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Artigo de César Daniel de Assis Rolim UFRGS
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
LEONEL BRIZOLA E OS SETORES SUBALTERNOS
DAS FORAS ARMADAS BRASILEIRAS: 1961-1964
CSAR DANIEL DE ASSIS ROLIM
PORTO ALEGRE
2009
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
Csar Daniel de Assis Rolim
LEONEL BRIZOLA E OS SETORES SUBALTERNOS
DAS FORAS ARMADAS BRASILEIRAS: 1961-1964
Dissertao apresentada ao PPG em
Histria da UFRGS como requisito para a
concluso do Curso de Mestrado em
Histria, na linha de pesquisa Relaes de
Poder Poltico-Institucionais.
Orientadora: Prof . Dra. Carla Brandalise.
Porto Alegre
2009
3
CSAR DANIEL DE ASSIS ROLIM
Leonel Brizola e os setores subalternos das Foras
Armadas Brasileiras: 1961-1964
Dissertao apresentada ao PPG em
Histria da UFRGS como requisito para a
concluso do Curso de Mestrado em
Histria, na linha de pesquisa Relaes de
Poder Poltico-Institucionais.
Aprovada com indicao para publicao em 6 de novembro de 2009.
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dra. Maria Lcia Moritz (PPG-Cincia Poltica/UFRGS) Conceito A
Prof. Luiz Alberto Grij (PPG-Histria/UFRGS) Conceito A
Prof. Maria Luiza Filippozzi Martini (PPG-Histria/UFRGS) Conceito A
Orientadora: Prof . Dra. Carla Brandalise.
Porto Alegre
2009
4
Para minha me, Suely, pelo
exemplo de obstinao e
incentivo permanente.
5
AGRADECIMENTOS
Desejo nessa pgina manifestar meu agradecimento a todos que contriburam
decisivamente para minha formao e para a construo do presente trabalho.
Registro primeiramente a minha gratido a Carla Brandalise, minha professora
orientadora. Agradeo por suas orientaes, conversas, crticas e permanente incentivo
pesquisa e estudos.
Agradeo ao corpo docente do Programa de Ps-Graduao em Histria desta
Universidade, que exemplo de ensino pblico, gratuito e de qualidade, em especial aos
professores Enrique Serra Padrs, Carla Rodeghero e Cli Pinto pela ateno, observaes e
contribuies.
Agradeo ao professor Jorge Luiz Ferreira, pelas contribuies e indicaes de fontes
para a pesquisa.
Assinalo meu agradecimento Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel
Superior, pela bolsa que financiou a pesquisa.
Agradeo aos colegas de Ps-Graduao, em especial aos amigos: Ananda Simes,
Carlos Torcato, Caroline Bauer, Charles Domingos, Gustavo Coelho, Nilo de Castro, Rafael
de Lima, Taiara Alves e Vicente Ribeiro.
Meu especial agradecimento s pessoas que colaboraram decisivamente para pesquisa:
Almor Zoch Cavalheiro, Elenice Szatkoski, Jos Wilson da Silva e Paulo Camargo Santos.
Agradeo a todos que me permitiram compartilhar de conversas, entrevistas e
documentos que contriburam de maneira essencial para a construo do texto: Adelson Jos
Lopes, Antnio de Pdua Ferreira da Silva, Araken Vaz Galvo, Avelino Bioen Capitani,
Avelino Iost, Carlos Alberto Telles Frank, dio Emigdio Erig, Elsio Soares da Silva, Jelcy
Rodrigues Corra, Jos Geraldo da Costa, Matheus Schmidt, Ney de Moura Calixto, Paulo
Ritter da Luz, Pedro Martins Alvarez, Raimundo Porfrio Costa, Reynaldo di Benedetti,
Sereno Chaise e Trajano Ribeiro.
Agradeo ao Alexandre, grande parceiro, e especialmente minha me pelo carinho,
suporte e compreenso permanentes.
Um beijo muito especial minha querida Maria Eduarda!
6
Se o poltico aquilo que tem uma relao direta com o Estado e a sociedade global, ele no se reduz a isso. Praticamente no
h setor ou atividade que, em algum momento da histria, no
tenha tido uma relao com o poltico. Ren Rmond
7
RESUMO
Este trabalho analisa as relaes de Leonel Brizola com o movimento poltico dos
setores subalternos nacionalistas das Foras Armadas Brasileiras durante o perodo em que
esteve no governo do Estado do Rio Grande do Sul (1959-1962) at o golpe civil-militar de
1964. Procura-se identificar as estratgias utilizadas por Brizola visando obter o apoio dos
setores subalternos castrenses, em especial do crculo dos sargentos, para suas aes polt icas.
Essas estratgias, com o objetivo de conquistar apoio para o projeto poltico reformista-
nacionalista desse poltico sul-rio-grandense e articular uma resistncia a um possvel golpe
de Estado, acirraram uma diviso latente dentro das Foras Armadas Brasileiras entre os
grupos nacionalistas e os anti-nacionalistas ou entreguistas. A anlise da estruturao do
Partido Trabalhista Brasileiro, que apoiou a luta poltica dos subalternos militares, e a
discusso acerca de conceitos importantes, tais como, populismo e nacionalismo, so
realizadas pelo trabalho, no sentido de apontar as influncias exercidas por essa organizao
partidria no iderio brizolista e na luta dos subalternos militares. Para alm da indicao das
estratgias brizolistas utilizadas no sentido de aproximar-se dos militares nacionalistas,
pretende-se indicar as disputas internas ocorridas nas Foras Armadas Brasileiras nas dcadas
de 1950 e 1960 e suas articulaes com a sociedade civil.
Palavras-chave: Histria do Brasil. Histria Poltica. Histria do Tempo Presente. Memria.
Governo Joo Goulart (1961-1964). Trabalhismo. Leonel Brizola. Nacionalismo. Foras
Armadas Brasileiras. Movimento dos Sargentos.
8
ABSTRACT
This research aims to analyse the relationships of Leonel Brizola with the subordinate
nationalist sectors of the Brazilian Armed Forces, particularly the circle of sergeants, during
the period in which government was in the State of Rio Grande do Sul (1959-1962), until the
coup civil-military from 1964. Seeking to identify the strategies used by Brizola to get the
support of the subordinate castrenses sectors, especially the circle of sergeants, for its political
actions. These strategies, aimed at obtaining political support for the project reformist-
nationalist politician that south riograndense, caused a division within the Armed Forces
Brasileiras. The analysis of the structure of the Brazilian Labour Party and discussion about
important concepts such as nationalism and populism, are carried out by work, in order to
sharpen the ideological influence exercised by that party organization in brizolista ideology.
In addition to the indication of the strategies used to brizolistas closer to the subordinate
military nationalists, it is intended to indicate the internal disputes which occurred in the
Brazilian Armed Forces in the decades of 1950 and 1960 and its joints with civilians and with
the policy.
Key-words: Brazilian History. Politics History. History of Present Time. Memory. Joo
Goulart Governement (1961-1964). Labourism. Leonel Brizola. Nationalism. Brazilians
Armed Forces. Movement of Sergeants.
9
Lista de siglas e abreviaturas
ADP: Ao Democrtica Popular
AHE: Arquivo Histrico do Exrcito
AMAN: Academia Militar das Agulhas Negras
AMFNB: Associao dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil
ARENA: Aliana Renovadora Nacional
Camde: Campanha da Mulher pela Democracia
CEMFA: Curso de Estado-Maior e Comando das Foras Armadas
CGT: Comando Geral dos Trabalhadores
CNTI: Confederao Nacional dos Trabalhadores na Indstria
CP: Correio do Povo
CPDOC/FGV: Centro de Pesquisa e Documentao em Histria Contempornea da Fundao
Getlio Vargas
CSN: Conselho de Segurana Nacional
Dep.: Departamento
DHBB: Dicionrio Histrico-Biogrfico Brasileiro
DN: Dirio de Notcias
DOPS: Departamento de Ordem Poltica e Social
DSN: Doutrina de Segurana Nacional
ECEME: Escola de Comando do Estado Maior do Exrcito
EMEx: Estado-Maior do Exrcito
EMFA: Estado-Maior das Foras Armadas
ES: Estado de So Paulo
ESG: Escola Superior de Guerra
FAB: Fora Area Brasileira
FD: Frente Democrtica
FMI: Fundo Monetrio Internacional
FMP: Frente de Mobilizao Popular
FPN: Frente Parlamentar Nacionalista
FUG: Frente nica Gacha
Gab.: Gabinete
IBAD: Instituto Brasileiro de Ao Democrtica
10
IPES: Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
ISEB: Instituto Superior de Estudos Brasileiros
Master: Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
MODAC: Movimento Democrtico pela Anistia e Cidadania
MTR: Movimento Trabalhista Renovador
PCB: Partido Comunista Brasileiro
PDC: Partido Democrata Cristo
PL: Partido Libertador
PRL: Partido Republicano Liberal
PRP: Partido de Representao Popular
PRR: Partido Republicano Rio-Grandense
PSB: Partido Socialista Brasileiro
PSD: Partido Social Democrtico
PSP: Partido Social Progressista
PTB: Partido Trabalhista Brasileiro
PUA: Pacto de Unidade e Ao
PUI: Pacto de Unidade Intersindical
SNI: Servio Nacional de Informaes
STF: Supremo Tribunal Federal
STM: Superior Tribunal Militar
Sudene: Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste
Supra: Superintendncia de Poltica Agrria
UBES: Unio Brasileira dos Estudantes Secundaristas
UDN: Unio Democrtica Nacional
UH: ltima Hora
UNE: Unio Nacional dos Estudantes
UMNA: Unidade de Mobilizao Nacional pela Anistia
USB: Unio Social Brasileira
11
SUMRIO
Resumo ...................................................................................................................... 7
Abstract ..................................................................................................................... 8
Lista de siglas e abreviaturas .................................................................................. 9
INTRODUO ....................................................................................................... 12
PRIMEIRO CAPTULO: O PTB na conjuntura poltico-partidria
nacional (1945-1964): nacionalismo reformista em tempos democrticos ........ 39
1.1 O debate acerca dos modelos de organizao partidria:
o PTB enquanto um partido poltico moderno (1945-1964) ..................................... 39
1.2 O nacionalismo petebista e sua articulao
com o Movimento Nacionalista Brasileiro ................................................................ 58
SEGUNDO CAPTULO: Foras Armadas Brasileiras: conflitos internos
e articulaes com a poltica e sociedade entre 1950-1964 .................................... 73
2.1 As divises internas das Foras Armadas Brasileiras e
suas articulaes com a sociedade civil ...................................................................... 73
2.2 A quebra da hierarquia interna: a movimentao dos subalternos militares e sua conseqncia para as Foras Armadas Brasileiras .............................. 82
TERCEIRO CAPTULO: As estratgias utilizadas por Leonel Brizola
para apoiar as demandas dos setores subalternos das Foras Armadas
Brasileiras entre 1961 e 1964 ....................................................................................102
3.1 Populismo ou reformismo social?: a influncia do trabalhismo petebista na ao poltica de Leonel Brizola ...............................................................................102
3.2 O jacobinismo brizolista e sua importncia na conjuntura
anterior ao golpe civil-militar de 1964 .........................................................................117
QUARTO CAPTULO: As crises poltico-militares e a aproximao
de Leonel Brizola com os setores subalternos das Foras Armadas .......................141
4.1 A Campanha da Legalidade: a atuao dos sargentos
em consonncia com a defesa da posse de Goulart .......................................................141
4.2 A questo da elegibilidade dos sargentos
e a Rebelio dos Sargentos ............................................................................................160
4.3 O discurso de Leonel Brizola em Natal e o Manifesto dos Sargentos:
a radicalizao do nacionalismo popular .......................................................................174
QUINTO CAPTULO: A mobilizao dos subalternos militares e a sintonia
com a radicalizao do nacionalismo popular de Leonel Brizola ............................190
5.1 A mobilizao dos marinheiros ................................................................................190
5.2 A atuao de Leonel Brizola e dos subalternos militares visando
defesa do regime democrtico frente ao golpe civil-militar ........................................207
CONSIDERAES FINAIS .......................................................................................240
BIBLIOGRAFIA E FONTES CONSULTADAS ......................................................245
12
INTRODUO
A ascenso de Leonel Brizola ao governo do Estado do Rio Grande do Sul, em 1959,
significou o incio de uma administrao que forneceu bases para o trabalhismo no Brasil.
Brizola, na campanha eleitoral de 1958, conseguiu agregar um considervel apoio para sua
candidatura, especialmente de grupos de esquerda1 no perodo, com a abertura para uma ativa
participao de setores populares na elaborao do programa de governo2. Demonstrando uma
aproximao3 dos trabalhistas com as lideranas do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a
nota de apoio4 de Lus Carlos Prestes candidatura de Leonel Brizola indicava a possibilidade
de interfaces entre os dois grupos mencionados. Durante seu governo, todavia, ele enfrentou
uma forte oposio de setores ligados elite econmica sul-rio-grandense, representada por
agremiaes partidrias como Partido Libertador (PL), Partido Social-Democrtico (PSD) e
Unio Democrtica Nacional (UDN).
Sendo egresso do meio universitrio e construindo sua carreira poltica em Porto Alegre,
consolidando o predomnio do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) na capital sul-rio-
1 No trabalho se utiliza a definio de esquerdas como os grupos sociais favorveis s mudanas em nome de
justia e progresso sociais, enquanto que direitas seriam as foras conservadoras, alrgicas a mudanas e
dispostas a manter o status-quo. REIS FILHO, Daniel Aaro. Ditadura e sociedade: as reconstrues da
memria. In: MOTTA, Rodrigo Patto S; REIS FILHO, Daniel Aaro; RIDENTI, Marcelo. O golpe e a ditadura
militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru: Edusc, 2004. p. 32. Esquerda o conceito referencial de
movimentos e idias endereados ao projeto de transformao social em benefcio das classes oprimidas e
exploradas. Os diferentes graus, caminhos e formas dessa transformao social pluralizam a esquerda e fazem
dela um espectro de cores e matizes. GORENDER, Jacob. Combate nas trevas a esquerda brasileira: das iluses perdidas luta armada. 2. ed. So Paulo: tica, 1987. p. 7. 2 Em 27 de abril de 1958, o Correio do Povo publicava uma convocao divulgando o interesse no recebimento
de sugestes para a elaborao do programa administrativo da candidatura de Brizola. Seguiam vrias perguntas, tais como: Quais os mais importantes problemas do Rio Grande? Quais as necessidades de sua regio? Existem
crianas sem escola? 3 A aproximao dos laos dos comunistas com grupos operrios, segundo Gorender, produziu um resultado
desafiador da linha poltica. Na prtica cotidiana, os comunistas firmavam contatos e alianas com os operrios
de tendncia reformista, principalmente os getulistas adeptos do PTB. A aliana dos comunistas com a ala
esquerda dos trabalhistas frutificou numa vitria importante em 1961. A aliana entre comunistas e trabalhistas
de esquerda se demonstrou capaz de arrebatar a burocracia ministerial, principal organizao de cpula da
estrutura sindical oficial. GORENDER, Jacob. Combate nas trevas a esquerda brasileira: das iluses perdidas luta armada. 2. ed. So Paulo: tica, 1987. p. 24. 4 A vitria do Movimento Nacionalista, representado pela candidatura de Leonel Brizola, em 03 de outubro,
significa uma sria mudana na correlao de foras polticas em nossa terra, a favor das liberdades, do progresso e da emancipao nacional. Estamos convencidos de que a vitria dos nacionalistas em 03 de outubro
exercer uma forte presso poltica sobre o atual Governo Federal, exigindo dele que cumpra seus
compromissos, que modifique a poltica externa do Brasil, realizando uma poltica externa independente, de
acordo com os interesses do povo brasileiro, uma poltica de paz, de relaes com todos os povos. Uma poltica
interna progressista, favorvel ao movimento independente da economia nacional, que signifique a verdadeira
defesa da indstria nacional, a industrializao das regies mais atrasadas de nossa terra. Saio do Rio Grande do
Sul convencido de que o povo gacho, mais uma vez, saber indicar a todo o povo brasileiro o caminho da
vitria, na luta pela emancipao de nossa terra. A pedido publicado no CORREIO DO POVO. 29 de setembro
de 1958. p. 1.
13
grandense5, Brizola consegue uma insero no meio urbano, caracterstica marcante do PTB,
articulando tambm ligaes com setores das camadas mdias da populao. Acreditando no
poder de mobilizao das Foras Armadas, Brizola procurou aproximar-se dos crculos
militares, em especial dos setores nacionalistas. Em depoimento durante o perodo de ditadura
civil-militar, onde conspirava contra a ditadura civil-militar6, fora do pas, o ex-governador
sul-rio-grandense defendia a promoo de uma insurreio, contando com o povo e com o
apoio das Foras Armadas7. Esta pesquisa tem o propsito de analisar as relaes de Leonel
Brizola com setores subalternos nacionalistas das Foras Armadas Brasileiras, em especial o
crculo dos sargentos, durante o perodo em que esteve no governo do Estado do Rio Grande
do Sul (1959-1962), at o golpe civil-militar de 1964.
Em pronunciamentos enquanto governador do Estado, Brizola invariavelmente
procurava relacionar sua origem social com as medidas a serem adotadas por sua
administrao, ou seja, buscava vincular o seu governo com as aspiraes dos setores sociais
menos favorecidos. Alm disso, em seus discursos o ex-governador reconhecia-se como um
herdeiro do trabalhismo de Getlio Vargas, colocando a sua inteno de dar continuidade ao
projeto poltico desse ex-presidente, especialmente aps a eleio de 1950, onde Vargas
retornou frente do Executivo Federal com uma expressiva votao. A primeira Mensagem8
Assemblia Legislativa, depois de assumir o comando do Governo Estadual, constitui-se
como um exemplo:
Quanto a mim creiam os meus conterrneos recebi os resultados das eleies com sincera humildade e agora vou para o Governo consciente da significao deste
ato de confiana. Sem vaidades e sem pretenses, quero apenas cumprir o meu
dever. No me considero melhor do que ningum, nem ungido de condies ou
poderes que no aqueles inerentes ao posto que vou desempenhar. Sou um simples
cidado, agora investido transitoriamente nas funes de Governo. Venho das
camadas mais modestas da populao e quero permanecer fiel s minhas origens. Minhas preocupaes estaro permanentemente voltadas para os pequenos, para os
humildes e desamparados. Interpreto a honrosa preferncia que recebi e compreendo
a manifestao das urnas como uma mensagem, como um apelo dos humildes,
endereado queles que jamais faltaro aos ideais e aos ensinamentos de Getlio
Vargas.
5 A administrao municipal entre 1956 e 1958, conduzida por Brizola, teve uma considervel aprovao por parte do eleitorado a ponto de possibilitar o lanamento de sua candidatura ao governo do Rio Grande do Sul. 6 No presente trabalho utiliza-se a nomenclatura de ditadura civil-militar para designar o regime poltico
institudo a partir do golpe de Estado de maro de 1964 devido ao fato de que o mesmo caracterizou-se
essencialmente pela ausncia de efetiva participao poltica da maioria da sociedade civil brasileira, seja por via
eleitoral, seja por liberdade de expressar suas ideias. 7 BANDEIRA, Moniz. Brizola e o trabalhismo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1979. p. 101. 8 RIO GRANDE DO SUL. Governador Leonel de Moura Brizola. Mensagem Assemblia Legislativa:
apresentada pelo governador do Estado, Engenheiro Leonel de Moura Brizola, por ocasio da abertura da
Sesso Legislativa de 1959. Porto Alegre: Oficinas grficas da imprensa oficial, 1959. p. 09.
14
Ao projeto administrativo de Brizola no Executivo Estadual, soma-se a herana de
Vargas e o apelo ao apoio de setores economicamente desfavorecidos, um teor nacionalista.
Esse ltimo refletia-se em uma ntida oposio ao controle econmico externo, em especial de
reas consideradas estratgicas, tais como os servios de telecomunicaes e de energia
eltrica. Constata-se a construo de um antagonismo em relao ao capital estrangeiro: So
autodeterminadas as naes que, em primeiro lugar, disciplinam como querem as suas
relaes e o seu intercmbio com as naes do Universo. Em segundo lugar, s so
rigorosamente autodeterminadas as naes que, atravs de meios ao seu alcance, so capazes
de executar, realizar as reformas estruturais consideradas necessrias sua prosperidade
social e econmica9.
A encampao10 da Companhia Energia Eltrica Rio-Grandense (CEERG), subsidiria
da multinacional Bond and Share (empresa da American & Foreign Power Amforp), em
maio de 1959, constitui-se como um momento importante do vis nacionalista da
administrao de Brizola. Este, ao lembrar de sua interveno na CEERG, afirma que:
Recordo-me que o Dirio Oficial saiu s sete horas da manh, e s sete horas e quinze
minutos, o presidente Juscelino Kubitscheck me telefonou. O servio de telefone era
muito precrio naquela poca. E disse: Governador, verdade que o senhor encampou
a empresa Bond and Share? Era uma subsidiria, aqui no Brasil, da American Foreign
Power. Eu respondi: verdade, Presidente!11
Somado a essa ao poltica, considerando o setor de telecomunicaes como
estratgico, o ex-governador Brizola passou a enfrentar a Companhia Telefnica Nacional
(CTN), filial da ITT12. Da mesma forma que a Bond and Share, a ITT estava com a concesso
terminada, e exigia condies semelhantes para investir. As negociaes duraram dois anos e,
ao final, chegou-se a um acordo, estabelecendo-se a criao de uma sociedade de economia
mista, com participao do governo (25%), da ITT (25%) e dos usurios (50%). Havia ainda a
questo do valor do acervo da ITT, e para isso ela e o governo designaram dois rbitros, que
9 BRIZOLA, Leonel. O Brasil, a Amrica Latina, os Estados Unidos e o caso cubano. In: BANDEIRA, M. Op. cit., p. 127. 10 Para o histrico desta encampao, ver: MULLER, Elisa Maria de Oliveira. A encampao da Companhia de
Energia Eltrica Rio-Grandense e o nacionalismo na dcada de 1950. Tese (Doutorado em Histria) Universidade Federal Fluminense, Niteri, 1997. Sobre as encampaes durante o Governo Brizola, ver:
MIRANDA, Samir Perrone. Projeto de desenvolvimento e encampaes no discurso do governo Leonel Brizola:
Rio Grande do Sul (1959-1964). Dissertao (Mestrado em Cincia Poltica) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. 11 BRIZOLA, Leonel. Conferncia na Subcomisso de Nacionalidade, Soberania e Relaes Internacionais da
Assemblia Nacional Constituinte. 8 de maio de 1987. In: LEITE FILHO, Francisco das Chagas. El caudillo
Leonel Brizola: um perfil biogrfico. So Paulo: Editora Aquariana, 2008. p. 63. 12 International Telephone & Telegraph Corporation. Esta empresa estadunidense detinha o controle acionrio da
CTN (Companhia Telefnica Nacional).
15
escolheriam um terceiro caso houvesse necessidade. Brizola indicou um inimigo poltico, da
UDN, o professor Lus Leseigneur de Faria, diretor da Faculdade de Engenharia, enquanto a
ITT indicou o engenheiro Frederico Rangel. Brizola considerou alta a avaliao, mas no se
manifestou. Porm, aps dois meses, a ITT mudou sua direo, afastou seu vice-presidente e
exigiu novas negociaes, alegando que o laudo no era satisfatrio.
Brizola anunciou a expropriao dos bens da companhia, com base no valor avaliado
pelos rbitros, mas descontando o que havia sido doado pelo governo para composio da
rede e os lucros remetidos ilegalmente para o exterior. O poder judicirio autorizou a emisso
de posse. Em fevereiro de 1962, o Governo do Estado, imitido de sua posse provisria passou
a exercitar a prestao direta dos servios sob a designao de Servios Telefnicos
Retomados, logo aps entregues responsabilidade da recm criada Companhia Riograndense
de Telecomunicaes CRT.
Com essa atitude, Brizola passou a atrair a antipatia dos setores sociais ligados aos
interesses dessas empresas estrangeiras. No houve jornal do interior dos EUA, que
refletindo os interesses dos acionistas locais da empresa, no denunciasse indignado o
surgimento de um novo Fidel, cujo principal hobby era expropriar bens norte-americanos.
Chegou-se a sugerir a soluo tradicional: o envio de marines13. Brizola14, com essas aes
polticas, consolidou-se como uma das principais lideranas polticas do perodo, e afirmou:
At o presidente Kennedy num encontro com a imprensa, na Casa Branca, foi
abordado por um jornalista que lhe indagou: V. Ex est falando que as relaes com o
Brasil so muito boas, mas um governador de l est fazendo expropriaes, para o
que Kennedy respondeu: Esse governador Brizola um inimigo dos Estados Unidos.
Eu, inimigo dos Estados Unidos por causa daquilo. E l, nos Estados Unidos, havia
uma campanha enorme, feita pela imprensa, que dizia que a IT&T era uma companhia popular, era a companhia das vivas que detinham as aes; que aquilo era uma
violncia, coisa e tal. E aqui no Brasil, ento, foi uma guerra em cima de mim.
Transformaram-me em Fidel Castro, colocaram uma barba em mim!
Sua ao poltica, marcada por atitudes nacionalistas ou de antipatia aos interesses das
empresas multinacionais, ousadas para os padres polticos conservadores, representados pela
UDN e PSD, em muitas ocasies contrapunha-se ao governo Goulart15. Este, preocupado com
13 SCHILLING, Paulo. Como se coloca a direita no poder. Vol. 1. So Paulo: Global Editora, 1979. p. 217. 14 BRIZOLA, Leonel. Depoimento pessoal de Leonel Brizola. In: LEITE FILHO, F. Op. cit. p. 66. 15
Sobre a relao de Brizola com o Governo do presidente Joo Goulart, ver: NOGUEIRA, Marcelo
DAlencourt. As relaes polticas de Joo Goulart e Leonel Brizola no governo Jango (1961-1964). Dissertao (Mestrado em Cincia Poltica) - Universidade Federal Fluminense, UFF, Niteri, 2006.
16
a estabilidade de seu governo, no que tangia, especialmente, manuteno da aliana com o
PSD, procurava no acirrar as disputas internas do bloco de partidos que o apoiavam.
A caracterizao de Brizola como um lder nacionalista e antiestadunidense em
potencial, era marcante em alguns jornais do perodo. O Jornal do Brasil16, por exemplo,
reproduzia em fevereiro de 1962 excertos de notcias publicadas no Washington Post
apontando que:
Os norte-americanos esto finalmente se dando conta de quem o brasileiro
considerado o candidato mais provvel para fazer o papel de Fidel Castro, num pas
muito mais importante para a segurana do Hemisfrio do que a pequena ilha de
Cuba. Seu nome Leonel de Moura Brizola e atualmente governador do Rio Grande
do Sul, um demagogo perigoso, hbil e infinitamente ambicioso. Este governador sabe
que os pases estrangeiros so alvos fceis no Brasil. Pouco se importa pelo efeito que
as expropriaes possam ter sobre a opinio pblica norte-americana, e conta com a confusa situao no Brasil para dar-se oportunidade de exercer um papel destacado no
mais populoso pas da Amrica Latina. A prosseguirem esses acontecimentos no
Brasil, ser bom recordar que o ditador de Cuba pode dirigir o destino de uma
pequena ilha, mas o lder do Brasil poder influenciar o curso da histria de toda a
Amrica Latina.
Devido s aes que iam ao encontro do iderio nacionalista brasileiro, que obtinha
inclusive a simpatia dos crculos castrenses, Brizola aproximava-se dos militares nacionalistas
e suas demandas. Quando no incio de 1962, encabeamos um memorial de solidariedade a
um general preso por apoiar a encampao da ITT feita pelo governador Brizola, a maneira
que encontraram de nos desmobilizar foi dispersar as lideranas dos sargentos pelos quartis
nos recantos mais remotos do pas17 .
Procurou-se na presente pesquisa identificar as estratgias utilizadas por Brizola para
obter o apoio dos setores subalternos castrenses para suas aes polticas. Essas aes
buscaram o apoio para o projeto poltico reformista-nacionalista desse poltico sul-rio-
grandense e ao mesmo tempo assegurar uma resistncia diante de um provvel golpe de
Estado. Com isso, a aproximao entre militares e Leonel Brizola acirrou uma diviso j
latente dentro das Foras Armadas Brasileiras entre setores nacionalistas e antinacionalistas
ou entreguistas.
As relaes de Brizola com os setores nacionalistas militares, em especial do crculo dos
sargentos18, intensificaram-se a partir da Campanha da Legalidade19 onde Brizola, enquanto
16 JORNAL DO BRASIL. 27 de fevereiro de 1962. p. 3. 17 Entrevista, de Amadeu Felipe, sargento em exerccio no perodo estudado. In: RIDENTI, Marcelo. O fantasma
da revoluo brasileira. So Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993. p. 209. 18
Durante a crise institucional, foram os sargentos da Aeronutica, chefiados pelo Sargento Prestes de Paula, os
responsveis pelo desbaratamento da Operao Mosquito, organizada por oficiais que pretendiam derrubar o avio que conduzia Joo Goulart para tomar posse. No Rio Grande do Sul, os sargentos do 18 Regimento de
17
governador do Estado, em agosto de 1961, promove uma grande mobilizao popular no
sentido de assegurar a posse de Joo Goulart (vice-presidente que estava em viagem
diplomtica na China). Durante os acontecimentos de agosto de 1961, Brizola assume o
comando de uma ampla rede de apoio posse de Joo Goulart, o que proporcionou a
radicalizao de sua administrao frente ao Executivo sul-rio-grandense. Sobre a Legalidade,
Brizola20 apontava que:
Bom, muita gente colaborava. Eu tinha um ncleo muito pequeno ali de colaboradores
e, agora, essencialmente no por nenhuma exaltao pessoal, eu segui antes de tudo
minha prpria inspirao, que era pura, eu queria um interesse pblico, eu ia defender
a liberdade, ia defender a Constituio, a democracia, queria defender caminhos para a
justia social. Eu acreditava de uma forma muito intensa que ns poderamos
transformar, mudar. Os governos parlamentaristas foram uma desiluso, por isso eu
passei a lutar pela restaurao do presidencialismo.
A essa rede de apoiadores, especialmente no Estado do Rio Grande do Sul, principal
foco de resistncia frente tentativa de impedimento por parte dos ministros militares,
somou-se o III Exrcito21. O apoio do general Machado Lopes lembrado por Brizola22:
A partir do momento em que o Machado Lopes e os generais tomaram aquela deciso,
ns tnhamos introduzido uma cunha no Exrcito e acho que, a partir da, no havia
mais condio deles resistirem. Podia haver uma resistncia de alguns dias, alguma
rea ou outra, mas no havia mais condies, nem mesmo a Marinha, que se mantinha
muito ausente dos fatos. Tanto que havia uma fora-tarefa em marcha para l (cidade
Infantaria do Exrcito jogaram sua fora para a manuteno da legalidade. Entrevista de Amadeu Felipe. Op. cit p. 209. 19 Brizola, sobre os acontecimentos de 1961, afirmava que: uma interpretao desse episdio (Legalidade), se eu
disser que foi a Campanha da Legalidade, como se costumou dizer, no reflete essa simples denominao do que
aconteceu; se eu disser a Campanha, foi a resistncia ao golpe, mais proximamente. Mas, na verdade, o que aconteceu naquele momento no Rio Grande do Sul e pelo pas afora porque, fora, ocorreram tambm fatos muito importantes: em Santa Catarina, que estava mais prximo; tambm ali, no Paran; no caso de Gois,
Mauro Borges; pode-se dizer que houve, aqui no Rio de Janeiro, tambm episdios dignos de registro o que houve na verdade foi um levante contra a tentativa de golpe. Houve uma rebelio contra a tentativa de golpe. E
eu creio que isso que caracteriza mais, porque, quando se fala num levante, numa rebelio, a gente j est
tambm considerando que houve movimentos armados. O que decidiu mesmo foi toda a movimentao armada.
S se decidiu quando o general Oromar Osrio se deslocou armado com uma diviso que devia ter oito mil
homens e que marcharam. Entrevista de Leonel Brizola concedida para Paulo Markun e Duda Hamilton. In:
HAMILTON, Duda; MARKUN, Paulo. Legalidade: o testemunho de Leonel Brizola. So Paulo: Editora Senac
So Paulo, 2001. p. 33. 20 BRIZOLA, L. Op. cit. p. 31. 21 O apoio do III Exrcito, comandado pelo General Machado Lopes, ao movimento pela legalidade, foi de
extrema importncia no sentido de assegurar a posse de Goulart. A minha deciso de apoiar a Lei foi tomada aps muita ponderao sobre as consequncias de iniciar um movimento armado no Rio Grande do Sul, que se
alastrasse por todo o Brasil, tal o estado de politizao em que se encontrava o povo, motivado pela legitimidade
de o Sr. Joo Goulart empossar-se como presidente da Repblica. Continuo convicto de ter ento evitado um mal
maior para todo o pas. LOPES, Jos Machado. O III Exrcito na crise da renncia de Jnio Quadros: depoimento do Comandante do III Exrcito na crise poltico-militar de agosto de 1961. Porto Alegre: Alhambra,
1979. p. 53. 22 BRIZOLA, L. Op. cit. 2001. p. 32.
18
de Rio Grande) que tinha planos de desembarque, e que o Terceiro Exrcito estava
preparado para receber. Ns bloqueamos, isso foi iniciativa nossa, do governo do
Estado, porque ns tnhamos a diretoria dos portos, rios e canais, uma diretoria
especializada, ns bloqueamos o canal de entrada do porto de Rio Grande.
A ideia de Brizola era de que os sargentos podiam ser a chave. O impacto de 1961 foi
muito importante. Persuadiu Brizola de que, se pudesse conquistar os sargentos, poderia
mobilizar os generais23. O entendimento de que os sargentos, especialmente os do Exrcito,
eram elementos fundamentais na hierarquia interna militar, era compartilhado por diversos
militares. Os sargentos, como eu disse, so os elementos que tm mais contato com a tropa,
com os soldados. Embora os oficiais tambm tenham contato, os sargentos normalmente j
foram soldados e cabos24. Este depoimento revela uma constatao permanente nas
entrevistas realizadas durante esta pesquisa, onde os militares afirmavam as dificuldades de
ascenso na carreira para os militares subalternos.
A Campanha da Legalidade fora um marco para a histria poltica do pas e tambm da
Amrica Latina. A tentativa frustrada de golpe frente mobilizao, empreendida
especialmente a partir do Estado do Rio Grande do Sul, teve um impacto para a consolidao
do trabalhismo reformista de Brizola e Joo Goulart. Segundo Brizola25:
Este episdio de 1961, que se convencionou chamar de Legalidade, resistncia em
defesa da Constituio, resistncia contra o golpe, depois se denominou Campanha da
Legalidade, devido rede de rdio, Rede da Legalidade. Bom, pela sua natureza,
pela sua importncia, bem estudado esse episdio, ns iremos verificar que foi muito importante, porque foi especial na histria do nosso pas e na histria da Amrica
Latina, que foi a primeira vez que no mundo se viu resistir a um golpe militar que j
estava assumido, que j estava institucionalizado. Por qu? Os trs ministros militares,
ministros do Exrcito, da Marinha e da Aeronutica, j haviam formado uma junta e
estavam controlando o pas, ditando todas as regras, ento foi a primeira vez que
surgiu na periferia do pas, porque o Rio Grande do Sul, ele est l como uma espcie
de fim de linha, uma resistncia que surpreendeu toda aquela ordem de poder j
estabelecida, porque os governadores j estavam conformados. Aqui no Rio de Janeiro
at a censura imprensa j havia sido estabelecida; o governador Carvalho Pinto, em
So Paulo, j estava conformado; o de Minas estava colaborando; o Lacerda aqui era
um facttum do regime a partir da renncia do presidente.
Brizola, apesar de suas realizaes frente ao Executivo sul-rio-grandense, no conseguiu
eleger o representante do PTB na eleio de 1962 para o Governo do Estado. Isto se deveu
tambm sada de lideranas petebistas gachas, que fundaram uma nova agremiao
23 Entrevista do General Rocha, membro do Estado Maior do Exrcito em 1963 e 1964. In: STEPAN, Alfred. Os
militares na poltica. Rio de Janeiro: Editora Arte Nova, 1975. p. 119. 24
Entrevista do General Ernesto Geisel. In: CASTRO, Celso; DARAJO, Maria Celina. Geisel. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundao Getlio Vargas, 1998. p. 159. 25 BRIZOLA, L. Op. cit. 2001. p. 40.
19
partidria (Movimento Trabalhista Renovador MTR). A vitria de Ildo Meneghetti,
representante da Ao Democrtica Popular (ADP)26, aliana que reunia o PSD, o PL, a UDN,
o Partido de Representao Popular (PRP) e o Partido Democrata Cristo (PDC) para o
Executivo gacho, ocorreu simultaneamente eleio consagradora de Brizola para deputado
federal pelo Estado da Guanabara, atual cidade do Rio de Janeiro.
No Parlamento, Brizola consolida-se como o lder da ala reformista-nacionalista27 do
PTB. Esta corrente partidria conquista o predomnio interno, a partir do final da dcada de
1950 e incio da dcada de 1960. Aps a aliana (realizada ainda no governo Juscelino
Kubitschek) com grupos do PCB, a corrente reformista-nacionalista conquista um grau de
influncia decisivo sobre a vertente getulista.
Como consequncia da influncia dessa vertente reformista-nacionalista, estrutura-se na
Cmara Federal a chamada Frente de Mobilizao Popular (FMP), sob a gide de Brizola.
Entre as propostas desse agrupamento poltico, destacam-se: a reforma agrria; a reforma
eleitoral (direito de voto aos analfabetos e aos soldados e direitos de elegibilidade aos
sargentos e praas de pr); a anistia aos soldados e sargentos e todos os presos polticos; a
suspenso do pagamento da dvida externa e a expulso da empresa norte-americana Hanna
Minning Company.
Brizola intensificava a busca por transformaes sociais influenciado pela conjuntura
latino-americana. Nesse sentido, o exemplo da Revoluo Cubana28 era paradigmtica para a
esquerda nacional. Flvio Tavares relata o encontro entre Ernesto Che Guevara e Leonel
Brizola no Uruguai, durante a Conferncia Interamericana Econmica e Social, no ano de
1961, s vsperas do levante da Legalidade, onde no sul o prprio Exrcito se colocou ao seu
lado, derrotando o golpe de Estado. Mas, se no tivesse conhecido o Che e observado seu
exemplo ou at seus mpetos, o jovem governador teria tido a audcia de desafiar a hierarquia
26 Essa coligao de partidos tinha como mote a ideia de restituio da ordem no estado sul-rio-grandense. A nfase na ideia de ordem em contraposio ao clima de insegurana (poltica e social) ser uma constante, o
mesmo acontecendo com a referncia a temas tipicamente trabalhistas no sentido do contedo e da linguagem
empregada pelas lideranas petebistas no Estado em campanhas anteriores. CNEPA, Mercedes Maria Logurcio. Partidos e representao poltica: a articulao dos nveis estadual e nacional no Rio Grande do Sul
(1945-1965). Porto Alegre: UFRGS, 2005. p. 307. 27 Brizola passou a liderar a tendncia reformista-nacionalista do PTB especialmente aps o episdio da
Legalidade. Esse vis reformista predominou no PTB, a partir do desaparecimento de Getlio Vargas. Para uma
anlise dos setores reformistas do PTB, ver: DELGADO, Luclia de Almeida Neves. PTB: do getulismo ao
reformismo. So Paulo: Marco Zero, 1989. 28 A Revoluo Cubana forou uma redefinio das polarizaes das lealdades, com referncia aos padres de
integrao social que correspondem s alternativas de desenvolvimento do nosso sistema civilizatrio. Ela
provocou reaes defensivas que orientaram as influncias estadunidenses em nova direo: de intervir
ativamente junto aos governos e opinio pblica latino-americana. FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao
socialismo: a Revoluo Cubana. So Paulo: Expresso Popular, 2007. p. 24.
20
militar, quebr-la ao meio e derrot-la? At onde o Che funcionou como espelho? E at onde
se refletiu na ousadia de Brizola?29
Os subalternos militares estavam entre aqueles que buscavam uma efetiva participao
no cenrio poltico-partidrio nacional. Em 1962, os sargentos do ento estado da Guanabara,
So Paulo, Cear e Rio Grande do Sul indicaram candidatos prprios para concorrer Cmara
Federal, s Assemblias Legislativas e s Cmaras de Vereadores no pleito de outubro. Se na
Guanabara o sargento do Exrcito Antnio Garcia Filho elegeu-se deputado federal30 e, apesar
do impedimento constitucional, tomou posse em 1 de fevereiro de 1963, no Rio Grande do
Sul e em So Paulo os candidatos eleitos (respectivamente Almor Zoch Cavalheiro e Edgard
Nogueira Borges, ambos sargentos do Exrcito) foram impedidos de assumir seus mandatos
de deputado estadual e vereador31.
O Supremo Tribunal Federal (STF) suspende o mandato dos sargentos eleitos, o que
ocasionou uma insurreio classificada como Revolta dos Sargentos32. Para estes, essa medida
judiciria representava um meio de impedir que eles participassem efetivamente da vida
poltica nacional33. Depois da deciso do STF, o deputado federal Garcia Filho,
acompanhado de Leonel Brizola, Max da Costa Santos e outros, colocou como princpio
29 TAVARES, Flvio. O Che Guevara que conheci e retratei. Porto Alegre: RBS Publicaes, 2007. p. 38. 30 O PTB no queria dar legenda ao Garcia porque ficou com medo. E a gente ficou dizendo que ele iria conseguir uns dois mil votos s para somar legenda, mas ele estourou, e tomou posse fardado. Ficou entre os
quatro mais votados pela Guanabara. O primeiro foi Brizola, com 269 mil votos, a maior votao da histria do
parlamento at ento. Depoimento de Araken Vaz Galvo. In: COSTA, Jos Caldas da. Capara: a primeira guerrilha contra a ditadura. So Paulo: Boitempo Editorial, 2007. p. 70. 31 BANDEIRA, Moniz. O governo Joo Goulart e as lutas sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1978. p. 122-125. 32 No dia 11 de setembro de 1963, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a sentena do Tribunal
Regional Eleitoral sul-rio-grandense acerca do impedimento da posse do sargento Almor, o que implicava que
os sargentos, suboficiais e cabos eram declarados definitivamente inelegveis. Na madrugada do dia 12, cerca de
seiscentos graduados da Aeronutica e da Marinha se apoderaram dos prdios do Departamento Federal de
Segurana Pblica (DFSP), da Estao Central da Rdio Patrulha, do Ministrio da Marinha, da Rdio Nacional
e do Departamento de Telefones Urbanos e Interurbanos. As comunicaes de Braslia com o resto do pas
foram cortadas. Vrios oficiais foram presos e levados para a base area de Braslia, foco da sublevao, onde
tambm ficou detido o ministro do STF Vitor Nunes Leal. O presidente em exerccio da Cmara dos Deputados,
deputado Clvis Mota, foi recolhido ao DFSP. Os rebeldes, chefiados pelo sargento da Aeronutica Antnio de
Prestes Paula, receberam o apoio de deputados da Frente Parlamentar Nacionalista, que compareceram base area. Cerca de 12 horas depois de sua ecloso, o levante foi sufocado por tropas do Exrcito. Para maiores
informaes sobre o movimento dos sargentos, ver: PARUCKER, Paulo. Praas em p de guerra: o movimento
poltico dos subalternos militares no Brasil (1961-1964). Dissertao (Mestrado em Histria). Universidade
Federal Fluminense UFF, Niteri, 1992. 33 E a nossa dignidade, onde fica? Que respeito merece o voto do povo, quando dado a um filho de peo de estncia e no a um protegido do IBAD? [...] Permitiram nossas candidaturas. Depois permitiram o voto popular.
Depois, tratam-nos como se fossemos homens sem brio e sem dignidade. Obrigam-nos a desempenhar o papel de
marginais na sociedade brasileira. Manifesto de Almor Zoch Cavalheiro publicado em ltima Hora, em 13 de setembro de 1963. p. 5.
21
fundamental das reivindicaes do seu grupo, junto ao governo e Congresso, a derrubada do
preceito da Carta Magna que impedia a elegibilidade dos sargentos34.
Verifica-se em seus pronunciamentos da poca o apoio de Brizola para as demandas dos
praas: O grupo de conciliao, sempre pressionando, gerou no seio do governo uma
tendncia e mentalidade nas quais se inspirou o Supremo Tribunal Federal para decidir contra
os sargentos35. Remoes de sargentos j tinham sido efetuadas pelos Ministros da Guerra,
tanto Amaury Kruel como Jair Dantas Ribeiro. Brizola aparecia como um representante36 das
demandas dos subalternos militares no Parlamento Federal. Abelardo Jurema37 afirmava o seu
conhecimento sobre essa crise militar, pois:
Sabia que de h muito havia descontentamento entre os sargentos das trs armas, pois
o prprio general Jair Dantas me pedira, certa vez, para influir no adiamento do
julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do caso do mandato do deputado
Sargento Garcia. [...] Alm do mais, era do meu conhecimento que deputados apoiavam e estimulavam essas reivindicaes. Na rea sindical, por outro lado, o
apoio era integral.
De forma mais generalizada, as relaes entre militares e a poltica aparece como um
tema analisado por diversos autores como Alfred Stepan38, Alexandre Barros39, Vanda Maria
Costa40 e Francisco Ferraz41, As experincias de militares exercendo cargos executivos,
principalmente durante a ditadura civil-militar (1964-1985), so conhecidas. A tentativa de
aproximao das demandas de crculos militares com a ao poltica de protagonistas
importantes do cenrio poltico-partidrio nacional, tais como Brizola, por exemplo, contudo,
mereceria uma anlise detalhada.
Procurou-se uma abordagem para alm da homogeneizao das Foras Armadas
Brasileiras. Apesar da oficialidade castrense golpista de 196442, existiam ainda posies
34 VICTOR, Mrio. Cinco anos que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1965. P. 495. 35 LTIMA HORA. Porto Alegre, 13 de setembro de 1963. p. 7. 36 Os companheiros da Marinha concebiam Brizola como um smbolo, assim como Jango, do programa nacionalista e progressista. [...] Brizola representava a possibilidade de atendimento de nossas reivindicaes. CAPITANI, Avelino Bioen. Depoimento [julho/2008]. Entrevistador: C. Rolim. Porto Alegre: [s.l.], 2008. 37 Depoimento de Abelardo Jurema, Ministro da Justia do Governo Goulart. In: JUREMA, Abelardo. Sexta-
Feira, 13: os ltimos dias do Governo Joo Goulart. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1964. p. 108-109. 38 STEPAN, A. Op. cit. 39 BARROS, Alexandre. The Brazilian military: professional socialization, political performance and state
building. Tese (Doutorado em Histria) - University of Chicago, 1978. 40 COSTA, Vanda Maria. A Escola Superior de Guerra: um estudo de currculos e programas. Dissertao
(Mestrado). Iuperj, 1978. 41 FERRAZ, Francisco. sombra dos carvalhos: militares e civis na formao e consolidao da Escola
Superior de Guerra. Dissertao (Mestrado em Histria) - USP, So Paulo, 1996. 42 Para um melhor entendimento sobre a trajetria e ao poltica da oficialidade golpista de 1964, ver:
SVARTMAN, Eduardo Munhoz. Guardies da nao: Formao profissional, experincias compartilhadas e
22
discordantes em relao s posturas conservadoras defendidas por generais e oficiais
antinacionalistas. A presente pesquisa justificou-se a partir da constatao de que os grupos
subalternos militares, que apoiavam as posies nacionalistas de alguns oficiais, e suas
articulaes com polticos que se aproximavam desse nacionalismo, merecem tambm uma
anlise mais aprofundada.
A histria dos grupos sociais subalternos desagregada e episdica. Na atividade
histrica desses grupos existe tendncia unificao, ainda que em termos provisrios, [...]
mas essa tendncia rompida pela iniciativa dos grupos dominantes. Os grupos subalternos
sofrem a iniciativa dos grupos dominantes, mesmo quando se rebelam e insurgem: s a vitria
permanente rompe, e no imediatamente, a subordinao. Por isto, todo trao de iniciativa
autnoma por parte dos grupos subalternos deve ser de valor inestimvel para o historiador43.
A politizao das Foras Armadas no Brasil, fenmeno bastante anterior ao golpe civil-
militar de 1964, era marcante tambm nas dcadas de 1950 e 1960. Entre 1930 e 1964, as
Foras Armadas estiveram divididas em duas tendncias principais cujos enfrentamentos
pblicos interrompiam a vida poltica. Os apoiadores de Vargas e seus herdeiros, empunhando
a bandeira do nacionalismo, e os liberais conservadores, antinacionalistas. No somente
ocorria que o setor hegemnico das Foras Armadas sancionava e ratificava os resultados
eleitorais, [...] todos os governos tinham que neutralizar seus adversrios nas Foras Armadas
com o objetivo de ter uma liberdade de ao. Sem tal dispositivo militar, expresso semi-
oficial que se referia ao que era virtualmente uma instituio, a estabilidade poltica era
inalcanvel44.
Em termos metodolgicos a pesquisa buscou documentos que poderiam contribuir para
a soluo da problemtica estabelecida. Os pronunciamentos proferidos por Leonel Brizola
enquanto governador do Estado e tambm enquanto deputado federal foram analisados. Os
Anais da Assemblia disponibilizam as Mensagens do Governador Assemblia Legislativa,
durante os anos em que Brizola esteve frente do Executivo Estadual.
A publicao reunindo alguns dos principais discursos de Brizola, lanada pela
Assemblia Legislativa do Rio Grande do Sul45, foi de grande valia para uma cuidadosa
engajamento poltico dos generais de 1964. Tese (Doutorado em Cincia Poltica) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. 43 GRAMSCI, Antonio. Caderno 25 (1934): s margens da histria (histria dos grupos sociais subalternos). In:
______. Cadernos do crcere. Vol. 5. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2002. 44 ROUQUI, Alain; SUFFERN, Stephen. Los militares em la poltica latino-americana desde 1930. In:
BETHELL, Leslie (org.) Histria da Amrica Latina: poltica y sociedade desde 1930. Barcelona: Crtica, 1997.
p. 296. 45 BRAGA, Kenny (org.). Perfis parlamentares: Leonel Brizola: perfil, discursos e depoimentos (1922-2004).
Porto Alegre: Assemblia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2004.
23
investigao de seu contedo. Depoimentos de polticos, militares, intelectuais e militantes do
incio dos anos de 1960, publicadas por Dnis de Moraes46, Celso Castro e Maria Celina
DArajo47 e Jos Caldas da Costa48, foram utilizados juntamente com as memrias de ex-
militares49, de polticos50 e de militantes51 do perodo estudado. Utilizou-se na presente
pesquisa a anlise de depoimentos impressos e entrevistas concedidas ao autor, por parte de
polticos52, militantes53 e ex-militares54 atuantes na conjuntura delimitada. Nessas entrevistas,
alm de realizar um resgate do histrico de vida de cada entrevistado, pretendeu-se coletar o
mximo de informaes sobre a movimentao dos subalternos militares (principalmente, no
caso dos militares, a repercusso dentro das Foras Armadas) e suas vinculaes com setores
poltico-partidrios, Brizola em especial. Buscou-se tambm identificar at que ponto existia
uma efetiva influncia de Brizola sobre os militares. Em relao aos entrevistados civis, os
seus depoimentos serviram para fornecer subsdios para pesquisa no sentido de analisar as
consequncias polticas da aproximao de Brizola com os militares.
Os relatos dos atores sociais desse perodo ganham legitimidade a partir do
reconhecimento da subjetividade presente em seus depoimentos. A guinada subjetiva impe-
se como um reordenamento ideolgico e conceitual da sociedade do passado e de seus
46 MORAES, Dnis de. A esquerda e o golpe de 64. Rio de Janeiro: Espao e Tempo, 1989. 47 CASTRO, Celso; DARAJO, Maria; SOARES, Glucio Ary Dillon (orgs.). Vises do golpe: a memria militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 1994. Alm dessa referida obra, destaca-se: CASTRO, C.
DARAJO, M. Op. cit. 48 CALDAS, J. Op. cit. 49 ABREU, Hugo. Tempo de Crise. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980; BASTOS, Joaquim Justino Alves.
Encontro com o tempo. Porto Alegre: Editora Globo, 1966; BASTOS, Paulo de Mello. Salvo conduto: um vo
na histria. Rio de Janeiro: Garamond, 1998; CAPITANI, Avelino Bioen. A rebelio dos marinheiros. 2. ed.
So Paulo: Expresso Popular, 2005; CONSERVA, Paulo. Navegando no exlio: memrias de um marinheiro.
Joo Pessoa: EGN Empresas Grficas do Nordeste, 1991; DUARTE, Antnio. A luta dos marinheiros. Natal: Diorama, 2009; FELIPE, Amadeu. Entrevista deste sargento em exerccio no perodo estudado. In: COSTA, Jos
Caldas da. Capara: a primeira guerrilha contra a ditadura. So Paulo: Boitempo Editorial, 2007; FELIPE,
Amadeu. In: RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revoluo brasileira. So Paulo: Editora da Universidade
Estadual Paulista, 1993; FIGUEIREDO, Poppe de. A Revoluo de 1964: um depoimento para a histria ptria.
Rio de Janeiro: APEC Editora, 1970; MENDES, Selva Corra. Sargento tambm povo. Joo Pessoa: 2000;
MOURO FILHO, Olmpio. Depoimento do ento general. COOJORNAL. Edio especial de agosto de 1978;
RODRIGUES, Jelcy Corra. Depoimento do ento sargento da Aeronutica. In: COSTA, Jos Caldas da.
Capara: a primeira guerrilha contra a ditadura. So Paulo: Boitempo Editorial, 2007; SILVA, Jos Wilson. O
reacionarismo militar na Terra de Santa Cruz. Porto Alegre: Editora Sulina, 1989; SILVA, Jos Wilson. O
tenente vermelho. Porto Alegre: Tch, 1987; VIEGAS, Pedro. Trajetria rebelde. So Paulo: Cortez Editora,
2004 50 KLCKNER, Luciano. O dirio poltico de Sereno Chaise: 60 anos de histria. Porto Alegre: Age, 2007. 51 TAVARES, Flvio. Memrias do esquecimento. 4. ed. So Paulo: Globo, 1999; GUARAGNA, Joo Carlos.
Brizola: a revoada do exlio histrias de um pombo correio. Porto Alegre: Rigel, 1992; VARGAS, ndio. Guerra guerra, dizia o torturador. Rio de Janeiro: 1981. 52 Sereno Chaise, Mateus Schmidt, Trajano Ribeiro. 53Antnio de Pdua Ferreira da Silva. 54
Jos Wilson da Silva, Almor Zoch Cavalheiro, Avelino Bioen Capitani, dio Erig, Nei de Moura Calixto,
Avelino Iost, Jelcy Corra Rodrigues, Ly Adorno de Carvalho, Araken Vaz Galvo, Carlos Alberto Telles Frank,
Pedro Alvarez, Raimundo Porfrio Costa.
24
personagens, que se concentra nos direitos e na verdade da subjetividade, embasando a
iniciativa reconstituidora das dcadas de 1960 e 197055. Restaurou-se a razo do sujeito, que
foi, h dcadas, mera ideologia ou falsa conscincia, isto , discurso que encobria esse
depsito escuro de impulsos ou mandatos que o sujeito necessariamente ignorava.
A crise de ideia de subjetividade, com o triunfo do estruturalismo especialmente na
dcada de 1970, parece superada com a guinada empreendida pelos estudos da memria56 e da
memria coletiva. Ocorre a restaurao da primazia desses sujeitos expulsos durante os anos
anteriores. Abriu-se um novo captulo, que poderia se chamar de O sujeito ressuscitado57 .
A importncia desses estudos a partir da memria coletiva, utilizada como fonte, passa a
ser considerada por historiadores que trabalham com perodos histricos recentes. O estudo da
memria social um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da histria,
relativamente aos quais a memria est ora em retraimento, ora em transbordamento. Assim, a
memria a matria-prima da histria, ou seja, onde cresce a histria, que por sua vez a
alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro58. A histria pode
ampliar, completar, corrigir, inclusive refutar o testemunho da memria sobre o passado; mas
no pode abolir-lo59.
O testemunho transforma-se em um importante recurso para a reconstituio do passado.
O depoimento em primeira pessoa consolida-se como a forma privilegiada diante de discursos
dos quais ela est ausente ou deslocada. A narrao da experincia est relacionada com uma
presena real do sujeito na cena do passado. No h testemunho sem experincia. Tambm
no h experincia sem narrao, pois a linguagem liberta o aspecto no dito da experincia,
redime-a de seu imediatismo ou de seu esquecimento e a transforma no comunicvel. A
narrao inscreve a experincia numa temporalidade que no a de seu acontecer (ameaado
desde seu prprio comeo pela passagem do tempo e pelo irrepetvel), mas a de sua
lembrana60.
A memria caracteriza-se como uma reconstruo psquica e intelectual que acarreta
uma representao seletiva do passado, um passado que no somente aquele do indivduo,
55 SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memria e guinada subjetiva. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 2007. p. 18. 56 A memria uma fonte crucial para a histria, mesmo (e especialmente) em suas tergiversaes, em seus
deslocamentos e negaes, que colocam enigmas e perguntas abertas pesquisa. JELIN, Elizabeth. Los trabajos
de la memria. Madri: Siglo XXI, 2002. p. 75. 57 SARLO, B. Op. cit. p. 30. 58
LE GOFF, Jacques. Histria e memria. Campinas: Editora da UNICAMP, 1996. p. 477. 59 RICOEUR, Paul. La memria, la historia, el olvido. Madrid: Editorial Trotta, 2003. p. 648. 60 SARLO, B. Op. cit. p. 25.
25
mas sim de um indivduo inserido num contexto familiar, social, nacional. Segundo Nora61, a
memria coletiva caracterizada como o que fica do passado no vivido dos grupos, ou que os
grupos fazem do passado. Essa memria coletiva faz parte das grandes questes das
sociedades contemporneas. A expresso nosso prprio tempo desvia-se de uma questo
importante. Ela supe que uma experincia individual de vida tambm seja uma experincia
coletiva. [...] Porm, se deixarmos de lado esse quadro da histria contempornea que
construdo para ns e no qual encaixamos nossas prprias experincias, essas experincias
continuam sendo nossas62.
Toda a memria , por definio, coletiva63. Se o carter coletivo de toda a memria
individual evidente, todavia, [...] o mesmo no se pode dizer da ideia de que existe uma
memria coletiva, isto , uma presena e uma representao do passado compartilhadas nos
mesmos termos por uma coletividade.64 Uma ou mais pessoas podem descrever os fatos ou
objetos que vimos precisamente ao mesmo tempo que ns, e lembrando de tudo, reconstituir a
continuao inteira de nossos atos e palavras em circunstncias definidas.
Se as narraes testemunhais configuram-se como uma fonte importante para analisar as
conjunturas da segunda metade do sculo XX, ou seja, golpes de Estado e crimes das
ditaduras, contudo, os testemunhos dos militantes, intelectuais, polticos, religiosos ou
sindicalistas das dcadas anteriores no so a nica fonte de conhecimento. A evidncia oral
pode ser avaliada, julgada, comparada e citada paralelamente ao material de outras fontes65 .
A memria pessoal, matria-prima da histria oral, constitui-se como um meio perigoso
de se preservar acontecimentos. A questo que a memria menos uma gravao que um
mecanismo seletivo, e a seleo, dentro de certos limites, constantemente mutvel. [...] A
fonte ora parece correta, ora no. claro que tambm podemos compar-la com alguma fonte
independente verificvel e aprov-la porque pode ser confirmada por tal fonte66.
O enfoque dos historiadores sobre um problema histrico que escolheram, optando por
utilizar evidncia oral juntamente com outras fontes, e no sozinha. Os recursos do historiador
que utiliza a tcnica da histria oral so as regras gerais para o exame de evidncias: buscar a
consistncia interna, procurar confirmao em outras fontes, e estar alerta quanto ao vis
61 NORA, Pierre. Les lieux de mmoire. Paris: Gallimard, 1997. 62 HOBSBAWM, Eric. Sobre histria. So Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 244. 63 Cf. HALBWACHS, Maurice. Mmoire coletive et mmoire individuelle. In: ______. La mmoire coletive.
Paris: Presses Universitaries de France, 1968. 64 ROUSSO, Henry. La mmoire nest plus ce quelle tait. In: IHTP Institut dHistoire du Temps Prsent. crire lhistoire du temps prsent. Paris: CNRS ditions, 1992. p. 106. 65 THOMPSON, Paul. A voz do passado: histria oral. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992. p. 305. 66 Ibid. p. 221.
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potencial67. O historiador, assim, no [...] esse juiz um pouco rabugento cuja imagem
desabonadora, se no tomarmos cuidado, facilmente imposta por certos manuais
introdutrios. No se tornou, certamente crdulo. Sabe que suas testemunhas podem se
enganar ou mentir. Mas, antes de tudo, preocupa-se em faz-las falar, para compreend-las68.
Espera-se do historiador, seguindo essa perspectiva, [...] uma certa qualidade de
subjetividade, no qualquer subjetividade, mas uma subjetividade que seja precisamente
apropriada objetividade que convm histria. Trata-se, pois, de uma subjetividade exigida,
exigida pela objetividade que se espera69.
Nas ltimas dcadas, a histria se aproximou da memria e aprendeu a interrog-la; a
expanso das histrias orais e das micro-histrias suficiente para provar que esse tipo de
testemunho obteve uma repercusso tanto acadmica como miditica. Da a importncia da
experincia em relao histria. inevitvel que nos situemos no continuum de nossa
prpria existncia. Assim como inevitvel fazer comparaes entre passado e presente. No
podemos deixar de aprender com isso, pois o que a experincia significa. Os historiadores
configuram-se em um banco de memria da experincia. E na medida em que compilam a
memria coletiva do passado, as pessoas na sociedade contempornea confiam neles70 .
O sujeito no s tem experincias como pode tambm comunic-las, da a legitimidade
de seu testemunho. Ao fazer isso, afirma-se como sujeito e atua no presente. Alguns dos
protagonistas das conjunturas recentes a serem analisadas esto operando no cenrio poltico
contemporneo, ou seja, caracterizam-se como participantes da luta poltica atual tendo razes
para participar dela e emitir no presente suas opinies sobre o que aconteceu. A convenincia
da histria oral reside em dar voz a esses sujeitos histricos. Ela pode ser utilizada para
alterar o enfoque da histria e revelar novos campos de investigao. Pode devolver s
pessoas que fizeram e vivenciaram a histria um lugar fundamental, mediante suas prprias
palavras71 .
Da a histria oral e o testemunho restiturem a confiana nessa primeira pessoa que
narra sua vida (privada, pblica, afetiva, poltica) para conservar a lembrana ou para reparar
uma identidade machucada. A construo de uma narrativa sobre o passado atravs de relatos
e representaes que lhes foram contemporneos constitui-se em uma modalidade da histria,
[...] no uma estratgia original da memria. A histria oral uma tcnica to antiga quanto
67 THOMPSON, P. Op. cit. p. 104. 68 BLOCH, Marc. Apologia da histria ou ofcio do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. p. 95-
96. 69
RICOEUR, Paul. Histria e verdade. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1968. p. 24. 70 HOBSBAWM, E. Op. cit. p. 37. 71 THOMPSON, P. Op. cit. p. 22.
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a prpria histria. Apenas recentemente que a habilidade em usar a evidncia oral deixou de
ser uma das marcas do historiador72. A utilizao da histria oral por parte dos historiadores
caracteriza-se, portanto, como uma descoberta e uma reconquista.
A ideia de que as fontes escritas sejam mais valoradas pelos historiadores parece
ingnua a partir da constatao de que um registro gravado pode abarcar um maior nmero de
detalhes em relao a um registro simplesmente escrito. Todas as palavras empregadas esto
ali exatamente como foram faladas. A elas se somam as nuances da incerteza, do humor ou do
fingimento. Ela transmite todas as qualidades distintivas da comunicao oral, em vez da
escrita73. Nesse aspecto reside a importncia da gravao, pois a fita um registro melhor e
mais completo do que no se encontrar em anotaes ou no formulrio preenchido de
qualquer entrevistador, e menos ainda nas atas de uma reunio.
Considera-se que so trs as principais posturas em relao ao status da histria oral. A
primeira defende que a histria oral constitui-se em uma tcnica, a segunda, uma disciplina e
a terceira, uma metodologia. Aos defensores da histria oral como tcnica interessam as
experincias com gravaes, transcries e conservao de entrevistas, e o aparato que as
cerca. s vezes tal opo resultado do tipo de relao que mantm com a histria oral
(atendimento a necessidades especficas de pesquisa ou deveres profissionais). Os que
entendem que a histria oral caracteriza-se como uma disciplina, afirmam que ela inaugurou
tcnicas especficas de pesquisa, procedimentos metodolgicos especficos e um conjunto
prprio de conceitos. Afirmam que a histria oral seria uma rea de estudos com objeto
prprio e capacidade de gerar no seu interior solues tericas para as questes surgidas na
prtica.
Os que acatam a ideia de que a histria oral constitui-se como uma metodologia,
afirmam que, no entendimento de Janana Amado e Marieta Ferreira74, assim como todas as
metodologias, ela apenas estabelece e ordena procedimentos de trabalho (diversos tipos de
entrevista e as implicaes de cada um deles para a pesquisa, as vrias possibilidades de
transcrio de depoimentos), funcionando como ponte entre teoria e prtica. Na histria oral o
objeto de estudo do historiador recuperado e recriado atravs da memria dos informantes,
pois a instncia da memria passa a nortear as reflexes histricas, acarretando
desdobramentos tericos e metodolgicos. Na histria oral existe a gerao de documentos
(entrevistas) que se configuram como resultado do dilogo entre entrevistador e entrevistado,
72 SARLO, B. Op. cit. p. 94. 73
THOMPSON, P. Op. cit. p. 147. 74 AMADO, Janana; FERREIRA, Marieta de Moraes. Apresentao. In: ______ (org.). Usos & abusos da
histria oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundao Getlio Vargas, 1996. p. 9.
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entre sujeito e objeto de estudo. Isso possibilita ao historiador afastar-se de interpretaes
fundadas numa rgida separao entre sujeito e objeto de pesquisa. Alm disso, [...] a
pesquisa com fontes orais apia-se em pontos de vista individuais, expressos nas entrevistas
que so legitimadas como fontes (seja por seu valor informativo, seja por seu valor
simblico), incorporando elementos e perspectivas s ausentes de outras prticas histricas75.
Assim, a histria oral legtima como fonte porque no induz a mais erros do que
outras fontes documentais e histricas. Busca-se tomar a entrevista, produzida como
documento, como uma verso do entrevistado sobre determinado perodo. A entrevista,
portanto, no documenta nada alm de uma verso do passado76. Valoriza-se esse tipo de
fonte no momento em que ela possibilita a recuperao do vivido pelos atores que
vivenciaram determinada conjuntura. Logo, [...] dois elementos caracterizam o documento
de histria oral e o diferem dos demais documentos tradicionais e historicamente aceitos: a
espontaneidade do registro da informao gravada e a intencionalidade da preservao para o
futuro77.
A histria do tempo presente, perspectiva temporal por excelncia da histria oral,
legitimada como objeto da pesquisa e da reflexo histricas. Essa perspectiva histrica, [...]
mais do que qualquer outra, por natureza uma histria inacabada, uma histria em constante
movimento, refletindo as comoes que se desenrolam diante de ns e sendo, portanto, objeto
de uma renovao sem fim78 .
Alm de ser uma histria inacabada, a histria do tempo presente carece de limitaes
cronolgicas e fixas. Logo, por histria do presente (recente, do tempo presente, ou prxima,
conceitos todos eles vlidos) considera-se a possibilidade de anlise histrica da realidade
social vigente, que comporta uma relao de coetaneidade entre a histria vivida e a escrita
dessa mesma histria, entre os atores e testemunhas da histria e os prprios historiadores79 .
O historiador, nessa perspectiva histrica, muitas vezes contemporneo ou no muito
distante dos acontecimentos que pretende analisar. Torna-se indispensvel refletir em termos
de presena do historiador em seu tema presena direta ou indireta no tempo, presena
intelectual, moral, filosfica, ou mais simplesmente psicolgica e fsica80.
75 Ibid. p. 14. 76 ALBERTI, Verena. Histria Oral: a experincia do CPDOC. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1999. p. 5. 77 CORRA, Carlos Humberto. Histria oral: teoria e tcnica. Florianpolis: Universidade Federal de Santa
Catarina, 1978. p. 15. 78 BDARIDA, Franois. Temps prsent et prsence de lhistoire. In: IHTP Institut dHistoire du Temps Prsent. crire lhistoire du temps prsent. Paris: CNRS ditions, 1992. p. 401. 79
CUESTA, Josefina. Historia del presente. Madrid: EUDEMA S.A., 1993. p. 11. 80 CHAUVEAU, Agnes; TTART, Philippe. Questes para a histria do presente. In: ______(orgs.). Questes
para a histria do presente. Bauru: EDUSC, 1999. p. 30.
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Como caracterstica importante dessa histria do presente, destaca-se a proximidade
temporal da redao da obra em relao ao tema tratado e proximidade material do autor em
relao crise estudada. Prxima, participante, ao mesmo tempo rpida na execuo e
produzida por um ator ou uma testemunha vizinha do acontecimento, da deciso analisada81.
O historiador aproxima-se do seu objeto de pesquisa, seja materialmente ou seja
temporalmente, atravs do contato com suas fontes (entrevistas, depoimentos,
pronunciamentos, publicados ou no).
A histria do presente busca romper com a histria positivista, que vincula
fundamentalmente histria com o passado, um passado desvinculado epistemologicamente do
presente. Pretende, assim, relacionar aes e acontecimentos ocorridos no passado com a
conjuntura do presente, pois no podemos esquecer que o objeto da histria o estudo das
sociedades no tempo, no exclusivamente no passado82.
A histria contempornea nasce e se desenvolve no presente, e o historiador que assiste
sua criao infinita no presente deve recri-la, reconstru-la, segundo as questes e os
problemas do seu presente83. Assim, o estudo do passado acaba imbricando-se com o estudo
do presente e com uma previso sobre o futuro. Em algum lugar entre o passado e o futuro h
um ponto imaginrio, mas constantemente mvel, que se pode chamar de presente. possvel
que haja razes tcnicas para se diferenciar passado e futuro. Tambm pode haver razes
tcnicas para distinguir o presente do passado. A maior parte da ao humana consciente
baseada em aprendizado, memria e experincia, constitui um vasto mecanismo para
comparar constantemente passado, presente e futuro. As pessoas no podem evitar a tentativa
de antever o futuro mediante alguma forma de leitura do passado84.
Sobretudo a partir de 1945, a histria poltica tradicional passa progressivamente a ser
alvo predileto de diversas correntes terico-metodolgicas: Annales, marxismo(s),
estruturalismo(s), quantitativismo(s) etc. No entanto, necessrio no esquecer duas coisas:
as novas perspectivas abertas ao estudo histrico da poltica e do poder e o carter relativo do
declnio da histria poltica tradicional85. Alm disso, no se deve esquecer que os
historiadores do poltico constituram a vanguarda da histria do presente. O retorno do
81 LACOUTURE, Jean. A histria imediata. In: LE GOFF, Jacques. A histria nova. So Paulo: Martins Fontes,
1990. p. 217. 82 CUESTA, J. Op. cit., p. 25. 83 RODRIGUES, Jos Honrio. Filosofia e histria. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p. 30. 84
HOBSBAWM, E. Op. cit. p. 50. 85 FALCON, Francisco. Histria e poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.).
Domnios da histria: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. p. 69.
30
poltico desempenhou, pois, cientfica e intelectualmente, um papel essencial na afirmao da
histria do presente86.
O renascer da histria poltica contrape-se ao perodo de desprestgio da poltica
enquanto aspecto a ser abordado pela pesquisa histrica. Superando o perodo em que o reino
do poltico, da poltica e dos polticos (poltica terica, poltica prtica e homens polticos) era
o reino da poltica87, a histria poltica retorna com fora, assumindo os mtodos e a
abordagem terica prpria daquelas cincias sociais que a tinham empurrado para o segundo
plano. A principal contribuio [...] da sociologia e da antropologia para a histria poltica
foi terem imposto com seu conceito e objetivo central a noo de poder e os fatos relativos ao
poder. [...] O fenmeno do poder a encarnao epistemolgica da poltica no presente. Para
passar da poca da anatomia para a do tomo, a histria poltica no pode continuar a
considerar-se a ossatura da histria, mas continua a ser, no entanto, o seu ncleo88.
A construo do presente trabalho monogrfico insere-se na perspectiva da histria
poltica. A partir dos anos 1980, o renascimento da histria poltica foi provocado, suscitado,
pela rediscusso dos conceitos clssicos e das prticas tradicionais. Neste ponto, a contestao
de que foi objeto a histria poltica lhe foi muito salutar: o desafio fustigou a imaginao e
estimulou a iniciativa89. Assim, a histria poltica no pode deixar sem referncia os setores
sociais, grupos tnicos, mentalidades etc90. Os temas clssicos da histria poltica, tais como
partidos, eleies, Estado, a guerra, a diplomacia, so discutidos, assim, como novos objetos,
como a mdia, a opinio pblica, as biografias e trajetrias polticas. Os objetos da histria
poltica so todos aqueles que so atravessados pela noo de poder 91 .
Os autores que trabalham com histria poltica, nas ltimas dcadas do sculo XX92,
caracterizam-se por marcar suas prprias distncias em relao aos desvios da histria poltica
tradicional. Apropriaram-se inclusive de mtodos e teorias produzidos em especial por
86 CHAUVEAU, A; TTART, P. Op. cit. p. 14. 87 LE GOFF, Jacques. A poltica ser ainda a ossatura da histria? In: ______. O maravilhoso e o quotidiano no
ocidente medieval. Lisboa: Edies 70, 1985. p. 225. 88 Ibid. p. 227. 89 RMOND, Ren. Uma histria presente. ______ (org.). Por uma histria poltica. 2 ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2003. p. 26. 90 IGLSIAS, Francisco. Trajetria poltica do Brasil. So Paulo: Cia das Letras, 1993. p. 9. 91 BARROS, Jos dAssuno. Os campos da Histria no sculo XX. Ler Histria. Lisboa, n. 49, 2005. p. 90. 92 Esses autores encontram-se aglutinados em torno da Fondation Nationale des Sciences Politiques e da
Universidade de Paris X- Nanterre, em sua maioria ingressaram na vida acadmica francesa na dcada de 1950,
no auge da hegemonia do modelo de histria proposto pela chamada cole des Annales. A partir dessa situao
de predomnio de uma histria econmico-social, voltada para a longa durao, que esses pesquisadores optaram
por dedicar-se histria poltica, ento vista como a sntese de todos os males, caminho que todo bom
historiador deveria evitar. Os caminhos percorridos pelos autores so diferentes, mas um ponto parece comum a
todos, ou seja, a referncia da noo de que o poltico constitui-se como domnio privilegiado de articulao do
todo social. FERREIRA, Marieta de Moraes. Apresentao. In: RMOND, Ren. Por uma histria poltica. 2
ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. p. 5-8.
31
cientistas sociais, com o objetivo de produzir abordagens inovadoras e hipteses cientficas no
campo da histria poltica, e redefiniram alguns dos antigos objetos da histria poltica
tradicional93, sempre defendendo que o campo poltico apresenta uma certa autonomia em
relao aos fatores exteriores (foras geogrficas, econmicas ou outras)94.
Essa histria poltica, logo, caracteriza-se por ser produzida a partir de diferentes
realidades que, inter-relacionadas no seu conjunto, constituem dinmicas sociais conflituosas
ou consensuais95. Os sujeitos construtores da histria poltica so diversos e representam
interesses plurais prprios realidade humana. So sujeitos individuais que escolhem a vida
pblica como profisso, ou se inserem nas lutas sociais como militncia. So sujeitos
coletivos institucionais, como organizaes polticas e partidos que renem pessoas que tm
como identidade o compartilhamento de projetos comuns ainda que somente no terreno da
teoria para a sociedade ou o para o pas nos quais esto inseridos96 .
O ponto em comum de um dos principais grupos de historiadores que participaram das
discusses de renascimento da histria poltica, o qual chamarei de grupo de Nanterre, tendo
Ren Rmond - organizador da obra Por uma histria poltica - como um dos principais
participantes, se caracteriza pelo destaque do campo poltico condicionando e sendo
condicionado pelos demais setores, tais como o social, o econmico etc. Rmond exprime a
convico de que os fenmenos polticos possuem uma autonomia suficiente para constituir
uma realidade distinta97. O domnio do poltico expansivo, ou seja, tanto se retrai para se
reduzir a um campo restrito, quanto se dilata para englobar a quase totalidade dos problemas e
fenmenos sociais. Sendo o espao pblico o espao por excelncia do campo poltico98 .
Dos temas mais estudados pelo grupo de Nanterre, destacam-se: a histria das relaes
internacionais, a autonomizao da histria militar, a histria da vida poltica (eleies,
partidos), histria da opinio pblica (ou histria das representaes polticas), histria das
polticas pblicas e histria do tempo presente. Este grupo trabalha, em especial, sob a tica
93 FALCON, F. Op. cit. p. 77. 94 NOIRIEL, Gerard. Lhistoire politique: contours et dtours. In: ______. Quest-ce que lhistoire contemporaine? Paris: Hachette Livre, 1998. p. 167. 95 DELGADO, Luclia de Almeida Neves. Partidos polticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e
conflitos na democracia. In: ______; FERREIRA, Jorge (org.). Brasil Republicano - o tempo da experincia
democrtica: da democratizao de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,
2003. p. 129. 96 Idem. 97 NOIRIEL, G. Op. cit. p. 169. 98 Rmond, dez anos aps a publicao de Por uma histria poltica, rene-se com o alguns intelectuais do
grupo de Nanterre, e participa da organizao da obra Axes e mthodes de lhistoire politique, tendo por objetivo a retomada das discusses acerca da histria poltica, atravs de um balano de uma dcada de pesquisas e
debates. RMOND, Ren. Introduction. In: BERNSTEIN, Serge; MILZA, Pierre. Axes e mthodes de lhistoire politique. Paris: Presses Universitaires de France, 1998. p. XIV- XV.
32
da histria da poltica99, ou seja, referente anlise da tomada de decises polticas no que
concerne esfera pblica, polis ou comunidade100 .
Para diferenciar-se do grupo majoritrio da histria poltica, um outro grupo de
historiadores reinicia o desenvolvimento de uma histria do poltico. Defensores desta
abordagem, eles estabelecem como objetivo cuidar da construo do sujeito histrico poltico.
Para eles, no suficiente fazer a histria dos fenmenos polticos, como faz,
preferencialmente, o grupo anteriormente mencionado. Esses fenmenos devem, previamente,
ter sido concebidos pelo historiador, o que exige uma abertura para as disciplinas tericas que
fornecem as ferramentas necessrias para o empreendimento101. Nessa histria do poltico, os
historiadores no detm a hegemonia102, pois os filsofos e socilogos que possuem um
interesse pela dimenso histrica dos fenmenos polticos ocupam a mesma posio
predominante nos programas de pesquisas.
Para a histria do poltico, esses fenmenos devem ser conceitualizados pelo historiador,
o que s possvel atravs de uma abertura s outras disciplinas que fornecem as ferramentas
tericas. O poltico, para essa escola, corresponde a um campo e a um trabalho. Como campo,
remete existncia de uma sociedade que aparece ante os olhos de seus membros formando
uma totalidade prevista de sentido. Enquanto trabalho, qualifica o processo pelo qual um
agrupamento humano toma progressivamente as caractersticas de uma verdadeira
comunidade, ou seja, constituda pelo processo sempre conflituoso de elaborao de regras
que do forma vida na plis103.
O poltico, assim, aparece como o centro nervoso onde a sociedade se institui, se
organiza em regras de convivncia de forma consciente e racional, constituindo uma forma de
existncia da vida comunitria e uma forma de ao coletiva que se diferencia do exerccio da
poltica (atitude prtica). O poltico a reflexo sobre a atitude prtica feita pela sociedade104 .
Pessimista em relao democracia moderna, Rosanvallon aponta o equvoco sobre o
sujeito dessa democracia, pois o povo no existe seno atravs de representaes
99 A poltica entendida como a arte de chegar a decises atravs do debate e de obedecer a essas decises como
uma condio necessria para a existncia social civilizada. FINLEY, Moses. Democratie antique et democratie
moderne. Paris: Petite bibliotheque payot, 1973. p. 13. 100 O termo poltica, portanto, deixou de existir no contedo institucional prtico, tornou-se auto-conscincia, que
d vida ao grupo ou indivduos reunidos em uma mesma comunidade, sua prpria natureza humana.
VERNANT, Jean-Pierre. Les cits grecques et la naissance du politique. In: BERNSTEIN, S; MILZA, P. Op. cit.
p. 7. 101 NOIRIEL, G. Op. cit. p. 179. 102 Idem. 103
ROSANVALLON, Pierre. Por uma historia conceptual de lo poltico. Buenos Aires: Fondo de Cultura
Econmica, 2003. p. 16. 104 Ibid. p. 17-20.
33
aproximativas e sucessivas de si mesmo. Com o sufrgio universal a soberania popular se
expressa atravs de instituies representativas que no conseguem encontrar a maneira de
elev-las prtica, existindo, portanto, uma tenso permanente entre liberdade (emancipao
e autonomia dos indivduos) e poder (projeto de participao no exerccio do poder social)105.
A histria do poltico busca reconstruir a maneira como os indivduos e os grupos
elaboram sua compreenso das situaes, como os homens pensam e transformam seus
pensamentos em aes106, como os indivduos entendem a poltica. O objeto da histria do
poltico caracteriza-se por compreender a formao e a evoluo das racionalidades polticas,
isto , do sistema de representao que comanda a maneira como uma poca, um pas ou
grupos sociais conduzem sua ao e visam o seu futuro. Resulta de um trabalho permanente
de reflexo da sociedade sobre ela mesma, ou como ela pensa conceitualmente a si mesma em
determinada poca107 .
Apesar de alguns pontos discordantes, as duas perspectivas histricas (histria da
poltica e histria do poltico) possuem pontos em comum. A aproximao entre as duas
escolas reside no fato de que ambas consideram que a pesquisa histrica deve responder a
uma demanda social108. Assim, a pesquisa se justifica a partir da constatao de que o perodo
anterior ao golpe civil-militar de 1964, conjuntura fundamental para a histria poltica
republicana, merece mais estudos.
Durante a presente pesquisa utilizo ambas perspectivas, ou seja, tanto a anlise dos
partidos polticos da conjuntura delimitada, quanto a constatao de como os atores histricos
entendem a poltica enquanto uma esfera de tomada de decises racionais de uma
comunidade. A partir dessa ltima abordagem, qual seja, a de entender como os atores vem a
poltica, ou histria do poltico, busca-se romper com a ideia de classes sociais em bloco ou a
utilizao de conceitos como classe mdia, classe popular, povo, massas, referenciais
utilizados por considervel parte da historiografia sobre o perodo, em especial durante os
anos de 1970 e 1980.
O problema do ator social configura-se como um dos problemas centrais da histria.
necessrio estabelecer alguns matizes, pois o mesmo indivduo pode pertencer a ma