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A - Sobre a concepção de Formação Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de alguém, sem exibição ou espalhafato. Tua tarefa é facilitar o que está acontecendo. Se deves assumir o comando, faz isso de tal modo que auxilies a mãe e deixes que ela continue livre e responsável. Quando nascer a criança, a mãe dirá com razão: nós três realizamos esse trabalho” (Adapt. de Lao Tse, séc. V a C.) A educação é uma das maneiras de tornar comum um saber, uma ideia, uma crença...A educação tem a ver com produção, transmissão e reprodução do conhecimento. A educação pode existir imposta por um sistema centralizado de poder como um recurso a mais de sua dominação. Mas, pode ser uma construção coletiva, com participação corresponsável das pessoas envolvidas, que usa a educação como instrumento de libertação. Por isso, o processo educativo é uma disputa de hegemonia entre as classes para dar direção à sociedade no plano político, ideológico e cultural. Toda formação tem uma intencionalidade, explícita ou oculta, a partir da perspectiva que dá rumo ao conhecimento. A intencionalidade política da educação popular nasce da concepção de mundo e da opção ideológica que serve à classe trabalhadora. Assim, o objetivo da formação política, da educação popular, é qualificar a militância da classe oprimida para a luta contra a injustiça. Como instrumento a serviço da transformação estrutural da sociedade, ajuda na elaboração, implantação, acompanhamento e permanente avaliação de uma estratégia de poder. Portanto, a formação será sempre um ato político. Numa sociedade de classes, qualquer formação tem uma visão antagônica que visa ou a preparação para acomodar-se a um sistema de dominação ou envolver-se na sua transformação. Na educação domesticadora, tornar comum significa naturalizar a prática de impor, de forma autoritária ou populista, diferentes pacotes que perpetuam a ordem dominante, onde as pessoas aprendem a introjetar e a reproduzir conteúdos e modelos que fortalecem a estrutura de opressão. Já na educação libertadora, tornar comum significa incorporar a classe trabalhadora como protagonista e estimular seu potencial, silenciado e atrofiado, para a construção de uma nova ordem social. Todos concordam que só o conhecimento liberta e que o conhecimento pressupõe assimilação de informações e de conceitos. Mas, na escola tradicional, o conhecimento visa apenas entender o mundo e adaptar-se a ele. Já na educação popular, o objetivo do conhecimento é entender o mundo para transformá-lo. Os dados, informações, conceitos, planos e, com eles os “intelectuais”, significam erudição ou conhecimento. Quando colocado a serviço de uma estratégia e utilizando o método participativo, o saber pode tornar-se força material que transforma a natureza e a sociedade. A verdadeira formação será necessariamente crítica a qualquer endoutrinamento ou dogmatismo que treina obedientes seguidistas. É, igualmente, contrária a toda ausência de princípios, ecletismo ou forma de basismo (elogio oportunista a um falso saber popular). A repetição de fórmulas acabadas, de receitas transplantadas ou a aceitação do contraditório senso comum tem produzido imbecis disciplinados que levam ao afundamento qualquer organização. Criticar é um dever. Um educando só será digno de seu educador se ousar combater um ponto de vista que lhe parece equivocado. Evidentemente, a formação deve levar em conta os diversos níveis de consciência e de compromisso das pessoas envolvidas. Além disso, não pode ser ingênua de confundir um princípio com um método. Assim, a defesa intransigente da igualdade entre os seres humanos, sem superiores ou inferiores, não pode desconhecer as diferenças produzidas pela carga genética, pelo ambiente cultural, oportunidades históricas, investimento, esforço pessoal... Por isso, mesmo sabendo que tudo se relaciona e que não há critérios exatos para demarcar limites, é preciso considerar, pelo menos, quatro níveis de formação: a) a básica - com temas que se referem

Compilação de texto sobre a educação popular

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A - Sobre a concepção de Formação

“ Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de alguém, sem exibição ou espalhafato. Tua tarefa é facilitar o que está acontecendo. Se deves assumir o comando, faz isso de tal modo que auxilies a mãe e deixes que ela continue livre e responsável. Quando nascer a criança, a mãe dirá com razão: nós três realizamos esse trabalho”

(Adapt. de Lao Tse, séc. V a C.)

A educação é uma das maneiras de tornar comum um saber, uma ideia, uma crença...A educação tem a ver com produção, transmissão e reprodução do conhecimento. A educação pode existir imposta por um sistema centralizado de poder como um recurso a mais de sua dominação. Mas, pode ser uma construção coletiva, com participação corresponsável das pessoas envolvidas, que usa a educação como instrumento de libertação. Por isso, o processo educativo é uma disputa de hegemonia entre as classes para dar direção à sociedade no plano político, ideológico e cultural.

Toda formação tem uma intencionalidade, explícita ou oculta, a partir da perspectiva que dá rumo ao conhecimento. A intencionalidade política da educação popular nasce da concepção de mundo e da opção ideológica que serve à classe trabalhadora. Assim, o objetivo da formação política, da educação popular, é qualificar a militância da classe oprimida para a luta contra a injustiça. Como instrumento a serviço da transformação estrutural da sociedade, ajuda na elaboração, implantação, acompanhamento e permanente avaliação de uma estratégia de poder. Portanto, a formação será sempre um ato político.

Numa sociedade de classes, qualquer formação tem uma visão antagônica que visa ou a preparação para acomodar-se a um sistema de dominação ou envolver-se na sua transformação. Na educação domesticadora, tornar comum significa naturalizar a prática de impor, de forma autoritária ou populista, diferentes pacotes que perpetuam a ordem dominante, onde as pessoas aprendem a introjetar e a reproduzir conteúdos e modelos que fortalecem a estrutura de opressão. Já na educação libertadora, tornar comum significa incorporar a classe trabalhadora como protagonista e estimular seu potencial, silenciado e atrofiado, para a construção de uma nova ordem social.

Todos concordam que só o conhecimento liberta e que o conhecimento pressupõe assimilação de informações e de conceitos. Mas, na escola tradicional, o conhecimento visa apenas entender o mundo e adaptar-se a ele. Já na educação popular, o objetivo do conhecimento é entender o mundo para transformá-lo. Os dados, informações, conceitos, planos e, com eles os “intelectuais”, significam erudição ou conhecimento. Quando colocado a serviço de uma estratégia e utilizando o método participativo, o saber pode tornar-se força material que transforma a natureza e a sociedade.

A verdadeira formação será necessariamente crítica a qualquer endoutrinamento ou dogmatismo que treina obedientes seguidistas. É, igualmente, contrária a toda ausência de princípios, ecletismo ou forma de basismo (elogio oportunista a um falso saber popular). A repetição de fórmulas acabadas, de receitas transplantadas ou a aceitação do contraditório senso comum tem produzido imbecis disciplinados que levam ao afundamento qualquer organização. Criticar é um dever. Um educando só será digno de seu educador se ousar combater um ponto de vista que lhe parece equivocado.

Evidentemente, a formação deve levar em conta os diversos níveis de consciência e de compromisso das pessoas envolvidas. Além disso, não pode ser ingênua de confundir um princípio com um método. Assim, a defesa intransigente da igualdade entre os seres humanos, sem superiores ou inferiores, não pode desconhecer as diferenças produzidas pela carga genética, pelo ambiente cultural, oportunidades históricas, investimento, esforço pessoal...

Por isso, mesmo sabendo que tudo se relaciona e que não há critérios exatos para demarcar limites, é preciso considerar, pelo menos, quatro níveis de formação: a) a básica - com temas que se referem

à identidade, à integração na vida, o ânimo para a luta, os valores... b) a de militantes – o esforço de reconstruir os conceitos enquanto acúmulo da prática social, categoria de análise... c) a de dirigentes – que exercita a capacidade de análise, a elaboração estratégica, a habilidade na condução política... d) a de formadores – que, junto com os conteúdos, inclui o domínio da habilidade pedagógica...

Educação popular quer contribuir no despertar da consciência crítica e desafia os protagonistas a assumirem seu destino, individual e coletivo. Esse ato amoroso se manifesta na entrega solidária (distinto de piedade, martírio ou técnica utilitarista), na recordação da memória subversiva que alimenta o ânimo da militância e na esperança que as pessoas se desenvolvam, como gente e como povo. Na sua missão, os educadores cultivam valores que se expressam no seu modo de pensar, agir e sentir e no seu amor pelo povo, no companheirismo, no espírito de superação, no espírito de humildade, no espírito de sacrifico e na pedagogia do exemplo. Ao dedicar-se ao processo de qualificação, quem educa também se transforma e se realiza.

B - Educação Popular e Trabalho Popular

“Entendo a Educação Popular como o esforço de mobilização, organização e capacitação das classes populares [...] para o exercício do poder que necessariamente se vai conquistando...”

(P. Freire, “Que Fazer”, Ed. Vozes, 1989)

Só o conhecimento liberta. Conhecimento é mais que informação, palestra, curso, leitura de livro – quem sabe como fazer mas não faz, ainda não sabe. As informações sobre como nadar são insuficientes para a prática de nadar. Quem nunca fez, ainda que tenha estudado como fazer, só sabe, quando aplica as orientações conforme os grupos, lugares, ritmos e culturas concretas. O conhecimento pressupõe informação, assimilação e aplicação prática dos conceitos. Quando colocado a serviço de uma estratégia, o saber pode tornar-se força material que transforma a natureza e a sociedade.

A educação é um instrumento que torna comum o saber a serviço de uma estratégia de poder. Toda educação tem uma intencionalidade, explícita ou implícita, pois, todo conhecimento tem um objetivo, uma direção e uma finalidade. O conhecimento é o conhecimento de algo, a partir de uma perspectiva. A educação está sempre a serviço de uma ideologia e de uma proposta.

“Camaradas, somos nós que construímos as igrejas e as fábricas, somos nós que forjamos as correntes e produzimos o dinheiro. Somos a força viva que dá a todos o pão e o prazer, desde o berço até o caixão. Sempre e em toda a parte, nós somos os primeiros no trabalho e os últimos na vida. Quem nos considera como gente? É tempo, camaradas, de compreendermos que ninguém nos ajudará se a gente não ajudar a nós próprios!” M.Gorki , em a “Mãe”.

Numa sociedade de classes, não pode haver educação que seja a favor de todos – será sempre a favor de alguém e contra outrem. A educação serve para que uma pessoa se acomode ao mundo ou se envolva em sua transformação. Por isso, a formação é um processo dialético de tradução,reconstrução e criação do conhecimento que capacita educadores/ educandos a ler criticamente a realidade, com intenção de transformá-la.

A Educação Popular é uma concepção de formação que opta por um dos pólos da luta de classe – a classe oprimida, o povo em marcha. Na classe oprimida, opta por quem está na produção de riquezas. E, na classe trabalhadora, opta por quem se dispõe a um processo de transformar, pela raiz, a estrutura da sociedade capitalista. Quem faz só pedagogia, só metodologia, sem visão política, faz a contra-educação popular.

A Educação Popular é a ferramenta político-pedagógica que: a) traduz, divulga e recria o conhecimento como força material para transformar a realidade; b) Constrói ou acompanha a implantação da estratégia da organização popular diante dos desafios do cotidiano e da

história; c) Qualifica quadros militantes que se dispõem a transformar, pela raiz, a estrutura do sistema capitalista, no nível político, econômico, ideológico e cultural... d) Eleva o nível de consciência da classe oprimida e incorpora o povo como protagonista; e) Facilita o entendimento e aplicação do conteúdo e da metodologia popular e compromete as pessoas com a multiplicação criativa.

A Educação Popular adota a concepção dialética onde as perguntas do presente, inspiram-se na ciência acumulada (teoria, história) para projetar o futuro. Na atividade formativa, conforme o momento do grupo, EP utiliza o método indutivo que parte do real, biográfico para o geral ou, então, utiliza o método dedutivo que vai do geral para o particular. O que nunca pode mudar é a participação, o envolvimento de todos os atores como partes corresponsáveis, em todo o processo.

A pedagogia da Educação popular considera: a) o querer do educador, sua mundivisão e seu acúmulo de conhecimento da prática social; b) as demandas e potenciais da classe trabalhadora, seus anseios e reivindicações; c) o contexto onde as pessoas estão situadas e mergulhadas - uma teia de relações econômicas, históricas, culturais, políticas, sociais, subjetivas...; d) a postura do intercâmbio, onde as partes se assumem como protagonistas, com papéis específicos.

A Educação Popular é um processo coletivo de elaboração, tradução e socialização do conhecimento que capacita educadores e educandos a ler criticamente a realidade para transformá-la. É a apropriação crítica dos fenômenos e suas raízes que permite entender os momentos e o processo da luta de classes e a quebrar toda forma de alienação e a descoberta do real e de sua superação.

C - A formação da classe trabalhadora

“Formação fora da política é uma hipocrisia”Lênin

Quando a Organização Popular se defronta com desafio da formação da classe trabalhadora, precisa, antes de estruturar esse processo, elaborar uma proposta formativa. Não se trata apenas de substituir conteúdos, educadores, espaços ou inovar na metodologia, sob pena de repetir a mesma escola pensada pela classe dominante. Tem educador que pensa que serve ao povo, de fato, serve ao poder que o constituiu professor.

Será necessário re-conceber o processo educativo na formação política e na escolarização dos oprimidos. Porque a educação tem papel fundamental na organização da sociedade seja para ordená-la, reformá-la ou revolucioná-la. A classe no poder pode usar a educação como um recurso a mais para manter sua dominação; a classe dominada pode usá-la como instrumento poderoso no seu processo de emancipação.

A educação é um instrumento para tornar comum as ideias de um grupo. A educação tem uma intencionalidade, pois, todo conhecimento tem um objetivo, uma direção, uma finalidade. Essa intencionalidade direciona o conhecimento e a ação que nasce desse conhecer. Assim, toda educação está sempre à serviço de um interesse e de uma ideologia como instrumento de uma estratégia de poder para mantê-lo ou desmontá-lo.

Numa sociedade dividida em classes, a educação não pode ser a favor de todos – será sempre a favor da classe dominante, contra a classe que está dominada. O processo educativo é pensado ou para que as pessoas se acomodem ao mundo ou para que elas se envolvam em sua transformação. A educação conservadora é útil para quem precisa manter a dominação; a educação transformadora serve para quem quer livrar-se da opressão.

O papel da formação, na sociedade capitalista, foi organizado como forma de manter a exclusão dos trabalhadores do conhecimento acumulado da prática social – por isso, o estudante é isolado da vida, do conflito, da realidade. Mas, esse tipo de ‘escola’ busca, ao mesmo tempo, a subordinação

dos que conseguem ser ‘incluídos’ para que reproduzam essa subordinação. Essa educação realiza esse papel através de conteúdos, posturas e relações.

A formação domesticadora naturaliza a prática de Insignare, de inculcar no oprimido - de forma autoritária e/ou populista - diferentes pacotes com a finalidade de perpetuar a ordem dominante. Por isso, a-luno e a-luna (= quem não tem luz) introjetam e, depois, reproduzem conteúdos e modelos que fortalecem a estrutura de opressão. As teorias pedagógicas, mesmo quando críticas, construtivistas, participativas... atendem a esse objetivo.

A educação é crítica ao endoutrinamento ou dogmatismo que treina obedientes seguidistas porque adota princípios e posturas pedagógicas para o ato de libertar-se. Essa educação é um ato político e como um ato político é educativo. A formação popular serve para a realização dos interesses das classes fundamentais e seus aliados. Sua intencionalidade é a qualificar militantes da transformação e de construtores da nova ordem social.

Um dos conteúdos da formação de trabalhadores é a realidade da luta de classes – o trabalho, a produção das mercadorias, as contradições nas relações sociais de produção... Outro tema importante é a organização própria da classe para convocar, esclarecer, organizar e incorporar a massa trabalhadora como sujeitos construtores. Mas, um tema indispensável é a transmissão do conhecimento acumulado, o materialismo histórico.

“O primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder “fazer história”. Mas, para viver é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se, educar e etc.. Portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material” Karl Max

O resultado desta concepção e desta pedagogia aplicada na escolarizarão das crianças é a ‘escola-comuna’, pois, só se aprende a viver coletivamente, inserindo-se em processos coletivos concretos. O simples repasse de conhecimentos, mesmo criticamente, não é formação. Quem sabe como fazer, mas não faz, ainda não sabe. O desafio da formação é relacionar, dialeticamente, o aprender, o assimilar e o aplicar.

Essa educação/formação exige mudanças na postura e relação de educadores/educandos, nas técnicas participativas e, até na organização do espaço físico. Nesse olhar, não existe contradição entre método e conteúdo. O conteúdo é o conhecimento comprovado e re-criado, e o método é o caminho que transmite, a determinado grupo, o conhecimento da prática social. O fim é caminho, assim como o caminho é também o fim.

Quando a escola se torna referência na convocação popular pode revelar um divórcio entre política e formação. Formação não pode ser um programa de cursos e palestras; deve ser um instrumento para ajudar na execução de uma estratégia. Quem deve dirigir a formação é o Movimento. Para isso, precisa formular uma política de formação de quadros, selecionar a militância em que aposta e acompanhá-la, depois de qualificada.

A formação marxista é estreita e dogmática quando não respeita nem dialoga com a mundivisão que impulsiona os grupos – povos originários, afro-descendentes, cristãos e os leva a se engajarem na luta social. Como análise concreta da realidade concreta, o marxismo se encarna em dimensões como cultura, tradição, história, idiossincrasias... e vê as identidades e os novos sujeitos sociais como riqueza que carregam o horizonte da revolução.

A formação deve olhar atenta sobre Nuestra America e manter a clareza do ponto de chegada. Isso ajuda a construir caminhos alternativos sem iludir-se com formas pacíficas que só chegam ao governo, renegam a luta de classe e prefere a massa desmobilizada. Evita também o esquerdismo que condena alianças e qualquer reforma, pois, “as reformas são tão importantes que não se pode deixá-las nas mãos dos reformistas” (Lênin).

Quadro militante é a pessoa capaz de atuar com paixão e profissionalismo, em qualquer conjuntura, em qualquer espaço e em qualquer posto da luta. Para garantir que o Movimento não se aposente com a geração anterior de militantes, é essencial investir constantemente na juventude, canalizar sua rebeldia e, em um processo político/ organizativo, elevar seu grau de consciência política e ideológica.

D - O TRABALHO DE BASE

Paulo R. C. Lopes

1.I. A dimensão pedagógica

do trabalho de base

1.A pedagogia do trabalho de base é concebida como um processo de descobrimento, criação e recriação coletiva de conhecimentos e formas organizativas de luta;2.Assume como fundamental o conhecimento e ações que os participantes tenham adquirido em sua experiência cotidiana, assim como os valores e riquezas de expressões culturais próprias das camadas populares;3.Trata-se de uma pedagogia que deve responder às necessidades concretas de um grupo e/ou segmento social, ampliando os horizontes e construindo alternativas de ação às já existentes;4.Procura realizar uma estreita articulação entre a teoria e a prática social, reconhecendo que o pensar se realiza no fazer e que o fazer é sempre pensado;5.Pretende impulsionar ao máximo a participação de todos os educandos, eliminando a distância entre sujeito educador e objeto da educação – sujeito educando;6.Procura desenvolver um processo sistemático, que deve ser levado a cabo com uma ordenação lógica e um rigor científico que o faça eficaz;7.Visa fortalecer a organização popular e está orientada a uma ação transformadora. Pretende ser um processo que, em mãos dos setores populares, lhes permita serem sujeitos históricos.

II. A dimensão metodológica

do trabalho de base.

1.Ter a prática social como ponto de chegada e as situações cotidianas como ponto de partida, ou seja, a experiência de vida como subsídio imediato e a experiência de libertação dos setores populares, historicamente construída, como marco de referência;2.Implementar processos reflexivos indutivos: ordenamento lógico-dialético que vá do mais concreto ao mais abstrato para voltar novamente ao concreto;3.Ouvir atentamente as pessoas, procurando estabelecer um diálogo autêntico, em que a discordância se abre à concordância, sem concessões, mas efetivamente buscando um novo ponto orientador da visão, ou seja, um outro ponto de vista construído na prática do diálogo;4.A discussão parte de situações concretas, amplia-se a partir da análise e volta à situação organizando ações que a transformem. Isso implica em que base é o ponto de partida e de chegada do trabalho de base;5.As pessoas têm interesses comuns e interesses particulares. Muitas vezes articulam-se em torno dos interesses comuns mas em vista de atender aos interesses particulares. É preciso que esses elementos sejam explicitados para a construção de propostas sólidas na construçãocoletiva do coletivo;

6.As emoções, os desejos, as paixões e os sentimentos individuais precisam ser reconstruídos na perspectiva coletiva. Por isso, é importante que estas partes constitutivas do humano possam encontrar espaço de manifestação para que se consiga exercer o confronto com uma outra maneira de ser.7.Canalizar a rebeldia popular na luta contra a injustiça e na construção de uma sociedade na qual a produção, a distribuição e o consumo sejam orientados pela lógica da solidariedade.8.O trabalho de base se organiza lá onde o povo vive e trabalha. Para combater dentro de cada um o vício da dependência é preciso que cada pessoa, desde o início, contribua com disposição, idéias e sustentação financeira das atividades;9.No trabalho de base não tem essa de “fazer a cabeça”. Então, o jeito de tratar as pessoas deve estar de acordo com a finalidade que queremos atingir. Não cabem comportamentos autoritários e antidemocrático. Os militantes têm que “sacar” o que o povo está afim de fazer de fazer para realizar seus desejos;10.Cada militante que se convence assume o compromisso de mobilizar um time de novos companheiros. Estes, por sua vez, vão repartir os esclarecimentos e as experiências com outros colegas que vivem em muitos espaços de luta, de vida e de trabalho. Assim se vai tecendo a rede de resistência e de solidariedade para a conquista de vitórias;11.Ninguém entra de peito aberto numa guerra. É indispensável traçar um caminho capaz de levar à vitória. O planejamento enfrenta o medo de mexer no comodismo das pessoas e a indisciplina da prática espontaneísta;12.Na luta popular, como no futebol, o objetivo não é chutar a bola. É preciso avançar e se defender organizadamente, na hora e com a pessoa certa. Marca-se pontos e prazos de chegada; faz-se uma caprichada preparação dos militantes; escolhe-se responsáveis pelas atividades; realiza-se um balanço dos resultados, em cada etapa da luta;13.Definindo onde vai ser o trabalho é hora de conhecer, por dentro, o lugar e o grupo. As informações nascem da convivência, observação, conversas, visitas, pesquisas e/ou consultas a especialistas no assunto. Informações que não podem faltar: as que tratam da quantidade (qual o número de pessoas, volume da produção, renda, problemas enfrentados, grupos que oprimem e os que estão a favor, etc); as que revelam os desejos, sonhos e projetos das pessoas; as que mostram as histórias de resistência naquela região.14.O trabalho de base não é receita ou mágica. É um jeito de fazer política no qual o militante coloca sua alma. É uma paixão carregada de indignação contra qualquer injustiça e cheia de ternura por todos que se dispõem a construir um mundo sem a marca da dominação;15.Ele se sustenta quando mantém os pés e a cabeça no chão e nos sonhos. Consegue vitórias quando articula as lutas econômicas com as lutas políticas e sociais. E perdura, em qualquer conjuntura, quando combina ações de rebeldia com disputas na legalidade;16.Anunciar sempre que o ideal da humanidade é a prosperidade e a convivência solidária, combatendo a ganância, a competição, a dominação. Quanto maior a opressão e a exploração maior a razão para propagar o sonho da sociedade sem classes;17.Despertar a dignidade das pessoas e a confiança nos valores e no seu potencial. As pessoas se tornam felizes e perigosas quando começam a andar com os próprios pés.18.Canalizar a rebeldia popular na luta contra a injustiça. A força do trabalho de base está no amor pelo povo e pela vida. No concreto essa convicção se traduz no respeito ao povo, no carinho aos iniciantes, no cumprimento dos acertos coletivos, na capacidade de tomar iniciativas, na coragem de encarar os desafios, nos gestos de indignação, entusiasmo e celebração. O amor pelo povo e pela vida se expressa, de maneira plena, nas manifestações individuais e coletivas do companheirismo.

III. A dimensão operacional

do trabalho de base

IV. A dimensão ética

e a mística do trabalho de base

E - A RETOMADA DO TRABALHO DE BASE

“Achavam-se agrupados e presos à terra, por uma raiz comum, como uma moita de bambu. E, como esse vegetal, inclinavam-se e dobravam-se. Mas sobreviviam às maiores tempestades.”

Morris West, “O Embaixador”

A principal certeza da luta popular é de que as pessoas podem e devem viver livres e felizes. Mas, essa libertação tem que ser obra dos próprios oprimidos ou não haverá libertação. Pois, só quem está oprimido pode ter interesse em sair da opressão. E ao se libertar liberta também seus opressores porque tira deles as condições de riqueza, poder e saber com os quais eles oprimem.

Ninguém reconhece os direitos do povo por dever de justiça. Todo direito humano, de cidadão só é garantido quando as pessoas despertam e lutam, de maneira organizada. “Quem não chora, não mama” diz o povo; ou “a luta faz a lei” como dizem os advogados populares. Em geral, quem está no poder faz promessa e nem sempre cumpre. O povo, por isso, aprendeu que “quem precisa é que deve se mexer.” Os pobres sabem que a elite só “dialoga”, quando sente que vai perder. Então, o caminho é “pau e prosa” isto é, a conversa funciona quando o povo faz pressão.

a) Retomar o trabalho de base não é a saudade de práticas e atividades que fizemos no passado. Nem é o medo de encarar as mudanças que aconteceram em nós, no Brasil e no mundo. Também não é o basismo onde as pessoas querem recomeçar do zero, gostam de elogiar tudo o que os pobres fazem e ficam pensando que as ações sem planejamento são capazes de conseguir os resultados que interessam a maioria. Retomar o trabalho de base é recuperar, é resgatar, é acreditar de novo no sonho da liberdade onde os interessados se envolvem na construção de uma vida melhor para si e para todos.

b) Um trabalho com raiz - O trabalho de base tem sustentação porque seu alicerce está na população que trabalha. Renasce e se reproduz quando é plantado na alma da população. Não é um movimento para os trabalhadores. Os trabalhadores precisam sentir-se parte da caminhada e companheiros da construção. As pessoas que despertam, se juntam, se formam e, na luta, conseguem vitórias.

c) O fim e o caminho - No trabalho de base, não tem essa de “fazer a cabeça”, de seguir o que o “chefe” mandou. A pessoa abraça a causa porque está convencida de que ela é justa e necessária. Outra coisa: o jeito de tratar as pessoas deve estar de acordo com a finalidade que queremos atingir. Fica difícil acreditar na liberdade se na nossa prática cotidiana, somos autoritários e antidemocráticos. É verdade que “quem não sabe onde quer chegar, não chega lá nunca”. Mas também é verdade “que o fim é o caminho que a gente faz prá chegar lá”. O meio e o método que adotamos devem estar ligados com os objetivos que anunciamos.

d) Uma multidão de estrelas - A elite não tem medo das lideranças que se tornam estrelas, nem das organizações que têm fortes estruturas. Ela teme o fogo de monturo que vai queimando a partir de baixo, da consciência acesa de um grande número de militantes. É fácil “comprar”, isolar, ou destruir algumas cabeças que se destacam. O que mete medo nos dominadores é esse jeito de trabalhar que multiplica as ações e pessoas. Essa prática contagiante pode invadir, com entusiasmo,

todos os espaços da vida: no trabalho, na política, na religião, na cultura e no lazer. Não se trata, portanto, de apagar a estrela de ninguém, mas de acender uma multidão de estrelas. Trata-se da formação de uma rede de ligações que possa atingir toda a população.

e) Uma sementeira permanente - “De onde se tira e não se põe, a tendência é acabar”. Isso vale para a natureza como vale para o movimento popular. E a grande sementeira que deve ser sempre cultivada é o povo. O trabalho de base só tem sentido e finalidade se for para ajudar o povo a ser feliz. Mas, é esse povo que deve tomar nas mãos o seu destino. A experiência tem mostrado que apesar de o da miséria e de toda contradição, o povo tem sido uma fonte permanente de novas ideias e formas de luta. Além de ser uma sementeira permanente de novos militantes que ajudam no crescimento da luta popular.

f) a organização maior que a luta - Toda organização (sindical, política, pastoral) é uma ferramenta para juntar mais gente e aumentar a força do povo. Quando uma entidade ou um cargo passam a ser um meio de vida, fica claro que alguém está se servindo do povo para seus próprios interesses. A organização é um meio para juntar e preparar o povo para as conquistas. Então, o cargo é uma tarefa da luta popular e não um privilégio individual. Quando a fôrma se tornar mais importante que o bolo, se muda de fôrma porque essa já não serve mais para a finalidade que foi construída.

g) “o povo quer lutar” - O povo sempre quer melhorar de vida; às vezes, é ensinado a querer o que não conhece; mas, mesmo quando entra em beco sem saída é o desejo de sair do sufoco. Não porque o povo seja “santo”. Mas porque quem vive oprimido não tem tempo de cruzar os braços. Para o povo “viver é lutar”. Quando o povo parece que não quer nada e não se mobiliza é porque o povo não entendeu ou não confia em certos dirigentes e nem embarca em certas canoas furadas.

F - Porque e como trabalhar com a massa

Roteiro extraído e adaptado do Livro Vermelho de Mao Tse Tung

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A organização política e as Massas

•Nunca dissimulamos nossas aspirações políticas. Está bem definido, não cabe a menor dúvida que nosso programa de futuro, o programa máximo, é fazer nosso País avançar para uma ordem social alternativa ao capitalismo. Nossa organização e concepção ideológica do mundo apontam inequivocamente, para esse ideal supremo. O objetivo último por que se bate a militância lutadora é a instauração da sociedade onde cada um tenha conforme seu trabalho e sua necessidade. Não possuir um ponto de vista político correto é como não ter alma...•Para fazer essa revolução é preciso uma organização política decidida a transformar pela raiz as estruturas da sociedade capitalista e que munida de uma teoria científica, dirija politicamente a classe operária e as grandes massas para a vitória sobre o imperialismo e seus lacaios.•Além da direção da organização política há um fator decisivo: a quantidade da população. Quantidade significa maior fermento de ideias, maior entusiasmo e energia. Devemos confiar nas massas e confiar na organização. Esses são dois princípios fundamentais. Se duvidarmos deles, nada podemos fazer.•O povo, e só o povo, constitui a força motriz na criação da história universal. As massas são os verdadeiros heróis - sem compreender isso é impossível adquirir até mesmo os elementos mais básicos. Há que ajudar cada camarada a compreender que enquanto estivermos apoiados no povo, e acreditarmos no inesgotável poder criador das massas populares, quer dizer confiar no povo e nos identificar com ele, poderemos vencer as dificuldades e nenhum inimigo poderá nos esmagar.

•Dirigir significa decidir sobre a orientação geral e as medidas específicas, mas também definir os métodos de trabalho correto. Mesmo que as orientações gerais e medidas específicas sejam corretas, pode haver problemas se não cuidamos dos métodos de trabalho. Não basta formular tarefas, é necessário resolver o problema dos métodos que permitem cumpri-la. Se a tarefa é atravessar um rio é preciso resolver a questão da barca ou da ponte. Sem isso, falar em atravessar o rio é palavreado vazio. Sem resolver a questão dos métodos é inútil falar sobre tarefas.

Só a massa faz revolução

•As massas populares dispõem de um poder ilimitado . Elas podem organizar-se e marchar para todos os lugares e setores de trabalho onde possam dar livre curso à sua energia. Elas podem orientar-se para a produção, em profundidade e extensão e criar para si próprias um número crescente de obras de bem estar.•Entre as características das grandes massas destaca-se o fato de estarem na pobreza e “em branco”. Essa situação má pode tornar-se em condição favorável. A pobreza provoca o desejo de mudança, de ação, de revolução e, com essa folha em branco, é possível construir as mais belas letras, os mais belos quadros.•As massas têm um entusiasmo potencial inesgotável por uma nova social sem opressão . Só uma pessoa que não sabe mais que seguir a velha rotina é incapaz de perceber tal entusiasmo; quem segue a velha rotina sempre subestima o entusiasmo popular. As massas podem se levantar como um poderoso furacão, tempestade ou força vertiginosa e violenta que nenhum poder poderá deter. Quebrarão todas as cadeias e amarras e se lançarão pelo caminho da libertação - sepultarão os imperialistas, caudilhos militares, funcionários corruptos, déspotas locais... Todos os partidos revolucionários e todos os camaradas revolucionários serão postos à prova pelas massas.•A revolução deve apoiar-se nas massas populares , contar com a participação de muita gente. É preciso combater a simples confiança num punhado de indivíduos que ditam ordens... que trabalham num frio e quieto isolamento. Tais “dirigentes” resistem em dar explicações aos dirigidos e não sabem como dar livre curso à iniciativa e a energia criadora das massas.•Como não têm um método de trabalho, não orientam sobre o que e como se deve fazer o trabalho. Toda tarefa, toda política e todo estilo de trabalho corretos correspondem às exigências da massa e reforçam os laços da direção com ela; ao contrário, tarefas, políticas e estilos incorretos nunca correspondem às exigências da massa e dela afastam as direções.•Nunca devemos fingir que conhecemos aquilo que não conhecemos, nem ter vergonha de consultar os que consideramos iniciantes. Há que ser aprendiz antes de chegar a ser mestre; antes de dar direção há que escutar os dirigidos. Eles podem estar ou não corretos, mas há que escutar e depois de escutar analisar. Devemos escutar os pontos de vista corretos e agir de acordo com eles. Seria incorreto não escutar os pontos de vista errados, contudo, esses pontos de vista não devem ser seguidos, mas sim criticados.•A razão porque o dogmatismo, empirismo, autoritarismo, seguidismo, sectarismo, burocratismo e arrogância no trabalho popular são nocivos e intoleráveis, está no fato de que esses males afastam a militância das massas. O autoritarismo é errôneo porque ultrapassa o nível de consciência política das massas e viola o princípio da ação voluntária das massas. O autoritarismo manifesta o mal chamado precipitação. A militância não pode pensar que tudo o que ela compreende está também compreendida pelas massas. Só penetrando no seio das massas e fazendo investigações é que se pode descobrir se elas compreendem ou não um assunto e se estão ou não dispostas a passar à ação. Fazendo assim é possível evitar o autoritarismo.

•O basismo é igualmente errôneo porque se mantém abaixo do nível de consciência política das massas e viola o princípio de dirigi-las no seu avanço. O seguidismo manifesta o mal chamado lentidão. A militância não deve pensar que as massas não compreendem o que eles próprios não compreenderam. Muitas vezes, as grandes massas nos ultrapassam e estão ansiosas para avançar um passo, enquanto os camaradas são incapazes de atuar como dirigentes. Refletem a opinião de elementos atrasados, tomam tais opiniões como se fosse a opinião das grandes massas e põem-se assim a reboque desses elementos atrasados. É o oportunismo de esquerda.•É necessário criticar os defeitos do povo, mas ao fazê-lo, é preciso partir verdadeiramente da posição do povo e agir inspirado pelo desejo ardente de defender a causa do povo e elevar sua consciência política e nunca de ridicularizá-lo ou atacá-lo. Tratar o povo ou nossos camaradas como inimigos é assumir a posição do inimigo.•A militância deve usar o método democrático de persuasão e educação na sua atividade com a classe trabalhadora. É inadmissível adotar a atitude autoritária ou os meios de coerção. O resultado da coerção é submeter sem convencer; isso só serve em relação ao inimigo. Ninguém deve seguir cegamente os outros ou encorajar a obediência servil. Devemos compreender também que a educação ideológica é trabalho de longo prazo, paciente e minucioso. Não se pode achar que com tantas conferências ou reuniões se pode mudar uma ideologia construída.•É essencial guardar-se da arrogância. É uma questão de princípio para os dirigentes, além de ser uma importante condição para manter a unidade. Ninguém, mesmo quem não cometeu falhas graves ou conseguiu êxitos no trabalho, deve ser arrogante.

3. Ficar longe do povo é uma forma de ficar contra o povo

•Para ligar-se às massas importa agir de acordo com as necessidades e aspirações das massas. Todo trabalho com as massas deve partir de suas necessidades, e não da vontade de qualquer indivíduo, ainda que bem intencionado. Acontece, muitas vezes, que objetivamente as massas precisam de certas mudanças, mas subjetivamente ainda não estão conscientes dessa necessidade, não a desejam ou ainda não estão determinadas a realizá-la. Nesse caso, devemos esperar pacientemente.•Devemos seguir dois princípios: a) a necessidade real das massas e não o que imaginamos que sejam suas necessidades; b) o desejo livremente expresso pelas massas e as decisões que tomam por si próprias e não as decisões que tomamos em seu lugar.•A produção das massas, os interesses das massas, a experiência e estado de ânimo das massas, eis o que os quadros dirigentes devem prestar uma constante atenção. Devem prestar profunda atenção aos problemas relativos à vida da massa (terra, arroz, combustível...). Todo problema que diga respeito à vida das massas deve ser posto na ordem do dia, deve ser discutido e sobre ele tomar decisões e encaminhamentos, controlando seus resultados.•Não devemos realizar mudanças senão, quando, em virtude do trabalho da militância, a maioria das massas se tenha tornado consciente dessa necessidade objetiva e esteja desejosa e determinada a realizá-la. Senão a militância se isola das massas. Enquanto as massas não estão conscientes e desejosas, toda espécie de trabalho que requer sua participação vai resultar em mera formalidade e termina em fracasso.•A militância deve fazer com que as massas compreendam que ela representa seus interesses e respira o mesmo ar que elas. Deve ajudar para que, partindo dessas realidades, cheguem à compreensão das tarefas mais elevadas como as tarefas revolucionárias. Assim vão apoiar a revolução, ajudar a ampliá-la por todo o país, responder aos apelos políticos e lutar, até o fim, pela vitória da revolução.•A orientação é que toda a organização politica esteja vigilante e vele para que nenhum camarada, em qualquer posto de trabalho, se aparte das massas populares. É necessário

ensinar a cada camarada a amar as massas populares e ouvir atentamente a sua voz e a identificar-se com as massas onde quer que se encontre.•Em vez de colocar-se acima delas, a militância deve penetrar profundamente no seio das massas, despertá-las, contribuir para elevar sua consciência política, de acordo com seu nível atual. Seu dever é de, passo a passo, e seguindo o princípio da voluntariedade, ajudá-las a organizar-se e a travar todos os combates essenciais permitidos pelas circunstâncias internas e externas, de cada momento e lugar.•Passar à ofensiva quando as massas ainda não estão despertadas, seria aventureirismo. Se insistíssemos em levar as massas a fazer alguma coisa contra a sua vontade, o resultado seria, seria inevitavelmente, o fracasso. Por outro lado, se não avançamos quando as massas pedem que se avance, isso seria oportunismo de direita.•Em geral, as massas compõem-se de três categorias – as pessoas relativamente ativas, as intermediárias e as relativamente atrasadas. A direção deve saber unir à sua volta o pequeno número de elementos ativos e apoiar-se neles para elevar o nível das pessoas intermediárias e conquistar os elementos atrasados.•No trabalho prático, a direção correta é das massas para as massas. Isso significa: a) recolher as ideias das massas (dispersas, não sistemáticas); b) concentrá-las (pelo estudo, transformá-las em ideias sintetizadas e sistematizadas); c) voltar às massas para propagar e explicar essas ideias, de tal maneira que as massas assumam como suas, persistam nelas e as traduzam em ação; d) verificar a justeza dessas ideias no decorrer da ação das massas.•Depois é preciso voltar a concentrar as ideias das massas e levá-las, outra vez, às massas para que estas persistam nessas ideias e as apliquem firmemente. Assim, repetindo, indefinidamente esse processo, as ideias se tornarão cada vez mais corretas, vivas e ricas. Essa é a teoria Marxista do conhecimento.•Nossa atarefa é recolher as ideias das massas, concentrá-las e levá-las, sempre de novo, às massas a fim de que estas as apliquem firmemente. Assim se chega a elaborar as ideias justas de direção. Tal é o método fundamental de direção. Isso exige ir para o meio das massas, aprender com elas, sintetizar suas experiências e tirar dessas experiências princípios e métodos ainda melhores e sistemáticos. Depois, é preciso explicá-los às massas (fazer a propaganda) e chamá-las a por em prática para resolver seus problemas e alcançar a libertação e a felicidade.

4. Pior que não saber o que fazer é não fazer o que se entendeu.

•É preciso agarrar a missão com firmeza. Pois, ninguém agarra um objeto com a mão aberta ou com a mão frouxa. Sem agarrar, nada feito; mas sem agarrar, com firmeza, também nada feito. Devemos banir de nossas fileiras toda ideologia de fraqueza e impotência. São errados os pontos de vista que superestimam a força do inimigo e subestimam a força do povo.•A revolução não é um convite para jantar, uma obra literária, a pintura de um quadro, a confecção de um bordado. Não é uma coisa refinada, calma, delicada, branda, cortês, comedida e generosa. A revolução é uma insurreição, é um ato de violência pelo qual uma classe derruba outra. Somos partidários da abolição da guerra, não queremos a guerra. A guerra, porém, só pode ser abolida por meio da guerra.•A guerra de transformação é uma guerra de massas, ela só pode realizar-se mobilizando as massas e apoiando-se nelas. A verdadeira muralha que nenhuma força pode romper são as massas que genuína e sinceramente apoiam a revolução. A maior fonte de energia para a guerra está nas massas populares.•É principalmente pelo estado de inorganização das massas populares que os imperialistas ousam violentar-nos. Quando essa falha for eliminada, o agressor, tal como um búfalo caído num anel de fogo, se verá cercado pela grande massa que constitui o povo em pé; basta que gritemos e ele se lançará em pânico na fogueira e morrera queimado.

•Por mais ativo que seja o grupo dirigente, sua atividade se reduzirá a um esforço infrutífero de grupinho, se não for combinada com a atividade das grandes massas. Mas, se só as grandes massas são ativas e não há um forte grupo dirigente que organize essa atividade, ela não se manterá por muito tempo, não vai avançar na justa direção, nem atingir um nível mais elevado.•Na etapa atual, todas as classes, camadas e grupos sociais que aprovam, apoiam e trabalham pela causa da construção da nova ordem social, entram na categoria de povo. Todas as forças e grupos sociais que resistem à transformação social, que hostilizam ou sabotam essa edificação social são inimigos do povo. Todo aquele que se coloca ao lado do povo revolucionário, é um revolucionário. Todo aquele que se coloca ao lado do imperialismo e do capitalismo, é um contrarrevolucionário. Quem se coloca ao lado do povo revolucionário, em palavras e atos, é de verdade revolucionário.•Só através da experiência popular – que é o processo e o resultado da aplicação de uma política - se pode verificar se uma política é correta ou incorreta. Por isso, antes de passar a ação, uma organização revolucionária deve explicar a política formulada, à luz das circunstâncias dadas, aos membros da organização e às massas. Do contrário, tanto o partido como as massas, acabam afastando-se da política formulada, atuarão cegamente e realizarão uma política errada.•Em certos órgãos da direção, há pessoas que acham suficiente que só a direção conheça a política da organização; não acham necessário dá-la a conhecer às massas. Essa é uma das razões porque o trabalho não pode realizar-se bem. Saber converter a política da Organização em ação das massas, saber conseguir que os quadros dirigentes e também as grandes massas compreendam e dominem cada movimento e cada luta é a arte da direção política revolucionária.

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•O espírito de abnegação e devoção pelo povo nasce do sentido da responsabilidade da tarefa e do ilimitado afeto pelos camaradas e o povo. É preciso eliminar a ideia existente em muitos quadros de que é possível conquistar vitórias fáceis graças a acasos felizes, sem luta dura, sem suor sem sangue.•Onde há luta, há sacrifício e a morte é coisa frequente. Como temos em mente os interesses e os sofrimentos da maioria do povo, sacrificar-se por ele é dar a nossa entrega toda a significação. Mas, é preciso evitar os sacrifícios desnecessários.

Fevereiro de 2008.

G - CONSTRUIR A FORÇA PRÓPRIA

Modelo Orgânico Popular

(Este é um roteiro em construção)

1.1. Várias formas de organização

•A organização popular é um instrumento que canaliza a reação popular para conquistar os interesses de um grupo, de forma mais permanente. A finalidade da organização é juntar mais gente, organizar uma base social, elevar o nível de consciência de sua militância, mobilizar a massa e lutar para alcançar seus objetivos.

“Quem trabalha, mata a fome, não come o pão de ninguém; quem não trabalha e come, sempre come o pão de alguém”(repentista portugês)

•O que define a forma de organizar (modelo orgânico) um movimento popular é seu objetivo e sua estratégia. A sociedade para funcionar já se organizou em vários sistemas sociais. Hoje, o sistema social dominante é o capitalismo. Nesse sistema, a produção das riquezas é social, feita pelo conjunto da classe trabalhadora e a apropriação é privada. Já, no sistema socialista, a produção das riquezas é também social, mas a apropriação das riquezas é feita pela classe que produz as riquezas.

"Nunca dissimulamos nossas aspirações políticas. Está bem definido, não cabe a menor dúvida que nosso programa de futuro, o programa máximo, é fazer nosso País avançar para o Socialismo” (Mao Tse Tung)

•Quando se muda os objetivos, se muda também a estratégia e a proposta de modelo organizativo. Se o objetivo é eleger candidatos para melhorar as leis e assegurar direitos, se opta por uma forma de organizar. Se o objetivo é conquistar melhorias para uma base social ou uma categoria profissional a organização é de outro tipo. Mas, quando o objetivo do movimento é a transformação radical da sociedade capitalista e sua estratégia é a tomada e construção do poder popular, então, o modelo de organização deve estar preparado para essa missão.•Às vezes, a forma organizativa é determinada pelo inimigo. Em uma situação política e conjuntural, como o controle ditatorial, por exemplo, a luta popular, para sobreviver e continuar lutando por seu objetivo e estratégia, precisa criar diferentes formas de organizações legítimas - clandestinidade, ocupação de espaços de representação... - que desafiam a legalidade e a institucionallidade burguesa.•Um Movimento, de caráter nacional, por seus objetivos e estratégia precisa definir seu modelo orgânico, sua forma de organização, que deve ser única em todo o País, ainda que tenha características regionais. A forma orgânica, o jeito de organizar, expressa e identifica, ou não, um Movimento; diz o que ele é e o que ele quer. Alegar diferenças culturais e regionais para não aplicar um modelo orgânico pode ser demonstração de incapacidade ou desculpa para formar outro movimento.

1.2. A Luta Popular

•A luta Popular é a justa reação da classe oprimida que, de forma pacífica ou violenta, espontânea ou organizada, escondida ou aberta, luta contra diferentes formas de injustiça e dominação: exploração econômica, dominação política, manipulação ideológica, discriminação ou preconceito de cor, sexo, religião, idade... Uma indignação pode ficar apenas na revolta momentânea ou, então, ser canalizada, de várias maneiras, para conseguir objetivos assistenciais, direitos sociais, reivindicações econômicas ou tornar-se a luta política, por um novo modelo de sociedade.•A luta política é o meio de articular a necessidade de dar o peixe para quem está com fome, de ensinar o povo a pescar pra sair da dependência com a elaboração de uma estratégia para tomar de volta os rios que se tornaram propriedade de empresas privadas. Para isso, a organização política fermenta e conduz politicamente o povo que se levanta a tomar o poder e transformar pela raiz, o sistema capitalista.•A concepção política reformista expressa uma visão equivocada: a) pela ilusão de que, de ganho em ganho econômico, a massa vai conseguir a transformação estrutural da sociedade; b) pela postura basista de seus dirigentes que, distantes da massa, querem dirigir a base pela demagogia ou radicalidade verbal; c) pela aposta de que a massa, por si só, vai tomar consciência; d) pela prática artesanal e voluntarista da militância que não se prepara nem estuda para enfrentar o capital; d) ao misturar níveis, de compromisso e consciência, quando escolhe as pessoas para realizar as ações.

•A experiência histórica da classe oprimida ensina que: a) a luta sindical, econômica, por si só, não vai além do reformismo; b) só a luta política, feita por uma organização de quadros selecionados, é capaz de canalizar o embrião da luta econômica para a transformação social; c) só um partido, inserido nos processos de luta popular, pode propor e estimular movimentos autônomos que reconhecem e aplicam suas orientações e que as transformam em decisões da sociedade.•Essa concepção política exige a construção de uma organização capaz de encaminhar a pauta concreta, setorial e específica da luta econômica para garantir a sobrevivência. Mas, essa organização com uma estrutura de massa abriga uma organização de quadros, reconhecida, que realiza a educação política do movimento e o dirija politicamente. Assim o movimento de massa tem,ao mesmo tempo, a estrutura de massa e a estrutura de quadros, articuladas por uma estratégia de poder.

Wang Xiaoying / China Daily

1.Organicidade

•A palavra organicidade vem de orgão que é uma parte do corpo, que tem funções diferentes, mas que trabalha para a mesma finalidade. Organicidade é, então, acapacidade de fazer com que idéias, discussões e orientações comuns percorram e se articulem em todo o corpo de uma organização, de forma permanente. Esse fluxo de constante garante a unidade de pensamento e ação, com autonomia relativa das partes, bem como a aplicação criativa das decisões gerais e auto-reprodução;•A organicidade exige a construção de um modelo de organização, formada pela escolha criteriosa da sua militância e que investe na sua qualificação para que seja capaz de atuar, em qualquer conjuntura, com espaços de debate e instâncias horizontais de decisão coletiva, combinadas com mecanismos de comando.•Para cumprir seus objetivos, inclusive garantir suas conquistas econômicas, um movimento precisa aperfeiçoar seu estágio de organização e criar as condições dessa nova organicidade. É necessário a implantação - teórica e prática - de uma concepção de luta e organização que dê consistência política e ideológica ao movimento de massa. É isso que o torna capaz de fazer a luta econômica, de resistir e de contribuir na tomada do poder e construção da alternativa ao capitalismo.•Esta concepção de luta política reafirma que quanto mais povo organizado, mais poder e que o podernão está no voto, no estado, no governo, nas armas, mas no povo consciente, organizado, participante e mobilizado. Ou seja, é a massa que toma e constrói o poder quando dirigida, politicamente, por quem tenha a capacidade de mobilizá-la do ponto de vista orgânico, ideológico e revolucionário.

1.4. Modelo orgânico Popular

•O modelo orgânico popular se inspira na criatura humana que tem uma dimensão biológica (carne, nervos, ossos...), psicológica (sentimento, vontade, consciência... e transcendental capaz de mirar-se a si mesmo (arte, estética, espiritualidade...). Esse corpo humano é formado por um conjunto de células que, ao mesmo tempo, são autonomizadas e funcionam em harmonia.•A função da célula é transportar tudo (oxigênio, nutrição...) em todo o corpo. Quando as células não funcionam o corpo morre. As células são também responsáveis pela renovação contínua de novas células. Quando a célula de um Movimento Popular não funciona ela compromete o sonho, os objetivos e a estratégia desse Movimento. Por isso, a organização popular não se mede pela quantidade de sua base social, mas pela quantidade de Grupos de Base (células).

“O povo, e só o povo, constitui a força motriz na criação da história universal” (Mao Tse Tung)

•O modelo orgânico popular incorpora o conceito de Quadro e de Massa que representam uma divisão de papéis e uma relação de poder. Quadro tem a ver com a ideia de maior qualificação politica (utopia, análise da realidade, elaboração estratégica, condução política, capacidade de formulação de propostas que transformam...). Um quadro político é parte de uma organização e destaca-se por ter reconhecimento e carisma. A massa é o conjunto da classe que trabalha, representa a quantidade, em geral, com baixo nível de consciência e elaboração e por ser movida pela necessidade.

•Podemos identificar quatro tipos básicos da relação quadro/massa, sabendo que, na realidade, esses tipos convivem em uma intensa interação e tensão:

1.Líder e a Massa – É uma relação direta, sem mecanismos de mediação. E´uma relação de corte autoritário onde o “líder sabe” a “massa obedece” é massa de manobra. Neste caso carisma e a relação pessoal podem produzir o risco de “onde ele for eu vou atrás” e a prática do oportunismo, de satisfação de caprichos, demagogia, paternalismo, clientelismo e “loucuras”. O líder pode ter estratégia, a massa não. O problema, além da possibilidade de desvios morais e éticos, é o da segurança (se o líder for morto...) e o da continuidade, pois, o projeto dura enquanto dura a personalidade. Hoje, há uma tendência de explicar a história pela atuação de líderes como se o líder não fosse também um fruto da contradição de classes.

“A razão porque o dogmatismo, empirismo, autoritarismo, o basismo, sectarismo, burocratismo e arrogância no trabalho popular são nocivos e intoleráveis, está no fato de que esses males afastam a militância das massas” Idem

1.O Quadro e as Massas – O quadro é visto como o “guia genial” da massa “ignorante”, por ser um “escolhido” e por se manter graças a seu carisma e maior competência política. Nessa relação a massa é considerada instrumento; não é protagonista, sujeito político e não é incluída em mecanismos de participação. Por isso, cumpre tarefa, aguarda orientação e pede licença para atuar. O risco é criar uma hierarquia sagrada, não mais funcional, vista como superioridade. Isso pode levar a abuso do poder, aproveitamento, assédios... Às vezes, se reproduz no grupo todo-poderoso que se distancia do povo, se acham os melhores e até pensam e agem como se fossem insubstituíveis.

“A militância deve usar o método democrático de persuasão e educação.. O resultado da coerção é submeter sem convencer... devemos compreender que a educação ideológica é um trabalho de longo prazo, paciente e minucioso” Idem

1.Quadro serviçal das Massas – Uma forma de autoritarismo é o democratismo ou o autoritarismo disfarçado no discurso, aparentemente respeitoso, de que “aqui quem manda é a base”, “aqui todo mundo manda”, “a massa sabe” é “a voz de Deus”. Na verdade, olha o povo apenas como vítima e dele sente piedade. Essa concepção promove espaços para a “euforia do participativo” e defende o “assembleísmo”, talvez como forma de legitimar a imposição de sua vontade ou para não assumir a responsabilidade diante da realidade. Essa

visão defende a prática espontaneísta e pragmática e, por isso, funciona (inclusive com radicalidade verbal) no calor de momentos conjunturais.

“O basismo é errôneo porque se mantém abaixo do nível de consciência política das massas e viola o princípio de dirigi-las no seu avanço... Muitas vezes, as massas nos ultrapassam e estão ansiosas para avançar um passo, enquanto os camaradas são incapazes de atuar como seus dirigentes... É o oportunismo de esquerda” Idem

1.Relação Quadro-Massa – É a relação de cumplicidade e complementariedade. Ambos os lados são indispensáveis da mesma organização. O quadro compõe uma direção coletiva que desperta, anima, eleva o nível de consciência e dirige politicamente a massa... dentro de uma estratégia e através de um processo pedagógico, paciente e revolucionário. O pressuposto esencial do quadro é de que a revolução é uma ação das massas e que a força real que dá corpo a uma organização são os seus grupos de base conscientes e organizados. Um quadro se distingue por seu amor ao povo, sua clareza do rumo, seu profissionalismo, sua capacidade de repartir o poder e seu tino em fazer propostas justas. Um quadro não é eleito é reconhecido por seus méritos de esforço pessoal, de disposição, dedicação e mantido pela confiança fraternal de companheiros.

“Em vez de colocar-se acima delas, a militância deve penetrar profundamente no seio das massas, despertá-las, contribuir para elevar sua consciência política... Seu dever é de, passo a passo, e seguindo o princípio da voluntariedade, ajudá-las a organizar-se e a travar todos os combates essenciais... de cada momento e lugar... Há que ajudar cada camarada a compreender que enquanto estivermos apoiados no povo, e acreditarmos no inesgotável poder criador das massas populares, confiar no povo e nos identificar com ele, podemos vencer as dificuldades e nenhum inimigo poderá nos esmagar” Idem

1.Equilíbrio na relação quadro-massa – Pode haver um Movimento Popular com grandes e brilhantes direções, mas não se sustenta porque não tem pernas que sustente essa cabeça pensante, nem um corpo que irradie e espalhe seus sonhos, projetos, propostas. Igualmente, pode haver um forte movimento de massa, nascido de uma conjuntura, mas sem uma cabeça que ajude a revelar a raiz da exploração e apontar a alternativa ao capitalismo. Na concepção Popular, quadro e massa são órgãos, com papéis diferentes que contribuem para a mesma causa. O fermento serve se estiver metido dentro da massa e a massa cresce se estiver impregnada pelo fermento. A massa se mobiliza pelo que pode perder ou ganhar e o militante lhe dá a dimensão da utopia.

“Por mais ativo que seja o grupo dirigente, sua atividade se reduzirá a um esforço infrutífero de grupinho, se não for combinada com a atividade das grandes massas. Mas, se apenas as grandes massas são ativas e não há um forte grupo dirigente que organize essa atividade, ela não se manterá por muito tempo, não vai avançar na justa direção, nem atingir um nível mais elevado” Idem

1.Grupo de Base não pode ser um corpo inchado, mas um corpo gordo (que tem peso). Só o Grupo de Base pode ser a raiz, a musculatura, a força real de um Movimento. É a massividade (quantidade) organizada. Não pode ser um simples ajuntamento conjuntural e emocional. O Grupo de Base morre cedo se for mobilizado apenas pela necessidade imediata e não pelo sonho de liberdade (utopia, estratégia). É o quadro militante que articula a necessidade com a liberdade ao usar a cesta básica como oportunidade para despertar a indignação da classe que trabalha contra a esmola, essa necessidade que obriga e humilha.

“A revolução deve apoiar-se nas massas populares, contar com a participação de muita gente. É preciso combater a simples confiança num punhado de indivíduos que ditam ordens... que trabalham num frio e quieto isolamento. Tais “dirigentes” resistem em dar explicações aos dirigidos e não sabem como dar livre curso à iniciativa e a energia criadora das massas” Idem

1.O Grupo de Base é o canal para espalhar a proposta de transformação social e garantir sua renovação e continuidade. É a expressão política da estratégia, da estratégia, da força real de um Movimento. Sem grupos de base o Movimento vira um balão cheio de vento. O GB é também a sementeira permanente de novos militantes e de novas formas de luta. É a escola da convivência onde se aprende a resolver os problemas do dia a dia; onde a massa se disciplina e descobre como ligar necessidade e liberdade. É igualmente, a defesa e a segurança contra os inimigos, os oportunistas e os desvios dos princípios. Sendo a raiz e a essência da Organização Popular, os GB garantem a unidade, o sangue que nutre todo o corpo com a ideologia e o ânimo e lhe garante a continuidade da luta pelos direitos, pela vida, pela revolução, pelo poder popular, pela vitória do povo, sempre.

Cepis, Maio de 2012

H - RETOMAR O TRABALHO DE BASE

GENTE NÃO É BOI DE CARRO, PRO CARRO DE BOI PUXAR

GENTE TEM MENTE QUE GIRA, MENTE QUE PODE GIRAR

GIRA A MENTE DO CARREIRO E A CANGA PODE QUEBRAR

•Uma pessoa se torna perigosa quando começa a andar com os próprios pés. Em geral, quem está no poder, prefere gente obediente e acomodada porque é fácil manobrar uma população domesticada. A finalidade do trabalho de base é despertar a dignidade das pessoas e a confiança nos seus valores e potenciais. É também organizar a rebeldia popular contra a injustiça e para construir a nova convivência entre os humanos, sem exploração, sem discriminações e sem preconceitos.

O GRANDE SÓ É GRANDE, PORQUE NÓS ESTAMOS DE JOELHOS

•Toda pessoa luta para livrar-se da opressão - ninguém se acostuma com a escravidão. A luta começa lá onde acontece a exploração e a dominação. Às vezes, se diz que o povo não quer nada. Mas, o povo não deixa de lutar; procura sempre um jeito de sair do aperto, até quando corre atrás da ilusão: presentes, promessas, salvadores. Mesmo sem ter consciência, o povo guarda no peito uma indignação reprimida. Ninguém luta porque gosta; luta porque se vê obrigado pela necessidade. A classe oprimida luta pela terra, pela comida, moradia, escola, dignidade, diversão, direitos. Luta para livrar-se da opressão, para continuar viva e para ser reconhecida como gente.•Quem domina tenta calar qualquer sinal de resistência. Para esvaziar a reação popular bate, amedronta, ilude e, sem piedade, calunia, tortura e mata. Às vezes, a pessoa oprimida resiste às balas de chumbo, mas é vencida pelas balas de açúcar. A classe dominante reprime para deixar as pessoas de joelhos, obedientes e conformadas com a situação. A maioria dos livros e das escolas tenta apagar a memória libertária da classe oprimida espalhando a idéia que o povo brasileiro é pacífico. Basta abrir os olhos e ver a historia de luta e resistência dos povos indígenas e negros, da classe camponesa e operária, das mulheres, das pastorais sociais...

QUANDO A FOME DÓI, QUALQUER PESSOA ENTRA NA BRIGA

SENTINDO NA VIDA QUE PODE, O POBRE ENTENDE QUE VALE;

DEPOIS QUE A CANGA SACODE, NÃO HÁ PATRÃO QUE O CALE

•A elite dominante não tem medo delideranças brilhantes ou diretorias combativas. A elite teme o povo consciente e em movimento. Então, a missão da militância é repartir os esclarecimentos com quem permanece escravo, no seu trabalho e na sua mentalidade. Sua tarefa é incentivar a luta popular espalhando a notícia que é possível mudar a realidade porque o trabalho é a mola do mundo. Esclarecendo que a transformação da sociedade não vem de cima, nem de fora. Vem da união de quem descobre a opressão e cria diferentes formas de luta para buscar a VIDA livre e feliz.

SE O BOI SOUBESSE A FORÇA QUE TEM NINGUÉM DOMINAVA ELE

•Muitas organizações populares conquistam grandes vitórias e depois fraquejam. Ou porque não se atualizam, repetem o jeito antigo de lutar e se organizar ou porque, em vez de organização de trabalhadore(a)s, se tornam um grupinho deeleitos que se acham donos e fazem a luta para o povo. Mas, parece que a principal razão das derrotas é que certas diretorias não acreditam no povo. Como a elite, essas ditas direções concentram o poder em suas mãos ou fazem do cargo seu meio de vida. Mas, quem é militante participa, estimula e sugere iniciativas populares. Por isso, está presente nas ações e contribui para que consigam benefícios concretos e permanentes. Uma ação indispensável da militância é a multiplicação de gente nova, de idade e mentalidade, que entre no movimento tornando-se parte protagonista na luta de repartir o pão e o poder.

A LIBERTAÇÃO SERÁ OBRA DA PRÓPRIA CLASSE OPRIMIDA

OU NÃO HAVERÁ LIBERTAÇÃO

•Reunião, em si, não é luta.Luta são as ações organizadas da classe oprimida para continuar vivendo, para sair do cativeiro e reafirmar sua dignidade. Luta é o trabalho que se faz nos assentamentos, nas fábricas, nos bairros, nos movimentos por direitos, nas igrejas comprometidas... Luta é o estudo que se faz para entender a razão da luta e conhecer a experiência de outros grupos. A reunião pode ser parte da luta quando avalia as ações, quando prepara o povo para vitórias maiores e quando orienta a luta no rumo da libertação. É por isso que os encontros populares devem ser momentos de formação, debate, de confraternização, de recordação e celebração dos valores que unem as pessoas lutadoras.•Só faz trabalho popular quem acredita que a classe oprimida é capaz de pensar a produção, a distribuição e o consumo dos bens, de forma solidária. Para construir esse projeto de sociedade é preciso mobilização e participação consciente da população. É isso que dá sustentação a proposta de transformação social. Para ter vitórias, o trabalho de base precisa crescer e virar um movimento - um pé na roça e um pé na estrada. É nesse trabalho, local e geral, que vai aparecendo quem é militante (pelo grau de compromisso com a causa popular), quem é base (já aderiu ao Movimento) e quem é a massa (o conjunto da população a ser atingida). A direção é uma tarefa da luta e não privilégio de lideranças.

FAZER É A ÚNICA FORMA DE MOSTRAR

QUE É POSSÍVEL TRANSFORMAR O MUNDO

É PRECISO TER OS PÉS NO CHÃO

E A CABEÇA NOS SONHOS

•O trabalho popular começa no comtato com pessoas insatisfeitas e dispostas a entrar num processo de luta pelo fim do capitalismo e construção de uma sociedade fraterna. Ele cresce quando responde ao interesse das pessoas, partindo da porta que o povo oferece. Fica forte

quando realiza experiências simples e envolve as pessoas na solução dos problemas – nem sobre, nem para, mas com as pessoas participantes - inclusive na sustentação financeira das ações. Firma-se quando tem uma organização democrática - vez e voz para todas as pessoas - conforme a necessidade da luta, conforme sua capacidade e seu gosto pessoal. O trabalho de base torna-se vitorioso quando as pessoas se apropriam do processo, quando multiplicam essa prática e quando se articulam com grupos que seguem no mesmo rumo.•O trabalho de base propõe uma revolução. E só a classe oprimida pode ter interesse na revolução, pois, no mundo capitalista, não há lugar para ela. A experiência da opressão ensina a classe oprimida iniciativas de solidariedade. Além disso, ela carrega um potencial produtivo e humano que gera a riqueza material e espiritual da sociedade. Ao tomar consciência da injustiça, a classe oprimida pode se organizar e lutar por um mundo onde o ter, o saber e o poder sejam exercidos de forma compartilhada. Mas, consciente que o fim da exploração e a transformação da sociedade não nascem de um acordo com a classe dominante. A elite só entrega as riquezas roubadas e o seu poder de dominação quando é derrotada.

SÓ A PESSOA OPRIMIDA PODE LIBERTAR-SE

E, AO LIBERTAR-SE, LIBERTA TAMBÉM SEU OPRESSOR

OS RICOS SÓ SE ENTREGAM QUANDO PERDEM

E OS POBRES SÓ GANHAM QUANDO LUTAM

•A sociedade solidária começa desde já - em casa, no trabalho, na comunidade, no movimento. É na vida concreta que a militância se exercita a não se rebaixar, nem tratar as pessoas como “coisa”. É na luta diária que ela aprende a rejeitar a competição entre superiores e inferiores e a criar as condições da igualdade. Assim, o grande sinal da nova sociedade é o companheirismo. O companheirismo é a forma mais perfeita de relacionamento entre as pessoas - mais forte que os laços de sangue. É o gesto humano e político que se revela na atenção às pessoas excluídas e desanimadas, no carinho à juventude e às crianças e no respeito a/o parceira/o de vida e caminhada.•O trabalho de base, composto de militantes, base e massa, é um caminho longo e difícil. Pois, junto com a disposição, a criatividade e a coragem, existe no povo a mentalidade de escravo que torna o povo acomodado, inseguro e dependente. Muitas pessoas oprimidas fazem de sua cabeça um hotel de patrão (lambari com cabeça de tubarão). No trabalho, na família e no movimento repetem ideias e práticas da elite; pensam em concentrar a riqueza e o poder em suas mãos e tratam com autoritarismo e desprezo seus companheiro(a)s. Só com a participação nas lutas e a inspiração na história da luta popular é possível vencer a alienação e resgatar a confiança na força de quem sofre a opressão.

COMPANHEIRO OU COMPANHEIRA É O IRMÃO

OU A IRMÃ QUE A GENTE ESCOLHE

EU ACREDITO QUE O MUNDO SERÁ MELHOR,

QUANDO O MENOR QUE PADECE ACREDITAR NO MENOR

RESUMO

O trabalho de base não é uma receita ou mágica. É um jeito de fazer política onde as pessoas colocam sua alma. A pessoa apaixonada descobre o jeito de agradar a pessoa amada.

O trabalho de base é uma paixão carregada de indignação contra a injustiça. Mas, sobretudo, de uma paixão cheia de ternura pelo povo e por quem se dispõe a construir um mundo sem dominação. É uma crença na vida, na dignidade das pessoas, na rebeldia pela liberdade, na função criadora do trabalho, na solidariedade universal.

Essa convicção que nasce do coração, torna-se uma energia contagiante capaz de vencer a fúria e a sedução da classe opressora. Tal força invade o coração, o pensamento e a ação da militância e se expressa em forma de compromissos, gestos, atitudes, beleza, garra, festa, cultura e companheirismo.

I - O TRABALHO DE BASE

Uma das marcas da organização popular é seu enraizamento na vida da população, animando e organizando a classe trabalhadora na busca de solução para seus problemas. Por isso, a luta e a organização popular articula-se, desde a base, para estar presente, todos os dias, lá onde acontece a luta pela Vida. Esse trabalho exige vontade política, dedicação, tempo, pessoas e recursos. O trabalho de base é a convicção que se dispõe contribuir para que o povo seja protagonista e tome a direção da barca.

A retomada do trabalho de base não significa arepetição saudosa de práticas e atividades do passado. Não é o basismoque trata o povo como menorincompetente ou elogia suas ações espontâneas. Retomar o trabalho de base é oresgate deuma estratégia, de um caminho de luta e organização queenvolve os próprios interessadosno conhecimento e solução dos desafios individuais e coletivos. O trabalho de base reafirma pelo menos três objetivos:

1 - Participação massiva dos trabalhadores- As elites não têm medo de lideranças que se destacam. Para elas é fácil isolar, destruir, “comprar” cabeças que sobressaem. Multiplicar militantes e ações é o que mete medo em todos aqueles que se acostumaram com a prática da dominação. Por isso,multiplicar combatentes deveinvadir todos os espaços da vida (trabalho, política, cultura, religião, lazer) e se tornar uma rede de animação, de resistência e de vitórias. O trabalho de base é a condição e o sustento do trabalho de massa; o trabalho de massa é a expressão e a consequência dotrabalho de base.

2 - Democratização do poder - Participar do poder é ser capaz de fazer propostas, de tomar decisões e de repartir responsabilidades para concretizar o sonho da classe oprimida. O trabalho de base, enquanto experiência de nova convivência entre pessoas, pode ser uma escola de participação política. O ato de falar e ouvir, de propor e negociar, de ganhar e perder, de disputar e decidir, de comandar e obedecer, de responsabilizar-se e cobrar estimula a ambição de ser gente e de ter o poder coletivamente. Uma escola onde se aprende a por o poder a serviço da maioria, visando a transformações do País.

3 – Nova ordem social - A finalidade da luta popular é a realizar o sonho do mundo novo, livre de todas formas de opressão e com a possibilidade real de satisfazer os anseios materiais e espirituais das pessoas. Isto será possível quando a produção, distribuição e consumo forem feitos de forma solidária. Este projeto implica, desde agora, em uma nova relação entre os humanos e com a natureza, sem dominação, sem competição, sem preconceitos e sem destruição.

A finalidade do Trabalho de Base

A prática do trabalho de base pode acontecer no bairro, no campo, na fábrica, nas igreja, nos movimentos populares. Ela se sustenta quando mantém os pés no chão, quando consegue vitórias e quando articula as lutas econômicas com a luta política, social, cultural... Perdura, em qualquer

conjuntura, se combina ações de rebeldia com disputas na legalidade. A prática do trabalho de base supõe a estratégia cuja finalidade permanente é:

1. Despertar a dignidade das pessoas e a confiança nos seus valores e no seu potencial. A pessoa se torna feliz e perigosa quando começa a andar com os próprios pés.

2. Anunciar a convivência solidáriacomo alternativa à ganância, à competição e à dominação. Quanto maior a opressão e a crise, maior a razão para propagar o sonho da sociedade sem classes.

3. Canalizar a rebeldia popular contra a injustiça e construir, desde já, a sociedade de homens novos e mulheres novas onde a produção, distribuição e consumo sejam orientados pela lógica da solidariedade.

4. Contribuir na transformação da realidade com vitórias em todos os campos e dimensões que satisfaçam os justos anseios do povo. “Quem trabalha mata a fome, não come o pão de ninguém. Quem não ganha o pão que come, come sempre o pão de alguém” António F. Aleixo (1899-1949), repentista português.

O que é Trabalho de Base

A garantia de qualquer projeto depende do trabalho que lhe dê sustentação. Isso vale para o time de futebol, como para uma campanha eleitoral, para o trabalho pastoral e para a organização popular. Mas, será que o objetivo é o mesmo na cabeça do técnico de futebol, do candidato, do agente religioso e da liderança popular?

O que é base?

Base quer dizerfundamento, alicerce, sustentação, início, parte indispensável. Na origem da palavra, base significa andar sobre os próprios pés. Na história do Movimento Popular, a palavra base foi juntando vários significados, um completando o outro.

1. base da pirâmide – nasce de uma análise da sociedade capitalista, dividida em classes, onde a classe trabalhadora produz as riquezas e a classe proprietária (das terras, fábricas, bancos...) se apodera dos frutos do trabalho. Nesse modo de ver quem trabalha é a base do mundo. Ao descobrir a força que têm, pode derrubar a velha pirâmide e organizar uma sociedade sem opressão.

2. comunidade de base – Nasce com a experiência da população mobilizando-se para resolver um problema da comunidade (luz, água, saúde, festa...). Toma força com a teologia da libertação que leva os cristãos ao compromisso social, a partir da fé evangélica.

3. categoria profissional – Na reconstrução das organizações populares e sindicatos, a palavra base passa a significar o conjunto de pessoas que têm a mesma profissão e os mesmos interesses econômicos, mesmo que não sejam filiados, nem se mobilizem.

4. opção política – O crescimento da luta popular mostra que não basta a pessoa trabalhar ou ser explorada para ser militante da transformação. Base, então, passa a significar a parte do povo que toma consciência da opressão e se engaja num processo de construção de uma sociedade solidária . Qualquer pessoa, não importa a origem, pode ser base desse projeto alternativo ao capitalismo.

Base é o povo que produz as riquezas e é explorado e manipulado pelas elites dominantes, em todos os espaços. Significa também começo, sustentação, algo indispensável que não pode faltar. Mas, é, sobretudo, aquela parte da classe oprimida que se dispõe e dar sustentação a um processo de

mudança, sempre.

Trabalho de base é a ação política transformadora realizado por militantes de uma organização popular que conhecendo a realidade de um território, desperta, organiza e acompanha sua população na solução dos problemas do cotidiano, ligando essa luta a luta geral contra a opressão.

Eficácia do Trabalho de Base

Uma atividade bem realizada pode até gerar a euforia do participativo, mas continua uma prática autoritária se não se for eficaz, se não preparar as pessoas para transformar a si mesmas e a realidade. Um trabalho de base é, então, eficaz:

1.Quando anima e apaixona as pessoas porque resgata sua identidade e dignidade (autoestima) e estimula a postura de protagonista, gente capaz de andar com os próprios pés.2.Quando mobiliza porque rompe a situação de dormência, fatalismo e a sensação de impotência gerada pela dominação.3.Quando aumenta o grau de consciência e ajuda na apropriação dos conteúdos e do método.4.Quanto qualifica, política e tecnicamente, a militância para atuar sobre realidade e transformá-la.5.Quando prepara a militância para a reprodução criativa porque se assume como parte e se torna multiplicadora.6.Quando canaliza as lutas de emancipação para um projeto alternativo onde haja lugar para a classe oprimida.

J - Como fazer o trabalho de base

O trabalho de base não tem receita pronta e infalível. Mas, ao olhar as diversas experiências descobre-se pontos em comum:

A - Quem começa -

Qualquer militante da causa popular que se dispõe a entrar num processo concreto e coletivo de luta pela transformação social pode começar um trabalho de Base. Esse alguém ou grupo precisa acreditar quetoda pessoa tem o dom de ser capaz, mas que só aclasse oprimida é capaz de libertar-se e que ao libertar-se, liberta também seus opressores.

B - Onde começar -

A luta acontece lá onde está a classe oprimida: na fábrica, bairro, escola, nos movimentos. Pode ser um grupo de mulheres, adolescentes, de cultura... Qualquer lugar, na cidade ou no campo; até o cárcere já foi lugar onde a militância fez seu posto de luta. O melhor é escolher o lugar com condições de espalhar e influenciar outros grupos e lugares.

C - Quando começar -

O trabalho começa o trabalho conforme a realidade – às vezes, inicia por um longo caminho de conhecimento e organização; outras, começa a partir de um processo de formação; e muitos começaram já pela luta concreta.

D - O núcleo de militantes

Uma primeira missão do Trabalho de Base é formar de um timede pessoas com um mínimo decompreensão e disposição para entrar em um processo. É bom tergente nova de idade e mentalidade.Pessoas novas estão mais abertas e livres para encarar uma caminhada.A escolha cautelosa é baseada na confiança; por isso, é fundamental escolher pessoas que não aceitam ser manobradas, que vão além do seu interesse individual, que são discretas (não falam dos assuntos para quem não está interessado ou é contra).

E - Preparação caprichada –

É indispensável pensar o plano de trabalho, a escolha do lugar, o tempo de começar, os primeiros contatos, os recursos necessários, a forma de aproximação... É também o núcleo que avalia a coerência entre o dito e o feito, para retificar o dito ou o feito, a partir do objetivo central.

F - O conhecimento da realidade -

As informações nascem da observação, conversas, visitas, pesquisas. Mas, a principal fonte é a aproximação, o contato, meter o corpo em determinada realidade, em forma de cumplicidade. Conhecer e ser conhecido exige o aprendizado d a linguagem do grupo para favorecer a integração e a troca. A condição é ter a confiança, é se dar com a população, é não ser um “estranho”. Algumas informações que não podem faltar:

b) as que tratam da quantidade - o número de pessoas, as fontes de renda, o volume da produção, o número da classe patronal e da classe que trabalha.

c) as que revelam o saber popular e as carências – o povo é carregado de valores econômicos, artísticos e culturais, assim como é cheio de necessidades.

d) as formas de organização social existentes (reivindicativa, cultural, religiosa...) da elite e dos oprimidos.

e) as que revelam os desejos, fantasiasdas pessoas – em geral, são os sentimentos que movem as pessoas - sentindo-se reconhecidas, elas se dispõem a participar;

f) as histórias de resistência - o ser humano protesta de forma individual ou grupal, escondida ou aberta, espontânea ou organizada, pacífica ou violenta. Ás vezes, o trabalho é apenas reforçar uma luta já existente, pois, a militância nãoinventa a luta; descobre pessoas e sinais da luta e ajuda a ampliá-las, a organizá-las para que se fortaleçam;

As informações da realidade são a matéria-prima para o estudo da militância - elas apontam problemas, interesses comuns e sugestões para o tipo de ação e organização. É essencial envolver as pessoas interessadas na coleta dos dados e apreciação dos resultados; elas devem ser as primeiras interessadas em tomar consciência do que acontece.

G - Fazer ações concretas

Os dados da realidade podem sugerir propostas concretas de ação. A militância tem que perceber:

a) o que o povo está disposto a fazer para realizar seus desejos; b) a ação onde o grupo participa e não fica assistindo na plateia;c) a ação que está dentro da compreensão, momento e ritmo que o grupo suporta. Pode ser um jogo, uma festa, celebração; mas, pode ser um protesto, uma disputa política, uma ato solidário.

b) É decisivo que as primeiras ações vençam. São as vitórias que animam a vontade de continuar. As derrotas, em geral, aumentam o sentimento de fraqueza e de impotência. Fazer ações e refletir sobre elas é a grande escola onde a militância e o povo se capacitam.

H – Descobrir “militantes”

O povo foi acostumado a escolher gente que promete, fala bonito, tem escolaridade ou é muito quietinha. Mas, no trabalho de base as devem ser escolhidas por critérios: a)iniciativa; b) indignação; c) interesse para além da família;d) capacidade de atrair; e) confiança...

I - Formação política

Só o entusiasmo e a força são insuficientes para vencer o poder da opressão. É fácil derrotar quem não estuda e não para para pensar. Muitos estudados não lutam, mas é imperdoável que a militância não estude, não seja intelectual . Estudar significa entender o que está acontecendo consigo e com os outros e buscar solução para problemas que afligem o povo, hoje. A formação política deve vir junto com a capacitação técnica: fazer reunião, escrever relatório, falar em público, administrar uma cooperativa, operar uma máquina, fazer um jornal...

J – Articulação

As pessoas não têm a mesma cor, o mesmo lugar de nascimento, a mesma religião, o mesmo sexo, o mesmo time de futebol. Mas, reconhecer e respeitar as diferenças, não se pode esquecer os interesses e dificuldades comuns que unem a classe oprimida. O trabalho de base se fortalece quando se liga a pessoas e grupos que caminham no mesmo rumo porquefacilita a troca de experiências e a realização de ações conjuntas.

K – “Sair” do território -

O Trabalho de Base se fortalece quando une a luta imediata de seu território com a luta geral da classe trabalhadora, no nível regional, nacional e até internacional. Nessa “saída”, a militância adquire experiência e habilidade; alarga seu horizonte e seus conhecimentos; observa outras pessoas e outras práticas. É desafiada a elevar seu nível de consciência e o ardor de sua fé em uma nova ordem social.

L – A “alma do trabalho de base”

O trabalho de base não uma “tática” para atrair o povo. Nem um conjunto de técnicas que bem aplicadas, podem dar bons resultados. É uma metodologia que bem além de qualquer modelo. É a paixão indignada contra qualquer injustiça e a ternura por quem se dispõem à solidariedade. Esse modoapaixonado de crer no povo e de se multiplicar invade o coração da militância da causa popular. O envolvimento de corpo e alma paraconstruir um modo de viver sem a marca da dominação, alimenta essa convicçãocontagiante.

Essa forma de fazer política tem seu alicerce em convicções o que torna a política uma atividade sensível, comprometida e criativa. Este segredo, plantado na alma, é a força interior que impulsiona a militância, principalmente nos momentos da dor, da dúvida e de derrotas. Mas, está presente na alegria de viver, na disposição de luta, na esperança sem ilusões, no canto, nos símbolos, na beleza do ambiente, nas celebrações e, sobretudo, no companheirismo.

A pirâmide – música angolana

Na terra dos homens pensada em pirâmide

há poucos em cima e muitos na base

na terra dos homens, pensada em pirâmide

os poucos de cima, esmagam a base.

Ó povo dos pobres povo dominado

que fazes aí com ar tão parado

o mundo dos homens tem que ser mudado

levanta-te povo não fiques parado.

Na terra dos homens, pensada em pirâmide

viver não se pode, pelo menos na base

o povo dos pobres, que vive nas bases

vai fazer cair a velha pirâmide

O mundo dos homens, já sem a pirâmide

pode organizar-se, em fraternidade

ninguém é esmagado, na nova cidade

todos dão as mãos, e viva a unidade.

K - Ferramentas de Organização Popular

Movimento Popular

O movimento popular é a justa reação da classe oprimida – de forma pacífica ou violenta, espontânea ou organizada - contra diferentes formas de injustiça e dominação. A reação pode ser contra a exploração econômica, contra abusos de poder, contra a manipulação ideológica, contra a discriminação ou preconceito de cor, de sexo, de religião, de idade...

A indignação popular pode ficar só na revolta momentânea ou pode ser canalizada para conseguir objetivos cada vez maiores. O movimento, enquanto luta popular, é sempre maior que uma organização. Quando a organização já não expressa a rebeldia de um povo indignado, torna-se apenas uma estrutura burocrática sem alma e sem razão de existir. Para entender o lugar das diferentes formas de luta popular, costuma-se dividir em:

Movimento de massa

A palavramassa não se usa para o povo desorganizado e sem consciência. Significa o conjunto da classe trabalhadora que produz as riquezas materiais e espirituais de um País. Já movimento de massa significa a parte organizada de uma categoria profissional ou de um setor da sociedade que se junta para conquistar interesses específicos, concretos e imediatos. Nesse sentido, movimento é a parte do povo que se levanta contra qualquer forma de injustiça ou de opressão.

Movimento assistencial

Um movimento é assistencialista quando resolve um problema, sem revelar que existem responsáveis por essa situação. Um movimento, por exemplo, pode denunciar a fome e até consegue um peixe; porém acha ou explica que a conquista foi um presente ou favor de algum governo ou a caridade de algum benfeitor.

O assistencialismo não deixa que as pessoas andem com os próprios pés. Por isso, o pobre fica dependente de políticos, de patrões ou de religiões. Em vez de combater a raiz da injustiça, ficam esperando uma compaixão ou alguém resolva seu problema. Muitos governos usam a política compensatória para conter a carência dos pobres. Os demagogos manipulam porque sabem que com “com banana e bolo se engana um tolo”. E a miséria do povo é tanta que não prestam atenção no alerta do poeta: “uma esmola ou enche de vergonha ou vicia o cidadão”.

Movimento de luta econômica

O sindicalismo é uma forma de organização que luta para diminuir os efeitos da exploração econômica. Quem participa do movimento sindical já descobre que tem direitos e que a classe patronal que explora a classe trabalhadora. Por isso, se organiza, pressiona para ter melhorias nas condições de vida e trabalho. Mas, o movimento sindical não questiona o jeito como está organizada a sociedade, dividida em classes. Junta, esclarece, denuncia e combate os efeitos da doença, mas não ataca a raiz do problema. A luta sindical chega até a ensinar o povo a pescar, mas só busca a conquista dos interesses imediatos que só fazem remendar o sistema de exploração. É como reformar uma casa velha. Está provado que o sofrimento, em si, não gera consciência; em muitos casos, gera apenas conformação.

Movimento Popular

Quando o povo compreende que é parte do país e tem direitos por pagar impostos, cria movimento que lutam pela educação, saúde, diversão, segurança, transporte, moradia... O movimento feminista, por exemplo, é um movimento popular que luta contra a discriminação sexual e pelos direitos das mulheres. Diz-se que um movimento é popular porque junta toda pessoa que se organiza para arrancar do Estado ou da sociedade, leis e comportamentos que respeitem e garantam seus direitos. Mesmo sendo combativo, também o movimento popular não questiona a organização do Estado que é feito para servir às classes que estão no poder. Por isso, as pessoas conseguem direitos na lei, e só com muita luta, vão ter esses direitos, na vida real.

Movimento Político

A classe dominante reduz a política ao processo eleitoral. Política é mais que votar. Fazer política é conquistar o poder de decidir as coisas na sociedade. O movimento político organizado é formado por pessoas conscientes e é menos que o movimento de massa. Dele participam as pessoas que descobrem as raízes da exploração e organizam sua ação para transformar a sociedade capitalista. Sem mudar a sociedade, dividida entre explorados e exploradores, o povo vai continuar oprimido. Os grandes não gostam de gente consciente; como disse alguém – se dou comida aos pobres, me chamam de santo; se pergunto porque eles passam fome, me chamam de comunista.

É a militância que forma o movimento político. Pois, aprendeu que é preciso dar o peixe pra quem tem fome e que é preciso ensinar o povo a pescar, pra sair da dependência. Mas, por sua consciência, sabe que se a classe oprimida não tomar de volta os rios que virou propriedade dos grandes, nunca vai derrotar a exploração que é a causa da fome. O movimento político fermenta a massa e ajuda o povo que se levanta a entender a realidade e a transformar a sociedade de classes. Por isso, sua missão é despertar, na classe oprimida, a consciência de que o poder nasce do povo e pelo povo deve ser exercido.

Interdependência

Cada movimento é uma ferramenta que serve para determinadas ações, em determinados momentos. Mas, como todos têm como objetivo o fim da exploração, eles precisam manter uma forma de articulação entre os diversos instrumentos.

A interdependência é a ligação que existe entre as várias partes do corpo. Os órgãos têm funções diferentes, mas trabalham para o mesmo fim, de forma combinada. Essa organicidade é a capacidade de fazer com que as ideias, discussões e orientações da luta popular percorram todo o corpo das organizações populares e se articulem, de forma permanente, para garantir a unidade de pensamento e de ação.

Organização Popular

A organização popular canaliza a reação popular para conseguir os interesses de um grupo, de forma permanente. Sua finalidade é juntar mais gente, organizar a classe trabalhadora, qualificar a militância, mobilizar a massa e lutar para alcançar seus objetivos específicos. Toda organização

que já não representa a força do movimento popular, vira apenas uma ferramenta desafiada e desacreditada pelo povo.

O povo se mobiliza quando sente que vai perder um direito ou pode alcançar uma vantagem. Ele só entra e só continua na organização se ela consegue resultados econômicos, políticos ou culturais. Esses resultados podem virar presentes de grego ou esmolas. Só não acontece se a militância ajudar no esclarecimento e se o povo fizer a disputa e o enfrentamento com os donos do poder econômico, político e ideológico. Porque a sociedade que interessa a classe trabalhadora só se constrói fazendo luta - econômica, pelos direitos, pela libertação – e se essa luta for dos humildes, para os humildes e pelos humildes.

Para ligar a luta especifica e concreta com a luta geral pela transformação da sociedade, um movimento precisa ter uma organicidade que junte a luta assistencial, a luta pelos ganhos econômicos, a luta pelas políticas públicas e a luta pela igualdade, com a luta pelo poder. Isso se faz através de uma organização que junte a massa e a militância, em um mesmo Movimento. Para fazer isso, é preciso ter militantes, dirigentes, base e massa e uma estrutura que garanta a vida do movimento.