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Sessões de 5 e 6 de maio de 2015 Ano I - nº 2 LICITAÇÃO – HABILITAÇÃO – GARANTIA DE PROPOSTA – PATRIMÔNIO LÍQUIDO – CUMULAÇÃO – ART. 31, §2º, LEI Nº 8.666/1993. “A exigência simultânea, para fins de qualificação econômico-financeira, de garantia de participação na licitação e de patrimônio líquido mínimo afronta o disposto no art. 31, § 2º, da Lei 8.666/93 e na Súmula TCU 275.” Fonte: Processo TC nº 019.511/2011-6. Acórdão nº 2240/2015 — 1ª Câmara. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Julgado em: 28.4.2015. O art. 31 da Lei nº 8.666/1993 estabelece a documen- tação possível de ser exigida para a comprovação de habilitação à qualificação econômico-financeira dos licitan- tes. Prevê o referido dispositivo três espécies de qualificação econômico-financeira: a) contábil: por meio de balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa – art. 31, inc. I; b) jurídico-financeira: por meio de certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física – art. 31, inc. II; e c) capacidade financeira: por meio de garantia, nas mes- mas modalidades e critérios previstos no “caput” e no § 1º do art. 56 da Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estima- do do objeto da contratação, ou pela comprovação de capital social mínimo ou patrimônio líquido mínimo – art. 31, inc. III e §2º. Como se nota, em cada uma das espécies de qualificação, o legislador pretende que se analise um aspecto distinto da qualificação econômico-financeira dos licitantes. Avaliação contábil da qualificação econômico-financeira A avaliação contábil demonstra o equilíbrio entre os pas- sivos e os ativos que compõem o patrimônio do licitante. É importante esse tipo de análise, precipuamente, para as con- tratações de longo prazo, pois permite verificar se o licitante não está com dificuldades financeiras que comprometam a sua subsistência no mercado. Um balanço patrimonial nega- tivo, ou seja, que ocorre quando a empresa possui um pas- sivo maior do que seus ativos, é um importante sinal de que a empresa não está em condições perfeitas de arcar com todos os seus compromissos ou, muito menos, de assumir novos compromissos. Por isso, é comum em editais de licitação a exigência de que os balanços patrimoniais sejam acompanhados da compro- vação de determinados índices de saúde financeira, extraíveis a partir de uma análise do próprio balanço da empresa. Em geral, exige-se a comprovação dos seguintes índices: a) Índice de Liquidez Corrente – ILC: indica o quanto a empresa possui em recursos disponíveis, bens e direitos real- izáveis em curto prazo, para fazer face ao total de suas dívidas de curto prazo. ILC = Ativo Circulante / Passivo Circulante; b) Índice de Liquidez Geral – ILG: indica o quanto a em- presa possui em disponibilidades, bens e direitos realizáveis no curso do exercício seguinte para liquidar suas obrigações com vencimento no mesmo período. ILG = (Ativo Circulante + Realizável a Longo Prazo) / Pas- sivo Circulante + Exigível a Longo Prazo; c) Índice de Solvência Geral – ISG: expressa o grau de garantia que a empresa dispõe em ativos para pagamento do total de suas dívidas. ISG = Ativo Total / (Passivo Circulante + Exigível a Longo Prazo). A avaliação contábil, no entanto, é restrita aos dados patri- moniais constantes do balanço. Ou seja, avalia apenas a saúde financeira da empresa. Esse tipo de avaliação,contudo, por si só, não é capaz de demonstrar que uma empresa possui ca- pacidade financeira para arcar com projetos de determinadas grandezas. Explicamos: Especialmente o contrato administrativo, que possui um regime de execução diferenciado dos contratos privados, ex- ige do contratado uma capacidade de financiamento do obje- Comentários aos principais julgados doTribunal de Contas da União -TCU

Comentários aos Julgados do TCU - nº 2

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Segunda edição do informativo que contém comentários e análises sobre as principais novidades na jurisprudência do Tribunal de Contas da União - TCU.

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Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU Comentários aos principais julgados do Tribunal de Contas da União - TCU

Sessões de 5 e 6 de maio de 2015 Ano I - nº 2

LICITAÇÃO – HABILITAÇÃO – GARANTIA DE PROPOSTA – PATRIMÔNIO LÍQUIDO – CUMULAÇÃO – ART. 31, §2º, LEI Nº 8.666/1993.

“A exigência simultânea, para fins de qualificação econômico-financeira, de garantia de participação na licitação e de patrimônio líquido mínimo afronta o disposto no art. 31, § 2º, da Lei 8.666/93 e na Súmula TCU 275.” Fonte: Processo TC nº 019.511/2011-6. Acórdão nº 2240/2015 — 1ª Câmara. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Julgado em: 28.4.2015.

O art. 31 da Lei nº 8.666/1993 estabelece a documen-tação possível de ser exigida para a comprovação de

habilitação à qualificação econômico-financeira dos licitan-tes. Prevê o referido dispositivo três espécies de qualificação econômico-financeira:

a) contábil: por meio de balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa – art. 31, inc. I;

b) jurídico-financeira: por meio de certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física – art. 31, inc. II; e

c) capacidade financeira: por meio de garantia, nas mes-mas modalidades e critérios previstos no “caput” e no § 1º do art. 56 da Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estima-do do objeto da contratação, ou pela comprovação de capital social mínimo ou patrimônio líquido mínimo – art. 31, inc. III e §2º.

Como se nota, em cada uma das espécies de qualificação, o legislador pretende que se analise um aspecto distinto da qualificação econômico-financeira dos licitantes.

Avaliação contábil da qualificação econômico-financeira

A avaliação contábil demonstra o equilíbrio entre os pas-sivos e os ativos que compõem o patrimônio do licitante. É importante esse tipo de análise, precipuamente, para as con-tratações de longo prazo, pois permite verificar se o licitante não está com dificuldades financeiras que comprometam a sua subsistência no mercado. Um balanço patrimonial nega-tivo, ou seja, que ocorre quando a empresa possui um pas-sivo maior do que seus ativos, é um importante sinal de que a

empresa não está em condições perfeitas de arcar com todos os seus compromissos ou, muito menos, de assumir novos compromissos.

Por isso, é comum em editais de licitação a exigência de que os balanços patrimoniais sejam acompanhados da compro-vação de determinados índices de saúde financeira, extraíveis a partir de uma análise do próprio balanço da empresa.

Em geral, exige-se a comprovação dos seguintes índices:a) Índice de Liquidez Corrente – ILC: indica o quanto a

empresa possui em recursos disponíveis, bens e direitos real-izáveis em curto prazo, para fazer face ao total de suas dívidas de curto prazo.

ILC = Ativo Circulante / Passivo Circulante;b) Índice de Liquidez Geral – ILG: indica o quanto a em-

presa possui em disponibilidades, bens e direitos realizáveis no curso do exercício seguinte para liquidar suas obrigações com vencimento no mesmo período.

ILG = (Ativo Circulante + Realizável a Longo Prazo) / Pas-sivo Circulante + Exigível a Longo Prazo;

c) Índice de Solvência Geral – ISG: expressa o grau de garantia que a empresa dispõe em ativos para pagamento do total de suas dívidas.

ISG = Ativo Total / (Passivo Circulante + Exigível a Longo Prazo).

A avaliação contábil, no entanto, é restrita aos dados patri-moniais constantes do balanço. Ou seja, avalia apenas a saúde financeira da empresa. Esse tipo de avaliação,contudo, por si só, não é capaz de demonstrar que uma empresa possui ca-pacidade financeira para arcar com projetos de determinadas grandezas. Explicamos:

Especialmente o contrato administrativo, que possui um regime de execução diferenciado dos contratos privados, ex-ige do contratado uma capacidade de financiamento do obje-

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de Contas da União - TCU

Produção: Cristiana Muraro, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes e Murilo Jacoby Fernandes

Diagramação e layout: Alveni LisboaOs artigos publicados neste informativo são de

responsabilidade exclusiva de seus autores.

Avaliação da capacidade financeira

A terceira vertente da qualificação econômico-financeira possui objetivo diverso das anteriores. Busca avaliar a ca-pacidade financeira dos licitantes para arcarem com os en-cargos oriundos do objeto do futuro contrato.

Não é difícil imaginar uma situação em que uma empresa tem saúde financeira considerável, mas não terá capacidade financeira de assumir um determinado projeto, seja porque já possui muitos compromissos firmados, seja porque a di-mensão do projeto, ou o volume de recursos envolvidos, é muito maior do que conseguiria suportar.

O seguinte exemplo permitirá um entendimento melhor da matéria:

Imaginemos que o Município X lançou uma licitação para reforma das quadras poliesportivas da cidade. Por se tratar de uma reforma simples, o valor estimado do contrato é de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

Ao mesmo tempo, lançou um edital de licitação para construção de um estádio de futebol, com valor global es-timado de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais).

Dentre o rol de empresas interessadas nos dois certames estão duas empresas:

a) empresa “A”, uma pequena construtora, que possui excelente saúde financeira, ou seja, possui volume maior de receitas do que de despesas, porém, possui um capital social de apenas R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais);

b) empresa “B”, uma grande construtora, que possui saúde financeira regular, ou seja, possui um volume de re-ceitas compatível com seu volume de despesas, e tem como capital social o montante de R$ 15.000.000,00 (quinze mil-hões de reais).

Avaliando-se as duas empresas sob o aspecto contábil – balanço patrimonial – e sob o aspecto jurídico-financeiro – certidões – as duas empresas teriam a qualificação econômi-co-financeira para participar das duas licitações.

Mas será que as duas empresas teriam a capacidade fi-nanceira necessária para cumprir com as obrigações decor-rentes dos dois objetos licitados?

Será que a empresa “A” teria condições de assumir

to licitado. Isso porque, em regra, o contratado é o responsável por todos os encargos financeiros do contrato – contratações prévias com fornecedores, mão de obra, etc. – até o efetivo re-cebimento. Apenas quando a Administração recebe o serviço ou produto contratado, mesmo que parcialmente, é que ocor-rerá a contrapartida financeira de sua parte.

É evidente que essa situação implica a capacidade de re-alizar investimentos iniciais por parte do particular que, a de-pender da envergadura do objeto contratual, não será atendida por qualquer licitante, ainda que tenha boa saúde financeira.

Avaliação jurídico-financeira da qualificação econômico-financeira

Atribuímos o conceito de avaliação “jurídico-financeira”, porque tem por objeto verificar, por meios jurídicos – cer-tidões – se a licitante possui saúde financeira para arcar com seus compromissos frente à Administração.

Essa análise se restringirá a verificar, em documentos expe-didos pelos cartórios competentes, se a licitante não se encon-tra em processo de falência ou de recuperação judicial, visto que, como é notório, tais situações são indícios fortes de que aquela empresa não terá condições de adimplir seus compro-missos com a Administração caso venha a firmar contrato.

Essa espécie de qualificação, embora importante, também não será suficiente para, por si só, garantir à Administração que o licitante terá totais condições de suportar os compromis-sos financeiros decorrentes do objeto licitado.

Incidindo na mesma regra da avaliação contábil, restringe-se aqui a avaliar se a licitante tem condições de honrar seus compromissos já assumidos. Essa comprovação, no entanto, também não comprova a capacidade financeira da empresa para suportar os compromissos a serem firmados com a Ad-ministração – financiamentos, contratações prévias com for-necedores, contratação de pessoal, etc.

Qualquer empresa que não esteja em processo de falên-cia ou recuperação judicial, desde uma banca de revista até a maior construtora, atenderá essa exigência de qualificação econômico-financeira em igualdades de condições. Bastará apresentar as respectivas certidões.

Revisão: Barbara Andrade

Dúvidas, críticas ou sugestões:http://www.jacoby.pro.br [email protected]

(61) 3366-1206Coordenação: Álvaro Luiz da Costa Júnior

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uma construção de um estádio de futebol no valor de R$ 150.000.000,00, quando seu capital social é de apenas R$ 150.000,00? Por evidente que não.

Seria um risco muito grande para a Administração colo-car um projeto dessa dimensão sob a responsabilidade de uma empresa que não detém capital próprio para suprir os riscos financeiros da operação.

Por essas razões, a Lei nº 8.666/1993 traz em seu arca-bouço a previsão da exigência de qualificação econômico-financeira com o viés de avaliar justamente essa capacidade financeira da empresa. As opções previstas na lei para essa avaliação são:

a) garantia de proposta, prevista no inc. III do art. 31; OUb) comprovação de capital mínimo OU patrimônio líqui-

do mínimo, proporcional ao objeto do contrato, na forma do §2º, do art. 31.

A garantia de proposta consiste em uma caução em dinhei-ro, título da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária, em valor de até 1% do valor do contrato.

Essa garantia tem por finalidade imediata o compromisso do licitante, que apresentou proposta na licitação, manter aque-la oferta caso seja o vencedor do certame. Caso o licitante vença a licitação e desista do contrato, a Administração poderá execu-tar a garantia em seu favor.

Mais importante do que o compromisso de manter a proposta, contudo, é a finalidade mediata da garantia. De-pendendo do valor do contrato, é possível que uma garantia de 1% por cento tenha um valor considerável. Esse valor im-porá que a empresa interessada tenha capacidade financeira mais robusta, pois é um ônus financeiro com avaliação de risco, inclusive, pelas instituições seguradoras.

Assim, a garantia de proposta comprova que a licitante detém capacidade financeira suficiente para participar do certame e, caso seja vencedora, para arcar com os encargos contratuais.

Muitas vezes, no entanto, a garantia de proposta pode representar uma restrição excessiva, que ofusca a ampla com-petitividade buscada na licitação. Não é por outra razão que o §2º do art. 31 da Lei nº 8.666/1993 permite a substituição da exigência de garantia pela comprovação de capital social mínimo ou patrimônio líquido mínimo.

O capital social representa o investimento que os propri-etários e/ou acionistas efetuaram ou se comprometeram a efetuar na empresa para seu regular funcionamento. Na re-gra geral do Direito Comercial, os acionistas respondem até o montante de suas quotas que compõem o capital social da empresa. Isso significa dizer que o capital social da empresa é o patrimônio mínimo que ela possui para garantir seu fun-cionamento e, se for o caso, para garantir suas dívidas.

O patrimônio líquido decorre também da avaliação contábil estrita do balanço patrimonial, mas com objeto diferente. Tem como referência o valor disponível naquele momento dentro do patrimônio da empresa, excluídas as dívidas. O patrimônio líqui-do é o resultado da diferença entre o ativo e o passivo da empresa.

Comprovando-se, pois, que a empresa tem patrimônio líquido ou capital social mínimo compatível com o valor estimado do contrato, a Administração tem a prova de que aquela empresa tem capacidade financeira para arcar com os encargos do objeto licitado, pois seu patrimônio goza de robustez suficiente para tanto. Nesse caso, é dispensável a exigência da garantia de proposta.

A não cumulatividade dos requisitos de comprovação da capacidade financeira

Por terem o mesmo objeto, a lei dispôs que são alternativos os meios de avaliação da capacidade financeira dos licitantes. Isso significa dizer que não é possível exigir, cumulativamente, capital social mínimo, patrimônio líquido mínimo e a garantia de proposta.

A redação do §2º do art. 31 da Lei nº 8.666/1993 permite a substituição das garantias por uma ou outra forma de com-provação, e não a sua cumulatividade. Senão vejamos:

Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômi-co-financeira limitar-se-á a:I - balanço patrimonial e demonstrações contábeis do últi-mo exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da em-presa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;II - certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;III - garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no “caput” e § 1o do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.§ 1º A exigência de índices limitar-se-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas aos com-promissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato, vedada a exigência de valores mínimos de fatura-mento anterior, índices de rentabilidade ou lucratividade.§ 2º A Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer, no in-strumento convocatório da licitação, a exigência de capi-tal mínimo ou de patrimônio líquido mínimo, ou ainda as garantias previstas no § 1o do art. 56 desta Lei, como dado objetivo de comprovação da qualificação econômico-financeira dos licitantes e para efeito de garantia ao adim-plemento do contrato a ser ulteriormente celebrado.

De fato, não haveria razão cumular as exigências de garantia de proposta com o capital social ou o patrimônio líquido. É um dever da Administração avaliar em cada caso qual a regra que se adequa melhor à realidade do objeto da licitação, de modo a se preservar, sempre, os princípios da ampla competitividade e da busca pela proposta mais vanta-josa, esculpidos no art. 3º da Lei nº 8.666/1993.

A não cumulatividade dos instrumentos de avaliação da capacidade financeira está assentada, também, na Súmula

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nº 275, do Tribunal de Contas da União – TCU, a qual esta-belece que:

Para fins de qualificação econômico-financeira, a Admin-istração pode exigir das licitantes, de forma não cumula-tiva, capital social mínimo, patrimônio líquido mínimo ou garantias que assegurem o adimplemento do contrato a ser celebrado, no caso de compras para entrega futura e de ex-ecução de obras e serviços.

O caso concreto analisado pelo TCU

No caso concreto, o TCU realizou auditoria na Fundação Nacional de Saúde – Funasa, na Superintendên-cia Estadual da Funasa em Goiás e nas prefeituras goianas de Buriti Alegre, Simolândia, Sanclerlândia, São Luís de Montes Belos e Corumbaíba, no período compreendido entre 21/11/2014 e 23/1/2015.

Foram selecionados para fiscalização cinco convênios ou termos de compromisso celebrados pela Funasa no Estado de Goiás.

Na auditoria, o TCU analisou os editais de licitação que deram origem às contratações para atendimento aos con-vênios e termos de compromisso e identificou algumas regras de participação excessivamente restritivas à competitividade. Dentre tais irregularidades, foi verificada a exigência cumu-lativa de patrimônio líquido mínimo e garantia de proposta, o que afronta a redação do art. 31, §2º, da Lei nº 8.666/1993.

Invocou-se, também, a Súmula nº 275 do TCU, mencio-nada anteriormente.

Entendimento divergente no Poder Judiciário

Embora esse entendimento seja recorrente no TCU, no Poder Judiciário ainda não existe posicionamento definido. Há, inclusive, decisões que caminham no sentido contrário, deliberando-se pela possível cumulatividade da garantia de proposta com o patrimônio líquido ou capital social mínimo.

Nesse sentido, destacamos:ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. PREGÃO. QUALI-

FICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PATRIMÔNIO LÍQUIDO MÍNIMO. LEI 8.666/93, ART. 31, § 2º. LEGALIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA AO PREGÃO. ART. 12 DA LEI 10.520/2002. EXIGÊNCIA EM CONJUNTO COM A APRESENTAÇÃO DAS GARANTIAS PREVISTAS NO § 1º DO ART. 56 DA LEI 8.666/93. POSSIBILIDADE. FINALIDADE DE COMPROVAR QUE A EMPRESA CONTRATADA POSSUI CONDIÇÕES FINANCEIRAS DE CUMPRIR EFETIVAMENTE O CONTRATO. RES-GUARDO DO INTERESSE PÚBLICO. 1. A Lei 10.520/2002, ao instituir no âmbito da União, dos

Estados, do Distrito Federal e Municípios a modalidade de licitação denominada pregão, não estabeleceu expres-samente exigências acerca da qualificação econômico-fi-nanceira dos licitantes, limitando-se a dispor que o edital

do certame disporá sobre os requisitos necessários à habili-tação (art. 4º, III c/c art. 3º, I). 2. O Decreto 3.555/2000, ao aprovar o regulamento dessa modalidade de licitação, es-tabeleceu que a comprovação da qualificação econômico-financeira dar-se-á por meio da inscrição no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF. 3. Embora o Decreto 3.555/2000 tenha assim disposto sobre a qualificação econômico-financeira dos licitantes, inex-iste óbice à estipulação de exigência editalícia requerendo a comprovação de patrimônio integralizado líquido, no valor mínimo de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhen-tos mil reais), em conformidade com o § 2º do artigo 31 da Lei 8.666/93, uma vez que esse diploma legal se aplica subsidiariamente ao pregão, nos moldes do artigo 12 da Lei 8.666/93. 4. Ainda que a Lei 8.666/93, em seu artigo 31, § 2º, tenha estabelecido que a Administração poderá exigir a demonstração de patrimônio líquido mínimo ou as ga-rantias previstas no § 1º do artigo 56 daquele diploma le-gal, não resta defeso a exigência conjunta dessas medidas no instrumento convocatório. 5. Tais medidas têm por fi-nalidade assegurar que a empresa contratada tenha efetiva-mente condições financeiras de honrar o contrato em todos os seus termos, evitando-se assim prejuízo à Administração Pública. Em última análise, são medidas que resguardam o interesse público. [...]

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTE-LAR. LIMINAR. ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. PREGÃO. ADJUDICAÇÃO. EXIGÊNCIA DE GAR-ANTIA. 5% (CINCO POR CENTO) DO VALOR DO OBJETO LICITADO. CUMULAÇÃO COM A EX-IGÊNCIA DE CAPÍTAL OU PATRIMÒNIO LÍQUI-DO MÍNIMO. LEGALIDADE. LEI N.º 8.666/93. COMPROVAÇÃO DA CAPACIDADE ECONÔMI-CA DO VENCEDOR PARA CONCRETIZAR A OBRA/SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO.1. A empresa objetiva afastar a exigência de prestar garantia equivalente a 5% (cinco por cento) do valor do contrato referente ao Pregão Presencial n.º 306/ADNE/SBRF/2013, promovido pela INFRAERO, ao argumento de já ter comprovado o capital mínimo de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais) e tal ga-rantia não encontrar amparo na Lei de Licitações. Alternativamente, roga pela inaplicação de qualquer sanção administrativa pelo inércia em prestá-la, até o julgamento de mérito da demanda. 2. Numa análise sistêmica da Lei de Licitações, a exigência de capital ou patrimônio líquido mínimo, cumulada com a gar-antia percentual do contrato administrativo de 5% ou 10%, conforme a magnitude do objeto, a complexi-dade técnica e os riscos financeiros envolvidos, é ple-namente legal e objetiva comprovar-se a real capaci-dade econômica do vencedor para concretizar a obra/serviço licitado de modo satisfatório e integralmente. 3. Ausente a fumaça do bom direito, igualmente não merece guarida a pretensão de obstar qualquer sanção

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CONTRATO – REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO – VARIAÇÃO DE PREÇOS - FLUTUAÇÃO CAMBIAL –

ART. 65, INC. II, ALÍNEA D, LEI Nº 8.666/1993.“A mera variação de preços ou flutuação cambial não é suficiente para a realização de reequilíbrio

econômico-financeiro do contrato, sendo essencial a presença de uma das hipóteses previstas no art. 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/93, associada à demonstração objetiva de que ocorrências supervenientes tornaram a execução contratual excessivamente onerosa para uma das partes.” Fonte: Processo TC nº 019.710/2004-2. Acórdão nº 1.085/2015 — Plenário. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Julgado em: 6.5.2015.

Autores do texto:• Álvaro Luiz Miranda Costa Júnior • Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

Acórdãos/Decisões referidos:• TCU. Acórdão nº 2240/2015 — 1ª Câmara

• TCU. Súmula nº 275

• TRF-1. AG nº 0029301-85.2004.4.01.0000• TRF-5. MC nº 080142477201440500

Normas Referidas:• Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

administrativa pela não prestação da garantia exigida pela INFRAERO. Agravo de instrumento desprovido.

A Lei nº 8.666/1993 estabelece em seu art. 65 as hipóteses de alteração dos contratos por ela re-

gidos. Isso porque o contrato administrativo tem uma mutabilidade decorrente:

a) das cláusulas exorbitantes em favor da Adminis-tração e do caráter dinâmico do interesse público – alteração unilateral; e

b) dos percalços enfrentados durante a execução do contrato – por acordo entre as partes.

As dificuldades enfrentadas pelo contratado no curso da vigência contratual podem prejudicar o atingimento do interesse da coletividade, razão pela qual há uma di-visão dos riscos de forma que o Estado, além dos fatos a si imputáveis, também assume os ônus por aqueles im-previsíveis que não poderiam ser imputados a nenhuma das partes.

Nesse sentido, aos contratos administrativos aplica--se a “Teoria da Imprevisão” que tem como seu principal vetor a proteção da equação econômico-financeira da

Em sínteseSobre a qualificação econômico-financeira, as regras de

participação estabelecidas na lei são:

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avença. É dizer que, seja por ação ou omissão do Esta-do — material ou jurídica — ou por fatos imprevisíveis em geral, se essa estrutura econômica inicial da relação contratual for alterada, deve-se procurar restabelecê-la, seja em favor do particular ou da própria Administração.

O reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos é norma constitucional, inafastável por vontade das partes, nos termos do art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal, do art. 478 do Código Civil e do art. 65, inc. II, da Lei de Licitações.

O não reestabelecimento da equação econômico--financeira pode caracterizar o enriquecimento ilícito de uma das partes e ensejar a rescisão contratual.

Da álea ordinária

Note-se, porém, que a álea ordinária ou empresa-rial, inerente a qualquer tipo de negócio, não pode ser abarcada pela Administração. Significa dizer que cir-cunstâncias previsíveis; imprevisíveis, mas de resultados contornáveis; ou de pequenos reflexos econômicos não autorizam modificações contratuais.

Na esteira desse raciocínio, se o licitante tiver oferta-do preço que não seja suficiente para cobrir os custos da execução da avença, não há o que se falar em reequilíbrio de contrato que já nasceu com equação econômica dese-quilibrada.

Da álea extraordinária

Apenas a chamada álea extraordinária autoriza o re-equilíbrio contratual, seja ela oriunda da Administração – alteração unilateral ou fato da Administração –, ou econômica – proveniente de circunstâncias externas ao contrato e às partes. Veja-se:

a) álea administrativa:

a.1 – alteração unilateral do contrato: modifica-ção qualitativa ou quantitativa do objeto, obser-vados os limites percentuais impostos nos §§ 1º e 2º do art. 65, inc. I, da Lei de Licitações – ex.: alteração de projeto;

a.2 – fato da administração: ação ou omissão ile-gítima da Administração contratante que atinge diretamente a relação contratual – ex.: não entrega do local da obra;

a.3 – fato do príncipe: determinação geral e im-previsível da Administração contratante que de forma reflexa afeta o equilíbrio econômico-finan-ceiro do contrato – ex.: superveniência de nova lei ou alteração tributária;

b) álea econômica:

b.1 – Teoria da Imprevisão: todo acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, que causa desequilíbrio considerável e torna a execução demasiadamente onerosa ao contratado. Chamada de cláusula re-bus sic standibus, determina que, por um lado, a ocorrência de circunstâncias excepcionais não pode afastar as obrigações do contratado, e, por outro, não seria justo que ele respondesse sozinho pelos prejuízos ocorridos para que um contrato de interesse de toda coletividade seja executado. Dessa forma, o Estado assume as consequências do imprevisível;

b.2 – fatos imprevistos: são fatos materiais ou incidentes técnicos já existentes no momento da contratação, mas desconhecidos – ex.: uma rocha insuspeita encontrada após início das escavações.

Para a aplicação da Teoria da Imprevisão aos contra-tos administrativos é necessário que os fatos sejam: 1) imprevisíveis, ou previsíveis, mas de consequências in-calculáveis; 2) estranhos à vontade das partes; 3) inevi-táveis; e 4) causadores de significativo desequilíbrio do contrato.

Diante das áleas acima descritas, preferencialmente, deve-se manter a equação econômico-financeira do con-trato, porém, caso não seja possível, pode-se rescindi-lo, conforme hipótese descrita no art. 78, inc. XVII, da Lei nº 8.666/1993.

Variação de preços e flutuação cambial

A doutrina e a jurisprudência divergem quanto à ne-cessidade de se reequilibrar a equação financeira de um contrato em razão de variação de preços de mercado e flutuação cambial.

A corrente majoritária entende que a variação cam-bial – como a valorização expressiva de uma moeda fren-te à outra – pode ser inesperada e imprevista, desequili-brando contratos nos quais haja obrigações em moeda ou produtos estrangeiros.

Da mesma sorte, o aquecimento de mercado que eleve sobremaneira e inesperadamente os preços de determi-nado insumo pode vir a caracterizar evento imprevisível.

Essa situação difere, por exemplo, de uma alteração de dissídio coletivo dos empregados, pois, neste caso, é sabido que a sua periodicidade é anual, podendo-se es-perar que sobrevenham modificações nos custos. Logo, não haveria o que se falar em Teoria da Imprevisão.

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O posicionamento do STJ

O STJ já teve oportunidade de apreciar casos em que a variação cambial, no entender daquela Corte, ensejou a necessidade de se reestabelecer a equação econômico--financeira de contrato administrativo. Veja-se julgado nesse sentido:

CONTRATO ADMINISTRATIVO. EQUAÇÃO ECO-NÔMICO-FINANCEIRA DO VÍNCULO. DESVA-LORIZAÇÃO DO REAL. JANEIRO DE 1999. ALTE-RAÇÃO DE CLÁUSULA REFERENTE AO PREÇO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO E FATO DO PRÍNCIPE.

1. A novel cultura acerca do contrato administrativo en-carta, como nuclear no regime do vínculo, a proteção do equilíbrio econômico-financeiro do negócio jurídico de direito público, assertiva que se infere do disposto na le-gislação infralegal específica (arts. 57, § 1º, 58, §§ 1º e 2º, 65, II, d, 88 § 5º e 6º, da Lei 8.666/93. Deveras, a Consti-tuição Federal ao insculpir os princípios intransponíveis do art. 37 que iluminam a atividade da administração à luz da cláusula mater da moralidade, torna clara a neces-sidade de manter-se esse equilíbrio, ao realçar as “condi-ções efetivas da proposta”.

2. O episódio ocorrido em janeiro de 1999, consubs-tanciado na súbita desvalorização da moeda nacional (real) frente ao dólar norte-americano, configurou causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrati-vos, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico--financeiro das partes.

3. Rompimento abrupto da equação econômico-finan-ceira do contrato. Impossibilidade de início da execu-ção com a prevenção de danos maiores. (ad impossiblia memo tenetur).

4. Prevendo a lei a possibilidade de suspensão do cum-primento do contrato pela verificação da exceptio non adimplet contractus imputável à administração, a for-tiori, implica admitir sustar-se o “início da execução”, quando desde logo verificável a incidência da “impre-visão” ocorrente no interregno em que a administração postergou os trabalhos. Sanção injustamente aplicável ao contratado, removida pelo provimento do recurso.

5. Recurso Ordinário provido.1

A evolução do entendimento do TCU

A Corte de Contas já se manifestou em diversas opor-tunidades pela necessidade de reequilibrar contratos diante da abrupta flutuação cambial. Vejam-se excertos de acórdãos:

REPRESENTAÇÃO FORMULADA POR EQUIPE DE AUDITORIA DO TCU. POSSÍVEIS IRREGULARI-DADES NA CBTU. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO CONTENDO PREVISÃO DE REAJUSTE COM BASE

1 STJ. RMS nº 15.154-PE — 1ª Turma. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em: 19/11/2002. DJ, 2 dez. 2002.

NA VARIAÇÃO CAMBIAL DO DÓLAR NORTE--AMERICANO. REGIME DE ADMINISTRAÇÃO CONTRATADA. DESVALORIZAÇÃO CAMBIAL ELEVADA. RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. DETERMINAÇÃO.

Todavia, sob o aspecto econômico, não há negar que, em vir-tude da desvalorização cambial, ocorrida no início de 1999, o valor em reais recebido pela contratada elevou-se substancial-mente, sem que os seus custos, essencialmente vinculados a in-sumos nacionais, aumentasse na mesma proporção, haja vista que o maior custo incorrido pela contratada é com pessoal, que tem sua remuneração fixada em reais.

Isso configura alteração imprevisível e inevitável na esfera econômica, estranha à vontade das partes, que acarretou distorção entre o valor recebido e os encar-gos suportados pela contratada, em benefício desta e, de outra parte, na mesma proporção, a imposição de ônus excessivo à contratante, o que enseja a aplicação da teoria da imprevisão (rebus sic stantibus).

Ressalte-se que essa teoria, albergada pela atual Lei de Licitações, no seu art. 65, inciso II, alínea d, pode ser empregada tanto em favor do contratado quanto em favor do contratante.

Aliás, como exemplo de aplicação da teoria da im-previsão em benefício da Administração Pública, pode ser citado o Decreto nº 2.399/97 que, em virtu-de da estabilização da economia e da necessidade de expurgar dos preços contratados a expectativa de in-flação, determinava que os órgãos e entidades da Ad-ministração Federal promovessem a reavaliação dos instrumentos contratuais em vigor, objetivando a re-dução dos preços aos níveis daqueles atualmente pra-ticados no mercado para o mesmo bem ou serviço. Ademais, não se diga que a manutenção do reajuste cambial não acarreta nenhum prejuízo à CBTU, em virtude de os recursos serem provenientes do BIRD, pois para pagar esse financiamento será necessário maior desembolso de moeda nacional do que previsto originalmente.

Assim, entendo pertinente expedir recomendação à en-tidade para que promova renegociação do contrato no sentido de adequá-lo à nova realidade cambial.2

REPRESENTAÇÃO. ADAPTAÇÃO DA PLATAFOR-MA “P-34”. [...] APLICAÇÃO DA TEORIA DA IM-PREVISÃO POR VALORIZAÇÃO CAMBIAL. [...]

4. É aplicável a teoria da imprevisão e a possibilidade de recomposição do equilíbrio contratual, em razão de valorização cambial. Precedente. [...]3

2 TCU. Processo TC nº 009.634/1999-1. Decisão nº 464/2000 – Plenário. Relator: Walton Alencar Rodrigues, Julgamento: 07/06/2000.3 TCU. Processo TC nº 017.026/2005-3. Acórdão nº 1.595/2005 – Plenário. Relator: Guilherme Palmeira, Julga-mento: 30/08/2006.

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Mudança de entendimento!

Percebe-se, porém, que esse entendimento do TCU vem sendo revisitado, predominante atualmente na Corte de Contas o sentido inverso. Leia-se:

RELATÓRIO DE LEVANTAMENTO DE AUDITO-RIA (FISCOBRAS 2007). [...] CONVERSÃO DE DOIS NAVIOS PETROLEIROS NAS PLATAFORMAS P-50 E P-54, [...] REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINAN-CEIRO E REAJUSTE CONTRATUAL INDEVIDOS SOB OS ARGUMENTOS DE VARIAÇÃO CAMBIAL, AQUECIMENTO DE MERCADO E VARIAÇÃO DE PREÇO DO AÇO ESTRUTURAL, [...] GERANDO DANO. [...] OPERAÇÕES DE HEDGE. [...] AUSÊN-CIA DE VARIAÇÕES CAMBIAIS IMPREVISÍVEIS OU ONEROSIDADE EXCESSIVA POR FATOS SU-POSTAMENTE EXTRAORDINÁRIOS. ÁLEA QUE SE SITUA NO RISCO EMPRESARIAL. REJEIÇÃO DAS RAZÕES DE JUSTIFICATIVA. [...]

Não se aplica a teoria da imprevisão e a possibilidade de recomposição do equilíbrio contratual em razão de variações cambiais ocorridas devido a oscilações natu-rais dos fatores de mercado.4

Na ocasião do julgamento acima, o TCU obtemperou que o risco da flutuação cambial está na álea empresarial. Apontou, inclusive, a existência de seguros – HEDGE, que significa proteção – cujo objetivo é proteger os em-presários quanto aos possíveis prejuízos em razão vo-latilidade do câmbio. Concluiu a Corte de Contas que os contratados podem se prevenir quanto a esse tipo de risco empresarial por meio de operações securitárias, e que não cabe à Administração a assunção de prejuízos inerentes ao mercado.

Em linha com esse julgado, foi prolatado o Acórdão nº 1.085/2015– Plenário, na epígrafe do informativo TCU nº 241, como segue explicação do caso.

O caso concreto analisado pelo TCU

O Processo TC nº 019.710/2004-2 cuidou de Tomada de Contas Especial instaurada em razão de irregularida-des praticadas por gestores da Companhia de Desenvol-vimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba — Co-devasf — nos pagamentos realizados durante a execução do contrato das obras civis de infraestrutura de irrigação do Projeto Salitre – Etapa I, em Juazeiro/BA, celebrado com a Construtora Norberto Odebrecht —CNO.

Entre outros achados, houve pagamento referente ao ree-quilíbrio econômico-financeiro do contrato, pois, em janeiro de 1999, ocorreu uma expressiva desvalorização do Real, afe-tando os preços contratuais, que tinham como base abril/1998.

4 TCU. Processo TC nº 007.103/2007-7. Acórdão nº 3.282/2011 – Plenário. Relator: Augusto Nardes, Julgamento: 07/12/2011.

Alegou-se que a maxidesvalorização do Real consti-tuiria fato extraordinário a ensejar a revisão contratual, pois os efeitos da valorização do Dólar não foram capta-dos em sua plenitude pela fórmula de índice de reajusta-mento contratual.

O Ministro-Relator, Benjamin Zymler, obtemperou que a desvalorização da moeda nacional ocorrida no iní-cio de 1999, apesar de já ter sido reconhecida pela Justiça e pelo próprio TCU como evento extracontratual impac-tante nos contratos administrativos em vigor na época, não pode ser tida como uma condição suficiente e autô-noma para justificar a revisão contratual.

Explicou que o particular contratado pode ter adqui-rido os insumos ou incorrido nas despesas impactadas pelo câmbio antes da ocorrência do evento. Em tal si-tuação, a posterior desvalorização da moeda favoreceria ao contratado, pois os índices de reajuste supervenientes captariam em maior ou menor grau o fato ocorrido.

Dessa forma, consignou-se que “a mera variação de preços ou flutuação cambial não é suficiente para a reali-zação de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, sendo essencial a presença de uma das hipóteses previs-tas no art. 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/93, associa-da à demonstração objetiva de que ocorrências superve-nientes tornaram a execução contratual excessivamente onerosa para uma das partes”.

A decisão do TCU está correta?

Quando se firma um contrato oneroso, deve haver um equilíbrio econômico-financeiro entre as prestações das partes envolvidas, precisamente entre os encargos do contratado e a contraprestação da Administração. Nos contratos administrativos a situação não é diferente. Mesmo com as chamadas cláusulas exorbitantes da ad-ministração, é essencial que exista um equilíbrio econô-mico-financeiro no contrato.

Não houvesse essa equação ninguém firmaria um contrato com a Administração, pois os riscos de prejuízo seriam enormes. Garantindo-se o equilíbrio o contrato pode se tornar atraente, e mais do que isso, será um con-trato justo, não implicando prejuízos para ninguém.

Com efeito, em um regime de câmbio flutuante a va-riação cambial, por si só, não é um fato imprevisível. To-davia, a variação cambial além dos patamares esperados pelo mercado e pelo próprio Banco Central – BACEN deve sim ser considerada imprevisível, autorizando a re-visão contratual.

A coerência de adotar o BACEN como parâmetro para a previ-sibilidade da variação do dólar está assentada em sua inquestionável competência atribuída pela Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

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Referida norma impõe a essa Autarquia o dever de atuar no sentido de prover o funcionamento regular do mercado cambial e da estabilidade relativa das taxas de câmbio, podendo para esse fim comprar e vender moeda estrangeira.

Ora, não é razoável entender que seria previsível uma variação da cotação de moeda estrangeira diferente da-quela prevista pela instituição federal incumbida de con-trolá-la.

Logo, apesar de o TCU ter reconhecido que a varia-ção cambial foi abrupta, firmou o entendimento de que esse não pode ser o único motivo ensejador da alteração contratual: é necessário demonstrar os impactos da flu-tuação cambial na equação financeira.

Conclusão

A flutuação cambial e a variação de preços de mercado podem vir a ser caracterizadas como fatos imprevisíveis ensejadores da necessidade de se re-equilibrar a equação econômico-financeira de con-tratos administrativos.

Nesse sentido, os parâmetros do BACEN podem auxiliar na demonstração da imprevisibilidade e na apuração dos reflexos diretos e relevantes no con-trato.

Diante da evolução do entendimento do TCU, todavia, tornam-se imprescindíveis cautela e acura-da análise do caso concreto em conjunto com as evi-dências de efetiva imprevisibilidade, ou consequên-cias incalculáveis, e comprovação do ônus excessivo para a aplicação da Teoria da Imprevisão.

Autores do texto:• Cristiana Muraro Tarsia

• Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

Acórdãos/Decisões referidos:• TCU. Decisão nº 464/2000 – Plenário.• TCU. Acórdão nº 1.595/2005 – Plenário.• TCU. Acórdão nº 3.282/2011 – Plenário.

• TCU. Acórdão nº 1.085/2015 – Plenário.• STJ. RMS nº 15.154-PE — 1ª Turma.

Normas Referidas:• Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

• Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 1988.

• Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

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