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PATRÍCIA CORREIA DE OLIVEIRA
COESÃO SOCIAL, EFICÁCIA COLETIVA E CRIMINALIDADE: O
CASO DE SANTO AMARO
Recife
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGS
MESTRADO ACADÊMICO
PATRÍCIA CORREIA DE OLIVEIRA
COESÃO SOCIAL, EFICÁCIA COLETIVA E CRIMINALIDADE: O
CASO DE SANTO AMARO
Dissertação de Mestrado apresentada à
banca examinadora do Programa de Pós-
Graduação em Sociologia da
Universidade Federal de Pernambuco,
como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestra em Sociologia, sob a
orientação do Prof. Dr. José Luiz de
Amorim Ratton Júnior.
Linha de pesquisa: Organizações,
Espacialidade e Sociabilidade.
Recife
2016
ATA DA DEFESA DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO, DO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA DO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, NO DIA
15 DE MARÇO DE 2016.
Aos quinze dias do mês de março de dois mil e dezesseis (2016), às 14:30 horas, na sala de defesa de teses do 3º andar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco, em sessão pública, teve início a defesa da Dissertação intitulada “Coesão Social, Eficácia Coletiva e Criminalidade: o caso de Santo Amaro” da aluna PATRÍCIA CORREIA DE OLIVEIRA, na área de concentração mudança social, sob a orientação do Prof. José Luiz de Amorim Ratton Júnior. A mestranda cumpriu todos os demais requisitos regimentais para a obtenção do grau de MESTRA em Sociologia. A Banca Examinadora foi indicada pelo Colegiado do programa de pós-graduação em 18 de dezembro de 2015, na sua décima segunda Reunião ordinária e homologada pela Diretoria de Pós-Graduação, através do Processo Nº 23076.012407/2016-77 em 02/03/2016, composta pelos Professores: Dr. José Luiz de Amorim Ratton Júnior (Orientador), do Departamento de Sociologia da UFPE; Dr. Josimar Jorge Ventura de Morais (Presidente/Titular interno), do Departamento de Sociologia da UFPE e Dra. Marcela Zamboni Lucena (Titular externa), do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPB. Após cumpridas as formalidades, a candidata foi convidada a discorrer sobre o conteúdo da Dissertação. Concluída a explanação, a candidata foi arguida pela Banca Examinadora que, em seguida, reuniu-se para deliberar e conceder à mesma a menção Aprovado da referida Dissertação. E, para constar, lavrei a presente Ata que vai por mim assinada, Secretária de Pós-Graduação, e pelos membros da Banca Examinadora.
Recife, 15 de Março de 2016.
Karine Mendes da Silva Secretária do Programa de
Pós-graduação em Sociologia
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. José Luiz de Amorim Ratton Júnior
Prof. Dr. Josimar Jorge Ventura de Morais
Profª Drª Marcela Zamboni Lucena
AGRADECIMENTOS
Agradecer, por vezes, se torna uma das tarefas mais injusta a se fazer. É um momento
que, quase sempre, esquecemos pessoas que são ou foram importantes para a consolidação e
conclusão de um trabalho acadêmico. Agradecer, realmente não é fácil. Sendo assim,
inicialmente quero agradecer a todos que, direta ou indiretamente, me auxiliaram no
andamento e conclusão desse trabalho. As boas energias, as mensagens de carinho, as
ligações telefônicas de incentivo e preocupação foram fundamentais nos momentos em que
pensei que todos os prazos iam se esgotar ou nos momentos em que a trajetória desse
empreendimento ficou muito mais que cansativa. Com medo de cometer injustiças, não
nomearei as pessoas com quem compartilhei momentos de entusiasmo, de empolgação, de
medo, de insegurança durante os anos de minha formação neste mestrado, pessoas que desde
o curso de Licenciatura em Ciências Sociais até aqui, se tornaram referência de amizade e
companheirismo. A vocês, amigos e amigas, meus sinceros agradecimentos.
Quero registrar aqui um agradecimento especial ao meu orientador, Professor José
Luiz Ratton de Amorim Júnior, pela orientação neste trabalho. Agradeço principalmente pela
paciência e compreensão com relação aos meus atropelos pessoais, pelo incentivo e por
acreditar em minha capacidade acadêmica e profissional. Incentivo que se iniciou desde
minha chegada ao NEPS/UFPE, em 2008. Meus sinceros agradecimentos. Aproveito e deixo
aqui o meu agradecimento a todos (as) do NEPS, espaço rico de debates e desenvolvimento
de pesquisas, algumas das quais tive o imenso prazer em participar.
Agradeço também ao CNPq por viabilizar a execução dessa pesquisa através da
concessão da bolsa de estudos ao longo dos dois anos de mestrado. E ao corpo docente,
professores e professoras que fazem parte do PPPGS/UFPE, principalmente àqueles com
quem tive o prazer de estudar durante estes dois anos. Agradeço à secretaria do PPGS pelo
apoio, atenção e agilidade em resolver nossas pendências acadêmicas. Agradeço imensamente
aos grandes amigos e amigos que fiz durante o desenrolar do curso de mestrado, pelas
palavras de incentivos e pelas trocas e debates fecundos dentro e fora dos muros do CFCH,
obrigada turma.
Agradeço à professora Marcela Zamboni Lucena (UFPB) e ao professor Josimar Jorge
Ventura de Morais, por aceitarem participar da banca examinadora. Obrigada pela leitura e
sugestões.
Quero agradecer também as tias Denise e Arimar por sempre estarem presentes física e
simbolicamente me apoiando em minha trajetória profissional e acadêmica. Obrigada,
meninas. Agradeço a Walter David, pela amizade, carinho e compreensão pelas horas que
passava em frente ao computador e que nas horas de desespero sempre tinha um abraço
carinhoso para me confortar, obrigada.
Por fim, quero agradecer as pessoas mais importantes de minha vida: a minha mãe
Rejane, as minhas irmãs Estelita e Alessandra, ao meu irmão Felipe e aos meus sobrinhos
Gustavo, Izabelly e Vinícius. A vocês que sempre estão ao meu lado, em minhas longas e
tortas caminhadas e que sempre se mostraram confiantes até mesmo durante as minhas
quedas. Foi única e exclusivamente com o apoio de vocês, ou por vocês, que sempre consigo
levantar e seguir caminhando. Obrigada a vocês que tanto amo.
Choveu
e há lama em Santo Amaro
nas ruas
nas casas
vós contornais
eu não
a mim a lama não suja
em mim há lama não suja
eu sou a lama das chuvas
que caem em Santo Amaro
Vosso Scotch
pode me sujar por dentro
cachaça não
vosso perfume
pode me sujar por fora
suor nunca
porque sou suor
a cachaça e a lama
das chuvas que caem
em Santo Amaro das Salinas.
(Erickson Luna)
OLIVEIRA, Patrícia Correia de. Coesão Social, Eficácia Coletiva e Criminalidade: o caso
de Santo Amaro. 2016. Recife, PE. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade
Federal de Pernambuco.
RESUMO
Esta dissertação tem como principal objetivo analisar quais são os recursos utilizados pelos
diversos atores e atrizes sociais, moradores ou não, do território da João de Barros, localizado
no bairro de Santo Amaro, Recife, Pernambuco, para acessar mecanismos de prevenção e
controle da criminalidade e da violência no local que não passam necessariamente pelo crivo
do Estado como, por exemplo, a atuação das policias. Procurando assim identificar quais são
as possibilidades e impossibilidades de conversão da ‘Coesão Social’ percebida através das
diversas melhorias estruturais do território em uma ‘Eficácia Coletiva’, ou seja, a
consolidação ou não de mecanismos primários de controle do comportamento indesejado,
dentre eles a prática de crime e de violência no local. Para alcançar tais objetivos foi realizada
uma pesquisa qualitativa, de inspiração etnográfica, cujas idas ao campo geraram registros de
campo que foram transcritos e incorporados ao longo de todo o trabalho, seja através das falas
dos interlocutores, seja pelos relatos do que vi, ouvi e senti durante o campo. Além disso,
foram realizadas 15 entrevistas em profundidade gravadas e transcritas, cujas informações
foram analisadas e discutidas nessa dissertação. A análise dos dados possibilitou compreender
que a coesão social percebida, assim como, os fortes laços de solidariedade e os de confiança
não conseguem se reverter em mecanismos primários de controle informal do comportamento
indesejado, principalmente, quando tais agentes fazem parte das mesmas redes de vizinhança
e parentesco dos demais moradores, ou seja, são nascidos e criados no bairro, filho (a), esposo
(a), tio (a), sobrinho (a), dos demais moradores.
PALAVRAS-CHAVE: Crime; Violência; Tráfico de drogas; Coesão social; Eficácia
coletiva.
OLIVEIRA, Patrícia Correia de. Coesão Social, Eficácia Coletiva e Criminalidade: o caso
de Santo Amaro. 2016. Recife, PE. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade
Federal de Pernambuco.
ABSTRACT
This the dissertation has as main objective analyze which are the used resources by several
social actors and actresses, moderators or not, of the territory of João de Barros, localized in
the district of Santo Amaro, Recife, Pernambuco, to access mechanism of prevention and
control of criminality and the local violence that not pass necessarily through the sieve of the
State as, for example, tha actuation of cops. Looking so identify which are the possibilities
and impossibilities of conversion of the 'Social Cohesion' perceived through the several
structural improvements of the territory in a 'Collective efficacy', that is, the consolidation or
not of primary mechanism of control of unwanted behavior, among them, the pratice of crime
and the violence in the local. To reach such objectives was realized a qualitative research, of
ethnography inspiration, whose visits to the field they generated field records that was
transcripted and incorporated along the work, either by the speech of interlocutors, either by
the reports that i saw, heard and felt during the field. As well as, were also realized 15
interviews in deep recorded and transcripted, whose information was analyzed and discussed
in this dissertation. The analyze of data enabled to understand that the perceived social
cohesion, as well as, the strong laces of solidarity and the confidence can not reverse in
primary mechanisms of informal control of unwanted behavior, mostly, when such agents are
doing part of this same neighborhood networks and kinship of the other residents, that is, they
are born and raised in the district, son/daughter, wife/husband, uncle/aunt, nephew/niece etc.
of the other residents.
KEY WORDS: Crime; Violence; Drug Traffic; Social Cohesion; Collective Efficacy.
LISTA DE GRÁFICO, FIGURAS E TABELAS
Figura 1 - Localização áreas ZEIS - Santo Amaro, Recife/PE................................................ 24
Figura 2 - Localização Santo Amaro na cidade do Recife ...................................................... 25
Tabela 1. Número Total de Residentes por Faixa Etária Santo Amaro/2010........................... 26
Figura 3 - Duas das quatro entradas do "Muro da Vergonha". Vila dos Casados e Ilha Santa
Terezinha, Santo Amaro - Recife/PE ....................................................................................... 32
Figura 4 - Modelo Estendido da TDS proposto por Sampson e Groves ................................. 51
Figura 5 - Esquema Explicativo Tipos Consumidores x Tipos de Drogas .............................. 74
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11
2. SANTO AMARO DAS SALINAS: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA,
GEOGRÁFICA E SOCIODEMOGRÁFICA ...................................................................... 17
O Território da João de Barros: memória e contextualização sociodemográfica .................... 27
O Muro da Vergonha e ea Segregação do Espaço: marcos físicos e simbólicos de delimitações
entre o Santo e o Amaro ........................................................................................................... 29
Do Acesso à Cidade ao Mercado de Drogas: os usos e sentidos das vias que cortam o bairro 33
3. CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA METODOLÓGICA: O EFEITO
VIZINHANÇA NA DIFERENCIAÇÃO DAS TAXAS DE CRIME E DE VIOLÊNCIA
EM COMUNIDADES URBANAS ...................................................................................... 39
Contexto Empírico: crime e violência em pauta na cidade do recife ....................................... 41
Contexto Metodológico: atividades de campo em um território de tráfico .............................. 44
Teoria da Eficácia Coletiva .................................................................................................... 499
4. NARRATIVAS SOBRE VIZINHANÇA, VIOLÊNCIA E VIVÊNCIA EM UM
TERRITÓRIO DE TRÁFICO DE DROGAS...................................................................... 58
Santo Amaro Configuração Ambiental: desorganização física e social ............................... 58
Vivências em um Território de Tráfico de Drogas ................................................................... 66
A relação entre os vendedores de drogas ilícitas, moradores e funcionamento da creche na
comunidade ............................................................................................................................... 75
Entre o para-brisa, o palco e o tráfico: trajetórias de ex vendedores de drogas no local.......... 81
Sentimento de Confiança e Valores Comuns Compartilhados: em que nível opera o os
mecanismo informais de prevenção da violência? ............................................................... 85
O Papel da Polícia na Prevenção da Violência Local ............................................................... 89
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 99
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 104
11
1. INTRODUÇÃO
Nesta dissertação procuro analisar quais são os recursos utilizados pelos diversos
atores e atrizes sociais, moradores ou não, do território da João de Barros, localizado no bairro
de Santo Amaro, Recife, Pernambuco, para acessar mecanismos de prevenção e controle da
criminalidade e da violência no local. Procuro assim identificar quais são as possibilidades ou
impossibilidades de conversão da ‘Coesão Social’ percebida através das diversas melhorias no
território, em uma ‘Eficácia Coletiva’, ou seja, a consolidação ou não de mecanismos
primários de controle do comportamento indesejado, dentre eles a prática de crime e de
violência no local.
No ano de 2006 tive meu primeiro contato com o bairro de Santo Amaro, a partir das
atividades de campo do estágio que passei a desenvolver em junho daquele ano no Gabinete
de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP/PE), especificamente, no
Programa de Educação para a Cidadania. O Programa tem por objetivo ser uma ferramenta
de reforço à participação comunitária juvenil e adulta, nos espaços de decisões e deliberações
de políticas públicas como, por exemplo, as diversas conferências que acontecem nos três
níveis de governo: municipal, estadual e federal. Para tanto, as atividades atribuídas às
estagiárias consistiam basicamente, dentre outras atribuições, nas mobilizações de grupos
juvenis para a participação das Oficinas Pedagógicas e mobilizações de grupos de adultos
para a participação dos Fóruns Comunitários de Prevenção à Violência.
No entanto, nenhum dos dois espaços excluía outras faixas etárias, ou seja, era muito
comum a participação de adolescentes e adultos nas atividades das Oficinas Pedagógicas,
assim como, também era comum e muito mais expressiva a participação juvenil nas
atividades dos Fóruns Comunitários. Todos os dois espaços foram de grande aprendizado
pessoal e profissional, eram momentos riquíssimos de diálogos e de agendas de ações
educativas para a construção de uma cultura cidadã e participativa, em meio a uma realidade
de incerteza, fortemente marcada pela insegurança, a instabilidade e a violência que perduram
naquele bairro até hoje.
As atividades desenvolvidas nas Oficinas Pedagógicas eram as que mais me
chamavam a atenção e me despertavam grande interesse por histórias de vidas tão próximas a
minha realidade, por ser também moradora de um bairro pobre e violento da cidade do Recife.
E no bairro de Santo Amaro, as Oficinas aconteciam aos sábados, pela manhã, no salão da
12
Escola Municipal Sede da Sabedoria, na Ilha de Santa Terezinha. Com temas voltados para a
sexualidade, identidade racial, orientação sexual, direito à educação, direto ao esporte e ao
lazer dentre outros. O momento das Oficinas era um espaço de aprofundamento e discussão
sobre as diversas violações veladas ou explícitas aos direitos fundamentais desses jovens,
principalmente, o local de moradia, a cor da pele, a orientação sexual, as condições precárias
de escolarização e ensino ou até mesmo a falta de espaços para a prática de esporte e lazer.
Em meio a tantos desafios, geralmente, os relatos e as narrativas apontavam para trajetórias e
vivências com expressões de violência muito mais explícita e corriqueira, perpetradas
principalmente pela atuação da polícia e pelas redes de tráfico no local. Em relação à polícia,
era sempre muito comum, nas manhãs de sábado observar uma viatura, em alta velocidade,
com quatros policias deixando amostra pela janela da viatura armas de grosso calibre como
fuzis ou submetralhadoras. Tais relatos eram quase em tom de sussurros, em tom
confidencial, já que o medo de ser vitimizado era e é ainda muito grande.
Hoje, refletindo sobre os momentos vividos nas ‘Oficinas’, isso me remete um pouco
aos ‘coletivos de confiança’, estabelecidos a partir dos grupos focais em uma pesquisa
coordenada por Machado da Silva e Márcia Pereira Leite, onde tais encontros se davam fora
do local de moradia dos participantes e o recrutamento se dava ‘a partir de um
relacionamento anterior dos participantes com algum dos pesquisadores, capaz de, [...] gerar
alguma confiança prévia. Pensada com vistas a minimizar os prováveis efeitos de uma ‘lei do
silêncio’. (2007, p. 545). No entanto, dois fatores distanciam e aproximam as ‘Oficinas’ dos
‘coletivos de confiança’ de Machado da Silva & Leite: 1) um fator que as distanciam é o local
onde tais atividades ocorreram, no caso das oficinas ocorriam dentro da comunidade, no
espaço da escola, que muitas vezes era cuidado por moradores da localidade: e 2) o fator que
as aproximam é que tais relatos e narrativas só acorriam por conta dos laços de confianças
estabelecidos entre os participantes, a equipe do Programa de Educação e os facilitadores dos
encontros. Esse comparativo não tem por objetivo estabelecer uma crítica, mas sim, reforçar
que a necessidade de narrar às experiências vividas em espaços de grande produção de
violência e crime, acaba superando o medo e a insegurança quando há a oportunidade (grupos
focais/ oficinas pedagógicas) e quando laços de confiança são estabelecidos entre moradores
de tais localidades e agentes externos a elas. Tais laços em Santo Amaro foram estabelecidos
também a partir das mobilizações ‘em área’, onde fazíamos visitas frequentes aos jovens para
mobilizarmos o maior número possível de participantes, além de várias ligações semanais e
encontros em outros espaços da cidade.
13
Dessa maneira, a partir de então, Santo Amaro virou campo de diversas atividades
acadêmicas e de pesquisas com idas e vindas esporádicas ao longo de quase uma década.
Muitas mudanças foram percebidas ao longo desse período, pois os adolescentes agora são
adultos, pais, trabalhadores, estudantes e, alguns, multiplicadores dos conteúdos apreendidos
durante as Oficinas Pedagógicas. Muitos até hoje me ajudam nas mobilizações e seleções de
atores e atrizes para algumas das diversas pesquisas em que desenvolvi no bairro. A mudança
também foi estrutural: ruas foram calçadas, surgiram mais casas de alvenaria, creches e
escolas, o ‘muro da vergonha’1
ganhou entradas de ventilação, mesmo assim ainda é uma
construção que causa constrangimento e revolta para parte dos moradores. A maioria dessas
conquistas surgiu das lutas de seus moradores e lideranças locais internas e externas.
No entanto, algumas coisas ainda perduram, uma delas é a forte presença das
atividades relacionadas ao comércio varejista de drogas ilícitas, através das redes de tráfico
que estão diretamente ligadas à produção da violência local e que por vezes acaba sendo letal,
assim como, a truculência da atuação policial no local aos olhos de todos e a qualquer hora do
dia. Durante as atividades de campo para esta pesquisa, pude ver a atuação tanto da polícia
quanto do comércio de drogas no local. Em relação à atuação policial, algumas ações me
chamaram a atenção quando, por exemplo, presenciei a atuação da Ronda Ostensiva com
Apoio de Motocicletas (ROCAM) no local. Tal atuação ocorreu em uma madrugada, por volta
das 2h30 da manhã, quando eu participava de um momento de lazer na João de Barros. Nas
noites de quintas e sextas-feiras é comum parte dos moradores se reunirem na Praça da
Academia da Cidade para tomarem cervejas, ouvirem músicas, comerem espetinhos, etc.
Durante a abordagem os policiais da ROCAM deixaram uma jovem que aparentava ter mais
de 20 anos de idade, por cerca de 40 minutos com os braços levantados por trás da cabeça
enquanto se reversam aos gritos e com armas em punho dizendo-lhe que a levaria presa por
quebra de condicional2.
Nesse sentido, esta dissertação está inserida em uma abordagem sobre o crime e a
violência, e tem como objetivo não só compreender as suas causas, mais também, analisar
quais são as repostas para tais fenômenos. Ou seja, analisar como em algumas comunidades,
os laços de confiança e a presença de coesão social, acabam levando a mecanismos de auto
1 O ‘muro da vergonha’, é uma construção de quase três metros de altura que separa as comunidades da
Ilha de Santa Terizinha e Beco dos Casados do Shopping Tacaruna, tema que será abordado na subseção 2.1
desta dissertação. 2
A jovem em questão tinha sido liberada do presídio fazia alguns meses. Não consegui saber o motivo
da prisão, depois de passar 40 minutos em pé e com os braços levantados foi liberada pelos policiais e seguiu
para sua residência
14
regulação que não passam necessariamente pelo crivo do Estado, como por exemplo, a ação
das policias.
Dentro dessa perspectiva, adota-se aqui como lente teórica a “Teoria da Eficácia
Coletiva” (SAMPSON et al. 1989; 1996; 1997; 2002; 2012), tributária direta das abordagens
ecológicas do crime, desenvolvidas pela Escola de Chicago, a partir dos anos de 1920,
principalmente, a “Teoria da Desorganização Social” desenvolvida por Shaw e Mackay
(1942). Em linhas gerais, a “Eficácia Coletiva” é definida como um complexo sistema
formado pela coesão social existente entre os vizinhos, combinadas com a confiança e a
vontade de intervir em nome do bem comum, neste caso se ver livres das práticas criminosas
e violentas. Assim sendo, quanto maior for à adesão aos valores comuns (coesão social) mais
eficazes serão os mecanismos de controles informais, impactando diretamente na
diferenciação das taxas de crime e violência em uma determinada vizinhança.
No entanto, segundo os autores, em áreas urbanas que apresentam uma forte
concentração de desvantagens sociais, caso que se observa na João de Barros, assim como,
nas demais áreas pobres de Santo Amaro, tais desvantagens levariam ao esgotamento de
instituições formais e informais de socialização e controle, tais como, a família, a escola, a
igreja, associações comunitárias (ZILLI, 2004, p. 13). Isso tudo, agravado pelo acelerado e
conturbado processo de urbanização, característico das grandes metrópoles contemporâneas.
Na prática, observou-se que na João de Barros, as desvantagens sociais, agravadas pela
condição de ser este um território localizado no centro da cidade, marcado pela segregação
sociogeográfica e estigmatização de seus residentes, não interferiu negativamente nos laços de
confiança e solidariedade que, consequentemente, levam a uma expressiva “Coesão Social”,
percebida, através de ganhos estruturais para o território como um todo. No entanto, tal
coesão, não se efetiva em uma “Eficácia Coletiva”, lavando-se em conta as altas taxas de
criminalidade violenta na João de Barros e demais áreas pobres de Santo Amaro, produzidas
principalmente pelas redes de tráfico que lá atuam.
É neste sentindo que Santo Amaro e mais especificamente a João de Barros
apresentam-se como espaços típico-ideais desse fenômeno. Onde por décadas, figuram-se
como um dos mais violentos da cidade e apresentando um intenso comércio de drogas ilícitas,
o qual está diretamente relacionado à produção da violência local (FIALHO et al., 2015;
SILVA, 2014; SANTOS, 2013; CUSTÓDIO, 2012; DA SILVA et al, 2011; SALDANHA,
2010). Ao mesmo tempo em que tais espaços, figuram-se, também, como locais de forte
resistência política e social, seja por driblar os arranjos da especulação imobiliária ao longo de
15
décadas3, seja, pelas lutas e conquistas de direitos básicos e de infraestrutura para os seus
diversos territórios, fazendo da forte mobilização social, da força política e das diversas
conquistas, características marcantes do bairro. O telegráfico panorama acima explicitado
evidencia que, em Santo Amaro, a coexistência de certa Coesão Social percebida e da intensa
atividade do tráfico de drogas no local, resulta em uma equação perversa, observada
principalmente nos números expressivos de homicídios no bairro. E foi nesse panorama que
as atividades de campo foram desenvolvidas e serão melhores descritas abaixo.
Desse modo, esta dissertação está organizada em capítulos que procuram dar conta
tanto dos aspectos históricos, geográficos e sociodemográficos do bairro e do território da
João de Barros, quanto da compreensão teórica que nortearam as atividades de campo e da
análise das narrativas e trajetórias dos diversos atores e atrizes que compõem o bairro e seu
território. Além desta introdução e das considerações finais sobre os achados de campo. A
seguir apresento resumidamente o que foi abordado em cada capítulo.
No primeiro capítulo, o bairro de Santo Amaro e a história oficial de sua formação são
apresentados ao leitor. Assim como alguns dados sociodemográficos que ilustram um pouco
da atual conformação do bairro. Neste capítulo também apresentamos ao leitor algumas das
desvantagens de se morar em um espaço urbano central, valorizado, heterogêneo e violento.
Tais desvantagens foram percebidas tanto durante as atividades de campo e nos relatos e
conversas que se desenrolaram para além do roteiro de entrevistas.
O segundo capítulo contempla a parte teórica do trabalho. Nele desenvolvo as
questões pertinentes à lente teórica aqui aplicada, que foi norteadora das atividades de campo
e posteriormente da análise dos dados coletados, explorando diretamente o tema de estudo,
através do desenvolvimento do conceito de ‘Eficácia Coletiva’, bem como sua aplicabilidade
e seus princípios argumentativos.
O terceiro e último capítulo compreende a parte analítica desta dissertação, onde estão
apresentadas as narrativas e as trajetórias de sujeitos reais que trazem consigo as venturas e
desventuras de viveram em um espaço sociogeográfico segregado e com forte atuação das
redes de tráfico e que, consequentemente, atraí uma abordagem policial mais truculenta e
repressiva, menos preventiva e às vezes conivente com as atividades ilegais que ocorrem aos
3 Segundo um dos entrevistados, a questão da legalização da posse da terra é uma das principais lutas da
comunidade: A questão da legalização da posse da terra tem que focar, por que hoje a especulação imobiliária
é muito grande. Ela é grande, é muito forte. E a João de Barros não sai da linha, né? Por que quer queira, quer
não aqui a gente ta rodeado [pelo centro, por bens e serviços públicos e privados]. A gente ta perdendo para
quem tem dinheiro. O poder econômico hoje é muito alto nas mãos dos empresários. (E. Homem, 50 anos).
16
olhos de todos, inclusive da “Lei” e de quem é de fora. Por fim, nas considerações finais desta
dissertação está a síntese dos achados de campo produzidos a partir dos dados da pesquisa que
foram coletados, tratados, organizados e analisados. Nesta introdução apresento também os
percursos metodológicos aplicados para a obtenção dos dados que ilustram essa dissertação,
conforme veremos a seguir.
17
2. SANTO AMARO DAS SALINAS: CONTEXTUALIZAÇÃO
HISTÓRICA, GEOGRÁFICA E SOCIODEMOGRÁFICA
O bairro de Santo Amaro é um dos mais antigos da cidade do Recife. Sua origem
remonta aos finais do século XVII. Inicialmente, o terreno, onde, hoje, está localizado o
bairro, foi doado ao fidalgo Francisco Rego Barros, o qual ali instalou a sua casa e, em
seguida, começou a extração de sal das salinas que se acumulavam às margens do Rio
Beberibe (FUNDARPE, 2010, p. 9).
Segundo levantamento histórico feito pela FUNDARPE (2010), nos primeiros anos da
Invasão Holandesa, a Casa de Rego Barros foi um importante reduto de resistência à investida
contra as terras pernambucanas. A Casa de Rego Barros acabou sendo conquistada pelos
holandeses e, por conta de sua posição estratégica, no local, foi construído uma forte, que
ficou conhecido entre os brasileiros como o Forte das Salinas (FUNDARPE, 2010, p.14;
BRASIL ARQUEOLÓGICO). Em 15 de janeiro de 1654, o Forte das Salinas foi conquistado
pelos pernambucanos e, no ano de 1681, Rego Barros mandou “construir sob as ruínas do
Forte das Salinas uma capela sob a denominação de Santo Amaro das Salinas”
(CAVALCANTI, 1998, p. 72), santo que dá nome ao bairro.
A Casa de Rego Barros, o Forte das Salinas e a Capela de Santo Amaro das Salinas,
são marcos históricos importantes que ilustram a formação do bairro de Santo Amaro nos
longínquos anos de 1600. Porém, segundo historiadores, foi apenas no século XX que os
bairros mais centrais, dentre eles, o de Santo Amaro, começaram a receber levas migratórias
significativas, impulsionadas por crises econômicas provocadas pelo declínio da monocultura
do açúcar e pela seca:
Em 1872 o Recife atingiu a soma de 100 mil habitantes, mas em 1910 arrancou para 200 mil. Esse impulso não resultou de crescimento natural da população, mas da contribuição das ondas migratórias integradas por filhos das elites decaídas de várias regiões, [...], e sobretudo pelas massas pobres e miseráveis da zona açucareira, às quais se somavam as vagas periódicas de fugitivos que buscavam salvação em face de catástrofes como a seca. No Recife, essas massas formariam os aglomerados de mocambos nas periferias ou se instalariam nas áreas pantanosas mais próximas ao centro. Nas áreas
alagadas, menos valorizadas, plantaram mocambos4
de palha, papelão,
4 Segundo o Hoauiss, mocambo “são habitações desconfortável e precária; cabana” (2009, p. 508), tal
definição não traduz toda a significação social e cultural que os mocambos tiveram nos primeiros anos da
18
flandres incorporando à área urbana porções habitáveis, por meio de aterros,
no mesmo procedimento que, desde o tempo da ocupação holandesa, o
espaço urbano foi sendo gradualmente ampliado para atender ao crescimento
populacional (ARRAIS, 1998, p. 43).
Ainda segundo Arrais (1998), no início do século XX, o crescimento populacional não
planejado do Recife trouxe algumas melhorias para a cidade, promovidas, principalmente,
pelo capital europeu de origem inglesa, tais como: água canalizada, estrada de ferro, bonde de
tração animal, telegrafo, telefone manual. “(...) de tal forma que em 1900, sob certos aspectos
Recife já podia ser chamada de cidade moderna” (ARRAIS, 1998, P.44). Essa
“modernidade”, percebida e vivenciada na cidade, contrastava com mudanças significativas
no quadro social que ali se desenvolvia, principalmente no tocante ao aumento da
criminalidade e da violência:
Quase diariamente os jornais do Recife destacavam na cidade um crime
qualificado como ‘bárbaro’: espancamentos, assassínios a peixaradas5
ou paulada. [...] Os ambientes geradores de crime podiam ser localizados no mapa da cidade: áreas onde se concentravam os mocambos, como Santo Amaro e Afogados [...] (ARRAIS, 1998, p. 72, grifo do autor).
O território de Santo Amaro, além dos mocambos, que, à época, foram identificados
como um dos ambientes “gerador de crime” na cidade, também foi foco de grandes
investimentos, por exemplo, com a construção de equipamentos públicos e privados de
diversas naturezas, os quais, ainda hoje, fazem parte da paisagem urbana da cidade. Ali, no
ano de 1817, foi construído o British Cemetery, popularmente conhecido como “Cemitério
dos Ingleses”, o mais antigo da cidade. Em 1851, foi construído o “Cemitério do Bom Jesus
da Redenção de Santo Amro das Salinas”, o maior e mais importante cemitério de todo o
estado, conhecido como “Cemitério de Santo Amaro”. O Hospital de Santo Amaro, hoje a
Santa Casa da Misericórdia, que ocupa o prédio construído nos anos de 1872 e 1892 para
servir de Asilo de Mendicidade (FUNDARPE, 2010, pp. 15-16). É em Santo Amaro que está
o colégio em atividade mais antigo do país, o Ginásio Pernambucano, o qual, após várias
experiência urbana no Brasil. Surgidos inicialmente através dos negros fugidos. Esse tipo de habitação precária
passou a fazer parte de diversas paisagens urbanas do país e que depois vieram dar lugar as favelas e bairros
populares dos grandes centros urbanos. Para a realidade recifense autores como Gilberto Freire, Sobrados e
Mocambos (1936) e Josué de Castro, Geografia da Fome (1952), desemprenham papéis importante para a
compreensão deste fenômeno. 5 Nome dado ao ferimento provocado por uma faca tipo peixeira, um tipo de facão de uso doméstico,
porém muito utilizado na região nordeste como arma branca.
19
mudanças de endereço e nome, instalou-se, em definitivo, na Rua da Aurora, cartão postal da
cidade, no ano de 1855 (GASPAR, 2009). Entre os séculos XIX e XX, outras construções
importantes deram os contornos atuais do bairro e da cidade, tais como: os prédios da
Assembleia Legislativa de Pernambuco (1875) e o da Câmara dos Vereadores de Recife
(1963); o Mercado Público (1933); o Palácio Frei Caneca (1967); o Parque 13 de Maio
(1939); a Biblioteca Pública Estadual (1971).
Observa-se que, em Santo Amaro, a ocupação do espaço, nos séculos XIX e XX, se dá
em condições sociogeográficas bem distintas, se por um lado há um grande investimento em
equipamentos públicos e privados dos mais diversos, por outro, há a ocupação dos espaços
alagadiços e de mangues do bairro por uma expressiva população de baixo poder aquisitivo,
cravando, na paisagem social do bairro, os mocambos, tal como explicitado por Arrais. Para
ilustrar o período de formação dos mocambos no bairro de Santo Amaro, De Brito e Zarias
recorrem aos dados da Companhia Estadual de Habitação de Pernambuco (CEHAB, 2011):
(...) foi entre os anos de 1940 e 1944, que Santo Amaro começou a ser
ocupado por famílias provenientes de várias cidades do interior de
Pernambuco. Os assentamentos foram construídos de forma gradativa em
áreas alagadiças. As casas eram levantadas com taipa ou erguidas com resto
de material de construção. Como na região predominava o mangue, havia
muitas palafitas, e os aterros, indispensáveis ao acesso às casas, eram
construídos por inciativas conjunta dos moradores. (2015, pp. 138-139).
Os mocambos de Santo Amaro, assim como os demais mocambos da cidade,
tornaram-se alvo de intensas intervenções estatais, entre os anos de 1930 e 1950, as quais
tinham por objetivo derrubar os mocambos existentes, proibir a construção de novos e criar
“vilas operárias higiênicas”. No entanto, foi a Liga Social Contra o Mocambo (1939), que, em
1945, foi reformulada como “Serviço Social Contra o Mocambo”, que deu vulto às ações
estatais para erradicação de tais moradias irregulares na cidade. A Liga Social Contra o
Mocambo tinha por objetivo destruir os mocambos existentes, construir moradias
“higiênicas” para os moradores e proibir terminantemente a construção de novos mocambos
na cidade do Recife. As ações de demolição, combate à construção de novos mocambos e
construção de casas “higiênicas” contavam com recursos financeiros advindos tanto do setor
público quanto do privado. No bairro de Santo Amaro, segundo Saldanha (2010), foram
construídas pela Liga Social Contra o Mocambo duas vilas populares “a das Cozinheiras e a
das Costureiras. [...] ficam do lado esquerdo da Avenida Norte para quem vai do subúrbio
20
para cidade” (p. 65)6. O Serviço Social Contra o Mocambo, embora representasse “uma
iniciativa inédita de política habitacional”, longe de ter sido uma política pública inclusiva,
acabou gerando, na cidade do Recife, um déficit de moradia muito grande entre os que viviam
nas áreas de mocambos da cidade,
A Liga, [...] derrubou 14.597 mocambos [...], enquanto 6.173 unidades
foram construídas. Estimasse que ¼ da população total da cidade do Recife
fora deslocada durante as ações do programa. [...] Para cada três mocambos
demolidos, construía-se apenas uma casa. Assim restaram cerca de 42.120
pessoas sem casa depois desta ação de cunho ‘social’. (A LIGA SOCIAL...
grifo do autor).
A solução de grande parte deste contingente populacional foi a de ocupar os morros da
Zona Norte da capital, ou reconstruir novos mocambos em áreas de mangue da cidade, onde a
intervenção estatal não pudesse os alcançar. De fato, a Liga e sua proposta de modernizar a
cidade livrando-a do “mal que assolava a planície recifense”, evidencia o quadro de exclusão
vivenciada pelos moradores pobres de tais áreas e de como as áreas de ocupação irregulares
eram tratadas como foco de todo tipo de mal que colocava em riscos o desenvolvimento
urbano da cidade. Males físicos, sociais e morais que precisam ser combatidos com rigor,
intensificando as desigualdades sociais e a segregação socioespacial na cidade.
A expulsão dos pobres urbanos do centro das cidades para áreas periféricas, no caso de
Recife, para os morros, é um fenômeno que acontece ainda hoje. Sob a denominação de
mocambo, favela, cortiços, periferia etc., os assentamentos urbanos irregulares foram e são
alvos das mais diversas intervenções públicas, em um processo quase sempre perverso de
exclusão social e de espoliação urbana que conforme define Kowarick,
é somatória de extorsões que se opera pela inexistência ou precariedade de
serviços de consumo coletivo, que juntamente ao acesso à terra e à moradia
apresentam-se como socialmente necessários para o reprodução dos
trabalhadores e aguçam ainda mais a dilapidação decorrente da exploração
do trabalho ou, o que é pior, da falta desta. (KOWARICK, 2000, p.22)
6
Ainda segundo Saldanha, outras vilas importantes foram construídas no bairro, estas ligadas
diretamente aos profissionais das fábricas que se instalaram no bairro, como por exemplo, a Tecelagem de
Algodão e Seda (Vila dos Tecelões) e a vila construída para os contribuintes do Instituto de Aposentadoria e
Pensão dos Transportadores de Cargas (IAPTEC), segundo pesquisa da autora a construção desta última se
diferenciava muito das promovidas pela Liga, principalmente por ter maior número de cômodos e apresentar
quintal (2010, pp. 65/66).
21
Os problemas relacionados ao direito à cidade, à moradia digna, ao exercício pleno da
cidadania, à degradação da mão de obra urbana assalariada, ao desemprego e subemprego e,
principalmente, à negação de direitos a parcela pobre da população, foram temas estudados
por Kowarick em São Paulo na década de 1970, problemas decorrentes da expansão
capitalista, da urbanização dos grandes centros urbanos e do desenvolvimento da indústria no
país. Em um cenário em que o conflito sobre a posse da terra e o direito à habitação ganhavam
novas dimensões tanto sociais e econômicas quanto políticas, dentre elas: o agravamento das
vulnerabilidades socioeconômicas; o aumento nas taxas de desemprego e subemprego; o
Estado como mediador dos interesses do capital privado; a negação de direitos fundamentais;
a organização (ou desorganização) e reivindicação dos movimentos populares de luta pela
moradia digna; dentre outros.
Os estudos sobre a emergência do urbano em um cenário de “subdesenvolvimento
industrial”, desenvolvidos por Kowarick, embora tenha a cidade de São Paulo e sua Região
Metropolitana, como laboratório de análise, “seu alcance explicativo e teórico” é muito maior
e podem ser traduzidos “em uma leitura de muitas cidades” em diversos contextos urbanos do
país (RIZEK, 2001, pp. 229/230). Dentro dessa perspectiva, pensar a questão do direito à
cidade, da moradia digna e da exclusão social em Santo Amaro, sob a lente da espoliação
urbana, tal como é definida por Kowarick, se deve ao fato de ser este um lugar de intensas
contradições e de diversos problemas sociais que agravam processos de estigmatização
vivenciados cotidianamente pelos moradores7
das áreas pobres que compõem o bairro.
Os problemas sociais vivenciados pelos moradores estão diretamente relacionados à
expressiva desigualdade econômica e social que marcam nitidamente os contornos do bairro
de Santo Amaro, onde é possível encontrar, em um mesmo território, uma grande
concentração de equipamentos públicos e privados, um setor de serviços e comércio pulsante,
áreas residenciais muito pobres, com construções ainda de taipa e palafitas8
e áreas de classe
média (CUSTÓDIO, 2012). Além disso, há outro fator que maximizam ainda mais tais
desigualdades, as dinâmicas violentas e criminógenas (SILVA, 2014; SANTOS, 2013;
7 Alguns desses processos serão melhores discutidos no tópico 2.1 Das Perspectivas às Desvantagens
Sociais: os percalços de ser um morador pobre do centro desta dissertação. 8 O Diário de Pernambuco, em abril de 2015, apresentou uma série de reportagens sobre as disparidades
existentes no território de Santo Amaro, uma dessas matérias cujo título é, Santo Amaro se equilibra entre
palafitas e arranha-céus, ilustra bem os dois mundos que coabitam este espaço geográfico. Disponível em:
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2015/04/27/interna_vidaurbana,572660/santo-
amaro-se-equilibra-entre-palafitas-e-arranha-ceus.shtml. Acessado em 05 de Julho de 2015.
22
CUSTÓDIO, 2012; DA SILVA et al, 2011), que chamam a atenção tanto pela intensidade
quanto pela frequência em que ocorrem9.
Os problemas decorrentes da desigualdade econômica e social, assim como a intensa
produção de criminalidade e de violência no local, fazem com que, para alguns moradores, o
Santo que dá nome ao bairro, também sirva de analogia, quando eles refletem sobre tais
condições: “aqui existem dois lados: o lado do Santo [referindo-se as áreas do bairro de
comércio e de classe média e média alta] e o lado do Amaro [referindo-se as áreas mais
pobres do bairro]” (Depoimento de um dos interlocutores do campo – extraído de caderno de
campo, grifos meus).
O “lado do Amaro”, como alguns moradores costumam chamar, além das mazelas
sociais e econômicas é uma área de grande interesse e vem, ao lago de décadas, resistindo a
um perverso processo de expulsão de seus residentes para áreas periféricas da cidade10
, um
processo que, como vimos teve seu início ainda nos anos de 1939. Assim como na década de
1930, hoje, os moradores das áreas pobres, ainda conseguem driblar os arranjos da forte
especulação imobiliária no local (SOUZA; BITON; RIBEIRO, 2015: DE BRITO; ZARIAS,
2015). Este último aparece como um grande problema para as diversas áreas pobres que
formam o bairro de Santo Amaro, segundo um dos entrevistados, é só através da efetivação da
legalização da posse da terra que os moradores de tais áreas se veriam livre da constante
ameaça de serem despejados de suas casas:
A questão da legalização da posse da terra tem que focar, por que hoje a
especulação imobiliária é muito grande. Ela é grande, é muito forte. E a
João de Barros não sai da linha, né? Por que quer queira, quer não aqui a
gente ta rodeado [pelo centro, por bens e serviços públicos e privados].
A gente ta perdendo para quem tem dinheiro. O poder econômico hoje é
muito alto nas mãos dos empresários. (ENTREVISTADO 3).
As áreas pobres que compõem o bairro de Santo Amaro, assim como outras áreas
pobres da capital pernambucana, no início dos anos de 1980, passaram a fazer parte de uma
9 As questões relacionadas à criminalidade e à violência no local serão discutidas nos capítulos 3 desta
dissertação. 10
Conforme aconteceu com a comunidade da “Rata” localizada à frente da comunidade da João de
Barros, que teve seus moradores realocados para um conjunto habitacional localizado no bairro do Arruda ao
lado da comunidade/favela do Canal do Arruda. (Diário de Campo, Pesquisa Infância e Violência: cotidiano de
crianças pequenas do Recife Santo Amaro, Canal do Arruda e Chão de Estrelas. Recife, 2012.)
23
política específica sancionada pela Prefeitura do Recife, onde as denominam de Zonas
Especiais de Interesse Social (ZEIS):
Áreas urbanas caracterizadas como assentamentos habitacionais surgidos
espontaneamente, existentes e consolidados, onde são estabelecidas normas
urbanísticas especiais, no interesse social de promover a sua regularização
jurídica e sua integração na estrutura urbana (LEI MUNICIPAL,
14.511/1983, Art. 14, inciso II).
Teoricamente a institucionalização de tais áreas através das ZEIS garante aos seus
residentes ações que visam à regularização fundiária e urbanística tendo como prerrogativa a
“função social da propriedade como direito individual e coletivo fundamental (BRASIL,
1988, Art. 5º, Inciso XXIII), prevista na Constituição Federal11
. Dessa forma, hoje, existe no
bairro de Santo Amaro, duas importantes ZEIS: a ZEIS Santo Amaro, composta pelos
territórios da Ilha Santa Terezinha, Vila dos casos e Santo Amaro (onde estão localizadas as
comunidades do Sítio do Céu, a Vila dos Pescadores e o Campo do Onze) e a ZEIS João de
Barros (Figura 1), composta pelo território de mesmo nome, onde se concentrou grande parte
desta pesquisa.
11 Nota-se que a institucionalização da ZEIS acontece antes da promulgação da Constituição Federal de
1988, evidenciando que, em Recife, a luta pelo direito à moradia urbana, durante os anos de 1970 e 1980,
resultou em leis importantes para o processo de regularização fundiária na cidade (SOUZA; BITON; RIBEIRO,
2015).
24
Observa-se que as políticas de regularização fundiária e urbanística têm por objetivo
garantir direitos aos assentamentos pobres localizados em áreas de grande interesse comercial,
residencial e turísticos (SOUZA; BITON; RIBEIRO, 2015, pp. 32-34), a exemplo de ZEIS
que estão localizadas na Zona Sul da capital, tais como, Brasília Teimosa e Pina e as que estão
localizadas em áreas centrais da capital, como as do Coque e as de Santo Amaro.
Santo Amaro localiza-se na Região Político-Administrativa 01 (RPA-1), conhecida
como Região Centro, por abrigar 11 (onze) bairros que fazem parte do circuito tanto
comercial quanto de serviços da cidade e está localizada mais ao norte da capital
pernambucana, fazendo limites com o município de Olinda (Figura 2).
Figura 1 – Localização áreas ZEIS – Santo Amaro, Recife/PE
Fonte: Prefeitura da Cidade do Recife. Google Earth. Elaborado pela autora.
25
Segundo o último Censo realizado no ano de 2010 pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2010), Santo Amaro tem uma área territorial de 380 hectares e
uma população residente de 27.939 habitantes, destes 12.680 (45,38%) do sexo masculino e
15.259 (54,62%) do sexo feminino. Não é um dos bairros mais populosos do Recife,
ocupando o vigésimo lugar, dentre os 93 bairros da cidade, em número de habitantes.
Conforme apontou Custódio (2012, p. 29), Santo Amaro vem apresentando, desde 1991, uma
taxa de crescimento populacional negativa, que, no período de 1991 a 2000, foi de -0,36%. A
população residente continuou a decrescer no decênio seguinte, chegando a -0,42%. Os
motivos para tal fenômeno ainda não foram elucidados, a autora também não chegou a uma
conclusão definitiva, porém aponta para algumas possíveis causas:
Figura 2 – Localização Santo Amaro na
cidade do Recife
Fonte: Base cartográfica do IBGE, 2010. Editoração gráfica: Luciana Cruz
26
Inúmeros podem ser os fatores explicativos do fenômeno, e talvez entre eles
estejam as questões relacionadas à baixa qualidade de vida e aos altos
indicadores de criminalidade. No entanto, seria no mínimo temerário
estabelecer qualquer relação linear nesse sentido (CUSTÓDIO, 2012, p.30).
Em relação à distribuição da população residente por faixa etária, segundo dados do
IBGE (2010), observa-se o predomínio da população adulta com 39% da população nessa
faixa etária, seguido pela população jovem com um total de 26%. Crianças e pré-adolescentes
totalizavam a época cerca de 22%, enquanto idosos apresentavam um percentual de 13%
(Tabela 1). Os dados disponibilizados pelo IBGE não apresentam a proporcionalidade de
residentes por grupos de idade e sexo.
Tabela 1. Número Total de Residentes por Faixa Etária Santo Amaro/2010
Residentes por Faixa Etária –
Santo Amaro
Faixa Etária População %
Crianças (0 a 09 anos) 3 775 14
Pré-Adolescentes (10 a 14 anos) 2 374 8
Jovens (15 a 29 anos) 7 388 26
Adultos (30 a 59 anos) 10 809 39
Idosos (60 anos ou mais) 3 593 13
Total 27 939 100% Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010.
Elaborado pela autora.
Segundo dados do Censo (IBGE, 2010), no ano de 2010, Santo Amaro apresentava
uma alta taxa de alfabetização de 90,5%. De acordo com o IBGE (2010), este cálculo é feito a
partir do percentual das pessoas acima de 10 anos “capazes de ler ou escrever pelo menos um
bilhete simples”. No entanto, reforçamos aqui que os dados apresentados são representativos
de todo o bairro, não apenas de suas áreas pobres, talvez por isso os dados sobre taxa de
alfabetização sejam tão elevados. Quanto aos indicadores de renda, o rendimento nominal
mediano mensal dos residentes, em 2010, era de R$1.892,10, neste caso também fazemos a
ressalva para a composição heterogênea do bairro e a falta de dados das áreas pobres. No
bairro, a média de moradores por domicílio é de 3,3 e a proporção de mulheres responsáveis
pelo domicílio é de 55,32%.
27
O quadro social aqui minimamente delineado apresenta os contornos gerais do bairro
de Santo Amaro, englobando tanto o lado do “Santo” quanto o lado de “Amaro”. Não há
dados atualizados sobre o número de residentes, sexo, faixa etária, alfabetização e renda das
áreas pobres do bairro, os dados mais recentes, segundo o site da Prefeitura da Cidade do
Recife, são do ano de 2005, portanto não serão apresentados neste trabalho. Apresentar os
dois lados como sendo um único conjunto homogêneo de dados mascara certas experiências
de vulnerabilidade e de exclusões sociais que só os moradores do lado de “Amaro” sentem
com maior intensidade.
O Território da João de Barros: memória e contextualização sociodemográfica
Como se observa historicamente, o bairro de Santo Amaro desenvolve-se
simultaneamente ao processo de urbanização e industrialização da cidade do Recife. Acima,
de forma panorâmica, mostrei um pouco desse contexto histórico geral do bairro. No entanto,
Santo Amaro, é um espaço geográfico bastante plural e a ocupação deste espaço se dá por
grupos humanos também plurais, com dinâmicas diferenciadas e memórias próprias. O que
faz com que algumas pessoas que lá residam, divida o bairro em dois lados: o lado ‘santo’ e o
lado do ‘Amaro’. No entanto, observa-se que mesmo o lado do ‘Amaro’, lado onde se
concentrou a pesquisa, também é subdivido entre as duas grandes ZEIS que compreende o
bairro: a ZEIS Santo Amaro e a ZEIS João de Barros. Sobre a ZEIS João de Barros, traço
algumas considerações a seguir.
Abaixo trago um relato de uns de meus interlocutores, quando questionado sobre a
história da comunidade e de como se deu seu surgimento,
João de barros é a comunidade... é uma das comunidades mais velhas do
bairro de Santo Amaro, ela já tem 100 anos. Quase 100 anos. João de
Barros nasceu através de um nome de um aterro que o pessoal fez nos
mangues. Mas a história da João de Barros hoje ela vem no sentido do
seguinte: a avenida João de Barros, ali. Ela tinha a primeira Associação de
Futebol do bairro de Santo Amaro. A primeira Associação de Futebol de
Pernambuco que hoje é a Federação Pernambucana de Futebol, ela era
aqui em João de Barros. E tinha um time de futebol com o nome de João de
Barros. E esse time, João de Barros, aqui nessa área aqui, que era mangue,
chácara, esse pessoal foi que aterrou e ia fazer o Campo João de Barros. Aí
surgiu o nome da comunidade João de Barros, que não fizeram o campo.
Por que não fizeram o campo? Que na época a Federação Pernambucana
28
de Futebol convidou o pessoal do Rio do Janeiro e fundou a América
Futebol Clube, o nome do América Futebol Clube era o antigo nome, era
João de Barros. (ENTREVISTADO 5)
Ainda segundo o entrevistado, o espaço que ia dar lugar ao campo de futebol,
começou a ser ocupado por trabalhadores das fábricas que existiam no bairro. Assim como,
por pessoas que não tinha renda fixa e que precisavam de um local para morar. Era uma área
de mangue e passou a ser compartilhada com alguns centros da Universidade de Pernambuco
e com vilas de aspecto mais urbanizado: calçamento, esgotamento sanitário, casas grandes,
com vãos dos lados.
A ZEIS João de Barros, ocupa uma área relativamente pequena. De acordo com o
entrevistado 5, em 2014, foi realizado um censo pela Universidade Católica de Pernambuco
(UNICAP), cujo dados ainda não foram sistematizados e divulgados. Na localidade há cerca
de 1.210 residentes, distribuídos em 220 casas, o que daria cerca de 5,5 residentes por
domicílios. Comparando os dados de 2014, com dados oficiais do PNUD, 2010, observa-se
certa semelhança no que diz respeito ao número de residentes, segundo dados do PNUD, em
2010, havia 1.052 residentes no local. Quanto número de casas, segundo dados do Censo do
IBGE, em 2010 havia cerca de 183 domicílios ocupados na João de Barros. Observa-se que
em 4 anos, segundo dados do censo da UNICAP, o número de residentes e casas teve um
acréscimo moderado.
O número de residentes é bastante significativo, principalmente, por apresentar casas
pequenas, todas de alvenaria e com reboco nas paredes, sem quintal ou área de circulação ao
seu redor. As vielas e becos são calçados, há presença de esgotamento a céu aberto, devido a
pouca qualidade do serviço realizado. Um cenário bem diferente do que foi visto em 2008,
durante pesquisa de campo mencionada na introdução desta dissertação: as casas de taipa e
ruas de chão batido. O que não mudou foi o fato de que nos dois cenários havia o esgoto que
corria a céu aberto: em 2008, era a sua total inexistência; e em 2015, a precarização de sua
construção.
As pequenas casas de alvenaria, geralmente, apresentam dois pisos a mais,
evidenciando uma verticalização espontânea do bairro. Já que, segundo um dos entrevistados,
as construções são realizadas pelos próprios moradores, na medida em que a família cresce e
os familiares não sentem a necessidade de saírem do local, por ser perto do centro e de várias
redes de serviços e comércio, acabam construindo outros pisos em suas casas. No território, é
29
possível perceber que, muitas pessoas usam as ruas, ruelas e becos como uma “extensão da
casa”, ou seja, as roupas são estendidas nas paredes das casas, baldes para armazenar água
ficam em calçadas minúsculas, as pessoas costumam sentar-se na porta de casa ou no terraço
e conversarem umas com as outras, compra-se e se limpa peixe na porta de casa, na hora do
almoço.
No capítulo 3, onde apresentando alguns aspectos da desorganização do território da
João de Barros, outros elementos urbanísticos e de organização do espaço serão mais bem
detalhados no referido capítulo. Por hora, vale salientar a presença de alguns equipamentos
públicos importante para a comunidade: o Programa Academia da Cidade e o Posto de
Policiamento Ostensivo (PPO).
Como evidenciado, volto ainda para o território da João de Barros, mais a frente.
Achei importante trazer um pouco da memória dos que lá residem e um pouco de sua
caracterização sociodemográfica. No entanto, acredito ser importante apresentar também um
pouco da ZEIS Santo Amaro, outro pedaço do lado do Amaro que vive em constante conflito
entre si e com a ZEIS João de Barros. Assim sendo, abaixo apresento algumas das percepções
que tive durante as primeiras incursões ao campo, quando frequentei um pouco a ZEIS Santo
Amaro, até poder me estabelecer na João de Barros. Dos relatos que vi e ouvi, alguns marcos
físicos e simbólicos de segregação socioespacial me chamaram atenção, como veremos a
seguir.
O Muro da Vergonha e a Segregação do Espaço: marcos físicos e simbólicos de
delimitações entre o Santo e o Amaro
Dentre as diversas experiências, algumas se destacam, tais como a de viver em um
território de localização geográfica privilegiada, próximo a grandes redes de bens e serviços
públicos e privados no centro da cidade. O que teoricamente poderia se reverter em maiores
possibilidades de acesso a uma escolarização adequada, a uma experiência de trabalho formal,
acesso a espaços de lazer e diversão etc., recursos materiais e simbólicos mínimos para uma
inserção social plena, no entanto, acabam se revertendo em processos que potencializam as
desigualdades sociais e o estigma para com os moradores das áreas pobres do bairro (SILVA,
2014, p. 111).
30
Uma expressão significativa desse processo é vivenciada por parte dos moradores do
bairro, mas especificamente, moradores das comunidades da Ilha de Santa Terezinha e da Vila
dos Casados, vizinhos ao Shopping Center Tacaruna, separados deste apenas pela Rua
Arlindo Melo. No ano de surgimento do Shopping, 1997, foi construído um muro de cerca de
3,5 metros de altura, o muro foi projetado sem espaços de circulação e possuía aspirais de
arame farpados em seu topo. O que lembrava muito os muros que cercam unidades prisionais
e unidades de internamento para adolescentes infratores. Um cenário que, em menor medida,
evidencia para os que ali passam estarem diante de uma “Zona do Crime”12
, que precisa ser
contida e escondida dos olhos dos frequentadores do shopping.
Cerca-se de muros, grades, seguranças particulares, dentre outros recursos, é um
expressivo fenômeno das grandes metrópoles contemporâneas, principalmente, por conta do
aumento da criminalidade e da violência, por conta da descrença no serviço público de
segurança, assim como, por conta do estreitamente geográfico entre pobres e ricos. Tal
fenômeno e suas causas e efeitos foi tema de estudo da Socióloga, de Teresa Pires Caldeira
(2000), no livro Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo, onde a
autora trata dos novos padrões de segregação urbana, através do que ela chama de “enclaves
fortificados”, onde a construção de fronteiras físicas e simbólicas garantem a segurança dos
que se sentem ameaçados – grandes redes de comércio, moradores de condomínios de luxo e
de classe média, prédios de luxo e de classe média, dentre outros – dos ameaçadores, os
pobres urbanos, com quem dividem os espaços geograficamente valorizados dos grandes
centros urbanos. Em Santo Amaro, a construção dessa fronteira, neste caso, física e com mais
de três metros de altura, contou com o aval Poder Público,
[...] numa decisão resguardada pela Lei de Instalações na Cidade do Recife,
a Lei nº 16.292/97” que, em seu Artigo 28 diz: Os muros divisórios, quando
houver, deverão ter uma altura máxima de 3,50m (três metros e cinquenta
centímetros), medidos a partir do nível do meio-fio, e serão feitos em
alvenaria ou outro material, a critério do órgão competente da Prefeitura.
(ALBUQUERQUE et al, 2008, p. 4).
12 Zona do Crime é o título nacional para o filme mexicano, La Zona, de 2007. O filme retrata a vida de
um adolescente que “vive num complexo residencial fechado, um refúgio para os ricos no meio da tumultuada
Cidade do México. O condomínio é protegido por seguranças e cercado de uma pobreza gritante. (...).” Sinopse
retirada do site: http://www.filmesdecinema.com.br/filme-zona-do-crime-5293/. Acessado em 15 de dezembro
de 2015.
31
Porém, mesmo “existindo” e contando com o aval da referida Lei, nem a
administração do shopping e nem a Prefeitura do Recife assumem a autoria da construção do
muro, além disso, dizem desconhecer a insatisfação de parte dos moradores e que até o
presente momento não recebeu nenhum pedido de retirada, conforme reportagem do Diário de
Pernambuco,
A assessoria de imprensa do Shopping Tacaruna informou que o muro
não foi construído pelo centro de compras e que, até o momento, nenhum
pedido de retirada foi registrado. ‘O último pleito que eles fizeram foi o de
colocar cobogós no muro. O centro de comporas (sic.) atendeu a
reivindicação da comunidade e a partir daí crianças e jovens de Santo Amaro
passaram a grafitar o muro, através dos cursos de grafitagem que são
oferecidos pelo projeto social do shopping’, justificou a nota enviada pelo
shopping. A prefeitura do Recife também negou que seja responsável pela
construção do muro. Ainda de acordo com a administração municipal, não
foi registrado nenhum pedido para a retirada do muro. O órgão também
explicou que não tem amparo legal para demolir, já que trata-se de um
terreno particular. (BARACHO, 2015, grifos meus).
Embora o Poder Público e administração do shopping desconheça a insatisfação local,
ela existe e é bem legitima, visto que uma construção desse porte não só implica em maiores
processos de segregação e exclusão social, como também reforça mecanismos da espoliação
urbana presentes na localidade: “impedir ou tirar de alguém algo a que, por alguma razão de
caráter social, tem direito” (KOWARICK, 1993, p. 71). Nesse sentido, a presença do muro
tira de quem mora ali o direito de ter suas casas mais arejadas13
, visibilizadas, a possibilidade
de transitar nos estreitos becos que separam as casas do muro, além de estigmatizar os que
moram lá colocando a todos como possíveis ameaças que precisam ser contidas a base do
arame farpado e concreto armado, assim como representa uma situação de violação de direitos
básicos dos que ali residem. Nesse sentido, o muro, é mais uma das tantas expressões de uma
violência simbólica e diária de quem ocupa espaços urbanos sociogeograficamente
segregados e as vivencia de maneira muito mais intensa.
O abandono do espaço público através da proliferação de espaços fortificados para uso
coletivo como, por exemplo, os grandes centros de compras, ou seja, construções de
13 Foi muito comum, durante as atividades de campo, ouvir diversas queixas em relação ao intenso calor
dentro das residências que ficam próximas ao muro. Ainda segundo relatos dos moradores, devido ao grande
número de queixas alguns moradores chegaram a receber ventiladores da administração do shopping.
32
shoppings, não resolvem a questão da violência e das desigualdades sociais, no entanto
acabam aprofundando alguns de seus aspectos, principalmente quando tal espaço passa a ser
frequentando pela “ameaça” que quer se manter longe seja de suas instalações, seja dos olhos
de quem frequenta tais estabelecimentos. E no caso de Santo Amaro, isso se dá de duas
maneiras, através do muro e dos constantes constrangimentos passados por diversos
moradores quando vão ao Shopping Tacaruna para passear ou até mesmo para fazer compras,
quando são perseguidos por seguranças e até mesmo abordados. Evidenciando que, as
“medidas de segurança” são na verdade medidas de controle da “classe perigosa” e de
agravamento da desigualdade e exclusão social.
Dessa maneira, o “muro da vergonha” (Figura 3), como é comumente chamado por
alguns dos moradores, sofreu várias investidas da comunidade, no início era muito comum os
moradores destruírem alguns trechos do muro em um dia e no dia seguinte o reparo já era
feito, além de vários protestos locais e pedido de retirada (Relato de um jovem morador da
Vila dos Casados – extraído do caderno de campo), muito embora tais ações sejam totalmente
desconhecidas pela Prefeitura e pela administração do shopping, conforme vimos no trecho
acima. Segundo este jovem morador, o muro foi construído a pedido do shopping e o seu
objetivo é o de promover maior segurança para os frequentadores do empreendimento.
Figura 3 – Duas das quatro entradas do “Muro da Vergonha”. Vila dos Casados e Ilha
Santa Terezinha, Santo Amaro – Recife/PE
Fonte: Pesquisa de Campo
33
Quem chega ao shopping pela Avenida Agamenon Magalhães, a visão que tem é a do
“muro da vergonha” ao invés das pequenas casas de alvenaria autoconstruídas coladas umas
nas outras, das ruelas e becos com calçamento precário, do esgotamento sanitário correndo a
céu aberto ou dos finais de tarde de sociabilidade onde homens e mulheres adolescentes,
jovens, adultos ou idosos se reúnem para jogar bingo, dominó, beber ou conversar nos
batentes de suas portas, enquanto as crianças procuram meios de diversão e brincadeira em
meio à precariedade e as ausências do lugar. Portanto, o muro, e quem quer que o tenha
construído, tem por finalidades: conter o “mal” e proteger a clientela, higienizar o espaço
compartilhado com áreas pobres da cidade e reforçar mecanismo de exclusão e segregação
social.
Do Acesso à Cidade ao Mercado de Drogas: os usos e sentidos das vias que cortam o
bairro
Como dito no parágrafos acima, viver em um espaço com uma grande oferta de bens e
serviços tanto públicos quanto privados, teoricamente, poderia ser um facilitador para o
acesso aos recursos materiais e simbólicos capazes de reverter uma situação de exclusão e
segregação social em oportunidades reais de inserir socialmente a população das áreas pobres
que compõem o bairro. No entanto, não é isso que se observa. Dentro dessa perspectiva, as
vias, avenidas e ruas que margeiam o bairro de Santo Amaro, poderiam servir como
instrumentos importantes para acessar tais recursos e expandir as oportunidades e
perspectivas, porém, na prática, quase sempre, a malha viária do bairro limita a fronteira entre
ficar vivo ou morrer, facilita o trânsito e a circulação das drogas ilícitas vendidas no varejo,
serve como lugar de sustento para crianças, adolescentes, jovens e idosos, seja pedindo
dinheiro no sinal, lavando os vidros dos carros ou “vendendo seus corpos” em meio ao
mangue e dejetos de toda a natureza14
.
As avenidas que compõem o bairro constituem-se no “eixo metropolitano de maior
fluxo viário” (ALBUQUERQUE et al, 2008, p. 4) da cidade, são elas: a Avenida Agamenon
Magalhães que liga a Zona Sul aos limites da cidade ao norte; a Avenida Cruz Cabugá que
14 A repórter Marcionila Teixeira, do Diário de Pernambuco, em agosto de 2014, publicou uma
impactante matéria sobre a situação de mulheres, usuárias de crack, que usam a Avenida Artur Lima Cavalcanti,
no bairro de Santo Amaro, como ponto para a prática de sexo em troca de pouco dinheiro para poder comprar
drogas. A matéria, intitulada, As” mulheres-caranguejo” do mangue de Santo Amaro, foi publicado na versão
impressa do veículo. No YouTube é possível acessar o vídeo sobre a reportagem com depoimentos das mulheres
através deste link: https://www.youtube.com/watch?v=XgVbATqP92s
34
liga o Centro da cidade aos municípios de Olinda e Paulista e a Avenida Norte Miguel Arraes
de Alencar que liga o subúrbio da Zona Norte ao Centro da cidade. Tais avenidas são servidas
de uma satisfatória frota de ônibus que ligam o Centro a diversas cidades da Região
Metropolitana do Recife (RMR), além de permitir, aos moradores do bairro, acesso ao Centro,
em alguns minutos de caminhada, principalmente, para quem mora na comunidade da João de
Barros.
Nesta comunidade, as avenidas e ruas que a cortam, têm, além da função de ligar o
centro da cidade a diversos outros locais de RMR, a função de facilitar, a qualquer hora do dia
ou da noite, o comércio de drogas ilícitas no local. Segundo um dos entrevistados: aqui na
João de Barros, há vários drives thru da droga. O cara passa, buzina, pega a droga, paga e
vai embora. (Entrevistado 6). Em uma das ruas que ladeiam a comunidade, onde também, há
um intenso comércio de drogas, houve uma ação quase cinematográfica, envolvendo grupos
rivais na disputa pelo tráfico de drogas15
, tal ação foi lembrada por mais de um entrevistado,
Teve um dia, que os meninos estavam aqui, tudo vendendo droga, usando e
quando vê vem o carro do caminhão do lixo normal. Daí começa o pá, pá,
pá... tiro pra tudo quanto é lado. Os cara do outro lado [da ZEIS Santo
Amaro] pegaram o caminhão do lixo e vieram meter bala nos cara daqui.
Foi neguinho caindo, no chão, foi gente correndo... esse dia foi foda (risos).
(ENTREVISTADO 6).
Às vezes quando os camaradas vinha do outro lado[da ZEIS Santo Amaro]
meter bala aí. Aí eu vivia na rua. Aí achavam que eu era um dos camaradas
que viva matano. Já levei tiro na cabeça. Mas graças a Deus num acertou,
foi só de raspão mesmo, entendesse? [...] e por via das dúvidas, nesse dia,
eu tava com a arma no bolso, mas eu não cheguei a atirar em ninguém,
entendesse? Levei um tiro aqui, oh. [...]. Rapaz tinham vários caras no
caminhão do lixo, eu acho que tinha pistola, tinha 38, tinha TA. Eu tava
vendendo [drogas][...]. E as bala pegando na... os caras atirando na parede
[...] Aí quando parou [as balas] aí saiu um colega meu do beco, que tava
com duas armas [...]. E ele saiu atirando no caminhão do lixo, pá, pá, pá,
pá... e caminhão do lixo arrastou, entendesse? Foi simbora.
(ENTREVISTADO 8).
Segundo os dois entrevistados, apesar da magnitude da investida e dos feridos, não
houve nenhum óbito neste dia. “Os camaradas [...] do outro lado”, aos quais se refere o
15 Para maiores informações sobre os conflitos nos territórios de Santo Amaro ver SILVA, Vívian. Guerra e
Vida Errada: reflexões sobre representações (sociais) da violência urbana, a partir dos relatos de jovens em
Santo Amaro. 2014. 234 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
Pernambuco.
35
entrevistado 8 e o entrevistado 6, são os integrantes de grupos rivais residentes na ZEIS Santo
Amaro. Os confrontos existentes entre as duas comunidades (João de Barros e Santo Amaro),
acontece em períodos de maior ou menor intensidade e acabam interferindo no cotidiano de
quem tem ou não envolvimento com as práticas ilícitas, assim como gerando grande
repercussão midiática. Tais confrontos, em determinada época, inspirou muitas letras de rap e
embalou os populares bailes funk que aconteciam em diversas comunidades do Recife,
E aí Taz? / E aê Leozinho? / E se os alemão [os inimigos] brotar na Jão? / Vai virar peneira [levar tiro], hein! / Se brotar na João, tu, vai virar peneira. / Se liga Bolado que na Joao de Barros não é brincadeira. / Se brotar na João, pá pum, vai virar peneira. / Se liga Bolado que na João de Barros não é brincadeira. (Se brotar na João, Mc Taz e Mc Leozinho, transcrito do
YouTube, grifos meus).16
[...] numa mão a AK [tipo de arma de fogo de grosso calibre] e na outra o
pistolão começou a guerra Santo Amaro e a João (refrão) / Esperando o Boco invadir meu galerão / Vai ficar difícil por que o bonde [grupamento geralmente de jovem para cometer atos ilícitos ou para a venda de drogas ilícitas] é sinistro / Se bater de frente você vai ficar fudido / Só menor revoltadão com vontade de matar, cada um com uma 9, segurando o TA [calibres de armas: pistola 9mm] [...] Quando tem guerra na João a impressa vai irado, a sequência de pistola deixa até carro furado. (Realidade da João, Mc Taz e Mc Leozinho, transcrito do YouTube,
grifos meus).17
As letras fazem referências ao poder bélico existente na comunidade, ao envolvimento
de adolescentes nos conflitos e ao interesse da mídia local nas constantes disputas entre as
redes rivais de tráfico de drogas, disputas que têm seus resultados apresentados através dos
comentados programas de notícias policiais18
. Nota-se que as vias de acesso a João de Barros
ganham centralidade nas dinâmicas ilícitas e violentas no local. Nos becos, ruas e vielas
dentro da comunidade quase sempre há um intenso comércio varejistas de drogas ilícitas, tais
transações podem ser presenciadas em qualquer hora do dia ou da noite, o consumo também é
muito expressivo. E é muito comum sentir cheiro de maconha ou ver pessoas consumindo
drogas ilícitas e licitas a qualquer hora do dia e da noite e em qualquer dia da semana.
Alguns trabalhos importantes foram recentemente desenvolvidos sobre as dinâmicas
do tráfico de drogas no local e de como elas impactam, em menor ou maior medida, a
16 Se brotar na Jão: https://www.youtube.com/watch?v=7FPq57MAOJI, acessado em 26 de janeiro de 2015.
17 Realidade da João: https://www.youtube.com/watch?v=u3tYgLtePy4, acessado em 26 de janeiro de 2015.
18 Em uma rápida troca de canal, no horário de almoço, é possível acompanhar, em pelo menos três emissoras
diferentes, notícias policiais sobre a ação de traficantes, prisões, assaltos e homicídios ocorridos não só na
capital, como em todo o estado. Dentre tais programas destacam-se o Bronca Pesada (TV Jornal/SBT); Ronda
Geral (TV Tribuna/Band) e O Balanço Geral PE (TV Clube/Record).
36
população residente, principalmente se este for jovem, do sexo masculino e de baixa
escolaridade (SILVA, 2014; SANTOS, 2013; CUSTÓDIO, 2012; DA SILVA et al, 2011). No
entanto, o que nos chama a atenção é como as vias de acesso à comunidade se tornam o
facilitador para o desenvolvimento deste comércio e das interações provenientes dele, tais
como: compra e venda, consumo e os mecanismos, quase letais, de cobranças de suas dívidas.
A própria configuração geográfica planificada do bairro, garante o acesso mais rápido, fácil e
com possibilidades mínimas de vitimização para o consumidor (o drive thru), visto que,
segundo um dos entrevistados, “os consumidores são de todas as partes da cidade, de ambos
os sexos e de diversas faixas etárias” (Entrevistado 6).
Outra via importante do bairro, porém sua importância viária não é tão expressiva
quanto às demais vias supracitadas, mas que também se insere na dinâmica de tal comércio, é
a Avenida Doutor Jayme da Fonte, localizada entre a Cruz Cabugá e a Agamenon Magalhães.
Esta Avenida margeia o Palácio Frei Caneca, sede atual da vice-governadoria do estado. Nela
está localizado também o Galpão de Meninos e Meninas de Rua, uma importante organização
social, fundada em 1984 e que atua com crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade social e física. No entanto, quando lembrada por mais de dois entrevistados,
não foi a sua importância viária ou os prédios existentes que foram evidenciados e, sim de
como a sua construção contribuiu para as dinâmicas do crime e da violência entre as
comunidades do Campo do Onze, Ilha Santa Terezinha e Vila dos Casados, todas pertencentes
à ZEIS Santo Amaro.
Tal avenida é popularmente conhecida entre os moradores como a “Faixa de Gaza” de
Santo Amaro, é ela quem delimita as fronteiras dos territórios onde grupos rivais travam
disputas pelo domínico do tráfico de drogas no local. Em determinados períodos, transpor tais
fronteiras, mesmo para aqueles que não estão envolvidos com as dinâmicas do tráfico, acaba
sendo um fator determinante para serem vitimizados ou para matar ou morrer.
A Vila dos Casados agora. Eu moro desse lado, de frente por outro lado que
se chama Campo do Onze, aonde o povo tem essa costume de [...]. Campo
do Onze é só um lado que tem, [...] pega a Jayme da Fonte até a rua do
Mercado, que é até na Cruz Cabugá. Que é rival contra o lado que eu moro,
o que divide essa gangue é só uma pista. A pista, a avenida, que divide a
comunidade, tem pessoas que não vai ao Shopping, por que não pode passar
por lá com medo. Mesmo que não esteja envolvida com medo dessa guerra.
(Entrevistado 1).
37
Segundo o entrevistado, o surgimento da Avenida que depois se tornou a “Faixa de
Gaza” de Santo Amaro, foi um dos elementos que fez surgir às rivalidades entre as
comunidades, tais rivalidades têm como elemento causal central o tráfico de drogas,
Que não era assim, que era uma comunidade totalmente unida. Apesar que
não tinha a divisão da avenida [Jayme da Fonte], nesse tempo era mangue,
era mangue, muito plantação, terrenos. E era uma comunidade que era uma
só. E começou o crack a chegar aqui, começou as drogas chegar aqui, ai já
foi gerando traficantes, querendo uma tomar posse. Tomou posse de terras
daqui, tomou posse de lugares. (Entrevistado 1, grifos meus).
Para outro entrevistado, a construção da Avenida Jayme da Fonte, fez com que netos e
filhos dos antigos moradores, passassem a não compartilhar mais o mesmo espaço físico e
geográfico, os laços de proximidade e confiança foram partidos e os poucos metros que
separam uma comunidade da outra, tornou-se uma fronteira física quase intransponível onde a
amizade e a confiança de outrora deram lugar à desconfiança e ao medo de transitar nas áreas
agora dominadas por redes de tráfico rivais,
O que aconteceu com a Jayme da Fonte foi o seguinte: os antigos
moradores, pais, mães avós que eram amigos, antes da avenida, se
separaram quando ela foi construída. Daí os filhos, netos e outra gerações
desses moradores, passaram a ficar mais distantes um dos outros. E quando
o tráfico chegou, eles pararam de vez de andar um do lado do outro.
(Entrevistado 6, 39 anos).
Nota-se que a produção do crime e da violência estão diretamente relacionados com o
comércio varejista de drogas ilícitas no local. E neste sentido, o espaço geográfico planificado
e as vias de acesso tanto facilitam a sua venda, compra e consumo, quanto às investidas entre
os grupos rivais das comunidades da João de Barros, da Ilha de Santa Terezinha, da Vila dos
Casados e do Campo do Onze. No entanto a breve exposição, sem um aprofundamento
teórico mais detalhado, não tem por objetivo tornar homogêneas as experiências dos diversos
moradores do bairro, principalmente, os residentes das áreas mais pobres, e sim dar mais
ênfase a esses relatos que surgiram de forma espontânea no período do campo.
Se por um lado o campo mostrou essa dinâmica tão expressiva no bairro ao ponto de
existir ali uma “Faixa de Gaza”, delimitando fronteiras físicas e simbólicas, tão perversas
quanto à do “muro da vergonha”, por outro também foi possível conhecer experiências de
38
vida diversas e ricas: de jovens e adultos trabalhadores do mercado formal; jovens e adultos
ex-traficantes que hoje ocupam mercados formais e informais de trabalho; de jovens com
curso superior e outros que estavam cursando faculdade; jovens educadores culturais em
linguagens de dança, capoeira, teatro, breack dance, lideranças de jovens e adultas, de raper,
enfim, uma infinidade de sujeitos e experiências que tornam o bairro de Santo Amaro esse
bairro ao mesmo tempo “enigmático” (SALDANHA, 2010) e tão rico em fenômenos sociais
de diferentes naturezas, dentre eles, o crime a violência.
Um cenário onde o “Santo” e o “Amaro” dividem o mesmo espaço geográfico, onde
as contradições de diversas naturezas emergem de forma muito mais expressiva e onde
fronteiras físicas e simbólicas se solidificam e alteram o cotidiano, não só dos moradores, mas
dos transeuntes que frequentam o bairro, seja para ir fazer compra no shopping ou comprar
drogas ilícitas nos pontos de venda espalhados pelo bairro. Mesmo assim, em Santo Amaro
das Salinas, dos versos do saudoso poeta marginal, Erickson Luna, ex-morador do bairro, o
“Amaro” do suor, da cachaça e da lama, não se contamina (ou será que não se mistura?) com
o Scotch e nem pelo perfume do “Santo”. Isso se comprova em poucas caminhadas pelo
bairro que, apesar da aparente urbanização com a pavimentação das ruas, sistema de
esgotamento sanitário (deficitário, mas presente), casas de alvenaria de um ou mais pisos
dentre outro, ainda carece de muito investimento em sua infraestrutura, ainda há, no local,
palafitas fincadas em beiras de canais.
39
3. CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA METODOLÓGICA: O EFEITO
VIZINHANÇA NA DIFERENCIAÇÃO DAS TAXAS DE CRIME E DE
VIOLÊNCIA EM COMUNIDADES URBANAS
Nos estudos sociológicos de análise e compreensão das causas do crime e da violência
em comunidades urbanas contemporâneas, unidades menores como, por exemplo, bairros,
vizinhanças, favelas, territórios dentre outros, ganham grande expressividade, principalmente
quando procuram explicar a variação nas taxas de crimes e de violência em tais contextos. Ou
seja, por que algumas vizinhanças apresentam altas taxas de criminalidade e violência e outras
não. Tais estudos desenvolvem-se a partir da chamada ecologia social do crime que tem como
expoente o contexto teórico desenvolvido por Robert Park e Ernest Burgess, na obra The
Grouwth of the City, em 1925. (CRUZ, 2010, p. 18). Em linhas gerais a ecologia social do
crime procura compreender como as características físicas de tais unidades, assim como, as
características sociodemográficas dos indivíduos que as ocupam podem interferir nas
variações das taxas de crime e de violência de um determinado bairro, vizinhança, favela,
território dentre outros.
Sob a lente teórica de Park & Burgess vários estudos e pesquisas foram desenvolvidas
tendo como premissa básica a importância do lugar (do espaço físico, geográfico) para a
explicação das causas do crime e da violência em contextos urbanos diferentes. Dentre eles
destacam-se os trabalhos de Thrasher (1927); através dos estudos sobre gangues na cidade de
Chicago, Alihan (1938); quando faz uma análise crítica da ecologia social do crime e Shaw &
Mckay (1942), ao desenvolverem a Teoria da Desorganização social. É principalmente sobre
o contexto teórico e empírico da Teoria da Desorganização Social que Sampson e colegas,
vão desenvolver a Teoria da Eficácia Coletiva e, consequentemente, suas análises sobre o
efeito da vizinhança nas variações das taxas de crime e de violência em contextos urbanos
diversos.
Dentro dessa perspectiva, Sampson e colegas, passam a combinar teoria e empiria para
compreender as causas do crime e da violência na cidade de Chicago, as variações nas taxas
destes fenômenos em unidades urbanas distintas e como os indivíduos acessam mecanismos
de controle social informal para promover a segurança em determinada vizinhança, sem
necessariamente utilizar-se de mecanismos de controle social formal, estes exercidos pelo
40
Estado, seja através das policias, seja através do sistema de justiça. Sampson e colegas
desenvolvem suas análises e seus estudos ao longo de mais de 15 anos de pesquisas, onde as
principais fontes de dados são oriundas do Project on Human Development in Chicago
Neighborhoods – PHDCN, de 1995, onde procuraram agrupar os 847 setores censitários da
cidade de Chicago em 348 Aglomerados de Vizinhança, os Neighborhood Clusters – NCs,
dois quais cerca de 8000 pessoas participaram da pesquisa. A mesma pesquisa foi replicada
no ano de 2000, dessa vez com mais de 3000 pessoas. Assim sendo, os autores procuraram
analisar como as características sociais e organizacionais das vizinhanças explicam as
variações nas taxas de crime e violência que não devem ser atribuídos apenas às
características demográficas agregadas dos indivíduos. (SAMPSON et al., p. 918).
A preocupação dos autores consiste principalmente na tentativa de superar as
abordagens tradicionais do crime e da violência, que por um lado procuram explicar tais
fenômenos a partir do indivíduo e que por outro, procuram explicá-los apenas a partir da
estrutura. Assim sendo, desenvolvem uma Sociologia do Contexto, especialmente no que diz
respeito às desigualdades por vizinhança e a estratificação social do lugar, o que os autores
costumam chamar de desvantagens sociais. Neste sentido, a preocupação sampsoniana reside
principalmente no legado da desigualdade e os efeitos laterais do acelerado processo de
urbanização e desenvolvimento nos grandes centros urbanos.
Tal preocupação gerou algumas críticas à Teoria da Eficácia Coletiva onde, para
alguns, a análise sampsoniana reproduziria “discursos estigmatizados sobre populações de
baixa renda e ‘ignoraria’ o complexo processo social que gera desigualdades” (RICHMOND,
2013, p. 3, grifo meu). A relação entre pobreza e criminalidade é um dos grandes embates nas
Ciências Sociais e, especialmente na Sociologia do Crime. Para Sampson, na tentativa de
mudar tal perspectiva é preciso atentar para quais são as questões que, os sociólogos do crime
e criminólogos procuram responder quando se propõem a compreender o fenômeno do crime
e da violência em contextos urbanos da atualidade e, mais especificamente, quando se procura
compreender a existência ou não da relação causal crime-pobreza. Dentro dessa perspectiva,
para Sampson, a pergunta que o cientista social tem que fazer, é a de como, diante de tantas
transformações sociais, econômicas, tecnológicas e globais, espaços criminógenos
permanecem criminógenos e desiguais por décadas e décadas (SAMPSON, 2012).
Dentro dessa perspectiva, tal reflexão sampsoniana nos remete ao bairro de Santo
Amaro, quando no início de sua formação, nos anos de 1900, suas áreas de mocambos e
41
alagados, apresentadas no livro Recife Cultura e Confronto, do historiador Raimundo Arrais,
figuravam como um dos espaços mais violentos da cidade, junto com o mocambo de
Afogados, conforme apresentado no capítulo dessa dissertação.
A breve explanação sobre a Teoria da Eficácia Coletiva e o efeito da vizinhança nas
taxas de crime e violência, surge aqui, nesta seção, de forma mais ilustrativa. O
aprofundamento das questões teórico metodológicas de tal abordagem será feito mais a frente.
No entanto, antes de adentrarmos em tais questões, cabe um parêntese sobre o contexto
empírico do crime e da violência na cidade do Recife, que passou a ganhar maior centralidade
no debate dentro e fora da academia nos anos de 2000.
Contexto Empírico: crime e violência em pauta na cidade do Recife
Em 31 de Agosto de 2008, o Jornal do Commercio, um dos três grandes maiores
jornais em circulação do estado, lançou um caderno especial, intitulado, Vidas Invisíveis.
Nele, os jornalistas João Valadares e Eduardo Machado apresentam uma série de artigos
jornalísticos com dados, imagens e depoimentos inquietantes sobre os alarmantes números de
homicídios na capital pernambucana e no estado como um todo,
Um lugar com índices de homicídios de proporções continentais. Assim é
possível definir Pernambuco. Com 8,5 milhões de habitantes, segundo o
IBGE, o Estado teve 4.638 assassinatos em 2006. Os 25 países da União
Européia (sic), que juntos somam 459 milhões de habitante, registraram no
mesmo ano 6.697, execuções. [...] O comparativo é desproporcional até
quando se analisa o número de mortes nas dez maiores cidades
pernambucanas. (VALADARES; MACHADO, 2008).
Em 2006, o Cabo de Santo Agostinho, com 172 milhões de habitantes, teve
praticamente o mesmo número de homicídios (140) que Portugal (148), com
uma população de 9 milhões de residentes. Nenhum país da Comunidade
Européia (sic) teve tantos assassinatos quanto o Recife. Para se aproximar
dos 1.101 casos da capital pernambucana, é preciso somar todos os crimes
desse tipo anotados na França, Bélgica e Luxemburgo. (VALADARES;
MACHADO, 2008).
42
Os dois parágrafos que abrem a referida série jornalística evidenciam, em números, a
dimensão dos fenômenos do crime e da violência em todo o estado, com maior expressividade
para a capital e a região metropolitana. Em um processo vertiginoso, a escalada da
criminalidade urbana em Recife é, em certa medida, o reflexo do mesmo processo que vinha
acontecendo no Brasil, desde os anos de 1980, onde a questão do crime e da violência passou
a ter maior centralidade, seja pelos seus efeitos perversos, ou seja, pela tentativa de
compreensão e contenção de sua escalada dentro da sociedade brasileira. Neste cenário, além
de Pernambuco, estados como o Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, despontavam nas
estatísticas oficiais como locais onde mais se matava no país. E tais mortes tinham sexo,
idade, etnia e classe social, geralmente, eram homens jovens, na faixa etária dos 14 aos 25
anos, negros, de baixa escolaridade.
Segundo Andrade (2015), entre os anos de 1980 e 2013, no Brasil, a taxa de homicídio
por 100 mil habitantes aumentou em 141,9%. Neste período, o ano de 2012, segundo a autora,
foi o mais crítico, apresentado uma taxa de 29 homicídios por 100 mil pessoas, ultrapassando
“em quase cinco vezes a média mundial no mesmo ano, que foi de 6.7 [...] [e] quase três
vezes maior que a taxa considerada aceitável pela ONU [...] de até 10 homicídios para cada
100 mil habitantes.” (2015, p. 100, grifo meu).
Em Pernambuco, apesar da expressiva queda nos números de homicídios no estado19
,
ainda é um local onde o crime violento é muito presente, ou seja, ainda se mata e morre
muito. Em Recife, por exemplo, no ano de 2012, foram registrados 598 homicídios, o
equivalente a uma taxa de 35,2 para cada 100 mil habitantes (ANDRADE, 2015, p. 149),
ainda segundo a autora, as motivações (relatados pelos autores ou indicadas pelos policiais),
são diversas, no entanto, as motivações relacionadas às transações decorrentes do comércio de
drogas ilícitas, aparecem em primeiro lugar (17,5%) dentre os motivos para se cometer um
homicídio no estado de Pernambuco. ( p. 110).
19 Nos últimos seis anos Pernambuco vêm mostrando resultados positivos no enfretamento da
criminalidade violenta no estado. Tais resultados foram obtidos, a partir de 2007, com a implantação da política
pública de segurança, em 2007, o Pacto Pela Vida. De lá para cá os números de homicídios no estado caíram de
53,7 por cem mil habitantes em 2006, para 35,3 em 2012, segundo dados da Secretaria de Defesa Social. Embora
significativa a redução, Pernambuco nos últimos dois anos vem apontando um discreto aumento nos dados de
crimes violentos contra a pessoa em todo o estado.
43
Dentro dessa perspectiva, o tema da criminalidade violenta, no Brasil, leva a grandes
debates dentro e fora da academia20
. Dentre as preocupações mais latentes está o crescente
número de homicídios entre os jovens brasileiros, principalmente se este jovem for do sexo
masculino, negro, de baixa escolaridade e morador de favelas ou bairros populares dos
grandes centros urbanos do país. Em Pernambuco, importantes trabalhos vêm sendo
desenvolvidos na tentativa de compreender o crime de homicídios no estado, dentre eles
destacam-se, as análises configuracionais de homicídios, (ANDRADE, 2015; PORTELLA,
2014; PATRÍCIO, 2012) e a análise da significação social das mortes violentas, a partir de
entrevistas em profundidade com familiares de vítimas de homicídios no estado
(CAMPELLO, 2015).
Em Recife, as tentativas de compreensão do fenômeno da criminalidade violenta
ganham certa centralidade, principalmente em espaços de alta vulnerabilidade
socioeconômica, como por exemplo, o bairro de Santo Amaro, e as diversas expressões da
criminalidade violenta que ali se desenvolvem. Para citar alguns das produções mais recentes
com focos e abordagens diferentes que procuraram compreender a dinâmica do crime, da
violência e das redes de tráficos em Santo Amaro, destacam-se: identidade, sociabilidade
violenta e juventude (SILVA, 2014); infância, favela e cotidiano violento (SANTOS, 2013);
qualidade de vida, coesão social e violência (CUSTÓDIO, 2012); e, cartografia social e
dinâmicas do tráfico (DA SILVA, 2014). Os trabalhos evidenciam que há uma forte relação
entre as redes de tráfico de drogas, que atuam dentro e fora da comunidade, com a produção
da violência no local, tais redes possuem forte poder de cooptação e “recrutamento” de
adolescentes e jovens em atividades que geram um montante considerável de dinheiro e,
consequentemente, maior possibilidade desses atores tanto de serem vítimas como algozes de
atos violentos e de homicídios.
O destaque acima evidencia que o debate acerca do fenômeno do crime e da violência
exige diferentes instrumentos teórico-metodológicos, assim como, uma abordagem mais
aprofundada de sua dinâmica e de suas especificidades localizadas. Principalmente, quando se
20 Levando-se em consideração os importantes centros, núcleos e laboratórios de estudos e análise sobre
o crime e a violência vinculados à importantes universidades do Brasil, tais como o Núcleo de Estudos da
Violência da USP (NEV/USP); o Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ
(NECVU); Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (CRISP/UFMG); Centro de
Análise Sociais e Econômicas da PUCRS (CAES/PUCRS); o Laboratório de Estudos da Violência da UFC
(LEV/UFC) e o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas de Segurança da UFPE
(NEPS/UFPE). Para além da academia, importantes ações coletivas são desenvolvidas por ONG’s e coletivos de
combate à violência, dentre eles, destacam-se: o Instituto Sou da Paz no Rio de Janeiro, Instituo Igarapé também
do Rio de Janeiro.
44
observa que as ações localizadas dos mercados de drogas ilícitas acabam produzindo
dispositivos complexos de produção da violência e da violência letal nos grandes centros
urbanos brasileiros, envolvendo juventude de espaços populares, delinquência convencional,
tráfico de armas de fogo, corrupção policial e grupos de extermínio. Em um processo de
integração perversa entre a expansão dos mercados ilegais de drogas e de armas e a
experiência de ser jovem nos grandes centros urbanos do país (ZALUAR, 2007).
O breve panorama acima apresentado evidencia que o fenômeno da criminalidade
urbana e violenta é complexo, por isso, significa considerá-lo em suas várias dimensões,
dando tanto importância aos condicionantes estruturais como aos sociais. Na tradição
sociológica, várias correntes teóricas, buscam explicar as causas da criminalidade, dentre elas
a chamada abordagem ecológica e contextual do crime, como explicitado na primeira seção
deste capítulo. Segundo Beato et al (2009, p. 399), em uma abordagem sociológica do crime,
este fenômeno, deve ser compreendido não só pelo prisma dos agentes e das vítimas
envolvidos, mas também, é preciso levar em consideração o espaço social, os “traços dos
lugares” e as estruturas físicas, em que estes se desenvolvem. Visto que, segundo os autores, a
distribuição da criminalidade violenta nas grandes cidades do país segue um padrão comum:
os crimes contra o patrimônio se concentram na região central da cidade, enquanto os crimes
contra a pessoa, principalmente os homicídios, têm maior recorrência em favelas e bairros
populares, cujas motivações estão diretamente relacionadas às atividades provenientes do
tráfico de drogas.
Contexto Metodológico: atividades de campo em um território de tráfico
A pesquisa foi desenvolvida no território da João de Barros, por questões
metodológicas e de segurança, visto que transitar em um mesmo período nos diversos
territórios não é uma prática recomendada, mesmo para quem não tem nenhum envolvimento
com as redes de tráfico e para quem é de fora. No entanto, algumas incursões, antes de
concentrar as atividades de campo no território da João de Barros foram realizadas nas
comunidades da Vila dos Casados e da Ilha Santa Terezinha. Para além das questões de
segurança, metodologicamente, nos quatro meses de pesquisa, seria um pouco inviável visitar,
mobilizar e entrevistar todos os sujeitos que foram importantes para essa pesquisa. Embora a
relação com o bairro seja antiga, o contato com o território da João de Barros só não foi
45
completamente ausente por causa de uma ou duas visitas realizadas à comunidade no ano de
2004. Visitas que aconteceram durante a realização da pesquisa sobre a Imagem da Polícia
Militar. Tal atividade fazia parte das atribuições como bolsista da FACEPE, em uma das
primeiras experiências de campo como integrante do NEPS. Durante a pesquisa, ajudei a
identificar e delimitar nos mapas os territórios do bairro de Santo Amaro que seriam
pesquisados pela equipe de campo. Identificamos quatro áreas/territórios existentes no bairro
e que seriam pesquisadas, são elas: Ilha Santa Terezinha, Vila dos Casados, Campo do Onze e
João de Barros (Ver capítulo 1). Contribuí também para a localização e deslocamento das
equipes de campo nas áreas da Ilha de Santa Terezinha e da Vila dos Casados. Porém, o
território da João de Barros ainda era um território desconhecido para mim. Assim sendo, ao
voltar ao território da João de Barro, no ano de 2015, durante as atividades de campo desta
dissertação, ficou evidente a mudança estrutural do local. Em 2004 pude perceber muitos
casebres ainda de taipa, já em 2015, não havia mais casas de taipa, todas são de alvenaria, a
maioria com rebocos, pintadas, com um ou dois pisos, algumas poucas com revestimento em
porcelanato. Ruelas, becos e ruas com calçamento e esgotamento sanitário, embora precários,
mas existentes.
O território da João de Barros está localizado entre dois viadutos, o viaduto do mesmo
nome e o viaduto da Avenida Norte. É uma área relativamente pequena, com
aproximadamente, segundo um dos interlocutores, 1.210 habitantes, distribuídos em 220
casas. Em uma conta rápida seriam cerca de 5,5 moradores por domicílios. Dessa maneira,
com o intuito de preservar a privacidade, a anonimato e a segurança dos sujeitos dessa
pesquisa, não foi feito um quadro com a caracterização dos entrevistados. Visto que, ao fazer
uma caracterização detalhada dos sujeitos que contribuíram com essa pesquisa, posso acabar
trazendo informações que qualifiquem tais sujeitos, levando-se em consideração que o espaço
geográfico pesquisado é muito pequeno, para quem tiver acesso a esse trabalho, ficaria muito
mais fácil reconhecer, a partir de caracterizações específicas tais sujeitos. Como neste caso
fictício: homem, jovem, com 25 anos de idade, nascido e criado no bairro, filho de uma
importante liderança local e cantor de pagode21
. Quem mora no local e tiver acesso ao
trabalho facilmente irá identificar este interlocutor. Muitos dos entrevistados pediram uma
cópia deste trabalho após sua defesa, portanto, abrirei mão do quadro de caracterização dos
mesmos com intuito de preservar suas identidades e garantir-lhes o anonimato.
21 Não foi entrevistado nenhum cantor de pagode neste trabalho, o trecho acima é só ilustrativo.
46
Outra medida adotada na escrita deste trabalho foi a de não chamar os sujeitos dessa
pesquisa de ‘informantes’, ‘informantes chaves’ ou ‘meu informante’. Por várias razões, a
principal delas é a de que este termo é comumente utilizado para designar pessoas de dentro
de uma comunidade qualquer que passam informações privilegiadas para diversas
organizações que necessitem de tais informações. Dessa forma, este termo é fortemente
utilizado dentro do meio policial investigativo e um exemplo clássico de sua informação é a
contribuição que o informante dá ao trabalho investigativo sobre práticas criminosas diversas
como, por exemplo, uma pessoa de dentro de uma área controlada pelo tráfico e que passa
informações da atuação e organização para as policias. Nos territórios a pessoa, se for
descoberta, passa a ser chamada de ‘X9’, ‘dedo duro’ ou ‘alcaguete’, e sofre represarias de
todas as maneiras, inclusive, podendo vir a ser morto.
Assim sendo, para o presente estudo de caso, foram entrevistadas um total de 15
pessoas, 5 mulheres e 10 homens. No grupo dos homens, a maioria eram trabalhadores
formais com carteira assinada exercendo diversas funções, tais como: garçom, zeladores de
prédio. Havia também trabalhadores informais, guardadores de carros, limpadores de para-
brisas, vendedores de água mineral. Entre as mulheres, algumas são trabalhadoras formais
com carteira assinada, exercendo funções tais como, de serviços gerais, conservação
patrimonial, gestão e outras eram do lar. Todas as entrevistas foram concedidas mediantes
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, além do consentimento verbal.
Foram todas gravadas e, posteriormente, transcritas e, por fim, analisadas para esta
dissertação. Porém, alguns dos relatos que aparecem no corpo deste trabalho, não são apenas
trechos das transcrições dos áudios coletados, mas também transcrições dos diários de campo
produzidas imediatamente após as atividades in lócus. Todos os sujeitos mobilizados eram
maiores de 18 anos, em sua maioria, nascidos e criados no bairro ou apenas criados. Dos
entrevistados apenas um estava morando fora do bairro, embora tenha sido criado desde sua
infância no local e tem por costume passar as tardes das sextas-feiras na João de Barros. O
procedimento de construção da amostragem da pesquisa foi realizado através da seleção tipo
“bola de neve”, neste tipo de amostragem uma pessoa que participa da pesquisa, acaba
indicando outros e assim por diante. Neste caso, contei com a ajuda de algumas das amizades
feitas em 2006 durante o estágio supracitado.
Um dos instrumentos utilizados para a coleta de dados foi a observação etnográfica
intermitente, instrumento que esteve presente nas diversas etapas da pesquisa de campo.
Dessa maneira, a primeira etapa onde tal instrumento foi aplicado foi na fase exploratória da
47
pesquisa, fase em que foi feita a apreensão mais geral da realidade de forma “assistemática”,
ou seja, onde a coleta e o registro dos fatos da realidade local foram feitos sem planejamento
prévio ou controle. Na fase subsequente, ou seja, a coleta de dados, tal técnica também foi
empregada. Embora a paisagem do bairro de Santo Amaro não fosse uma paisagem estranha,
realizar incursões assistemáticas no território pesquisado permitiu delinear melhor algumas
questões, tais como:
1) quais os sujeitos seriam interlocutores interessantes para a pesquisa? Jovens e adultos
de ambos os sexos moradores nascidos e criados no bairro ou apenas criados nele;
2) em quais horários as atividades de campo seriam mais proveitosas? Neste caso final
da tarde e o período da noite foram os períodos mais produtivos;
3) quais ruas e/ou equipamentos públicos ou privados eram mais utilizados pelos
moradores? Praça da Academia, rua principal da comunidade, saída da rua principal da
comunidade.
A observação etnográfica também foi empregada nos momentos em que fui convidada
a tomar cervejas com alguns dos interlocutores da pesquisa, um desses momentos foi relatado
acima no caso da atuação da ROCAM. Os momentos da observação etnográfica se mostraram
tão rico em relação à produção de dados tanto quanto a aplicação das entrevistas em
profundidade. Ser convidada para tomar cervejas, passar algumas madrugadas no território,
poder acompanhar um entrevistado enquanto ele fazia uso de entorpecente (maconha) na sala
de sua casa, enquanto a sua mãe assistia TV na sala (Capítulo 3), me fez sentir ‘aceita’ por
alguns dos interlocutores, tal como relatou Foot-White, ao andar com os sujeitos da pesquisa
em seus momentos de lazer, algumas respostas surgiram sem mesmo fazer as perguntas certas
(1990, p. 82). Venkatesh, em sua pesquisa de campo para Chefe de Quadrilha por um Dia, foi
advertido, pelo líder do Black Kings, J.T. que a melhor maneira de compreender pessoas
como eles e o contexto em que elas vivem, seria acompanhá-las de perto, andar junto. (2008).
No entanto, nesta pesquisa o uso da técnica não foi através de uma proposta de imersão no
campo, de estar na comunidade por longas horas e dias, semanas ou meses inteiros, mas sim,
fazer com que as idas ao campo, para aplicação das entrevistas, também pudesse render boas
observações ou bons momentos de socialização com os sujeitos da pesquisa. Assim, dessa
maneira, poder compreender as diversas realidades que se desenrolam no cotidiano do
território da João de Barros, realidades que dizem respeito às diversas formas de violências
perpetradas tanto pelos envolvidos com o comércio de drogas ilícitas quanto pela atuação da
48
polícia no local. Que dizem respeito também ao cotidiano, aos processos de socialização que
ali se desenvolvem, a convivência entre os pares dentre outros aspectos.
Outra técnica utilizada foi à aplicação das entrevistas semiestruturada em
profundidade, uma importante ferramenta para a construção dessa dissertação. A proximidade
adquirida durante as idas ao campo ou adquirida ao longo dos anos em que estive indo e
vindo em alguns dos territórios de Santo Amaro, fizeram com que questões delicadas
surgissem, no momento das entrevistas, mesmo antes de serem perguntadas. Tais como o
envolvimento de alguns dos interlocutores com o mundo do tráfico e consumo de drogas
ilícitas (Capítulo 3). Mesmo sendo o crime e a violência uma temática de difícil abordagem,
seja pelas questões relativas à ‘lei do silêncio’, o medo de ser confundido com um delator e
por ser um assunto que não se fala com pessoas ‘estranhas’, senti que os interlocutores
ficaram muito a vontade para me contar e permitir gravar seus relatos. Talvez os momentos de
observação, antes e durante o campo, tenham proporcionado tal abertura, ou talvez a
proximidade social e de linguagem com os moradores do local também possa ter sido um
facilitador das ‘trocas verbais e não verbais que se estabelecem neste contexto de interação’
(FRASER e GONDIN, 2004. p. 2), durante a aplicação de um roteiro de questões construídas
para solucionar um problema teórico específico.
Nesse sentido, a aplicação de tal instrumento teve como objetivo compreender, a partir
dos relatos dos interlocutores, quais as naturezas dos laços de convivência e confiança entre
os residentes, quais as principais mudanças (estruturais e simbólicas) ocorridasno bairro nos
últimos anos, dentre outras questões.
Por fim, a importância desses interlocutores, dos instrumentos utilizados, dos antigos e
dos novos laços de amizades estabelecidos, para a obtenção do objetivo desta dissertação,
qual seja: analisar quais são os recursos utilizados pelos diversos atores e atrizes sociais,
moradores ou não, do território da João de Barros, localizado no bairro de Santo Amaro, para
acessar mecanismos de prevenção e controle da criminalidade e da violência no local, se deu
principalmente a partir da possibilidade de aprofundar questões relativas ao se viver em um
território de tráfico. A interlocução com esses atores e atrizes locais, proporcionou: a)
compreender quais os temas priorizados pela comunidade local, principalmente, no que diz
respeito às ações do tráfico de drogas no local; b) compreender em qual nível se dá os
mecanismos de prevenção primária no local; c) quais os principais vantagens e desvantagens
de se morar em tal território. Dentro dessa perspectiva, uma importante chave analítica que
procura compreender essa variação nas taxas de crime e de violência, assim como, a
49
importância do contexto nessaexplicação é, conforme evidenciado parágrafos acima, a Teoria
da Eficácia Coletiva, cuja abordagem e principais argumentos veremos a seguir.
Teoria da Eficácia Coletiva
A Teoria da Eficácia Coletiva desenvolvida por Sampson e seus colegas (1989; 1997;
1999; 2002; 2012), é tributária direta das abordagens ecológicas do crime, desenvolvidas pela
Escola de Chicago. Principalmente da Teoria da Desorganização Social (TDS), desenvolvida
por Shaw e Mckay (1942), a partir de análises de mais de 30 anos dos registros de deliquência
juvenil, cujos resultados foram apresentados no livro Juvenile delinquency and urban áreas
(1942). De maneira geral, a Teoria da Eficácia Coletiva (TEC) surge com o objetivo de
superar os limites, empíricos e teóricos, que a TDS apresentou quando Sampsom e Groves
(1989) procuraram testar os princípios teóricos de tal abordagem.
A preocupação de Shaw e Mckay era com a crescente migração para áreas pobres e
decadentes da cidade de Chicago, a intensificação desse processo nestas áreas levaria ao
esgarçamento dos laços vicinais e familiares, que dificultava a introjeção, por parte da
população local, da moral e das regras vigentes, gerando ambientes propensos ao crime e à
violência. A ideia principal é a de que a ordem social, a estabilidade e a integração
contribuem para o controle social e a conformidade com as leis, enquanto a desordem e a má
integração conduzem ao crime e à delinquência. Segundo os autores, quanto menor a coesão e
o sentimento de solidariedade entre o grupo, a comunidade ou a sociedade, maiores serão os
índices de criminalidade.
Em linhas gerais, a TDS, leva em conta a forma como o espaço estrutural está
organizado socialmente e de como este interfere nas formas de comportamento das pessoas,
dentro dessa perspectiva, a preocupação é com a forma de organização social distintas que
criam padrões ecológicos urbanos distintos e que interferem diretamente na produção de
comportamentos indesejáveis, tais como: consumo excessivo de álcool e drogas nas ruas, som
alto, dentre outros, inclusive o crime. Segundo Cerqueira e Lobão, a TDS,
50
Trata-se de uma abordagem sistêmica cujo enfoque gira em torno das
comunidades locais, sendo estrais entendidas como um complexo sistema de
redes, associações formais e informais, de relações de amizades, parentesco
e outras que, de alguma forma, contribuam para o processo de socialização e
aculturação do indivíduo; essas relações seriam condicionadas por fatores
estruturais, como status econômico, heterogeneidade étnica e mobilidade
residencial (2004, p. 238).
Nota-se que, segundo Shaw e Mackay, três variáveis são fundamentais para
compreender ambientes socialmente desorganizados: o baixo poder econômico, a
heterogeneidade étnica e alta mobilidade residencial, fatores determinantes para o
esgarçamento dos laços de pertencimento entre os residentes e, consequentemente, para o
aumento nos índices de criminalidade e delinquência em tais localidades. Sampson e Groves
partem da formulação inicial feita por Shaw e MacKay e incorporam a ela duas outras
variáveis (Figura 4): a desestruturação familiar, e por sua vez, a falta de supervisão nas
atividades de crianças e dos grupos juvenis (peer group); e o acelerado e caótico processo de
urbanização das grandes cidades que, minaria a possibilidade de adesão a metas e valores
comuns entre os residentes (baixa coesão social) (1989, pp. 781-782). Dessa maneira, o nível
de “desorganização social” foi testado pelos autores em dois momentos, primeiramente no
ano de 1982, a partir da análise de dados de uma pesquisa nacional realizada com 10.905
moradores de 238 localidades na Grã-Bretanha e depois em 1984, quando o modelo da
pesquisa foi replicado com 11.030 moradores de 300 localidades britânicas. Tal teste foi feito
não só a partir de fatores sociodemográficos, mas também, a partir das redes de amizades
locais, do controle das atividades de crianças e grupos juvenis e do envolvimento e da
participação comunitário nas resoluções dos principais problemas das comunidades
pesquisadas.
51
Figura 4 – Modelo Estendido da TDS proposto por Sampson e Groves
Fonte: Sampson e Groves, 1989, p. 783. Tradução da autora.
Segundo, Sampson e Groves, os resultados dos dois survey confirmam a abordagem da
TDS, proposta inicialmente por Shaw e MacKay. Segundo os autores, os dados indicam que
há uma variação nas taxas de desorganização social entre as comunidades e essa variação se
dá, principalmente, devido às características estruturais que tem impacto direto nas taxas de
vitimização e ofensa criminal,
Relying on recent insights from social-network theory and a macro-level
conceptualization of family structure and crime, we have presented evidence
from two large national surveys of England and Wales that replicate and
significantly extend Shaw and McKay's systemic model of community social
disorganization. Specifically, our empirical anlysis established that
communities characterized by sparse friendship networks, unsupervised
teenage peer groups, and low organizational participation had
disproportionately high rates of crime and delinquency. More-over,
variations in these dimensions of community social disorganization were
shown to mediate in large part the effects of community structural
characteristics (i.e., low socioeconomic status, residential mobility, ethnic
heterogeneity, and family disruption) in the manner predicted by our
theoretical model. We have thus demonstrated that social-disorganization
theory has vitality and renewed relevance for explaining macro-level
variations in crime rates [...]. In particular, the fact that Shaw and McKay's
model explains crime and delinquency rates in a culture other than the
52
United States [...] is testimony to its power and generalizability [...]. (1989,
p. 799)22
.
Ainda segundo os autores, mesmo o teste teórico ter comprovado a validade analítica
da TDS, sobre as variações das taxas de crime e delinquência, e mais ainda, ter sido
comprovado em um contexto externo ao contexto norte-americano o que evidencia a sua
possibilidade de generalização, algumas limitações foram percebidas,
Nevertheless, our analysis does not constitute a definitive test of social- disorganization theory. First, the proportion of variance explained in crime and delinquency was, at times, quite modest. Second, only three dimensions of community organization were examined, and these were, of necessity, measured with single items. In this regard, note that while local friendship networks, organizational participation, and control of teenage peer gropus
are all dimensions of a systemic concept of social organization, the are conceptually distinct and hence not different measures of the same variable. Consequently, we were unable to model measurement error with unobservable-variable methods. Third, the organization-participation variable was imprecise - for example, we do not know which organization respondents were involved with, and in fact we cannot guarantee that they were located in the community. Finally, better measures of both friendship networks [...] and street-corner gangs [...] are needed at the community level.
(1989, pp. 799/780)23
.
22 Tradução minha: Baseando-se em recentes insights da teoria de redes sociais e uma conceptualização
macro nível da estrutura familiar e do crime, temos apresentado evidências de duas grandes pesquisas nacionais
de Inglaterra e do País de Gales que se replicam e aumentam significativamente o modelo sistêmico de Shaw e
MackKay de desorganização social da comunidade. Especificamente, a nossa análise empírica estabeleceu que
as comunidades caracterizadas por escassas redes de amizade, grupos de pares adolescentes sem supervisão, e
baixa participação organizacional teve desproporcionalmente altas taxas de criminalidade e delinquência. Além
disso, variações destas dimensões de desorganização social da comunidade foram mostradas para mediar em
grande parte os efeitos das características estruturais da comunidade (isto é, baixo nível socioeconômico, a
mobilidade residencial, a heterogeneidade étnica e ruptura familiar) da maneira prevista por nosso modelo
teórico. Assim, nós demonstramos que a teoria desorganização-social tem vitalidade e renovada relevância para
explicar as variações de nível macro das taxas de criminalidade [...]. Em particular, o fato de que o modelo de
Shaw e McKay explica os índices de criminalidade e delinquência em uma cultura diferente dos Estados Unidos
[ ...] é testemunho de seu poder e de generalização [...] (1989, p. 799). 23
Tradução minha: No entanto, nossa análise não constitui uma prova definitiva da teoria da
desorganização social. Em primeiro lugar, a proporção de variância explicada no crime e delinquência era, às
vezes, bastante modesto. Em segundo lugar, apenas três dimensões de organização comunitária foram
examinadas, e estes eram, por necessidade, medida com itens únicos. A este respeito, notar que, enquanto redes
de amizade locais, participação organizacional e controle dos grupos de pares de adolescentes são todas as
dimensões de uma concepção sistêmica da organização social, são conceitualmente distintos e, portanto, não é
diferente medidas da mesma variável. Consequentemente, não fomos capazes de modelar erro de medição com
métodos não observável - variáveis. Em terceiro lugar, a variável organização - participação foi imprecisa - por
exemplo, não sabemos qual organização o respondente estava envolvido, e na verdade, não podemos garantir
que eles foram localizados na comunidade. Finalmente, melhores medidas de ambas as redes de amizade [... ] e
gangues de esquina [...] são necessárias ao nível da comunidade (1989 , pp . 799/780 ) .
53
Em 1997, Sampson, Raundenbush e Earls, na tentativa de superar as limitações
teóricas da TDS, descritas acima, desenvolvem o conceito de “Eficácia Coletiva”, definida
como um complexo sistema formado pela coesão existente entre os vizinhos, combinadas com
a confiança e a vontade de intervir em nome do bem comum. Portanto, a “Eficácia Coletiva”
está diretamente ligada ao controle da violência e da criminalidade, a partir de mecanismos de
controle social informais que não passam necessariamente pelo Estado. Ainda segundo os
autores, o controle social é a capacidade de um grupo de regular os seus membros,
informalmente, sem a intervenção do Estado, de acordo com os princípios desejados, para
alcançarem metas coletivas, sem o uso da força. Assim sendo, quanto maior for à adesão aos
valores comuns (coesão social), mas eficazes serão os mecanismos de controle social
informais, tal coesão vai ter impacto direto nas taxas de crime e de violência em uma
determinada vizinhança.
Para Sampson, Raundenbush e Earls (1997), as variáveis capazes de identificar
mecanismos de controle social são: 1) a supervisão das atividades de crianças e adolescentes;
2) controle sobre a evasão escolar; 3) supervisão em atividades de grupos juvenis; 4) intervir
em mercados ilegais, como o das drogas, por exemplo. Outra variável importante de controle
social, diz respeito à capacidade dos residentes em conseguirem benefícios públicos para seus
bairros: calçamento de rua, serviço de água e esgoto, construção de creches, posse da terra
dentre outros. Segundo os autores, duas variáveis são fundamentais, para que uma vizinhança
acesse mecanismos de controle social, são elas: os laços de confiança e os laços de
solidariedade entre eles. Dentro dessa perspectiva, segundo os autores,
Indeed, one is unlikely to intervene in a neighborhood context in which the rules are unclear and people mistrust or fear one another. It follows that socially cohesive neighborhoods will prove the most fertile contexts for the realization of informal social control. In sum, it is the linkage of mutual trust and the willingness to intervene for the common good that defines the neighborhood context of collective efficacy. [...] It follows that the collective efficacy of residentes is a critical means by which urban neighborhoods inhibit the occurrence of personal violence, without regard to the
demographic composition of the population. (1997, p. 919)24
24 Tradução minha: Na verdade, é pouco provável uma intervenção num contexto de vizinhança em que
as regras não são claras e as pessoas têm desconfiança ou medo um do outro. Segue-se que socialmente as
vizinhanças coesas irão revelar os contextos mais férteis para a realização do controle social informal. Em suma,
é o vínculo de confiança mútua e a vontade de intervir para o bem comum que define o contexto da vizinhança
de eficácia coletiva. [...] Daqui resulta que a eficácia coletiva os residentes é um meio essencial pelo qual as
54
Para Sampson e seus colegas, não só os elementos estruturais e sociais da organização
dos espaços podem “promover” ou “coibir” o comportamento indesejado, mas também os
arranjos vicinais que ali se desenvolvem. É nas vizinhanças, dos grandes centros urbanos
contemporâneos, onde estruturas e processos sociais se inter-relacionam com padrões
contextuais bastante definidos. Nesta perspectiva, a ênfase é dada a importância do lugar
aonde vizinhanças se desenvolvem, como um contexto fundamental para compreender os
efeitos generalizados do crime, percepção de ordem e desordem e a organização social.
Analiticamente, Sampson, desloca o seu foco do indivíduo para o efeito que a
vizinhança promove no controle ou não de comportamento indesejado dentro de determinado
contexto social. Sampson e seus colegas procuram correlacionar as escolhas num plano
individual, com a natureza da organização social da vizinhança. Ou seja, vizinhanças com
ricas vidas organizacionais favorecem mecanismos de controle social informal e formam
bases para expectativas comportamentais que reforçam ou promovam a confiança entre os
moradores.
Observa-se que Sampson e colegas desenvolvem uma interessante abordagem teórica
e metodológica do crime e da violência. A Teoria da Eficácia Coletiva tem como objetivo
compreender dinâmicas sociais capazes de inibir o ato criminoso e violento em determinadas
localidades urbanas. Partindo de uma abordagem sistêmica da criminalidade nos bairros, onde
a estrutura social de uma comunidade é representada na totalidade dos complexos conjuntos
de associações entre os membros de grupos de afinidade, grupos de parentesco e associações
locais. Ou seja, a importância da conexão entre confiança, de um lado, e controle social de
outro.
Segundo Sampson, a coesão social só se torna um mecanismo importante na
prevenção primária do crime, quando está se reflete em uma “Eficácia Coletiva”. Portanto, o
foco de análise de Sampson, são os mecanismos informais de controle social do crime e da
violência, ou seja, em comunidades que apresentam um alto grau de coesão social, ocorre
também, um fortalecimento das relações primárias e dos laços de convivência que, em
determinado momento, pode ser acessado pelos residentes, a fim de contribuir para a
consolidação de estruturais informais de prevenção social da conduta criminosa que não
vizinhanças urbanas inibem a ocorrência de violência pessoal, sem levar em conta a composição demográfica da
população (1997, p. 919).
55
passam necessariamente pelo estado (policiamento), como por exemplo, a vigilância da
vizinhança nas atividades de rotineiras de adolescentes e jovens.
Observa-se que a “Coesão Social” e a “Eficácia Coletiva”, tal como desenvolvida por
Sampson e seus colegas, pressupõe, em certa medida, a existência de “Capital Social”
(COLEMAN, 1990) que, segundo Coleman, seria o fechamento das relações dentro de um
grupo e/ou comunidade. Ou seja, o estabelecimento de uma coesão interna, pautada nos
princípios da confiabilidade e fortalecimento da organização comunitária, em prol de
benefícios mútuos para os indivíduos e para o bairro.
A Sociologia desenvolvida por Sampson e colegas é uma Sociologia analítica, que ele
denomina de uma Sociologia do Contexto, dentro dessa perspectiva pode ajudar a
compreender não só o fenômeno do crime e da violência, mas outros fenômenos que se
desenvolvem nos bairros, comunidade e vizinhanças de grandes centros urbanos. A ênfase
dada por Sampson e seus colegas é a importância que o lugar tem especialmente aquele lugar
onde as vizinhanças se desenvolvem, como um contexto fundamental para compreender os
efeitos generalizados do crime, percepção de ordem e desordem, organização social, dente
outros em uma metrópole contemporânea e tecnologicamente desenvolvida.
As explicações estruturais levam em consideração o espaço social ou situação onde a
criminalidade violenta é desenvolvida e não apenas o indivíduo. Desta maneira, procura
explorar o grau com que os traços dos lugares, ou seja, as características estruturais de uma
vizinhança, assim como aspectos individuais dos seus residentes, minam as possibilidades e
os mecanismos de controle social e, por conseguinte, maximizam as chances de maiores
interações em atividades criminosas.
Observa-se que a teoria desenvolvida por Sampson e colegas tem uma forte
preocupação com o lugar onde vizinhanças se desenvolvem. Dentro dessa perspectiva, há uma
questão importante sobre lugar e/ou vizinhança, se o lugar é importante, qual a definição de
lugar/vizinhança desenvolvido por Samposn e seus colegas? Sampson (2012) concorda que a
definição de bairro é problemática, como o estabelecimento de qualquer fronteira simbólica
na delimitação e organização do espaço geográfico. Assim sendo, para o autor, vizinhança é
uma construção simbólica, fluída e não fixa. Nesse sentido, para Sampson, vizinhança, em
termos teóricos, é uma seção geográfica e ecológica, uma comunidade maior ou região que
contém residentes ou instituições e que tem características socialmente distintas. Ou seja, são
56
composições sociais heterogêneas e que longe de corresponder às concepções
contemporâneas sobre o lugar (bairro, vizinhança), onde afirmam que tais espaços não dão
mais conta da complexidade da vida na cidade. Seja por serem espaços onde os indivíduos
tomam decisões autônomas ou seguem roteiros pré-definidos ou até mesmo por serem
espaços esvaziados ou vazios, cujos contornos são dados por forças externas e globais a eles.
A análise aqui apreendida, no território da João de Barros, mostra a força da expressividade
dos diversos fenômenos que lá existem, seja através da mobilização política de seus
moradores, seja até mesmo pela as condições de violência e crime que lá se desenvolvem.
Embora a abordagem desenvolvida por Sampson e colegas já estejam bem
estabelecidas em contextos urbanos norte-americanos, no Brasil, sua aplicação ainda é
limitada (ZALUAR; RIBEIRO, 2009, PRATES, 2009; DA CRUZ, 2010; ZILLI, 2004;
SILVA, 2004). Dentre tais estudos dois se destacam pela abordagem metodológica onde
procuram cruzar tanto dados quantitativos quanto dados qualitativos, são eles:
1) A tese, Os “Entraves” para o Surgimento da Eficácia Coletiva: um estudo de caso
em um Aglomerado de Belo Horizonte¸ defendida no Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da UFMG, por Wilson da Cruz (2010), nela o autor faz uma triangulação de
métodos qualitativo e quantitativo para compreender quais os entraves para a efetivação de
uma eficácia coletiva, na Vila Santana do Cafezal e no Aglomerado da Serra, em Belo
Horizonte. Para os dados quantitativos o autor utilizou dados do banco de dados do Centro de
Estudos e Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (CRISP/UFMG), assim como dados
da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (URBEL/PBH), além de um questionário
aplicado com moradoras da Vila Santana do Cafezal (p. 86). Para obtenção dos dados
qualitativos o autor optou pela entrevista semiestruturada, além da observação in lócus, que já
vinha realizando nos aglomerados pesquisados desde o seu trabalho de graduação (p. 98-99).
2) Outro trabalho que também se utilizou de técnicas quanti e quali para compreender
como redes de laços fortes e redes de laços fracos, podem interferir na consolidação ou não de
mecanismos de Eficácia Coletiva tendo como base de dados à Região Metropolitana de Belo
Horizonte (RMBH), no período de 2006 e 2008, cujos dados foram apresentados no artigo
Redes Sociais em Comunidades de Baixa renda: os efeitos diferenciais dos laços fracos e dos
laços fortes, de autoria de Antônio Augusto Pereira Prates, do departamento de Sociologia da
UFMG. Segundo o autor foram utilizadas duas bases de dados empíricas, uma de natureza
quantitativa, produzida por um survey e outra de natureza qualitativa, produzida por três
57
estudos de caso na RMBH. Ainda segundo o autor, a pesquisa qualitativa consistiu uma
replicação qualitativa de um estudo quantitativo, este último teve por objetivo mensurar tais
fenômenos e o primeiro, qualificar os dados (2009, p. 1118-1119).
A importância dos dois estudos aqui, diz respeito principalmente a utilização de dados
qualitativos que ilustram os dados quantitativos de pesquisas prévias feitas nos aglomerados
citados. Quando Sampson (2012) refere-se a proposições de questionamentos que procurem
compreender por que algumas vizinhanças continuam com níveis elevados de crime e
violência, mesmo depois de grandes transformações econômicas, tecnológicas e globais, para
o autor nenhuma estratégia ou resposta será simples, porém é possível procurar respondê-las,
se dentre outros fatores, os pesquisadores tiverem como recurso metodológico, estudos de
variações das taxas de crime e violência em vizinhanças distintas, a partir de dados
secundários coletos para este fim. Foi a tentativa feita pelos dois autores.
Por fim, a Teoria da Eficácia Coletiva desenvolvida por Sampson e seus colegas é
‘filha’ direta das abordagens ecológicas do crime, onde a dimensão da variável estrutural
surge como uma dimensão na qual a criminalidade deve e pode ser analisada. As análises
ecológicas do crime e da violência têm contribuído para explicação da diferenciação nas taxas
de crimes, onde procuram responder por que alguns bairros possuem índices de criminalidade
maiores que outros. Dentro dessa perspectiva, um dos fatores que podem contribuir com a
diferenciação nas taxas de crimes e violências nos bairros e, consequentemente, contribuir
para a sua diminuição, está diretamente relacionado a capacidade local de regular a atividades
crimonógenas, ou seja, criar mecanismos de controle informais do crime e da violência.
58
4. NARRATIVAS SOBRE VIZINHANÇA, VIOLÊNCIA E VIVÊNCIA
EM UM TERRITÓRIO DE TRÁFICO DE DROGAS
Pensar a violência e o crime a partir do espaço geográfico e a sua ocupação em
conjunto com todos os seus fatores ponderáveis, tais como, formação histórica, organização
estrutural, dados demográficos, dados socioeconômicos é, sem dúvida, um exercício
considerável para uma análise destes fenômenos que perturbam as áreas urbanas do país e,
assim como, do mundo inteiro. Nos capítulos acima alguns desses fatores foram apresentados,
principalmente, no primeiro capítulo dessa dissertação, onde faço uma contextualização
histórica, geográfica e sociodemográfica do bairro de Santo Amaro.
Nos parágrafos abaixo, a análise que se segue, traz os relatos dos moradores, os relatos
do que vi, ouvi e senti no campo ao que diz respeito às questões e diversas problemáticas que
o comércio de drogas ilícitas traz para o território da João de Barros, desde seu surgimento até
os dias de hoje. Principalmente, quando a criminalidade violenta é distribuída de forma
desigual em espaços urbanos contemporâneos, ondes moradores de áreas pobres são as
maiores vítimas da violência em tais espaços.
Santo Amaro Configuração Ambiental: desorganização física e social
Como já explicitado aqui a lente teórica que norteia este trabalho é a “Teoria da
Eficácia Coletiva”, tributária direta da “Teoria da Desorganização Social”, em ambas algumas
variáveis são importantes para compreender por que em determinadas áreas, dos grandes
centros urbanos, há mais ou menos ocorrências de crimes, principalmente crimes
interpessoais, sejam eles crimes patrimoniais ou crimes contra a vida. Assim sendo, uma
variável importante é a que diz respeito à maneira como o espaço físico e social é organizado
dentro de tais áreas. Por tanto, os conceitos como o de desordem física e de desordem social
são conceitos caros utilizados pela abordagem ecológica e contextual, para compreender não
só as dinâmicas inerentes às atividades transgressoras, como também, a diferenciação nas
taxas de incidência de crimes em vizinhanças distintas.
59
Em linhas gerais, a desordem física é caracterizada pelos aspectos estruturais de uma
determinada área, tais como, a presença de áreas abandonadas, terrenos baldios, lixo na rua,
casas abandonadas, ruas sem iluminação e de difícil acesso. Já a desordem social, é
caracterizada por espaços urbanos em que há uma presença significativa de redes de tráfico de
drogas ilícitas, com interação de mercados aos olhos de todos os residentes, ou seja, venda e
compra, assim como, o consumo de drogas tanto ilícitas quanto lícitas. Assim sendo, de
acordo com tais abordagens, espaços urbanos caracterizados física e socialmente como
desorganizados são espaços ou territórios que apresentam uma maior probabilidade acontecer
crimes e violências, principalmente, a violência letal e interpessoal.
Em relação à desordem física em Santo Amaro, durante as atividades de campo foi
possível perceber e ouvir que a comunidade da João de Barros passou por um processo de
urbanização significativo nos últimos anos. Não existe mais na comunidade barracos, agora se
percebe apenas casas de alvenaria, algumas delas com um ou dois pisos, umas com paredes
rebocadas e pintadas e outras com revestimento em cerâmica ou até porcelanato. Os becos,
vielas e ruas todas possuem calçamento, em algumas delas o sistema de esgotamento
sanitário, embora exista, é completamente deficitário, o que faz com que estoure e a água suja
e dejetos escorram a céu aberto. Como se observa nos depoimentos abaixo,
Não, não tem, casa de madeira não, não tem. Casa de primeiro,
segunda andar. A família ta crescendo, vai e constrói mais.
(ENTREVISTADO 6)
João de Barros hoje graças a Deus é uma área toda pavimentada. Eu
não tenho casa de madeira, a área é toda saneada, ta entendendo?
(ENTREVISTADO 3).
É central perto de tudo, não falta nada. [...] Melhorou, as ruas estão
calçadas teve votação pela prefeitura, pessoal ta votando pela obra
do Campo do Onze. (ENTREVISTADO 15).
Eu quando era adolescente arrumei um namorado que morava em
Paulista. Aí um dia eu disse a ele: ‘vai lá na minha casa’. E dei o
endereço a ele, quando ele chegou aqui e olhou para a favela, ele
disse: ‘meu deus é aqui que você mora?’ Eu fiquei muito sem jeito.
Muita coisa mudou, agora a comunidade ta toda organizada.
(ENTREVISTADA 7).
60
Nota-se nos trechos de entrevistas apresentados acima, que a mudança na estrutura
física do bairro é algo percebido e sentido por parte dos interlocutores como algo positivo. No
entanto, para alguns dos entrevistados, está próximo ao centro da cidade, conforme
evidenciando no Capítulo 1, não lhes trazem nenhuma garantia de melhores condições de
vida, habitacionais ou de acesso aos espaços de lazer distribuídos pela cidade, [...] uma área
de Centro, viver no centro do Recife é complicado (ENTREVISTADO 3). Dessa maneira, a
falta de espaços de lazer e morar no centro da cidade, por vezes, são referenciados como algo
muito negativo. Na tentativa de criar dentro da comunidade espaços de convivência e de lazer,
algumas iniciativas foram tomadas por moradores e por lideranças locais: i) a construção de
uma pequena praça ou altar para uma santa católica. Neste local também é onde os jovens
usuários de maconha, moradores do bairro, às vezes, se encontram para fazer uso de
entorpecentes; ii) a construção da sede do Espaço Cultural. O Espaço Cultural hoje, segundo
dados do campo, funciona como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP), usado como assessoria e capacitação para alguns grupos da comunidade e é onde
ocorrem também reuniões dos Alcoólicos Anônimos (AA) e reuniões de grupos evangélicos
existente na comunidade. A sede do Espaço Cultural foi construída em um terreno ocupado
pelos moradores, eles capinaram à noite, levantaram as pressas cercas de madeira e
começaram em seguida a construção da sede com alvenaria. Neste espaço também ocorria, há
mais ou menos dois anos, encontros de bailes funk, promovidos pela direção da instituição. O
objetivo dos bailes era promover um espaço, dentro de comunidade, de lazer e diversão,
principalmente para os jovens, além de arrecadar fundos para manutenção do prédio.
Aí tem a Santa ali que construíram... a gente tem esse espaço aqui
mesmo, que a gente fazia a festa aqui, casa cheia lotada. Festa de
rap, de dança, dessas músicas das novinha, como a turma fala. A
gente ganhou muito dinheiro aqui para manter a estrutura, mas em
compensação, a gente teve que parar por conta da guerra da favela,
as meninas já se prostituíam por conta da droga, por conta de viver
com seus boyzinho que era tudo ligado ao tráfico... ai pra num ter
muita coisa, aí a gente resolveu parar tudo. (ENTREVISTADO 3).
Como evidenciado no trecho acima, a iniciativa por parte da direção do Espaço, de
promover um local de lazer e diversão na João de Barros, acabou virando um grande
problema, devido às diversas brigas que ocorriam tanto dentro quanto fora da pista de dança.
Adolescentes e jovens do bairro eram os principais frequentadores e na maioria das vezes
estavam envolvidos nas dinâmicas do tráfico de drogas o que acabava levando as disputas
61
pelas áreas para dentro do baile. O encerramento dos bailes funk no Espaço Cultural foi
motivo de protestos entre os jovens que frequentavam as festas no local,
Teve [reclamações] muito jovem fizeram um abaixo assinado. Por que
o espaço não podia parar. Não tem área de lazer aqui. Aí eu tive que
discutir com eles, contar o problema tudinho, o que estava
acontecendo. Falar da questão da rivalidade das áreas, da briga por
causa dos pontos de drogas. Muitos jovens ameaçados com morte por
conta do tráfico. (ENTREVISTADO 3, grifo meu).
Ainda em relação à organização do espaço físico da comunidade da João de Barros,
alguns equipamentos públicos também são significativos dentro da comunidade. Um deles é a
Creche Municipal Professor Francisco de Amaral Lopes, e o outro é a Academia da Cidade.
A Creche é fruto de muita luta e reivindicações da comunidade junto a Prefeitura da
Cidade do Recife (PCR) e da Universidade de Pernambuco (UPE). Em março de 2011 a
creche foi inaugurada e desde sua inauguração tornou-se motivo de orgulho, cuidados e
admiração entre os moradores da João de Barros. Vindo a ser considerada por alguns como a
“menina dos olhos” dentro da comunidade. A necessidade por tal equipamento era e ainda
hoje é real, grande parte das mães da comunidade não tinham onde deixar seus filhos
enquanto estavam no trabalho.
É ai a gente também teve algumas conquistas da própria comunidade,
da creche aí do lado que era uma praça. [...] É a gente conseguiu. A
gente fez essa creche ai, junto com a Prefeitura do Recife e a
Universidade de Pernambuco. Teve esse espaço cultural aqui que a
gente também conseguiu ocupar esse aqui praticamente, invadiu,
ocupou, terreno a gente começou a viver dele fazer festas com danças
essas coisas. Festividade aqui no final de semana. (ENTREVISTADO
3)
Ela foi uma luta da comunidade João de Barros, aí elas conseguiram
pela faculdade, pelo projeto da UPE, da ESEF, junto ao BNDES. Aí
pegou a Prefeitura e fez parceria com a Prefeitura, isso aqui era uma
praça, pegou e montou uma creche, para atender à comunidade de
João de Barros. E aí, foi atendendo todas as necessidades, as
crianças, a creche, a comunidade muito participativa na construção
disso aqui... Da construção, até a construção realmente das
matrículas, de todo o trabalho composto. E aí a prefeitura assumiu
como um todo assumiu alimentação, funcionamento. A parceria que
62
nós temos hoje com a UPE, que foi desde a época, é o que? A
parceria de aulas de natação, para os meninos do grupo 3, e assim,
nada financeiro, só parceria com os alunos que vêm pra cá, trabalhar
com nossas crianças, botar em prática o que eles aprendem na
faculdade e trazer aqui pra gente. (ENTREVISTADA 4)
A Praça da Academia da Cidade é assim que é chamado o espaço físico onde está
instalado o Programa Academia da Cidade da PCR. Ponto de encontro, de lazer, de esportes,
brincadeiras, de chegada e de saída da comunidade dentre outros usos. A Praça da Academia é
uma das áreas mais frequentadas da comunidade da João de Barros, a qualquer hora do dia ou
da noite. O Programa surge no cenário recifense no ano de 2002, segundo ano do primeiro
mandato do então prefeito João Paulo de Lima, do Partido dos Trabalhos (PT), passando a
fazer parte de algumas das paisagens da cidade do Recife, principalmente de bairros populares
e favelas da cidade.
A Academia da Cidade da João de Barros ocupa uma extensão significativa da
comunidade, começando em frente à sede da Reitoria da UPE, indo até à creche, próximo ao
viaduto da João de Barros. Localizada entre a Av. Agamenon e a pista local, esta última com
um grande fluxo de carros e de motos particulares. Na Praça há dois campinhos de futebol de
terra batida, pista para caminhada, pátio para a prática de exercícios físicos, com
equipamentos em cimento e barras de ferro, a sede da Academia da Cidade, um pequeno
parquinho com 04 (quatro) brinquedos de cimento e um trailer da Polícia Militar, com o Posto
de Policiamento Ostensivo (PPO).
A Secretaria Municipal de Saúde foi a responsável pela implantação e gestão à época e
até hoje, o objetivo em criar espaços de esporte e lazer, em áreas populares e de favelas da
cidade, era o de construir um “Recife Saudável” e, segundo o site da Prefeitura do Recife, o
seu principal desafio era “minimizar contrastes sociais e econômicos, em busca da melhoria
das condições de vida da população por meio da oferta de serviços públicos que garantissem
a inclusão social”. Uma das principais características do Programa é a
[...] requalificação ou construção de espaços físicos públicos de convivência
e lazer, denominados polos, com estruturas que favorecem a vivência de
práticas corporais como ginásticas, dança, caminhada, corrida, jogos,
63
brincadeiras, além de palestras e oficinas, reuniões e serviços de orientação
nutricional, prescrição de exercícios e avaliação física25.
O parágrafo acima evidencia certa preocupação por parte da prefeitura, através da
Secretaria de Saúde, em ocupar espaços físicos antes depredados ou abandonados,
transformando-os em espaços de lazer, de prática de esportes e de socialização, tendo como
foco principal a promoção da saúde, mas também a prevenção à violência. O que vem a ser
corroborado pela abordagem ecológica e contextual sobre o crime e a violência, no que diz
respeito à desordem física, ou seja, a ocupação de áreas antes degradadas com atrativos
recreativos de esporte, de lazer e de convivência saudável. No entanto, embora a Praça da
Academia tenha como fim a prerrogativa de promover à saúde, à cidadania e prevenir o crime
e a violência, é lá em que muitas vezes tais dinâmicas criminógenas, decorrentes da interação
do comércio varejista de drogas, acabam acontecendo, mesmo com a presença no local dos
policiais que ocupam o PPO. O que aparentemente pode ser considerado como uma
externalidade do conceito de desorganização social¸ conforme explicitado acima. Dentro
dessa perspectiva, a Praça acaba sendo também um espaço de temor e de tristeza por parte dos
moradores do bairro,
[...] uma coisa que eu acho triste é isso, aí, oh: os moleques tudo
fumando maconha. Entendeu? Cheirando cola, mas eu não posso
fazer nada. O que eu faço é sempre pregar pra eles.
(ENTREVISTADO 2).
Eu não deixo meu filho vir brincar aqui sozinho nunca. Sempre venho
e fico aqui com ele. Não deixo por que aqui nessa praça tem de tudo.
Olha ali, tem um monte de gente usando drogas, não quero que o meu
filho entre nessa vida. Eu já vive isso daí. (ENTREVISTADA 7).
Nota-se que a percepção de grande parte dos interlocutores dessa pesquisa é a do
comércio de drogas ilícitas como um dos principais problemas da comunidade e não só o
comércio, mas o consumo de tais substâncias em qualquer local, dia ou horário na
comunidade. As boas referências de se viver no bairro são sempre contrastadas com os efeitos
e consequências negativas que tal comércio traz para o bairro,
25 http://www.recife.pe.gov.br/pr/leis/luos/solocapitulo_ii da_diviso_territori.html Acessado em 20 de
agosto de 2015.
64
Santo Amaro é uma comunidade carente. Aonde têm pessoas que não
tem muitas condições financeiras, tem pessoas que tem suas
condições. Qualquer evento a comunidade participa. É uma
comunidade que é ligada à cultura. Também moramos perto do centro
da cidade. É onde as pessoas saem pra ter o seu momento de lazer. É
uma comunidade bem carente, mas a violência é o que atrapalha isso,
né? Por que hoje, durante anos vivemos com esse medo em relação as
balas perdidas por conta do tráfico de drogas. [...]. Por que, os
traficantes eles insistem a traficar, homicídios rolam por causa dessas
coisas. E rolam por causa do tráfico. E a comunidade sente. Por que
fica com medo de sair de suas casas, com medo de levar seus filhos
pras escolas, por conta dessa violência. (ENTREVISTADO 1).
E era uma comunidade que era uma só. E começou o crack a chegar
aqui, começou as drogas chegar aqui, ai já foi gerando traficantes,
querendo um tomar posse. Tomou posse de terras daqui, tomou posse
de lugares. E nisso, rolou essa divisão por conta do tráfico mesmo,
porque um traficante só não conseguiu tomar conta do bairro todo. Ai
outros vieram, ai já começou facções, já começou grupo aqui, grupo
ali, grupo ali. (ENTREVISTADO 1).
P: E2. pensando no bairro, assim, tu acha que, o bairro da... sei lá, a
comunidade da João de Barros, ela mudou ao longo desses anos?
Mudou, mudou bastante. P: Pra melhor?Ta mudando pra melhor.
Mas tem muitos problemas ainda. P: Quais são os problemas?
Tráfico de drogas, morte, rixa. P: Fora o tráfico? Fora o tráfico?
Tem a prostituição, tem muita gente... entendeu? (ENTREVISTADO
2).
Observa-se uma relação forte com a comunidade e a indicação de que a instalação das
redes de tráfico e, consequentemente, o comércio e consumo de substâncias ilícitas acabam
trazendo consequências muito negativas para a comunidade. Visto que, tais dinâmicas, quase
sempre, se expressam de maneira extremamente violeta. Para alguns dos entrevistados,
vivenciar cotidianamente tais expressões, leva a um processo que por vezes pode ser
considerado como um aprendizado e que, em outras vezes pode levar a traumas que perduram
por muito tempo,
Você aprende muita coisa. Você aprende muita coisa: as falsidades,
as ambição, as amizade. Você aprende muita coisa. E você saí daqui
com um pensamento voltado à vencer. Por que, é só destruição, você
65
só vê destruição, você só vê coisa ruim. Coisas boas são poucas que
acontece. (ENTREVISTADO 10).
Foi um aprendizado. Num é só coisa ruim, não, viu. É um
aprendizado, né? Por que a favela, quem num morre, deixa sequela e
quando num deixa sequela a pessoa saí com muita sabedoria.
(ENTREIVISTADO 2)
Imagina só, o que que fica na mente? Meu sobrinho, por exemplo, ele
viu uns morto aí dentro, ele até hoje tem isso na memória. Meu
sobrinho tem 13, 14 ano já. Mas ele viu morto, com 7 ano de idade,
com 6 ano ele viu pessoas sendo assassinada, até hoje ele lembra.
Você entende? Vê, pronto, por exemplo, isso é normal dentro de uma
favela, você chegar no beco, começa a fumar uma coisinha... isso é
normal dentro de uma favela. Você entende? Ali fora não, se vê
fumando ‘é ladrão’, ‘é alguma coisa’, mas na favela não, fumando
uma maconha é normal, cheirando um pó é normal, dentro de uma
favela... fumando um crack é normal. Por que isso é uma vivência dia
a dia... no cotidiano, no dia a dia. (ENTREVISTADO 10)
O que se observa a partir dos relatos acima, é que em Santo Amaro há uma
significativa mobilização local e uma forte atuação de redes de tráfico coexistindo no mesmo
espaço. No primeiro caso os ganhos estruturais para a comunidade podem ser percebidos pela
reorganização física do espaço, embora ainda não seja a expressão de “ótimo”, são
considerados por muitos como satisfatório. No segundo, atuação de tais redes e suas
consequências podem ser percebidas nas falas daqueles que expressam sua negatividade para
o bairro, mesmo que alguns deles já tenham participado de tais redes: vendendo, consumindo
ou cobrando suas dívidas.
O que nos deixa diante de um paradoxo. Vejamos, segundo Sampson et al, It is the
linkage of mutual trust and the willingness to intervent for common good that defines the
neighborhood contexto of what we tem collective efficacy. (1997, p. 919)26
, ou seja, no caso
de Santo Amaro, a “vontade de intervir para um bem comum”, não necessariamente, em
relação às redes de tráfico, pode ser convertida em uma “Eficácia Coletiva”, haja vista a forte
atuação no local e as consequências nocivas que tais redes trazem. Para Silva (2012), o que
acorre em certas áreas pobres e de favelas dos grandes centros urbanos é uma
26 Tradução minha: É o vínculo de confiança mútua e a vontade de intervir para o bem comum que
define o contexto de vizinhança onde temos eficácia coletiva (1997, p. 919 ).
66
(...) situação inesperada em que áreas com elevados níveis de criminalidade
são, simultaneamente, organizadas e desorganizadas, [...] produto de um
tipo de organização social específica, em que a condição de confiança
mútua, coesão social e predisposição dos residentes locais em intervirem
para alcançar uma meta comum é uma linha tênue praticamente inexistente.
Quando muito, esses elementos coexistem de modo fragmentado em um
contexto onde as regras não são claras e as pessoas desconfiam umas das
outras. É nesse sentido que um tipo de organização local baseada unicamente
na coesão entre seus residentes não é suficiente para a promoção de um
contexto fértil para o exercício do controle social [...]. (2012, pp.61/62,
grifos meus).
Nota-se que, em Santo Amaro, esse controle social não é efetivo quando a referência é
feita as ações do tráfico de drogas no local. Este parece ser um dos elementos fundamentais
que minam a possibilidade de efetivação de mecanismos primários de prevenção do crime e
da violência, principalmente da violência letal no local. Na próxima secção veremos como o
tráfico de drogas interfere na vida dos moradores, assim como, alguns deles relatam o seu
envolvimento nas dinâmicas inerentes às redes de tráfico de drogas ilícitas na João de Barros.
Vivências em um Território de Tráfico de Drogas
Como evidenciado acima, apesar das condições estruturais na comunidade da João de
Barros ser satisfatórias e muitos dos equipamentos públicos existentes lá surgirem da
organização e coesão entre lideranças locais (internas e externas) e demais moradores, o
intenso comércio varejista de drogas ilícitas aparece como uma das grandes preocupações
locais. A maneira como interfere na vida de todos e, principalmente, o seu poder de cooptação
ou atração entre adolescentes e jovens são evidências latentes de que tal problema está longe
de ser solucionado por parte dos moradores.
Interfere sim. Porque Santo Amaro é um bairro que passa sete, oito
meses uma benção, na paz. Todo mundo se divertindo, seu final de
semana curtindo a sua vida, os jovens jogando sua bola nas ruas, se
divertindo empinando pipa, mas quando a violência começa, aí nós
moradores se refugiamos nas nossas casas. Ficamos com medo de
sair, não ficamos muito tempo tarde nas ruas porque as madrugadas
agora ta muito perigoso, a gente não sabe o que pode vir pela frente.
Então é isso, a gente fica com medo quando acontece esses fatos da
67
violência, do tráfico. Influência muito. É a gente se torna refém de
uma coisa que não fazemos parte. (ENTREVISTADO 1).
Vendedor eu tenho muito, tem. Traficante tem muito mesmo, muito
mesmo. De assustar. (ENTREVISTADO 3).
[O medo aqui] é da briga do tráfico. O que quebra com a gente é o
tráfico de drogas, é isso, o tráfico, abala todas as casas, todas as
vidas de todo mundo. Porque a violência quando chega, todos nos
somos reféns, todos, não escapa ninguém. (ENTREVISTADO 9, grifo
meu).
Tem um tráfico de drogas muito ativo dentro da comunidade, onde
muitas pessoas se preocupam mais de ta vendendo a droga. Hoje... eu
tenho essa preocupação dentro da comunidade. Dou graças a Deus
de não ter criança nem muitos de 10, 12 anos envolvidos. Mas eu
tenho pessoas de famílias que hoje... eles têm isso como fonte de
renda. Então isso pesa por conta de falta de políticas públicas dentro
do próprio governo, dentro da comunidade que num tem. Aí isso às
vezes acarreta esse desmando que dá. (ENTREVISTADO 3).
As falas acima evidenciam que as atuações do tráfico de drogas ocorrem de maneira
intermitente, com períodos de maior intensidade e períodos de menor intensidade. O que
segundo alguns dos entrevistados são os períodos em que “tá pegando a coisa”. Tentando
compreender um pouco mais sobre a atuação do tráfico na comunidade, quando indagados se
sempre existiu redes de tráfico no local, não há um consenso entre os interlocutores. Dois
deles, um de 40 anos e outro de 23 anos de idade, este se referindo as histórias que sua mãe
contava, afirmam que a comunidade passou por períodos de relativa tranquilidade e que
notícias sobre drogas, consumo e mortes não eram tão comuns.
Santo Amaro... nunca... a minha mãe já me contou uma história. Eu
nasci em 1990, mas minha mãe e meu pai. Minha mãe sempre me
contava historias dela que Santo Amaro não era assim. Na época
que... que ela ainda tava comigo na barriga, na época era mãe. Tinha
casas de shows, de danças, essas coisas antigas. Que não era assim,
que era uma comunidade totalmente unida. (ENTREVISTADO 1).
Eu tava com 6-7 anos, por aí. E cresci, vi as aventuras e vivi as
aventuras de uma época que ainda se tinha muito mais verde, né, se
tinha muito mais árvore, muito mais pé de fruta, é... e hoje já não se
68
tem mais [...]. Muito doido, cara. Era muito legal. Aí vem outra fase,
que é a questão da... o caso da adolescência, de já ver arma, de já ver
amigos serem assassinados, brigas, amigos brigando com amigos,
amigos matando amigos. (ENTREVISTADO 6).
Para os demais entrevistados, independentemente da idade, as primeiras lembranças
das rotinas e vivências dentro do bairro eram afetadas pelas dinâmicas quase sempre violentas
das atividades do tráfico de drogas no local. É comum tanto nas expressivas manchetes da
mídia policialesca que, em Pernambuco, tornou-se atrativo televisivo em qualquer horário do
dia ou da noite, quanto para a opinião pública, a associação entre dinâmicas violentas e
violência letal, com o comércio varejista de drogas ilícitas em diversos contextos urbanos do
país. Tal constatação também aparece nos estudos e análises sobre tais dinâmicas em
contextos como o do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais (ZALUAR, 1994; MISSE,
1999; MACHADO, 1999; ADORNO, 1999; BEATO et al, 2001; dentre outros). Na
comunidade da João de Barros tal evidencia é bem expressiva na fala de parte dos
interlocutores dessa pesquisa:
Sempre teve tráfico de drogas. [...] o tráfico ele mudou só de papel,
ele tirou do... daquele lascado, daquele pobre lascado e uma classe
mais elevada de dentro da própria da comunidade achou isso como
meio da vida para vender, né? (ENTREVISTADO 12).
A história da João de Barros é complicada, né? Por causa do tráfico, da criminalidade. Hoje é mais o tráfico. A criminalidade deu uma reduzida muito boa aqui, na nossa área. Falo em geral, assalto, morte, homicídio. O último eu acho que tá na faixa de dois anos
atrás27
. (ENTREVISTADO 5).
[...] de já ver arma, de já ver amigos serem assassinados, brigas,
amigos brigando com amigos, amigos matando amigos. Eu tinha 18,
19. Aí foi quando eu comecei, comecei a ver as coisa acontecerem. E
aí eu fiquei um pouco assustado de ver os meus amigos se matando,
uns aos outros, E aí fui, teve uma doideira que, assim, sabe, tá
presenciando e ter que tá convivendo, não era só presenciar.
Conviver, porque o espaço dividido, por que como comunidade não
existia um espaço, não havia na verdade, um espaço que você
pudesse, de lazer [...] E ai foi, punk, foi punk rock, presenciar aquela
ciosa toda e ver os caras matando e muito noticiário. [...] noticiários
nacionais, noticiários que repercutiram... Muito, muito, muito, a João
27 Meses depois da pesquisa, especificamente no mês de novembro uma jovem, usuária de crack foi
assassinada na porta da casa de um dos interlocutores da pesquisa. O mesmo me ligou para relatar o fato.
69
de Barros teve. A João de Barros teve música [...] (ENTREVISTADO
6).
Tenso, não era seguro tá aqui agora. Por que a qualquer momento a
gente via os tiroteios. Uma vez os caras tavam aqui, nessa rua aqui. E
aí, tava tomado umas. E os pegaram o caminhão de lixo,
sequestraram o caminhão de lixo, vieram com os trabalhadores, os
caras ficaram pendurados, quando fez a curva, quando viu os cara
tomar o caminhão do lixo, os cara pá pá pá e foram simbora.
(ENTREVISTADO 14).
Um dos entrevistados tem uma lembrança bem significativa da história da dinâmica do
tráfico de drogas na comunidade da João de Barros. Segundo o seu relato sempre houve
drogas na comunidade, ora vendida pelos próprios moradores, todos masculinos, ora vendido
por um oficial aposentado do Exército morador do Espinheiro, bairro de classe média alta que
faz divisa com a comunidade da João de Barros.
Sempre existiu. Era maconha. Quando não tinha aqui, alguém tinha. Como M. M. era o rei da parada. Quem quisesse alguma coisa... M. era o capitão
do PQD, paraquedista do exército. Ele era um oficial do exército. Já tava
aposentado. Aí ele vendia. Ele nem usava, vendia. Era maconha. Só
maconha. [...] Já vem 2000 que já chega o pó. Muda a dinâmica do tráfico
um pouco, por que vem uma galera que tem um poder aquisitivo maior. Mas
ainda com o finalzinho das galeras das antigas, né? Que é o Miguelito, né?
Um cara que conhece... um morador do Espinheiro, né? [...] aí sempre vivia
dentro da favela. [...]. E que era refletido naquele tempo, no passado, na
década de 90, ainda é vestígios dessa galera. Mesmo que elas não existiam
mais, mas os vestígios que foram deixados como fama, ainda é basicamente
a mesma. Por conta de décadas, décadas e décadas elas foram mudando de
personagens. Mas a prática desses delitos continuaram. Desses
entorpecentes continuaram. Por isso que a grande fama da João de Barros
não é o cara roubar, é o tráfico. (ENTREVISTADO 6)
Observa-se que em sua fala, a mudança no tipo de droga comercializado a partir dos
anos de 2000 (onde a maconha passou a dividir a clientela com a cocaína), assim como, o
perfil do responsável por trazer esse novo produto para a comunidade (uma pessoa de classe
média), muda também a dinâmica do tráfico dentro bairro. Tais elementos, com o passar dos
anos, atrelados a posição geográfica privilegiada da comunidade, acabam atribuindo a João de
Barros certo status dentro do mercado ilícito de drogas, principalmente entre os usuários que,
segundo relatos dos entrevistados, são de todas as classes sociais e de vários bairros de classe
média, bairros populares ou de favelas da cidade e da RMR. Segundo o entrevistado, a
70
maconha comercializada pelo oficial aposentado do Exército, na comunidade da João de
Barros, era de uma qualidade diferente, lembra-se do cheiro, referindo-se a ela como “uma
maconha cheirosa. A danada cheirava que só”. Pela qualidade, usuários e consumidores de
diversos perfis sociais passaram a frequentar a comunidade para compra e uso deste produto à
época de M. e demais traficantes que atuavam no bairro.
Hoje em dia, a comunidade ainda é bastante procurada por diferentes perfis sociais de
usuários e consumidores de drogas ilícitas. Tais consumidores chegam de carros populares ou
modelos mais luxuosos, a pé, de bicicleta, com crianças no colo, ou crianças carregadas pelas
mãos. E são homens e mulheres, de todas as idades. Aqui, os conceituo em dois tipos: os do
tipo 1, caracterizado por sujeitos de classe média-média e média-alta; e os do tipo 2, neste
caso os pobres e “debilitados” pelo consumo de crack. A maioria não é do bairro. Os do tipo 1
vem de bairros de classe média próximos ou não da comunidade, vindos também da Zona Sul
e outros municípios da RMR. Passam em seus carros, caracterizando a dinâmica do drive-thru
da droga, já referenciado neste trabalho. Os do tipo 2 são de bairros e comunidades próximos:
Coelhos, Caranguejo, Tabaiares, Coque, dentre outros. Alguns já foram moradores do bairro,
mas hoje vivem pelas ruas e perderam seus laços de parentesco e de amizade dentro da
comunidade.
A minha maior venda de droga aqui é de quem é de fora e de quem
para carro. 90% da venda de drogas é de fora. O consumidor que eu
tenho dentro da comunidade é maconha, maconha ela praticamente
ela ainda é ampla dentro da comunidade, para adulto, alguns antigos.
Que gosta de fumar maconha, isso ainda tem. Mas o crack em si, não.
Não é uma droga consumida pela comunidade. Nem o pó. Também
não, nem o pó, nem o viradinho28
. Agora a minha maior venda é de
carro. Tem que vem que vem comprar de fora. (ENTREVISTADO 3)
A turma que vem, vem do Alto, Alto do Pascoal, Ilha do Leite, Coque
é... Santa Teresinha, Nova Descoberta, Casa Amarela é o que mais
são clientes da João de Barros. João de Barros é pequena, mas ela
tem uma repercussão muito grande por conta da violência que já
houve aqui dentro. ‘João de Barros! É a Jão...’ É aquele negócio
todo. (ENTREVISTADO 13)
A dinâmica do tráfico hoje é bem diferente da vivenciada na época de M. e os demais
traficantes que atuavam no local. Segundo os entrevistados, hoje não há mais o grande
28 ‘Viradinho’ é uma das maneiras em que o crack é consumido. Onde o usuário esfarela a pedra e mistura esse
produto com ácido do bórico. Nesta apresentação a droga é aspirada, tal como se faz com a cocaína.
71
traficante, a pessoa responsável pela grande compra e pela distribuição no varejo da droga,
“vendedor eu tenho muito”. Para um dos entrevistados, na comunidade, existem várias
pessoas envolvidas com as dinâmicas do tráfico de drogas na atualidade. Questionando sobre
a origem da droga, afirma não saber de onde ela vem,
Hoje não existe um, existe vários, né? Ou seja, num existe vários outros
acessos, outras pessoas. Muitas pessoas envolvidas. Aí essa gurizada tem
uma pessoa, agora quem é ninguém sabe, né? A gente num sabe quem é...
agora se sabe que eles têm esses canais, né? Quando você vê um cara com
uma arma na rua, tu diz: ‘poh, tu comprou arma, num é ilegal?’ Onde é que
esse cara conseguiu essa arma? Ele vai dizer que foi aonde? ‘Eu fui na feira
de Peixinho, véio. Comprei na feira de Peixinho’ ‘Poh tu na feira de
Peixinho procura arma e tem pra vender’. Não é? Então é essa a mesma
coisa: ‘tu comprasse ainda? Ah, eu compre um cara que eu conheci. Num
sei quem é não’. Mas se sabe que chega. (ENTREVISTADO 6).
Hoje em dia, não só a dinâmica do tráfico mudou, mas a introdução de um novo tipo
de drogas, o crack, também mudou a relação da comunidade com o comércio de drogas no
local. Durante as atividades de campo foi possível ver grupos de homens e mulheres
consumindo esse tipo de drogas, em ruas próximas à comunidade, em qualquer horário do dia.
Geralmente eram adultos, bastante debilitados fisicamente e os momentos de consumo da
droga quase sempre eram intercalados com tentativas de se conseguir recursos financeiros,
pedindo dinheiro no sinal, limpando para-brisas de carros, coletando materiais recicláveis, ou
até mesmo pedindo dinheiro aos transeuntes ou moradores da comunidade,
Mudou. Pesadíssima. Destruiu famílias. Por que o crack quando chegou. Aí
foi que se fodeu, né? Chegou, aí fodeu. (ENTREVSITADO 6).
Vicia, mas não é tão potente como o crack, não. O crack é o mais potente de
todos. É o que você passa a madrugada, amanhece, dia após dia e quer
fumar mais, quer fumar mais, quer fumar mais. E até mesmo você sem
dinheiro. Você tem que roubar... trocar roupa, trocar sapato...
(ENTREVISTADO 2).
Foi durante as atividades de campo que também conheci Maria29
, uma mulher negra,
de mais ou menos 1,70 de altura, magra, mal vestida, sem dentes. Apesar de que suas
condições físicas e de asseio a desfavorecesse, percebia-se que seu rosto expressava uma
29 Com o intuito de preservar o anonimato e sua privacidade, Maria, é um nome fictício dado a uma
mulher usuária de crack com quem cruzei várias vezes nas idas ao campo.
72
beleza que se destacava entre tais condições. Segundo um dos entrevistados, Maria antes de
passar a consumir crack, era considerada uma das mulheres mais bonita da comunidade. O
estado físico de Maria hoje é o retrato típico dos diversos usuários desse tipo de substância
espalhados pela cidade e pelo país, dessa maneira, para parte dos entrevistados, essa droga seu
comércio, consumo e as sequelas de anos de seu uso sempre trouxeram problemas graves para
a comunidade,
São verdadeiros zumbis rondando em torno do bairro. Pessoas que ta no
sinal ali, que você vê que ta debilitado. O cara faz 20 conto, faz 10 conto já
racha com o outro: ‘- tu fizesse 10, poh? – Fiz. – Vamos simbora descer pra
gente comprar uma pedra’. Chega vem correndo pela beira do canal, num
pé da porra. Aí porra, passou o dia inteiro ali, limpando vidro do carro, pra
chegar a vinte reais, pra chegar a dez reais. Isso é muito triste, né? A outra
é você vê um catador, puxando a carroça, tudinho e ele é usuário de crack.
Então ele passa o dia inteiro juntando coisa naquela carroça, pra quando
chegar o horário de ganhar vinte conto e ir comprar de crack.
(ENTREVISTADO 6).
[...] o crack é mais [vendido] para aqueles do lado de fora, mas tipo assim,
cada um compra a sua droga e vai simbora, mas também tem aqueles
usuários daqui que são reféns do crack, que são escravizados pelo crack,
roubam, furtam para comprar o crack, fazem tudo pelo crack e são parte da
comunidade, que são jovens que tem as suas famílias. Tem as suas coisas
que perderam por conta do vício e o traficante ele sabendo disso ele
empurra mais, vende fiado. (ENTREVISTADO 1, grifo meu).
Maria aparece aqui de forma ilustrativa, o objetivo desse trabalho não foi o de se
debruçar sobre as causas e consequências dos usos ou abusos de substâncias psicoativas que,
para algumas pessoas acabam levando à dependência química e, consequentemente, a
situações de debilidade física, social e econômica. A situação em que se encontrava Maria, no
período das atividades de campo, não é só um problema percebido em Recife ou em Santo
Amaro, mas uma problemática de amplitude nacional, que ganha repercussão na mídia através
da divulgação de imagens e depoimentos de pessoas nas mesmas condições que ela e que
habitam as crackolândias, como as que existem, por exemplo, em São Paulo e no Rio de
Janeiro. A repercussão não só midiática dos efeitos que o crack tem nas trajetórias de vida de
várias outras ‘Marias’ ou de outros ‘Josés’, acaba refletindo em políticas públicas repressivas,
inspirada na “guerra” norte-americana às drogas, surgida naquele contexto nos anos de 1980 e
que até hoje perdura por lá (REINARMAN; LEVINE, 2004). A ênfase repressiva de tais
políticas cuja premissa é o combate e/ou enfretamento dos abusos de substâncias químicas
73
ilícitas, acabam resultando no encarceramento de usuários compulsivos, que precisam muito
mais de políticas estratégicas de prevenção, assim como, de medidas eficazes de tratamento
psicológico e assistência médica. Para um dos entrevistados, políticas repressivas de
‘combate’ ao crack¸ não findam em êxitos, visto que, a problema dos abusos dessa substância
é um problema de saúde pública e não de segurança.
O tráfico é um problema de saúde pública. Agora, a polícia tem que ter uma
visão de hoje que o crack é um problema de saúde pública, ela não deixa de
ser um problema de segurança. É um problema de segurança pública, por
que ela gera violência e se gera violência, é um problema de segurança
pública. Agora se formos pensar na quantidade, na porcentagem maior eles
são mais de usuários que precisam de tratamento do que de pessoas que
precisam ir pra cadeia. (ENTREVISTADO 6).
Como evidenciando acima, o crack, aparece nos relatos dos entrevistados, como um dos
grandes problemas da João de Barros, seja pelo comércio que movimenta, ou seja, pela situação de
debilidade em que se encontram seus usuários. No entanto, o mercado do crack, como vimos, divide
sua clientela com a maconha e a cocaína, tornando-se, essas três substâncias os principais produtos
comercializados na comunidade. Também, nos relatos acima, observa-se que há dois tipos de
consumidores e/ou usuários: os do tipo 1, caracterizados por pessoas de classe média e média alta; e os
de tipo 2, este caracterizados por pessoas dependentes químicas do crack e que apresentam aparência
física bastante debilitada e comportamento social não apropriado. Ambos moradores de diversos
bairros da cidade e da RMR. O Entrevistado 6, desenvolve um esquema explicativo agrupando os
tipos 1 e 2 de consumidores de acordo com o tipo de drogas consumidas, conforme veremos a seguir:
74
Segundo o esquema, para os usuários do tipo 1 e 2, a maconha é comum para ambos,
ou seja, tanto um quanto o outro costuma usar este tipo de substância, a qual ele denomina de
“droga intermediária”. O fluxo livre de consumo está representado pelas setas verdes. Porém,
o consumidor do tipo 1, usuário de maconha e cocaína, não usa o crack, por ser esta uma
droga considerada “destruidora” e por medo de desenvolver maior dependência química. E
por fim, o consumidor do tipo 2, usuários de maconha e crack, não usam cocaína por ser tratar
de uma droga com alto custo financeiro. A seta vermelha indica que não há um fluxo livre de
consumo, assim como, os motivos pelos quais tais substâncias não são usadas pelos tipos
diferentes de usuários.
Durante as atividades de pesquisa, foi possível perceber um pouco desse intenso fluxo
dos tipos 1 e 2 de usuários, geralmente a droga comprada não era tão perceptível quanto a
transação que ali se desenvolvia. No entanto, por vezes, o “cheiro” do campo era o cheiro de
maconha e de álcool consumidos por grupos diferentes dentro da comunidade e em seu entorno. Os
usuários de maconha eram em sua maioria jovens e adultos que estavam comercializando drogas e os
usuários de álcool eram homens adultos e idosos, aposentados ou trabalhadores informais, que
ficavam nas esquinas da comunidade passando o dia e a noite bebendo.
MACONHA (A)
A.C.* M.D.**
COCAÍNA (B) CRACK (C)
Figura 5 – Esquema Explicativo Tipos
Consumidores x Tipos de Drogas
Fonte: Pesquisa de Campo. Elaborado pela autora.
*Alto Custo. **Medo Dependência.
75
Em determinado momento vejo alguém se aproximar pela minha esquerda,
um homem que aparentava ter uns 40 anos, branco, estava de bermuda jeans,
camisa do Náutico e chinelos tipo percatas. Ao se aproximar do grupo de
jovens, sentados na sede da Academia da Cidade, eles fazem um sinal com a
mão, um dos jovens respondeu. Discretamente o jovem bate com a mão
esquerda no chão, indicando para ele sentar-se ao seu lado. O homem senta,
ele destoa do grupo, estava limpo, de camisa, calçado, etnicamente era
diferente também. Ao sentar o jovem se levantou, entrou em uma das vielas
da comunidade, demorou alguns minutos, ao voltar percebe-se que ele
coloca algo no chão, que fica um pouco atrás do homem. Neste momento o
homem passa a sua mão para trás, puxa a sua carteira e entrega ao rapaz um
dinheiro. Levanta-se e segue o seu caminho, sentido a Av. João de Barros.
Isso tudo há poucos metros da polícia. (Transcrição do diário de campo).
Tais dinâmicas de venda e consumo podiam ser percebidas e presenciadas em
qualquer dia e horário durante as atividades de campo. O comércio é realmente intenso e
acontece em vários pontos da comunidade, com destaque para dois pontos, os quais conceituo
aqui de: o ponto A, onde está localizado a Academia da Cidade, próximo ao PPO; e, o ponto
B, a saída de umas das ruas principais. Próximo ao final da tarde no ponto B é muito comum
ver grupos de 4 a 5 pessoas, mulheres, homens, jovens e adultos, parados como flanelinhas
fazendo sinais para carros, motos, bicicletas e pedestres. Já no ponto A, a venda ocorre com
maior “sutileza”, a maioria das expressões são gestuais ou faladas em voz baixa,
principalmente, nos momentos em que há presença de um policial no PPO. São locais de
maior intensidade, porém, não se restringe a estes, em qualquer rua da comunidade é possível
ver uma transação acontecendo, mesmo na presença de quem não é de lá.
A relação entre os vendedores de drogas ilícitas, moradores e funcionamento da creche na
comunidade
A literatura nacional sobre o tráfico de drogas e seus efeitos na sociedade brasileira é
extensa e tem, quase sempre, como cenários as dinâmicas que acontecem nas unidades
federadas do Rio de Janeiro e de São Paulo em maior proporção e em uma proporção menor,
em Minas Gerais (ADORNO, 2002; BEATO, 1998; CALDEIRA, 1991, 2000; DOWDNEY,
2003; MISSE, 2006, 2007; ZALUAR, 1994, 1997, 1998, 2004, 2007; dentre outros).
Pernambuco e outras capitais do nordeste passaram a fazer parte desse roteiro mais
recentemente, em meado dos anos de 2000, quando à questão da criminalidade passou a
76
ganhar maior centralidade na sociedade como um todo e na academia em particular (Ver
capítulo 2). Embora a literatura especializada aponte que o fenômeno do tráfico de drogas é,
na verdade, um problema de dimensões transnacionais observa-se que são suas ações
localizadas que acabam produzindo dispositivos complexos de produção da criminalidade, de
violência e de letalidade nos territórios onde tais redes de instalam. Tais dinâmicas quase
sempre envolvem a juventude moradora de tais espaços o que, segundo Zaluar (2007), seria
decorrente de uma integração perversa entre a expansão dos mercados ilegais de drogas e de
armas de fogo e a experiência de ser jovem nos grandes centros urbanos do país. Quase
sempre se observa que os dispositivos de produção da criminalidade e da violência no local,
envolvem tanto a juventude moradora, quanto a delinquência convencional, o tráfico de armas
de fogo, a corrupção da polícia e aplicação de força bélica na resolução dos conflitos inerentes
a tais atividades.
O traficante de favela não é o perigoso, não é a ameaça, ele não é. Ele vai
está com a violência defendendo uma coisa que já foi rotulado como crime,
pra o olhar de outras pessoas da sociedade. Mas como ele ta vendo como
uma única forma de sobrevivência. [...] a justiça social deve ser vista
mesmo, deve ser entendida como perigoso não é aquele cara que está na
favela. O perigoso está dentro dos batalhões da polícia, o perigoso está
dentro de uma delegacia de polícia. O perigoso ta nos apartamentos. Então
a ponta é só a vítima da vítima. Por que eles vão nada mais, nada menos, do
que superlotar as cadeias. Não é o cara do viaduto que ta fumando crack
nesse exato momento que é o perigoso não. É só a vítima da vítima.
(ENTREVISTADO 6).
E no meio desse “fogo cruzado” estão os demais moradores, não envolvidos
diretamente nas dinâmicas das redes locais, que se tornam vítimas indiretas das ações tanto do
tráfico no local quanto das investidas da polícia e, dessa maneira, se agarram aos recursos
disponíveis para lidar com a violência no local (MACHADO DA SILVA; LEITE; 2007). Na
João de Barros, essa relação é bastante evidente na fala dos entrevistados. O tráfico no local é
uma atividade rotineira que acontece com muita frequência e muita intensidade, para alguns
moradores a relação existente entre os que estão envolvidos nas redes de tráfico e demais
moradores, por vezes é conflituosa, ao mesmo tempo em que algumas regras de respeito e
convivência nos espaços de lazer comuns dentro da comunidade acabam sendo estabelecidas.
A molecada [vendedores de drogas] consegue manter esse pacto, atribuído
há muito tempo que... que hoje eu posso dizer: ‘ops, olha’. Houve um roubo
77
aí, mas a gente sabe que o cara que roubou não era daqui. Num era.
(ENTREVISTADO 6, grifo meu).
Conturbada por que a gente não aceita, né? Aí já pensou um cabra tá
traficando aqui na sua porta, aí as crianças, vai passa pra lá, passa
pra cá. Então, então não é bom de maneira nenhuma. Da parte deles
tem respeito, se a gente falar, por exemplo, quando eu chego naquele
espaço do campinho de areia né? Se eles tiverem lá batendo bola, ou
jogando, aí eu chegar e eles também na mesma hora, não tem
problema nenhum, isso aí eu sei... mas eles fazem [parte das redes de
tráfico]... (ENTREVISTADO 5).
Os jovens, da comunidade que eu conheço muitos, não todos né, mas
eu convivo com muitos, eles sabem que se eles não respeitam os
traficantes daqui, das duas áreas vai ser ruim... mas eles sabem que
se eles se misturarem eles vão se prejudicar, eles mesmo sabem disso.
(ENTREVISTADO 10).
Machado da Silva & Leite, ao analisarem os relatos de 150 moradores, de três favelas
cariocas, moradores de territórios dominados pelo tráfico de drogas e pelas milícias,
evidenciam que a vivência em tais territórios violentos (alvos constantes das operações
policiais e das investidas de facções rivais), acaba levando há uma preocupação com as
“interrupções na estabilidade das rotinas diárias provocadas pelas frequentes explosões de
violência” (2007, p.546). Ainda segundo os autores, o que diferencia a violência perpetrada
naquele espaço pela polícia da praticada pelas redes de tráfico, seria o fator da
imprevisibilidade. Para o caso carioca, os autores evidenciam que a ação policial em tais
territórios é marcada pela imprevisibilidade e arbitrariedade em sua conduta,
De outro lado, quando se trata da violência envolvida nas práticas dos
traficantes, com os quais os moradores são obrigados a compartilhar o
mesmo território, há muitos relatos de tentativas (bem e mal/sucedidas) de
redução da imprevisibilidade do fluxo da vida local. Isto ocorre por meio do
ajustamento das condutas a um cálculo – inviável e/ou ineficaz no caso da
ação policial – dos riscos envolvidos nesta convivência forçada. Este,
tornando ‘administrável’ uma pequena porção da violência na localidade [...]
(Op. Cit., p. 546)
No caso da João de Barros, o relato de uma das entrevistas funcionária da creche local,
evidencia haver entre a instituição e os envolvidos com as redes de tráfico no local uma
relação de ‘respeito’ e de cuidado, principalmente, nos períodos em que os conflitos ficam
mais latentes, ou como dizem os nativos, ‘tá pegando a coisa’ na comunidade. Dessa forma, a
78
rotina da creche é totalmente alterada, algumas atividades de lazer dentro e fora do espaço
ficam suspensas pelo iminente risco de vitimização das crianças, dos pais ou cuidadores e do
corpo de funcionários da creche. Para tanto, os próprios envolvidos com as redes de tráfico
avisam à direção da escola quais horários e locais em que as crianças podem desenvolver suas
atividades, assim como, aconselham também, a abertura e/ou fechamento da creche em
horários diferentes do que o normalmente habitual, que é das 7h às 19h. Minimizando assim o
fator imprevisibilidade, apresentado acima, característico das ações policiais em áreas pobres
e de favelas dos grandes centros urbanos.
Não. A gente para... assim, eles ligam pra gente: ‘Olhe, não mande os
meninos hoje pra natação não, porque tá pegando a coisa aí’[a
piscina para a prática da natação fica na sede do departamento de
Educação Física da UPE, portanto no sentido oposto ao da creche].
‘Obrigado Senhor.’ Não sei nem quem é. Agradeço. Já ligou, avisou.
Já avisaram assim: ‘Não deixe os meninos aí no parque não.’ Que
mataram uns. Tinha um mata-mata aí... e tavam de tarde... que não
deixasse os meninos no parque. Tem dias que a gente vê, que o GOT
entrou aí, tudo encarapuçado, tudo encapuzado, tudo num sei o quê.
Vai ter, então a gente, ou libera... Aí as mães já vem correndo: ‘Eita,
deixa eu pegar logo meu filho por que hoje tá pegando a coisa aí’
(ENTREVISTADA 4, grifo meu).
A creche, como já evidenciando aqui, é uma das principais referências ao engajamento
e às conquistas locais, tanto é que é considerada por muitos “a menina dos olhos” da João de
Barros, e como tal, é uma referência de cuidado como mostra o trecho de entrevista acima. O
zelo por este espaço vai além da questão de minimizar as possibilidades de vitimização do
público alvo e de seus funcionários, avisando-os dos confrontos eminentes, segundo a
entrevistada, as pessoas que estão envolvidas com as redes de tráfico no local, acabam
‘cuidando’ das pessoas que utilizam aquele espaço: A segurança nossa aqui é tranquila, por
que você vê, uma creche dessa, mas eles tomam conta da gente. (ENTREVISTADA 4). Tal
zelo pode ser analisado na perspectiva de uma ‘microrregulação do negócio da droga no local’
(TELLES; HIRATA, 2007). Haja vista que o número crescente de furto ou roubos na
localidade, principalmente, ataques ao mais importante equipamento público da comunidade,
poderia chamar a atenção da polícia, assim como, criar a descrença e a desconfiança entre os
moradores e os comerciantes de drogas no local, tais fatores, acabam levando parte destes
fazer um [...] cálculo refletido para garantir a cumplicidade dos moradores contra as
79
investidas da polícia e também estratégia para controle de território ante os grupos rivais e
sempre em disputa. (2007, p.179)30
.
Tal respeito, zelo e cuidado pela creche, ficam restritos as fronteiras que esta faz na
comunidade, visto que o acesso a ela, por crianças de outras áreas, que vivem em conflito com
a comunidade da João de Barros, se dá muitas vezes por diversos arranjos entres pais e
cuidadores e as redes de tráfico no local. Segundo a funcionária da creche, as crianças que
frequentam o espaço, não são só crianças da comunidade da João de Barros, mas também de
outras comunidades, tais como: Campo do Onze, Santa Terezinha, Ilha do Joaneiro.
Comunidades que tradicionalmente mantêm conflitos e rixas entre si, conforme evidenciado
no Capítulo 1. E como já evidenciado também o conflito entre as redes de tráfico acaba
interferindo na vida daqueles que têm ou não envolvimento com o mercado de drogas nestas
áreas, dessa maneira, acaba levando às mudanças na rotina de alguns pais, cuidadores e de
suas crianças, assim como, ocorrendo à necessidade de se pagar pelo acesso as vias que levam
à creche.
Eu tenho mães que pagam para poder passar. Não podem passar da
ponte, do viaduto. Tem que ficar lá e alguém traz. Ou sair... por
exemplo, o horário da creche, normalmente é de seis às sete, aqui
normalmente a gente abre às 5 e meia, porque muitos não podem
passar depois das seis da noite pra lá, entendeu? Então a gente tem
essa concessão de horário, de 5 e meia abrir os portões pra vir pegar
seus filhos, entendeu? (ENTREVISTADA 4).
Nos relatos acima, observa-se que o comércio varejista de drogas ilícitas aparece, na
fala de todos os entrevistados, como um dos mecanismos através dos quais o crime e a
violência se solidificam na comunidade, ganhando expressões perversas, haja vista o
expressivo número de homicídios no local e interferindo diretamente no cotidiano dos demais
moradores do bairro. É importante ratificar que o problema das drogas no local é muito menos
o consumo do que as interações provenientes do comércio: compra, venda e cobrança de
dívidas, quase sempre letais. Durante as atividades de campo foi comum falar com
interlocutores que não tinham, na época da pesquisa, ou nunca tiveram envolvimento com as
atividades do comércio de drogas e, no entanto, estavam fazendo uso de substâncias ilícitas,
como maconha ou lícitas como álcool. Foram vários os momentos em que estive presente
enquanto um dos meus interlocutores, na segunda sala de sua casa, usava maconha enquanto a
30 Um pouco mais sobre essa microrregulação na João de Barros será discutido no tópico 3.3 deste capítulo.
80
sua mãe assistia a novela na sala principal ou preparava a janta ou o almoço na cozinha.
Jovens, trabalhadores, estudantes e que usam maconha de forma recreativa.
Esta ressalva se faz necessária devido à associação causal, compartilhada no senso
comum, entre consumo de drogas ilícitas e produção de crime e violência em áreas pobres e
favelas dos grandes centros urbanos: “tava emaconhado, por isso foi roubar”; “o filho de
fulana é o maior maconheiro, não quero você andando com ele não”; “fulano começou a
fumar maconha, daqui a pouco ta matando e roubando”31
. No caso da João de Barros, durante
as atividades de campo, essa máxima do senso comum não se confirmou. No entanto, alguns
estudos mostram que o abuso de certas substâncias lícitas ou ilícitas, como o álcool e o crack,
por exemplo, podem levar a comportamentos criminosos com mais frequências entre os
usuários de tais substâncias,
In short, no simple sequential or causal relationship is now believed to relate
drug use to predatory crime. When the behaviors of large groups of people are estudied in the agregate, no coherent general patterns emerge associating drug use per se with participation in predatory crime. Rather, diferente patterns appears to apply to diferente types of drugs users. But research does show that certain types of drugs abuse are strongly related to offender’s commintting crimes at high frequencies – violent crimes as well as other, income-producing. (CHAIKEN E CHAIKEN, 1990 apud ZILLI, 2004, p.
41)32
No entanto, quando deslocamos o foco do usuário ou consumidor para as redes de
tráfico e para o comércio varejista de drogas ilícitas, observamos que há uma relação direta
entre o aumento da criminalidade e da violência onde tais dinâmicas se desenvolvem.
Segundo Zilli (2004), alguns fatores podem levar ao aumento da criminalidade nos territórios
em que as redes de tráfico se instalam,
[...] por ser uma atividade ilegal e desproporcionalmente lucrativa, a venda
de drogas mobiliza uma grande estrutura para garantir sua eficiência. Várias
pessoas precisam trabalhar conjuntamente para cuidar dos aspectos como
31 Tais frases puxo de minha memória da adolescência e juventude, moradora de um bairro popular e
muito violento da cidade do Recife, era sempre comum ouvir de minha mãe e vizinhas tais frases. 32
Tradução minha: Em suma, qualquer relação sequencial ou causal simples é acreditado agora para
relacionar o uso de drogas para o crime predatório. Quando os comportamentos dos grandes grupos de pessoas
são estudados e agregados, não há padrões gerais coerentes emergentes associando o uso de drogas com a
participação no crime predatório. Em vez disso, diferentes padrões parece aplicar-se a diferentes tipos de
usuários de drogas. Mas a pesquisa mostra que certos tipos de abuso de drogas estão fortemente relacionados
com infratores que cometem crimes em altas frequências - crimes violentos, bem como outros, produtores de
renda. (Chaiken E Chaiken, 1990 apud ZILLI, 2004, p. 41).
81
segurança do negócio, vigilância sobre a polícia e possíveis inimigos, além
da manutenção dos postos de venda. (2004, pp. 41-42).
Levando em consideração, alguns dos fatores, que levam o comércio de drogas ilícitas,
ser uma atividade altamente perigosa e letal, me levou a questionar por que alguns
adolescentes e jovens entram em tais circuitos? O que de atrativo há em tais atividades que
fazem com que “por décadas, décadas e décadas” mudando apenas os personagens, os tipos
de armas e as formas de dominação do território, o tráfico de drogas perdura em áreas pobres
e de favelas dos grandes centros urbanos no país? Nota-se que o foco deste trabalho não era
responder a tais questionamentos, no entanto, a forte referência às consequências nocivas que
o comércio de drogas ilícitas trouxe e ainda traz para a comunidade, me fez ouvir com mais
atenção algumas das trajetórias que acabaram levando a prática de atividades ligadas às redes
de tráfico. Abaixo apresentaremos algumas delas.
Entre o para-brisa, o palco e o tráfico: trajetórias de ex vendedores de drogas no local
O título dessa sessão faz uma alusão a alguns interlocutores significativos durante as
atividades de campo, nem todos os relatos apresentados aqui, são de jovens que estavam ora
envolvidos com atividades culturais em suas comunidades, ora envolvidos com a atividade de
tráfico também em suas comunidades. No entanto, vale a pena ressaltar, que todos os relatos,
do envolvimento com a dinâmica do tráfico de drogas, surgiram de maneira espontânea, ao
responderem questionamentos, tais como: “me conta como é viver aqui na comunidade”; “me
conta um pouco de sua história”. Por isso, os relatos apresentados aqui não serão exaustivos,
apenas ilustrativo do fato de que se viver em uma metrópole urbana, em um espaço onde as
desvantagens sociais são expressivas e onde as redes de tráfico se instalam com maior
facilidade, podem levar a trajetórias e narrativas de envolvimento não só com o consumo,
como também com a venda e a proteção do ponto de venda de drogas ilícitas.
Neste cenário, algumas ações sociais, por parte de ONG’s que atuam em todo o bairro
de Santo Amaro, têm como objetivo principal minimizar a ações e cooptações das redes de
tráfico ali existentes. Promovendo atividades de formação cultural, através de linguagens
artísticas como a dança, a percussão e o canto. Procurando elementos que fossem admirados
82
por seu público alvo: crianças, adolescentes e jovens de ambos os sexos, algumas dessas
instituições investiram em expressões musicais como o rap e em danças como o break dance
e a dança afro. Alguns jovens tiveram a oportunidade de viajar para fora do país, onde fizeram
apresentações em diversos países da Europa.
O fato de cantar rap e dançar break, se apresentar para diversos públicos, de poder
viajar para fora do país, ter suas letras gravadas e cantadas por pessoas não só da comunidade,
como de fora também, fizeram com que, após o período de convivência em uma determinada
ONG local, alguns jovens não se sentissem a vontade para exercer funções laborais não tão
prestigiadas quanto cantar rap como, por exemplo, ir para os semáforos que cortam as
avenidas do bairro e lavar para-brisas. Percebe-se que o ânimo da dança, do canto e das
viagens internacionais promovidos pela organização deram lugar a “desesperança” e a falta de
perspectiva na vida adulta, isso acabou definindo algumas trajetórias,
Na época eu cantava rap, fazia umas letras muito massa, dançava
braek, tinha uma galera que gostava, sentia muita vergonha de ir pro
sinal lavar vidro de carro. Eu queria dinheiro, então eu passava
algumas horas no palco, cantando para as pessoas. Falando para elas
não usarem ou entrar na vida do crime. E saia do palco pegava uma
pistola desse tamanho, oh. Colocava na cintura e ia pra boca fazer
dinheiro e usar drogas. (Jovem evangélico, cantor de rap, retirado do
registro de campo).
Para alguns dos jovens, todos do sexo masculino, o tempo que eles passaram na
instituição (do início da adolescência ao início da juventude), trouxe-lhes retorno profissional
e/ou financeiro zero. Ou seja, a formação cultural, a dança, o canto, não foram capazes de
capacitar os jovens para o mercado de trabalho formal, motivo hoje pelo qual, muitos deles
não conseguem trabalhos formais e com registro em carteira de trabalho.
Hoje eu tenho 27 anos de idade e nunca trabalhei na minha vida, não
tenho nem a carteira assinada. Hoje dia vendo água para poder me
sustentar. Saí do tráfico hoje to vendendo água (Jovem vendedor de
água, cantor de rap, retirado do registro de campo).
A expressão musical do rap aparece também na narrativa desses jovens, como um dos
elementos de acesso aos territórios em conflito. Sendo assim, para um dos entrevistados, o
83
rap, é importante dentro do contexto de conflito e de violência entre as redes de tráfico,
principalmente, por permitir acesso não só aos palcos dos outros territórios, como também,
poder frequentar, sem ser apenas em períodos de festividades, os demais territórios do bairro.
Para outro grupo de entrevistados, homens e mulheres, o envolvimento com o tráfico
de drogas se deu por vários motivos, seja principalmente pelo consumo e, consequentemente,
a necessidade de usar mais e mais drogas, seja pelos altos recursos financeiros advindo do
comércio de drogas. Porém um dos fatores que chamam a atenção é sem dúvida, a atribuição
ao vínculo de amizade, um dos principais motivos para entrada neste circuito,
É o caso que acontece com muitos, se misturam com os traficantes
daqui por conta disso em relação de amizade, eles começam a criar
vínculos ate porque os traficantes não tem nada de besta, eles
quando, os jovens quando começam a se misturar com eles, ai vão se
misturando, se misturando, eles como traficantes vai oferecer também
para ele também, a quando ele quer vender pronto, ele já esta na mão
do traficante, ele tem que vender ai nisso já vem a questão da
vaidade, dinheiro fácil, (colar) de prata, já se mistura, já se torna um
traficante refém das drogas. (ENTREVISTADO 11).
[...] mas muitos se envolvem, até porque pegou amizade, usou o tipo
de substância aí já ta já fazendo. Fica envolvido com isso, uma
maconha aqui um dia. Já tá com o traficante comprar maconha,
depois compra outra. Aí tem a ver com a comunidade uma festa, aí os
traficantes já estão aí pra fumar com ele, aí ele vai se mistura e já tá
lá. (ENTREVISTADO 15).
Ele era envolvido né com coisa, com droga. E outras coisas que tem,
que a gente vê hoje em dia, que a gente perde muito, quando você vê
um adolescente traficando né, que os outros maiores envolvem eles, e
eles são seduzido a traficar né. Então, isso a gente sente muito, eu
como moro aqui, e tenho esse tempo todinho. (ENTREVISTADO 5).
Minha entrada foi... eu vendo alguns caras armados... fazendo... eu
achava isso muito legal, muito interessante... sabe o que é... Eu
achava isso... eu pensei muito em ser um super-herói da favela, né,
como todo o jovem que tem um pensamento que tem um pensamento
pequeno, fechado e ta em determinado coisa, por que você acha que
aquilo ali, né, é o certo de fazer... eu era isso. E quase perdi a minha
vida por causa disso, né? Eu entrei no tráfico através do crack.
Comecei adiantar o crack pra poder ter dinheiro pra beber, pra... sair
pra todo quanto, né? É uma liberdade que você tem dinheiro todo dia.
(ENTREVISTADO 2).
84
Um dos relatos acima fala em “sedução” e a “atração” por armas de fogo, no entanto,
como explicitado acima, o envolvimento com o consumo de drogas também foi um dos
fatores determinantes para entrada destes jovens no comércio de drogas ilícita,
Eu comecei com 17 anos. A... 20 anos de idade, sendo refém das
drogas. Cheguei ao tempo de vender minhas coisas, por conta do
vício. Passei um tempo numa clínica por conta do vício.
(ENTREVISTADO 1).
Eu entrei no tráfico através do crack. Comecei adiantar o crack pra
poder ter dinheiro pra beber, pra... sair pra todo quanto, né? É uma
liberdade que você tem dinheiro todo dia. Por exemplo, o crack ele
é... você ganha muito dinheiro fácil. Ganha mais até do que a
maconha. O crack você ganha muito dinheiro fácil.
(ENTREVISTADO 16).
Ele era envolvido né com coisa, com droga. E outras coisas que tem,
que a gente vê hoje em dia, que a gente perde muito, quando você vê
um adolescente traficando né, que os outros maiores envolvem eles, e
eles são seduzido a traficar né. Então, isso a gente sente muito, eu
como moro aqui, e tenho esse tempo todinho. (ENTREVISTADO 5)
Por fim, levando em consideração que o território da João de Barros apresenta um
cenário, que para determinadas demandas aparece como organizado, por exemplo, para a
consecução dos mais diversos aparatos públicos, durante o seu processo de urbanização, para
outros aparece como um espaço socialmente desorganizado, haja vista, a atuação das redes de
tráfico no local. Neste sentido, alguns mecanismos que permitem a coexistência dessas duas
dimensões precisam ser melhores elucidados. Dentro do modelo explicativo causal do crime e
da violência, desenvolvido por Sampson e seus colegas, para que uma vizinhança acesse
mecanismos de prevenção primária do crime e da violência, ou seja, mecanismos de controle
informal, fator determinante na variação nas taxas de tais fenômenos em contextos urbanos,
duas variáveis são fundamentais, são elas: os laços de confiança e os laços de solidariedade
entre os moradores. Na próxima seção observaremos como alguns desses laços são percebidos
pelos residentes locais.
85
Sentimento de Confiança e Valores Comuns Compartilhados: em que nível opera o os
mecanismo informais de prevenção da violência?
Segundo a abordagem ecológica do crime e da violência, espaços urbanos que, por um
lado apresentam desvantagens sociais acentuadas e, por outro um forte sentimento de
confiança entre os moradores, assim como, valores comuns compartilhados e expectativa de
agir em prol do bem comum, são espaços onde a “Coesão Social”, percebida, também, através
de ganhos estruturais para a comunidade, levaria a efetivação de uma “Eficácia Coletiva”, no
sentido de poder construir mecanismos de prevenção primária do crime e da violência no
local.
Dentro dessa perspectiva os laços de confiança e de solidariedade são fundamentais
para efetivação de tais mecanismos, no caso da João de Barros, observa-se certo grau de
coesão social coexistindo com as atividades quase sempre letais das redes de tráfico que
atuam não só lá, como nos demais territórios do bairro de Santo Amaro. Nas falas dos
entrevistados também é possível perceber que no território, os laços de amizades
estabelecidos aos longos dos anos – vale a pena reforçar aqui que todos os entrevistados são
nascidos e criados na comunidade da João de Barros, os que não nasceram lá, chegaram bem
jovem -, acabam favorecendo laços de confiança entre os moradores envolvidos ou não com o
tráfico de drogas no local.
Eu comecei com 17 anos. A... 20 anos de idade, sendo refém das
drogas. Cheguei ao tempo de vender minhas coisas, por conta do
vício. Passei um tempo numa clínica por conta do vício. E hoje eu me
recuperei. Através das pessoas da comunidade, me ajudando, me
apoiando. Minha família, amigos, vizinhança dando uma força. E eu
me identifico agora como multiplicador dentro da minha comunidade.
Por que fui refém... (ENTREVISTADO 1)
Fui refém das drogas e venci. Tive uma oportunidade de emprego, ao
qual perdi quando eu tava trabalhando, por conta das drogas. Eu tive
outra oportunidade. Eu amo a minha comunidade por que é uma
comunidade que é unida, se une, reivindica, junto com as reuniões
que tem, dos líderes comunitários. É uma comunidade ativa.
(ENTREVISTADO 1)
86
São pessoas que partilham o mesmo espaço físico por décadas e gerações, como
evidenciado acima, nos momentos em que suas trajetórias os levaram para o mercado de
drogas dentro do território, foi também, o próprio território um dos mecanismos importante
para a saída de tais mercados. Questionados especificamente sobre a ‘confiança’ entre eles,
durante as entrevistas, vários dos entrevistados afirmam existir um sentimento forte de
confiança entre eles.
Confia, visse? Confia, confia. Porque é, domingo passado teve uma
vizinha nossa, mas ela foi à praia, o filho dela revoltado por causa de
tráfico também, que ele é envolvido no tráfico, tocou fogo na casa,
né? E com isso quando tocou fogo na casa, a vizinhança se comoveu,
né? Quanto viu que tava tocando fogo a gente arrombou a porta.
Invadiu a casa, jogamos água, um quarto já tava já perdendo tudo
ela, né? As casas são muito juntas, e a gente se preocupou muito
nisso, então a vizinhança foi formiguinha, formiguinha, foi passando
balde por balde, a gente, cada um. Então assim, eu acho que a
vizinhança se preocupa sim um com o outro. A gente fica com a
sensação que o nosso dever não foi cumprido, né?(ENTREVISTADO
5).
Confio até por que quando a gente é quando a gente é nascido e
criado num bairro, nós se tornamos uma referência. E... muita gente
conhece minha família, minha família é de músicos. Me acompanhou
desde minha infância, me viu crescer. E foi isso que me ajudou, eles
não tiveram preconceito comigo, por conta de eu ser usuário. Não me
afastaram. Foi isso que eu tenho certeza que até hoje eu estou vivo,
graças a Deus por conta disso. (ENTREVISTADO 1).
Observa-se que para Sampson e seus colegas (2003) em territórios onde os laços de
confianças são fortes e a coesão social é percebida, principalmente, a partir da consecução de
bens públicos para a comunidade, há grandes possibilidades de tais territórios construírem
metas comuns para se livrarem de atividades criminosas e violentas no local (Eficácia
Coletiva). Ou seja, vizinhanças que apresentam a coexistência de fatores como a confiança e a
coesão social, teoricamente, podem desenvolver, a partir do engajamento dos próprios
moradores, um efetivo controle social informal, sem necessariamente, precisar de
intervenções externas como, por exemplo, a intervenção do estado através de suas polícias.
No entanto, segundo Cruz (2010), citando Janowitz (1976),
87
“[...] uma abordagem normativa do controle social (i.e., auto-regulação da
comunidade) não significa necessariamente controle rígido ou repressão
social. Deve-se demonstrar apenas que os moradores de uma área valorizam
uma existência relativamente livre da criminalidade”. (Op. Cit., p. 33)
Segundo a perspectiva do autor, o controle social pode operar em um nível em que a
coexistência com as redes de tráfico seja tolerável, mas talvez não aceitável por parte de quem ali
reside. No caso da João de Barros, observamos isso nos diversos relatos aqui apresentados. No
entanto, outra evidência que se constatou, é a de que na João de Barros, as redes de tráfico no
local operam no nível das ‘microrregulações’, supracitadas onde,
[...] a gestão das rotinas do seu negócio, que se conectam com as
circunstâncias da sociabilidade local, entre o respeito às regras reciprocidade
da vida cotidiana (afinal, foi lá que nasceu e cresceu, construiu laços de
amizade e solidariedade), [...] para garantir a cumplicidade dos moradores
contra as investidas da polícia [...]. (Op. Cit., p. 179).
No exemplo da creche acima supracitado e nas falas que se seguem podemos ver como
essas ‘microrregulações’, na comunidade da João de Barros, acabam se revertendo em mecanismo
de prevenção de crimes contra o patrimônio no local. Operando este controle em um nível onde as
fronteiras incertas entre o ‘informal, o ilegal e o ilícito’ (Idem), se diluem e dão lugar a uma
relativa tranquilidade em relação ao sentimento de segurança e constante incertezas das
consequências que a atuação das redes de tráfico podem trazer para a comunidade,
Uma relação de respeito, cada um tem sua vida tranquila, certo? Eu
vejo como jovem também. Eu vejo uma ajuda mútua. Alguém passa e
vai lá lhe ajuda, uma comunidade que ninguém faz furtos mútuos, tem
essa questão de não ter furto dentro de Santo Amaro.
(ENTREVISTADA 12).
Assim, os traficantes não querem não deixem, por que se roubar eles
matam, a realidade é essa eles matam. Essa é a realidade que tem a
comunidade. (ENTREVISTADA 13).
Não, eu não tenho assalto. Assalto, pequeno furto aqui dentro da
comunidade ele não existe hoje mais não, por que hoje quem detém é
o trafico. Aí é arriscado até apanhar dentro da comunidade. E é
difícil, muito difícil mesmo, faz muito tempo. Já época de pequenos
88
furtos aqui. Era difícil, mas de uns 10 anos acabou, não tem mais
isso. (ENTREVISTADO 14).
No entanto, mesmo operando em fronteiras incertas, a ‘microrregulação’ imposta na
João de Barros, ocasionalmente não consegue prevenir situações de roubos e furtos na
comunidade. Dessa maneira, quando episódios esporádicos como estes acontecem dentro ou
fora da comunidade, são as redes de tráfico locais que os moradores recorrem para solucionar
tais problemas. A ajuda policial quase sempre não é requisitada, segundo um dos
entrevistados, a presença do PPO no local não lhes garante nenhum atendimento prioritário.
Caso alguma ocorrência ocorra no bairro, quando vão solicitar ajuda no posto, o policial
manda ligar para o 190. No entanto, quando algum furto grave acontece na comunidade e
quando as pessoas envolvidas no tráfico são acionadas, rapidamente o problema é resolvido.
Um exemplo claro disso foi o roubo da bomba d’água da creche, “a menina dos olhos” da
comunidade.
Minha bomba foi roubada: ‘Não precisa a senhora ir na delegacia
não que a gente vai achar sua bomba.’ Por que eu disse: ‘Oh pessoal,
não vai ter creche hoje não, que roubaram a bomba.’ ‘Como é a
história?’ Pois foram as mães que foram atrás de quem roubou... duas
horas da tarde minha bomba tava instalada a mesma, organizada e
tudo certo. Por que aí eles disseram, a creche é sagrada, eles chamam
assim a creche é sagrada, ninguém pode mexer, entendeu? Então a
relação assim, eu tenho com eles assim, a gente não vive submissa,
não tem essa situação, eles não se envolvem [...] É uma relação muito
de respeito, o que eu puder ajudá-los e eles nos ajudarem, a gente tá
sempre, juntos. (ENTREVISTADA 4)
Ao mesmo tempo em que procuram restabelecer à ‘ordem’ no local, garantindo a
segurança ou restituindo bens perdidos a partir de furtos e roubos, os envolvidos com as redes
de tráfico também procuram se eximir de qualquer culpa quando atos dessa natureza
acontecem na comunidade e eles não conseguem evitar ou restituir a vítima. Um dos relatos,
de uma das entrevistadas, enfatiza tal postura, o que para ela, é uma maneira deles tomarem
conta das situações adversas que acorrem na comunidade e em seu entorno, o que outras
instituições formais acabam não fazendo.
89
Minhas estagiárias já foram assaltadas, no outro dia eu não sabia.
Por que eu não tinha fechado a creche nesse dia. Aí ligaram pra mim:
‘Olhe, só quero avisar a senhora que as suas meninas foram
assaltadas, mas não foram por gente da gente não.’ Já sabiam, que
tinha sido assaltadas, no poste de ônibus... João de Barros, então são
situações que eles tomam conta. (ENTREVISTADA 4).
Observa-se que a convivência com as redes de tráfico traz, em certa medida, algumas
consequências positivas para as comunidades, principalmente, no que diz respeito à resolução
de crimes patrimoniais interpessoais na localidade. No entanto, tal possibilidade só se torna
possível, por que as pessoas que estão envolvidas em tais redes são ‘nascidos e criados’ na
comunidade: filho (a), esposo (a), tio (a) dos demais moradores. Conforme argumentou
Pattillo (1998 apud SILVA, 2014): The incorporation of gang members and drug dealers into
the networks of law-abiding kin and neighbors thwarted conventional afferts to rid the
neighborhood of its criminal elemento.33
Além disso, para Prates (2009) a venda de drogas ilícitas, em comunidades pobres e
em favelas dos grandes centros urbanos, são fatores “exógenos” à comunidade e “penetram o
contexto social da comunidade aumentando enormemente o custo da participação” (p. 1142).
Ou seja, a atividade do comércio de drogas, devido ao seu caráter ilegal, por movimentar altos
montantes de dinheiro, a necessidade de armamento para a proteção do local de venda e,
consequentemente, o envolvimento de moradores locais, nascidos e criados no bairro, mina a
possibilidade de estabelecimento de metas coletivas na prevenção de crimes mais graves e da
violência em áreas onde há um intenso comércio de drogas. Este é o cenário visualizado na
comunidade da João de Barros.
O Papel da Polícia na Prevenção da Violência Local
Para Silva (2014), a superação de tal paradoxo, a coexistência de alta coesão social e a
presença de um forte comércio de drogas ilícitas, se daria através da consolidação de
mecanismos externos de controle social. Ou seja, a confiança mútua, as redes de amizade e
33
Tradução minha: A incorporação de membros de gangues e traficantes de drogas nas redes de
parentes e vizinhos frustrados cumpridores da lei, tem efeitos convencionais para livrar o bairro do seu elemento
criminal.
90
de solidariedade e a coesão social percebida só se transformariam em uma “Eficácia
Coletiva”, a partir do momento em que essa relação fosse permeada por um nível público de
controle social: É nesse sentido, que a relação de confiança dos atores locais com as
organizações policiais passa a ser considera um “catalizador”, que potencializa a propensão
em controlar comportamentos [...]. (Idem, 65). Dentro dessa perspectiva, a fala de um dos
entrevistados ilustra um pouco essa crença de que o controle externo exercido pelo agente
público, no caso, a polícia pode reverter situações de crime e violência na João de Barros e
Santo Amaro,
Eu acompanhei Eduardo Campos [governador pelo PSB] aqui num
projeto desde 2008 [segundo ano do primeiro mandato de Eduardo
Campos como governador do estado] e pela primeira vez eu tinha
visto Santo Amaro, tá num nível super alto em relação à crescimento
positivo. Mas depois que Eduardo Campos morreu, tá acontecendo
coisas que eu nunca vi na minha vida dentro de nosso bairro. A
polícia ela tem... faz rondas, tem a sua viatura pra fazer a sua ronda
todos os dias. Mas eu acho que deveria ter mais mesmo da parte do
governo do estado. Os investimentos eles só são feitos porque os
problemas estão acontecendo. (ENTREVISTADO 1)
A referência que o entrevistado faz ao ex-governador do estado, morto em agosto de
2014, em um acidente de avião, é consequência da Política Pública de Segurança, o Pacto pela
Vida (PPV), implantando no estado no ano de 200734
. Após implantação do PPV,
Pernambuco foi o único estado do nordeste a apresentar um expressivo decréscimo nas taxas
de homicídios, chegando há cerca de 26% entre anos de 2006 e 2011 (RATTON et all, 2014).
Dentre as áreas alvos das ações preventivas e investigativas do PPV estavam às áreas pobres
do bairro de Santo Amaro e os conflitos armados que ali existiam e até hoje existem. Na fala
do entrevistado, nota-se que tal ação surtiu efeito por um período e que foi visto
positivamente pelos residentes, porém, hoje em dia, as ações preventivas do crime e da
violência, através das rondas feitas pela Polícia Militar, na comunidade, vêm deixando muito
a desejar. Como evidenciado abaixo.
34 Para uma melhor compreensão do Pacto pela Vida e a sua atuação no estado de Pernambuco, ver uma
recente avaliação da Política Pública, onde foram ouvidos gestores, policiais e a sociedade civil em: RATTON,
J.L.; GALVÃO; C.; FERNANDEZ; M. O Pacto Pela Vida e a Redução de Homicídios em Pernambuco. In:
Tornando as Cidades Brasileiras mais Seguras: edição especial dos diálogos de segurança cidadã. Rio de
Janeiro, RJ, Instituto Igarapé. 2014. Disponível em: https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2014/07/artigo-8-
p2.pdf
91
Mas, para você vê a polícia não ta se apoiando na comunidade. Tem
a polícia, assim, que faz rondas, faz todo o trabalho que tem que ser
feito, mas a polícia deveria ser mais efetiva na comunidade. Ta
faltando policias, circularmento. Ta faltando isso, ta, integrado na
comunidade. Você esta morando numa comunidade que não é ruim de
se morar, é uma comunidade boa, de pessoas boas tem doutores, tem
policiais... (ENTREVISTADA 13).
Espera acontecer pra fazer... é tipo: tem um tiroteio, aí é que a polícia
aparece. As rondas são feitas todos os dias claro, mas são poucas,
são duas viaturas, a cada acho meia hora que passa dentro da
comunidade. Não tem uma polícia específica, foi implantado a Polícia
Amiga... foi criado aqui no bairro até agora eu num vi essa Polícia
Amiga. (ENTREVISTADO 1).
Tem dia que não acontece nada em Santo Amaro, mas quando
acontece a polícia ta frequente, a polícia tem que ta frequente quando
não acontece. Faz as pessoas entenderem que a polícia ta fazendo a
segurança nossa. Por que qual a visão do povo? Que a polícia ta pra
agredir, pra bater. A polícia é para fazer nossa segurança, né isso?
Pra prender os ladrões, prender os bandidos e nos ajudar.
(ENTREVISTADO 1).
O Posto de Policiamento Ostensivo, localizado na Academia da Cidade, na
comunidade da João de Barros, segundo relato de alguns dos entrevistados, trouxe relativa
segurança para a comunidade. Para alguns, a presença quase constante de um policial ali, lhes
garante um pouco mais de tranquilidade e inibem um pouco, os confrontos mais diretos entre
as redes de tráficos rivais, características de grande parte dos territórios de Santo Amaro e
bairros circunvizinhos. Mesmo com algumas transações do comércio de drogas acorram há
poucos metros do PPO e que as urgências no local devem ser reportadas à central de
atendimento, através do 190.
.
A principal mudança nesses últimos anos veio através do PPO, visse?
Deu uma melhorada muito. Deu uma melhorada, assim... Segurou, é.
Só não tem como segurar eles vendendo, né? Mas fora isso...
(ENTREVISTADO 5)
O estado tem, houve uma intervenção dele, e aí eles interviram muito
bem, de maneira estratégica e tal, no sentido de que o PPO aí, como a
comunidade é pequena, o espaço, que é um barril de pólvora também,
92
é um barril de pólvora também. Então a galera fica meio que, tá aqui,
mas tá beleza, mas a gente tá aqui também. (ENTREVISTADO 6)
Observa-se que nos trechos de entrevistas acima, ora a presença policial é enfatizada
como um dos elementos que proporcionam a estabilidade e a segurança no local, ora que suas
ações preventivas, na atualidade, não estão a contento dos que percebem a sua presença como
mais um dos mecanismos de controle da atividade criminosa no bairro. Tais depoimentos
destoam um pouco dos que veremos logo a seguir, no entanto, reforçam o que parte da teoria
traz como prerrogativas exitosas para um eficaz controle do crime e da violência em
comunidades pobres. Ou seja, a correlação entre confiança, coesão social e mecanismos de
prevenção externos instituídos como, por exemplo, as policias.
Uma ação bem pontual, ocorrida no bairro de Santo Amaro, no território do Campo do
Onze, articulou diversos atores e atrizes sociais, em torno da experiência de convivência entre
os diversos territórios, algumas pessoas envolvidas com as redes de tráficos em tais espaços,
lideranças das diversas áreas, policiais e organizações governamentais e não governamentais.
Tal experiência foi o I Campeonato de Futebol Santo Amaro pela Paz, uma iniciativa exitosa,
promovida pela Secretaria de Defesa Social (SDS/PE), no âmbito das ações do Programa
Governo Presente. O I Campeonato de Futebol Santo Amaro pela Paz, teve como objetivo: i)
a confraternização entre os moradores dos diversos territórios, que devido os conflitos das
redes de tráfico não podiam transitar em todos os lugares do bairro, conforme já evidenciado
neste trabalho;
Depois de sete anos, aí teve o futebol Santo Amaro pela Paz,
organizado pela SDS, e aí foi onde a gente teve esse, mais essa
repercussão, né? Que a gente, como a gente não podia ir pra lá, é que
nós tínhamos amigos lá, nunca deixamos de ter amigos lá no Campo
do Onze, mas com essa guerra do tráfico de drogas entre eles: Campo
do Onze e João de Barros. A gente não podia ir e nem eles vinham
pra cá, poderiam vir pra cá, nem a gente poderia ir pra lá. Então isso,
causou aquilo, assim tipo uma guerra né? Uma guerra bem, o que
você imaginar. Guerra das Malvinas, sei lá, do Vietnã, parecia
mesmo. Por que se alguém chegasse lá, morria. Se soubesse que
morava aqui, já... Por isso que a gente não ia... Aí depois do futebol...
(ENTREVISTADO 5).
93
ii) proporcionar uma tarde de socialização a partir de um dos esportes mais praticados
na comunidade, com mais de 30 times de várzea formados e atuantes35
; iii) comemorar, a
época, em novembro de 2009, a redução, em um ano, de 71% no total de homicídios no local.
No entanto tal êxito contou muito com o engajamento de algumas das lideranças locais, na
mobilização e nos “arranjos” informais de segurança com as lideranças do tráfico a época.
Além do apoio promovido pela SDS, no transporte e segurança durante a partida.
Do jogo no Campo do Onze. Botar essa galera pra lá, foi muito
difícil, foi muito diálogo com a galera, foi, a gente pensava assim:
‘pow, vamos pensar antes pra gente, chegar nos caras, né? Tinha
reunião com o pessoal do governo. Mas a gente tinha uma conversa
que tipo, essa galera não pode tá ouvindo o que a gente ta falando, e
eu acho que a gente vai tá falando de uma outra forma, que é dentro
do cotidiano real do dia-a-dia, de cada um dessa galera. E aí a gente
conversando desse jeito: ‘meu irmão, tá foda. Vou levar essa
molecada daqui pro Campo do Onze e essa rixa do caralho que tem e
o Beco dos Casados, esse campeonato não vai dar certo.’
(ENTREVISTADO 6).
O futebol pela [...] então assim, quando a gente chegou lá, foi com
todo aparato de policiais, aí veio um ônibus aqui da Polícia Militar,
nos pegou com os batedores ainda mais, parecia coisa muito
importante, né? E aí eles conduziram a gente, quando chegou lá foi
aquele incrível, quando a gente descemos do ônibus, aí tava o
fotógrafo, tava o Jornal, tava imprensa, então aquilo lá mobilizou eles
também, né? E quando a gente contou a nossa história, por que a
gente não podia ir pra lá, aí eu acho que o bairro lá todinho ficou
comovido com isso, né? E a gente jogou lá, não fomos campeão, mas
o, foi mesmo que ser... Foi uma vitória, hoje a gente vai lá, sem
problemas. Os garotos vão daqui sozinho pra lá, gente adulto vai pra
lá, joga, ninguém, ninguém mexe com a gente, ficou um respeito lá,
que a gente participou de um campeonato lá também, não fomos
campeão, mas fomos muito respeitados, não fomos, é... como é que se
diz, agredido em nada, ao contrário, só elogio. (ENTREVISTADO 5)
O I Campeonato de Futebol Santo Amaro pela Paz, também foi o último e ações de
engajamento de lideranças, moradores, agentes do governo, dentre eles a polícia, de
organizações comunitárias, dos envolvidos nas redes de tráficos dentre outros, não se teve
mais notícias. Pelo menos, não algo parecido com o que aconteceu e que repercute até hoje na
lembrança afetiva de quem participou do encontro e que hoje promove aulas de futebol para
35 Ver Fialho et al (2015).
94
meninos e meninas da João de Barros, através do projeto tocado pelo treinador do Parma
Futebol Clube, este de Santo Amaro, não o internacional. Tal lembrança e referência são tão
expressivas, que uma das paredes da pequena sede do ‘grande clube’, caiada de branco,
letreiros e logo em preto, constam várias matérias de jornais se referindo ao dia, em que as
diferenças entre os territórios não foram só mediadas pelo futebol, mas também pela ação
governamental e, principalmente, pela atuação da polícia.
No entanto, é do conhecimento de todos que o histórico da relação da polícia com as
áreas pobres e de favelas, nos grandes centros urbanos, caracterizados por uma intensa
produção da violência, proveniente das redes de tráfico, é muito conflituosa. Bastam alguns
minutos de pesquisa que aparecem vários relatos, vídeos, fotos de como a polícia trata e,
sempre tratou, os moradores de tais áreas, sejam eles envolvidos ou não com as atividades do
tráfico. Embora as atividades do tráfico de drogas como já evidenciado aqui, assume
dimensões transnacionais, são seus efeitos locais, ou seja, as suas ramificações nos diversos
territórios pobres do país, que chamam atenção tanto pela violência empregada por parte dos
traficantes quanto pela violência perpetrada, pela repressão policial ao comércio varejista em
tais territórios. No Brasil, a partir da década de 1980, nota-se uma escalada vertiginosa da
criminalidade e homicídios nas grandes capitais brasileiras, segundo Paixão (1988) a
criminalidade surge como problema público à medida que a abertura política avança para uma
transição democrática, no entanto, o tema “crime” figura como um tema marginal na agenda
dos cientistas políticos da época que versavam seus estudos e trabalhos sobre a consolidação
da democracia no Brasil através de análises da institucionalização pelos atores e atrizes
políticos das regras democráticas (PAIXÃO, 1988, p.168). Neste sentido, ficou a cargo
exclusivamente da polícia e do sistema judiciário a responsabilidade de contenção do crime,
da violência e das “classes perigosas” (ZALUAR, 1994; 1985), estas duas instâncias passam a
atuar de forma violenta e arbitrária nas áreas pobres dos grandes centros urbanos. Em Santo
Amaro, especificamente na comunidade da João de Barros, isso não é diferente,
Eu sempre fui contra a esse negócio de Polícia Amiga, por que
dentro da comunidade da gente como essa, a polícia não vai querer
ser recebido com buquê de flores... Num existe aquele respeito, apesar
o seguinte: que mudou muito a questão da polícia. A polícia hoje, eu
sinto ela mais humanizada. Mas trabalhada, assim, o caráter humano
do policial. Já tem outra parte que num serve pra nada. Você quanto
menos criar problemas com esses cara melhor. Já tem outros que
abre o diálogo, discute procura conversar. Se chama pra uma reunião
95
na comunidade vem. Aí eu digo que a polícia, de um tempo pra cá,
com uns 6 anos, 8 anos pra cá, ela mudou muito. Mudou. Mudou.
(ENTREVISTADO 3).
Meu irmão, meu irmão ta com 12 ano de prisão. Agora me pergunte
por que. Me pergunte se ele mereceu ta lá. Não. Ele foi pego no lugar
errado, na hora errada. Tava fumando maconha com um cara que
tava cheio de droga e arma. Butaram pra ele. Forjado. 12 ano. Tirou
6. [...], ele tirou 6 anos e depois tirou mais 6, ta tirando agora. [...] E
forjado que a polícia botou. Só basta ele num ir com a cara de
ninguém. Quando eu usava droga, a polícia pegou foi uma ou duas
peda no meu bolso e nem me prendeu. Por que, eu não era nada pra
polícia, a polícia queria pegar um traficante. Que tinha dinheiro, que
ele sabia. Que é dado pra mão, chegava com as duas peda: ‘óia, se tu
não me dá cinco mil aí, eu vou butar essas peda pra tu e tu vai cair
como tráfico’. E aí? Tu ta entendendo como é a jogada? Essa é a
jogada. (ENTREVISTADO 10).
Para Adorno e Salla (2007), na medida em que a criminalidade mais ou menos
organizada se desenvolve, novas zonas de segregação social e espacial acabam surgindo nos
grandes aglomerados urbanos (2007, p. 10). Para os autores, na medida em que o crime cresce
e modifica suas modalidades, as políticas públicas de segurança “permaneceram sendo
formuladas e implantadas segundo modelos convencionais, envelhecidos, incapazes de
acompanhar a qualidade das mudanças sociais” (Idem). O engessamento das práticas
polícias, os baixos salários e, principalmente, o desrespeito com os direitos fundamentais dos
moradores de tais áreas, levam a ações que por vezes extrapolam suas atribuições. Segundo
alguns dos entrevistados, tais ações podem ser evidenciadas em situações que remetem o
envolvimento destes em situações que caracterizam o crime de suborno, além do
envolvimento dos próprios operadores da lei nas redes de tráfico local.
Por que até mesmo essas crianças que estão aí, elas vê polícia
prendendo e depois soltando por causa de dinheiro.
(ENTREVISTADO 2).
Também. Até mesmo polícia também é envolvida nisso... polícia é os
principais. Muita gente protege polícia aí, é polícia... por exemplo, a
polícia pega um caba sem fazer nada, em determinado lugar, só por
que falou alguma coisa alta, ele mete a mão na cara, mete o
cassetete... acaba com o cara e depois chega lá e diz que o cara
reagiu. Tem muito disso. Umas dez mentira dele na delegacia, uma
96
mentira dele na delegacia é umas dez verdades pro delegado.
Entendeu? (ENTREVISTADO 3).
A polícia teve então houve momentos de pegar e... prender o cara,
pegar dinheiro e soltar o cara, dar porrada no cara, tomar o que o
cara tem, isso aconteceu, todo mundo sabe disso. (ENTREVISTA 11)
Observa-se que o pressuposto da eficácia de um controle externo público, por parte
principalmente da polícia, esbarra em alguns processos históricos e sociais, de uma polícia
que passou a existir para conter “o povo”, sendo este pobre e morador de áreas degradadas da
cidade. Embora, algumas ações pontuais e preventivas exaltem a eficiência da PM no
território da João de Barros e no bairro de Santo Amaro.
Assim sendo, neste capítulo tento reconstruir – a partir dos diários de campo, das
conversas informais, dos momentos de lazer desfrutados no território e das entrevistas –, quais
são os impeditivos de conversação da coesão social percebidas, seja através das mobilizações
ou através das diversas melhorias estruturas do bairro, não consegue se reverter em uma
eficácia coletiva. Neste cenário acima delineado, não é possível perceber mecanismos de
prevenção das atividades criminosas, principalmente àquelas relacionadas ao tráfico de
drogas. Visto que, uma das premissas básicas da ‘Eficácia Coletiva’, a predisposição local em
intervir em comportamentos que trazem ameaças à estrutura comunitária (SAMPSON, 2009,
p. 582), estes reforçados pelos laços de confiança e solidariedade entre os moradores.
Segundo ZALUAR et al. (2009, p. 2) ao analisarmos os mecanismos de controle social
devemos levar em consideração as três ordens sociais desenvolvidas por Hunter (1985): a
privada, a paroquial e a pública. A ordem privada é a mais básica ordem de controle social e
está baseada na intimidade informal dos grupos primários existentes na área. A ordem
paroquial está baseada nos efeitos da rede interpessoal e na interlocução entre instituições
locais, como igrejas, escolas, comércios e organizações voluntárias. Refere-se às relações
entre grupos. Por fim, a ordem pública está baseada no ‘encontro entre estranhos e
diferentes’ e tem como foco a capacidade da comunidade em assegurar a implantação de bens
e serviços públicos para a sua área, tais bens e serviços são oferecidos por agências que atuam
fora do bairro (ZALUAR et al. Op.cit. pp. 2 e3). Ainda segundo Zaluar et ali. (2009), citando
Hunter (1985),
“a ordem paroquial é a ordem social intermediária entre as ordens privada e
pública, portanto aquela cujas relações sociais estariam entre as que existem
97
com amigos ou parentes (os íntimos do mundo privado) e as que reúnem os
desconhecidos concidadãos do mundo público. Trata-se das interações entre
vizinhos. Para vários outros autores, é nessa esfera intermediária que
devemos procurar as medidas de controle social que o Estado não pode nem
deve exercer, por ser meramente coercitivo, impessoal, formal” (pp. 2-3).
Essa ordem social representa, parcialmente, as capacidades de supervisão de uma
comunidade. Também representa a participação dos moradores nas instituições locais, como
igrejas, organizações voluntárias e escolas. Através, por exemplo, das redes relacionais
desenvolvidas entre os membros de organizações comunitárias preocupadas com a prevenção
da criminalidade, podem ser transmitidas informações acerca de ações do grupo e iniciativas
individuais desejáveis, como vigilância do alvo, vigilância local e denúncia dos crimes, ou
seja, uma eficaz articulação entre os mecanismos de prevenção internos e externos.
No entanto, ao analisarmos os dados acima sobre o território da João de Barros,
observa-se que no local, ocorre justamente o contrário, ou seja, a falta de articulação local
entre os mecanismos de prevenção primários internos e os mecanismos de prevenção
externos, por exemplo, uma eficaz atuação da polícia com base em denúncias e/ou
testemunhos dos residentes sobre os crimes no local. Tal fato não se dá por acaso, a
morosidade da polícia e do sistema de justiça, além do histórico de crimes contra pessoas
consideradas X9 dentro da comunidade, faz com que aumente a descrença e, principalmente a
falta de confiança no sistema policial e de justiça. Outro fator que mina tal possibilidade, diz
respeito aos fortes laços de amizades e de parentesco entre os moradores e vendedores do
comércio de drogas no local. O que se torna possível, por que as pessoas que estão envolvidas
em tais redes são ‘nascidos e criados’ na comunidade: filho (a), esposo (a), tio (a) dos demais
moradores.
Além disso, para Prates (2009) a venda de drogas ilícitas, em comunidades pobres e
em favelas dos grandes centros urbanos, são fatores “exógenos” à comunidade e “penetram o
contexto social da comunidade aumentando enormemente o custo da participação” (2009, p.
1142). Ou seja, a atividade do comércio de drogas, devido ao seu caráter ilegal, por
movimentar altos montantes de dinheiro, a necessidade de armamento para a proteção do
local de venda e, consequentemente, o envolvimento de moradores locais, nascidos e criados
no bairro, mina a possibilidade de estabelecimento de metas coletivas na prevenção de crimes
mais graves e da violência letal em áreas onde há um intenso comércio de drogas.
98
Diante do exposto, fica evidente que, embora a comunidade conviva, há anos, com as
transações inerentes ao tráfico de drogas que ao longo dos anos diversificou os produtos
vendidos – passando da maconha para o pó e depois o crack –, assim como mudando os tipos
de consumidores, passando dos moradores locais e de baixa renda, para os consumidores
também de baixa renda de outros bairros e comunidades e para os consumidores de classe
média e classe média alta, além de que tais transações são fortemente marcadas por interações
sociais permeadas por muita violência e violência letal. Não há como criar mecanismos que os
‘protejam’ de tais ações, haja vista as diversas problemáticas que tal uma intervenção em um
nível primário pode trazer, problemáticas tanto pessoais quanto comunitárias, dentre eles
destaco: i) uma grande possibilidade de ser vitimizado; ii) a restrição de acesso a outras áreas
do bairro; iii) incursões mais violentas e agressiva das policiais no local.
99
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme evidenciado ao longo desta dissertação, as altas taxas de crime e violência
têm repercutido na sociedade como um todo e, em particular, nos governos federal, estadual e
municipal, nas organizações não governamentais e nos programas universitários de diversos
centros acadêmicos do país. Embora o fenômeno atinja, direta ou indiretamente, a todos, é nos
bairros populares dos grandes centros urbanos que um dos seus efeitos mais perversos, os
homicídios atinge de maneira mais intensa parcela da população que ali reside,
principalmente, se este for jovem, do sexo masculino, negro e de baixa escolaridade. Como
evidencia a literatura, a intensidade desse tipo de crime, nestes espaços, tem suas motivações
estritamente ligadas às atividades provenientes do tráfico de drogas, tais como: comércio
varejista, consumo e os mecanismos, quase sempre letais, de cobrança de suas dívidas. Em
Recife, Pernambuco, o bairro de Santo Amaro, em suas diversas áreas pobres, apresentam
dinâmicas do tráfico que por várias décadas dividem o território com outras práticas locais
como, por exemplo, o engajamento por parte dos moradores para melhorias estruturais do
bairro.
Nesse sentido, o objetivo principal dessa dissertação foi analisar quais são os recursos
utilizados pelos diversos atores e atrizes sociais, moradores ou não, do território da João de
Barros, localizado no bairro de Santo Amaro, Recife, Pernambuco, para acessar mecanismos
de prevenção e controle da criminalidade e da violência no local. Procuro assim identificar
quais são as possibilidades ou impossibilidades de conversão da ‘Coesão Social’ percebida
através das diversas melhorias no território, em uma ‘Eficácia Coletiva’, ou seja, a
consolidação ou não de mecanismos primários de controle do comportamento indesejado,
dentre eles a prática de crime e de violência no local. Assim sendo, esta dissertação está
inserida em uma abordagem do crime e da violência, que tem como objetivo não só
compreender as suas causas mais também, analisar às repostas localizadas a tais fenômenos.
Ou seja, analisar como em algumas vizinhanças, os laços de confiança e a presença de coesão
social, acabam levando ou não a mecanismos de auto regulação que não passam
necessariamente pelo crivo do Estado como, por exemplo, a atuação das policias.
Assim sendo, nestas considerações finais, procurarei retomar algumas das questões
centrais que nortearam todo o processo de construção desta dissertação, assim como, os
possíveis desdobramentos deste estudo, as limitações teórico-metodológica aqui adotada e,
100
por fim, uma agenda de pesquisa que tenha por objetivo compreender as dinâmicas inerentes
as relações estabelecidas entre moradores não envolvidos com a rede de tráfico de drogas e
moradores envolvidos com tais redes, cujo tal envolvimento pode vir a minar a possibilidade
de efetivação da coesão social percebida em uma eficácia coletiva.
Desenvolver uma pesquisa de campo de inspiração etnográfica em uma comunidade
urbana da contemporaneidade, nos leva a percorrer caminhos por vezes complicados, mas que
na maioria das vezes nos permite ver, sentir e ouvir situações que ficam registradas em nossa
memória afetiva por muito tempo. Uma problemática que tal método também nos traz, é a de
como será feita a seleção dos dados que irão compor o corpo do trabalho, ou seja, a
apresentação ao leitor daquilo que foi visto, sentido e ouvido. Já que nas incursões diárias à
comunidade muitas situações foram vistas e vivenciadas, muitos dados foram coletados e
trazer para o texto aquilo que apenas nos remete ao nosso problema de pesquisa, às vezes
parece que estamos sendo ‘injustos’ com tudo o que foi visto, anotado, gravado e
sistematizado, porém os limites de qualquer trabalho acadêmico nos forçam a sermos
cautelosos e seletivos no momento em que tais dados são apresentados ao leitor. Assim sendo,
identifico que por vezes algumas das temáticas apresentadas acima poderiam ter tido maior
atenção ou mais exploradas, ou até mesmo, poderiam ser suficientes para a elaboração de
outra dissertação. Por exemplo, a falta de problematização da tensão existente entre os
residentes locais e a administração do shopping em relação ao muro da vergonha.
Um problema que identifico, diz respeito a transposição da Teoria da Eficácia
Coletiva. Conforme explicitado acima, esta teoria é tributária direta da Teoria da
Desorganização Social, dessa forma, ambas surgem como instrumento teórico e metodológico
para pensar o crime e a violência no contexto histórico, cultural e social norte-americano.
Dessa forma, a Teoria da Desorganização Social tem como tempo e campo de estudos, o
contexto norte-americano dos inícios e meados dos anos de 1930, fortemente caracterizado
pelo acelerado processo de industrialização e urbanização dos bairros da cidade de Chicago.
Já a Teoria da Eficácia Coletiva, surge em finais dos anos de 1980, onde este cenário de
industrialização e urbanização é afetado pelos efeitos das profundas transformações
tecnológicas e globais. Assim sendo, nem todos os aspectos teóricos e metodológicos foram
transpostos na análise feita aqui.
Uma das primeiras adaptações da Teoria da Eficácia Coletiva, no contexto recifense,
mas especificamente, o contexto histórico, social e cultural de Santo Amaro, tendo como
unidade analítica do território da João de Barros, foi em relação à abordagem metodológica.
101
Sampson e colegas são pesquisadores quantativistas. Aqui a metodologia empregada foi à
qualitativa de inspiração etnográfica, através da qual tentei compreender as diversas
manifestações da coesão social e eficácia coletiva e/ou seus impeditivos nas micros relações
desenvolvidas no cotidiano dos pesquisados.
Uma evidência que se tornou mais clara durante as atividades de campo, foi à
necessidade de ser ter, para a realidade recifense e pernambucana, pesquisas que tenham por
objetivo mensurar tais fenômenos em diversos contextos urbanos, tanto de classe média e
média alta quanto em áreas pobres e de favelização para possível comparação entre as
diferenciações nas taxas de crimes e violência na cidade. Visto que, os dados oficiais não
abarcam grande parte dos acontecimentos dessa natureza, por diversos motivos dentre eles: a
falta de confiança no trabalho policial e, consequentemente, as subnotificações de crimes de
diversas naturezas. Um instrumento importante para aferir tais fenômenos são os surveys de
vitimização, pouco realizadas no contexto recifense. Tais pesquisas têm por objetivo obter
informações sobre as vítimas, os agressores, as circunstâncias de ocorrências de crimes, tais
como hora e local, qual tipo de armas foi utilizado, perdas econômicas etc., além de
informações qualificadas sobre alguns tipos de crimes como, por exemplo, o roubo, o furto, a
agressão verbal e física e a agressão sexual. Neste tipo de pesquisa também pode ser aferido
graus de confiança entre vizinhos, de participação comunitária e de coesão social entre os
respondentes. Assim sendo, a falta de dados quantitativos que, pudessem ser qualificados
através da presente pesquisa de dissertação, tornou-se uma problemática, embora tenha sido
contornável pelos empolgantes achados de campo.
Nota-se que o modelo teórico desenvolvido por Sampson e colegas, quando aplicados
à realidade brasileira, a partir de metodologias qualitativas carece de um suporte quanti, ou
seja, de dados consolidados, sistemáticos e comparáveis produzidos com certa frequência
(anualmente) de diferentes contextos sociodemográficos das diversas as áreas urbanas do
estado. Talvez esse seja o principal limite da Teoria da Eficácia Coletiva, percebido até aqui:
a sua aplicação quase que exclusivamente quantativista através de seus idealizadores. A
aplicação de pesquisas desse porte e com a qualificação dos dados, através das pesquisas de
campo qualitativas se insere em uma possível agenda de pesquisa sobre crime, violência e
Eficácia Coletiva no contexto urbano recifense.
Porém, o alcance qualitativo da tentativa de aplicação da Teoria da Eficácia Coletiva
no contexto recifense, neste trabalho, diz respeito principalmente ao foco nos mecanismos
102
interacionais nos níveis psicossocial, organizacional e cultural dos sujeitos dessa pesquisa.
Onde se percebe que a vivência em um espaço marcado pela insegurança, a instabilidade e a
violência levam a situação às vezes de desesperança, tais como, preferir pegar em armas e
defender o comércio de drogas, a ir para o semáforo limpar para-brisas. Ou de como o tema
drogas e vendas de drogas são quase referenciados como sussurros, com medo de quebrar a
“lei do silêncio” que vigora em territórios dominados pelo comércio de drogas. Percebe-se
também, que em seu nível organizacional a comunidade consegue criar metas coletivas de
melhorias estruturais mais não consegue se livrarem de uma cultura de venda, consumo
(degradante, como o do crack, por exemplo) e cobrança de drogas que acabam levando a
mecanismos de violência, perpetrados tanto pela polícia quanto pelas redes de tráfico que
atuam no local. Mesmo o tráfico aparecendo como um dos mecanismos garantidor da
segurança no local. E do mesmo modo, a polícia também aparecendo como uma possibilidade
real e efetiva de controle externo do crime.
Como evidenciado acima, se observou em campo à centralidade que o tema da droga
ilícita acaba assumindo nas vidas dos moradores e de como altera toda a rotina da unidade de
análise pesquisada e dos que vivem em tais áreas, evidenciado nas diversas falas que ilustram
esse trabalho. Nota-se também que as atividades das redes de comércio varejista na João de
Barros, têm um ‘duplo sentindo’ no local: ora determinando como as atividades corriqueiras e
cotidianas devem ser alteradas pelos conflitos com outras áreas do bairro, ora sendo acionado
por moradores não envolvidos diretamente para solucionar problemas de roubos e furtos na
comunidade.
A atuação das redes de tráfico no local também traz consequências para além dos
limites físicos do bairro, expressadas nas mais diversas formas, uma delas referenciada aqui é
o ‘muro da vergonha’. Além disso, outra evidencia centra-se no pouco acesso dos residentes
às diversas oportunidades de circulação seja no bairro, ou seja, na cidade, mesmo estes
morando um espaço geograficamente privilegiado, no centro da cidade. Tal falta de acesso se
constituem tanto em barreiras físicas, a impossibilidade de transitar em uma via como, por
exemplo, a ‘faixa de Gaza’, frequentar o shopping local, ou simbólicas caracterizadas dentre
elas pela estigmatização de se viver em um espaço fortemente marcado pela insegurança, a
instabilidade e pela violência perpetrada por agentes diversos. Compreender os mecanismos
que impedem que os moradores acessem as redes de oportunidade no bairro e na cidade seria
um possível desdobramento dessa pesquisa com o objetivo de criar mecanismos reais e
simbólicos de acesso a tais redes.
103
Finalmente, esta pesquisa de dissertação aponta para a necessidade de estudos e
pesquisas que tenham por objetivo compreender a diferenciação nas taxas de homicídios,
assim como, pesquisas que tenham por objetivo mensurar os níveis de coesão social e
confiança entre os residentes de diversos contextos urbanos, sejam eles de classe média alta,
média baixa ou áreas pobres da cidade e Região Metropolitana, as chamadas pesquisas de
vitimização. Para, além disso, pesquisas que tenham por objetivo compreender as escolhas
criminal tanto do agente da criminalidade em situação de privação de liberdade quanto do
agente em atuação em suas áreas de comércio, no entanto tais pesquisas precisam acessar
também pessoas de níveis socioeconômicos mais abastados, não só pobres. Além de diversos
tipos de delitos, desvios e crimes violentos e letais. Procurar também mecanismo de
fomentação do debate e aproximação entre territórios pobres e mecanismos de controle
externo da criminalidade, principalmente quando a análise aqui realizada, apresenta que a
coesão social percebida, assim como, os fortes laços de solidariedade e os laços de confiança
não conseguem se reverter em mecanismos primários de controle informal do comportamento
indesejado, principalmente, quando tais agentes fazem parte das mesmas redes de vizinha e
parentesco dos demais moradores, ou seja, são nascidos e criados no bairro: filho (a), esposo
(a), tio (a), sobrinho (a) etc. dos demais moradores.
104
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