Poder em inúmeras
situações da vida particular do cidadão. É por isso que é quase patente o fato
de que dentro das crises por que já passou o pensamento político, talvez a
mais expressiva tenha sido a passagem do Estado Liberal ao Estado Social.
Mas, enfim, ao passo que “não há sombra de dúvida de que ao
jurista, voltado para a compreensão do direito posto vigente, e no anseio de
contribuir para a ciência futura, não é dado olvidar as experiências pretéritas”
(JOSÉ ROBERTO VIEIRA)149; e, registrando o festejado professor da
Universidade de São Paulo, ANTONIO CANDIDO DE MELLO E SOUZA, que
no cerne de seu prestígio frisou a importância do estudo da história passada,
destacando que esse estudo, “... longe de ser operação saudosista” “... pode
ser uma arma para abrir caminho aos grandes movimentos democráticos
integrais;”150 e, ainda, pela máxima de que é conhecendo o passado do
instituto jurídico que as portas para a compreensão do presente se abrem,
cumpre repassar o contexto histórico, ainda que de maneira muito breve, da
legalidade tributária151.
O Estado absolutista fundamentou a produção do Direito e da
verdade através do “príncipe”, legitimado pela vontade de Deus e, portanto,
submetido apenas ao direito natural que, á época, não era dado contrariar152.
149
JOSÉ ROBERTO VIEIRA. Medidas Provisórias..., op. cit., p. 46. 150
Post-Scriptum, in SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, Raízes do Brasil, p. 24. 151
Ib., p. 117. 152
CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, Atividade Legislativa do Poder Executivo, p. 45.
50
Mas, voltando no tempo, pode-se dizer, pois é de certa forma
pacífico entre estudiosos do direito, que princípio da legalidade foi inaugurado
formalmente no ano de 1.215, na Inglaterra, com a promulgação da “Magna
Charta Libertatum,” do Rei João Sem Terra153. 154
Muitos dirão, contudo, que a Constituição não passou de
respostas aos comportamentos despóticos (ANDRÉ MAUROIS, ANTONIO
ROBERTO SAMPAIO DÓRIA, MARCELO CAETANO e SACHA CALMON
NAVARRO COELHO)155, e isso implicaria dizer que não pode ela ser
considerada uma conquista popular, mas sim uma vitória da classe privilegiada.
O que precisa ser frisado, porém, é o fato de que João Sem Terra contou com
um expressivo apoio popular 156.
ROSCOE POUND chegou a dizer que:
A Magna Carta estabeleceu um sistema de governo constitucional, sendo assim reverenciada como origem do órgão mais seguro de estabilidade social e política no mundo moderno e símbolo da supremacia da lei sobre órgãos do governo e das garantias do indivíduo com relação a maquina administrativa, que. Guiando-o e protegendo-o, não esmagará, o que constitui o bem de que mais se orgulham os ingleses e seus descendentes por toda parte do mundo.
[sic]. 157
Na opinião de PINTO FERREIRA, a Carta assumiu a posição de
“superlegal” e isso favoreceu para que fosse inaugurado, nas demais
constituições que foram seguindo em momentos históricos posteriores, o
princípio da legalidade158.
Como bem assinala VICTOR UCKMAR, atribui-se o nascimento
do princípio da legalidade, essencial ao Estado Social de Direito, ao fato de que
nenhuma prestação pecuniária poderia ser imposta a não ser por deliberação
153
JOSÉ ROBERTO VIEIRA. Medidas Provisórias..., op. cit., p. 103 154
Ressalva, contudo, deve ser feita em detrimento dos estudos elaborados por VICTOR UCKMAR, que em obra de elevado valor científico, elencou diversos eventos anteriores a esse. (Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário, p. 21).
155 Apud JOSÉ ROBERTO VIRIA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 106.
156 Ib., p. 109.
157 Id.
158 Id.
51
dos órgãos legislativos. O mesmo autor, entretanto demonstra que a origem é
ainda mais distante dos anos de 1.215. Na Inglaterra, já antes da Carta Magna,
o Rei arrecadava elevadas contribuições na condição de tributos, exigindo
quota parte dos vassalos que, de certa forma, poderiam recusar o
pagamento159.
Além deste, cita o ano de 1.179, onde através do Conselho de
Latrão teria se proibido os Bispos de taxar seus cleros sem o consentimento
deles. Em 1.188, para enfrentar despesas das cruzadas de Saladino, foi
deliberada cobrança de tributos aos leigos e ao clero. Na época, porém, o
próprio Rei Henrique II foi buscar consentimento dos contribuintes para a
introdução da exação. Também em 1.192, com a necessidade de se arrecadar
valor considerável para pagar o resgate de Ricardo I, prisioneiro da Áustria,
foram convocadas reuniões e assembléias para deliberar acerca da exigência
tributária. Em 1.197, lembra UCKMAR, durante o famoso debate em Oxford, foi
realizada assembléia para discutir sobre o dever de pagar tributos em
substituição ao serviço militar160.
Citando VICTOR UCKMAR, o professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA
lembra que na Espanha, já em 1.091 havia documento onde o soberano
solicitava o consentimento de seus súditos para a imposição de tributos. Da
mesma forma, na Itália, início do século XII, já haviam conselhos colegiados
que aprovavam, ou não, a instituição de tributos161.
Mas, como já salientado, foi somente com João Sem Terra, como
consagra a maior parte da Doutrina, em face da onerosidade e das injustiças
nas arrecadações de tributos, que os barões puderam se rebelar, exigindo as
concessões para a tutela de seus direitos.
Ao Rei não coube muita margem para discussão, o que culminou
na aceitação da Magna Carta e suas conseqüentes disposições. Dentre elas,
aquela que disciplinava que nenhuma exigência será tarifada aos súditos do
reinado, salvo seu consentimento. O que interessa é que desde então, ao invés
159
Princípios Comuns..., op. cit., p. 21. 160
Ib., p. 21-26. 161
Medidas Provisórias..., op. cit., p. 104.
52
do Rei ordenar e impor a cobrança, por conta de seu poder, deveria, antes,
obter consentimento dos representantes da nação.
A Carta Magna foi renovada por diversas vezes, sempre
condicionando a exigência de autorização para a imposição de pagamentos
pelos contribuintes.
O conceito de legalidade, nessa linha, foi repetido continuamente
até o século XVII, sempre trabalhando contra as exigências de imposição de
tributos sem a respectiva autorização do parlamento e, não por outra razão, a
Carta foi considerada na compilação do Petition of Rights de 1.628, que
impunha o consentimento prévio do Parlamento na tributação dos contribuintes.
Para dar efetividade ao cumprimento do que disciplinou o Petition
of Rights, o parlamento passou a considerar inimigo público quem quer que
tivesse a coragem de sugerir a arrecadação de tributo sem consentimento do
parlamento, e, da mesma forma aquele que pagasse impostos arbitrários162.
Outro documento importante no estudo da legalidade, e que se
faz referência, foi o Bill of Rigths, a declaração de Direitos de 1.689, que
disciplinou que seria ilegal a cobrança de tributos sem a concordância do
Parlamento.
A força da disposição era tal que a título ilustrativo VICTOR
UCKMAR faz referência ao fato de que mesmo diante do cenário de repulsa da
tributação sem o efetivo consentimento, o Rei Carlos I acabou instituindo nova
modalidade de tributação, ainda que de forma maquiada, o que culminou em
sua prisão e conseqüente decapitação.
Finda a ditadura de Cromwell e restaurada a Monarquia, em 1689 Guilherme de Orange aceitou o Bill of Rigths, com o qual foi, mais uma vez, reafirmado o princípio de que nenhum tributo poderia existir sem o consentimento do Parlamento.
163
Foi nessa toada que o ideal de legalidade foi sendo propagado.
162
Princípios Comuns..., op. cit., p. 26-27. 163
Id.
53
Mesmo as cidades conquistadas eram submetidas a um Estado
que não mais tolerava a submissão absoluta. Isso foi sensível principalmente
no campo da tributação, em especial através da idéia de consentimento para
imposição de novas exações tributárias.
A Revolução Francesa e a Americana foram resultados práticos
dessas lutas pela limitação ao poder de tributar, até pela forte opressão fiscal
que se estabeleceu na oportunidade.
Na França a luta travada foi entre a classe burguesa, o clero e a
nobreza. Severa de tal maneira, por sinal, que após 1.789, todas as
conseqüentes Constituições fizeram expressa referência ao princípio da
legalidade através do direito subjetivo de não haver exação sem o prévio
consentimento do Parlamento.
Na Constituição americana não foi diferente.
Esse princípio fundamental, que se não nasceu exatamente em 1.215, fez a Magna Carta inglesa um domicílio histórico privilegiado, ganhou o mundo no século XVIII, tendo sido consagrado tanto na Constituição dos estados Unidos, de 1.787, quanto na Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, francesa, de 1.789.
164
Os princípios consagrados inspiraram-se na filosofia francesa do
século XVIII e a partir daí percorreram o mundo consagrando a importância e a
necessidade indisponível da arrecadação, mas sempre ressaltando a
importância do consentimento da sociedade através do Parlamento.
Todas as Constituições que decorreram, mesmo fora da Europa,
passaram a afirmar explicitamente que os impostos deveriam ser aprovados
pelos órgãos legislativos competentes. Apenas para exemplificar, VICTOR
UCKMAR cita a Argentina, a Áustria, a Bélgica, o próprio Brasil, o Chile, a
Alemanha, o Japão, a Dinamarca, a Irlanda, o México, a Noruega, a Holanda e
o Paraguai165.
164
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 112. 165
Princípios Comuns..., op. cit., p. 35.
54
Cabe nesse momento mencionar CARLOS FERREIRA DE
ALMEIDA, da Faculdade de Direito de Lisboa, para quem o Direito Comparado
é a disciplina jurídica que tem por objetivo estabelecer sistematicamente as
semelhanças e diferenças entre duas ou mais ordens jurídicas166.
Citado autor registra que a comparação é uma atitude normal e
espontânea, presente em quase todos os estudos jurídicos167.
Todavia, como lembra JOSÉ ROBERTO VIEIRA, “o Direito
Comparado não se resume ao mero conhecimento do direito de outros
estados”.168
É justamente nesse sentido que em obra citada, CARLOS
FERREIRA DE ALMEIDA fez referência aos grandes precursores do tema, tais
como ARISTÓTELES, DUMOULIN, MONTESQUIEU169.
Não pela precedência dos estudos, mas pela intensidade deles, é
importante tornar saliente os resultados dos estudos do professor JOSÉ
ROBERTO VIEIRA, que, analisando o princípio da legalidade em face do
Direito Comparado, concluiu que a necessidade de consentimento popular
traduz-se no referido princípio, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”170.
Tal formulação fora reproduzida quase que literalmente por
diversos outros diplomas constitucionais espalhados pelo mundo171.
Em seu estudo comparativo formulado em sua tese de Doutorado
apresentada na PUC/SP, VIEIRA frisou que dentre as cinqüenta e sete
Constituições analisadas por todo o mundo, o Princípio da Legalidade, em sua
compreensão genérica, consta, de forma expressa, em quatorze Constituições,
166
Introdução ao Direito Comparado, p. 7. 167
Ib., p. 10. 168
Medidas Provisórias..., op. cit., p. 91. 169
Introdução ao Direito..., op. cit., p. 10. 170
Art. 5º (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988).
171 Medidas Provisórias..., op. cit., p. 101.
55
cerca de vinte e cinco por cento. De forma indireta, por sua vez, em outros
trinta e três documentos, ou seja, cerca de cinqüenta e oito por cento.
Conclui o professor, nesse contexto, que o caminho seguido por
diversos países foi aquele de declarar, direta ou indiretamente, a submissão à
legalidade172.
Em síntese, tanto a Legalidade Genérica quanto a Tributária desfrutam de superior e incontestável prestígio nas constituições hodiernas, como demonstra à evidência o trabalho comparativo realizado. Muitos dos estatutos consultados consagram-nas explícitas e amplamente, outros fizeram-no implícita e restritivamente. Nenhum deles, contudo, deixou de fazê-lo.
173
Aliás, a disposição de cláusula constitucional que assegure a
legalidade é praticamente elemento indissociável do paradigma de Estado
Social Democrático de Direito. PAULO DE BARROS CARVALHO, em obra já
citada, registra que tal princípio influencia todo o direito positivo brasileiro, não
sendo, inclusive, possível pensar no surgimento de direitos subjetivos sem que
a lei os estipule. Talvez por isso, o autor relembre que o Princípio da
Legalidade é de posição privilegiada, tendo em vista que estipula limites
objetivos174.
Daí, que a Legalidade não é somente uma norma essencial para
muitas Constituições em todo o mundo, mas, em rigor, trata-se de princípio
essencial e irrecusavelmente universal175.
A legalidade, portanto, como registra HUGO DE BRITO
MACHADO, não é uma relação simplesmente de poder, mas uma relação
jurídica176.
Enfim, importante registrar a importância e o prestígio do princípio
que até mesmo poderia ser rebatizado de princípio de “Legalitariedade” como
172
Ib., p. 182. 173
Ib., p. 185. 174
Curso..., op. cit., p. 214. 175
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso de Direito..., op. cit., p. 149. 176
Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 43.
56
bem registra o professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA, lembrando o saudoso
jurista PONTES DE MIRANDA177.
1.2.2.2. O Princípio da Segurança Jurídica
O Sistema Tributário Nacional está, basicamente, sustentado nos
arts. 145 a 156, da Constituição Federal. Em tais dispositivos estão presentes
os princípios gerais e norteadores do Direito Tributário Brasileiro, sendo
afiançável a afirmação de que à Constituição Federal coube dispor acerca das
diretrizes e dos princípios que guiam toda a Administração Pública quando o
assunto é instituir e cobrar tributos, além de impor, por corolário, limites ao
poder de tributar dos entes políticos ou substituídos.
É nesse contexto que se pode afirmar que a Constituição Federal
é a base do Direito Tributário178.
Isso leva crer que os princípios constitucionais têm vital projeção
no campo tributário, podendo-se destacar não só o Princípio da Legalidade,
mas também o Princípio da Segurança Jurídica.
Antes, todavia, de tratar do Princípio da Segurança Jurídica, vale
destacar que há nas lições de PAULO DE BARROS CARVALHO o “princípio
da certeza do direito”, visto como um “sobreprincípio” que esta acima de todos
os demais, “regendo toda e qualquer porção da ordem jurídica.”179
A certeza de direito é algo que permeia cada unidade normativa,
situando-se na própria essência do dever-ser e, portanto, algo sem
determinação específica. Em vista disso, PAULO DE BARROS CARVALHO
chega a erigir tal enunciado como postulado essencial e indispensável para a
convivência social180.
177
Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 197. 178
Em vista da afirmação, interessante a leitura do texto: “E, afinal, a Constituição Cria Tributos!,” de JOSÉ ROBERTO VIEIRA.
179 Curso..., op. cit., p. 146.
180 Id.
57
Diga-se, contudo, que não há campo para a confusão entre o
Princípio da Certeza de Direito e o Princípio da Segurança Jurídica. Isso
porque, citado autor não toma a certeza do direito com o sentido de
previsibilidade, característica que reveste no Princípio da Segurança Jurídica. A
certeza do direito é atributo essencial para o sistema jurídico e sem ele não há
enunciado normativo com sentido deôntico. Já o Princípio da Segurança
Jurídica utiliza-se daquele princípio de modo objetivo para criar um valor
específico que é o de coordenar o fluxo das interações entre pessoas. É isso
que propaga na sociedade a idéia de previsibilidade quanto aos efeitos
jurídicos da regulação da conduta181.
Como já se mencionou, é através do Princípio da Segurança
Jurídica que há certeza do Direito. Mas isso não porque é logicamente
necessário, mas sim pelo fato de que o Estado Social de Direito impõem suas
regras de forma clara, precisa e sempre antecipadamente.
Essa previsibilidade, sustentada pela segurança da realização do
direito, que resguarda certa tranqüilidade aos cidadãos permitindo que sejam
feitas ações de planejamento para o futuro. O que se pretende é assegurar que
as normas jurídicas sejam aplicadas de maneira antecipadamente
estabelecida, ou seja, seus efeitos já devem ser conhecidos e chancelados em
vista da confiança popular.
Corrobora com essa afirmação os ensinamentos de RICARDO
LOBO TORRES, para quem o tema acerca da segurança é coextensivo ao
modelo de Estado, seja ele Liberal, Social ou Democrático de Direito;
entretanto, no paradigma do Estado Social Democrático de Direito, a
Segurança Jurídica se agrega a noção de prevenção182.
Segurança, juntamente com justiça e a liberdade, são valores ou
ideais básicos do Direito e, por conta disso, chancelados na Constituição. No
181
Ib., p. 147. 182
Valores e Princípios..., op. cit., p. 167.
58
campo tributário, inspiram a criação de normas tributárias, sempre observando
as orientações da Constituição da República183.
Como já consignado, a segurança jurídica é objetivo de promoção
da própria justiça, da igualdade e também da liberdade. Isso porque, tal
princípio resguarda ao cidadão o direito de conhecer antecipadamente as
conseqüências de seus atos184.
O futuro, então, tem condição de ser conhecido no presente, pelo
menos no que tange as normas jurídicas e seus efeitos. Seria inimaginável,
num Estado Social Democrático de Direito, viver sem que fosse assegurada a
garantia de que não haverá surpresa, em especial no que concerne a
tributação, na medida em que isso tem impacto direto na economia não só do
contribuinte, mas de todo o país.
A segurança jurídica, enfim, no campo tributário, visa resguardar o
contribuinte para que esse não seja surpreendido ou apanhado sem aviso
prévio ante a exação econômica nascida através da criação, da majoração ou
mesmo da mudança de sistemática de apuração de um tributo.
Com esse pano de fundo, ROQUE ANTONIO CARRAZZA registra
que “União, Estados, Municípios e Distrito Federal têm competência para criar
tributo... ”, todavia, os contribuintes não podem simplesmente ficar à mercê do
arbítrio dessas pessoas políticas, ainda que se entenda que as competências
assimiladas, em especial a de arrecadar tributos, assim o são em prol da
própria comunidade185.
O que se tem, contudo, é que o legislador, ao tributar, deve seguir
o caminho desenhado pela Constituição. Isso quer dizer que a tributação deve
respeitar o arsenal de direitos fundamentais previsto na Constituição da
República, de modo que os entes políticos têm o dever de observar as
limitações quando operam no Direito Tributário.
183
Ib., p. 44. 184
ANTÓNIO MARCOS, O Direito dos Contribuintes..., op. cit., p. 83. 185
Curso de Direito..., op. cit., p.348.
59
Apenas para ilustrar, dentre os diversos direitos fundamentais, a
Constituição confere as pessoas o direito irrenunciável e imprescritível à vida, à
igualdade, à liberdade, à segurança e à propriedade; e, o exercício de tais
direitos é oponível a qualquer pessoa, inclusive ao próprio Estado.
Está implícito em nossa Carta Constitucional que o Estado, por qualquer de seus poderes, deve não só reconhecer e considerar invioláveis os direitos constitucionalmente previstos, como também garanti-los, fazendo com que sejam por todos respeitados, inclusive pelas empresas e pelos particulares.
186
Assim, ao exercer a tributação o Estado deve observar os limites
que a ordem constitucional lhe impõe. Nesse contexto, os entes são obrigados
a respeitar os direitos e garantias individuais, e, por outro lado, os contribuintes
têm o direito subjetivo de verem respeitados seus direitos.
Afinal de contas, a vida em sociedade depende de previsibilidade,
e essa previsão somente é possível se assegurado o respeito aos direitos e
aos deveres instituídos no sistema jurídico. As normas devem ser conhecidas
de antemão, portanto.
Essa relação entre passado e futuro é que estabelece o conforto
que o clima de segurança institui. Quanto ao passado, o que interessa é a
irretroatividade; ao passo que quanto ao futuro, no campo tributário, a
anterioridade é o corolário lógico do princípio da Segurança Jurídica.
Quanto ao passado, não pode a lei retroagir. Quanto ao futuro, deverá a lei, previamente defini-lo. Não se discute a importância dos princípios da legalidade, anterioridade, irretroatividade e anualidade. Por irrecusável, veja-se a conexão com as necessidades cada vez mais presentes do princípio da segurança jurídica.
187
O escopo, portanto, é o de assegurar aos contribuintes uma
expectativa precisa de seus direitos e deveres em face da lei. Enfim, deve o
cidadão saber de antemão quais normas estão em vigência para que possam
186
Ib., p. 361. 187
SACHA CALMON NAVARRO COELHO, Curso de Direito..., op. cit., p. 215.
60
fazer o cálculo prévio; e, além disso, é exigida certa medida de
compreensibilidade e clareza para os destinatários da regulação188.
O princípio da segurança jurídica visa, designadamente, a garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas tributárias e deve presidir à solução dos conflitos de direito intertempral, obrigando a Administração na sua ação futura e impondo-se como exigência ao próprio legislador. Protege-se, desse modo, o contribuinte dos abusos e da volubilidade da Administração, garantindo-lhe um estatuto onde radica a segurança jurídica.
189
Ao que tudo indica, portanto, o Princípio da Segurança Jurídica
tem dimensão normativa preponderante, na media em que estabelece o dever
de buscar um ideal de estabilidade, confiança, previsibilidade e
mensurabilidade. É nesse ambiente que JOSÉ ROBERTO VIEIRA aponta para
o fato de que a civilidade de uma sociedade pode ser medida por conta do grau
de consagração da segurança no sistema jurídico190.
Numa menção também relevante, HUMBERTO ÁVILA chega a
mencionar que sem a devida segurança o homem sequer consegue cultivar
suas forças e aproveitar seus frutos, ou seja, a vida em comunidade perde a
razão de ser se afasta for a liberdade das pessoas191.
A Segurança jurídica está vinculada a um determinado sistema de
valores que deve garantir um ordenamento previsível, de forma a assegurar o
desenvolvimento econômico. Talvez por isso o princípio tenha alcançado o
status de valor substancial da vida humana e, não de forma diferente, para o
sistema tributário192.
Ora, no âmbito tributário a segurança jurídica tem relação direta
com a proteção de bens jurídicos e, por conta disso, ao próprio paradigma de
Estado Social de Direito que anseia pela proteção da justiça social. ANTÓNIO
MARCOS, importante jurista lusitano que se aprofundou no estudo desse
188
HUMBERTO ÁVILA, Sistema Constitucional..., op. cit., p. 310. 189
IVES GANDRA DA SILVA, Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 187. 190
Medidas Provisórias Tributárias e Segurança..., op. cit., p. 318. 191
Segurança Jurídica..., op. cit., p. 97. 192
Ib., p. 109.
61
instituto, corrobora trazendo à baila o “estado de prevenção” onde o próprio
Estado assumiria a posição de garantidor da justiça material, resguardando,
por tratar-se de questão essencial, os bens jurídicos que podem ser
sucumbidos pela atividade arrecadatória do Estado193.
... a segurança jurídica supõe a realização e a salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos ante o poder do Estado, implicando a mesma garantia de observância do Direito por todos os seus destinatários e a regularidade de actuação dos órgãos encarregados da sua aplicação.
194 (sic)
Tal princípio se destina ao ordenamento como um todo, sendo
vital ao sistema, portanto, que ele possa ser compreendido por todos. É a
importância da estabilidade, da durabilidade, da calculabilidade, no sentido de
que o sistema não pode ser objeto de modificações incoerentes195.
Essa, para HUMBERTO ÁVILA, é a concepção do princípio sob o
aspecto objetivo, que diz respeito à segurança das normas e, por
conseqüência, do ordenamento de forma genérica e ampla.
No contexto subjetivo, por sua vez, o princípio tem alcance geral
e irrestrito, o que assegura sua abrangência aos cidadãos numa dada
comunidade, ou seja, ao cidadão individual e ao próprio Estado, através de
seus três poderes peculiares. HUMBERTO ÁVILA ainda revela o aspecto
temporal do princípio, que garante sua aplicação hoje, no passado e no futuro.
Trata-se de previsibilidade latente e inconteste, até porque, “...
quanto maior for a capacidade de o cidadão prever o momento em que será
definida a conseqüência jurídica aplicável aos atos ou fatos, tanto maior será a
sua capacidade de traçar linhas de ação relativamente ao que pretende
fazer.”196
Enfim, o que ao Direito Tributário é de essencial compreensão é o
aspecto quantitativo assinalado por HUMBERTO ÁVILA. O cidadão deve ter
193
O Direito dos Contribuintes..., op. cit., p. 58. 194
Ib., p. 90. 195
HUMBERTO ÁVILA, Segurança Jurídica – Entre permanência..., op. cit., p. 138.
62
previsibilidade, ou seja, ele deve poder prever as conseqüências que serão a
ele imputadas quando da prática de algum ato. Trata-se de valor supremo,
como assinala JOSÉ ROBERTO VIEIRA, inclusive erigido á condição de direito
fundamental pela Constituição de 1988, “não mais como segurança individual”,
mas como “efetivamente segurança jurídica.”197
A noção de segurança jurídica é a certeza do direito e a
previsibilidade da ação do Estado, justamente para evitar surpresas. É nesse
contexto que na esfera tributária, o princípio da Segurança Jurídica se realiza
por outros princípios tributários, tais como a própria estrita legalidade, a
irretroatividade (arts. 5º, XXXVI e 150, III, “a”, da Constituição); e a
anterioridade (art. 150, III, “b”, da Constituição).
JOSÉ ROBERTO VIEIRA lembra ainda o princípio da
Universalidade da Jurisdição, onde a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário, a lesão ou a ameaça a direito (art. 5º, XXXV)198 199.
Por ser oportuno, registre-se, quanto à anterioridade, que
diferentemente do que ocorre com o princípio da legalidade em sua formulação
genérica, aquele é específico da ordem tributária. Isso remete a idéia de que a
lei que cria ou aumenta um tributo, em regra geral, ao entrar em vigor, fica com
sua eficácia paralisada até o inicio do próximo exercício financeiro, quando, ai
sim, passará a produzir todos os efeitos na ordem jurídica200.
Por trás desse princípio, por óbvio, fica evidenciado o princípio da
Segurança Jurídica.
No campo tributário, o princípio revela o ideal constitucional de
que “nenhum tributo poderá ser instituído ao aumentado e vigorar de pronto”.201
196
Ib., p. 166. 197
Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 99. 198
Id. 199
Da mesma forma, ROQUE ANTONIO CARRAZZA cita a segurança jurídica e o livre acesso ao Poder Judiciário (Curso de Direito..., op. cit., p. 396).
200 ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso de Direito..., op. cit., p. 172.
201 SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de Direito..., op. cit., p. 169.
63
Em 2003, apenas para consignar, a Emenda Constitucional nº 42
inovou, e, com isso, acrescentou a “espera nonagesimal”.202 Isso porque, a
realidade brasileira mostrou que a segurança jurídica, através do princípio da
anterioridade, assim como disciplinado acima, não conseguiu resguardar os
contribuintes quanto à criação e aumento de tributos de forma repentina. Por
conta disso, o ordenamento passou a conviver com a alínea “c”do art. 150,
inciso III: “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada
a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b”.
Feitas algumas considerações acerca da anterioridade, corolário
do princípio da segurança jurídica tributária, diga-se que tal princípio fora
desenhado não apenas como um valor constitucional, como consagrado por
HUMBERTO ÁVILA, mas direito fundamental positivado na Constituição e,
ainda, garantia, na medida em que a segurança jurídica somente se concretiza
por intermédio de medidas que possam assegurar uma obrigação.
Assim, ao que tudo indica, além da legalidade, da irretroatividade,
da anterioridade e da universalidade da jurisdição (JOSÉ ROBERTO
VIEIRA)203, o Princípio da Segurança Jurídica revela-se, como bem assinala
RICARDO LOBO TORRES, pela tipicidade, que será debatida quando
tratarmos da legalidade tributária em especial, a qual assegura a determinação
do fato jurídico tributários e sua conformação ante os fatos praticados pelos
pretensos contribuintes204.
Cabe frisar, ainda, que RICARDO LOBO TORRES ressalta a
relação intensa entre a segurança jurídica e a igualdade205.
Da mesma forma HUMBERTO ÁVILA assinala o princípio
democrático, porque exige uma relação de confiança entre representantes e
representados e, da mesma forma, o princípio da igualdade que, “embora não
202
Ib., op. cit., p. 161. 203
Medidas Provisórias Tributárias e Segurança..., op. cit., p. 324. 204
Valores e Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 214, 223 e 225. 205
Valores e Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 174.
64
pareça” “... é uma forma indireta de se proteger a segurança jurídica” e mesmo
o princípio da dignidade humana 206.
No Estado de Direito a Administração Pública se sujeita ao
império da lei, sendo certo que nas relações com os cidadãos há que se
respeitar o regime de direito. Isso quer dizer que aos indivíduos é outorgado à
titularidade de direitos públicos subjetivos que são oponíveis mesmo ao
Estado, talvez a mais expressiva conquista dos tempos modernos como bem
recorda ROQUE CARRAZZA207.
No campo do Direito Tributário isso é essencial para o bom
desempenho das relações entre particulares e entre esses e o Estado que
deve emprenhar-se em resguardar os anseios constitucionais no espaço social.
Isso quer dizer que a Segurança Jurídica, na qualidade de direito fundamental,
impede que o Estado lese o patrimônio dos contribuintes através de exações
ilegais, por exemplo.
Disso, extrai-se que o Estado deve exercer sim a função de
arrecadação, eis que essencial ao atendimento das metas constitucionais, mas
sempre observando os limites impostos pelo próprio sistema constitucional. É
justamente desse contexto que o princípio da Segurança Jurídica extrai sua
importância, eis que ajuda a “promover os valores supremos da sociedade,
inspirando a boa aplicação das leis, dos decretos, as portarias, das sentenças,
dos atos administrativos etc.”208
Conclui-se, portanto, que além da certeza do direito e de sua
previsibilidade, em especial em face das suas conseqüências, há a igualdade
(RICARDO LOBO TORRES e HUMBERTO ÁVILA), lembrada por ROQUE
CARRAZZA como essencial à obtenção da segurança que habilita o “cidadão a
sentir-se senhor de seus próprios atos e dos atos dos outros.”209
206
Segurança Jurídica – Entre permanência..., op. cit., p. 222. 207
Curso de Direito..., op. cit., p. 355. 208
Ib., p. 385. 209
Ib., p. 386.
65
É preciso, a partir daí, que a lei tenha validade para todos
igualmente, ou melhor, a lei deve ser editada e aplicada em conformidade com
a isonomia, e, talvez por isso, ROQUE CARRAZZA atribua à justiça tributária
ao princípio da igualdade, que por sua vez é inerente aos ditames da
segurança jurídica210.
Desse ponto, fica evidenciado que no campo do direito tributário
os princípios se engarfam num emaranhado lógico, numa estrutura cujo cerne
impossibilita a obediência a um determinado princípio sem que se observem os
demais. É por isso muito árdua a tarefa não só do legislador, mas do intérprete
e do próprio executor. Isso porque, a segurança jurídica abrange a elaboração,
a aplicação, a interpretação e também a positivação do ordenamento.
Tudo isso em busca da clareza e da certeza do direito, (RICARDO
LOBO TORRES)211, sem esquecer da previsibilidade da ação do Estado (JOSÉ
ROBERTO VIEIRA, HUMEBRTO ÁVILA e EUSÉBIO GONZÁLEZ GARCIÁ212).
210
Ib., p. 394. 211
RICARDO LOBO TORRES, Liberdade, Segurança..., op. cit., p. 686. 212
Relaciones entre los Princípios..., op. cit., p. 151-152.
66
CAPÍTULO 2 - Contextualização Sócio-Política
2.1. O Direito de Tributar e o Dever de Pagar Tributo
Saudoso e emérito professor GERALDO ATALIBA, inicia uma de
suas grandes obras, “Hipótese de Incidência Tributária”, fazendo importante
registro no sentido de que o conteúdo essencial da norma tributária é a ordem
para que determinada pessoa, especificada nos perímetros da lei, entregue ao
Estado certa quantia em dinheiro, dando cumprimento a obrigação tributária.
Enfim, esse dinheiro, levado aos cofres, tem a designação de tributo213.
Aliás, como bem assinala EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, a
definição de tributo, em si, é conceito fundamental para a demarcação do
direito tributário214.
Evidente que ante as diversas necessidades financeiras do
Estado, muitas das quais, inclusive, características do próprio modelo de
Estado Social de Direito, o cabedal das normas de direito tributário funcionam
como que um instrumento, muito hábil por sinal, para abastecer os cofres
estatais de recursos financeiros.
Na Inglaterra, por exemplo, os tributos eram utilizados para
satisfazer as necessidades do Estado através de obrigações impostas aos
vassalos que, na prática, sequer podiam se recusar ao pagamento das
exações. Além da Inglaterra outros países, na Idade Média, cobravam taxas
para tornar possível o fluxo de dinheiro entre o monarca e seus súditos, a fim
de que as necessidades fossem satisfeitas215.
Dessa lição, pode-se dizer, ao que tudo indica, que Estado e o
Direito identificam-se.
213
Hipótese de Incidência..., op. cit., p. 22-23. 214
As Classificações no Sistema Tributário..., op. cit., p. 125. 215
VICTOR UCKMAR, Princípios Comuns..., op. cit., p. 27.
67
Mais que isso. A idéia de Estado não pode aqui significar apenas
a imposição da figura do mais forte, que fixa seus anseios estabelecendo que
os mais fracos apenas respeitem-no, como se esses tivessem apenas a
obrigação de cumprir seus papéis sem gozar dos resultados. Esse contexto até
já se justificou numa época onde não se pensava o Estado de Direito.
O mundo contemporâneo mudou a racionalidade e a verdade,
com isso, passou a ser constituída e não mais apenas dada como no mundo
moderno. Isso acabou por trazer grande crescimento ao homem.
No Renascimento, apenas para ilustrar, o texto de verdade era
utópico e veiculavam-se verdades sem dizer a verdade realmente. O modelo
atual, por exemplo, se propõe a mostrar um sentido nas coisas e talvez por
isso, a tarefa de abastecer os cofres públicos através do pagando compulsório
de tributos possa parecer algo não mais tão cruel.
Se, de fato e como já mencionado, todas as mudanças sociais
decorreram de variações ideológicas dos povos, uma que merece destaque é
aquela que passou a destinar mais atenção à qualidade digna de vida aos
cidadãos. O que antes era apenas para sobreviver hoje já não basta e isso fica
mais evidente a partir da Revolução do século XVIII, que trouxe o homem ao
centro de toda a sociedade.
Merecem referência, nesse pormenorizado argumento, as
palavras de PAULO BONAVIDES, para quem “o povo, titular de nova
legitimidade, não somente encarnava a vontade dos governados, senão que a
transmuta em vontade dos governados.” 216
Todos os movimentos enraizados nas disputas do Estado Social,
ou mesmo Liberal, foram embalados com armas e sangue. Mas, sobremaneira,
fundamentaram a Sociedade a ponto de ajustar o corpo social às novas
216
Do Estado..., op. cit., p. 31.
68
categorias de exercício do poder, tão importantes para o sustento do novo
paradigma do Estado Social de Direito217.
Hoje, pode-se dizer, o Estado exerce toda a sua legitimidade
obrigando seus cidadãos a pagar tributos segundo o direito constitucional e,
justamente por conta disso, deve, também, obedecer à todas as manifestações
previstas em lei. As normas tributárias, portanto, têm em vista o trabalho de
destinarem recursos ao Estado, ordenando comportamentos aos contribuintes,
agentes públicos e até mesmo aos terceiros.
IVES GANDRA MARTINS trata da Teoria da Imposição Tributária,
proclamada desde a primeira edição de sua notória obra “Sistema Tributário na
Constituição”, como se obrigação de pagar tributos decorresse da necessidade
do Estado em gerar recursos financeiros para a sua manutenção. São esses
recursos, entretanto, que deverão garantir não só a estrutura governamental,
mas todas as premissas constitucionais destinadas a assegurar o exercício dos
direitos sociais, com base nos valores supremos do bem-estar, do
desenvolvimento, da igualdade e da justiça218.
Na realidade, um estudo pleno da teoria da imposição tributária
demandaria dominar, além do direito, os princípios essenciais que regem a
economia e as finanças públicas, e, por conta disso diz-se que em sua imediata
expressão, a teoria trata da apropriação de bens do cidadão para atendimento
das necessidades do Estado.
É que a atividade financeira do Estado tem por fundamento
buscar recursos financeiros para a manutenção da higidez do ordenamento,
todavia ela se realiza em três distintos campos, além daquele atinente à busca
por recursos: o campo da administração e da aplicação desses recursos, o que
para esse estudo não haverá maiores elucubrações.
217
MATEUS EDUARDO SIQUEIRA NUNES BERTONCINI e WILSON CARLOS DE CAMPOS FILHO, Políticas de Ação Afirmativa no Contexto do Direito Constitucional Brasileiro, p. 152-156.
218 Sistema Tributário na Constituição de 1988, p. 2.
69
O Estado, de fato, não deixa de ser uma “grande associação” e
como tal, deve atingir certos fins que dizem respeito a todos os seus
associados que, no caso, são os cidadãos219.
Os fins são elencados a partir dos interesses da coletividade, e,
após essa escolha, os objetivos devem ser perseguidos prioritariamente. De
certo, tais objetivos não poderão ser todos preenchidos de maneira simultânea,
todavia, partindo do pressuposto de que a própria Constituição apontou o bem-
estar e a justiça como valores supremos da sociedade no campo social, são
esses os que deverão nortear prioritariamente o consumo dos recursos.
IVES GANDRA bem registra que as normas tributárias, mesmo
ante a importância cristalina que representam para a manutenção da higidez do
Estado em face da necessidade da arrecadação, são normas de rejeição social
e, talvez por isso, vislumbrem na sanção a conseqüência lógica e objetiva no
caso de descumprimento do comando mandamental. O professor lança mão do
argumento de que a norma sancionadora é a segurança da norma tributária220.
Ainda que a arrecadação seja ilustrada através de normas de
rejeição social, é essencial que os recursos sejam arrecadados, até porque o
Estado tem que trabalhar com a segurança de que seus cofres serão sempre
nutridos por meio do recolhimento compulsório de recursos. Nessa linha de
raciocínio, pode-se, inclusive, alocar o Estado, quando se trata da arrecadação,
na figura de mero instrumento.
De criador para instrumento responsável pela higidez do valor
supremo da justiça social. Como registra IVES GANDRA, a imposição tributária
permite que seja estabelecido um grau de justiça desejável, de modo que o
fruto da arrecadação esteja em equilíbrio não só com os valores
constitucionais, mas com as necessidades da comunidade221.
Cabe registrar, por oportuno, que o ordenamento jurídico vigente,
na visão sistêmica, pressupõe, dentre os requisitos da ordenação e da
219
CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário, p. 1. 220
Sistema Tributário..., op cit., p. 13. 221
Ib., p. 16.
70
coerência, a noção da unidade. Dessa forma, não se pode ter na rejeição social
o resumo do que representa a arrecadação tributária.
Uma norma tributária, portanto, não pode apenas ser apreciada
como regra cogente que condiciona o contribuinte ao recolhimento de recursos
aos cofres públicos. Deve ela estar integrada ao ordenamento de modo que
esteja em consonância com os valores supremos do bem-estar e da justiça
social222.
Ora, a mesma Constituição que em seu preâmbulo elencou tais
valores como supremos da sociedade, é o mesmo documento que representa o
fundamento de validade para todas as normas.
Apenas para afastar qualquer questionamento quanto a validade
do preâmbulo, tome-se o registro e EDVALDO BRITO para quem o preâmbulo
é uma das três partes de uma Constituição, juntamente com a parte dogmática
e o ato das disposições transitórias, e, como tal define os pressupostos, a
orientação e os valores do sistema que aqui se reconhece como ordenamento
jurídico223.
É nesse contexto que o professor e livre docente pela
Universidade de São Paulo assinala que o preâmbulo não é mera declaração,
“mas ato jurídico que cria direitos”224.
Partindo dessa colocação, aliando o registro de HUGO DE BRITO
MACHADO, pode-se dizer que o preâmbulo cria direitos que podem revestir-se
da condição de fundamentais, como ocorre com a manutenção do bem-estar e
da justiça social. Da mesma forma, ou seja, na mesma linha de raciocínio, se o
objetivo dos direitos fundamentais é o de criar e manter os pressupostos
elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana, e, a
manutenção disso depende da arrecadação, então a conclusão que se pode
alcançar é a de que a obrigação de pagar tributo é direito fundamental de todos
os cidadãos em sua representação coletiva, na medida em que é através dessa
222
EDVALDO BRITO, Aspectos Constitucionais da Tributação, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (Coord.), As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo, p 624.
223 Ib., p. 631.
71
contribuição que se pode garantir uma vida digna, ou seja, calcada nos valores
supremos do bem-estar e da justiça social225.
A assertiva é fomentada pela simples indicação de que são
direitos fundamentais aqueles direitos do homem, como cidadão, que lhes
permitem viver com liberdade e com dignidade. Não importa, com isso, se os
direitos fundamentais são formulados formalmente ou apenas materialmente,
eis que o que realmente interessa é a preservação do núcleo essencial
universal. E as restrições? Na medida em que os direitos fundamentais não são
absolutos, recolher recursos aos cofres públicos sofre sim limitação pela via
legal.
Parece oportuna a lição de HUGO DE BRITO no sentido de que
os direitos fundamentais têm como sujeitos todos os cidadãos e, ainda que
pareça que nem todos os cidadãos são contribuintes, todos devem sim ser
considerados como tais, na medida em que muito embora possam não integrar
solenemente uma relação tributária, acabam por assumir a condição de
contribuintes quando suportam o ônus do tributo, embora, na maioria das vezes
nem se perceba isso. É a tal da “consciência fiscal”226.
Trata-se do sentimento das pessoas quanto ao ônus que o tributo
representa em suas vidas, ou, ainda, o estado de espírito de quem sabe em
quanto monta o sacrifício de pagar tributos para a manutenção da higidez do
Estado.
Ora, é notório reconhecer que as pessoas devem estar
conscientes da parte que lhes incumbe, como cidadãs, na distribuição das
despesas essenciais ao funcionamento do Estado227.
Não se pode olvidar que os direitos subjetivos sempre andam em
compasso com os deveres jurídicos, não sendo coerente justificar a anulação
desses por aqueles, na medida em que os deveres jurídicos têm como escopo,
justamente, a proteção dos direitos subjetivos.
224
Id. 225
Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 16. 226
Ib., p. 27.
72
Não se pode esperar, como bem registrou CANOTILHO, uma
simetria de direitos e deveres, eis que no Estado de Direito não coloca à prova
os escopos ancorados, nesse caso, na dignidade humana, sendo certo que a
tributação assume a condição de problema meramente de articulação e relação
entre indivíduos vivendo em comunidade228.
Por sua vez, CASALTA NABAIS bem expõe que sem os deveres
de manutenção, de existência e de funcionamento do Estado, não há como
garantir direitos fundamentais, da mesma forma que em um Estado
Democrático de Direito a imposição unilateral de deveres aos cidadãos seria
incompatível com as mais básicas demandas por justiça229.
Os tributos, nesse contexto, seriam como que deveres
fundamentais que garantem a liberdade. Representam o justo preço que os
cidadãos devem pagar em prol de uma vida em sociedade sitiada de liberdade.
O próprio KARL MARX, no manifesto comunista, incita a massa a pleitear esse
instrumento, pois, na época, representava a “arma” da reforma230.
A ação de tributar promovida pelo Estado é dever não só da
Administração, em face do cumprimento das disposições legais que impõem a
obrigatoriedade da arrecadação, mas também um dever jurídico a que estão
submetidos os cidadãos de repartir as responsabilidades. O funcionamento do
Estado depende do cumprimento desse dever e é justamente por conta disso
que o tributo não pode, e não deve, ser visto como simples ato de poder, e
muito menos um mero sacrifício por parte do cidadão. Isso porque, nitidamente,
é parcela essencial para a vida em sociedade231.
Como ensina RICARDO LOBO TORRES, o “tributo é o preço da
liberdade”232, permitindo o desenvolvimento humano sem a necessidade de
que o cidadão entregue-se fisicamente numa atividade prestacional233.
227
É inclusive o que se extrai da leitura, por exemplo, do art. 195 da Constituição. 228
Direito Constitucional..., op. cit., p. 527. 229
O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 193. 230
ALIOMAR BALEEIRO, Uma Introdução à Ciência..., op. cit., p. 180-181. 231
JOSÉ CASALTA NABAIS, Ib., p. 139 e 185. 232
Liberdade, Segurança..., op. cit., p. 686.
73
Isso quer dizer que não há qualquer espaço para a “escravidão
tributária”. O Estado deve exercer seu “poder” tributário de forma limitada,
sempre respeitando os direitos ressalvados na Constituição e nas diversas leis
dispersas.
Até porque, como lembra RICARDO LOBO TORRES, não basta a
liberdade em seu sentido negativo, eis que é essencial, para a manutenção da
própria dignidade da pessoa humana, que sejam garantidas as condições para
o exercício da liberdade, mediante, por exemplo, a proibição de incidência
fiscal sobre o mínimo necessário à existência digna234.
O tributo, portanto, exigido além das necessidades deve ser
refutado, na medida em que a característica fulcral do “direito de tributar” é
orbitar até a justa medida da arrecadação, ou melhor, assenhorar-se apenas do
suficiente à manutenção da higidez dos valores supremos, tais como a
dignidade da pessoa humana, do bem-estar e da justiça social.
Essa justiça fiscal é garantida positivamente por intermédio de
princípios constitucionais que se revelam explicitamente na Constituição:
princípio da legalidade, princípio da capacidade contributiva, princípio do não-
confisco, da solidariedade e outros que garantem a arrecadação na medida
exata, ou melhor, garantem a tributação até onde ela promove a justiça social.
Isso porque, parece elementar dizer que os fins e os objetivos
políticos e econômicos do Estado só podem ser financiados pelo ingresso de
recursos, sendo certo afirmar que a tributação é o principal elemento dessa
receita235.
Cumpre registrar que o dever tributário é inerente a todos os
indivíduos na condição de cidadãos, e, considerando que o pagamento de
tributo, em que pese não ser a única, é a forma mais direta e eficiente de munir
233
“Como é sabido, no Brasil, o dever de pagar tributos deriva da repartição constitucional de competência tributária, porquanto cabe o dever legislativo de cobrá-los, com o objetivo de cumprir suas funções constitucionais, ao cidadão vige o dever de contribuir ao sustento de tais gastos, em favor da coletividade.” (HELENO TAVEIRA TÔRRES, apud MARCELO MARTINS ALTOÉ, Direito versus..., op. cit., p. 78)
234 Ib., p. 685.
235 RICARO LOBO TORRES, Curso de Direito Financeiro e Tributário, p. 3.
74
o Estado de recursos financeiros para o alcance dos objetivos constitucionais,
não há outra alternativa viável, até o presente momento, que afaste o ato de
pagar tributo da idéia de dever de cidadania.
Tomemos por empréstimo, considerando que o presente trabalho
não tratará de questões que envolvam o Estado Fiscal, as palavras de
MARCELO ALTOÉ, que bem registrou, concluindo item de sua obra, que a
afirmação que deve permanecer é aquela de que o dever de pagar tributo é o
custo pago para integrar uma sociedade contemporânea, que ao mesmo tempo
em que é livre, deve ser solidária236.
2.2. O Sistema de Seguridade Social Como bem pontua WAGNER BALERA, no direito o conceito que
impulsiona o encadeamento lógico entre todos os demais conceitos e age
como referencial para a compreensão do mecanismo de proteção social é a
Justiça como fim da Ordem Social237.
O ideal de Justiça sempre ocupou lugar de destaque, ainda que o
enfoque não fosse esse voltado à proteção social. Desde o direito natural sua
concepção sempre habitou a condição de princípio de grande transcendência
no Direito, delimitando e harmonizando os desejos, as pretensões e os
interesses conflitantes na vida em sociedade. Todavia, ao que tudo indica, a
compreensão quase que instintiva segue a direção de um ideal justo, ou
melhor, aquele onde a cada qual é dado aquilo que lhe é devido238.
Entretanto, o campo que se debruça o presente trabalho
compreende a Justiça no contexto da proteção social, e, nos termos da
Constituição, o enfoque que se dá diz respeito a uma Justiça voltada a reduzir
desigualdades sociais, tarefa que exige muito da sociedade, eis que tal esforço
não decorre apenas de políticas e programas públicos de governo. Talvez por
isso WAGNER BALERA seja contundente ao afirmar que tanto o Estado como
236
Direito versus..., op. cit., p. 83. 237
Noções Preliminares de Direito Previdenciário, p. 15.
75
a sociedade devem estar atentos às suas vocações, sendo certo ponderar que
a concretização da justiça social não se processa por intermédio apenas do
Poder Público239.
A construção demanda colaboração, cooperação e, em especial,
apoio recíproco entre os “atores sociais”.
Além disso, há que se destacar o bem-estar, que aliado à Justiça,
na ótica da Ordem Social, assume a condição suficiente para transformar a
situação social que anseia a Constituição. É que, juntamente, tais premissas ou
objetivos específicos representam o núcleo de todo o sistema constitucional
quando o assunto remonta o campo social.
A expressão bem-estar social já vem desde a Declaração
Universal dos Direitos dos Homens, de 1948, como indispensável à
manutenção da própria vida. Não a vida biológica, mas aquela no segmento
social que envolve a habitação, a alimentação e, porque não, a higidez de uma
gama de serviços sociais capaz de assegurar a vida em sociedade: direito aos
serviços médicos, ao auxílio no caso de doença e velhice ou outros desvios
sociais que de alguma maneira possam causar desassossego à manutenção
social.
Esse modelo fez reflexo na Constituição de 1988, não só na
menção direta que consta do preâmbulo, que, como já se mencionou, tem
função auxiliar para a interpretação do texto constitucional240, mas no próprio
art. 3º, inciso IV, como “o bem de todos”. É por isso que alguns juristas, em
especial BALERA, criticam o filósofo ALF ROSS quando esse, em razão da
dimensão do conceito de bem-estar e, também, da incomensurável
abrangência das necessidades para a caracterização do “bem de todos”, aloca
tal premissa como fantasiosa241.
238
RENATO FARTO LANA, A Justiça Social e o Acesso aos serviços de Saúde no Brasil, in FRANCISCO CARDOZO DE OLIVEIRA (Coord.), Fundamentos do Estado e do Direito, Relações Entre Direito e Justiça, p 186-187.
239 Noções..., op. cit., p. 27.
240 Vide p. 74-75.
241 Ib., p. 19.
76
Evidente que tomando por base o texto constitucional, não há
como distanciar as políticas públicas dos critérios erigidos à condição de
valores supremos, tais como a Justiça e o bem-estar, até porque, constitui
objetivo fundamental da República a promoção do bem de todos,
indistintamente.
Além da exposição das premissas e dos objetivos no campo da
proteção social, a Constituição também fez questão de aprumar o rumo,
definindo, por conta disso, todo ambiente instrumental a ser utilizado para a
proposta social. Lembra WAGNER BALERA que a peculiaridade inerente ao
conjunto de proteção social é a idéia de cooperação entre os membros da
sociedade, aqui revestidos das características de atores sociais e também
sujeitos de direito ansiosos a degustar dos reflexos desse bem que se designa
comum242.
Decorre daí, por óbvio, a noção de solidariedade, expressamente
consagrada na Constituição na medida em que o bem de todos está
umbilicalmente associado à necessidade de construção de uma sociedade
solidária e justa. A todos, portanto, é dada a parcela de responsabilidade de
satisfazer o bem comum e, para isso, é essencial que cada qual assuma seu
papel.
Trata-se da expressão primeira da solidariedade, da superação do
individualismo que, no âmbito da justiça social, aloca governantes e
governados na condição de dar, uns aos outros e à sociedade, tudo aquilo que
lhes é devido. Esse ideal anseia pela criação e manutenção de um sistema de
proteção social apto a equacionar as instabilidades causadas por contingências
sociais que afetam a normalidade da vida.
O valor, então, que se expressa na Constituição através da regra
básica de igualdade e, por conseqüência lógica a solidariedade, revela aos
próprios atores sociais suas parcelas de responsabilidade e, com isso, obriga-
os a garantir proteção suficiente para a higidez da segurança social que cada
qual deve poder contar durante a vida. Quando, então, essa segurança social
242
Id.
77
“proporcionar equivalente quantidade de saúde, de previdência e de
assistência a todos quantos necessitem de proteção, poder-se-á dizer desse
momento histórico: o bem-estar e a justiça estão concretizados.”243
O instrumento para suportar os ideais sociais é o Sistema de
Seguridade Social que na Constituição caracteriza-se como o modelo protetivo
que se destina a institucionalizar seus anseios, tendo por fundamento os
valores supremos da justiça, como fim da Ordem Social, e do bem-comum
como garantia de vida digna para todos.
Inclinando-se nesse sentido, pode-se perceber facilmente a
arquitetura sedimentada pela Constituição de 1988 para saldar o débito social
no Brasil, estrutura da qual o Direito Previdenciário tem por objetivo estudar
através dos segmentos: previdência, assistência social e saúde. Esses, na
ótica constitucional, perfeitamente aptos a eliminar, ou pelos menos saldar,
esse débito acima mencionado.
Para isso, porém, além da individualização das necessidades é
preciso estofo financeiro, de modo que não é exagero dizer que o ideal de
justiça e bem-estar social dependem de recursos financeiros para que possam
concretizar-se, de forma plena, numa sociedade que se diz democrática e
focada em assegurar o exercício dos direitos sociais, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos244.
Enfim, organizando a arrecadação dos recursos aptos a custear
esse sistema, bem como, o rol dos benefícios sociais, o Estado deve adequar
as normas ao conteúdo dos valores representados pelo bem-estar e pela
justiça social, dando concretude aos ideais sociais constitucionais245.
243
É a exata proporção da igualdade combinada com a solidariedade como, aliás, registrado por WAGNER BALERA (Ib., p. 35.).
244 Preâmbulo (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil.
Brasília, DF, Senado Federal, 1988. 245
“Em nosso sistema jurídico, a Justiça é o fim da Ordem Social, e a Seguridade Social é o modelo protetivo que se destina a institucionalizar os seus preceitos.” (WAGNER BALERA, Noções..., op. cit., p. 38.).
78
2.2.1. Traços Elementares do Sistema – História e Contexto
Não é novidade que a Constituição de 1988 foi promulgada com a
proposta de ser o documento garantidor dos Direitos Fundamentais, sendo
que, para isso, elencou diversos direitos sociais dentre o rol de proposições
que fez questão de elencar. Mas como isso chegou nesse ponto?
Parece difícil falar em Seguridade Social, ou mesmo em Direito
Previdenciário, sem que se pondere o Estado Social. Isso porque, não há como
se negar a importância do socialismo na formação ideológica do Estado Social
de Direito, até porque, já registrou PAULO BONAVIDES, que foi a Revolução
do Estado Social, e a conseqüente flexibilização dos dogmas do Estado
Liberal, que promoveu a concretização constitucional tanto da liberdade como
da igualdade, traços elementares da idéia de dignidade da pessoa humana246.
Com a autoridade e inteligência que lhe é peculiar, BONAVIDES
complementa o raciocínio acima asseverando não existir Ordem Social sem o
Estado Social e uma Constituição, até porque, não há, sem tais “pilares”, uma
democracia pluralista247. 248
PAULO MÁRCIO CRUZ desenvolve o histórico do
amadurecimento do Modelo de Social Democrático de Direito, recorrendo aos
diversos acontecimentos sociais e ideológicos no passar dos tempos. Fato é
que citado autor registra que foi através do constitucionalismo social que o
Estado passou a desenvolver ações de inclusão com intuito de financiar uma
série de prestações de serviços públicos aos cidadãos. Essa sistemática,
característica do Estado de Bem-Estar, fez com que o Estado atuasse com
246
Do Estado..., op. cit., p. 29. 247
Teoria do Estado, p. 225. 248
Na mesma linha de raciocínio seguem diversos doutrinadores, dentre os quais se registra PAULO MÁRCIO CRUZ (Fundamentos Históricos, Políticos e Jurídicos da Seguridade Social, in DANIEL MACHADO DA ROCHA e JOSÉ ANTONIO ANTONIO SAVARIS (Coord.), Curso de Especialização em Direito Previdenciário, p 24).
79
mais fervor em prol da população, passando, a partir daí, a preocupar-se com
os problemas inerentes aos auxílios, as pensões, e à previdência social249.250
A Seguridade Social, nesse contexto, teve sua importância
multiplicada em face da abrangência de prestações e do alcance político social
junto aos indivíduos.
No Brasil, as primeiras experiências de proteção social seguiram
as vias inauguradas pelos países do hemisfério norte que, por sua vez,
tratavam de manifestações no âmbito da segurança que decorreram da
necessidade de assistência pública como resposta a exclusão social.
Tais experiências, como ressalta JOSÉ ANTONIO SAVARIS,
apareceram já na Carta Constitucional de 1824 na forma de garantias aos
“socorros públicos”. No documento Magno de 1891, tomou a forma de
aposentadoria por invalidez devida aos funcionários públicos em serviço da
nação251.
Mas a doutrina previdenciária ressalta a expansão da Seguridade
Social em detrimento dos efeitos decorrentes da Lei Eloy Chaves252 que se
traduz, na opinião da maioria esmagadora dessa doutrina, como o primeiro
grande paradigma da Previdência Social no Brasil, tendo elaborado as caixas
de assistência de aposentadorias e pensões para empregados das ferrovias
nacionais.
249
Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 27. 250
Paulo Márcio Cruz, citando Norberto Bobbio, frisa que diversos problemas sociais foram resolvidos pelo Estado de Bem-Estar, nos países onde fora implantado, mas, contemporiza que essa tendência foi acompanhada de aumento da carga tributária. Aumento, que segundo ele, foi alto. O Estado de Bem-Estar é sistema político-econômico que mantém o âmbito provado capitalista, mas, entretanto, encarrega o Estado de tarefas relativas à obtenção de condições sociais mínimas estabelecidas. A origem histórica, e que salta à vista, é justamente o período após a Segunda Grande Guerra. Enfim, importa registrar que em muitas ocasiões seu conceito fora utilizado como sinônimo de “Estado Social”, sendo coerente afirmar que as expressões, ainda que definam categorias diferenciadas de acordo com o ambiente cultural onde foram formados os Doutrinadores, definem categorias similares, senão iguais, (Ib., p. 27-29).
251 Traços elementares do Sistema Constitucional de Seguridade Social, in DANIEL
MACHADO DA ROCHA e JOSÉ ANTONIO ANTONIO SAVARIS (Coord.), Curso de Especialização em Direito Previdenciário, p 105-109).
252 Decreto Legislativo nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923.
80
Até esse momento a incursão previdenciária tinha acanhada
participação do Poder Público que se incumbia da função de mera
intermediação.
O sistema ganhou extensão e em 1930 fora criado o Instituto de
Aposentadoria e Pensões (IAP’s), ainda de natureza privada e atento apenas
aos seus poucos segurados.
Algum tempo antes da promulgação da Constituição de 1934,
entretanto, foi conhecida a primeira instituição de previdência de caráter
nacional, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos. O esboço,
então, daquilo que fora alcançado em 1988 teve início no documento
constitucional de 1934 que, já naquela oportunidade, se preocupou com o
custeio da Seguridade Social atribuindo, para isso, a responsabilidade pela
arrecadação de recursos a todos os atores sociais: União, empregados e
empregadores253.
Mas foi apenas na Constituição de 1946 que a expressão
“previdência social” foi inaugurada normativamente, dando ensejo a
promulgação da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, notoriamente
conhecida por Lei Orgânica da Previdência.
A unificação da legislação ocorreu seis anos depois,
especificamente em 21 de novembro de 1966, com a com a criação do Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS), através do Decreto-Lei nº 72.
O campo de proteção foi ampliado através da Constituição de
1967 e também por conta das conseqüentes leis infraconstitucionais que se
seguiram. O caráter efetivamente contributivo, como bem registra SAVARIS, foi
superado apenas em 1988 com a Constituição. Isso se deu por conta dos
ideais de universalização e uniformização, atributos inerentes à Seguridade
Social, e que tiveram no documento constitucional a melhoria da eficácia por
253
NICOLAU KONKEL JUNIOR, Contribuições Sociais: Doutrina e Jurisprudência, p. 46-47.
81
conta do afastamento perdulário de proteção social herdado do modelo social
de bem-estar pleno254.
A breve incursão registrada nesse subtítulo finda, portanto, na
Constituição Federal de 1988 e suas diversas previsões no âmbito da proteção
social, tais como serviços públicos e benefícios que resguardam o contexto
arquitetado para a proteção dos direitos das pessoas no campo social. Isso
acabou por dar efetividade “ao reconhecimento de uma esfera própria de cada
indivíduo” apta não só a definir a proteção social através de direitos, mas
também capaz de instrumentalizar as garantias jurídicas para tornar tais
direitos eficazes255.
Fato é que os pilares do constitucionalismo, já desde a Revolução
Francesa e Norte-America, estavam sedimentados na idéia de direitos
inerentes a figura humana. Algo inseparável da condição de ser humano e que
independe de reconhecimento em normas jurídicas, na medida em que são
questões próprias da natureza das pessoas. Tratam-se dos direitos humanos,
conquistados ao longo dos tempos e percebidos como de todos os homens,
independente do tempo e do lugar.
Esses direitos, de cunho universal, em vista da essencialidade,
passaram a ser positivados, assumindo a condição de direitos fundamentais,
fato bem percebido após a Segunda Grande Guerra quando se constatou que
os Direitos Humanos precisavam ser garantidos nos documentos magnos dos
Estados. Reflexo dessa constatação foi a própria Declaração dos Direitos dos
Homens que passou a integrar, de forma implícita, grande parte dos
ordenamentos no mundo, transformando Direitos Humanos em Direitos
Fundamentais.
Diga-se, por oportuno, que não há direito fundamental sem a
manutenção da igualdade, da liberdade e, por conseqüência, da própria
democracia. Talvez por isso, seja importante reconhecer que dentre as funções
dos direitos fundamentais, esteja aquela de defender a liberdade e, também, a
254
Traços elementares do Sistema..., op. cit., p. 109. 255
PAULO MÁRCIO CRUZ, Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 67.
82
igualdade através das prestações sociais. Fato é que a segunda dimensão, das
quatro, dos direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos, leva em
conta as relações do indivíduo com o meio social.
Decorre daí a garantia ao bem-estar e às prestações materiais
atinentes a Seguridade Social, em destaque a saúde, a assistência social e a
própria previdência.
A essencialidade do Estado de bem-estar foi ganhando contornos
cada vez mais específicos em prol da atuação do Estado como agente de
desenvolvimento social. O individualismo cedeu espaço ao solidarismo e as
constituições que se seguiram adotaram como tarefa descobrir o instrumental
apto a dar soluções aos graves problemas sociais que sorviam a dignidade
humana256.
Ao Poder Público cabia, agora, dar soluções.
O instrumental normativo adotado tem o nome de Seguridade
Social. A partir, portanto, do “Social Security Act”, norte-americano, a
Seguridade Social ganhou lugar de destaque na agenda do Estado
contemporâneo. O ápice, ao que tudo indica, veio com a promulgação da
Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), cujos artigos acabaram
por expressar a concretização jurídica da Seguridade Social.
O sistema social, portanto, pode ser visto como o conjunto de
ações do Estado, apto a garantir condições essenciais de vida digna aos
indivíduos, em detrimento das contingências sociais que mitigam tais
condições.
O modelo, na garantia da subsistência, trabalha tanto com o
financiamento como com a entrega efetiva de prestações257.
Como bem registra WAGNER BALERA, “as normas que cuidam
da seguridade social pretendem impor uma ordem à estrutura social.”258
256
WAGNER BALERA, Noções..., op. cit., p. 55. 257
PAULO MÁRCIO CRUZ, Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 71-72. 258
Noções..., op. cit., p. 68.
83
Mesmo após diversas transformações, como aliás se pôde
resumidamente comentar ao longo desse subitem, o Estado Social
Democrático de Direito continua tendo importante papel na garantia e
manutenção dos Direitos Fundamentais. Prova disso é a própria Constituição
de 1988, que trata da República Federativa em função do objetivo magno da
dignidade da pessoa humana, e, a partir daí, tece mecanismos aptos à
proteção social e à concretização das garantias estabelecidas.
Conclui-se, nessa linha de raciocínio, que o Estado Social
Democrático de Direito tem importante missão no curso do desenvolvimento da
sociedade, em especial reconhecendo os direitos sociais prestacionais, dentre
os quais merece atenção o direito fundamental à proteção social259.
O alicerce decorre do art. 1º, da Constituição de 1988, que
fundamenta o Estado Social Democrático de Direito no princípio da Dignidade
da Pessoa Humana que, por sua vez, prepara uma rede instrumental solidária
de proteção aos riscos sociais, organizada pelo Estado (art. 194) e patrocinado
por toda a sociedade (art. 195).
A Seguridade Social, portanto, vista como direito fundamental,
destina-se, basicamente, a promover a saúde e garantir as condições de vida
digna frente às incertezas da vida, que muitas vezes podem impossibilitar sua
manutenção, ainda que temporariamente.
O conceito de Justiça é o referencial para a compreensão desse
mecanismo, o qual, inclusive, proporcionará condição para que os legisladores
criem os instrumentos para a implementação.
Na condição de direito fundamental, a Seguridade Social alcançou
na Constituição Federal de 1988, através do princípio da dignidade da pessoa
humana, sua expressão maior, revelando-se como fim do próprio Estado (art.
1º). Além disso, reveste-se da condição de objetivo da Ordem Social, na
medida em que edifica as diretrizes das regras de proteção social. É
259
ZENILDO BODNAR, A Concretização Jurisdicional dos Direitos Previdenciários e Sociais no Estado Contemporâneo, in LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON e JOÃO BATISTA LAZZARI (Coord.), Curso Modular de Direito Previdenciário, p 16.
84
justamente nesse sentido que WAGNER BALERA registra que as normas que
cuidam da seguridade pretendem impor uma ordem à estrutura social260.
Queremos descobrir quem merece a proteção social, quais os tipos de proteção oferecidos pela ordem jurídica, quem deve a prestação e, por fim, como se acha equacionado o problema atinente ao financiamento de tal proteção.
261
No Brasil o sistema tem duas vertentes distintas para o
cumprimento das metas constitucionais: A primeira diz respeito a previdência
que tem características típicas de um seguro social. A segunda vertente está
relacionada ao mecanismo assistencial que tem o sistema de saúde e o
sistema próprio de assistência social como instrumentos de atuação.
Não seria outra a conclusão senão a de que a Constituição,
portanto, já deixou evidenciada a estrutura apta a resolver as mazelas sociais.
No que tange o custeio desse sistema, registre-se que pode ele
representar mínima participação financeira do Estado, até a participação
demasiada. Nesses casos a conta a pagar é elevada e daí a tão afamada crise
previdenciária e a constante temática acerca da reforma previdenciária em
decorrência da complexa e afaimada arrecadação tributária.
2.3. Princípios Inerentes à Seguridade Social
Como já mencionado ao longo deste trabalho, todas as normas do
sistema constitucional brasileiro convergem para o ponto único, para a norma
maior: a Constituição; que tem a responsabilidade na garantia da higidez e na
própria validade do sistema jurídico. Esse sistema, portanto, faz com que as
regras e as normas se interliguem, criando relações de coordenação e
subordinação hierárquica262.
260
Vide nota 263. 261
WAGNER BALERA, Noções..., op. cit., p. 69. 262
Vide pag. 20 e seguintes.
85
De todo modo, como não poderia deixar de ser com o Sistema de
Seguridade Social, há uma obediência ao conjunto de princípios que
representam, no contexto sistêmico, a prevalência do ordenamento protetivo
arquitetado pela Constituição Federal de 1988. A configuração do sistema,
então, está aparelhada a implementar uma sociedade pauta no bem-estar e na
justiça social.
A diretiva decorre do art. 193 da Constituição da República, o qual
designou, no direito brasileiro, o bem-estar e a justiça social como postulados
fundamentais da Ordem Social, valores supremos no contexto da proteção
social. Decorre daí, portanto, o termo inicial para o raciocínio e interpretação do
sistema de Seguridade Social.
O caráter protetivo é claro e resplandecente.
Além disso, são valores como bem-estar e justiça que permitem o
engajamento do sistema e também um funcionamento “livre de atrito”, de modo
que as diversas normas sejam integradas em prol dos objetivos gerais da
Ordem Social.
A dignidade da pessoa humana é a sede principal e o fundamento
indispensável que convida os operadores do direito à leitura e interpretação do
Estado Social Democrático de Direito. A noção de indivíduo, fundamento dos
sistemas construídos até a Segunda Guerra Mundial, cedeu espaço ao
conceito de pessoa humana como informadora de todo o Direito, o que
consagrou a condição de direito fundamental positivado no Texto
Constitucional.
De todo modo, a concretização do fundamento da “dignidade da
pessoa humana” tem por objetivo construir uma sociedade livre, justa e
solidária com escopo erradicar a pobreza e a marginalização, e, sobretudo,
reduzir as desigualdades sociais promovendo o bem de todos.
O art. 6º da Constituição, por sua vez, seguindo esse raciocínio,
registra que o sistema social reveste-se da natureza de Direito Fundamental
responsável, portanto, por instrumentalizar a realização do valor essencial da
86
dignidade humana, consagrado pelos valores supremos da justiça e do bem-
estar.
Cabe, enfim, registrar que a Seguridade Social é modelo adotado
no Brasil, parametrizado na Constituição, para solucionar os dilemas sociais.
Não obstante, a superioridade da Constituição no ordenamento
condiciona as normas atinentes a Seguridade, fundamentando-as e validando-
as, e, por conta disso, articulando a relação interativa entre três princípios de
grande importância quando o foco do estudo direciona-se ao custeio do
sistema de proteção social, quais sejam: 1) solidariedade; 2) equidade no
custeio; e a 3) diversidade na base de financiamento.
2.3.1. Solidariedade
Já se mencionou ao longo desse trabalho que o valor supremo do
bem-estar, aliado e engrenado com a justiça, assume vital importância para a
transformação social almejada na Constituição.
Tais valores representam “o centro de gravidade de todo o
sistema”, de modo que é justamente a partir da influência deles que as normas
e regras de cunho social são elaboradas, interpretadas e aplicadas263.
Justiça e bem-estar são expressões que decorrem do próprio
texto constitucional. Em diversas passagens, em especial a referência
constante do art. 3º da Constituição, há menção dos objetivos do sistema, os
quais realçam uma sociedade justa e capaz de promover o bem de todos.
Por conta disso, qualquer que sejam os direitos sociais
estudados, em especial aqueles inerentes ao Sistema de Seguridade Social
(previdência, assistência e saúde), a característica eminente é a idéia de
cooperação entre os membros da sociedade, ou atores sociais, para que não
somente o bem de todos seja alcançado, mas, sobretudo, isso ocorra de
maneira justa.
263
WAGNER BALERA, Noções..., op. cit., p. 17.
87
Para que isso seja possível, ou melhor, para que seja viável
promover o bem de todos, cada um dos integrantes da sociedade deve
participar e compartilhar as responsabilidades que isso implica.
Não é exagero, portanto, dizer que para resguardar e propagar os
direitos sociais é preciso que a noção de solidariedade esteja presente na
condição de centro unificador do sistema. A prevalência também tem
fundamento no art. 3º da Constituição da República, sendo coerente afirmar
que a supremacia já destacada decorre da própria previsão constitucional que
tem efeitos por todo o Ordenamento Jurídico.
A partir desse contexto, fica edificado o arquétipo constitucional
para o campo social. O princípio da dignidade da pessoa humana representa o
valor primordial do sistema; ao passo que justiça e bem-estar social, como
valores supremos, assumem a condição de finalidades desse sistema. A
solidariedade, por sua vez, representa o valor meio, ou melhor, aquele princípio
que tem o escopo de tornar apta a sistemática instituída264.
Cabe frisar, sobretudo, que a solidariedade constitucional não
decorre da simples noção de caridade. Vai além, na medida em que representa
uma nova maneira de se pensar, devendo permitir a implementação e a
construção de políticas sociais efetivas, todas elas motivadas pelo princípio da
dignidade da pessoa humana.
Como já mencionado, o princípio da dignidade da pessoa
humana, em especial através da solidariedade quando se trata do sistema
social, assume o papel de unificador, qualificando os demais valores na
condição de princípio fundamental265.
É justamente esse conceito que permitiu LEDA DE OLIVEIRA
PINHO alocar tal princípio tanto na base como no topo da pirâmide do
ordenamento, ao passo que evidenciou claramente o princípio da dignidade
264
LEDA DE OLIVEIRA PINHO, O conteúdo Normativo..., op. cit., p. 30. 265
Vide p. 89.
88
como valor fonte, justiça e bem-estar social como valores fim e a solidariedade
como valor meio266.
A conclusão, conseqüentemente, é que a consecução do bem de
todos depende de uma sociedade não somente justa, mas também solidária.
Além disso, ao que tudo indica, pode-se dizer que todo o Sistema
de Seguridade Social está baseado na solidariedade, não só através do pacto
intergeracional, mas também por conta da necessidade de manutenção do
sistema através da arrecadação.
Isso implica dizer que para o atendimento das políticas
constitucionais no campo social, é preciso que cada um dos atores sociais
assuma a responsabilidade pelo cumprimento de sua parcela de
responsabilidade também no custeio.
É por isso que a Constituição articula a participação de cada qual,
ou melhor, aquela que é própria do Estado e aquela que é própria do particular.
Como bem registra ANDRÉ FRANCO MONTORO, os devedores na justiça
social são os atores que, com a qualidade de membros, sejam governantes ou
governados, têm a obrigação de dar à sociedade o que lhe é devido267.
Oportuna, por sua vez, a explanação de WAGNER BALERA, que
explicita as duas formas de atuação diante desse contexto: uma cuja
competência é do Estado desenvolver através de sua atuação, sempre, por
óbvio, atentando para as limitações legais; e, outra atuação ligada mais de
perto aos particulares268.
A dicotomia fica evidente quando da leitura do art. 194, da
Constituição, que atribui ao Poder Público a responsabilidade pela organização
do sistema, ao passo que, também, resguarda parcela de responsabilidade dos
266
“É como se, dos princípios mais gerais até as regras mais específicas, houvesse uma transmissão do código genético da dignidade da pessoa humana, de sorte que todas as normas que são geradas a partir desta norma tronco carregam suas características fundamentais.” (LEDA DE OLIVEIRA PINHO, O conteúdo Normativo..., op. cit., p. 37).
267 Introdução à Ciência do Direito, v. 1, p. 284.
268 Noções..., op. cit., p. 22.
89
particulares em assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social.
Como bem registra LEDA DE OLIVEIRA PINHO, o significado da
solidariedade no campo da Seguridade Social está atrelado à idéia de bem
comum, ou melhor, de que todos são responsáveis por todos ao passo que
alcançar o bem comum implica a busca do bem-estar individual. São duas as
faces, portanto: um dever de solidariedade e um direito de solidariedade269.
Pôr em prática uma “política de solidariedade”, todavia, é tarefa
complexa. Um grande reflexo disso aparece, com mais ênfase, quando a
realidade orçamentária é o objeto de análise. Isso porque, a solidariedade
também deve imperar no sistema quando o foco dos estudos é o custeio.
O orçamento do sistema, nos termos do art. 165, §5º, III, da
Constituição, é diverso do orçamento fiscal e, também, financiado de forma
tríplice, através da participação do Estado, das empresas e dos
trabalhadores270.
Talvez por isso, ante aos princípios da Seguridade Social, a
solidariedade possa ser alçada à condição de postulado fundamental271.
A menção expressa do art. 3º da Constituição, é ratificada com
destaque no art. 194, através da expressão “conjunto integrado de ações”; e
também no art. 195, por meio da atribuição do custeio a todos os integrantes
da sociedade.
Evidenciado, nesse contexto, a importância da solidariedade no
campo da Seguridade Social como instituto ubíquo e de grande intensidade,
manifestando-se por diversos meios, não ficando à margem do campo
econômico aqui interpretado como o custeio do sistema. Até porque esse
sistema depende da ação e da atuação de todos, eis que os objetivos são
comuns e devem ser atingidos sob pena da marginalização da Constituição
Federal.
269
O conteúdo Normativo..., op. cit., p. 54. 270
PAULO MÁRCIO CRUZ, Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 72 e 82.
90
Se os escopos são os mesmos, assim como os objetivos, a
solidariedade não poderia deixar de orbitar o sistema com sua influência
vibrante. A natureza intuitiva e a influência da solidariedade no campo social
revelam a característica de vetor de orientação e interpretação desse princípio.
É justamente dando conta dos princípios da Seguridade Social,
dentre os quais se evidencia o princípio da solidariedade, que o próprio Poder
Legislativo edifica as leis, inclusive aquelas que tratam do custeio, ou seja, da
arrecadação.
A solidariedade, com isso, é vista através da noção de
responsabilidade de cada ator social, cada integrante da comunidade, em prol
do sistema. Com isso, quer-se dizer que a responsabilidade é de todos272.
2.3.2. Diversidade na Base de Financiamento Outro importante princípio que merece destaque é o da
Diversidade da Base de Financiamento que, sem delongas, decorre da
solidariedade entre os atores sociais elencados pela Constituição como
responsáveis pela higidez do sistema273.
Pela simples leitura do art. 195 da Constituição Federal pode-se
dizer que poderiam ter sido apontados quaisquer outras fontes responsáveis
pela manutenção financeira do sistema de seguridade social. Ainda assim, a
arquitetura criada, quando o foco diz respeito ao custeio para a manutenção do
sistema, lança mão da idéia elementar da solidariedade.
A faixa de responsabilidade é tripartida, ou melhor, a contribuição
ao sistema fica a cargo dos empregadores, dos trabalhadores e da União274.
271
WLADIMIR NOVAES MARTINEZ, Princípios de Direito Previdenciário, p. 27 272
LEDA DE OLIVEIRA PINHO, O conteúdo Normativo..., op. cit., p. 66-69. 273
PAULO MÁRCIO CRUZ, Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 85. 274
Há que se registrar que em que pese o princípio da solidariedade seja saliente em relação aos demais princípios inerentes a Seguridade Social, no campo do custeio, a Lei de custeio da previdência social (8.212/91), em seu art. 16, aponta competência da União o suprimento de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social.
91
As contribuições, como já mencionado, são destinadas a um cofre
único, sendo certo que as prestações são custeadas por recursos provenientes
desse mesmo cofre, o que leva crer que a solidariedade é compulsória já que
os recursos arrecadados perdem a relação direta com os pagadores,
assimilando relação direta ao sistema que os distribui com respaldo apenas
nos objetivos traçados constitucionalmente.
Uma das conseqüências é o princípio em destaque, previsto no
art. 194, VI, que estabelece a necessidade de haver diversidade da base de
financiamento.
A interpretação se dá sob o caráter objetivo, que anseia pela
diversidade dos fatos sobre os quais incidirão as contribuições; ou, ainda,
sobre o aspecto subjetivo em razão das pessoas que verterão contribuições.
Em ambos os casos, porém, o próprio constituinte delimitou o campo de ação,
especificando não só quem deve contribuir, mas sobre que base tais
contribuições devem incidir.
Veja que a diversidade subjetiva leva em conta os três atores
sociais já explicitados: União, trabalhadores e empregadores. A conclusão é
tão lógica quanto a leitura do texto constitucional que assim disciplina: “A
seguridade social será financiada por toda a sociedade...”, “...mediante
recursos provenientes dos orçamentos da União...”, “...e das seguintes
contribuições sociais...” “...do empregador, da empresa e da entidade a ela
equiparada...” “...do trabalhador...”.275
Da mesma forma, é visível a cautela do constituinte quando da
explicitação da diversidade objetiva, na medida em que são taxativas as bases
que servirão de fundo para o assenhoramento tributário através das
contribuições. Isso porque, as contribuições incidirão apenas sobre a “folha de
salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer
título, à pessoa física...” sobre a “a receita ou o faturamento”, ou sobre o
“lucro”.
275
Vide art. 195 da Constituição Federal de 1988.
92
Há que não se olvidar, contudo, ao fato de que a elaboração de
novas fontes de custeio podem ser criadas, desde que, todavia, sejam
observadas as disposições constitucionais do arts. 154, I e 195, §4º e, salvo
melhor juízo, para a expansão do sistema protetivo e atendendo.
Atendendo, enfim, aos princípios da capacidade contributiva e
proporcionalidade (na ordem tributária), a base do financiamento não se
concentrará nas mãos de apenas um dos atores sociais, da mesma forma que
também não repousará apenas em uma fonte objetiva de recursos.
Resumidamente, contudo, a Seguridade é financiada, nos dias
atuais, majoritariamente pelas empresas: através de contribuições sobre a
folha de salários e demais rendimentos do trabalho, sobre a receita ou
faturamento e sobre o lucro; e pelos trabalhadores: com recursos provenientes
dos descontos em seus salários.
2.3.3. Equidade na Forma de Participação do Custeio
Como bem assinala PAULO MÁRCIO CRUZ, não somente
através da diversidade na base do financiamento, mas também através do
princípio da equidade de participação no custeio, manifesta-se de forma solar
no sistema de seguridade social o princípio da solidariedade276.
Isso implica dizer que o custeio anseia pela justa proporção entre
as quotas com que cada um dos atores sociais deve contribuir para a
satisfação das metas sociais elencadas na Constituição277.
Evidente que a equidade é decorrência do princípio geral da
isonomia, em especial a capacidade contributiva. Isso implica dizer que não há
como presumir, simplesmente, a capacidade de cada ator social, merecendo
atenção não apenas a isonomia, mas também as limitações constitucionais que
impossibilitam a tributação demasiada, como a legalidade.
276
Fundamentos Históricos..., op. cit., p. 85. 277
WAGNER BALERA, Noções..., op. cit., p. 89.
93
A expressão constitucional da equidade na participação do
custeio decorre do art. 195, que enuncia ser a sociedade toda responsável pelo
financiamento da seguridade social.
O custeio, sob a ótica da equidade, deve ajustar o esquema de
contribuições ao critério máximo da isonomia entre os diferentes contribuintes.
Além disso, a equidade encoraja a força cogente dos princípios constitucionais
tributários que devem ser observados, sobremaneira, quando do estudo do
custeio para a manutenção do sistema de Seguridade Social.
A assertiva decorre da noção de que a equidade se faz pelo
tratamento isonômico e isso demanda não somente a guarida ao princípio da
capacidade contributiva e do não confisco, como o próprio princípio da
legalidade e da segurança jurídica, eis que se violados, comprometem a
igualdade na participação do custeio, princípio elementar da Seguridade Social
nos termos do art. 195, V, da Constituição Federal de 1988.
94
CAPÍTULO 3 – Contribuições Sociais para a Seguridade Social
3.1. Espécies Tributárias
A definição de tributo é de suma importância para o Direito
Tributário. Disciplina, por sua vez, o Código Tributário Nacional, que tributo é
toda a prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela possa
se exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada278.
Como explica GERALDO ATALIBA, assim como ocorre em
qualquer outra norma jurídica, o conteúdo principal das normas tributárias tem
uma ordem, ou um comando, para que alguém, opção da norma, entregue aos
cofres públicos certa quantia em dinheiro. A norma de Direito Tributário,
portanto, tem a mesma estruturação de qualquer outra norma de direito. O
objeto seria o comportamento humano para satisfazer o mandamento principal
entabulado na norma, ao passo que o dinheiro levado aos cofres seria o tributo,
ou seja, tributo seria o objeto do comportamento humano279.
Não é suficiente, como assinala PAULO DE BARROS
CARVALHO, a descrição hipotética para que seja conhecida a planta
fundamental do tributo. Para isso, ilustre professor lança mão da necessidade
da análise da base de cálculo, a fim de que a particularidade da natureza do
gravame seja conhecida pelo intérprete280.
A indicação é de extrema importância, na medida em que a
própria Constituição expõe, em seus arts. 145, §2º, 154, I, e 195, 4º, tal
necessidade. A mensagem constitucional, pela simples análise dos citados
artigos, é clara quando indica que para que um tributo seja conhecido, é
essencial que sejam analisadas a base de cálculo, como já mencionado, e sua
278
Vide art. 3º da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional): “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
279 Hipótese de Incidência..., op. cit., itens 13-16.
280 Curso..., op. cit., p. 28.
95
hipótese de incidência; não bastando a análise apenas do “fato gerador” como
sugere o legislador no art. 4º, do Código tributário Nacional281.
Nesse passo, cumpre registrar que o tipo tributário, no
ordenamento brasileiro, tem sua natureza consignada a partir da associação
lógica e harmônica da hipótese de incidência e da base de cálculo,
independente do nome que o legislador tenha atribuído ao tributo quando de
sua criação.
A partir das lições de PAULO DE BARROS CARVALHO, pode-se,
então, estabelecer uma classificação que permita conhecer os tributos
existentes no ordenamento jurídico brasileiro, merecendo ressalva, por
oportuna, a lição de AGUSTÍN GORDILLO, segundo a qual não há
classificações certas ou erradas, mas apenas classificações mais úteis ou
menos úteis282.
Seja como for, sob a ótica constitucional, será considerado tributo
o dinheiro levado aos cofres públicos, compulsoriamente, pelo contribuinte,
desde que não em virtude de obrigação convencional, multa, ou a título de
indenizar o Estado. É evidente, portanto, a compulsoriedade e a licitude da
hipótese de incidência.
Tomando por fundamento o Código Tributário Nacional, em
especial seu art. 3º, tem-se que “tributo” é gênero do qual o art. 5º, do citado
Código, e mesmo o art. 145 da Constituição Federal, indica como espécies os
impostos, as taxas e as contribuições de melhoria283.
A classificação tripartida, tripartite ou tricotômica, é muito
difundida entre os estudiosos do Direito Tributário e goza de muito prestígio na
doutrina erigida por grandes tributaristas (PAULO DE BARROS CARVALHO,
281
“Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: ...”
282 Apud EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, As Classificações no Sistema Tributário...,
op. cit., p. 130. 283
Vide art. 5º da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional): “Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.”.
96
RUBENS GOMES DE SOUZA, JOSÉ ROBERTO VIERA e ROQUE ANTONIO
CARRAZZA).
A classificação tem lastro na própria Constituição e também no
Código Tributário Nacional. Além disso, tem como fonte inspiradora a
circunstância de existir, na hipótese de incidência, um vínculo entre o fato
descrito e uma atuação estatal. Não deixa de ser um desdobramento da teoria
bipartida, a seguir mencionada, haja vista um tributo pode ser vinculado ou não
vinculado a atividade estatal. O critério define-se, portanto, em função da
vinculação, ou não, de uma atividade estatal no desenho da hipótese tributária,
que há de ser confirmada ou infirmada pela base de cálculo. Trata-se da
conhecida classificação dos tributos em “vinculados” ou “não vinculados”
desenvolvida por GERALDO ATALIBA em obra de grande renome284.
Nesse contexto, há a indicação dos impostos, das taxas e das
contribuições de melhoria, sendo certo afirmar que as contribuições especiais e
os empréstimos compulsórios não deixam de ser considerados tributos, mas
enquadrados ou na condição de taxa ou de imposto.
Antes da classificação tripartida, importante mencionar o modelo
bipartido (GERALDO ATALIBA e ALFREDO AUGUSTO BECKER), que dá
lugar a apenas duas espécies tributárias: tributos vinculados (anseiam por uma
atuação estatal) e não vinculados (não há implicação de uma atuação estatal).
BECKER fundamentou sua classificação bibartida arvorado na
concepção de que o “fato gerador” é o único e exclusivo critério objetivo e
jurídico para aferir o gênero e a espécie jurídica de cada tributo, alegando, para
isso, que os tributos seriam classificados em detrimento da existência, ou não,
de uma contraprestação estatal. Com isso, os tributos são alinhados na
condição de impostos ou taxas a depender de suas bases de cálculo (fossem
elas relacionadas a um serviço ou coisa estatal para assumir a condição de
taxa, ou a fato diverso para se revestirem de impostos).
284
Op. cit.
97
Há que se registrar, ainda, a divisão quadripartida que inclui, além
das taxas, dos impostos, e das contribuições de melhoria, os empréstimos
compulsórios (RICARDO LOBO TORRES).
Em consonância com a teoria quadripartida, importante destacar a
lição de HUGO DE BRITO MACHADO, para quem o próprio Código Tributário
Nacional, em seu art. 217, teria estabelecido, em consonância ao art. 5º, que
as disposições constantes do Código não excluem a exigibilidade de outras
contribuições, o que, por conseqüência, teria inaugurado a existência de uma
quarta espécie de tributo: as contribuições sociais, o que restou reforçado com
a redação do art. 149, da Constituição Federal de 1988285.
Outrossim, conclui o professor que “em vista o artigo 148, da
vigente Constituição Federal, também os empréstimos compulsórios não
podem deixar de ser considerados uma espécie de tributo.”286.
Está disposta, nesse diapasão, a teoria qüiqüipartite das espécies
tributárias, teoria da qual nos filiamos e que a própria jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal consagrou através do voto do então Ministro
MOREIRA ALVES:
De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.
287
285
“O art. 145 faz referência aos impostos, taxas e contribuições de melhoria. Ainda na seção I do Capítulo I do título VI da CF são conformadas as duas espécies restantes, quais sejam: o empréstimo compulsório (art. 148) e as contribuições especiais (art. 149), estas últimas subdividindo-se em: (a) contribuições sociais; (b) contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas e (c) contribuições de intervenção no domínio econômico.” (IVES GANDRA MARTINS, Sistema Tributário..., op cit., p. 76-77.)
286 HUGO DE BRITO MACHADO, Curso de Direito Tributário, p. 69-70.
287 RE 146.733-9/SP. Fonte: STF. Disponível em www.stf.jus.br. Acessado em 29.10.2012.
Também no RE nº 138.284/CE, da lavra do Ministro CARLOS VELLOSO em 01/07/1992 (Disponível em www.stf.jus.br. Acessado em 29.10.2012)
98
Explicitadas, ainda que de maneira breve em vista de não ser
esse o objetivo deste humilde trabalho, as classificações tributárias de maior
destaque na Doutrina Nacional, há que discorrer acerca das contribuições no
Brasil, em especial aquela cuja regra-matriz de incidência será esmiuçada ao
longo deste Capítulo.
3.2. O Tributo ”Contribuição Especial”
Lembram ANDREI PITTEN VELLOSO e LEANDRO PAULSEN
que a primeira referência no texto constitucional brasileiro acerca das
contribuições veio na Constituição de 1934, a qual autorizava a cobrança de
contribuições de melhoria em face da comprovada valorização imobiliária como
conseqüência de obras públicas.
Mas foi efetivamente a Constituição de 1967 o documento que
além de dedicar um capítulo específico ao Sistema Tributário, disciplinou a
instituição de contribuições destinadas à intervenção no domínio econômico, e,
ainda, as contribuições previdenciárias288.
Mas em 1969, com a Constituição, foram delineadas as
contribuições previdenciárias e as de intervenção para o capítulo do Sistema
Tributário, já, desde então, evidenciando e tornando notória a natureza jurídica
tributária das contribuições.
A Constituição da República de 1988 foi, por seu turno, o
documento que sistematizou o regramento das contribuições especiais,
extirpando qualquer dúvida ainda existente quanto ao caráter tributário das
mesmas, “determinando expressamente que se lhes aplicassem as normas
gerais em matéria tributária e os princípios da legalidade, da anterioridade e da
irretroatividade”289.
288
Contribuições: Teoria geral, contribuições em espécie, p. 19-21. 289
Id.
99
A Constituição manteve as contribuições interventivas e as
corporativas (art. 149), além de ter autorizado os entes políticos a instituírem
contribuições outras para financiar o sistema de previdência próprio dos
servidores nas diferentes esferas (parágrafo único, do art. 149). Por fim, definiu
a competência para a instituição de contribuições sociais destinadas a
Seguridade Social “estabelecendo as materialidades que poderiam ser
gravadas” (art. 195), além de ter permitido a continuidade da cobrança de
contribuições já existentes290, ter autorizar a instituição de contribuições de
iluminação pública (art. 149-A) e também de outras contribuições desde que
observado o art. 195291.
Resumidamente, no Direito brasileiro as contribuições todas são
divididas entre contribuições de melhoria e as contribuições especiais.
Enquanto aquelas representam uma categoria una, essas se subdividem em
subespécies: as contribuições sociais, as interventivas e as corporativas292.
É das sociais que nos ocuparemos doravante, até porque, como
observa HUGO DE BRITO MACHADO “...constituem um ponto de
intermináveis controvérsias”293; da mesma forma que por OCTAVIO CAMPOS
FISCHER, ainda são “Muitos são os pontos polêmicos a respeito das
Contribuições...”294; ainda, por tratarem-se dos “... únicos impostos finalísticos
ou contribuições especiais que se justificam...” (SACHA CALMON NAVARRO
COÊLHO295), e, por fim, como registra MACO AURÉLIO GRECO “...ainda não
se obteve. pelo menos no Brasil, consenso quanto aos seus aspectos
fundamentais” – motivo pelo qual “Esta figura não tem encontrado um
290
Salário-Educação (art. 212, §5º da Constituição), PIS/PASEP (art. 238) e ao SESC, SENAC, SESI e SENAI (art. 240).
291 LEANDRO PAULSEN e ANDREI PITTEN VELLOSO, Contribuições: Teoria geral..., op.
cit., p. 21. 292
“No Direito tributário da Constituição de 1988, as contribuições especiais são três, para financiar os deveres do Estado em tres áreas: a da seguridade social (previdência, saúde e assistência social), a da intervenção no domínio econômico e social (portos, café, cinema, cultura etc.) e a da manutenção das entidades representativas das categorias econômicas e de seus órgãos de classe (contribuições corporativas: sindicatos, OAB, etc.)” (SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, As Contribuições Especiais no Direito Tributário Brasileiro, p. 781).
293 Curso de Direito..., op. cit., p. 386.
294 PIS – COFINS: Questões Atuais e Polêmicas, p. 176.
295 As Contribuições Especiais..., op. cit., p. 783.
100
tratamento definitivo, nem no âmbito da doutrina estrangeira, nem da nacional”
296.
São consideradas tributos porque são prestações pecuniárias
compulsórias que não derivam de atos ilícitos, obrigações convencionais ou a
título de indenizar o Estado. São tributos por constituírem receitas publicas
derivadas, compulsórias, previstas em lei e devidas de conformidade com as
materialidades, destinações e respectivas competências constitucionais, sendo
pautadas por princípios conformadores de peculiar regime jurídico297.
Além disso, a Constituição de 1988 fez questão de tratar as
contribuições especiais como tributos diversos das taxas, dos impostos, dos
empréstimos compulsórios e das contribuições de melhoria, reconhecendo sua
autonomia. Isso porque a Constituição nunca trata das contribuições especiais
como sinônimos de impostos ou taxas, denominando-as sempre por
contribuições. Além disso a Constituição primou por diferenciar claramente as
competências para a instituição dos impostos e das contribuições.
Como se não bastasse, a Constituição da República estabeleceu
regimes jurídicos diferentes para impostos e contribuições e, para sedimentar a
questão, o próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a autonomia das
contribuições especiais à luz da Constituição, rechaçando a alegação de que
se tratavam elas de espécies do gênero imposto. Sedimentou, enfim, tratarem-
se as contribuições especiais, diferente dos impostos, taxas, contribuições de
melhoria e empréstimos compulsórios.
Em resumo, a Constituição de 1988 não trata das contribuições
sociais como espécies de impostos ou de taxas, mas como espécie tributária
autônoma, distinguindo-a de forma clara das demais espécies tributárias298
Na mesma linha segue HUGO DE BRITO MACHADO que firma
entendimento “...de que elas na verdade são tributos...”299; também
296
Contribuições (uma figura “sui generis”), p. 9-10. 297
JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, Contribuições no Sistema Tributário, In HUGO DE BRITO MACHADO (coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 355.
298 “As contribuições parafiscais têm caráter tributário. Sustento que constituem essas
contribuições uma espécie própria de tributo ao lado dos impostos e das taxas...” (STF,
101
HUMBERTO ÁVILA para quem “...a obrigação cuja instituição é permitida pelos
arts. 149 e 195 encaixa-se no conceito constitucionalmente pressuposto tributo
e no conceito legal estabelecido nos moldes instituídos pela Constituição...”300;
da mesma forma IVES GANDRA DA SILVA MARTINS que ao responder
quesito acerca da natureza jurídica das contribuições afirma serem
“...tributos...”301; e, enfim, LEANDRO PAULSEN que registra que as
contribuições especiais “... sejam sociais, sejam do interesse das categorias
profissionais ou econômicas ou mesmo de intervenção no domínio econômico
– constituem espécie do gênero tributo.”302
Atualmente, como registra ANDREI VELLOSO, “a natureza
tributária das contribuições sociais é reconhecida de forma uníssona pelos
tribunais...”. O próprio Supremo Tribunal Federal passou a reconhecê-las como
tal, tendo dissipado as controvérsias em razão da previsão no Sistema
Tributário Nacional e com a determinação de que lhes fossem aplicadas as
normas gerais tributárias, inclusive o princípio da legalidade, irretroatividade e
anterioridade303.304
A par de se caracterizarem como tributo, as contribuições
especiais detêm hipóteses de incidência desvinculadas de qualquer atuação
estatal. A melhor colocação, contudo, vai no sentido de que, na realidade,
estão elas vinculadas a uma atuação estatal não pela hipótese de incidência,
mas sim pela afetação a finalidade estatal específica. É nesse contexto que
RE nº 138.284/CE, Ministro CARLOS VELLOSO, 01/07/1992. Fonte: STF, disponível em www.stf.jus.br. Acessado em 29.10.2012).
299 Apresentação – As contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, in HUGO DE BRITO
MACHADO (Coord.), As contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p 8. 300
Contribuições na Constituição Federal de 1988, In HUGO DE BRITO (coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 315.
301 As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, In HUGO DE BRITO (coord.). As
Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 339. 302
Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, In HUGO DE BRITO (coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 366.
303 Comentários à Lei do Custeio da Seguridade Social, . 99.
304 O voto proferido pelo Ministro MOREIRA ALVES, em caso análogo, foi elucidativo nesse
sentido. “Sendo, pois, a contribuição instituída pela Lei nº 7.689/88 verdadeiramente contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social, com base no inciso I do artigo 195 da Carta Magna, segue-se a questão de saber se essa contribuição tem, ou não, natureza tributária em face dos textos constitucionais em vigor. Perante a Constituição de 1988, não tenho duvida em manifestar-me afirmativamente. (STF, RE 146.773-9/SP, Rel. Ministro Moreira Alves, Pleno, p. 29/06/1992). Fonte: STF. Acessado em 20/01/2013.
102
ANDREI PITTEN VELOSO e LEANDRO PAULSEN conceituam contribuição
especial como “...tributo que, apesar de ter hipótese de incidência desvinculada
de atuações estatais, é juridicamente afetado a realização de finalidades
específicas”, ou, a partir do Código Tributário Nacional: “...tributo cuja
obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer
atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, e cuja receita é
juridicamente afetada à realização de finalidade determinada.”305
Em resumo, as contribuições são espécies dotadas de
características próprias, dentre elas, a de vinculação do produto da
arrecadação às finalidades pré-determinadas. Em certa medida isso as torna
peculiar, sem, entretanto, comprometer a natureza tributária de que
inegavelmente se revestem em razão do ordenamento jurídico-positivo306.
Postas as considerações anteriores, pode-se dizer que as
contribuições cuja instituição é autorizada pelos arts. 149 e 195 da Constituição
Federal de 1988, são espécies de tributo, devendo ser instituídas, portanto,
com observância aos princípios constitucionais aplicáveis ao Direito Tributário,
inclusive aos princípios que limitam o poder de tributar, dentre eles o princípio
da legalidade.
A par dessa afirmação, pode-se dizer, ainda, que tais
contribuições, nos termos da Constituição de 1988, foram criadas para dar
suporte ao fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); e aos
objetivos bem definidos na Constituição: uma sociedade justa (art. 3º, I); e a
promoção do bem de todos (art. 3º, IV)307.
Além disso, como já mencionado, pelo fato das contribuições
especiais estarem vinculadas a atuação estatal específica, não pela hipótese
de incidência, mas pela afetação a uma finalidade específica, o Poder Público
se legitima a agir para proporcionar o bem de todos a partir da arrecadação
305
Contribuições: Teoria geral..., op. cit., p. 45-46. 306
EDUARDO BOTTALLO, Breves Considerações sobre a Natureza das Contribuições Sociais e Algumas de suas Decorrências, p. 13.
307 Justamente em face desses objetivos é que nem o legislador, nem o administrador podem
destinar ou tredestinar o produto da arrecadação, sob pena de crime de responsabilidade
103
dessas exações; até porque, o saneamento financeiro do Sistema de
Seguridade Social é pressuposto para a redução das desigualdades sociais e
da manutenção da justiça social308.
Há que se registrar que o escopo deste trabalho tem por núcleo a
análise mais aprofundada não de todas as contribuições especiais, mas
apenas a “Contribuição Social das Empresas para a Seguridade Social”
incidente sobre os rendimentos do trabalho, que é espécie das Contribuições
Sociais referidas no art. 149, da Constituição Federal de 1988.
Apenas para ilustrar, eis que já explicitado, o Supremo Tribunal
Federal, no julgamento do RE 138.284-CE da lavra do Ministro CARLOS
VELLOSO, distinguiu as contribuições de melhoria das contribuições aqui
denominadas especiais. Além das interventivas e corporativas, manteve a
classificação das sociais. Entretanto, subdividiu as contribuições sociais em:
“Contribuições Sociais Gerais” — FGTS, salário-educação (art. 212, §5º, da
Constituição), SESI, SENAI, SENAC (art. 240, da Constituição); das
“Contribuições de Seguridade Social” — art. 195, I, II e III, da Constituição; e
das “outras Contribuições de Seguridade Social” — art. 195, §4º, da
Constituição309.
Por todo esse capítulo, até aqui, tratou-se das contribuições
sociais destinadas a Seguridade Social, em especial das contribuições
denominadas especiais. A reflexão foi genérica, mas para manter fidelidade ao
e até a nulidade do ato administrativo. (SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, As Contribuições Especiais..., op. cit., p. 784.
308 WAGNER BALERA, As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, In HUGO DE
BRITO (coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 562-564. 309
As contribuições podem assim ser classificadas, segundo o jurista mencionado: 1) de melhoria (art. 145, III/CF); 2) especiais (de intervenção do domínio econômico – art. 149/CF; e as corporativas – art. 149/CF); 3) e as sociais (149/CF): que são as: 3.1) “Contribuições Sociais de Seguridade Social” – (art. 195, I, II e III/CF), 3.2) “outras Contribuições Sociais de Seguridade Social – (art. 195, §4º/CF), e as 3.3) “Contribuições Sociais Gerais.” – FGTS, salário-educação etc. – RE 138.284-CE – disponível em: www.stf.jus.br; acesso em: 27/12/2011. Outra alternativa de classificação, utilizada neste trabalho, seria a de denominar a todas as contribuições, excluídas as de melhoria, de “especiais”, considerando que elas são sempre instituídas para atender a finalidades específicas, gênero esse que abrangeria as espécies das Contribuições Interventivas, das Contribuições Corporativas ou Profissionais e das Contribuições Sociais; sendo que estas últimas abarcariam duas subespécies, as destinadas à Seguridade Social e as Contribuições Sociais Genéricas – veja-se, a título ilustrativo dessa respeitável corrente
104
objetivo deste trabalho é importante traçar o estudo a partir da ótica
constitucional, ponto de partida de qualquer análise tributária.
Conceber-se-á, a seguir, reservada atenção a Contribuição Social
destinada à Seguridade Social, prevista no art. 195, I, “a”, da Constituição
Federal, ou seja, aquela contribuição a cargo do empregador, da empresa e da
entidade a ela equiparada, incidente sobre a folha de salários e demais
rendimentos do trabalho, pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física
que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; referida, via de regra,
como Contribuição Previdenciária das Empresas.
A pretensão, enfim, é adotar como modelo de análise o plano da
norma jurídica tributária, desvendando os detalhes da contribuição, entendendo
sua estrutura e determinando sua regra-matriz de incidência.
3.3. A Norma Jurídica
Analisada a importância do homem enquanto ser coletivo,
enquanto sujeito de direito apto a assumir responsabilidades e sua própria
identidade pessoal num mundo coletivo, importante consignar que o sujeito,
então, deve ser alguém capaz de assumir tais responsabilidades, tomando,
para isso, consciência de seus atos.
A noção de sujeito capaz inaugura-se com a introdução de
predicados éticos e morais, os quais se ligam à idéia de obrigação. Tais
predicados aplicam-se às ações que os homens julgam ser boas ou más,
permitidas ou proibidas310.
Daí a importância das condutas dos sujeitos que se vêem diante
de outros sujeitos em comunidade, revelando seus comportamentos humanos
que interferem nas relações em si, sendo, portando, essencial a existência de
normas jurídicas que não só regulam conflitos, mas também orientam diretrizes
doutrinária, PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, p. 11-12.
310 PAUL RICOEUR, Quem é o Sujeito do direito? O Justo 1 – A justiça como regra
moral e como instituição, p. 25-34.
105
a serem seguidas. É justamente nesse contexto que NORBERTO BOBBIO
registra que “toda nossa vida é repleta de placas indicativas, sendo que umas
mandam e outra proíbem ter um certo comportamento e muitas dessas placas
indicativas são regras de direito.”311
Os sistemas jurídicos são, então, lógicos, compostos de
proposições que se referem a situações da vida, sendo que essas proposições
prevêem acontecimentos que, se ocorridos, são marcados. As regras jurídicas
indicam, nesse contexto, o que se há de considerar jurídico. No fundo, a função
social do Direito é de valorar interesses inerentes aos bens da vida e regular-
lhes a distribuição entre os homens312.
PONTES DE MIRANDA registra que “a regra jurídica é norma
com que o homem, ao querer subordinar os fatos a certa ordem e a certa
previsibilidade, procurou distribuir os bens da vida.”313
O sistema jurídico, pensado por esse imortal personagem,
contempla regras jurídicas que formulam conceitos jurídicos. O objetivo do
jurista, ao que tudo indica, seria então o de estudar os fatos e as relações
humanas para saber qual o suporte fático a ser utilizado e é ai que se exerce a
função esclarecedora.
Nesse passo, essencial consignar a importância do operador do
direito em dominar a legislação em vários sentidos. A aplicação da regra
jurídica exige que o intérprete, então, tenha conhecimento antecipado do
conteúdo dessas regras.
A atuação da norma jurídica sobre um determinado fato é que faz
nascer a conseqüência que é traduzida através dos efeitos jurídicos atuantes
nas relações entre os homens. Daí, há que se registrar não só a existência do
mundo fático, mas também do mundo jurídico que atribuirá conseqüências
jurídicas aos fatos escolhidos pela norma.
311
NORBERTO BOBBIO, Teoria da Norma Jurídica, p. 24. 312
PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, Tomo I, p. 49. 313
Id.
106
Nesse modelo pensado por PONTES DE MIRANDA, somente os
fatos que forem regulados pelas normas integrarão o mundo jurídico, em razão
da subsunção do fato hipotético à norma descrita na lei em abstrato. “O mundo
jurídico se vale dos fatos da vida e, mais que isto, é constituído por eles
próprios; resulta da atuação (incidência) da norma jurídica sobre os fatos,
juridicizando-os.”314
No campo dos estudos da norma tributária, sua estrutura não
difere da estrutura da norma proposta na Teoria Geral do Direito e, acerca dos
estudos inerentes a essa ramo do direito, talvez aquele que melhor expôs o
tema tenha sido PAULO DE BARROS CARVALHO, que trata das normas
jurídicas como aquelas que têm por objeto uma ação-tipo, onde a força cogente
se renova sempre que o sujeito passivo incorra na situação hipotética prevista
na lei315.
Por sua vez, diga-se que o melhor modo para se aproximar da
experiência jurídica é o estudo do direito sob o ponto de vista das normas, ou
melhor, considerar o direito como um conjunto de normas ou regras de conduta
a ponto de dizer que a experiência jurídica é uma experiência normativa. Esse
é o ponto de vista de NORBERTO BOBBIO, para quem a vida se desenvolve
em um mundo de normas que cercam os homens numa forma de rede de
regras de conduta que dirigem as pessoas numa ou noutra direção316 317.
Na realidade as normas jurídicas regulam a vida do homem e
muitas vezes até os mais simples atos da vida, até inconscientemente, têm
conteúdo jurídico, como por exemplo tomar um ônibus, entrar e sair livremente
de certo local, plantar uma árvore, consumir um produto qualquer318.
314
MARCOS BERNANRDES DE MELLO, Teoria do Fato Jurídico (Plano da Existência), p., 9.
315 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 55.
316 Teoria da Norma..., op. cit., p. 23.
317 “Podemos comparar o nosso proceder na vida com o caminho de um pedestre em uma
grande cidade: aqui a direção é proibida, lá a direção é obrigatória; e mesmo ali onde é livre, o lado da rua sobre o qual ele deve manter-se é em geral rigorosamente sinalizado.” “É por isso, um dos primeiros resultados do estudo do direito é o de nos tornar conscientes da importância do ‘normativo’ da nossa existência individual e social.” (Ib., p. 24).
318 MARCOS BERNANRDES DE MELLO, Teoria..., op. cit., p., 12.
107
A norma pode ser lida como abstrata se considerada em si
mesma. Todavia se concretiza quando da realização de um fato jurídico,
produzindo suas conseqüências jurídicas. A norma é modelo de conduta
estabelecido pela comunidade jurídica, em especial para adaptar o homem à
convivência social.
MARCOS BERNARDES DE MELLO registra que o mundo jurídico
é formado pelos fatos jurídicos, e, esses são resultado da incidência da norma
jurídica sobre o seu suporte fático quando concretizado no mundo dos fatos.
Daí porque se diz que a norma jurídica define o fato jurídico e, por
conseqüência, gera o mundo jurídico319.
Enfim, a norma jurídica é juízo hipotético onde há uma vinculação
de certa conseqüência quando da realização de um fato. JOSÉ ROBERTO
VIEIRA, apurado jurista paranaense e muitas vezes já mencionado, registra
que a norma jurídica é constituída pela previsão hipotética de um evento que,
se ocorrido no mundo fenomênico traz a conseqüência que se liga a previsão
hipotética através do conector “dever-ser”320.
Nesse passo, pode-se dizer que as normas jurídicas apresentam-
se numa estrutura arvorada na exposição de uma hipótese (precedente,
antecedente ou suposto) e de uma conseqüência (preceito) que se associam
pela “cópula deôntica”321. O fato, antes de alcançar o mundo jurídico, deve
então ter sua hipótese definida em lei, deve ocorrer no mundo fático e ser
juridicizado com a subsunção dele à norma.
O que é precedente é a possível situação fática, que permanece
silente aguardando a ocorrência do fato no mundo fenomênico, e, a inevitável
subsunção. Já o conseqüente prescreve uma relação jurídica entre sujeitos, e
nada mais é do que o efeito, ou o resultado, da ocorrência do fato hipotético.
Nesse sentido, pode-se reconhecer como descritora a hipótese, e como
prescritor o conseqüente322.
319
Teoria..., op. cit., p., 19. 320
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 57. 321
Id. 322
Id.
108
Há que se ressaltar, porém, que alguns autores de peso, tal como
GERALDO ATALIBA, incluem a “sanção” como um terceiro elemento na
estrutura da norma jurídica pensada por PAULO DE BARROS CARVALHO,
erguida em dois pilares (hipótese e conseqüente). ATALIBA entende que a
norma jurídica contempla uma hipótese; um conteúdo principal, por ele
caracterizado pelo que se denomina mandamento principal; e, pela sanção.
No caso da norma jurídica tributária, ele registra que se ocorrida a
hipótese de incidência, haverá um comando para que se entregue ao Estado
certa quantia em dinheiro, que é o tributo. O comando só é obrigado se
associado à hipótese, e se não cumprida nos exatos termos previstos na
norma, gera a sanção que assume a roupagem do terceiro elemento da
arquitetura lógica da norma jurídica323.
JOSÉ ROBERTO VIEIRA explica, porém, que a norma
sancionadora é uma nova regra que tem antecedente e conseqüente próprios,
não se podendo confundi-la com a norma primária que tem a configuração
própria e explicitada anteriormente. Ou seja, Se “A”, então deve ser “B”, ao
passo que a norma sancionadora teria a seguinte estrutura: Se descumprido
“B”, deve ser a sanção “C”324.
Ao final, tem-se que a estrutura lógica da norma jurídica
contempla a idéia de que concretizada a hipótese prevista no antecedente,
propagam-se os efeitos desse acontecimento instaurando-se o vinculo jurídico
representado na relação jurídica prescrita no conseqüente. Assim, acontecido o
fato descrito no antecedente, a relação prescrita no conseqüente se dá,
juridicizando o fato do mundo extrajurídico, agora já integrante do jurídico,
dando ensejo aos efeitos da relação prescrita no conseqüente da norma.
Pode-se dizer então que o fato subsumiu-se à norma, irradiando,
com isso, os efeitos do vínculo jurídico. Em outras palavras, o fato ocorrido
subsumiu-se aos exatos anseios da norma, refletindo sua imagem no mundo
fenomênico, dando margem a subsunção.
323
Hipótese de Incidência..., op. cit., itens 13-16. 324
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 58.
109
Eis o esquema ilustrativo:
Fato Jurídico (validade) (eficácia) Relação Jurídica (existência)
Hipótese (suporte fático e abstrato) MUNDO JURÍDICO
................................................. Subsunção..................................................................
Fato Concreto (fato bruto) MUNDO EXTRAJURÍDICO
Há que se referenciar, ainda, que se há na hipótese a descrição
de um fato, sua estrutura é composta por critérios, ou aspectos ou elementos,
que possibilitam a identificação desse fato quando ocorrido e erigido ao mundo
jurídico. Da mesma forma, se no conseqüente há a prescrição da relação
jurídica, sua arquitetura também pressupõem conjunto de critérios que permite
ao jurista individualizar, assim como o fato, a relação conseqüente da
subsunção.
3.4. A Norma Jurídica no Âmbito Tributário
Quando PAULO DE BARROS CARVALHO trata das normas
jurídicas tributárias, observa que muitas fórmulas de classificação podem ser
propostas para facilitar seu entendimento. Todavia, destaca o professor Titular
de Direito Tributário da PUC-SP e da USP, que um critério dos mais
importantes é aquele que qualifica as normas jurídicas tributárias pelo ângulo
institucional325.
O mesmo critério é sublinhado por JOSÉ ROBERTO VIEIRA, que
o credencia como apto a “...arrumar logicamente o direito posto...”, de modo
que também elege esse critério para classificar as normas num contexto onde:
“...definem os princípios...”, “...delimitam a incidência tributária...” e
“...estabelecem providências administrativas...”326.
325
Curso..., op. cit., p. 235. 326
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 59.
110
As normas que definem a incidência tributária descrevem os fatos
e estipulam os sujeitos da relação, bem como os termos determinativos da
dívida. Como se pode concluir da análise das normas jurídicas tributárias, são
numerosas as normas que tratam de princípios e de providencias
administrativas. No entanto, poucas são as regras jurídicas de incidência.
É por isso que PAULO DE BARROS designa “...norma tributária
em sentido estrito...” à regra-matriz de incidência tributária, e “...norma tributária
em sentido amplo...” às demais normas327; e é sobre a primeira delas que nos
debruçaremos a seguir.
3.5. A Estrutura da Regra-Matriz de Incidência Tributária
A denominação “regra-matriz de incidência tributária,” como
ensina SUZY GOMES HOFFMANN, é adotada por PAULO DE BARROS
CARVALHO para demonstrar, com perfeição didática, haver um arquétipo da
norma jurídica tributária de incidência. Essa norma é edificada por uma
hipótese e por uma conseqüência, de “... tal modo que na hipótese está contida
a descrição de um fato e na conseqüência está... ‘a relação jurídica que vai se
instaurar, onde e quando acontecer o evento cogitado no suposto’” (sic)328.
Relembre-se que tanto a estrutura da hipótese como a do
conseqüente da norma jurídica tributária de incidência é composta por critérios
que permitem a identificação tanto do fato descrito como da relação jurídica
prescrita. O ideal, portanto, a fim de compreender toda a extensão da regra-
matriz de incidência tributária, é isolar cada uma das proposições: a descritiva
e a prescritiva329.
327
Curso..., op. cit., p. 235. 328
SUZY GOMES HOFFMANN, As Contribuições no Sistema Constitucional Tributário, p. 126.
329 Explica NORBERTO BOBBIO: “Por proposição entendemos um conjunto de palavras que
possuem um significado em sua unidade... Além disso, é necessário distinguir uma proposição de seu enunciado. Por enunciado entendemos a forma gramatical e lingüística pela qual um determinado significado é expresso...” (Teoria da Norma..., op. cit., p. 73).
111
Como já consignado, a hipótese trata da previsão do fato, ao
passo que o conseqüente prescreve a relação jurídica decorrente do mesmo
fato acontecido no mundo real. Daí decorre a relação jurídica que tem como
efeito, no caso do Direito Tributário, fazer com que o sujeito passivo seja
compelido a levar certa quantia em dinheiro aos cofres do sujeito ativo.
Mas quais seriam os critérios do descritor e do prescritor da
norma jurídica tributária? PAULO DE BARROS CARVALHO responde,
apontando a existência de três critérios na hipótese: o material, o temporal e o
espacial; e dois critérios no conseqüente: o pessoal e o quantitativo.
O critério material descreve o comportamento de uma pessoa,
mediante um verbo e um complemento, e essa conduta está subordinada a
uma circunstância de lugar que corresponde ao critério espacial, e por uma
condição de tempo que constitui o critério temporal. Por sua vez, no
conseqüente, há a definição dos sujeitos ativo e passivo, através do critério
pessoal; e, além disso, o critério quantitativo, que revela a base de cálculo e a
alíquota330.
Já em GERALDO ATALIBA, a hipótese abrange quatro aspectos,
sendo eles o material, o temporal, o espacial e o pessoal; ao passo que o
conseqüente comporta apenas a alíquota. Ademais, ATALIBA registra a
existência de um terceiro segmento da norma jurídica: a sanção331.
De forma esquemática e em termos comparativos, pode-se
desenhar a estrutura da norma jurídica tributária de incidência sob a ótica do
professor GERALDO ATALIBA e sob a visão de PAULO DE BARROS
CARVALHO, da seguinte maneira, respectivamente:
330
Curso..., op. cit., p. 237. 331
Hipótese de Incidência..., op. cit., p. 76-119.
112
Feita a introdução da regra-matriz de incidência tributária, resta
aplicá-la no caso concreto, o que se fará no item a seguir.
3.6. A Regra-Matriz de Incidência da Contribuição Previdenciária das Empresas
A análise da regra-matriz de incidência tributária da Contribuição
Social das Empresas sobre os Rendimentos do Trabalho (art. 195, I, “a”, da
Constituição Federal), será analisada sob a ótica o modelo de PAULO DE
BARROS CARVALHO, porque, como sublinha JOSÉ ROBERTO VIEIRA, foi
nele que “...a estrutura da norma tributária encontrou sua mais precisa e
sofisticada elaboração”. E mais: este é o caminho a percorrer, “...pois,
trilhando-o, teremos o ensejo de desvendar a essência jurídica deste imposto”
(desta contribuição), ”...invadindo-lhe a intimidade estrutural e determinando-
lhe a regra-matriz de incidência.”332
332
Imposto Sobre Produtos Industrializados: Uma Águia Garciamarquiana entre os Tributos, In EURICO MARCOS DINIS DE SANTI (Coord.), Tributação das Empresas: Curso de Especialização, p. 172 e 177.
1) HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA 1) HIPÓTESE TRIBUTÁRIA
1.1) Aspecto Material (base imponível) 1.1) Critério Material (v + c)
1.2) Aspecto Temporal 1.2) Critério Espacial
1.3) Aspecto Espacial 1.3) Critério Temporal
1.4) Aspecto Pessoal (SA e SP)
2) MANDAMENTO 2) CONSEQUENTE
2.1) Alíquota 2.1) Critério Pessoal (SA e SP)
2.2) Critério Quantitativo (BC x AL)
113
3.7. Hipótese de Incidência Tributária
3.7.1. Generalidades
Na hipótese tem-se a descrição do fato. O fato em si não pode ser
dividido ou fracionado, mas a análise mais detalhada exige um olhar
segmentado, de modo que se permita dividir a hipótese, didaticamente, em
critérios. O mesmo raciocínio valerá para o conseqüente da norma.
A hipótese, como já mencionado, pode ser divida em critérios:
material, pessoal e temporal. Como proposição descritiva, a hipótese é uma
situação objetiva real, acolhida pela norma, cujos dados foram recolhidos da
realidade e qualificados como jurídicos333.
O critério material será sempre traduzido por um verbo e por seu
complemento, caracterizando um comportamento humano. O critério espacial,
assim como o temporal, são concepções de espaço e tempo, respectivamente,
sendo certo que aquele estabelece as coordenadas espaciais, informando os
locais em que deve ocorrer o fato jurídico tributário, enquanto este assinala o
exato momento em que se dá o fato por consumado.
Em relação à Contribuição Social prevista no art. 195, I, “a”, da
Constituição, a hipótese está ligada ao pagamento ou o crédito de salário e
demais rendimentos do trabalho, pela empresa ou equiparada, à pessoa física
que lhe preste serviço. Assim, somente poderá dar-se por ocorrido o fato
jurídico tributário no momento em que a empresa efetuar o pagamento ou o
crédito da importância cuja natureza é de retribuir um trabalho prestado334.
333
PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 250. 334
Constituição Federal: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício...”
114
Por oportuno, há que consignar que o presente estudo fará um
corte metodológico, ficando adstrito às empresas, deixando à margem os
demais empregadores.
3.7.2. Critério Material
Trata-se do critério preponderante, haja vista de que os demais
critérios da hipótese somente o condicionam, através das coordenadas de
tempo e espaço, ou seja, trata-se, portanto, do núcleo do suposto normativo335.
MARY ELBE QUEIROZ descreve-o como a conduta humana que
constitui um dos componentes lógicos da hipótese, aquele que se traduz por
um verbo pessoal e transitivo e um complemento336.
Há que consignar, ainda, que o verbo que exprime o
comportamento humano deve ser sempre pessoal e transitivo, cuja predicação
é incompleta e por isso almeja um complemento. Daí porque se afastam os
verbos impessoais, tanto os essenciais, como os que exprimem fenômenos da
natureza, quanto os acidentais337.
Dissecando, portanto, a regra-matriz de incidência tributária da
contribuição social prevista no art. 195, I, “a”, da Constituição, refletido no art.
22, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, percebe-se que o critério material é
formado pelos verbos “pagar” ou “creditar”; e pelos complementos, neste caso
mais de um: “salário e demais rendimentos do trabalho” – remunerações
destinadas a retribuir um trabalho prestado à empresa, ou equiparada, por
pessoas físicas; e que os valores sejam pagos pela empresa, ou entidade
equiparada, de modo a retribuir os serviços efetivamente prestados ou apenas
colocados à disposição338.
335
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 62. 336
Imposto Sobre a Renda e Proventos de qualquer Natureza, p. 121. 337
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 63. 338
Lei nº 8.212/91: Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos
115
Assim, no caso da contribuição em análise, o critério material
reside no tripé: pagar ou creditar salário e demais rendimentos destinados a
remunerar o trabalho; que esse salário ou rendimento do trabalho seja pago ou
creditado a uma pessoa física que preste serviço, mesmo sem vínculo de
emprego; e que os serviços sejam prestados à empresa ou entidade
equiparada, as quais terão, portanto, a obrigação de arcar com o salário ou
rendimentos destinados a retribuir esse trabalho prestado.
Não há que se confundir o simples pagamento ou crédito de
valores, pela empresa, à pessoa física que lhe preste serviço. A tributação leva
em conta o pagamento ou crédito de salário ou rendimentos destinados a
retribuir o trabalho, esteja, ou não, à pessoa física prestadora envolvida numa
relação trabalhista. No caso específico das empresas ou entidades
equiparadas, isso não engloba apenas os empregados, mas também os
trabalhadores avulsos e até os contribuintes individuais que prestam serviços
na qualidade de pessoas físicas, recebendo, por conta disso, retribuição
financeira.
Se houver, nesse contexto, pagamento ou crédito de rendimentos
destinados a retribuir o trabalho, pela empresa ou entidade equiparada, à
pessoa física que efetivamente prestou os serviços, ou apenas os colocou à
disposição, mesmo sem vínculo de emprego, terão sido preenchidas as
exigências do critério material da regra-matriz de incidência tributária. Isso
porque o comportamento humano previsto hipoteticamente na norma terá sido
concretizado em sua totalidade, revelando a ocorrência do fato jurídico
tributário339.
habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa”.
339 A Lei nº 8.212/91, em seu art. 15, define empresa: “...a firma individual ou sociedade que
assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional.” Da mesma forma, o citado art., em seu parágrafo único, disciplina: “...equipara-se a empresa, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras”.
116
Destaca, por sua vez, ANDREI PITTEN VELLOSO que as
microempresas e as empresas de pequeno porte podem ser excluídas do
regime do tributo previsto na Lei nº 8.212/91, fundamentado no art. 195, I, “a”,
da Constituição, desde que optem pelo SIMPLES, nos termos da Lei nº 9.317,
de 05 de dezembro de 1996340. Atualmente, porém, ante a revogação da
referida lei, pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, o
destaque permanece o mesmo, ressalvando-se que, nos dias atuais, a matéria
é disciplinada através de lei complementar, sendo certo que o recolhimento das
Contribuições Sociais destinadas à Seguridade Social não obedece à Lei nº
8.212/91, mas sim à Lei Complementar nº 123/2006, que tem seus próprios
critérios.
Além disso, merece ressalva o fato de que a Constituição Federal
de 1988 erigiu, como núcleo do critério material, os verbos “pagar” e “creditar”.
Todavia, pela simples leitura da Lei nº 8.212/91, em visível
inconstitucionalidade, percebe-se que o legislador infraconstitucional inseriu,
nos arts. 22, I, e 28, I, a expressão “...rendimentos pagos, devidos ou
creditados a qualquer título”. Isso, supostamente, pelo menos aos desavisados,
poderia indicar a existência de outro verbo para exprimir o comportamento
humano apto a fazer acontecer o fato jurídico tributário, qual seja: “dever”.
Assim, se a empresa pagar, creditar ou, simplesmente, for
“devedora” de salário ou rendimentos do trabalho a uma pessoa física que lhe
prestou serviço, seria possível dizer que o fato jurídico tributário teria ocorrido.
Outrossim, com base no que preceitua o art. 22, da Lei nº
8.212/91, há outro complemento que restringe a ocorrência do fato jurídico
tributário em análise: somente as remunerações pagas ou creditas aos
segurados empregados e trabalhadores avulsos dão conta da hipótese prevista
no art. 22, I, da lei acima citada. Não se quer aqui dizer que os serviços
prestados por outras pessoas físicas, que não empregados e avulsos, não dão
ensejo à subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. É que, para a
hipótese do art. 22, I, tratam-se apenas de segurados empregados e avulsos;
340
Comentários à Lei do Custeio..., op. cit., p. 108.
117
para remunerações pagas ou creditadas aos segurados contribuintes
individuais, a base legal será o inciso III, em que pese a mesma base
constitucional.
Como bem assinala ANDREI PITTEN VELLOSO, após o advento
da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, passou a ser
possível a cobrança da Contribuição Social de remunerações pagas a pessoas
sem vínculo empregatício com a empresa, sendo o caso dos avulsos e dos
contribuintes individuais, como se depreende da leitura do art. 195, da
Constituição de 1988341.
Enfim, considerando que seria inimaginável imaginar uma ação
humana independente de ser estabelecido um lugar e um tempo para isso, da
mesma forma é absurdo pensar no critério material sem a conformação dos
critérios de espaço e tempo, coordenadas que se dedicam a condicionar o
núcleo do suposto normativo.
3.7.3. Critério Espacial Esse critério indica as circunstâncias de lugar, contidas na
hipótese de incidência, e que são relevantes para a configuração do fato
jurídico tributário. Os fatos descritos nas hipóteses de incidência das normas
tributárias, quando praticados na vida real, acontecem necessariamente em
algum lugar. JOSÉ ROBERTO VIEIRA complementa, registrando que esse
critério possibilita o reconhecimento da condição que marca no espaço o
acontecimento do fato jurídico tributário342.
Além disso, cabe registrar que o critério não retrata o recorte
geográfico do território nacional, eis que há tributos cujo critério espacial admite
341
Ib. p. 112. 342
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 63.
118
o acontecimento do fato em qualquer lugar, desde que dentro do campo de
eficácia ou validade343.
Trata-se do local em que o fato deve ocorrer a fim de que irradie
os efeitos que lhe são característicos, e, por isso, permite saber onde nasceu o
laço obrigacional. A descrição normativa prevê áreas, regiões, intervalos
territoriais, dentre os quais se pode efetivar o evento344.
No caso da contribuição sob exame, o critério espacial revela-se
em todo o território nacional, a depender do critério temporal, que dirá o
momento da ocorrência do fato, ou seja, a partir daí define-se o local da
ocorrência da conduta humana que é condicionada aos verbos pagar e creditar
e aos complementos já apontados.
Assim, o critério espacial é definido no local onde ocorrer à
conduta humana prevista na antecedente da norma. É nesse local que se
poderá dizer ter ocorrido a subsunção do conceito do fato ao da norma, dando
ensejo, assim, à conseqüente relação jurídica prescrita no preceito da norma
jurídica tributária.
3.7.4. Critério Temporal
A lei que traça a hipótese de incidência também traz indicações
das noções de tempo, importantes para a configuração dos fatos tributários.
Assim, acontecido o fato descrito na hipótese de incidência, será ele
considerado fato jurídico, apto a dar nascimento à obrigação, no caso,
tributária. Como assegura GERALDO ATALIBA, sua importância decorre da
343
O critério espacial não precisa coincidir, inevitavelmente, com o espaço territorial, tendo em vista as características peculiares de cada tributo (MARY ELBE QUEIROZ, Imposto Sobre a Renda..., Op. Cit., p. 124).
344 “Acreditamos que os elementos indicadores da condição de espaço, nos supostos das
normas tributárias, hão de guardar uma dessas três formas compositivas, diretriz que nos conduz a classificar o gênero tributo na conformidade do grau de elaboração do critério espacial da respectiva hipótese tributária: a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério especial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear efeitos peculiares.” (PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 256.).
119
necessidade de definir o momento em que se reputa ocorrido o fato tributário.
O critério temporal tem a importância de designar o exato momento em que se
consuma o fato jurídico tributário, ou seja, quando nasce a obrigação
tributária345.
“O critério permite a identificação da coordenada que limita, no
tempo, a ocorrência do fato.” É assim que JOSÉ ROBERTO VIEIRA delimita tal
critério. Por conta desse critério é que se conhece o momento exato em que se
instala o laço obrigacional, mostrando, com isso, o instante em que surgem o
direito subjetivo do sujeito ativo e o dever jurídico do sujeito passivo346.
É forçoso reconhecer que a norma tributária sempre incide num
dado marco de tempo em que se dá por ocorrido o fato. Como assinala MARY
ELBE, “...o momento da ocorrência do fato gerador, portanto, será aquele em
que estiverem presentes todos os elementos suficientes e indispensáveis para
realizar a hipótese descrita em abstrato na norma jurídica e necessários para a
configuração”347.
No caso das contribuições ora em análise, não se pode confundir
o momento do acontecimento do fato tributário com o período de apuração do
referido tributo, eis que o momento onde ocorre a subsunção não coincide com
o período de apuração, mas, sim, com o termo final.
Tanto para os empregados, como para os avulsos, ou mesmo
para os contribuintes individuais que prestam serviços, na qualidade de
pessoas físicas, para a empresas ou entidades equiparadas, o critério de
tempo adotado pela norma foi o mensal, eis que a contribuição é devida
quando do crédito ou pagamento de remunerações do trabalho, no lapso
compreendido durante o mês.
Nesse passo, será devida a contribuição quando do término do
mês em que tenha havido o pagamento ou o crédito, até porque, durante o mês
podem haver mais que apenas um crédito ou pagamento. Assim, será devida a
345
Hipótese de Incidência..., op. cit., p. 95. 346
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 64. 347
Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 127.
120
contribuição, a partir do último instante do mês, sendo correto afirmar que,
antes desse momento, nada será devido a título dessa exação.
3.8. Conseqüente Tributário
3.8.1. Generalidades
Até este ponto, falou-se acerca do antecedente da norma, que
permite a identificação do fato da realidade que corresponde ao descrito na
norma. O conseqüente, por sua vez, é o segmento posterior, aquele que regula
a conduta, prescrevendo direitos e deveres para as pessoas envolvidas no
acontecimento erigido ao mundo jurídico.
Na hipótese, há a descrição do fato cuja incidência o torna
jurídico. O conseqüente permite o estabelecimento da relação jurídica entre os
sujeitos, bem como a determinação dos seus direitos e deveres. JOSÉ
ROBERTO VIEIRA assinala que, no conseqüente, estão os critérios que
permitem a identificação da relação jurídica tributária348.
Aqui é definida a “estrutura arquitetônica” da relação jurídica
decorrente da subsunção do conceito do fato ao conceito da norma. PAULO
DE BARROS CARVALHO define essa relação como o “...vínculo abstrato,
segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada de
sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito
passivo, o cumprimento de certa prestação”349.
O vínculo jurídico é um laço exclusivo entre sujeitos, uma relação
intersubjetiva que não contempla o liame entre pessoas e coisas, por exemplo.
Ainda, como consideram PAULO DE BARROS CARVALHO350 e JOSÉ
ROBERTO VIEIRA351, a relação jurídica é de índole economicamente
348
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 65. 349
Curso..., op. cit., p. 279. 350
Ib., p. 283. 351
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 66.
121
apreciável, ou melhor, é uma relação jurídica obrigacional na medida em que é
perceptível o caráter patrimonial.
Como pontua MARY ELBE, é mediante o exame do conseqüente
que se conhece a composição da relação jurídica, no tocante aos critérios
pessoal e quantitativo352. Assim, diga-se que os critérios para a identificação da
relação jurídica são dois: o critério pessoal, que envolve a definição dos
sujeitos; e o critério quantitativo que trará a base de cálculo e a alíquota.
Enquanto o critério pessoal mostrará quem são os sujeitos da
relação jurídica, o quantitativo revelará o objeto da prestação. Assim, justifica-
se dizer que a hipótese tributária está para o fato tributário, no antecedente
normativo, assim como o conseqüente tributário está para a relação jurídica
tributária individualizada no mandamento da norma.
Será, então, no conseqüente, além da indicação dos sujeitos, que
serão expostas as referências de grandeza que o legislador quis para
dimensionar do fato jurídico tributário. Daí decorrerá o valor do tributo a ser
suportado pelo contribuinte.
3.8.1. Critério Pessoal Aqui são identificados os sujeitos ativo e passivo da relação
jurídica e, portanto, os direitos e deveres inerentes a uma relação entre
pessoas. Mas como não poderia deixar de ser, numa Constituição rígida e
detalhista como a brasileira, inclusive quando trata do Sistema Tributário
Nacional, essa identificação dos sujeitos já é condicionada.
GERALDO ATALIBA assinala que as pessoas não são todas
obrigadas a obedecer a todos os milhões de comportamentos jurídicos
prescritos no ordenamento. Cada qual é obrigada a obedecer apenas aos
mandamentos cujas hipóteses a contemplem. Assim, somente quando uma
hipótese indica a pessoa “A”, é que “A” é obrigada a obedecer à respectiva
conseqüência. ATALIBA consigna que a definição do sujeito ativo é sempre
352
Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 137.
122
discricionária, uma vez que poderá ser qualquer pessoa desde que com
finalidades públicas; todavia, sempre estabelecida em lei. Com relação ao
sujeito passivo, ele ainda registra que será aquele definido constitucionalmente,
ou seja, o destinatário constitucional tributário; ou melhor, a hipótese tributária
não o define, eis que é implícito, na maioria dos casos, mas estabelece critérios
para a sua definição353.
MARY ELBE colabora, indicando que o sujeito ativo é definido
constitucionalmente, quando a Constituição da República, expressamente,
outorga competência ao ente político, ressalvados os casos de parafiscalidade,
que decorrem de autorização legal. Já o sujeito passivo, diz a autora, é
implicitamente estabelecido pela Constituição, quando ela regula a
materialidade da regra-matriz de incidência354.
Analisando o posicionamento de ambos doutrinadores, pode-se
dizer que a Constituição não deixa grande margem de liberdade ao legislador
ordinário para eleger a materialidade da hipótese de incidência ou definir os
sujeitos da obrigação tributária. Enfim, como pontua GERALDO ATALIBA, no
Brasil, o sujeito passivo só pode ser aquele constitucionalmente destinado, ao
passo que, no caso do sujeito ativo, a lei pode atribuir titularidade de um tributo
ao próprio ente ou a pessoa diversa, desde que calcado na Constituição355.
Através do critério pessoal são indicados os ocupantes dos dois
pólos da relação, de modo que, no ativo, estará o titular do direito à prestação
e, no passivo, estará aquele obrigado ao cumprimento do mandamento356.
No caso em tela, o sujeito ativo é a União através da Receita
Federal do Brasil, ressalvando que, até a publicação da Lei nº 11.457, de 16 de
353
Hipótese de Incidência..., op. cit., p. 80-82. 354
Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 138. 355
Hipótese de Incidência..., op. cit., p. 81-83. 356
Esclarece, a respeito, JOSÉ ROBERTO VIEIRA: “O sujeito ativo estará via de regra implícito nas malhas do texto legal.. muito embora, vez por outra, ele deva ser expressamente referido pelo legislador, nas ocasiões em que se verifique a transferência da capacidade tributária ativa, como nos gravames parafiscais. ...no que pertine ao sujeito passivo, a regra não vai além de munir-nos com parâmetros, que deveremos aplicar às circunstâncias de fato para descobrir quem ocupa o pólo negativo da relação. Em resumo, a determinação do sujeito ativo é somente normativa e anterior ao fato jurídico tributário, ao passo que a do sujeito passivo é normativo-fática e posterior àquele evento.” (IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 66).
123
março de 2007, as contribuições previdenciárias das empresas tinham como
sujeito ativo o Instituto Nacional do Seguro Social, num exemplo cristalino de
parafiscalidade357.
Todavia, após a vigência da citada lei, a União assumiu a
condição de sujeito ativo e a Secretaria da Receita Federal do Brasil passou a
ser o órgão da Administração Pública direta responsável pelas atribuições que
antes eram da Secretaria da Receita Previdenciária. A “Super Receita”, ou
Receita Federal do Brasil, antes denominada apenas Receita Federal, além
das antigas atribuições assumiu a obrigação de planejar, executar,
acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação, fiscalização,
arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais
previdenciárias, dentre as quais aquela a cargo das empresas, incidente sobre
a “folha de salários” e demais rendimentos do trabalho.
Ao Instituto Nacional do Seguro Social coube apenas emitir a
certidão relativa ao tempo de contribuição, gerir o fundo do Regime Geral de
Previdência, calcular o montante das contribuições referidas e emitir o
correspondente documento de arrecadação, com vistas ao atendimento
conclusivo para concessão ou revisão de benefício requerido.
Já os sujeitos passivos das contribuições previstas no art. 22, I,
da Lei nº 8.212/91, serão as empresas ou entidades equiparadas. A própria lei
preceitua que considera empresa, para fins da arrecadação para a Seguridade
Social, a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade
econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e
entidades da administração pública direta, indireta e fundacional.
Além disso, a mesma lei estabelece que se equipara a empresa o
contribuinte individual, em relação a segurado que lhe presta serviço, bem
como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou
357
A União tem competência privativa para legislar sobre a Seguridade Social, sendo que os demais entes políticos tem competência apenas para instituir contribuições previdenciárias destinadas ao custeio do regime previdenciário de seus servidores.
124
finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira
estrangeiras358.
Como já referido anteriormente, há caso de tratamento tributário
especial, com relação às Contribuições destinadas à Seguridade Social, na
hipótese de microempresas e empresas de pequeno porte que optarem pelo
SIMPLES.
Ressalva importante registrada por ANDREI PITTEN VELLOSO,
reside no fato de que, muito embora o aspecto pessoal da contribuição prevista
no art. 22, I, da Lei nº 8.212/91, identifique-se com a empresa, estão fora do
alcance da citada regra as agroindústrias, que estão sujeitas à contribuição
específica do art. 22A da Lei de custeio da Seguridade Social. Além delas,
estão fora de alcance o produtor rural, pessoa jurídica e pessoa física, e as
associações desportivas que mantêm equipe de futebol profissional e que se
organizem na forma da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998359.
Outrossim, muito embora o art. 149, da Constituição, estabeleça
que a União institua Contribuições Sociais, pode ela delegar a capacidade
tributária ativa, como vinha fazendo até a publicação da Lei nº 11.457/2007; e
nada impede que ela volte a delegar, ao Instituto Nacional do Seguro Social,
essa atribuição de arrecadar determinadas contribuições como a que ora se
analisa.
O que deve ser mencionado, contudo, é que, ainda que a
Secretaria da Receita Federal do Brasil tenha absorvido as competências de
planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação,
fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento de algumas contribuições
sociais, os resultados da arrecadação deverão ser destinados, em caráter
exclusivo, ao pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social,
e creditados diretamente ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social da
Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000.
358
Art. 15, da Lei nº 8.212/91. 359
Comentários à Lei do Custeio..., op. cit., p. 110.
125
3.8.2. Critério Quantitativo
“O centro de convergência da relação jurídica tributária
obrigacional é um valor patrimonial expresso em dinheiro”, registra PAULO DE
BARROS, e continua assinalando que o que informa o intérprete, quando da
leitura da norma, e que lhe permite precisar com segurança a exata quantia
devida pelo contribuinte é o critério quantitativo. Sua expressão decorre da
relação entre a base de cálculo e a alíquota360.
JOSÉ ROBERTO VIEIRA bem coloca que tal critério é composto
precisamente pelos dados que permitem ao intérprete fixar os exatos contornos
do objeto da prestação pecuniária, mediante o concurso da base de cálculo e
da alíquota361.
Na mesma linha de raciocínio MARY ELBE QUEIROZ consigna
que, por meio desse critério, obtém-se, com segurança, o efetivo montante da
quantia devida a título de tributo362.
A Constituição elegeu, além da hipótese normativa, a base de
cálculo, como o binômio identificador dos tributos; isso pela interpretação dos
arts. 145, §2º, e 154, I. Tal característica é fruto da “função comparativa” da
base de cálculo, que confronta o critério material com a própria base de
cálculo, afirmando aquele critério, confirmando-o, ou mesmo infirmando-o,
quando incompatíveis um com o outro363.
Nesse passo, para saber se o que foi criado pelo legislador é
determinado tributo, basta apreciar o binômio composto pelo critério material e
pela base de cálculo.
360
Curso..., op. cit., p. 320. 361
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 66. 362
Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 140. 363
‘Antes de tudo, avivemos na retentiva, por um curto intervalo, as respeitáveis funções desta entidade tributária: colaborar na determinação da dívida (objetiva), dimensionar o fato jurídico (mensuradora) e afirmar, confirmar ou infirmar o critério material da hipótese de incidência tributária (comparativa).” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 114).
126
PAULO DE BARROS CARVALHO364 e também JOSÉ ROBERTO
VIEIRA365, sustentam que sendo a base de cálculo uma exigência
constitucional, e tendo ela razão de ser somente se conjugada à alíquota, esta
também ganha “status” de indispensável.
A base de cálculo é a grandeza instituída na conseqüência da
regra-matriz de incidência tributária e se destina a dimensionar a intensidade
do comportamento constante do núcleo do fato jurídico, para que, combinando-
se à alíquota, possa determinar o valor da prestação pecuniária. Segundo
PAULO DE BARROS, a base de cálculo, portanto, serve para medir as
proporções reais do fato, quando aplicada juntamente com alíquota. Além
disso, tem ela a função de compor a especifica determinação da dívida366. 367
Para a contribuição sob análise, a base de cálculo será o valor
total da remuneração paga ou creditada pela empresa, desde que fruto da
retribuição ao serviço que lhe foi prestado ou posto à disposição, pelos
segurados empregados e trabalhadores avulsos, no caso do art. 22, I, e pelos
contribuintes individuais, no caso do art. 22, III, da Lei nº 8.212/91. Enfim, será
o valor das remunerações pagas ou creditadas a título de retribuição dos
trabalhos prestados, nos termos da lei, no período compreendido pelo mês.
A importância da base de cálculo é fulcral na determinação de um
tributo, sendo certo que a própria Constituição coloca-a como elemento
indispensável do conseqüente da norma e, por isso, essencial para a
caracterização da natureza da espécie tributária.
Facilitando, talvez, o trabalho do intérprete, com base no art. 195,
I, “a”, da Constituição Federal, a Lei nº 8.212/91, através do seu art. 28, §9º,
listou algumas verbas cuja natureza jurídica almeja por sua exclusão da base
de cálculo da contribuição em análise. O fez em atenção a exigência
constitucional, que anseia por remunerações pagas na condição de retribuir um
364
Curso..., op. cit., p. 322. 365
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 66. 366
Curso..., op. cit., p. 325. 367
A base de cálculo é o valor positivo, o suporte econômico sobre o qual é aplicada a alíquota para apurar o valor devido a título de tributo. (MARY ELBE QUEIROZ, Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 141).
127
trabalho prestado ou posto à disposição. A ausência dessa condição castra o
complemento do critério material e, por conseqüência, faz a desconstrução da
regra-matriz de incidência tributária.
Ora, como já se disse anteriormente, somente a remuneração
destinada a retribuir o trabalho prestado é que poderá ser considerada base de
cálculo, até porque é essa a única base constitucionalmente admitida para o
conseqüente normativo da contribuição em análise. Não por outra razão é
exatamente o valor dessa remuneração, respeitados os limites constitucionais
do critério material, que será conjugado à alíquota para a apuração do valor
devido pelo contribuinte.
Importante reconhecer que nem toda a remuneração paga pela
empresa retribui um trabalho prestado pelo empregado, e, por isso, nem todo
valor a ele pago pode compor a base de cálculo da contribuição calcada no art.
195, I, “a”, da Constituição.
Incluir na base de cálculo outros valores que não apenas a
remuneração destinada a retribuir o trabalho é o mesmo que alargar o
conteúdo econômico indevidamente, na medida em que a Constituição não
trata de outros valores senão daqueles inerentes à remuneração do trabalho,
quando desenha o critério material da hipótese de incidência. A inclusão, além
disso, implica dissociar a materialidade da hipótese de incidência e seu
conteúdo econômico, além de violar o Princípio da Capacidade Contributiva da
empresa, como aponta MARCELO CARON BAPTISTA368.
Evidente que não incidirá essa contribuição social, portanto,
quando a remuneração paga ou creditada não se subsumir ao conceito do
antecedente normativo desse tributo. Há que haver notória identidade entre o
critério material e a base de cálculo da exação. Não é novidade, aliás, que a
definição da base de cálculo está intimamente relacionada com a materialidade
da hipótese de incidência. Assim, a adoção de qualquer outra dimensão
368
ISS, Do Texto à Norma: Doutrina e Jurisprudência, p. 578.
128
conceitual para a base de cálculo implicará em violação ao princípio da
legalidade369.
Nesse passo, não é por conta da previsão legal contida no §9º, do
art. 28, da Lei nº 8.212/91, que se pode afastar da base de cálculo da
contribuição em comento algumas verbas cuja natureza jurídica não seja
remuneratória do trabalho. Isso porque, a base de cálculo decorre da essência
do critério material adotado para o tributo pela própria Constituição.
Não basta, portanto, que o legislador, ou mesmo o Poder
Executivo, através de Decretos, indique o que considera e o que não considera
remuneração passível de compor a base de cálculo da contribuição em exame.
Ou seja, é imprescindível se ater à disciplina constitucional, não sendo nenhum
exagero ressaltar que remunerações quaisquer, ainda que consignadas pelo
legislador infraconstitucional como integrantes da base de cálculo da
contribuição em comento, se estiverem em descompasso com o critério
material, estarão decididamente fadadas à inconstitucionalidade.
Não se pode confundir o critério material da hipótese com os
anseios do legislador infraconstitucional, ou mesmo com aqueles do Poder
Executivo. Muitas remunerações consideradas na base de cálculo, portanto,
devem ser tidas como inconstitucionais em face da incompatibilidade das
mesmas com o arquétipo constitucional desse tributo370.
É na mesma linha de raciocínio que MARCELO CARON
BAPTSTA registra, quando trata da regra-matriz de incidência do Imposto
sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), que a listagem de serviços da Lei
Complementar nº 116, de 31/07/2003, não impõe limites ao critério material da
369
Ib., p. 574. 370
Invocando decisões do Superior Tribunal de Justiça – STJ, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, arrola alguns exemplos de remuneração que “...não integram o salário de contribuição... o valor liberal da distribuição de singelo ‘lanche’...; o pagamento ‘in natura’ do auxílio-alimentação...; o ressarcimento de valores correspondentes a despesas realizadas com o transporte e uso de veículo do próprio empregado...; e... a verba de representação paga aos gerentes...” (Contribuições Sociais no Sistema Tributário, p. 187).
129
hipótese de incidência desse imposto, podendo-se fazer o mesmo raciocínio
quanto ao rol elencado no art. 28, §9º, da Lei nº 8.212/9371.
Enfim, com relação à alíquota, ela é critério legal que quando
conjugada com a base de cálculo, permite discernir o valor a ser pago pelo
contribuinte a titulo de tributo372.
Na mesma linha de PAULO DE BARROS, JOSÉ VIEIRA registra
que a alíquota é elemento que dá conteúdo ao critério quantitativo,
normalmente fator aritmético de quantificação, revelando, inclusive, que a
própria base de cálculo somente tem sentido se conjugada a uma alíquota373.
Em PAULO DE BARROS CARVALHO, a alíquota, congregada à
base de cálculo, dá a compostura numérica da dívida, produzindo o valor que
pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da obrigação que nasceu
pelo acontecimento do fato típico. “E por manter elo tão íntimo com a base de
cálculo, sua presença, no contexto normativo, é obrigatória, visto que a
grandeza mensuradora do critério material da hipótese é exigência
constitucional inarredável”374.
MARY ELBE QUEIROZ lembra que a alíquota deve resguardar a
isonomia entre os contribuintes, principalmente através da manutenção da
higidez da capacidade contributiva, além de evitar violação ao Princípio da
Segurança Jurídica e do Não-confisco375.
No caso das contribuições para a Seguridade Social, a cargo das
empresas, incidentes sobre as remunerações destinadas a retribuir o trabalho,
a alíquota, expressa em percentual, é de 20% (vinte por cento), a incidir sobre
essa base de cálculo, revelando, através dessa operação, o exato valor devido
pelo contribuinte a título de tributo.
371
ISS, Do Texto à Norma..., op, cit., p. 302. 372
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, ICMS, p. 72. 373
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 68. 374
Curso..., op. cit., p. 334. 375
Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 153.
130
Como faz referência ANDREI PITTEN VELLOSO, se for levada
em consideração a contribuição sobre as remunerações destinadas a Seguro
Acidente do Trabalho (SAT), art. 22, II, da Lei nº 8.212/91, a alíquota pode
variar de 21% (vinte e um por cento) a 23% (vinte e três por cento)376. Além
disso, se for considerado o multiplicador conhecido por Fator Acidentário de
Prevenção (FAP), a alíquota pode chegar a 26% (vinte e seis por cento) em
alguns casos377.
A alíquota, portanto, será, a princípio, de 20% (vinte por cento),
seja para as remunerações pagas pela empresa aos empregados e segurados
avulsos, seja para os contribuintes individuais que lhe prestem serviços,
ressalvando o caso específico de bancos comerciais, bancos de investimentos,
bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito,
financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades
corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de
arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros
privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de
crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas378.
3.9. Síntese Conclusiva Como se pôde perceber, determinou-se a hipótese ou o descritor
da Contribuição Patronal Previdenciária disciplinada no art. 22, I, da Lei nº
8.212/91, que tem por fundamento a Constituição, em especial no art. 195, I,
“a”. A partir daí, foi possível especificar seus critérios: o material, composto
pelos seus verbos e complementos; o espacial e o temporal. Depois, discorreu-
376
Comentários à Lei do Custeio..., op. cit., p. 114. 377
Art. 22, § 1º, da Lei nº 8.212/9: “No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, além das contribuições referidas neste artigo e no art. 23, é devida a contribuição adicional de dois vírgula cinco por cento sobre a base de cálculo definida nos incisos I e III deste artigo.
378 Art. 22, §1º da Lei nº 8.212/91.
131
se acerca do conseqüente da norma, especificamente dos seus critérios
pessoal e quantitativo.
Tanto o descritor como o prescritor integram o juízo hipotético e,
juntos, formam a norma jurídica na sua integralidade. Enfim, é o elo entre o
antecedente e o conseqüente que dá unidade à norma jurídica tributária.
Repousa aí o normativo do “dever-ser” que diferencia as normas jurídicas das
regras naturais. É justamente esse “dever-ser”, que une a hipótese e o
conseqüente, atua de forma automática e inapelável, eis que, realizado o fato
correspondente ao hipoteticamente descrito, instaura-se a relação jurídica do
conseqüente379.
JOSÉ ROBERTO VIEIRA adverte que o caminho de análise
proposto por PAULO DE BARROS CARVALHO, utilizado neste trabalho, é o
mais adequado trajeto científico para o estudo de qualquer um dos tributos380.
A regra-matriz de incidência tributária da Contribuição Social
destinada à Seguridade, devida pelas Empresas sobre as remunerações de
trabalho pagas ou creditadas, tem a seguinte formulação: na hipótese de
incidência tributária, há o critério material, que consiste nos verbos “pagar” ou
“creditar” e nos complementos “salário”, e “demais rendimentos destinados a
remunerar o trabalho”; sendo que essa remuneração deve ser paga ou
creditada a uma “pessoa física que preste serviço, mesmo sem vínculo de
emprego"; e que os serviços sejam prestados à empresa, ou entidade
equiparada, as quais terão, portanto, a obrigação de arcar com o salário ou
rendimentos destinados a retribuir esse trabalho prestado. Além disso, por
disposição legal, as pessoas físicas indicadas na Constituição, no caso da
contribuição dos incisos I e III, do art. 22, da Lei nº 8.212/91, serão apenas
segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais.
O critério espacial pode ter lugar em qualquer ponto do território
nacional; ao passo que o critério temporal adotado pela norma foi o do termo
final do período mensal, ou seja, a contribuição será devida quando do crédito
379
PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 340. 380
Imposto Sobre Produtos..., op. cit., p. 173.
132
ou pagamento de remunerações destinadas a retribuir o trabalho, até o
derradeiro instante do mês.
Na conseqüência tributária, há o critério pessoal, pelo qual é a
União o sujeito ativo (Lei nº 11.457/2007), ao passo que o passivo é toda
pessoa obrigada ao pagamento do tributo, nesse caso, as empresas ou as
entidades equiparadas.
Com relação ao critério quantitativo, a base de cálculo será o
valor total da remuneração paga ou creditada, desde que fruto da retribuição ao
serviço prestado ou posto à disposição das empresas e entidades equiparadas,
pelos segurados empregados e trabalhadores avulsos, no caso do art. 22, I, e
pelos contribuintes individuais, no caso do art. 22, III, da Lei nº 8.212/91; sendo
certo que as remunerações que serão albergadas são aquelas pagas ou
creditadas no período compreendido do mês. A alíquota, outrossim, será, como
regra geral, de 20% (vinte por cento).
Ao final, há que se dizer que apenas a remuneração destinada a
retribuir o trabalho pode compor a base de cálculo, sob pena de violação
constitucional. Remunerações que não aquelas atinentes ao trabalho prestado
ou colocado à disposição, se alocadas na base de cálculo, acarretam
dissociação entre a materialidade da hipótese e o seu conteúdo econômico,
expresso na base de cálculo. Pode-se dizer, portanto, que não incidirá
contribuição quando a remuneração paga ou creditada não se subsumir ao
conceito do antecedente normativo.
A definição, portanto, da base de cálculo está intimamente
relacionada com a materialidade da hipótese de incidência, e a adoção de
qualquer outra base de cálculo que não aquela constitucionalmente admitida
implica nítida violação ao princípio da legalidade. A lei infraconstitucional,
enfim, não tem poderes de impor limites ao critério material da hipótese de
incidência de qualquer tributo. WAGNER BALERA bem registra que a
tipicidade marca o domínio da legalidade no campo tributário, sendo que a
133
Constituição é quem tipificou os tributos, no sentido de lhes disciplinar a
vocação institucional381.
381
As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro in HUGO DE BRITO MACHADO (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, p. 579.
134
CAPÍTULO 4 – O Princípio da Legalidade na Esfera Tributária
4.1. Noção Inicial
Como já destacado em Capítulo anterior, o princípio da legalidade
inaugurou-se, formalmente, na Inglaterra, com a promulgação da “Magna
Charta Libertatum” do Rei João Sem Terra. Na opinião de diversos juristas
esse documento, genérico e abstrato, permitiu uma atuação abrangente desse
princípio.
É também inconteste que a necessidade de consentimento
popular acerca da importância desse princípio desdobrou-se na menção da
legalidade em diversos documentos constitucionais. No Brasil, acabou, por fim,
traduzindo-se na Constituição Federal de 1988, na forma genérica, no art. 5º,
inciso II.
A afirmação tem fundamento na constatação de que o princípio da
legalidade assumiu a condição de conceito inevitável nos modelos
constitucionais dos estados modernos. O surgimento, ponto que aproxima o
estudo desse trabalho, como nos conta a história, é resultado de disputas
tributárias travadas entre comandantes e comandados.
Trata-se de instrumento constituído como um dos “traços de maior
essencialidade na caracterização dos Estados de Direito de nosso tempo.”382
Não é diferente no contexto atinente aos tributos, na medida em que o Direito
Tributário aproxima-se da legalidade, ainda mais, por meio de disposições
constitucionais que lhes são peculiares.
Cabe frisar, contudo, que o princípio da legalidade não é
exclusividade do direito tributário, porque se projeta sobre todo o ordenamento
através de disposições que foram albergadas no rol dos direitos individuais,
dentro do Título próprio que trata dos direitos e garantias fundamentais. Não
382
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 101.
135
por outra razão, “... o princípio da legalidade é um das mais importantes
colunas sobre as quais se assenta o edifício do Direito tributário.”383
Não bastasse a previsão constitucional que representa a raiz da
legalidade no ordenamento brasileiro, o legislador constituinte, preocupado em
resguardar tal direito fundamental de forma mais específica aos contribuintes,
foi além, deixando estigma em Capítulo que trata do Sistema Tributário
Nacional, mais especificamente na seção das limitações do poder de tributar
(art. 150, inciso I).
O princípio da legalidade teve sua intensidade reforçada no campo tributário e graças a este dispositivo constitucional, a lei – e só ela – deve definir, de forma absolutamente minuciosa, os tipos tributários. Sem essa precisa tipificação de nada valem atos normativos infralegais: por si sós, não têm a propriedade de criar ônus ou gravames para os contribuintes.
384
Nesse contexto, a par dos contornos do princípio da legalidade,
cabe delimitá-lo no campo dos direitos fundamentais, eis que, dentre os direitos
tributários fundamentais, o da legalidade “... é uma forma de preservação da
segurança...”, e por conta disso a relação entre a legalidade e tributação é uma
questão jurídica, sendo oportuno afirmar que sua inobservância abre portas às
sanções inerentes385.
4.2. A Constituição e os Direitos Fundamentais
A expressão germânica foi apresentada na França em 1.770,
como fruto do movimento político e cultural que deflagrou a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1.789386.
383
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso de Direito..., op. cit., p. 218. 384
Ib., p. 219. 385
A relação é jurídica precisamente porque os atos nela envolvidos devem ser praticados com observância das normas que a regulam (HUGO DE BRITO MACHADO, Direitos Fundamentais..., op. cit., p. 42-44).
386 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 190.
136
PAULO BONAVIDES, invocando os conceitos de KONRAD
HESSE, estabelece como objetivo dos direitos fundamentais a criação e
manutenção de pressupostos elementares de uma vida digna387.
INGO SARLET, por sua vez, frisa o papel desempenhado pelos
direitos fundamentais no âmbito do Estado constitucional.
Tendo em vista que a proteção da liberdade por meio dos direitos fundamentais é, na verdade, proteção juridicamente mediada, isto é, por meio do Direito, pode afirmar-se com segurança, na esteira do que leciona a melhor doutrina, que a Constituição, na medida que pressupõe uma atuação juridicamente programada e controlada dos órgãos estatais, constitui condição de existência das liberdades fundamentais, de tal sorte que os direitos fundamentais somente poderão aspirar à eficácia no âmbito de um autêntico Estado constitucional.
388
A partir dessa premissa, ao que tudo indica, os direitos
fundamentais podem ser considerados condições elementares de um Estado
de Direito. O que se deve compreender é que os direitos fundamentais existem
independentemente de qualquer previsão legal, até porque, a matriz parte da
própria Constituição Federal389.
Além disso, importante registrar que é elemento indissociável da
vida em sociedade390 e ainda, integra um sistema axiológico que atua como
fundamento material de todo o ordenamento jurídico391.
A afirmação acima pode ser entendida a partir de NORBERTO
BOBBIO, para quem tais direitos são históricos e nascidos em certas
circunstancias caracterizadas por lutas em defesa de liberdades, nascidos,
portanto, de forma gradual e não de uma vez392.
387
PAULO BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, “passim”. 388
INGO WOLFGANG SARLET, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 187. 389
ALEXANDRE KNOPFHOLZ, As Dimensões do Processo: Análise à Luz dos Direitos Fundamentais, p. 13-18.
390 CELSO BASTOS, Curso..., op. cit., p. 258.
391 INGO WOLFGANG SARLET, A Eficácia..., op. cit., p. 72.
392 A Era dos Direitos, p. 5
137
Isso leva crer que os direitos fundamentais não são apenas
aqueles que o direito vigente os qualifica como tais393.
Sabe-se, contudo, que o conceito de direitos fundamentais pode
ser formulado tanto sob o aspecto formal como no material. O que importa,
sobremaneira, é reconhecer que é justamente sua dimensão valorativa que
possibilita a compreensão de suas funções e importância no Estado de Direito
e, ao mesmo tempo, lhe outorga ostentar o titulo de fundamental.
Num contexto mais claro, INGO SARLET atesta que a
Constituição de 1988, desde seu nascedouro, tem umbilical vinculação com a
formatação do catálogo dos direitos fundamentais, na medida em que se está
falando de uma nova ordem constitucional. Isso decorre principalmente do
cunho marcadamente compromissório da Constituição de 1988394.
O caráter formal dos direitos fundamentais tem abertura através
do art. 5º, parágrafo 2º, da Constituição brasileira, que exterioriza a concepção
de maneira fulgente. Quanto ao caráter material, importante consignar que
existem direitos que, em razão de seu conteúdo, tem outorga constitucional
para que utilizem o título de fundamental, mesmo não constando
expressamente do rol ilustrado no Título II.
A regra, a partir dessa contextualização, é que o rol do art. 5º da
Constituição, apesar de analítico, não é taxativo:
Importante, neste contexto, é a constatação de que o reconhecimento da diferença entre direito constitucional formal e materialmente fundamentais traduz a idéia de que o direito constitucional brasileiro aderiu a certa ordem de valores e princípios, que, por sua vez, não se encontra necessariamente na dependência do Constituinte, mas que também encontra respaldo na idéia dominante da Constituição e no senso jurídico coletivo.
395
Em outras palavras, HUGO DE BRITO MACHADO bem coloca
que direito fundamental é aquele estabelecido pela Constituição, e cuja
393
PAULO BONAVIDES. Curso de Direito..., op. cit., p. 560. 394
A Eficácia..., op. cit., p. 73. 395
Ib., p. 94.
138
dimensão, em princípio, decorre da interpretação mais ampla possível da
norma constitucional que o estabelece396.
Mas essa amplitude é representativa da pluralidade de aspectos
que os direitos fundamentais carregam em si. Ao que tudo indica, tais direitos
independente do caráter formal que lhes pode ser atribuído, na medida em que
detêm conteúdo e importância tal que lhes é permitido gozar das atribuições de
fundamentais ainda que ausente a formalidade.
É justamente essa abrangência que carrega a idéia de que
nenhum catálogo de direitos fundamentais pode ter a pretensão de esgotá-los,
até porque, o documento constitucional, assim como os anseios sociais, deve
estar apto a aceitar novas contribuições a partir de demandas populares, tais
como aquelas absorvidas pelo Estado contemporâneo.
Mas, talvez, um ponto significativo da Constituição Federal de
1988 que mereça destaque, seja o fato de ter ela atribuído aos direitos
fundamentais a condição de aplicabilidade imediata, “... excluindo, em princípio,
o cunho programático destes preceitos”.397
Além disso, há que se mencionar a proteção outorgada pela
Constituição, mediante a inclusão do inciso IV, no parágrafo 4º, do art. 60,
mecanismo através do qual se “eternizou” a proteção a tais direitos, taxando-os
no rol das cláusulas imodificáveis.
Enfim, a história lhes acomete a importância fundamental e a
condição primordial. Por conta disso os direitos fundamentais carregam
consigo a idéia de essencialidade. Nesse contexto, não há como se negar que
têm eles, em todo o ordenamento, “aptidão para produzir efeitos jurídicos”398.
O que parece evidente quando tratamos do princípio da
legalidade no âmbito tributário, é que os direitos fundamentais são ferramentas
protetoras dos contribuintes, até porque, como evidencia JOSÉ ROBERTO
396
HUGO DE BRITO MACHADO, Direitos..., op. cit., p. 16. 397
INGO WOLFGANG SARLET, A Eficácia..., op. cit., p. 79. 398
GERALDO ATALIBA, Apud, JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 183.
139
VIEIRA, muitas das projeções dos direitos fundamentais têm reflexo no direito
tributário, ou seja, se traduzem em garantias como, por exemplo, aquela
estampada no art. 150, I, da Constituição de 1988.
A legalidade tributária, por conta disso, pode ser encarada como
especialização do direito fundamental, “desdobramento dos direitos e garantias
fundamentais do cidadão, explicitamente repetidos para o cidadão-
contribuinte”.399
4.3. A Natureza “Fundamental” do Princípio da Legalidade na esfera Tributária
Feitas as considerações até aqui expendidas, cumpre dizer que o
modelo de Estado Democrático de Direito, em especial sob a ótica da
necessidade de manutenção dos direitos sociais, clama pela arrecadação de
vultuosos recursos financeiros para a satisfação das diversas diretrizes
públicas disciplinadas na Constituição da República.
O atendimento dessas metas depende, portanto, intrinsecamente,
da obtenção de receitas, sendo certo que a conquista desse numerário
geralmente ocorre através da cobrança de tributos. Daí a importância dos
princípios constitucionais fundamentais, especificamente aqueles atinentes ao
subsistema do Direito tributário.
O Sistema Tributário Nacional, como já se falou, está
basicamente sustentado nos arts. 145 a 156 da Constituição Federal que
expõem, inclusive, os princípios gerais que norteiam o campo tributário do
direito brasileiro. A disposição explícita dos princípios no campo tributário é
inerente ao modelo rígido e “maternal” adotado pela Constituição de 1988, eis
que quase todas as referências tributárias ali podem ser encontradas400.
399
Ib., p. 193. 400
“A nossa não só trata do tema, mas raia pelo exagero, demonstrando-se tentada pela exaustividade, e com isoo revelando, em toda sua amplitude, o profundo caráter maternal que também a caracteriza, no subsistema tributário.” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 40).
140
Por conta disso, pode-se dizer, sem maiores delongas, que à
Constituição coube dispor acerca das diretrizes e dos princípios que guiam
toda a Administração Pública quando o tema é a instituição e a conseqüente
cobrança de tributos, impondo, como corolário, limites ao poder de tributar. É o
regime administrativo na sua expressão mais evidente: prerrogativas nas
atividades praticas em prol do benefício coletivo e restrições que limitam a
atividade a fins e princípios específicos.
A conclusão que se alcança é que a Constituição Federal
representa o alicerce do Direito tributário, e, por conta disso, carrega a projeção
de seus princípios fundamentais para esse ramo do Direito. O destaque é para
o princípio da legalidade tributária que pertence ao rol dos princípio constantes
do estatuto do contribuinte desempenhando a função de garantia ao
contribuinte.
Antes, contudo, de qualquer consideração acerca da legalidade
tributária e sua condição de direito fundamental, é de se salientar, como aponta
MARCELO MARTINS ALTOÉ, que os principais valores a serem preservados
foram positivados como princípios constitucionais, normas dotadas de
materialidade e eficácia previstas no próprio documento constitucional. Tais
princípios contemplam as normas que prevêem os direitos e garantias
constitucionais401.
Robert Alexy parte da premissa de que os direitos fundamentais, em razão de sua estrutura, têm caráter de princípio, que resulta na norma de direito fundamental. Isso porque, a teoria dos princípios, define, princípios como sendo mandamentos de otimização, ou seja, normas que ordenam que algo seja realizado em uma medida tão alta quanto possível relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas.
402
Partindo desse contexto, aliado ao que já fora dito quanto à
materialidade dos direitos fundamentais, pode-se dizer que o princípio da
legalidade assume à condição de direito fundamental não apenas no contexto
formal, já que integra o rol constitucional, mas também porque extrapola o
401
Direito versus Dever..., op. cit., p. 64. 402
Ib., p. 65.
141
sistema, tendo validade universal como direito fundamental por conta de seu
conteúdo e importância.
Na história, inclusive, como bem registra JOSÉ ROBERTO
VIEIRA, não há nenhum momento em que a legalidade tributária seja
desmerecida em face de sua essencialidade, até por conta de sua importância
primordial em resguardar o contribuinte.
Daí decorre a idéia de “fundamentalidade” (JOSÉ ROBERTO
VIEIRA)403 do princípio da legalidade tributária, na medida em que se trata de
elemento estruturante do Estado e de toda sociedade404.
É de se justificar, portanto, a figuração do contribuinte como titular
de direitos fundamentais, dentre eles, o direito fundamental consubstanciado
no princípio da legalidade.
É inegável a importância que assume a tributação no plano do Direito Constitucional. A importância da tributação no contexto dos direitos fundamentais, entretanto, que o Direito Constitucional procurou estruturar com princípios e regras, deve-se especialmente ao fato de envolver a tributação relações muitíssimo conflituosas entre os cidadãos e o Estado.
405
Em que pese à existência genérica do princípio fundamental da
legalidade, formal e materialmente previsto no bojo constitucional, no campo
tributário esse mesmo princípio ganhou envergadura sob a condição de diretriz
das mais importantes.
Bastaria esse dispositivo para afirmar que ninguém pode ser
obrigado a pagar um tributo ou a cumprir um dever instrumental tributário que
não tenham sido criados por meio de lei. Contudo, para o Direito Tributário, tal
imperativo ganha caráter inflexível como se pode depreender da leitura do art.
150, I406.
403
Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 190. 404
INGO WOLFGANG SARLET, A Eficácia..., op. cit., p. 89. 405
HUGO DE BRITO MACHADO, Direitos..., op. cit., p.34. 406
“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.” (Constituição Federal de 1988, art. 150, I).
142
A legalidade tributária no Brasil é, sem dúvida nenhuma, um
direito fundamental do contribuinte (HUGO DE BRITO MACHADO)407 e
estabelecida como princípio, por força de sua fundamentalidade. E não conviria
ser diferente, uma vez que os princípios constitucionais tributários “são
projeções de direitos fundamentais.”408
Ao que tudo indica, portanto, tal princípio é direito fundamental por
opção constitucional409.410
4.4. O Princípio da Legalidade e da Estrita Legalidade Tributária Como já discorrido ao longo deste trabalho, um Estado social que
se diz democrático de direito somente pode estabelecer obrigações aos seus
contribuintes se essas estiverem em conformidade com as leis e a
Constituição, até porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo
senão em virtude de lei.
A conclusão, quase que inevitável ante a afirmação anterior, vai
no sentido de que o princípio da legalidade reveste-se como um dos traços de
maior essencialidade na caracterização do Estado de Direito411, não se
podendo, contudo, afirmar que a legalidade é elemento exclusivo do Estado
que se diz “de direito”, haja vista os registros feitos por VICTOR UCKMAR412.
407
Direitos..., op. cit., p. 42. 408
SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 192.
409 A jurisprudência também compartilha essa mentalidade. A título ilustrativo, registre-se a
decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na ADIN nº 939-7, onde se discutiu a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 3/93, oportunidade onde o Ministro Relator. Dr. Sydney Sanches, reconheceu expressamente que o princípio da anterioridade, por força do que preceitua o parágrafo 2º, do art. 5º, da Constituição, caracteriza-se autentico direito fundamental. Disponível em www.stf.jus.br, acessado em 01/03/2011.
410 “Visceralmente ligado aos Princípios da República e da Democracia, pela ponte da
representatividade popular, também a Legalidade, inclusive a Tributária, como irrecusável direito-garantia fundamental do cidadão-contribuinte que constitui, nos termos expressos do art. 150, caput, encontra-se seguramente protegida entre as cláusulas de pedra da Lei Maior (art. 60, §4º, IV)” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 199).
411 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 101.
412 Princípios Comuns..., op. cit., p. 21.
143
No ordenamento brasileiro a legalidade tributária ganhou maiores
contornos a ponto de ser consagrada, na Constituição, como princípio que
impele qualquer ação da Administração em desacordo à disciplina legal. O
princípio integra o Estatuto dos Contribuintes, como frisa JOSÉ ROBERTO
VIEIRA, desempenhando efetivo papel de resguardar direitos413.
É questão de segurança jurídica, ou seja, detém função de
garantia, que por sua generalidade busca harmonizar todos os demais
princípios jurídicos, proporcionando não só o consenso entre os contribuintes,
mas justificando, também, o próprio Estado de Direito.
Isso fica evidente por que é, por exemplo, através da legalidade
que a própria segurança jurídica se expressa. O contribuinte tem a
necessidade de algumas certezas e isso também se faz mantendo hígido o
princípio da legalidade, eis que “... el contribuyente tiene de conocer todos los
remedios jurídicos puestos a su alcance por el ordenamiento, a efectos de
instar la revisión de los actos presuntamente nulos o anulables.”414
A segurança, outrossim, decorre justamente da relação de
conformidade com a lei, algo que JOSÉ ROBERTO VIEIRA diz estar projetado
no capítulo constitucional que trata do sistema tributário através do princípio da
estrita legalidade tributária, princípio esse que revela a importância da
manifestação suprema da vontade popular e que refuta qualquer comando
desconforme à soberania popular, o que, por óbvio, afasta a idéia de tributação
sem respaldo constitucional415.
Em outras palavras, tal princípio teve sua intensidade reforçada
na seara tributária de modo que é vedado aos entes políticos exigir ou
aumentar tributo sem que a lei assim estabeleça.
Nas palavras de SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, “onde
houver Estado de Direito haverá respeito ao princípio da reserva de lei em
413
Legalidade Tributária..., op. cit., p. 178. 414
EUSEBIO GONZÁLEZ GÁRCIA, Relaciones entre los Princípios..., op. cit., p. 153. 415
Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 96-97.
144
matéria tributária” e isso revela a impossibilidade do Estado transpor-se tal
princípio416.
Sobre o tema, IVES GANDRA DA SILVA MARTINS salienta que
o princípio da estrita legalidade não permite interpretações extensivas contra o
contribuinte ou mesmo a integração analógica para fim de exigir tributo417.
As normas tributárias ou são legais ou são ilegais. Se ilegais, todo o processo elisivo é ilegal também, mesmo com o exclusivo intuito de reduzir tributos. Se não, a ilegalidade decorre de desconformidade do comportamento do pagador de tributos em relação à lei, neste caso sendo conduta punível.
418
Das premissas antes mencionadas, pode-se extrair que o
princípio da estrita legalidade preceitua que os tributos devem ser criados
através de leis, sendo certo que tal lei deve trazer todos os elementos
estruturantes da regra-matriz de incidência tributária, tanto os da descrição
como os da prescrição, não sendo possível aceitar que isso seja feito por
delegação ao Poder Executivo.
O veículo introdutor da regra tributária no ordenamento há de ser sempre a lei, sendo imperioso reconhecer que o princípio diz mais que isso, estabelecendo a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional.
419
Diga-se, ainda, que o princípio da legalidade alcança todos os
tributos e, diante dessa consideração, pode-se dizer que ele alberga duas
dimensões. “De um lado, ele exige um fundamento legal para qualquer
prescrição normativa”, nessa perspectiva ele demanda que qualquer comando
jurídico tenha um fundamento legal, por meio do qual se determina o
416
Curso de Direito..., op. cit. p. 213. 417
Direitos Fundamentais..., op. cit. p. 75. 418
Ib., p. 84. 419
PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 223.
145
comportamento devido. E em segundo, “a legalidade exige que qualquer
comando normativo tenha um conteúdo previamente determinável”.420
Conclui-se, nesse contexto, que o princípio da estrita legalidade
tributária, expressão restrita do princípio genérico da legalidade, manifesta-se
como princípio da reserva absoluta da lei formal421.
A referência estrita da legalidade na esfera tributária enfatiza a
importância do princípio da legalidade no âmbito tributário, que acabou por ser
repetido no Capítulo da Ordem Tributária, quando nem precisaria, como uma
relação de conformidade com a lei em sentido formal e não só em sentido
material como regra de comportamento genérica.
É que a inspiração genérica do princípio da legalidade supera o
formalismo identificado na concepção restritiva do princípio como uma relação
de não-contrariedade ou compatibilidade, ou seja, noção mínima de legalidade.
A identificação na forma genérica é ampliativa como uma relação de
conformidade, noção máxima de legalidade422.
A razão da estrita legalidade tributária é a insatisfação do
legislador constitucional com a disposição genérica, indo além no detalhismo
dos temas Constitucionais através da formulação constante do art. 150 da
Constituição. Afinal de contas, no Direito Tributário a Constituição foi às
minúcias tratando o assunto de forma peculiar em relação aos demais, eis que
a matéria foi tratada de forma singular, analítica e exaustiva.
Mas se o princípio da estrita legalidade tributária anseia por uma
relação de compatibilidade com a lei formal, revelando ser ilegal algo em
desacordo com os padrões estabelecidos em lei, ou seja, ato oriundo de quem
detém competência para legislar, o princípio da legalidade na acepção genérica
trata de regras de comportamento genéricas e coativas.
420
HUMBERTO ÁVILA, Sistema Constitucional..., op. cit., p.76. 421
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 225. 422
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 195.
146
Nesse sentido, se a Constituição é a “lei das leis”423 o agir em
desconformidade com os preceitos constitucionais é também um agir ilegal, o
que leva crer que a inconstitucionalidade é também uma ilegalidade sob a ótica
do princípio da legalidade genérica. Nos países de Constituições rígidas, a
Constituição não é apenas a fonte das leis, como a própria lei.
O princípio da legalidade encerra, pois, um dogma essencial que
impede que o Estado, em sua acepção ampla, atue com arbítrio em sua
relações com o cidadão que tem direito de fazer tudo quanto a lei não lhe
proíba. Ao legislador, portanto, ao elaborar a lei, cabe, por óbvio, obedecer à
Constituição e agindo dessa forma estará obedecendo o princípio da
legalidade, afinal uma inconstitucionalidade nada mais é do que uma
ilegalidade qualificada como ensina MARÇAL JUSTEN FILHO.
ALIOMAR BALLEIRO chega a dizer que é a Constituição quem,
inequivocamente, estabelece a precedência da lei que cria ou majora o tributo,
não permitindo que o princípio da legalidade seja afastado, deixando de lado as
diretrizes magnas que contemplam a Lei Maior424.
Fato é que além de fixar idéias a serem alcançadas efetivamente
pelo Estado, as quais podem dar ensejo a ideais mais restritos ou mais amplos
que possam justificar, por sua vez, certos comportamentos do Estado – a
Constituição optou, também, por prescrever diretamente determinados
comportamentos cuja adoção contribui para a promoção para a higidez da
própria segurança jurídica425.
Assim, ao prescrever a Constituição da República “que ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”, ela
tipifica que o estado somente agirá com base nos preceitos previamente
disciplinados em lei. Na mesma linha, essa mesma Constituição regula
exaustivamente a regra matriz de incidência tributária da contribuição patronal
previdenciária sobre a “folha de salários”, tecendo detalhes que deixam muito
423
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 215. 424
Uma Introdução à Ciência das Finanças, p. 282. 425
HUMBERTO ÁVILA, Segurança Jurídica..., op. cit., p. 234.
147
pouca margem ao legislador infraconstitucional, podendo se dizer que acaba
por “criar” o tributo em análise.
A generalidade da lei permite dizer que neste caso a
Constituição é a Lei Fundamental (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE426), pois da
mesma forma que a lei propriamente dita é instrumento de planejamento para
seu destinatário, a Constituição também o é, revestindo-se da condição de
instrumento adequado para que os operadores do direito tributário, baseados
no princípio genérico da legalidade, atuem em consonância com a Constituição
sob pena de violação ao princípio.
A referência da legalidade na Constituição decorre do fato de
que o Sistema Constitucional Tributário brasileiro é peculiarmente restrito e
rígido, a ponto de tratar a matéria tributária exaustivamente. A exaltação nesse
sentido é especialmente interessante em sagaz artigo do professor JOSÉ
ROBERTO VIEIRA onde o próprio título – “E, Afinal, a Constituição Cria
Tributos”, além de interessante, muito colabora à ciência do direito tributário
nesse sentido.
Nessa obra, VIEIRA ressalta as conclusões de GERALDO
ATALIBA em obra de grande relevo doutrinário, dentre as quais a de que “...em
matéria tributária tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o
sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe
somente obedecê-lo, em nada podendo contribuir para plasmá-lo” (sic)427.
Para o professor paranaense, o legislador constituinte não se
restringiu a mencionar o “nomem juris” dos tributos, tendo estabelecido algo de
sua hipótese de incidência, pelo menos do núcleo do seu critério material que
representa o cerne do suposto normativo428.
A par dessa noção, em cumprimento ao que disciplina a
Constituição, pode-se dizer que o tipo tributário há que ser um conceito
fechado, seguro exato, rígido e preciso para reforçar a segurança jurídica.
426
Medidas Provisórias, “passim”. 427
Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, p. 21. 428
Vide item 3.7, op. cit.
148
Nesse passo, considerando que todos os elementos essenciais
do tributo estão erigidos abstratamente na Constituição, cada ato concreto do
Fisco deve estar rigorosamente autorizado, o que corrobora com a afirmação
de que a tipicidade do Direito tributário é mais rigorosa do que no próprio
Direito Penal429.430
A obrigação de pagar tributo decorre, num Estado Social de
Direito como o Brasil, da Constituição, em primeiro plano, e da lei no plano
infraconstitucional. O princípio da legalidade, portanto, encontra fundamento de
validade em convergência com a própria Constituição, que ocupa o topo da
pirâmide normativa, legitimando, a partir daí a legislação infraconstitucional.
Tal princípio se apresenta como alicerce do sistema jurídico,
assumindo a condição especial em vista do indisfarçável prestígio que o
sistema constitucional lhe outorgou, tanto no contexto macro do ordenamento,
como na concepção restritiva do direito tributário, inclusive na condição de
direito fundamental431.
Conforme al dogma de La subordinación de todas lãs ramas jurídicas a la Constitución, la existência de uma ley no es suficiente por si sola; es imprescindible, además, que la ley se ajuste a las normas y principios estabelecidos expresa o implícitamente em la Constitución.
432
O princípio da legalidade no contexto tributário alcançou status de
algo natural, essencial e até fundamental para a garantia da própria
democracia. Isso parece bem evidente no estado democrático que busca no
povo não só a competência para tributar, mas também os limites dessa
competência.
429
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 234. 430
Sobre a tipicidade no Direito Tributário, ver “Legalidade Material, Modo de Pensar ‘Tipificante’ e Praticidade no Direito tributário” (MISABEL ABREU MACHADO DERZI).
431 RAMÓN VALDÉS COSTA, Instituciones de Derecho Tributário, p. 121.
432 Ib., p. 125
149
Não há muita margem dada ao legislador eis que “a Constituição,
ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu... a norma-padrão de
incidência (o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação...” 433.
Na mesma linha VALDÉS COSTA acrescenta que para que
algum dos elementos estruturantes seja estabelecido em leis, é preciso norma
constitucional que assim autorize, sendo “... esta concepción... dominante em
la doctrina latinoamericana”434.
Mas isso não significa que a Constituição já teria esgotado todas
as possibilidades de modelar a regra-matriz de incidência tributária, nada
restando ao legislador infraconstitucional. Fato é que a Constituição da
República estabeleceu de plano muito da hipótese de incidência dos tributos,
pelo menos do núcleo do seu critério material435.
A Constituição, portanto, arquitetou o perfil mínimo de um tributo,
fazendo, com isso, com que restasse pouco a ser questionado, a ponto de
JOSÉ ROBERTO VIERA concluir que “... a constituição criou tributo...”, ainda
que no seu mínimo existencial, “... planta real e tangível, conquanto não
suficientemente desabrochada, não revelada na plenitude da sua natureza
exuberante, ainda em estado mínimo”436.
A Constituição aponta, como registra ROQUE CARRAZZA, “... a
hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo
possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível...” 437.
Evidente, nesse contexto, a importância da leitura constitucional
quando do estudo de qualquer tributo, sem deixar à margem a também
importante legislação infraconstitucional, desde que, por óbvio, atenta à
Constituição sob pena de violação ao princípio da legalidade.
433
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 440. 434
Instituciones..., op. cit., p. 135. 435
Critério preponderante “... haja vista que os demais critérios da hipótese somente condicionam-no através das coordenadas de tempo e espaço, trata-se, portanto, do núcleo do suposto normativo.” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA, IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 62).
436 E, afinal, a Constituição..., op. cit., p. 638.
437 Curso..., op. cit., p. 440.
150
Não é outra a razão para que a acepção genérica do princípio da
legalidade tributária, disciplinada dentre os direitos e garantias fundamentais,
para muitos já suficiente para limitar o “poder” de tributar, tenha assumido um
lugar privilegiado entre as garantias fundamentais do contribuinte, talvez como
de mais importante princípio dentre aqueles que limitam o poder de tributar438.
Isso demanda dizer que o legislador constitucional foi além da
disposição genérica, dada importância, para formular previsão específica no
contexto tributário, corroborando para a idéia de que criar tributo é editar a
norma jurídica tributária e suas minúcias, algo que a Constituição tomou para
si, tendo deixado muito pouco ao legislador infraconstitucional que legisla
sempre atento Constituição.
Daí a importância da formulação estrita do princípio da legalidade,
até porque, não enfastia mencionar que o Estado desenvolve sua atividade sob
o império da lei. “Não fosse assim, seria pisoteado o Estado de Direito, num
lastimável movimento de recuo histórico e político.”439.
Por fim, ainda que a doutrina entenda ser o princípio da
legalidade um postulado imprescindível, alguns autores concluem que alguns
tributos não precisam obedecer ao referencial da legalidade. Entretanto, não há
exceção ao princípio da legalidade!
O texto constitucional pode até, em algumas raras exceções,
atribuir ao Executivo a condição de definir alíquotas dentro de determinadas
condições e limitações, mas isso não modifica a premissa de que a
Constituição não outorga ao Executivo, poderes para descrever a hipótese
tributária, nem para estabelecer, livremente, aspectos quantitativos que
determinem o valor a pagar.
438
ALBERTO XAVIER, apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Legalidade Tributária..., op. cit., p. 184
439 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, O Princípio da Legalidade da Administração, p 144.
151
4.5. A Aparente Exceção ao Princípio da Legalidade O princípio genérico da legalidade foi intensificado na seara
tributária, de modo que a sua violação está diretamente relacionada não
somente à desatenção da lei formal, mais da própria Constituição. Isso remonta
o ideal de que um Estado de Direito deve respeitar, invariavelmente, o princípio
da legalidade, reforçando a concepção de que tal princípio é intransponível à
atuação de um Estado que se diga “de Direito”.
LUCIANO AMARO acrescenta, iniciando seu estudo acerca da
legalidade tributária, dizendo que tal princípio inaugura a lista dos princípios
constitucionais tributários, sendo informado pelos ideais de justiça e de
segurança jurídica, valores esses que “não podem ser solapados se à
administração fosse permitido, livremente, decidir quando, como e de quem
cobrar tributos.” 440.
É nesse diapasão que se pode concluir que através da premissa
erguida pelo princípio da legalidade, toda conduta da Administração Pública
deve ter seu fundamento previsto na norma, ou melhor, no documento que
deve lhe garantir o necessário substrato para que a atividade possa acontecer,
deixando à margem a idéia de vontade heterônoma441.
Há, todavia, juristas que aceitam a tese da existência de tributos,
em nosso ordenamento, que seriam espécies de exceções ao princípio da
legalidade, na medida em que, no entendimento dessa parcela da doutrina,
“alguns tributos não precisariam obedecer à legalidade tributária”442.
Ao que tudo indica, entrementes, o princípio da legalidade
tributária é um limite intransponível à atuação do fisco. Afinal, como lembra
440
LUCIANO AMARO, Direito Tributário..., op. cit., p. 111. 441
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, O Princípio da Legalidade..., p 149. 442
“Isto posto, pela Constituição vigente, todo e qualquer tributo, em princípio e por princípio, deve ser criado por lei. Todavia, anote-se, há exceções ao princípio quanto à majoração (ou minoração) de imposto. As seguintes: imposto de importação, exportação, IPI, ISOF e CIDE-Combustíveis. Estes podem ter suas alíquotas alteradas e, pois, aumentadas sem prévia lei.” (SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de Direito..., op. cit., p. 186-187).
152
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “a vontade da lei, na obrigação tributária,
substitui a vontade das partes.”443
No mesmo sentido complementa PAULO DE BARROS
CARVALHO afirmando que qualquer pessoa política competente para instituir
tributos, isto é “descrever a regra-matriz de incidência, ou aumentar ou
aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a alíquota”, o fará
mediante lei444.
Respondendo a questão acerca da alegada exceção, registra
ROQUE CARRAZZA:
Com o devido acatamento, laboram em equivoco. Não há, neste dispositivo constitucional, qualquer exceção ao princípio da legalidade. Apenas o Texto Magno permite, no caso, que a lei delegar ao Poder Executivo a faculdade de fazer variar, observadas determinadas condições e dentro de limites que ela estabelecer, as alíquotas (não as bases de cálculo) dois mencionados impostos.
445
VICTOR UCKMAR preceitua que concernente a matéria tributária,
o Poder Executivo “pode emanar disposições com eficácia legislativa só na
medida em que explicitamente autorizado.”446
JOSÉ ROBERTO VIERA, na mesma linha, pontua que a resposta
quanto à possibilidade de mitigação do princípio da legalidade depende da
forma como a constituição do estado disciplina a matéria, mas, registra,
contudo, que no Brasil, “... prevalece o conceito ortodoxo segundo o qual a lei
deve conter todos os critérios da norma jurídica tributária de incidência, tanto
da hipótese quanto da conseqüência tributárias... ”447.
Evidente, portanto, que a intervenção do Executivo depende de
autorização constitucional expressa.
443
Curso..., op. cit., p. 219. 444
Curso..., op. cit., p. 158. 445
Ib., p. 270. 446
Princípios Comuns..., op. cit., p. 40. 447
Medidas Provisórias..., op. cit., p. 126-127.
153
O ex-professor da Universidade da República no Uruguai,
RAMÓN VALDÉS COSTA, conclui no sentido de que “... el concepto de
atenuación o flexibilidad del principio de legalidad no es aplicable a las
constituciones que, como las latinoamericanas, establecen el concepto
ortodoxo, basado em el principio de separación de las funciones legislativas y
administrativas.”448 Na mesma obra, VALDÉS COSTA ainda registra que a
doutrina latino americana é quase que unânime em defender o princípio da
legalidade como essencial ao Estado de Direito, o que dificulta aceitar a tese
de mitigação do princípio449.
A conclusão é no sentido de que a legalidade tributária tem o
condão de limitar o poder do Estado sobre os cidadãos. Como já mencionado
anteriormente, a Constituição brasileira, rígida e engessada, previu quase
todos os critérios integrantes da norma jurídica tributária de incidência, até
porque, como também já mencionado, criar tributo é editar suas minúcias todas
através da edição da norma jurídica tributária de incidência450.
Ao que tudo indica, nesse contexto, não há na Constituição
qualquer exceção ao princípio da legalidade. O que existe é a permissão, em
casos específicos e taxados, de se fazer variar a alíquota, desde que, em
contrapartida, sejam observadas determinadas condições e limitações pré
definidas.
É que ao analisar o art. 153, parágrafo primeiro, da Constituição
da República, constata-se que há permissão para alteração da alíquota de
alguns impostos, de fato. Contudo, a alteração depende do atendimento de
certas condições e limites já pré estabelecidos, essa inclusive, é a redação
constitucional: “É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os
limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos...”
Está aí a dificuldade da doutrina em bem avaliar essa faculdade
constitucional:
448
Instituciones..., op. cit., p. 142. 449
Ib., p. 152. 450
Vide p. 148 e 150.
154
A doutrina predominante simplesmente encara essa faculdade como exceção à Legalidade Tributária. Já seguindo a classificação acima apresentada para o Princípio da Legalidade, há autores que admitem que essa atribuição ao Presidente da República equivaleria a uma exceção ao Princípio da Estrita Legalidade Tributária ou ao Princípio da Legalidade em termos absolutos, não sendo excepcionado o Princípio da Legalidade em termos relativos. Contudo, estando patente que o Princípio da Estrita Legalidade Tributária veda à União, aos estados, ao Distrito federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributos sem lei em sentido formal que o estabeleça, sua aplicação em termos relativos ou até mesmo seu entendimento como exceção, caracterizaria verdadeira leviandade ou a completa desconsideração a esse princípio.
451
Nesse diapasão, diga-se que ainda que a Constituição tenha
previsto a possibilidade do aumento de alíquotas pelo Executivo para alguns
tributos, não há que se falar em mitigação ao Princípio da Legalidade, uma vez
que ao Executivo cabe atender, sempre, aos limites e condições previamente
estabelecidos na Constituição e na lei. O que se deve ter em mente é que
nesses casos excepcionais, o Poder Executivo não cria as alíquotas dos
tributos, mas apenas as altera, quando necessário e desde que dentro de
limites e condições anteriormente fixados.
Alterar, como é cediço, pressupõe, algo preexistente. Só se altera o que já está posto. No caso, só se alteram as alíquotas dentro dos limites e condições que a lei previamente traçou. Se a lei não estabelecer limites mínimo e máximo para as alíquotas, o Executivo nada poderá fazer.
452
Como bem ilustra CLÈMERSON CLÈVE, no momento atual em
que se encontra a história política, “é inviável proibir o Executivo de
desempenhar, com menores ou maiores limites, atividade normativa.” Todavia,
continua o professor, o importante é verificar com quais limites a competência
foi outorgada. Ele aponta a Constituição como documento compromissório e,
por isso, coloca que o conteúdo de suas emanações deve sempre estar
orientado nos princípios indicados como mínimos ao estabelecimento de uma
ordem jurídica justa, dentre eles o da legalidade453.
451
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, et alli, Perfil Constitucional do Regulamento e Alguns Reflexos Tributários, p. 226.
452 ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 270.
453 Atividade Legislativa..., op. cit., p. 145.
155
Certo é que a própria Constituição concede ao legislador a
prerrogativa de indicar as alíquotas em alguns tributos, cabendo ao Executivo,
nesses casos, agir dentro dessa limitação estabelecida. Não há uma atividade
arbitraria, eis que a alteração decorre de dispositivo constitucional
preexistente454.
Mais uma vez, registre-se que nada se cria. A idéia de exceção,
ainda que aparente como prefere parte da doutrina, é de difícil aceitação, tendo
em vista que caberá sempre ao legislador determinar as condições e limites
dessa outorga.
A falta, inclusive, de balizamento legal para a atribuição do
Executivo, resulta na impossibilidade da utilização do permissivo constitucional
que permite a alteração das alíquotas. Da mesma forma, a fixação, em lei, de
alíquota única, igualmente resultará na restrição do atuar discricionário do
Executivo455.
Ao estabelecer alíquotas, dentro de limites previamente traçados
na lei, o Executivo não está atuando de forma a afastar o princípio da
legalidade, até porque, sua competência, para tanto, só pode variar numa
extensão anteriormente delimitada pela Constituição da República.
Corrobora nessa linha de pensamento o professor LUCIANO
AMARO para quem “mesmo em relação aos tributos cujas alíquotas, nas
citadas circunstâncias, podem ser alteradas sem lei formal, é preciso sublinhar
que sua criação depende, em todos os aspectos, de definição em lei, mesmo
quanto às alíquotas.” Continua o autor:
Não pode a lei criar tributo sem lhe precisar a alíquota. Definida esta na lei, juntamente com os demais aspectos do tipo legal, pode o Executivo, nos casos excepcionados, alterar a alíquota fixada pela lei. A Constituição não dá à lei o poder de delegar ao Executivo a livre fixação da alíquota. Em relação aos impostos excepcionados, também não lhe permite que autorize o Executivo a modificar as alíquotas quando ele julgue conveniente, ou de acordo com as diretrizes ou razões que ele próprio venha a traçar, uma vez que a
454
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 271. 455
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, et alli, Perfil Constitucional..., op. cit., p. 227.
156
atuação do Executivo se submete ao cumprimento das condições especificadas pela lei, a par de observar os limites nela fixados.
456
A conclusão que decorre da afirmação acima vai no sentido de
que o Constituição, através do art. 153, não atribui ao Poder Executivo a
competência para descrever em caráter inaugural a regra-matriz de incidência
tributária, tanto o antecedente como o conseqüente. Se essa descrição é
inviável, outro caminho não existe senão a vedação da descrição inaugural do
critério quantitativo, até porque, se não lhe cabe determinar qualquer critério da
regra-matriz de incidência, o mesmo vale para a alíquota.
Ao Executivo, portanto, e sob pena de responsabilização, não
cabe a criação da alíquota, apenas a possibilidade de alterá-la dentro das
condições e limites traçados em lei que, por sua vez, fora autorizada
constitucionalmente457.
O Princípio da Legalidade, no campo tributário, anseia pela
completude da norma de modo que essa deve trazer todos os elementos da
norma jurídica tributária (hipótese de incidência, base de cálculo, alíquota, etc.),
não se admitindo a delegação ao Poder Executivo para que crie tributos,
mesmo que em parte.
Registra RICARDO LOBO TORRES que uma vez explicitado na
norma constitucional os critérios que qualificam um dado tributo, cabe ao
princípio da legalidade ater-se a essa caracterização, ou seja, “o sujeito
passivo, o núcleo da hipótese de incidência, a base de cálculo e a alíquota
devem conter informações necessárias para a exigência do tributo pelo fisco e
para o conhecimento da extensão da obrigação pelo contribuinte.”458
Nessa toada, é possível dizer que o que detém o Executivo, no
que tange a alteração das alíquotas de alguns tributos, é uma faculdade
autorizada em lei, portanto, dentro de limites e condições estabelecidos pelo
próprio legislador.
456
Direito Tributário..., op. cit., p. 117. 457
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, et alli, Perfil Constitucional..., op. cit., p. 227. 458
O Princípio da Tipicidade no Direito Tributário, p. 148 e 189.
157
Por fim, é importante frisar que o Princípio da Legalidade
Tributária alberga todos os tributos, o que significa que “ele exige um
fundamento legal para qualquer prescrição normativa.”459
O que eventualmente pode ser admitido, nos estritos casos dos
tributos elencados na Constituição, é que o Princípio da Legalidade não teria
sido levado até às últimas conseqüências. Ou seja, vigora a Legalidade, mas
não sua referência estrita no que tange a atribuição de alíquotas. Mas isso não
implica dizer que a legalidade tributária fora mitigada ou mesmo afastada460.
Ora, defender a mitigação do Princípio da Legalidade é ofender o
próprio Estado de Direito. A ofensa à legalidade gera insegurança e como
lembra GERALDO ATALIBA, “quanto mais segura uma sociedade, tanto mais
civilizada.”461
Ao legislar na esfera tributária, portanto, o legislador deve sempre
seguir o caminho disciplinado na Constituição. Trata-se de condição necessária
na vida em comunidade, haja vista que é através, também, do Princípio da
Legalidade que a Segurança Jurídica impera, resguardando os contribuintes
das surpresas na tributação.
Enfim, conclui-se que o Princípio da Legalidade tem efeitos em todos
os tributos, não havendo possibilidade de sua mitigação, não se admitindo
exceção, portanto, sob pena de comprometimento do Estado Social
Democrático de Direito.
459
HUMBERTO ÁVILA, Sistema Constitucional..., op. cit., p.76. 460
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, Curso..., op. cit., p. 272. 461
Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias Tributárias..., op. cit., p. 318.
158
CAPÍTULO 5 – Aplicabilidade do Princípio da Legalidade Tributária
5.1. Contribuições Previdenciárias das Empresas e o Princípio da
Legalidade Tributária
Ao longo deste trabalho diversas considerações acerca das
contribuições patronais previdenciárias (art. 195, I, “a”) foram feitas e, com
maiores detalhes, o item 3.2 tratou da natureza jurídica das contribuições
especiais.
Não é novidade, portanto, que a Constituição de 1988 objetivou
sistematizar o regramento das contribuições especiais e acabou por afastar
qualquer discussão acerca do caráter tributário desse tributo. Importante
consignar que a própria Constituição da República determinou expressamente
que para as contribuições fossem aplicadas as normas gerais em matéria
tributária, merecendo destaque o princípio da legalidade462.
Além disso, vale frisar, mais uma vez, que toda contribuição
especial é vinculada a uma atuação estatal determinada, não através da
hipótese de incidência, mas através da afetação à finalidades estatais
específicas. Aliás, o requisito de validade advém da observância à persecução
da finalidade especificada constitucionalmente. Como conseqüência, essa
afetação jurídica leva crer que se a justificativa é a atuação estatal em busca
de finalidade especificada constitucionalmente, a contribuição se mantém
hígida pela persecução dessa finalidade ao passo que é válida a exação na
medida do estritamente necessário para o alcance da finalidade.
Todo excesso, portanto, “é inconstitucional, por malferir a própria
norma que confere competência para a sua instituição.”463
462
Vide item 3.1. 463
LEANDRO PAULSEN e ANDREI PITTEN VELLOSO, Contribuições: Teoria Geral..., op. cit., p. 51.
159
Enfim, os princípios constitucionais tributários, sem sombra de
dúvida, aplicam-se às contribuições especiais sem maiores especificidades.
Essa é a regra que não admite exceção.
Com relação ao princípio da legalidade, objeto de análise deste
trabalho, já se mencionou tratar-se de pilar fundamental do Estado de Direito,
adotando abrangência de tal maneira ampla que qualquer atividade estatal
esbarra na sua obediência. No direito tributário, tal princípio alcançou
especificação própria, responsável pela modificação na relação existente entre
contribuintes e Poder Público.
Isso porque, no Sistema Constitucional Tributário brasileiro, em
vista do caráter restrito e rígido que a Constituição tratou da matéria, as
exposições chegam a exaustão. Isso levou GERALDO ATALIBA a concluir que
nessa seara “... tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o
sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe
somente obedecê-lo...”464.
Daí a importância do princípio da legalidade no contexto tributário,
eis que é através da sujeição da Administração Pública às normas
estabelecidas que o “poder” de tributar acontece.
E, se o legislador constituinte estabeleceu a hipótese de
incidência de um dado tributo, além de definir o núcleo do suposto normativo, a
conclusão que se chega é a de que no Brasil a legalidade tributária tem
destaque exacerbado, na medida em que o tributo, em vista das designações
constitucionais, é conceito fechado, seguro, exato, rígido e preciso até para
resguardar a segurança jurídica.
Ora, se a essência do direito tributário, respeitados os postulados
fixados pela Constituição, reside na integral submissão do poder estatal ao que
disciplina a lei, no caso do Sistema Tributário isso é ainda mais enfático se for
tomado por fundamento a idéia de que é a própria Constituição o instrumento
que define quase todos os elementos essenciais de um dado tributo.
464
Sistema Constitucional..., op. cit., p. 21.
160
A obrigação de pagar tributo decorre, num Estado Social de
Direito como o Brasil, da Constituição, em primeiro plano, e da lei no plano
infraconstitucional. Isso justifica a idéia de que o princípio da legalidade se situa
nas raízes do Direito Tributário, sendo coerente afirmar que o alcance da
legalidade impede que tributos sejam cobrados se não atendidas às
disposições constitucionais.
Não é exagero repisar no caráter pétreo do princípio da
legalidade tributária, eis que constitui inegável direito fundamental dos
contribuintes, sendo coerente retificar que não há qualquer exceção à sua
observância465.
Tal princípio estabelece que os tributos devam ser estruturados
com base na lei e de modo que essa estrutura esteja em sintonia com a
Constituição, sendo certo que essa lei deve trazer todos os elementos da
norma jurídica tributária (hipótese de incidência, base de cálculo, etc.), desde
que, por óbvio, não viole preceitos e diretrizes anteriormente definidas e
traçadas na Lei das leis, que para JOSÉ ROBERTO VIERA e JOSÉ SOUTO
MAIOR BORGES é, inclusive, responsável pela própria criação do tributo466.
Não se está a dizer que a lei não pode definir certos critérios que
integram a estrutura de um tributo, nem mesmo que a Constituição não deixou
qualquer espaço para a legislação infraconstitucional. O que se diz é que esses
espaços existem, mas são diminutos e de pouca profundidade.
Ao legislar na esfera tributária, o legislador deve sempre seguir o
caminho disciplinado na Constituição que, no caso brasileiro é exaustivo,
chegando ao exagero, quase “maternal” como ensina JOSÉ GOMES
CANOTILHO467.
Trata-se de condição necessária para a vida em sociedade,
permitindo que a Segurança Jurídica impere, resguardando aos contribuintes
uma parcela de certeza num mundo de incertezas.
465
Vide item 4.5. 466
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, E, afinal, a Constituição..., op. cit., “passim”. 467
Vide p. 46.
161
A Contribuição Especial, por sua vez, que fora analisada no
presente trabalho, inclusive sob o padrão da regra-matriz de incidência, foi
aquela Contribuição Social destinada à Seguridade Social (art. 195, I, “a”, da
Constituição Federal), referida, usualmente, como “Contribuição Previdenciária
das Empresas sobre a Folha de Salários”.
A menção tem respaldo no fato de que tal contribuição social foi,
por primeiro, utilizada para o financiamento do regime geral de previdência
social e incide sobre a “folha de salários”468.
O constituinte, a partir da instituição dessa contribuição, autorizou
que determinada parcela representativa da “folha de salários” da empresa siga
o destino dos cofres da Seguridade Social com fim específico de atender os
programas de saúde, previdência e assistência social.
A estrutura da norma, mais especificamente a regra-matriz de
incidência tributária da Contribuição Previdenciária das Empresas, tem seu
arquétipo defino na própria Constituição. A afirmação é conseqüência da
simples leitura do art. 195, I, “a”, que revela a seguinte estrutura normativa: na
hipótese de incidência tributária, o critério material consiste nos verbos “pagar”
ou “creditar” e nos complementos “salário”, e “demais rendimentos destinados
a remunerar o trabalho”; sendo que essa remuneração deve ser paga ou
creditada a uma pessoa física que preste serviço à empresa. O critério espacial
tem lugar em qualquer ponto do território nacional, ao passo que o critério
temporal adotado pela norma foi o do termo final do período mensal, ou seja, a
contribuição é devida quando do crédito ou pagamento do “salário”.469
No conseqüente tributário, há o critério pessoal que dá lugar a
figura da União na função e sujeito ativo e as empresas ou entidades
equiparadas na condição passiva. O critério quantitativo está representado pela
468
Essa expressão, que causou certa polêmica no meio jurídico, sempre teve significado bem preciso na esfera previdenciária. Quer significar, sem embargo da interpretação restritiva que lhe deu o Supremo tribunal Federal, a folha de pagamentos das remunerações pagas ou creditadas aos trabalhadores que prestam serviço a certa empresa, ou equiparada. (WAGNER BALERA, As Recentes Mudanças na Legislação das Contribuições Sociais, p. 802.).
469 Sobre a regra-matriz de incidência tributária da “Contribuição Previdenciária das Empresas
sobre a Folha de Salários”, veja o Capítulo 3 deste trabalho.
162
base de cálculo que nada mais é do que o valor total da remuneração, paga ou
creditada, destinada a retribuir o trabalho; e a alíquota que, como regra geral, é
de 20% (vinte por cento).
Enfim, analisando a disposição constitucional, rememore-se que
apenas a remuneração destinada a retribuir o trabalho pode compor a base de
cálculo em prol da higidez do modelo constitucional: “... folha de salários e
demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à
pessoa física que lhe preste serviço...”470.
Quaisquer outras remunerações, que não aquelas atinentes ao
trabalho prestado ou colocado à disposição, não podem intumescer a base de
cálculo, pois, neste caso, estaria havendo a dissociação entre a materialidade
da hipótese e o conteúdo econômico, expresso na base de cálculo.
A conclusão que se chega é, portanto, que não haverá incidência
tributária, sob a rubrica dessa contribuição, quando a remuneração paga ou
creditada não se subsumir ao conceito do antecedente normativo da sua norma
de incidência. O conceito do fato não poderá ser considerado subsumido ao
conceito da norma, eis que não havendo preenchimento dos elementos do
critério material não há que se falar em ocorrência do fato jurídico tributário, em
razão da dissonância com a hipótese de incidência tributária.
Se não há pagamento ou o crédito de salário ou rendimentos do
trabalho à pessoa física, não há ocorrência da hipótese normativa. Isso porque,
como ensina JOSÉ ROBERTO VIEIRA, a “... subsunção só se dará se o
conceito do fato adequar-se minuciosamente e por inteiro ao conceito da
norma, atendendo-lhe fielmente todos os critérios da hipótese de
incidência...”.471
E, ainda que exista a subsunção do conceito do fato ao conceito
da norma, dando ensejo ao nascimento da obrigação tributária, importante
registrar que se deve atentar para a conformação da base de cálculo quando
470
BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988, Art. 195, I “a”.
471 JOSÉ ROBERTO VIEIRA , IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 58.
163
da mensuração do valor a se pagar, eis que a definição da base de cálculo está
intimamente relacionada com a materialidade da hipótese de incidência, e a
adoção de qualquer outra base de cálculo que não aquela constitucionalmente
admitida implica inconstitucionalidade.
Vale lembrar que uma das funções da base de cálculo é a de
justamente comparar o critério material da hipótese, confirmando-o quando for
ele compatível ou infirmando-o quando inconciliável.
Ao final, concluí-se que a lei infraconstitucional não tem
legitimidade de inovar, criar, modificar ou impor limites ao critério material da
hipótese de incidência desse tributo. A tipicidade marca o domínio da
legalidade no campo tributário, sendo que a Constituição é quem tipificou os
tributos, no sentido de lhes disciplinar a vocação institucional472.473
Além disso, qualquer alteração tem no princípio da legalidade o
substrato necessário para que isso seja feito nos limites da Constituição da
República.
Vale destacar que a legalidade, ante aos anseios constitucionais,
impede que quaisquer conjunturas sejam formuladas sem que se atenda aos
anseios constitucionais. Vale dizer que no campo tributário a Constituição já
delimitou, ante a rigidez que lhe é própria nesse campo do direito, praticamente
todos os critérios da hipótese de incidência e do conseqüente, de modo que
qualquer manifestação infraconstitucional deve ater-se às cominações já
desenhadas na Constituição. Isso implica dizer que haverá violação do
472
WAGNER BALERA, As Contribuições no Sistema..., op. cit., p. 579. 473
Em julgamento de certa maneira análogo ao caso em questão, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da expressão “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”, contida no inciso I, do art. 7º, da Lei nº 10.865/04. Em seu voto de “vista” o Ministro DIAS TOFFOLI, relator para o acórdão, assim consignou: “... a Constituição, ao outorgar competências tributárias, o faz delineando os seus limites...” “Nessa linha, a simples leitura das normas contidas no art. 7º da Lei nº 10.865/04, objeto de questionamento, já permite constatar que a base de cálculo das contribuições sociais sobre a importação de bens e serviços extrapolou o aspecto quantitativo da incidência delimitado na Constituição Federal, ao acrescer ao valor aduaneiro o valor dos tributos incidentes, inclusive o das próprias contribuições.” (STF – RE 559.937/RS, Relatora Ministra Ellen Gracie, Relator para o acórdão Ministro Dias
164
princípio da legalidade, na sua acepção genérica, quando a Constituição não
for observada, ao passo que haverá também violação ao princípio, na acepção
restrita, quando as leis formais não forem respeitadas, de modo que os
Regulamentos, por exemplo, não podem jamais consolidar a legislação
tributária, eis que tem a função específica de regulamentar aquilo que já fora,
ou já deveria, ter sido disciplinado.
O que, como já se mencionou, é admissível, com base na
Constituição, é que via Decreto algumas alíquotas de alguns impostos sejam
alteradas, desde que respeitadas as condições e os limites fixados na
Constituição. Isso representa a expressão mais evidente da importância do
princípio da legalidade, eis que a inconstitucionalidade nada mais é do que
uma ilegalidade qualificada como já mencionado anteriormente.
Não há espaço para inovações ou modificações, em especial
aquelas em desconformidade com a Constituição da República. Até porque,
mesmo nos casos das alterações das alíquotas, elas não são criadas, apenas
alteradas nas condições e nos limites da lei, sendo coerente afastar a idéia de
qualquer exceção, mesmo que aparente, ao princípio da legalidade474.
Para bem concluir, acentua o mestre GERALDO ATALIBA: “O
apanágio do cidadão, no regime republicano, está exatamente na circunstância
de só obedecer-se a si mesmo, pelos preceitos que seus representantes, sem
seu nome, hajam consagrado formalmente em lei.”475
5.2. As Violações à Legalidade Tributária e a Previdência Social
O suposto déficit da Previdência Social estampa não só os
noticiários Brasil a fora, como o próprio contexto social brasileiro. O cidadão
acostumou-se com a idéia de um suposto déficit nas contas da previdência
social brasileira: “Déficit previdenciário deve chegar a R$ 38 bilhões em
Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2013). Fonte: Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 22/03/2013.
474 JOSÉ ROBERTO VIEIRA, et alli, Perfil Constitucional..., op. cit., p. 233.
475 Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 97.
165
dezembro”476(EBC – Empresa Brasil de Comunicação); “Déficit da Previdência
Social dobra em agosto e atinge R$ 5,4 bilhões”477 (Folha de São Paulo);
“Déficit previdenciário cresce 39,5% em fevereiro”478 (Brasil Econômico);
“Déficit da previdência sobe 11,1% até novembro e alcança R$ 48,5 bi”479
(Valor Econômico).
O discurso sobre o crônico déficit previdenciário, todavia, nada
mais é do que um discurso do mercado. A própria Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal – ANFIP, trata desse suposto déficit como
uma verdadeira falácia.
Para se ter uma idéia, mesmo computando um aumento nas
despesas de aproximadamente 1,2 bilhão de reais, o Regime Geral de
Previdência Social (RGPS) apresentou, no mês de agosto de 2012, um saldo
positivo de 1,6 bilhão de reais. A arrecadação, segundo a ANFIP, foi de 22
bilhões de reais, o segundo maior valor da série histórica, ao passo que as
despesas somaram cerca de 20,4 bilhões de reais480.
476
“Balanço do Regime Geral de Previdência Social apresenta saldo negativo nos primeiros sete meses de 2012. Entre janeiro e julho deste ano, foram arrecadados R$ 149,9 bilhões e gastos R$ 173,3 bilhões, uma diferença de R$ 23,4 bilhões”. Fonte: Empresa Brasileira de Comunicação – (http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-08-28/deficit-previdenciario-deve-chegar-r-38-bilhoes-em-dezembro). Acessado em 10/01/2013.
477 “O déficit da Previdência Social aumentou 111,2% em agosto comparado a julho,
acumulando R$ 5,4 bilhões no vermelho, segundo os dados divulgados pelo ministério... “ Fonte: Jornal Folha de São Paulo – (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/801490-deficit-da-previdencia-social-dobra-em-agosto-e-atinge-r-54-bilhoes.shtml). Acessado em 10/01/2013.
478 “O déficit previdenciário cresceu 39,5% em fevereiro, em termos reais, na comparação
com o mesmo período do ano passado, alavancado pelo reajuste dos benefícios concedido pelo governo, mostraram dados do Ministério da Previdência nesta quinta-feira.” (http://brasileconomico.com.br/noticias/nprint/79441.html). Fonte: Jornal Brasil Econômico. Acessado em 10/01/2013.
479 “O déficit da Previdência Social foi de R$ 5,381 bilhões em novembro deste ano, um
aumento real de 20,4%, ante R$ 4,467 bilhões no mesmo mês de 2011. O resultado é corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Na comparação nominal, o crescimento foi de 27%. Enquanto a arrecadação real cresceu 3,2%, de R$ 21,783 bilhões em novembro de 2011, para R$ 22,477 bilhões em novembro de 2012, as despesas previdenciárias aumentaram 6,1%, de R$ 26,25 bilhões para R$ 27,859 bilhões, na mesma base de comparação, em termos reais.” Fonte: Jornal Valor Econômico – (http://www.valor.com.br/brasil/2952502/deficit-da-previdencia-sobe-111-ate-novembro-e-alcanca-r-485-bi). Acessado em 10/01/2013.
480 ”RGPS: Setor urbano apresenta sétimo superávit em 2012”. Acessado em 17/01/2013.
Fonte: ANFIP – (http://www.anfip.org.br/informacoes/noticias/Previdencia-novembro-fecha-com-superavit-de-R-13-bilhao-no-setor-urbano_28-12-2012).
166
Em Dezembro de 2012 a mesma ANFIP divulgou o superávit de
novembro, esse no valor de 1,3 bilhão de reais. O setor urbano registrou, em
novembro de 2012, o nono superávit do ano. O saldo entre arrecadação e
pagamento de benefícios foi de 1,3 bilhão de reais, reflexo de uma arrecadação
de 22 bilhões e despesa de 20,7 bilhões de reais481.
A própria Previdência Social divulgou os resultados do Regime
Geral de Previdência Social – RGPS de novembro de 2012, através da
Secretaria de Políticas de Previdência Social, que revelou superávit de 2,3
bilhão em outubro de 2012 e 1,3 bilhão de reais em novembro do mesmo ano.
O acumulado para 2012 (janeiro a novembro) remontou superávit de 12,9
bilhões de reais, o que demonstra não existir déficit para o regime geral da
previdência482.
Diga-se, por oportuno, que a notícia corrente acerca do suposto
déficit previdenciário não convence aos mais atentos. Em que pese não se
possa concluir que existe um equilíbrio entre o que se arrecada de
contribuições incidentes sobre a folha de salários e os benefícios pagos pelo
sistema aos seus segurados, a Seguridade Social é extremamente sólida e
superavitária como demonstram os estudos da Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal483.
A conclusão que se chega, portanto, é a de que, na realidade, não
há um déficit previdenciário, mas sim um déficit de informação, como bem
noticiou VILSON ANTONIO ROMERO, Auditor Fiscal e Diretor da ANFIP484.
481
”Previdência: novembro fecha com superávit de R$ 1,3 bilhão no setor urbano”. Acessado em 17/01/2013. Fonte: ANFIP – (http://www.anfip.org.br/informacoes/noticias/RGPS-Setor-urbano-apresenta-setimo-superavit- em-2012_01-10-2012). Acessado em 17/01/2013.
482 Estudos da SPPS – Secretaria de Políticas de Previdência Social divulgado em dezembro
de 2012, “Resultado do Regime Geral de Previdência Social – RGPS – Novembro/2012.” (Fonte: www.previdencia.gov.br). Acessado em 17/01/2013
483 A Seguridade Social, segundo dados apresentados pela ANFIP, obteve no ano de 2010
um superávit de R$ 58 bilhões, sendo que esse valor nos últimos cinco anos é estimado em R$ 100 bilhões. (http://www.anfip.org.br/publicacoes/livros/includes/livros/arqs-pdfs/analise2010.pdf). Acessado em 10/10/2011.
484 “No Caribe, há a temporada dos furacões entre agosto e novembro. Na Europa, a
temporada de neve se inicia em dezembro ou janeiro. No Brasil, afora as intempéries climáticas regionais, há, ironicamente, a temporada dos déficits. O governo federal, como em todos os últimos inícios de ano, solta aos quatro ventos números e mais números sobre os déficits orçamentários. Sempre com o objetivo de criar alarme e acima de tudo pavimentar o caminho para mudanças restritivas de direitos e vantagens de trabalhadores
167
Fato é que a esmagadora maioria dos estudos focados na análise
do orçamento da Seguridade Social revelam que a receita vem superando em
todos os anos as despesas, saldos positivos esses, que inclusive, poderiam
ampliar o rol das ações e benefícios concedidos atualmente aos segurados
através do Sistema de Seguridade Social.
Como se não bastasse, o Governo Federal, através das recente
política de “desoneração da folha de salários”, como vem sendo chamada a
medida para “substituir” a contribuição incidente sobre a folha de salário e
demais rendimentos do trabalho, no Plano “Brasil Maior”, por contribuição
incidente sobre a receita bruta das empresas, confirma ter havido abdicação de
aproximadamente 2 bilhões de reais em receitas oriundas de contribuições
sociais destinadas ao sistema previdenciário nos anos de 2011 e 2012485.
da iniciativa privada e do serviço público, a União alardeia desequilíbrio nas contas das aposentadorias dos trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público. O déficit da previdência social dos servidores públicos, o chamado Regime Próprio da União, atingiu R$ 56 bilhões em 2011, segundo autoridades federais. Para 2012, a expectativa é de que o “rombo” ultrapasse os R$ 60 bilhões....” “No INSS, não se fala nem se divulga que o Regime Geral está inserido num grupo maior chamado de Orçamento da Seguridade Social, extremamente superavitário, com sobras estimadas em mais de R$ 100 bilhões nos últimos cinco anos e que há um elevado montante de renúncias fiscais que comprometem as contas da previdência. Estes e outros dados não são divulgados, pois com isto o Planalto reforça a idéia de déficits, quando na realidade não existem déficits previdenciários e sim déficits de informação.” Fonte: ANFIP. Acessado em 17/01/2013. (http://www.anfip.org.br/informacoes/noticias/Artigo-Deficits-de-informacao-Vilson-Antonio-Romero_03-02-2012).
485 “No que se refere ao impacto na arrecadação, estima-se perda de receita da ordem de R$
214 milhões (duzentos e catorze milhões de reais) para o ano de 2011 e R$ 1.430 milhões (um bilhão quatrocentos e trinta milhões de reais) para o ano de 2012.” (Exposição de motivos da Medida Provisória nº 540, de 2 de agosto de 2011, publicada no Diário Oficial da União em 3 de agosto de 2011). Fonte: Casa Civil da Presidência da República (www.planalto.gov.br). Acessado em 17/01/2013. Atentar para o fato que após a edição da Medida Provisória nº 540/2011, convertida na lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, outros setores da economia foram albergados pela “desoneração da folha de salários”. Em 3 de abril de 2012 foi editada a Medida Provisória 563, que ampliou o saldo da renúncia fiscal: “Desse modo, em 2012, como a medida valerá a partir de julho, estima-se uma renúncia fiscal líquida de R$ 1,790 bilhão (um bilhão, setecentos e noventa milhões de reais). Para os anos de 2013 e 2014 a estimativa de renúncia é de R$ 5,221 bilhão (cinco bilhões, duzentos e vinte e um milhões de reais) e R$ 5,534 bilhões (cinco bilhões, quinhentos e trinta e quatro milhões de reais) respectivamente” (Exposição de motivos da Medida Provisória nº 563/2012). Fonte: Casa Civil da Presidência da República (www.planalto.gov.br). Acessado em 17/01/2013. Já a Medida Provisória nº 601, de 28 de dezembro de 2012 ampliou ainda mais o rol de empresas “beneficiadas”. A renúncia, com a nova “desoneração” foi ainda maior: “Sobre o impacto orçamentário-financeiro da desoneração do setor de construção, cumpre-nos informar, que a presente medida pressupõe renúncia fiscal líquida anual estimada em R$ 2,850 bilhões. Considerando-se a vigência da desoneração a partir de abril, com reflexos no caixa a partir de maio, o valor da renúncia em 2013 seria reduzido para R$ 1,90 bilhão. A desoneração do comércio varejista representa uma renúncia fiscal anual estimada de R$ 1,91 bilhão e que, em 2013,
168
Em vista, portanto, dos argumentos antes expostos, parece
evidente, firme e também sólida a tese de que o Sistema Previdenciário é
superavitário.
Certo é que o Sistema de Seguridade Social se confunde, no bojo
da Constituição, com os próprios objetivos da Ordem Social. A
constitucionalização do bem-estar e da justiça social institucionalizou a
importância e a necessidade da manutenção dos mecanismos de proteção
social, fazendo com que todo o sistema atue justamente na desordem social,
identificada pela própria Constituição, e, com isso, ajuste seus limites e
contornos.
A finalidade é proteger o cidadão que, quando necessitado, busca
o sistema para poder gozar dos recursos colocados a sua disposição nos
campos da assistência social, da saúde e da previdência social.
Para manter esse sistema, o legislador normatizou todo um
conjunto de procedimentos e ferramentas aptas a sustentar as necessidades
sociais que num país como o Brasil, nunca foram discretas.
Além do aparato instrumental cativado pelos ditames
constitucionais, há, ainda, toda uma arquitetura montada para suportar os
gastos inerentes aos anseios desse mesmo sistema. O custeio, por sua vez, é
de tal maneira importante para o cumprimento dos objetivos constitucionais que
a própria Constituição, em seu art. 195, ainda no Capítulo da Ordem Social, faz
menção no sentido de que “a seguridade social será financiada por toda a
sociedade.”
Além do arquétipo formatado tanto para a concessão dos
benefícios no campo da saúde, assistência e previdência, como para a
formação do lastro financeiro que possibilita o funcionamento do sistema, a
Constituição ainda invocou o princípio da solidariedade para a compreensão
por conta da data de vigência, terá um efeito de R$ 1,27 bilhão no fluxo de caixa. Somadas às desonerações setoriais da folha de pagamentos já autorizadas para os demais setores, no valor de R$ 12,83 bilhões, a renúncia total de receitas associadas à política de desoneração setorial, em 2013, atinge R$ 16 bilhões.” (Exposição de motivos
169
dos direitos sociais, atribuindo à concretização do bem comum a comunhão
universal de todos no custeio do sistema.
WAGNER BALERA chega a dizer que a existência “do edifício
social” decorre justamente dessa noção de solidariedade que é inerente à
própria vida em sociedade486.
É justamente essa busca pelo bem comum que faz nascer o pacto
entre as gerações que, por sua vez, garante uma vida digna nas gerações que
estão por vir.
Com efeito, não é a toa que o art. 3º, da Constituição, revela que
o bem de todos está associado à construção de uma sociedade justa e
solidária. É isso que, como conseqüência, trará a satisfação dos objetivos da
Ordem Social: bem-estar e justiça social.
Mas que tipo de solidariedade está sendo exigida para a
concepção constitucional do bem-estar e da justiça através do sistema de
Seguridade Social? É certo que a cada qual incumbe sua parte e isso é
evidente quando se revela que o desiderato constitucional será alcançado com
o rateio do financiamento.
Veja que a Constituição fomenta a solidariedade quando
disciplina, no Capítulo da Ordem Social, que a Seguridade Social compreende
um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da
sociedade. Logo após, reforça a importância da solidariedade também no
custeio, frisando que o sistema é financiado por todos, de forma direta e
indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais na
própria Constituição descritas.
A ilação parece evidente. A busca por bem-estar e justiça social é
objetivo constitucional e, como não poderia deixar de ser, desejo de todo
cidadão.
da Medida Provisória nº 601/2012). Fonte: Casa Civil da Presidência da República (www.planalto.gov.br). Acessado em 17/01/2013.
170
Para isso a Constituição declinou ao Sistema de Seguridade
Social a responsabilidade pela conciliação e harmonização desses anseios.
Além disso, apontou onde os esforços devem ser concentrados, utilizando-se
da solidariedade na condição de elemento capaz de tornar lúbrico o
funcionamento e desenvolvimento do sistema. Não se discute, portanto, a
importância do sistema e a necessidade da distribuição das tarefas.
De forma prudente, contudo, a Constituição transportou essa idéia
também para o custeio, atribuindo o sucesso da Seguridade Social a um
resultado financeiro superavitário. Em suma: o bem de todos, a erradicação da
pobreza e da marginalização social e até a redução das desigualdades
somente poderão ser alcançados com o esforço conjunto e cooperado de todos
no acumulo de recursos487.
Não é outra a conclusão senão a de que o Sistema de Seguridade
Social deve estar funcionando a qualquer custo, independentemente dos
esforços que devam se empenhados e das barreiras que devam ser
superadas. Está criado, nesse sentido, o dogma inconteste da necessidade de
higidez financeira da Previdência Social488.
Fato que evidencia o imperativo de “arrecadar a qualquer custo”,
em prol da necessidade de se manter a higidez no sistema, esta na
conformação da base de cálculo da contribuição em análise. Veja que o
“imperativo categórico” foi construído, como já mencionado, sobre a plataforma
de que não há como titubear nos trabalhos articulados para a manutenção do
custeio, sob pena de se comprometer os ditames constitucionais do bem-estar
e da justiça social. A premissa é de que eventual hesitação pode trazer
conseqüências gravosas para toda a sociedade.
Entretanto, o que não se fala é que a manutenção do sistema,
num Estado Social Democrático de Direito, é tão importante quanto a
486
Noções Preliminares..., op. cit., p. 20 487
“Recursos são o cabedal financeiro apto a dar sustentação aos programas do sistema” (WAGNER BALERA, Sistema de Seguridade Social, p. 26).
488 A universalização, entretanto, que representa o pluralismo interpretativo afeta a visão de
mundo, bem como a percepção de valores e interesses que acabam por ser aceitos como
171
manutenção dos direitos fundamentais da mesma forma expressos na
Constituição da República.
Já no campo tributário, objeto deste trabalho, quando, neste
trabalho, tratou-se do critério quantitativo da regra-matriz de incidência
tributária, houve destaque para JOSÉ ROBERTO VIEIRA quando de seu
registro no sentido de que tal critério é composto justamente pelos dados que
permitem a fixação dos exatos contornos do objeto da prestação pecuniária,
mediante o concurso da base de cálculo e da alíquota489.
MARY ELBE QUEIROZ, também destacada, consignou nesse
mesmo sentido, tendo registrado que por meio desse critério pode-se obter
com segurança o efetivo montante devido pelo contribuinte490.
Enfim, a base de cálculo destina-se a dimensionar a intensidade
do comportamento constante do núcleo do fato jurídico tributário, para que
possa ser determinado o valor da prestação pecuniária.
A contribuição previdenciária devida pelas empresa, nos termos
do art. 195, I, “a”, da Constituição, incidente sobre a “folha de salários”, tem
como base de cálculo o valor total da remuneração paga ou creditada pela
empresa, desde que fruto da retribuição ao serviço que lhe foi prestado ou
posto à disposição por pessoa física prestadora do serviço. Assim, será o valor
das remunerações do trabalho, pagas ou creditadas, nos termos da lei, que
estará sujeito à exação no período compreendido pelo mês491.
Pela simples análise do art. 195, I, “a”, da Constituição Federal de
1988, portanto, pode-se constatar que a base de cálculo foi ali definida e tem
máximas, ou melhor, como leis universais. (JÜRGEN HABERMAS, A Ética da Discussão e a Questão da Verdade, “passim”).
489 IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 66.
490 Imposto Sobre a Renda..., op. cit., p. 140.
491 “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e
indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (...)” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988.
172
relação direta com o critério material. Perfeita, nesse sentido, a sintonia entre o
binômio: hipótese de incidência tributária e base de cálculo
A própria lei que disciplina o custeio da Previdência Social (Lei nº
8.212/91), de certa forma exprimindo preocupação em dar efetividade aos
anseios constitucionais, elencou, através do art. 28, §9º, algumas prestações
pagas ou creditadas pelas empresas, às pessoas físicas que lhes prestem
serviços, que pelo fato de não se harmonizarem com o critério material da
regra-matriz de incidência, não poderiam compor a base de cálculo do tributo.
Isso porque, como já mencionado anteriormente, somente a
remuneração destinada a retribuir o trabalho prestado é que poderá ser
considerada base de cálculo, até porque a única base de cálculo
constitucionalmente admitida para o conseqüente normativo da contribuição em
análise é o valor dessa remuneração.
Justamente por conta disso é que se pode concluir que não é toda
e qualquer remuneração paga pela empresa que poderá compor a base de
cálculo, eis que muitas verbas pagas ou creditadas não têm consonância com
a idéia de retribuir o trabalho.
Por oportuno, cumpre destacar que a concepção ampliativa do
princípio da legalidade, como coloca por CHARLES EISENMANN, ex-professor
da Faculdade de Direito e de Ciências Econômicas de Paris, evidencia uma
relação de conformidade, de “agir nos termos da lei”. Isso pressupõe um agir
conforme a lei, a qual fixa limites e permissões expressas numa noção máxima
de legalidade492.
A visão ampliativa do princípio da legalidade, portanto, proclama
por uma relação de conformidade com a Constituição. Incluir, dessa forma,
outros valores que não apenas a remuneração destinada a retribuir o trabalho
na base de cálculo da contribuição previdenciária das empresas (art. 195, I, “a”,
492
“... para identificar a concepção ampliativa com uma relação de conformidade (agir conforme a lei, que fixa limites e permissões expressas...” ...”numa noção máxima de legalidade.” (Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 78-79).
173
da Constituição), é o mesmo que contrariar a Constituição. Isso porque, nesse
caso, estar-se-ia alargando o conteúdo econômico do tributo indevidamente, na
medida em que a Constituição, quando desenhou o critério material da
hipótese de incidência, já evidenciou que apenas as verbas inerentes à
remuneração do trabalho podem ser objeto de tributação.
O alargamento em desacordo constitucional implica dissociar a
materialidade da hipótese do seu conteúdo econômico, além de violar o
Princípio da Capacidade Contributiva da empresa, como aponta MARCELO
CARON BAPTISTA493; e, sobremaneira o princípio da legalidade.
O que resta evidente é que não há incidência de contribuição
social quando a remuneração paga ou creditada pela empresa não se subsumir
ao conceito do antecedente normativo desse tributo, até porque, há que haver
notória identidade entre o critério material e a base de cálculo da exação.
Como já se falou, a definição da base de cálculo está intimamente
relacionada com a materialidade da hipótese de incidência. É justamente por
conta disso que a adoção de qualquer outra dimensão conceitual para a base
de cálculo, que não aquela constitucionalmente admitida, implica dissociação
entre a materialidade da hipótese e essa base de cálculo.
A dissociação é demonstração de inconstitucionalidade. Além
disso, é violação expressa ao princípio da legalidade, e, tendo como premissa
que é apenas pelo caminho da Constituição que o direito brota da sociedade,
não se pode admitir que a base de cálculo especializada na Constituição seja
descaracterizada da sua vocação através de leis, decretos ou qualquer outro
vetor normativo que pretenda inferir no seu conceito.
5.3. As Ilegalidades praticadas pela Administração Pública De certo, pelo até aqui exposto, pode-se dizer que a materialidade
da hipótese de incidência tributária já vem delineada na Constituição.
493
ISS, Do Texto à Norma..., op. cit., p. 578.
174
Mas, como objetivamente registra WAGNER BALERA, para que
“folha de salários” e demais rendimentos do trabalho, base de cálculo da
contribuição em análise, signifiquem exatamente aquilo que sempre
significaram, o sentido do termo deve estar formalmente configurado nas leis e
decretos conseqüentes494.
A remuneração (ou retribuição), porque representa o objeto da relação jurídica de direito privado e por ser medida equivalente ao trabalho que prestam empregados, empresários, avulsos e autônomos, é a medida apta a avaliar, determinar, a situação descrita em lei na sua materialidade, naquilo que há de substancial na hipótese de incidência da contribuição social em comento
495
Nesse passo, não é pela simples previsão legal contida no §9º, do
art. 28, da Lei nº 8.212/91, ou da constante do art. 214, do Decreto nº 3.048, de
6 de maio de 1999, que se permite à Administração Pública, no desempenho
da função administrativa, inflar a base de cálculo da contribuição em comento,
através da cumulação de algumas verbas cuja natureza jurídica não seja
retributiva dos serviços prestados. Isso porque, como já salientado, a base de
cálculo decorre da essência do critério material adotado para o tributo pela
própria Constituição.
Vale destacar que a contribuição previdenciária das empresas
sobre a “folha de salários” tem seu regramento implementado através do art.
195, I, “a”, da Constituição Federal, o qual, como já mencionado, definiu como
fato jurídico tributário, ou simplesmente fato passível de tributação, somente, e
unicamente, as parcelas de natureza remuneratória do trabalho.
Nesse passo, merece registro o próprio Código Tributário
Nacional, que em seu art. 110, evidencia a impossibilidade da norma
infraconstitucional alterar conceitos constitucionais496.
494
As Recentes Mudanças..., op. cit., p. 807. 495
Id. 496
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” (Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966).
175
O que se conclui, nesse sentido, é que não basta que a norma
infraconstitucional diga o que considera e o que não considera passível de
caracterizar-se como base de cálculo. Disso, extrai-se que qualquer
remuneração, ainda que considerada pelo legislador infraconstitucional como
integrantes da base de cálculo da contribuição previdenciária das empresas,
desde que em descompasso com o critério material instituído pela Constituição,
há de ser declarada inconstitucional.
Esse conceito, pelas razões expostas ao longo deste trabalho,
deveriam influenciar as definições do Governo Federal quando, por exemplo,
optou por, sem maiores explanações e através de Decreto, infirmar o caráter
indenizatório da verba notoriamente conhecida por “aviso prévio indenizado”,
definida, pela própria Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452
de 1º de maio de 1943) como parcela de caráter indenizatório.
O Decreto nº 6.727/2009 revogou a alínea ‘f’ do §9º, do art. 214,
do Decreto nº 3.048/99, com objetivo de excluir da legislação o dispositivo que
declarava expressamente a não-incidência da contribuição previdenciária sobre
o aviso prévio indenizado. A medida foi reflexo inconteste da crise mundial de
2008 que, por sua vez, acarretou um crescente número de demissões nas
empresas. O objetivo do Governo Federal, franqueado na idéia de manter hígido o
Sistema de Seguridade Social a qualquer custo, foi de barrar as demissões
tornando-as mais onerosas às empresas.
Entretanto, com base nos termos do art. 195, I, “a”, da
Constituição Federal, pode-se dizer que o critério material da contribuição
previdenciária das empresas sobre a “folha de salários”, além dos verbos
“pagar” ou “creditar”; anseia por complementos que, neste caso, exigem que os
pagamentos ou créditos sejam de parcelas destinadas a retribuir o trabalho.
Dessa forma, a conformação do critério material da regra-matriz de incidência
tributária exige que o pagamento seja de verba destinada a remunerar o
trabalho prestado. Não há, portanto, que se confundir o pagamento de
indenização do aviso prévio indenizado com o pagamento de valores
destinados a retribuir um efetivo trabalho prestado.
176
O próprio art. 22, I, da Lei nº 8.212/91 define como base de
cálculo “o total das remunerações pagas destinadas a retribuir o trabalho”, o
que leva crer que as parcelas indenizatórias estão imunes ao âmbito de
incidência do tributo.
Evidentemente que qualquer interpretação da legislação
previdenciária deve atentar-se para o que disciplina a Lei nº 8.212/91 e o
decreto nº 3.048/99. Entretanto, a interpretação deve ter como fundamento as
diretrizes constitucionais que, por sua vez, disciplinaram os contornos da
contribuição previdenciária das empresas no art. 195, I, “a”, o qual, sem
qualquer limitação, deve ser observado sob pena de inconstitucionalidade.
Interpretar, nesse contexto, as legislações infraconstitucionais de
modo a incluir todo e qualquer pagamento feito àqueles que prestam serviços
às empresas, independente da natureza desse pagamento, na base de cálculo
da contribuição em comento, extrapola não apenas a definição legal do art. 22,
I da Lei 8.212/91, como a própria regra de competência constitucional, que não
autoriza a tributação sobre parcelas indenizatórias, ou melhor, sobre parcelas
que não representem a remuneração a um trabalho prestado.
Admitir que os critérios da regra-matriz de incidência tributária
“flutuem” a critério do legislador ou do intérprete, em desacordo à Constituição,
atendendo a interesses que não aqueles disciplinados na Constituição, fere o
princípio da legalidade em sua mais ampla significação, princípio esse
essencial ao Estado de Direito e fundamental ao desenvolver do direito
público497.
No âmbito tributário a legalidade é premissa inafastável. Isso
porque, considerando que a Constituição disciplina em seu texto o arquétipo da
contribuição objeto desse estudo, a inobservância provoca a infirmação à
própria organização democrática, essência do Estado brasileiro segundo a
Constituição, eis que mais do que a vontade estatal, a Constituição é
“manifestação suprema da vontade popular, da vontade de cada cidadão, por
497
CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Financeiro..., op. cit., p. 107.
177
intermédio da representação política, constituindo a quase perfeição o
instrumento da soberania popular”498.
A materialidade da hipótese de incidência, como registra
WAGNER BALERA, neste caso já vem embutida na lata expressão utilizada
pelo art. 195, I, da Constituição de 1988499. Justamente por conta disso é que a
retribuição ao trabalho prestado, porque representa o objeto da relação jurídica
entre empresa e prestador, é que deve ser sempre a medida apta a determinar
a materialidade da situação descrita em lei, não havendo espaço para reflexões
díspares por parte da Administração Pública.
Em resposta, proclamando justamente o princípio da legalidade, o
Superior Tribunal de Justiça prontamente condenou a tentativa descabida da
Administração Pública, afastando, neste caso, a utilização acintosa e
desvirtuada da materialidade da hipótese de incidência tributária dessa
contribuição, desvirtuando, por conseqüência sua base de cálculo, em vista da
não ocorrência do fenômeno da subsunção constitucional500.
Na mesma linha de raciocínio o Tribunal Superior do Trabalho, em
diversos julgados, encampou a tese que afasta a natureza salarial do aviso
prévio indenizado. Nesse sentido, registrem-se os recentes precedentes
de todas as Turmas dessa Corte: RR 6140-10.2004.5.04.0831, Ministro Pedro
Paulo Manus, 7ª Turma; RR 67600-79.2004.5.03.0037, Ministro Renato de
Lacerda Paiva, 2ª Turma; RR 58500-87.2009.5.24.0022, Ministra Maria de
Assis Calsing, 4ª Turma; RR 32100-63.2009.5.14.0006, Ministra Kátia
Magalhães Arruda, 5ª Turma; RR 20400-21.2008.5.06.0371, Ministro Alberto
Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma; AIRR 78840-64.2005.5.04.0017,
498
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Princípios Constitucionais..., op. cit., p. 97. 499
As Recentes Mudanças..., op. cit., p. 806. 500
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. VERBETE N. 83 DA SÚMULA DO STJ. Conforme jurisprudência assente nesta Corte, o aviso prévio indenizado possui natureza indenizatória, não incidindo sobre ele contribuição previdenciária.” (AgRg no REsp 1220119/RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, 2ª Turma, julgado em 22/11/2011). No mesmo sentido: REsp 1.221.665⁄PR (1ª Turma, Ministro Teori Albino Zavascki); REsp 1.218.797⁄RS (2ª Turma, Ministro Herman Benjamin); REsp 1213133/SC (2ª Turma, Ministro Castro Meira). Fonte: Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 18/02/2013.
178
Ministra Dora Maria da Costa, 8ª Turma; AIRR 96440-58.2003.5.04.0732,
Ministro Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma; e RR 2818000-
13.2006.5.11.0010, Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma.
Não se pode confundir, feitas as considerações até aqui
expendidas, o critério material da hipótese com os anseios da Administração
Pública, eis que havendo incompatibilidade dos critérios da regra-matriz de
incidência tributária “traçados” na legislação infraconstitucional com a
Constituição, é, sob a égide da legalidade, caso flagrante de
inconstitucionalidade501.
Em resumo, a declaração em lei ou decreto acerca da incidência,
ou não, de contribuição previdenciária das empresas sobre a “folha de salários”
é inócua, eis que muitas das verbas pagas ou creditadas já estão fora do
âmbito de incidência da norma jurídica. Nesse caso, é impossível a subsunção
do fato jurídico tributário à hipótese de incidência tributária, o que revela a
impossibilidade de se tributar determinada parcela que já fora excluída na
origem pelo próprio Texto Constitucional que tratou de cercar o campo de
competência.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado também para o caso da
remuneração adicional de férias de que trata o inciso XVII, do art. 7º, da
Constituição Federal502.
Nos termos da Constituição Federal, todo trabalhador tem direito
de gozar suas férias anuais, remuneradas normalmente, além de receber uma
indenização equivalente a um terço de seu salário mensal no período de
descanso.
Sendo o salário-de-contribuição o total da remuneração percebida
em prol do trabalho prestado, conforme a Constituição de 1988 e a própria Lei
501
Já se fez referência, nesse sentido, ao raciocínio do professor MARCELO CARON BAPTSTA, para quem, em caso análogo em que trata da regra-matriz de incidência do ISS, registra que a listagem de serviços da Lei Complementar nº 116/2003, não tem legitimidade para impor limites ao critério material da hipótese de incidência desse imposto. (ISS, Do Texto à Norma..., op, cit., p. 302).
502 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social: (...) XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo
179
de Custeio da Previdência Social, sua composição não deve contemplar as
parcelas não retributivas do trabalho, idéia amplamente debatida ao longo
deste trabalho. Nesse contexto, devem ser excluídas da base de cálculo da
contribuição previdenciária patronal sobre a “folha de salários”, por
conseqüência lógica, as parcelas indenizatórias, os benefícios previdenciários
e as multas de qualquer espécie503.
É com base nesse preceito que o parágrafo 9º, do art. 28 da Lei
de Custeio da Previdência Social desenvolve um rol enumerando verbas cuja
natureza jurídica não permite a integração ao conceito de salário-de-
contribuição504.
Os mesmos veículos normativos, da mesma forma, também
evidenciaram algumas verbas que pela natureza deveriam integrar a base de
cálculo da contribuição em análise.
Entretanto, a exposição, muitas vezes, é desacompanhada de
atenção ao arquétipo Constitucional. A afirmação decorre da simples leitura do
art. 214, §4º, do Decreto nº 3.048/99: “A remuneração adicional de férias de
que trata o inciso XVII do art. 7º da Constituição Federal integra o salário-de-
contribuição”.
A Lei Suprema, contudo, disciplina que o critério material da
contribuição previdenciária analisada neste trabalho, incide apenas sobre a
“folha de salários” e demais rendimentos do trabalho, não havendo, por conta
disso, que confundir o pagamento da indenização prevista no art. 7º, XVII, com
o pagamento de valores destinados a retribuir o efetivo trabalho prestado.
Veja que o pagamento da verba notoriamente denomina “terço
constitucional de férias” é cumulada aos vencimentos percebidos pelo
trabalhador durante o mês, não havendo que se falar em substituição do salário
mensal ou suplemento salarial durante o período. Tal adicional tem por escopo
proporcionar ao trabalhador, no período de descanso, a percepção de um
menos, um terço a mais do que o salário normal; (...)” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988.
503 CLÁUDIA SALLES VILELA VIANNA, Previdência Social..., op. cit., p. 133.
180
reforço financeiro para que as férias possam ser usufruídas de forma plena em
atenção aos anseios constitucionais. Isso quer dizer que além do salário, verba
contemplada na base de cálculo da contribuição, há, cumulativamente, o “terço
constitucional” que se caracteriza por sua natureza indenizatória.
A indicação da verba como integrante da base de cálculo da
contribuição social em análise, por sua vez, decorreu de previsão
regulamentar, haja vista que fora veiculada unicamente por Decreto, sendo
esse instrumento, nas palavras de GERALDO ATALIBA, “... ato pelo qual o
Presidente da República exercita suas principais funções jurídicas. Assim, é
por meio deste veiculo que exerce o Ordinance Power de que é investido pela
Constituição como Chefe de Estado e Chefe do Poder Executivo.”505
A função dos decretos é a de estabelecer, dentro do âmbito de
atuação da Administração Pública, os procedimentos a serem por ela seguidos
no trato com os administrados. A pretensão é a de proporcionar meios de
execução das leis. Em verdade, “... tudo o que foi disposto no regulamento já
estava...” ou deveria estar “contido em lei”, não podendo se admitir que sejam
veiculadas inovações na ordem jurídica através desse instrumento506.507
Nesse sentido, MARÇAL JUSTEN FILHO, após a análise retida
das funções dos regulamentos, conclui que “em nenhuma delas a inovação
trazida para os particulares pode ser originária.”508
O estabelecimento de direitos e deveres, bem como a criação
de situações jurídicas novas, devem sempre ser veiculadas através de leis, na
medida em que o princípio da legalidade impõe que somente por meio de leis
sejam previstos aspectos da hipótese e os núcleos do mandamento normativo.
Assim, como lembra JOSÉ ROBERTO VIEIRA, a estrutura deve estar
504
Veja nota nº 516. 505
Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Perfil Constitucional do Regulamento..., op. cit., p. 189. 506
Ib., p. 199. 507
Defender que “... o regulamento pode ser inovador; pode criar deveres e obrigações para os subordinados ao editor (funcionários, servidores, agentes políticos) ou para os órgãos sujeitos à tutela (autarquias, fundações publicas, sociedades mistas, empresas publicas e até concessionárias), desde que esse deveres e obrigações sejam instrumentos do fiel cumprimento das leis.” (GERALDO ATALIBA, República e Constituição, op. cit., p. 140).
508 O Direito das Agências Reguladoras Independentes, p. 506, et seq.
181
estabelecida em lei “... critério material da hipótese de incidência e
determinação objetiva do conseqüente normativo, pelo menos.”509
Essa regra geral da legalidade, decorrente do artigo 5º, II, da Constituição Federal, e descrita pela doutrina como relativa ou normal, não é aplicável, contudo, àquelas hipóteses em que a Lei Magna exige a observância de uma legalidade absoluta ou estrita, como é o caso dos artigos 5º, XXXIX (Legalidade Penal), e 150, I (Legalidade Tributária), do texto constitucional. Nessas situações, o legislador deve, sob pena de criar lei invalidade, descer às minúcias em todos os critérios da hipótese e do conseqüente que compõem a norma. Não há aqui espaço discricionário aberto à atuação regulamentar.
510
O próprio art. 22, I, da Lei nº 8.212/91, em atenção aos
dispositivos constitucionais, define como base de cálculo apenas as
remunerações destinadas a retribuir o trabalho, o que afasta a possibilidade de
se tributar o terço constitucional de férias, de natureza indenizatória, na medida
em que fora criado para possibilitar, de forma plena, o gozo das férias pelo
trabalhador.
Ademais, não poderia a Administração Pública agir em
desconformidade com a lei. O Decreto que “estendeu” à tributação ao terço
constitucional de férias já nasce condenado à inconstitucionalidade, eis que no
âmbito administrativo, como ensina DIOGENES GASPARINI, o princípio da
legalidade significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade,
presa aos mandamentos da lei, deles não podendo se afastar sob pena de
invalidade do ato. Isso quer dizer que se a Constituição nada dispuser, como
de fato não dispôs acerca da tributação do terço constitucional de férias, não
pode a Administração Pública agir511.
A atribuição regulamentar sofre limitações que se não
observadas, podem culminar na invalidade do ato. Além da limitação formal,
que diz respeito ao veiculo de exteriorização, há a limitação legal, que se
relaciona com o extravasamento da atribuição, o que subsume-se ao caso
509
Perfil Constitucional do Regulamento..., op. cit., p. 205. 510
Id. 511
Direito Administrativo, p. 9.
182
concreto, na medida em que dispôs o Decreto nº 3.048/99, mais do que a
Constituição ou mesmo a lei permitiu512.
Mais uma vez o Judiciário foi instado e a resposta do Superior
Tribunal de Justiça, em atenção aos preceitos constitucionais, foi no sentido de
preservar o princípio da legalidade. A posição sedimentada é justamente a de
que a contribuição previdenciária não incide sobre o terço constitucional de
férias, verba essa que detém natureza indenizatória513.
O próprio Supremo Tribunal Federal acolheu a tese da ilegalidade
da tributação, firmando entendimento no sentido de que as contribuições
previdenciárias não podem incidir em parcelas indenizatórias como é o caso
terço constitucional de férias514.
E não poderia ser diferente. Pela rigidez da Constituição de 1988,
também pelo controle de constitucionalidade e, sobretudo, como nos lembra
512
Ib. p. 111. 513
“TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. NÃO INCIDÊNCIA. 1. A Primeira Seção, ao apreciar a Pet 7.296/PE (Relatora Ministra Eliana Calmon, Dje de 10.11.2009), acolheu o Incidente de Uniformização de Jurisprudência para que não se aplique a Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional de férias. (...)” (AgRg no REsp 1334837/AL, Relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 04/10/2012); também: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO-CABIMENTO. VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA I - Jurisprudência das Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte consolidada no sentido de afastar a contribuição previdenciária do terço de férias também de empregados celetistas contratados por empresas privadas (AgRgEREsp nº 957.719/SC, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, Primeira Seção, DJe de 16/11/2010). (...)” (EDcl no AgRg no REsp 1238697/AM, Relator Ministro Francisco Falcão, 1ª Turma, julgado em 15/03/2012). No mesmo sentido: AgRg no REsp 1237009/PB, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, 2ª turma, julgado em 22/11/2011; e AgRg no REsp 1204899/CE, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, julgado em 18/08/2011. Fonte Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 18/02/2013.
514 “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. INCIDÊNCIA SOBRE TERÇO
CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - A orientação do Tribunal é no sentido de que as contribuições previdenciárias não podem incidir em parcelas indenizatórias ou que não incorporem a remuneração do servidor. II - Agravo regimental improvido.” (STF - AI 712880 AgR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, julgado em 26/05/2009). No mesmo sentido: AI 710361 AgR, Relatora Ministra Cármen Lúcia, 1ª Turma, julgado em 07/04/2009. Fonte Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br). Acessado em 18/02/2013.
183
JOSÉ ROBERTO VIERA, porque o nosso Direito Tributário é um direito
eminentemente constitucional, não há espaço para aventuras tributárias515.
Fato é que há mais de uma contribuição sobre a “folha de
salários” que incidem simultaneamente. Todavia, embora a Lei nº 8.212/91
refira-se ao “total das remunerações pagas”, em seu art. 22, a base econômica
que se submete aos efeitos da aplicação da alíquota restringe-se à
remuneração oriunda do trabalho, ou melhor, aos rendimentos do trabalho
pagos ao prestador do serviço. Apurar, assim, a remuneração passível de
constituir o substrato econômico da tributação deve levar em conta o art. 195, I,
“a” da Carta Mãe, ou seja, leva considerar apenas as remunerações que se
prestem a retribuir o trabalho.
“Verbas que não constituam propriamente, rendimentos do
trabalhador destinados a retribuir o trabalho não compõem, pois, a base da
contribuição”. Como lembra LEANDRO PAULSEN, foi justamente por conta
disso que o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia da Medida
Provisória nº 1.523-14, que procurou dar ao §2º, do art. 22, da Lei nº 8.212/91
redação no sentido de que integrariam a remuneração os abonos de qualquer
espécie ou natureza, bem como as parcelas indenizatórias pagas ou creditadas
a qualquer título516.
Na mesma linha de raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça
firmou posição no sentido de que não incide a contribuição previdenciária
devida pelas empresas sobre a “folha de salários” sobre os valores pagos pela
empresa, aos trabalhadores, a título dos primeiros quinze dias de afastamento
por motivo de doença517.
515
“O Sistema Constitucional Tributário Brasileiro mostra-se peculiar em relação aos demais, porque trata a matéria tributária de modo singular, analítica e exaustivamente...” (E, afinal, a Constituição..., op. cit., p. 640).
516 Contribuições..., op. cit., p. 122.
517 “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AUXÍLIO-
DOENÇA. PAGAMENTO RELATIVO AOS PRIMEIROS QUINZE DIAS DE AFASTAMENTO. NÃO-INCIDÊNCIA. VALORES RECEBIDOS DO EMPREGADOR A TÍTULO DE "QUEBRA DE CAIXA". O AUXÍLIO-DOENÇA. NÃO-INCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO. ARTIGO 89, § 3º, DA LEI 8.212/91. LIMITAÇÕES INSTITUÍDAS PELAS LEIS 9.032/95 E 9.129/95. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.” (REsp 942.365/SC, Relator Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 26/04/2011). No mesmo sentido: TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NOS
184
Em suma, portanto, é a própria Constituição que identifica os
potenciais contribuintes e arrola as bases econômicas passiveis de sofrerem a
tributação no caso das contribuições previdenciárias das empresas sobre a
“folha de salários”. A exposição constitucional, não deixa margem de dúvidas e,
com isso, pode-se concluir que a expressão “rendimentos do trabalho”,
constante do art. 195, I “a”, afasta qualquer possibilidade do legislador fazer
incidir contribuição sobre verbas de outras natureza que não a de retribuir os
trabalhos prestados.
Assim, os valores percebidos a título de aviso prévio indenizado,
terço constitucional de férias e quinze primeiros dias de afastamento por conta
de auxílio doença, dentre outras verbas, não podem integrar a base de cálculo
da contribuição previdenciária das empresas sobre “folha de salários” sob pena
de violação expressa ao texto constitucional.
5.4. As Violações Jurisdicionadas
“O poder é demoníaco” já anunciava KARL LOEWENSTEIN, e,
precisa ser controlado a fim de não praticar sua própria degeneração. Assim
inicia sua tese de doutorado o professor JOSÉ ROBERTO VIEIRA, indicando,
logo após, que as limitações ao poder de tributar têm domicílio conhecido por
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. QUINZE PRIMEIROS DIAS DO AUXÍLIO-DOENÇA. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO. ARTIGO 4º DA LC 118/2005. DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO. CORTE ESPECIAL. DIREITO INTERTEMPORAL. FATOS GERADORES ANTERIORES À LC 118/2005. APLICAÇÃO DA TESE DOS "CINCO MAIS CINCO". RECURSO ESPECIAL REPETITIVO RESP N. 1.002.932-SP. APLICAÇÃO DO ARTIGO 543-C DO CPC. RESERVA DE PLENÁRIO. VIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA. ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. (...) 2. Entendimento do STJ de que, sobre os valores pagos pelo empregador ao empregado nos quinze primeiros dias de afastamento do trabalho, a título de auxílio doença, não incide contribuição previdenciária, tendo em vista que a referida verba não possui natureza remuneratória.” (AgRg nos EDcl no REsp 969.281/RS, Relator Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, julgado em 02/03/2010). Também: REsp 951.623/PR, Relator Ministro José Delgado, 1ª Turma, julgado em 11/09/2007; AgRg no REsp 1100424/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 09/03/2010. Fonte: Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 18/02/2013.
185
todos, na medida em que é a própria Constituição a quem incumbe “exorcizar o
que possa ser de demoníaco no poder”.518
Fato é que a única segurança dos contribuintes contra o abuso
desse poder constitucional é ninguém menos que a própria Constituição.
RAMÓN VALDÉS COSTA, em sua clássica obra “Instituciones de Derecho
Tributário”, acerca da amplitude constitucional no Direito Tributário, já se
pronunciava registrando que “No hay, pues, um D. T. constitucional, sino
preceptos y nomras aplicables obligatoriamente al D. T. contenidos em La
constitución.”519
A atual Constituição Brasileira, num ambiente democrático de
direito, dispôs acerca das questões fiscais de forma plena e abundante. Como
recorda ALIOMAR BALLEIRO, desde que os Estados passaram a adotar
Constituições escritas, algumas regras de tributação passaram a figurar nos
próprios textos constitucionais; e, sobretudo no caso brasileiro, a legalidade
tributária ganhou relevo tal, que pode ser considerada garantia do princípio
político fundamental dos países organizados de forma democrática520.
É que no Brasil, além das limitações constitucionais, o arquétipo
das exações tributárias já fora definido formalmente e de modo muito criterioso.
Todas as minudências foram expostas na Constituição de forma a deixar muito
pouco espaço às leis que se seguiram, as quais, inclusive, devem ser
hospitaleiras em relação as disposições maiores que estão contempladas na
Carta Magna.
A rigidez constitucional é absolutamente típica do modelo
tributário brasileiro. Afinal de contas, “... nenhum outro sistema constitucional
tributário do mundo reveste tal característica...” o que acabou por dar formato a
um “... sistema completo, fechado e harmônico, que limita e ordena
estritamente, não só cada poder tributante como – conseqüência lógica – tôda
a atividade tributária, globalmente considerada.”521 (sic)
518
Apud, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 02. 519
Op. cit., p. 5. 520
Uma Introdução à Ciência..., op. cit., p. 186. 521
GERALDO ATALIBA, Sistema Constitucional..., op. cit., p. 22 e 27.
186
A rigidez constitucional acaba por adotar alguns princípios, em
especial no Sistema Tributário, que têm por escopo resguardar a liberdade dos
cidadãos e a soberania da vontade popular, todos alinhados aos anseios de
manter hígida a Segurança Jurídica. A Constituição, então, tem expressão
qualificada e suas normas desfrutam da condição suprema da hierarquia
constitucional522.
Talvez por isso, quando da interpretação do art. 195, I, “a”, da
Constituição, tenha ficado mais simples estabelecer aquilo que pode
efetivamente ensejar a tributação mediante contribuição previdenciária. Isso
porque, nos termos da Carta Magna, a contribuição previdenciária das empresa
incide sobre “a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou
creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo
sem vínculo empregatício.”
Prova disso é que a Lei nº 8.212/91 disciplinou o que poderia ser
entendido por rendimentos do trabalho em seu art. 28: “a remuneração auferida
em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos
pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a
retribuir o trabalho...”
A base de cálculo da contribuição, portanto, na condição de
perspectiva dimensível do aspecto material do tributo, nada mais é do que o
valor total das remunerações pagas ou creditadas, como escopo de retribuir o
trabalho523.
Por sua vez, na linha do até aqui expendido, o aspecto material
consiste em pagar ou creditar remunerações destinadas a retribuir o trabalho.
Além disso, somente as remunerações pagas ou creditadas à pessoas físicas
que prestem serviços às empresas podem ser objeto da exação. Há, então,
uma delimitação específica do aspecto material da hipótese de incidência
tributária em virtude da restrição do conceito de remuneração.
522
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 04. 523
ANDREI PITTEN VELLOSO, Comentário à Lei de Custeio..., op. cit., p. 114.
187
Não por outra razão foram expressamente excluídas da base de
cálculo as parcelas elencadas no art. 28, §9º, da Lei nº 8.212/91.
Contudo, a mesma lei, em evidente violação aos contornos
constitucionais, considera que o “salário-maternidade” é uma verba que deve
integrar a base de cálculo da contribuição em análise, isso nos termos do §2º,
do art. 28: “O salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição.”
Contudo, pela regra constitucional, e também pelo que consta do
inciso I, do art. 28, da própria Lei nº 8.212/91, pode-se dizer que a contribuição
objeto desse trabalho tem incidência exclusiva sobre a remuneração devida ao
trabalhador. “A base de cálculo é, portanto, a remuneração, conceito que não
abrange o valor percebido a titulo de salário-maternidade, já que não há
prestação de serviços nos respectivos períodos.”524
Daí, subtraí-se que a base econômica abrange a folha de salários
e demais rendimentos do trabalho quando pagos ou creditados, à pessoa
física, desde que preste serviço, mesmo sem vínculo de emprego. Ou seja, há
necessidade tanto da relação contratual entre a empresa e a pessoa física,
como da efetiva prestação do serviço, mesmo que sem vínculo de emprego525.
A análise que se faz é simples. Se o trabalhador percebe o valor
por ter prestado um serviço ou por ter ficado à disposição do empregador,
haverá a subsunção desse fato à norma e, por conseqüência, a incidência da
contribuição previdência prevista do art. 195, I, “a”, da Constituição. Se a
retribuição não decorre do trabalho ou do período à disposição, não há margem
legal para a tributação.
ANDREI PITTEN VELLOSO, faz o mesmo registro afirmando que
sendo o salário-maternidade “um benefício previdenciário pago pelo INSS –
524
CLÁUDIA SALLES VILELA VIANNA, Previdência Social..., op. cit., p. 136. 525
“Art. 195. A seguridade social será financiada...” “... das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício...” (destacou-se) (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988).
188
uma vez que inexiste serviço prestado pela segurada – não deveria servir de
hipótese de incidência para a exigência de contribuição previdenciária...”.526
Parece óbvia a asserção no sentido de que o elemento “trabalho”
está intimamente relacionado à pessoa física que o presta, eis que somente
através dele é que a remuneração ganha contornos constitucionais aptos a
possibilitar a tributação.
Contrariando a expressa menção constitucional, contudo, a
grande maioria da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou
entendimento em sentido contrário, ratificando entendimento no sentido de que
sobre a rubrica salário-maternidade incide contribuição previdenciária527.
O Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, em voto inovador e
em sintonia com a disciplina constitucional, contudo, votou no sentido da
impossibilidade de se transmudar a natureza jurídica de uma verba. O salário-
maternidade, assim, independentemente do título que lhe é conferido pela
legislação infraconstitucional, não pode sofrer a incidência de contribuição
previdenciária, eis que não há efetiva prestação de serviço e, por
conseqüência, não há possibilidade de caracterizá-lo como contraprestação do
trabalho. Para o Ministro, a verba é paga como compensação ou indenização
com o fim de proteger e auxiliar a trabalhadora durante um período sensível da
vida528.
526
Comentário à Lei de Custeio..., op. cit., p. 217. 527
AgRg no REsp 1272616/PR, Relator Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 16/08/2012; AgRg no AREsp 69.958/DF, Relator Ministro Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 12/06/2012; AgRg nos EDcl no REsp 1040653/SC, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, julgado em 18/08/2011; AgRg no Ag 1330045/SP, Relator Ministro Luiz Fux, 1ª turma, julgado em 16/11/2010. Fonte: Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 18/02/2013.
528 “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SALÁRIO-MATERNIDADE
E FÉRIAS GOZADAS. AUSÊNCIA DE EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PELO EMPREGADO. NATUREZA INDENIZATÓRIA QUE NÃO PODE SER ALTERADA. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA A EXIGIR REABERTURA DA DISCUSSÃO PERANTE A 1a. SEÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA DETERMINAR A SUBIDA DOS AUTOS DO RECURSO ESPECIAL QUE, NOS TERMOS DO ART. 14, II DO RISTJ, FICA, DESDE JÁ, SUBMETIDO A JULGAMENTO PELA 1a. SEÇÃO. 1. O preceito normativo não pode transmudar a natureza jurídica de uma verba. Tanto no salário-maternidade quanto nas férias gozadas, independentemente do título que lhes é conferido legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo empregado, razão pela qual, não é possível caracterizá-los como contraprestação de um serviço a ser remunerado, mas sim, como compensação
189
Merece prosperar o entendimento, ainda que solitário, na
medida em que pelo fato de atender aos preceitos constitucionais, é firme,
robusto de digno da condição de duradouro.
Não é novidade que a Lei nº 8.212/91, de fato, dispõe
que o salário-maternidade deve ser considerado na base de cálculo da
contribuição previdenciária devida pelas empresas sobre a “folha de salários” e
demais rendimentos do trabalho. Contudo, “uma verba não é indenizatória
ou salarial simplesmente por determinação normativa”. Parece evidente que a
designação da natureza jurídica, para fins tributários, de uma verba paga a um
segurado do Instituto Nacional do Seguro Social, antes de mais
nada, “depende de análise apurada em razão da relação direta de trabalho e
das atividades desenvolvidas pelo empregado e orientada pela
Constituição...”529
A contraprestação do trabalho depende sempre da efetiva
prestação dos serviços, ao passo que eventual indenização tem o caráter
de reparação ou compensação.
Por essa razão, parece irrepreensível o entendimento exarado
pelo ilustre Ministro do Superior Tribunal de Justiça NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, na medida em que tem como inconteste a idéia de que “o preceito
normativo não pode transmudar a natureza jurídica da verba”530 por simples
capricho legislativo.
ou indenização legalmente previstas com o fim de proteger e auxiliar o Trabalhador. 2. Da mesma forma que só se obtém o direito a um benefício previdenciário mediante a prévia contribuição, a contribuição também só se justifica ante a perspectiva da sua retribuição em forma de benefício (ADI-MC 2.010, Rel. Min. CELSO DE MELLO); destarte, não há de incidir a contribuição previdenciária sobre tais verbas. 3. Apesar de esta Corte possuir o entendimento pacífico em sentido oposto (REsp. 1.232.238/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 16.03.2011; AgRg no Ag 1.330.045/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 25.11.2010; REsp. 1.149.071/SC, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 22.09.2010), a relevância da matéria exige a reabertura da discussão perante a 1a. Seção.” (AgRg no Ag 1420247/DF, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª turma, julgado em 06/12/2011). Fonte: Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 27/02/2013.
529 Voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no AgRg no Ag 1420247/DF. Fonte: Superior
Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Acessado em 27/02/2013. 530
Id.
190
Enfim, o salário-maternidade é, pois, benefício previdenciário,
que não possui, logicamente, natureza salarial. Além disso, tem por escopo
proteger e auxiliar a trabalhadora durante o período pós parto, não havendo,
por óbvio, prestação de serviço durante o período em que é pago pelo Sistema
de Seguridade Social.
Não integra, por conta disso, a base de cálculo da contribuição
previdenciária das empresas sobre a “folha de salário” e demais rendimentos
do trabalho, em estrita obediência ao preceito constitucional previsto no art.
195, I, “a”, da Constituição.
“Devem ser afastadas as presunções materiais...” “... assim
como as ficções de fatos geradores ou de bases de cálculo”. O que propõem
MISABEL ABREU MACHADO DERZI é nada mais do que a manutenção da
higidez do princípio da legalidade e da segurança jurídica531, até porque essa
“... há de considerarse inelubiblemente em función de La legalidad y de La
justicia”532, o que leva crer que se tratam de preceitos essenciais ao Estado de
Direito.
Ademais, a base de cálculo que esta autorizada a ser objeto de
tributação engloba apenas as remunerações “pagas” ou “creditadas”, eis que
em relação a Contribuição Social em análise (art. 195, I, “a”, da Constituição), a
hipótese está estreitamente relacionada ao pagamento ou ao crédito de salário
e demais rendimentos do trabalho, pela empresa, ou equiparada, à pessoa
física que lhe preste serviço.
É que quando da análise da regra-matriz de incidência tributária
no Capítulo Terceiro deste trabalho, consignou-se, que no antecedente da
norma o critério material é formado pelos verbos “pagar” ou “creditar”.
“Pagamento é o valor prestado ao trabalhador seja em espécie, seja mediante
depósito em conta bancária, ou mesmo in natura. Creditamento é o lançamento
contábil a crédito do trabalhador.”533
531
Legalidade Material, Modo de Pensar..., op. cit., p. 646. 532
EUSEBIO GONZÁLVEZ GARCÍA, Relaciones entre los Principios..., op. cit., . 149. 533
LEANDRO PAULSEN, Contribuições..., op. cit., p. 112-113.
191
Em vista da descrição constitucional, como bem registra
LEANDRO PAULSEN, não se pode confundir a remuneração apta a retribuir o
trabalho, paga ou creditada, com aquela que eventualmente seja devida, mas
que sequer fora formalizada em favor do trabalhador ou prestador do serviço a
ser remunerado534.
Tal referência tem importante reflexo, na medida em que muito
embora a Constituição tenha feito menção aos verbos “pagar” ou “creditar”,
como legítimos a integrar o critério material da hipótese do arquétipo da norma
jurídica tributária de incidência, o legislador infraconstitucional fez inserir na lei
nº 8.212/91, art. 22, I, a expressão “rendimentos pagos, devidos ou creditados
a qualquer título”. (destacou-se)
A inserção é visivelmente inconstitucional, eis que acaba por criar
um novo fato jurídico tributário para as contribuições previdenciárias, além dos
previstos constitucionalmente. Pela legislação infraconstitucional, portanto, a
contribuição passa a ser devida não apenas quando a empresa paga ou credita
a remuneração, mas, ainda, quando a remuneração é apenas devida535.
Essa alteração, mesmo inconstitucional, acarreta reflexos
importantes, como registra CLAUDIA SALLES VILELLA VIANNA, em
reclamatórias trabalhistas em razão da cobrança de juros moratórios pela
Previdência Social, apurados pela taxa SELIC. O fato jurídico tributário, nestes
casos, é o pagamento de valores correspondentes a parcelas integrantes do
salário-de-contribuição resultantes de sentença condenatória transitada em
julgado ou conciliação homologada536.
O fato jurídico tributário, então, é observado apenas no processo
findo. Isso porque, a Constituição Federal disciplina que a contribuição é devida
pela empresa quando do pagamento ou do crédito da remuneração, ou seja,
sobre o valor efetivamente pago ou creditado. Não há que se falar, portanto,
534
Id. 535
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma...” (Lei 8.212/91).
536 Previdência Social. Custeio e Benefício, p. 211.
192
em crédito tributário sobre valores apenas devidos ao trabalhador, ainda que tal
direito decorra de decisão judicial537
O fato gerador da contribuição é o pagamento de alguma remuneração a algum trabalhador a base de cálculo o exato valor pago, não sendo possível, nos termos da Constituição Federal, existir a contribuição sobre um valor apenas “reconhecido” pela Justiça do Trabalho...
538
ANDREI PITTEN VELLOSO bem explana que o aspecto material
da exação em análise, nos termos da Constituição, consiste em pagar ou
creditar remuneração, de modo que “só há competência tributária para a
instituição de contribuições sobre o pagamento ou o crédito de
remunerações...” sendo que a leitura da lei nº 8.212/91 “poderia indicar a
existência de outro fato que enseja a incidência da contribuição, qual seja, o de
ser devida a contribuição...” mas a lei, infraconstitucional, “não pode criar novas
materialidades, de modo a alargar as competências que são conferidas ao
legislador.”539
Contrariar a constituição é violar direitos que protegem os
cidadãos, e, como reconhece ROQUE ANTONIO CARRAZZA, os princípios
constitucionais tributários são projeções de direitos fundamentais,
mandamentos constitucionais positivados não somente para estipular direitos,
mas também para limitar as imposições impositivas do Estado540.
Quando da análise, neste trabalho, da regra-matriz de incidência
da contribuição patronal previdenciária sobre a “folha de salários” registrou-se
que o estudo pautou-se pelo caminho constitucional. Entretanto, como bem
expõem JOSÉ ROBERTO VIEIRA, é prática dos operadores jurídicos situar o
ponto de origem nos degraus inferiores da hierarquia normativa. Citando
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, JOSÉ VIERA ilustra que no Brasil, “campeia o
537
A Constituição, através do §4º, do art. 195, até permite que sejam instituídas outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da Seguridade Social, desde que respeitados sejam os requisitos constitucionais estabelecidos no art. 154, I, o que não foi o caso da Lei nº 8.212/91.
538 CLAUDIA SALLES VILELA VIANNA, Previdência Social..., op. cit., p. 211.
539 Comentário à Lei de Custeio..., op. cit., p. 111.
540 Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos..., op. cit., p. 192.
193
impertinente vezo se estudar-se Direito Tributário a partir do Código Tributário
Nacional, quando não de leis, de decretos e até de portarias.”541
A Constituição, como amplamente explicitado ao longo deste
trabalho, fixa a linha de partida. Ao estudar a contribuição previdenciária a
cargo das empresas sobre a “folha de salários”, especificamente sua hipótese
de incidência tributária, e mais ainda especificamente seu critério material,
concluiu-se que o mesmo é minuciosamente idealizado na Carta Magna542.
O núcleo essencial da hipótese de incidência, em vista até da
complexidade do critério material em detrimento dos demais, estará sempre
contemplado na Constituição.
Importante rememorar, mais uma vez, que o Sistema
Constitucional Tributário brasileiro tem características que lhe conferem um
status peculiar em detrimento dos demais. A assertiva decorre do fato de que
a matéria tributária é tratada na Constituição de modo analítica e de forma
exaustiva. A conclusão de GERALDO ATALIBA, nesse contexto, é que no
Sistema Tributário brasileiro tudo já fora, previamente, elaborado pelo
constituinte, “que afeiçoou integralmente o sistema, entregando-o pronto e
acabado ao legislador ordinário, a quem cabe somente obedecê-lo...”543.
Afinal de contas, projeta ROQUE ANTONIO CARRAZA:
“...competência tributária é a possibilidade de criar, in abstracto, tributos,
descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos
ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas”544.
A Constituição é minuciosa nas questões tributárias e acaba por
identificar cuidadosamente os tributos, de tal modo que possa o operador do
direito saber exatamente quais os fatos jurídicos tributários de que pode dispor.
Assim, quando a Carta Magna discriminou as competências tributárias, já, de
pronto, estabeleceu o arquétipo da norma através da explicitação da regra-
matriz de incidência, como é o caso da contribuição patronal previdenciária.
541
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 72. 542
Id. 543
Sistema Constitucional..., op. cit., p. 21.
194
Não se está dizendo que o Texto Magno teria esgotado todas as
possibilidades de modelar a regra-matriz de incidência tributária, mas,
certamente o núcleo da norma de incidência já se encontra na Constituição
descrito, na medida em que representa a essência do tributo, não admitindo
alteração por parte da legislação infraconstitucional. Enfim, não é possível, em
atenção a Constituição, que uma norma infraconstitucional estabeleça fato
jurídico tributário diverso para a contribuição social de que cuida o inciso I, “a”
do art. 195.
Esse vem sendo o entendimento majoritário do Tribunal Superior
do Trabalho, competente para dirimir as controvérsias tributárias quando
inerentes às reclamações trabalhistas: “O fato gerador da contribuição
previdenciária está definido no artigo 195 da Constituição, não sendo possível
norma infraconstitucional estabelecer de maneira diversa.”545
Ressalte-se mais uma vez que o critério material faz referência a
um comportamento de pessoas, físicas ou jurídicas, que serão condicionados
por circunstancias de espaço e tempo (critérios especial e temporal). Esse
comportamento é representado por um verbo e um complemento. O critério
temporal, por sua vez, representa as indicações que oferecem os elementos
para se saber, com exatidão, em que exato instante acontece o fato descrito na
544
Curso..., op. cit., p. 429. 545
TST-RR-508-35.2010.5.06.0023, Desembargadora Convocada Maria Laura Franco Lima de Faria, 8ª Turma, julgado em 29/02/2012. O Tribunal, na maioria dos julgados, segue entendimento nesse sentido, conforme verbete sumular nº 14, aprovado em sessão administrativa realizada em 24 de setembro de 2009, cujo teor é o seguinte: "SÚMULA n. 14 - A HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVISTA NO ARTIGO 195, INCISO i, LETRA "A", DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL OCORRE QUANDO HÁ O PAGAMENTO OU O CRÉDITO DOS RENDIMENTOS DE NATUREZA SALARIAL DECORRENTES DO TÍTULO JUDICIAL TRABALHISTA, RAZÃO PELA QUAL, A PARTIR DAÍ, CONTA-SE O PRAZO LEGAL PARA O SEU RECOLHIMENTO, APÓS O QUE, EM CASO DE INADIMPLÊNCIA, COMPUTAR-SE-ÃO OS ACRÉSCIMOS PERTINENTES A JUROS E MULTA MENCIONADOS NA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA APLICÁVEL À ESPÉCIE.” No mesmo sentido: RR 173500-71.2007.5.20.0005, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, 8ª Turma; RR 139400-40.2006.5.01.0010, 7ª Turma, Relatora Juíza Convocada Maria Doralice Novaes; RR 60041-72.2006.5.03.0014, 6ª Turma, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga; RR 684085-91.2002.5.06.0102, 3ª Turma, Relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires; RR 70200-89.2008.5.06.0412, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. Fonte Tribunal Superior do Trabalho (www.tst.jus.br). Acessado em 28/02/2013.
195
norma. O marco de tempo deve assinalar o surgimento de um direito subjetivo
para o Estado e de um dever jurídico para o sujeito passivo546.
Como já fora devidamente esmiuçado no Capítulo Terceiro deste
estudo, o critério material da contribuição previdenciária patronal sobre a “folha
de salários”, delineada no art. 195, I, “a” da Constituição, consiste em “pagar”
ou “creditar” remuneração. De efeito, só há competência tributária para a
instituição de contribuição sobre o pagamento ou o crédito de remuneração.
Não há, portanto, espaço para a instituição de outro fato jurídico tributário,
como pretende a lei nº 8.212/91, com a adição da expressão “devidas” no art.
22.
Por sua vez, cabe registrar que o critério temporal consiste
exatamente no momento em que se reputa ocorrido o fato jurídico tributário. No
caso da contribuição previdenciária das empresas sobre a “folha de salários”,
nos termos do art. 22, I da Lei nº 8.212/91, será devida sobre o total das
remunerações “pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês”,
o que revela que a contribuição somente é devida com o término do mês,
sendo esse o critério temporal. Assim, antes de encerrado o mês nada é devido
a título dessa exação.
No caso da contribuição em exame, o critério temporal é defino na
Lei nº 8.212/91, na medida em que nesse sentido nada foi disciplinado na
Constituição, diferentemente do critério material. Possui sim, neste caso,
caráter infraconstitucional a discussão acerca do momento em que ocorre o
fato jurídico tributário, ou melhor, a definição do critério temporal. Assim já
decidiu, inclusive, o Supremo Tribunal Federal547.
546
PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 258-259. 547
"TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DO EMPREGADOR SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS. MOMENTO DE OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. PRECEDENTES. 1. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado de que possui caráter infraconstitucional a discussão acerca do momento em que ocorre o fato gerador e a exigibilidade da contribuição previdenciária devida pelo empregador e incidente sobre a folha de salários." (RE 437642/ RS, Relatora Ministra ELLEN GRACIE, 2ª Turma, julgado em 17/8/2010). No mesmo sentido: "CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO EMPREGADOR. FATO GERADOR. PRAZO PARA RECOLHIMENTO. I. - O estabelecimento do momento em que se dá o fato gerador e a exigibilidade da contribuição social devida pelo empregador, incidente sobre a folha de salários, são
196
Contudo, qualquer que seja o instante eleito pelo legislador
infraconstitucional para considerar-se acontecido o fato tributário, nos lembra
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, “ele deve estar necessariamente ligado ao critério
material da hipótese de incidência tributária”548.
Isso, entretanto, não pode dar margem a interpretação no sentido
de que o “pagamento” ou o “crédito” da remuneração representam o critério
temporal, eis que são os comportamentos, representados por verbos pessoais
e transitivos, integrantes do critério material que, por sua vez, integram o cerne
da hipótese de incidência549.
O critério temporal, definido pelo legislador infraconstitucional, é o
término do mês, elemento esse criado por lei ordinária e com abrangência
completamente diferente do ato de pagar ou creditar.
A assertiva acima tem fundamento na medida em que muito
embora o Supremo Tribunal Federal tenha entendimento no sentido de que
“possui caráter infraconstitucional a discussão acerca do momento em que
ocorre o fato gerador”, não há entendimento, e nem poderia haver sob pena de
violação à Constituição, no sentido de que o fato jurídico tributário (verbo e
complemento) pode ser criado mediante lei ordinária, ou mesmo
complementar, em desatenção ao que já fora disciplinado na Constituição.
Fato é que recentemente o Supremo Tribunal Federal, usando
entendimentos pretéritos no sentido de que pode lei complementar definir o
momento da ocorrência do fato jurídico tributário (critério temporal), majorou o
campo de abrangência desse entendimento, para abarcar a definição do
próprio fato jurídico tributário das contribuições patronais previdenciárias sobre
a “folha de salários” através de lei ordinária.
questões a serem reguladas mediante legislação ordinária, que não integra o contencioso constitucional. Precedentes. II. - Agravo não provido." (AI 508398/RS, Relator Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma, julgado em 20/9/2005).
548 IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 102.
549 “O primeiro dos critérios da hipótese de incidência tributária é o Critério Material. E este
‘primeiro’ pode muito bem ser entendido com o significado de precedência, uma vez que os critérios de tempo e lugar dedicam-se tão somente a condicioná-lo, donde deflui suia índole de núcleo do suposto normativo.” (JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Ib., p. 62).
197
Em seu voto, o Ministro DIAS TOFFOLI, utilizando-se do
argumento de que “... o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no
sentido de que a controvérsia sobre o momento de ocorrência do fato gerador
da contribuição previdenciária tem natureza infraconstitucional...” acatou a tese
da possibilidade de criação, pela Lei nº 8.212/91, de fato jurídico tributário
diverso daquele previsto na Constituição. Por conta disso, entendeu que o “fato
gerador” da contribuição previdenciária sobre a “folha de salários” ocorre
quando da formação da obrigação e não apenas quando do pagamento ou do
crédito da remuneração550.
Em suma: utilizando-se do argumento de que pode a lei
infraconstitucional firmar o momento da ocorrência do fato jurídico tributário
(critério temporal), o Supremo Tribunal Federal acatou a tese de que pode a lei
infraconstitucional definir o critério material da hipótese da norma, ou melhor,
pode criar o núcleo do suposto normativo, definindo o “verbo” que representa o
comportamento da pessoa física ou jurídica (critério material).
Já se falou neste subitem que a Constituição é rigorosa e
minuciosa nas questões tributárias. Por conta disso, acabou por identificar as
competências tributárias, estabelecendo, em seguida, a estrutura da norma
através da explicitação da regra-matriz de incidência. Também já se disse que
isso não quer dizer que a Carta Magna tenha esgotado todas as possibilidades
do legislador infraconstitucional modelar a regra-matriz de incidência tributária.
O Supremo Tribunal Federal, inclusive, ratifica esse potencial.
Contudo, certamente o núcleo da norma de incidência já se
encontra devidamente descrito na Constituição, até porque representa a
essência do tributo que cuida o inciso I, “a” do art. 195, da Constituição
Federal. O destaque é para o fato de que o núcleo da norma de incidência já se
encontra descrito na Constituição não podendo ser modificado através de lei
ordinária.
550
RE 406567/PR, Relator Ministro Dias Toffoli, 1ª Turma, julgado em 16/10/2012. Fonte Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br). Acessado em 28/02/2013.
198
Não é novidade dizer, tomando por argumento uma das lições de
JOSÉ CASALTA NABAIS, que “...ao contrário do que frequentemente é
afirmado, o poder tributário não tem obrigatoriamente de ser uma manifestação
do poder legislativo...” “...pode a sua disciplina constitucional assumir uma tal
configuração que permita prescindir da intervenção legislativa formal para o
seu desenvolvimento ou complementação...” 551.
Afinal de contas, a lei ordinária constitui a aplicação da norma que
lhes é superior: a Constituição. Com isso quer-se dizer que o legislador
constituinte não se restringiu a mencionar o “nomem juris” dos tributos, tendo
estabelecido, pelo menos, o núcleo do critério material da hipótese de
incidência da contribuição patronal previdenciária sobre a “folha de salários552.
A premissa estrutural é a de que a análise, sob a ótica da
legalidade, deve sempre seguir o caminho constitucional alinhado ao
infraconstitucional. Por conta disso é que JOSÉ ROBERTO VIEIRA afirma que
o ponto de partida é sempre a carta Magna, merecendo ressalva o fato de que
o núcleo basilar da hipótese de incidência tributária haverá de estar sempre
contemplado na Constituição553.554
Ainda em relação ao critério material, há que se registrar que “ao
conceituar o fato de que dará ensejo ao nascimento da relação jurídica do
tributo, o legislador também seleciona as propriedades que julgou importantes
para caracterizá-lo”555
É a partir dessa premissa que são estruturados os critérios que
vão permitir a identificação do tributo toda vez que o fato descrito na norma
aconteça.
No critério material há sempre a referência de um comportamento
de pessoas. Para cada comportamento haverá um verbo que estruturará o
551
O Dever Fundamental..., op. cit., p. 302. 552
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, E, afinal, a Constituição..., “passim”. 553
IPI, A Regra-Matriz..., op. cit., p. 72. 554
“...ficou claro e incontroverso que a Constituição não se limita a designar os tributos por seus nomina júris, mas, pelo contrário, em cada caso fixa um conceito científico-jurídico preciso...” (Id.)
555 PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso..., op. cit., p. 250.
199
esquema formal do suposto normativo. Esse verbo há de ser pessoal e
transitivo, cujo predicado é incompleto e por isso pede um complemento que
impreterivelmente há de existir. A conclusão é a de que por conta da natureza
do verbo, é obrigatória a presença desse complemento.
Isso não é novidade, pois quando se analisou a hipótese da regra-
matriz de incidência tributária da contribuição objeto deste trabalho, pôde-se
concluir que os verbos “pagar” ou “creditar” demandam os complementos
“salário” e “demais rendimentos destinados a remunerar o trabalho”, “à pessoa
física”.
A remuneração, portanto, deve ser paga ou creditada à pessoa
física que preste serviço, mesmo sem vínculo de emprego, para que o fato se
subsuma a norma556.
... a relação contratual deve dar-se com a pessoa física diretamente. Não estão abrangidos pela norma valores pagos ou creditados a empresas contratadas para a prestação de serviços ou mesmo a cooperativas de trabalho, pois a relação, nestes casos, dá-se com pessoa jurídica.
557
A Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999, contudo, alterou a
redação do art. 22 da Lei n 8.212/91, fazendo a inserção do inciso IV: “Art. 22.
A contribuição a cargo da empresa...: IV - quinze por cento sobre o valor bruto
da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que
lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de
trabalho”558
556
“Art. 195 (...): I (...): a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (...)” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988).
557 LEANDRO PAULSEN, Contribuições..., p. 113.
558 “Art. 15. Considera-se: I - empresa - a firma individual ou sociedade que assume o risco de
atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional; II - empregador doméstico - a pessoa ou família que admite a seu serviço, sem finalidade lucrativa, empregado doméstico. Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras.” (Lei nº 8.212/91).
200
A inclusão acabou por instituir contribuição, a cargo das empresas
tomadoras de serviços de cooperativas de trabalho, incidente sobre o valor da
nota fiscal de prestação de serviços.
Tratando, então, de pagamento à cooperativa, instituição
equiparada à empresa pela própria lei nº 8.212/91, não há que se falar em
enquadramento do arquétipo do art. 195, I, da Constituição, razão pela qual
não haveria como se sustentar a contribuição.
Há, sobre o tema, no Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de
Inconstitucionalidade que tramitava sob a relatoria do Ministro aposentado
Cezar Peluso, hoje substituído pelo Ministro Teori Zavascki, pendente de
julgamento. Em Ação Cautelar, o então Ministro Cezar Peluso, por oportuno,
proferiu seu entendimento: “É controversa a matéria sobre a
constitucionalidade do inc. IV do art. 22 da Lei nº 8.212/91, com redação dada
pelo art. 1º da Lei nº 9.876/99. A questão é objeto da ADI nº 2594, de minha
relatoria, e ainda não decidida. E é inegável a profunda divergência sobre o
tema, o que dá razoabilidade jurídica à pretensão cautelar, porque se não
exponha a contribuinte às vicissitudes da exigência do tributo.”559.
Conforme já debatido anteriormente, o legislador constitucional,
através do Poder Constituinte que lhe fora conferido, distribui as competências
tributárias ente os entes políticos, tendo, contudo, delineado as respectivas
hipóteses de incidências tributárias. Como ensina o mestre GERALDO
ATALIBA, o conceito jurídico-positivo do tributo é extraído, sempre, da
observância e análise das normas jurídicas constitucionais:
No Brasil..., a ampla, minuciosa e estrita disciplina constitucional das competências tributárias retira toda a liberdade do legislador no fixar os aspectos das hipóteses de incidência tributária. Assim, sua materialidade só pode ser a constitucionalmente prevista.
560
559
Ação Cautelar nº 2.111/SC (AC 2111/SC, Supremo Tribunal Federal). No mesmo sentido: AC nº 1805/SP (Supremo Tribunal Federal, Relatora Ministra Carmen Lúcia).
560 Hipótese de incidência..., op. cit., p. 35.
201
A materialidade de um tributo, portanto, já constitucionalmente
prevista, não dá margem às modificações infraconstitucionais.
Não há maiores dificuldades em se identificar que a contribuição
prevista na Lei nº 9.876/99, que alterou o art. 22, da Lei n 8.212/91, para que
pudesse produzir efeitos válidos no ordenamento jurídico deveria ter sido
instituída ou com fundamento no art. 195, I, da Constituição de 1988; ou ter
preenchido os requisitos do § 4º do mesmo artigo, e, neste caso, deveria ter
sido instituída por Lei Complementar.
Pela simples análise da Lei nº 9.786/99 pode-se dizer que quando
de sua edição não fora utilizada Lei Complementar, razão pela qual se afasta a
possibilidade de utilização da base esculpida no §4º, do art. 195, da
Constituição Federal de 1988.
Por outro lado, quando do advento da Lei nº 9.786/99, já estava
em vigência a Emenda Constitucional nº 20 de 1998 que acabara de ampliar a
esfera de competência da União para a instituição de contribuições destinadas
ao Sistema da Seguridade Social, incidentes sobre as remunerações pagas ou
creditadas nos termos da redação do art. 195, I, “a”. A partir daí, passou a ser
possível a instituição de contribuições sociais incidentes sobre quaisquer
rendimentos do trabalho pagos ou creditados à pessoa física, pagos pela
empresa, como forma de remunerar o trabalho prestado.
Fato é que o Supremo Tribunal Federal, como lembra ANDREI
PIUTTEN VELLOSO, considerou desnecessária a utilização de Lei
Complementar para a regulação das contribuições previstas no art. 195, incisos
I, II e III. O Tribunal Supremo, na oportunidade, consagrou entendimento no
sentido de que apenas as contribuições nascidas com respaldo no §4º, do art.
195, proclamavam pela necessidade de serem veiculadas através de lei
complementar. Isso quer dizer que se a contribuição indicada na Lei nº
9.786/99 tem respaldo no art. 195, I, “a”, e sua constitucionalidade não pode
ser contestada por vício formal561.
561
“E, quanto a reserva de lei complementar para a regulação das contribuições nominadas no artigo 195, o STF considerou-a inexistentes, no julgamento do RE 138.284.”
202
“É questionável, no entanto, a possibilidade de se encontrar
matriz no art. 195, I, a, da CF, para a contribuição a cargo das empresas
contratantes de cooperativas de trabalho prevista pela Lei nº 9.876/99.”562
Ora, pela simples leitura do art. 195, I, “a”, da Carta Magna, pode-
se dizer que a contribuição prevista no inciso IV, art. 22, da Lei nº 8.212/91, ali
também não encontra fundamento de validade, haja vista que embora o
dispositivo constitucional tenha atribuído competência para a tributação sobre
os rendimentos do trabalho, a contribuição em tela tem por base de cálculo o
valor bruto da nota fiscal ou fatura.
Além disso, o arquétipo constitucional da contribuição patronal
previdenciária sobre a “folha de salários” atribuiu competência à União para
instituir contribuição, ou seja para tributar, os rendimentos pagos ou creditados
à pessoa física, e não os valores pagos à cooperativas como traça a Lei nº
9.786/99.
Daí porquê não existe possibilidade se manter a matriz da
contribuição instituída pela Lei nº 9.786/99 resguardada pelo art. 195, I, “a”, da
Constituição, eis que não há qualquer relação entre referido dispositivo
constitucional e o regramento criado pela citada lei, o que atesta a
inconstitucionalidade da exação. Da mesma forma, não há como se
estabelecer relação com o § 4º do mesmo art., haja vista que haveria
necessidade de veiculação através de Lei Complementar.
Há que se aguardar o julgamento definitivo junto ao Supremo
Tribunal Federal, que inclusive já admitiu repercussão geral acerca do caso563,
eis que os julgamentos nos Tribunais Regionais Federais têm admitido a
legalidade da exação, declarando, para isso, a constitucionalidade da
contribuição564.
(Comentários..., op. cit., p. 124). (STF, RE nº 138.284/CE, Ministro Carlos Velloso, julgado em 01/07/1992).
562 Id.
563 Recurso Extraordinário nº 595838/SP (RE 595838/SP, Supremo Tribunal Federal).
564 AC 5003733-33.2012.404.7205/SC, julgado em 07/08/2012, 2ª Turma, Relator Luiz Carlos
Cervi; APELREEX 5004344-77.2012.404.7110, 2ª Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona. (Fonte: Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acessado em 28/02/2013). No
203
Enfim, postas as considerações até aqui expendidas, vale
destacar que as contribuições sociais ensejam a ocorrência da vinculação não
à uma atividade estatal, mas sim à uma finalidade específica, que demanda a
destinação da receita, à medida em que as contribuições são “chamadas” tanto
a dar suporte a um dos fundamentos da República, consistente na dignidade
da pessoa humana (art. 1º, III), como a alcançar o objetivo fundamental da
promoção do bem de todos (art. 3º, IV).
Ao legislador, a partir dessas premissas, é dada a liberdade
suficiente, notadamente ao constituinte, para alocar as receitas decorrentes
das contribuições aos programas do Sistema de Seguridade Social, até porque,
a boa aplicação dos recursos é pressuposto para a promoção dos anseios
constitucionais. Entretanto, ainda que o escopo sejam os objetivos
constitucionais e para isso houve liberdade na alocação de contribuições, não
há nenhuma liberdade para manutenção da higidez do sistema com base na
violação do princípio da legalidade e, por corolário, da segurança jurídica.
Mesmo na “desordem tributária do Brasil” jamais pode-se perder
de vista que a criação, majoração ou extensão do campo de abrangência das
contribuições, em especial aquela devida pelas empresas sobre a “folha de
salários”, pode atropelar as premissas constitucionais. Jamais, portanto, haverá
de se admitir o excesso de receita do Estado com a arrecadação de
contribuições, até porque o custeio é encargo atribuído a todos os atores
sociais com base no princípio da solidariedade565.
Daí se deduz que o aumento no custeio, além de encontrar
justificativa na demonstração da insuficiência financeira, deve ser suportado
por toda a sociedade mediante recursos provenientes dos orçamentos dos
entes políticos e das contribuições sociais devidas, neste caso, pelas
empresas.
mesmo sentido: AC 0012092-91.2000.4.01.3800/MG, Relator Alexandre Buck Medrado Sampaio, 1ª Turma Suplementar , julgado em 30/11/2012 (Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Acessado em 28/02/2013). AMS 200351010199109/RJ, Relator Luiz Norton Baptista de Mattos, 4ª Turma Especializada, julgado em 29/03/2011. (Fonte: Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Acessado em 28/02/2013).
565 Ib. op. cit., p. 575.
204
Salta á vista o fato de que no Direito Tributário a legalidade é
barreira intransponível que resguarda o contribuinte das arrecadações
desmedidas. Essa função de garantia, que integra o conjunto que LOUIS
TROTABAS chamou de estatuto do contribuinte566, é regulada pelo princípio
fundamental da legalidade que deve ser lido tanto na vertente restritiva onde a
ordem é não infringir a lei, como na vertente ampliativa, onde a ordem é
também a de agir nos termos da Constituição567.
É que essa idéia de agir nos termos da Constituição extrapola
para alcançar a própria idéia de segurança jurídica, via de regra relacionada
com a certeza do direito, ou melhor, com a previsibilidade da atuação estatal
que deve sempre pautar-se para repugnar as surpresas, eis que segura é a
sociedade que têm certeza de que os comportamentos do Estado não
discreparão568.
A conclusão é que no Sistema Tributário, a segurança se realiza
através do princípio da legalidade, “afinal, previsibilidade, clareza e
durabilidade do direito somente a lei poderia assegurar”569
A Constituição também garante a equidade na forma de
participação do custeio desse sistema, de modo que cada qual deve contribuir
com base na idéia da justa proporção sem que, todavia, seja deixada de lado a
isonomia no trato entre os diferentes contribuintes.
Da mesma forma, a Carta Magna (expressão do princípio da
legalidade) também traz a diretriz da diversidade da base de financiamento do
sistema. O fez, atribuindo a responsabilidade do financiamento a todos os
atores sociais, explicitando, dessa forma, não apenas a diversidade inerente às
pessoas que verterão contribuições ao sistema, mas chancelando a idéia de
equidade na participação do custeio social
566
Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 193. 567
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 78. 568
GERALDO ATALIBA, República e Constituição, op. cit., p. 156. 569
JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Medidas Provisórias..., op. cit., p. 60.
205
CONCLUSÃO
“Voltemos os olhos para os primeiros princípios” como bem
formulou OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO. Voltemos porque “mais
se deve preocupar com a solidez dos alicerces que com as cores vistosas das
paredes”570.
Voltemos porque a segurança é um dos valores mais
fundamentais da humanidade e que ao Direito cabe preservar. É que
segurança se faz com respeito à lei. É que o respeito à lei é que garante a
liberdade indispensável ao cidadão.
Esse trabalho, contudo, não se prestou a incursionar nesse
elevado plano de discussão, limitando suas referências ao Direito Positivo, em
especial apontando violações aos direitos fundamentais dos contribuintes, aqui
representados pelo princípio da legalidade e da segurança jurídica. Preocupou-
nos a relação jurídica tributária nos moldes constitucionais, e não a relação de
poder entre administrador e administrados.
Pó isso é que se desenvolveu no trabalho o interesse pelo estudo
da Constituição da República de 1988, por sinal, excelente instrumento para o
controle do poder estatal. Certamente o que direcionou as assertivas foi a idéia
do controle constitucional, seja pelo respeito aos princípios constitucionais, seja
pela isolada idéia da “criação constitucional de tributos” que reclama o fato de
que nosso Sistema Constitucional Tributário é deveras peculiar porque trata a
matéria tributária de modo exaustivo e singular, quase “totalitário”.
Há muito tempo, a sagacidade de GERALDO ATALIBA já
externado essa idéia. Suas conclusões foram justamente no sentido de que no
campo tributário, tudo parece construído e acabado na própria Constituição, de
modo que muito pouco resta ao legislador infraconstitucional senão obedecer
as diretrizes constitucionais e apenas em raras exceções contribuir de forma
mais expressiva.
570
Apud JOSÉ ROBERTO VIEIRA, Fundamentos Republicano..., op. cit., p. 186-187.
206
Mas o que de novo pode contribuir o legislador infraconstitucional
num país cuja Constituição inundou “com princípios e regras atinentes ao
Direito Tributário”571?
Dentre os princípios, a legalidade denota que o Estado não pode,
livremente, decidir quando, como, em que intensidade e de quem pode cobrar
tributos. Evidente que o Estado envidará seus esforços para arrecadar os
tributos devidos, entretanto o fará em observância às diretrizes constitucionais,
que no Brasil escapam de orientações meramente axiológicas para abarcar
verdadeiras normas que contemplam os critérios da norma jurídica tributária de
incidência, tanto da hipótese quanto da conseqüência tributárias.
Há, ainda, o fato de que não há na Constituição brasileira,
qualquer exceção ao princípio da legalidade. Entretanto, não se pode confundir
o significado dessa assertiva e concluir que no campo tributário a Constituição
já teria esgotado todas as possibilidades de modelar a regra-matriz de
incidência tributária. Espaço existe, contudo não é novidade que a Carta
Magna estabeleceu muito da hipótese de incidência dos tributos.
O perfil mínimo de um tributo já fora contemplado, restando pouco
ao legislador infraconstitucional e talvez por isso JOSÉ ROBERTO VIERA já
tenha concluído que a Constituição criou sim tributos, ainda que no seu mínimo
existencial. Isso porque, a Constituição da República contempla a hipótese de
incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base
de cálculo possível e a alíquota possível.
A Constituição, nesse contexto, ao definir as competências
tributárias também estabeleceu a norma-padrão de incidência, ou seja, a regra-
matriz de incidência de cada tributo. A higidez das diretrizes edificadas na
Constituição abrange aspectos de proteção dos direitos fundamentais.
A instituição de contribuições sociais, de fato, constitui um
instrumento essencial para cobrir os altos custos inerentes à efetivação dos
direitos fundamentais e sociais elencados na Constituição Federal. Contudo, o
571
SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, p. 1.
207
eventual desequilíbrio entre o que se arrecada e o que se gasta não pode, por
si somente, intensificar a tributação das empresas em detrimento de princípios
basilares do Estado Democrático de Direito, como a legalidade, a segurança
jurídica e também objetivos da Ordem Social calcados na solidariedade, tais
como a equidade na participação do custeio e a diversidade da base de
financiamento.
Ora, a essência da contribuição patronal previdenciária sobre a
“folha de salários” é escancarada na própria Constituição e isso ficou
evidenciado quando na análise da regra matriz de incidência tributária no
capítulo terceiro. Tudo parece ter sido contemplado na Constituição, de modo
que não há espaço para a instituição ou a majoração dessa contribuição de
forma alheia ao que fora projetado na Constituição. É justamente nesse ponto
que o Princípio da Legalidade assume condição essencial à higidez do sistema
tributário brasileiro.
Não há contexto, portanto, para garantir a saúde do Sistema de
Seguridade Social com base na distorção do modelo tributário, deixando de
lado princípios fundamentais constitucionais, para justificar a manutenção de
demandas sociais.
Afinal, como é sabido, não é possível, no plano infraconstitucional,
norma legal estabelecer fato jurídico tributário diverso para a contribuição social
daquele que cuida o inciso I, “a”, do art. 195 da Constituição Federal. Até
porque, o receio de que, sendo o sistema da previdência social contributivo e
obrigatório, a falta de cobrança de contribuição nas circunstâncias pretendidas
pelo INSS não pode justificar toda uma argumentação que para atingir seu
desiderato viole o art. 195 da Constituição da República.
Finalmente, a garantia do princípio da legalidade, direito
fundamental do contribuinte, é contenda tão indispensável no contexto do
Estado Social Democrático de Direito, quanto àquela relativa à manutenção
das respostas às necessidades públicas erigida constitucionalmente.
208
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