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Comportamento Violento Disciplina de Psiquiatria Forense Instituto Abuchaim Cesar A. F. Rathke 2010

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Comportamento Violento

Disciplina de Psiquiatria ForenseInstituto Abuchaim

Cesar A. F. Rathke2010

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1. Terra de ninguém: violência e vulnerabilidade

• Vivemos acuados pelo risco de sofrermos ou presenciarmos violências: assaltos, agressões, intimidações...

• A arquitetura reflete esse medo: cercas, câmeras, sensores, guardas.

• Intensifica o isolamento, o individualismo• Elimina a tolerância com as diferenças

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• Anula-se espaços de trocas sociais: passamos a espiar pelo buraco da fechadura: blogs, reality shows, diários, biografias, fotos, vídeos...

• O passado deixa de ter importância: vale o “aqui e agora” – ilusão de liberdade ilimitada.

• Não há lugar seguro: as notícias nos bombardeiam continuamente

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• A violência torna-se espetáculo, é assimilada. • Passamos a utilizá-la por impulsividade,

intolerância, amor (o eu fica à mercê do objeto amado e pode, pelo desaparecimento da instância crítica, realizar o crime sem remorso).

• As queixas de depressão caminham juntas com queixas e manifestações de violência.

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• Perdem-se fronteiras: espaço psíquico X espaço social, intimidade X cena pública, fantasia X realidade.

• Perde-se capacidade de elaboração, de intermediação simbólica, de negociação política.

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1.1 - A sensibilidade específica da nossa época

• As últimas três décadas do século XX foram marcadas por terror, tortura, miséria, conflitos.

• Guerras viraram espetáculos – o indivíduo fica fascinado com cenas de terror e reproduz no outro o que seu psiquismo não comporta.

• A globalização manteve a dominação, a subserviência, a marginalidade, e impõe universalização de costumes, linguagem e escolhas.

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• Armas de todos os tipos disponíveis

• A existência do outro, necessária à nossa constituição psíquica, tem-se tornado ameaça. Não sabemos de onde pode vir a violência.

• Esse medo generalizado, o individualismo, o prazer imediato e o narcisismo deixam-nos predispostos à fúria pelo ódio e ao desejo de vingança.

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• Ex.: ataques a moradores de rua, índios, homossexuais... Medo do que aquele “diferente”, “inferior”, pode revelar de igual...

• Falência do espaço social X consumismo

• Degradação dos laços sociais, segregação, visibilidade como garantia de existência, necessidade de supremacia a qualquer custo.

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• O sujeito moderno está fragmentado, desamparado, mas precisa manter a imagem de um eu sem fraturas.

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2. Violência: multiplicidade de sentidos e questões

• A violência pode assumir múltiplas formas, inclusive sutis, às quais o indivíduo se submete sem oposição.

• Discute-se a violência na constituição do psiquismo

• Violência banalizada X negação da morte (“ainda bem que só levaram o carro”)

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• Todos temos disposição para a violência, o que soma-se à banalização da mesma, ao maniqueísmo crescente e à ruptura da ordem simbólica delineada pela cultura.

• Todos os processos afetivos intensos se estendem ao domínio do prazer, inclusive os agressivos, onde entram as pulsões, o narcisismo, a onipotência.

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2.1 – Grupalidade e violência

• Tanto situações de coerência grupal quanto as de rompimento podem potencializar a violência.

• A massa coesa pode tanto fomentar atitudes solidárias quanto levar os indivíduos a atos cruéis, inclusive com riscos à própria sociedade.

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• O desamparo é apaziguado nas massas, onde há identificação entre os indivíduos e a sujeição sem crítica a um líder, uma causa, uma idéia. Chance de estabelecer vínculos, de ser aceito, reconhecido, realizar-se.

• No grupo coeso os aspectos agressivos são dissociados e projetados nos outros grupos. A violência torna-se um valor. A unanimidade se dá com escolhas radicais, que não existiam antes. O grupo é uma via para a expressão da impulsividade e da violência. Homogeneidade narcísica.

• Ex.: gangues, partidos, torcidas, seitas, irmandades

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• O rompimento desses laços pode resultar em caos, onde os indivíduos perdem suas conquistas secundárias, agindo com impulsividade , exacerbação dos afetos e livre satisfação das pulsões mais cruéis e destrutivas. As regras do grupo não que não interessam são ignoradas.

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2.2 – Impunidade. Punição. Violência

• A banalização relativiza as referências entre certo e errado.

• Na verdade, há um abismo entre a realidade do ato e a potencialidade do que qualquer um poderia ter feito.

• Isso precisa ser reconhecido a fim de permitir a aplicação de penalidades e a contenção dos atos violentos.

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• A punição defende a honra ou a autoridade do atingido, e ajuda a elaborar o trauma e manter a ordem.

• A falta de punição afeta o psiquismo da vítima e a estruturação do coletivo, a ordem social. Revela o desejo de realizar o proibido, e a possibilidade real de fazê-lo.

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• Muitos só obedecem às proibições culturais por pressão externa. Se esta diminuir...

• Por isso a culpabilidade ganha destaque como sustentação da cultura – expressa a internalização dos códigos morais e a repressão das tendências agressivas.

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• A punição também é necessária para o agressor saia da posição de não responsável.

• A ênfase na necessidade e legitimidade da punição agem na sustentação da lei e no controle da violência.

• Porém, o simples medo da punição não é suficiente como garantia de confiabilidade dos dispositivos institucionais.

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• A idéia de impunidade espalha-se intensamente, resultando em descrença absoluta na justiça.

• As prisões pode ser vistas como fracasso da justiça penal:- não diminuem a criminalidade;- reincidência frequente;- fabricam criminosos “melhores”- favorecem a criação de grupos de delinquentes;- faltam condições para ressocialização dos detentos liberados;- há legitimização da violência como resposta à

criminalidade.

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• Os problemas do sistema carcerário conduzem a frequentes debates e tentativas de reformulação tentando instaurar seus princípios iniciais:

1. Princípio da correção: a detenção deve ter por função a transformação do comportamento do indivíduo.

2. Princípio da classificação: os detentos devem ser divididos por: gravidade dos atos, idade, predisposições, técnicas utilizadas na recuperação e fases de transformação.

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3. Princípio da modulação das penas: penas devem ser moduladas segundo a individualidade dos detentos e os resultados.

4. Princípio do trabalho como obrigação e como direito: o trabalho deve ser uma das ferramentas essenciaisda transformação e socialização dos detentos. Deve-se permitir aprender ou praticar um ofício, e dar recursos ao detento e à família.

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5. Princípio da educação penitenciária: a educação do detento é tanto uma precaução do poder público quanto uma obrigação para com o detento.

6. Princípio do controle técnico da detenção: o regime da prisão deve ser, pelo menos em parte, controlado por pessoal especializado, com capacidades morais e técnicas de zelar pela boa formação dos indivíduos.

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7. Princípio das instituições anexas: o encarceramento deve ser acompanhado de medidas de controle e de assistência até a readaptação definitiva do antigo detento. Seria necessário não só vigiá-lo, mas prestar-lhe apoio e socorro.

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• A permanência do sistema carcerário como dispositivo privilegiado de punição decorre da sua íntima associação com o poder disciplinador iniciado no século XVIII e legitimado pela sociedade.

• Logo, torna natural e legítimo o poder de punir, baixar o limite de tolerância à penalidade e legitimar o poder de disciplinar.

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• Tem funcionado como sustentáculo do poder normalizador, quando o necessário seria um poder transformador.

• Na prática essa legitimização é conflituosa, e seu fracasso é visto como derrota do sistema disciplinador ou, pelo menos, do seu papel como normalizador privilegiado, já que alguns saberes (médico, científico, psicológico, pedagógico) vem tomando seu lugar.

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• As contradições e ambiguidades da sociedade se repetem no dispositivo corretivo, que repete o que é amplamente conhecido sobre instituições fechadas: tentando corrigir a violência, torna-se palco da violência.

• São frequentes as penas que ultrapassam o ato, e os desfavorecidos são os mais suscetíveis. A indignação destes só aumenta.

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• A mídia vem heroificando criminosos: habilidade de burlar o sistema, regalias quando presos, impunidade...

• Critica os maus tratos que dificultam a recuperação e denunciam o excesso de tolerância. Pede-se punições mais severas.

• Cria-se um falso contraponto presente nos ataques aos defensores dos direitos humanos: direitos dos infratores X direito das vítimas.

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• A presença dessa falsa dicotomia revela a realidade marcada pela exclusão e pela injustiça. Não aparece a necessidade de preservar o Estado de Direito.

• Revela, também, a impossibilidade de encontrar uma medida exata e absolutamente justa para combater o mal.

• Legitimar e sustentar a punição é enfrentar uma série de paradoxos e contradições, mas é essencial para a sobrevivência da cultura e na cultura. A impunidade espalha nos humanos a via para a violência.