Confira a íntegra da pesquisa sobre transparência no Judiciário

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  • GOVERNO FEDERALMINISTRIO DA JUSTIA

    SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIRIOCENTRO DE ESTUDOS SOBRE O SISTEMA DE JUSTIA

    BRASLIA2013

    Pesquisa elaborada em parceria estabelecida em acordo de cooperao

    internacional por meio de carta de acordo firmado entre a Secretaria de

    Reforma do Judicirio, o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento e a Fundao Getlio Vargas do Estado de

    So Paulo (Projeto BRA/05/036).

    DESAFIOS DA TRANSPARNCIA NO SISTEMA DE JUSTIA BRASILEIRO

  • EXPEDIENTE: PRESIDENTA DA REPBLICA

    Dilma Rousseff

    MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIA Jos Eduardo Cardozo

    SECRETRIA EXECUTIVA DO MINISTRIO DA JUSTIA Mrcia Pelegrini

    SECRETRIO DE REFORMA DO JUDICIRIO Flvio Crocce Caetano

    DIRETORA DE POLTICA JUDICIRIA Kelly Oliveira de Arajo

    EQUIPE

    Artigo 19 Amrica do SulMe. Alexandre Andrade Sampaio

    Ma. Paula Lgia Martins

    Centro de Estudos em Administrao Pblica e Governo da Fundao Getlio Vargas CEAPG

    Me. Fabiano AnglicoMa. Tamara Ilinsky Crantschaninov

    Grupo de Pesquisa em Polticas Pblicas para o Acesso Informao da Universidade de So Paulo - GPOPAI

    Prof. Dr. Jorge Alberto Silva MachadoProfa. Dra. Gisele da Silva Craveiro

    EstagiriosAlexandre Batista Pereira

    Naiara Vilardi Victor Bastos Lima

    Clarissa Carmona

    FICHA CATALOGRFICA:

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca do Ministrio da Justia

    021.28 D441

    Desafios da transparncia no sistema de justia brasileiro / Ministrio da Justia Braslia: Secretaria de Reforma do Judicirio, 2013. 123 p. : il. (Dilogos sobre a Justia) ISBN : Pesquisa elaborada em parceria entre a Secretaria de Reforma do

    Judicirio, o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento e a Fundao Getlio Vargas do Estado de So Paulo.

    1. Acesso informao, sistema judicirio, Brasil. 2. Poltica de

    informao, sistema judicirio, Brasil. 3. Direito informao, anlise comparativa. 4. Direitos e garantias individuais, Brasil. I. Brasil. Ministrio da Justia. II. Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento. III. Fundao Getlio Vargas do Estado de So Paulo.

    CDD

    978-85-85820-49-7

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    PREFCIO

    Ao inaugurar a srie DILOGOS SO-BRE JUSTIA, a Secretaria de Reforma do Judicirio optou por publicar pesqui-sas sobre temas relevantes que possam ampliar a compreenso por amplos seg-mentos da populao sobre o Sistema de Justia no Brasil, ao mesmo tempo em que se busca discutir a melhoria do aces-so Justia como garantia de consolida-o da cidadania.

    As distintas experincias e polticas que sero objeto de anlise na presente srie tm como ponto de partida a Refor-ma do Judicirio, que atravessa o marco de seus 10 anos de existncia, e devem con-tribuir para o desenvolvimento de novos parmetros de atuao governamental no tocante aos servios jurisdicionais presta-dos aos cidados pelo Governo brasileiro. Trata-se, ento, de promover a discusso de alternativas para a implementao de aes e de polticas pblicas que aprimo-rem o trabalho do Poder Judicirio e dos demais rgos do Estado que compe o Sistema de Justia.

    Com vistas a alcanar tal objetivo, fo-ram selecionados, inicialmente, temas de pesquisa de interesse pblico, mas que at o momento haviam sido pouco explorados, como o caso dos desafios da transparn-cia no sistema de justia brasileiro.

    Alm desses, outros temas conside-rados relevantes pelo seu impacto sobre o Sistema de Justia foram selecionados

    com a finalidade de possibilitar o apro-fundamento do debate em torno do qual se consolida o desenvolvimento de pol-ticas pblicas sobre acesso a Justia, tais como: a utilizao de meios de resoluo extrajudicial de conflitos no mbito dos servios regulados por agncias governa-mentais, o impacto no sistema processual dos tratados internacionais, a atuao da advocacia popular no pas e as formas de resoluo de conflitos fundirios agrrios e urbanos.

    Todos os temas envolvem, necessaria-mente, a relao da sociedade civil com os Poderes Pblicos, e, em particular, com o Poder Judicirio e os operadores do direi-to. Dessa forma, propiciam a melhoria do desenho institucional das polticas pblicas adotado pelo Estado.

    Nesse sentido, a presente pesquisa, sob o ttulo Desafios da transparncia no sistema de Justia brasileiro aborda os conceitos de transparncia ativa e transpa-rncia passiva, a par que analisa o princpio do respeito privacidade e intimidade, in-serindo um diagnstico sobre mecanismos de transparncia e participao social no Sistema de Justia. A pesquisa aborda ain-da, temas como o direito livre expresso e informao, e, o direito intimidade e privacidade, por meio de uma abordagem dialtica que sinaliza pontos de conflito e consenso, bem como apresenta um estudo de caso comparativo sobre a situao da transparncia em seis pases.

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    Cumpre ressaltar que a srie Dilo-gos sobre a Justia fruto de uma par-ceria constituda pela Secretaria de Refor-ma do Judicirio com algumas das mais renomadas instituies de pesquisa do pas. As entidades selecionadas para par-ticipar desta primeira fase foram a Funda-o Getlio Vargas dos Estados do Rio de Janeiro e de So Paulo, o Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento, a Organizao Terra de Direitos, a Universidade do Vale dos Sinos e o Instituto Polis atuando em parceria com o Instituto Brasileiro de Di-reito Urbanstico e com o Centro de Direi-tos Econmicos e Sociais.

    Buscou-se, assim, agregar expertise e qualidade ao trabalho ora desenvolvido, na expectativa de que as ideias e reflexes aqui introduzidas aprimorem as futuras di-retrizes de atuao governamental, conse-quentemente gerando resultados concre-tos para o cidado que pleiteia, no Sistema de Justia, a efetivao de seus direitos.

    FLVIO CROCCE CAETANOSecretrio de Reforma do Judicirio

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    AGRADECIMENTOS

    A equipe gostaria de agradecer aos que contriburam com a presente pesqui-sa atravs de entrevistas e participao em eventos realizados com o intuito de angariar informaes relevantes e de ou-tras formas de apoio para a viabilizao deste estudo:

    Alberto Weichert, Alejandro Delga-do Faith, Andr Bezerra, Antonio Escrivo Filho, Aurlio Rios, Barbora Bukovska, Benjamin Worthy, Bruno Speck, Carlos Weiss, Carmen Lcia, Dalmo Dallari, Fe-lcio Pontes Jr., Fabiana Moura, Felipe Ibarra Medina, Fernando Abrucio, Flvia Xavier Annenberg, Gilmar Ferreira Men-des, Isadora Fingermann, Israel da Silva Teixeira, Janice Ascare, Joara Marchezini, Jos Henrique Rodrigues Torres, Lucia-na Mendona, Marcelo Semer, Maria Eli-sa Novaes, Maristela Basso, Marina Dias, Marco Antonio Carvalho Teixeira, Marcos Fuchs, Marlon Rios, Moiss Sanchez, Os-car Vilhena, Patrcia Lamego de Teixeira Soares, Renato Henry SantAnna, Ricar-do Bresler, Ricardo Lillo, Robert Hazell, Ronni Hebert Soares, Sandra Carvalho, Slvio Artur Dias da Silva, Toms Camar-go, Valter Assis Macedo, Vitor Marcheti e Zainah Khanbhai.

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    A presente pesquisa, realizada pelas organizaes Artigo 19, Fundao Get-lio Vargas de So Paulo e Universidade de So Paulo, buscou estudar a transparncia no sistema de Justia brasileiro. Com base em entrevistas de cunho exploratrio, an-lise bibliogrfica, consultas documentais e estudos comparativos, procurou-se definir conceitos de transparncia ativa e passiva e limites legtimos ao direito informao. Realizou-se ainda um estudo comparativo internacional (Brasil, Canad, Chile, Costa Rica, Mxico e Reino Unido) para se verifi-car mecanismos de transparncia.

    Os principais achados podem ser re-sumidos nos seguintes itens:

    O direito informao reconhecido internacionalmente como um direito humano fundamental;

    A transparncia plena vai alm da visi-bilidade, devendo incorporar a dimen-so da inferablidade (capacidade de se fazer inferncias);

    A transparncia ativa refere-se pu-blicao proativa de informaes, sem necessidade de solicitao;

    A transparncia passiva diz respeito a mecanismos e procedimentos que ga-rantem a recepo e a anlise de pe-didos de acesso informao, viabi-lizando a resposta a tais solicitaes;

    A transparncia ativa a forma mais efi-caz e econmica de promover a transpa-rncia; enquanto a transparncia passiva importante para captar demandas e orientar polticas de transparncia ativa;

    Devido a modernas ferramentas de TIC (Tecnologia de Informao e Comuni-cao), a forma mais efetiva se concre-tizar a transparncia publicar as infor-maes em formatos abertos e legveis por mquinas o que possibilita reuso e melhor anlise das informaes;

    Entre os pases selecionados, Chile e Costa Rica tm prticas de transpa-rncia ativa mais robustas do que o Brasil, do ponto de vista de contedo;

    Anlise comparativa entre 12 rgos do sistema de Justia brasileiro de-monstra que ainda h muito a se acan-ar em termos de transparncia ativa: apenas trs rgos alcanaram mais de metade da pontuao possvel

    Entre os pases selecionados, as Cortes Supremas de Chile e Brasil tm as me-lhores prticas de transparncia passiva;

    Anlise comparativa entre 12 rgos do sistema de Justia brasileiro de-monstra que ainda h muito a se acanar em termos de transparncia passiva: apenas trs deram respostas tempestivas, satisfatrias com possi-bilidade de acompanhamento a pedi-dos de informao feitos com base na Lei 12.527 de 2011;

    Limites legtimos transparncia con-centram-se em dois grandes grupos: direito privacidade e garantia de se-gurana da sociedade;

    Direitos que se quer proteger no mbito das discusses sobre transparncia pbli-ca devem ser claramente expostos em lei;

    SUMRIO EXECUTIVO

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    Lista de documentos reservados (fora do mbito do acesso pblico) deve ser publicizada e os contedos de tais do-cumentos precisam estar relacionados ao direito que se quer proteger;

    Testes de dano e de interesse pblico so mecanismos utilizados em alguns pases para se analisar a possibilidade de se dar publicidade a informaes detidas pelo Poder Pblico;

    Mecanismos de transparncia passi-va notadamente procedimentos de acesso e reavaliao e os testes citados no item anterior apresentam-se como fundamentais para a delimitao dos li-mites transparncia, pois colaboram no sentido de se pacificar entendimen-tos a partir de casos concretos;

    RECOMENDAES

    A partir dos achados registrados aci-ma e dos objetivos da presente pesquisa, segue uma lista de recomendaes ao sis-tema de Justia brasileiro:

    Definir claramente, em resolues, quais so os Direitos que se quer pro-teger no mbito das discusses sobre acesso a informaes detidas pelos r-gos do Sistema de Justia;

    Melhorar a gesto documental para defi-nir os documentos que devem ser man-tidos em sigilo, tendo como referncia os Direitos que se pretende proteger;

    Publicar a lista de documentos sigilo-sos e a justificativa legal para essa re-serva de forma a atender o artigo 30

    da Lei 12.527 de 2011, a chamada Lei de Acesso Informao (LAI);

    Aprimorar os mecanismos de transpa-rncia passiva previstos da LAI parti-cularmente no que diz respeito a pro-cedimentos de solicitao e reavaliao de forma a garantir o acesso a infor-maes e estimular o contraditrio, acelerando a pacificao de entendi-mentos acerca dos limites legtimos ao Direito Informao;

    Analisar as prticas de transparncia ativa do Judicirio e Ministrio Pblico de Chile e Costa Rica de modo a redefi-nir o escopo das polticas de publicao proativa obrigatria de informaes;

    Determinar a utilizao de formatos aber-tos para a publicao de informaes na Internet, seguindo diretrizes internacio-nais como as adotadas e disseminadas por rgos como Banco Mundial;

    Promover treinamentos para que os r-gos do sistema de Justia aprimorem, em cumprimento LAI, seus mecanis-mos de transparncia passiva nota-damente com a criao e aperfeioa-mento dos Servios de informao ao Cidado ;

    Uma vez que as anlises que tiveram como foco os rgos de atuao na-cional apontaram para fragilidades nas prticas de transparncia, recomenda--se seja realizado um estudo sobre transparncia com foco no sistema de Justia subnacional (Tribunais Regio-nais e Estaduais, Ministrios Pblicos Estaduais e Defensorias locais);

    Promover a publicao proativa de in-

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    formaes a respeito do cumprimento da Lei de Acesso a Informaes por parte dos diversos rgos do sistema de Justia, com a publicao de, no mnimo:

    Procedimentos adotados para fis-calizar o cumprimento da legislao relativa ao acesso informao;

    Programas de treinamento criados em torno da LAI e quantidade de servidores capacitados;

    Lista de atos normativos com vistas a regulamentar a LAI editados pelos rgos do Sistema de Justia

    Editar normas que obriguem o Sistema de Justia a publicar, em locais visveis de seus portais da Internet e nos espa-os fsicos dos rgos, a agenda de au-dincias, com antecedncia mnima de uma semana;

    Editar normas que determinem a publi-cao da agenda semanal das autori-dades (recomenda-se seja publicada a agenda prevista e a cumprida);

    Ao CNJ: monitorar a correta aplicao da Resoluo 170, de 2013, que versa sobre a participao em eventos;

    Ao CNMP: editar soluo similar Re-soluo 170, de 2013, do CNJ;

    Conhecer e considerar demandas j ex-ternalizadas pelo Sociedade Civil em fruns como Conferncias Temticas;

    Aumentar o dilogo com a Sociedade Civil por meio de mecanismos como a Parceria para Governo Aberto (OGP, na sigla em ingls), iniciativa multila-teral que tem como objetivo fomentar a transparncia e a participao cida-d e que tem o Brasil como um dos pases fundadores.

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    INTRODUO1. BASES CONCEITUAIS2. LEGISLAO E PRTICAS3. TRANSPARNCIA PASSIVA4. TRANSPARNCIA ATIVA5. PROPOSTAS EXISTENTES SOBRE TRANSPARNCIA NO SISTEMA DE JUSTIA6. CONCLUSES E RECOMENDAES7. BIBLIOGRAFIA8. ANEXOS

    SUMRIO

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    Este relatrio visa apresentar os re-sultados da pesquisa Desafios da trans-parncia no sistema de Justia brasilei-ro, proposta pela Secretaria da Reforma do Judicirio do Ministrio da Justia sobre conceitos de transparncia ativa e transparncia passiva e o princpio do respeito privacidade e intimidade, in-cluindo levantamento sobre mecanismos de transparncia e participao social no sistema de Justia. Este trabalho foi construdo conjuntamente por pesquisa-dores da ONG Artigo 19 Amrica do Sul, do Centro de Estudos em Administrao Pblica e Governo (CEAPG/FGV-SP) e do Grupo de Pesquisa em Polticas P-blicas para o Acesso Informao (GPO-PAI/EACH-USP).

    No primeiro relatrio, foram apresen-tadas as bases conceituais dos Direitos Hu-manos relacionados transparncia, sendo a segunda uma forma de fortalecimento dos primeiros. Tambm foram abordados o direito livre expresso e informao e o direito intimidade e privacidade bem como outros limites legtimos ao direito informao, buscando retratar pontos de conflito e consenso.

    No segundo relatrio, apresentou-se um estudo comparativo entre seis pases (Brasil, Canad, Chile, Costa Rica, Mxico e Reino Unido), visando entender a evoluo da transparncia e do acesso informao no sistema de Justia em diferentes con-textos. De maneira a aprofundar o enten-dimento do quadro brasileiro, tambm foi realizado um estudo comparativo sobre transparncia e acesso informao entre rgos do sistema de Justia do Brasil, a saber: Conselho Nacional de Justia (CNJ),

    Superior Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justia (STJ), Tribunal Supe-rior do Trabalho (TST), Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Superior Tribunal Militar (STM), Conselho Nacional do Ministrio Pblico (CNMP), Ministrio Pblico Fede-ral (MPF), Ministrio Pblico do Trabalho (MPT), Ministrio Pblico Militar (MPM) e Defensoria Pblica da Unio (DPU). Itens como acesso agenda e ao interior teor de sentenas e mecanismos de busca fo-ram comparados e avaliados atravs dos stios eletrnicos de cada rgo.

    Neste relatrio final, so apresenta-dos os resultados consolidados da pesqui-sa, que rene os contedos dos relatrios anteriores e apresenta os resultados siste-matizados em duas reas: transparncia ativa e transparncia passiva. Nas conclu-ses, apresentamos tambm recomenda-es de polticas pblicas para o aprimo-ramento da transparncia no Sistema de Justia do Brasil.

    INTRODUO

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    O devido respeito aos direitos hu-manos implica na proteo e promoo dos mais importantes valores da convi-vncia social1, comuns a todos os povos e baseados no reconhecimento da dig-nidade inerente pessoa humana como fundamento da liberdade, da justia e da paz no mundo2. Tal definio traz tona um consenso universal de que a classifi-cao pessoa humana abrange todo e qualquer indivduo, independentemente de sua raa, cor, sexo ou qualquer outra condio. Essa constatao, que pode parecer bvia ao leitor, at por encontrar apoio no artigo 1 da Declarao Universal dos Direitos Humanos (DUDH), no deixa, no entanto, transparecer o quo recente este consenso na Histria3.

    A chegada a um regime universalmen-te protetivo de direitos tidos como funda-mentais implica necessariamente na con-vergncia de dois fatores: a existncia de normas comuns/aplicveis a todas as na-es e uma unidade de valores entre os po-vos que permitisse identificar o ser humano como digno de determinados direitos. Para um mais fcil entendimento, o desenvolvi-mento de tais fatores ao longo do tempo pode ser analisado de maneira comparti-mentada, apesar de ocorrido paralelamente.

    Ao lado da autoridade da lei escrita - fundamento da sociedade poltica, ga-rantidora de igualdade de direitos entre cidados e instrumento de controle da ar-bitrariedade governamental na sociedade

    ateniense - constata-se na antiga Hlade a existncia de leis no escritas, que por seu contedo geral e absoluto no se pres-tavam a ser promulgadas no territrio ex-clusivo de uma s nao4. Esse conjunto normativo no escrito identificado por Aristteles como leis comuns, o que os romanos adotam como ius gentium, ex-presso que corresponde ao direito co-mum a todas as naes.5 No regime jurdi-co da atualidade, normas que se aplicam a todos os povos sem exceo, apesar de eventualmente encontrarem-se escritas em documentos formais assinados e ratifica-dos por Estados, so fruto de um costume universalmente aceito e observado como obrigao legal por parte da comunidade internacional. Pelos valores que represen-tam, no surpresa que grande parte da normativa relacionada a direitos humanos e ao direito internacional humanitrio se encontre nesse mbito, que tecnicamen-te identificado como direito consuetudi-nrio internacional.6 Assim, apropriado notar que alguns direitos, apesar de serem reconhecidos como inerentes a todos, po-dem no ser ainda parte do corpo consue-tudinrio do direito internacional, sendo que, se um determinado Estado no os re-conhece ativamente, seu governo no po-der ser responsabilizado perante a comu-nidade internacional. Esse fato, no entanto, no deve ser interpretado como atribuindo menor importncia ao reconhecimento de um eventual direito humano como tal, pela simples impossibilidade de sua proteo aos olhos do direito internacional pblico.

    1. BASES CONCEITUAIS

    1 Vide COMPARATO, Fabio Konder. A afirmao histrica dos direitos humanos. So Paulo: Saraiva, 1999. p. 25.2 ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS. Declarao Universal de Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 (Prembulo). G.A. res. 217A (III), U.N. Doc A/810 at 7 (1948).3Vide COMPARATO. Op. Cit. p. 11.4 Idem. ps. 12-13.5 Vide Idem. ps. 13-14.6 Exemplos so a DUDH Op. Cit. nota supra n 2 - e as Convenes de Genebra sobre a Proteo de Vtimas de Conflitos Blicos de 1949. Doc. n. 75 UNTS 31. Vide CASSESSE, Antonio. International Law. Oxford University Press, 2005; e DOSWALD-BECK, Louise e outros. Customary International Humanitarian Law, V. 1. Cambridge-USA, 2005.

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    Analisados en passant a origem e o atual regime de normas comum a todos os povos, resta fazer uma breve expla-nao em relao ao surgimento de uma unidade de valores que identifica o ser humano como portador de direitos fun-damentais. a partir do perodo identi-ficado por Jaspers como axial, entre os sculos VIII e II A.C., que todos os seres humanos passam a ser encarados como iguais7. Ao distanciar-se do campo reli-gioso, o fundamento para tal viso encon-tra bases no direito natural, viso na qual se pauta a filosofia estoica e aprofundada pela teologia de Bocio e Toms de Aqui-no8. Todas as pessoas passam dessa for-ma a serem consideradas iguais e dignas de direitos, no porque assim determi-nava uma crena, mas por fazerem parte da espcie humana. Esse valor transcen-dente do ser humano apenas por exis-tir como tal enfatizado por Kant, que aponta para a dignidade da pessoa hu-mana como um fim em si9. Desde ento, destaca-se o valor intrnseco que possui o ser humano, apontando-se para sua subs-tncia, suas valoraes e sua individuali-dade como caractersticas que o tornam singular e o protegem como detentor de direitos inerentes e inalienveis em razo de sua simples existncia. com base em tais concepes que se testemunhou, por exemplo, a adoo da Declarao dos Direitos da Virgnia e a Declarao de Independncia dos Estados Unidos da Amrica, ambas de 1776; e a Declarao de Direitos do Homem e do Cidado de 1789 documentos que marcam o incio do reconhecimento por Estados do que se entende por direitos humanos. Esse re-conhecimento internacionalizado com o passar do tempo e culmina, aos 10 de

    dezembro de 1948, na adoo da DUDH por unanimidade, na Assembleia Geral da organizao interestatal mais representa-tiva da histria da humanidade.

    importante notar que a criao da Organizao das Naes Unidas (ONU) no diretamente direcionada proteo dos direitos abrigados pelo instrumento supramencionado. Aps a m sucedida ex-perincia da Liga das Naes e com o tr-mino de uma Guerra Mundial que causou peculiar aflio em razo das atrocidades cometidas, surge uma organizao interes-tatal internacional que por determinao de sua carta constitutiva voltada para a manuteno da paz e da segurana mun-dial. A vocao da ONU para evitar ou res-ponder coletivamente a conflitos, tendo os direitos humanos como uma preocupao legtima, porm tangencial, torna-se not-ria at mesmo pela linguagem que seu ins-trumento constitutivo adota: enquanto di-reitos humanos so mencionados apenas 6 (seis) vezes, as palavras paz e segu-rana so mencionadas respectivamente 47 (quarenta e sete) e 143 (cento e quaren-ta e trs) vezes.10

    Os objetivos primrios da organiza-o, no entanto, levam-nos a perceber a importncia que deveria ser dada ao res-peito aos direitos humanos, posto que este reconhecidamente necessrio para a manuteno da paz mundial11. Assim, trs anos mais tarde logra-se chegar a um acordo sobre a adoo do instrumen-to balizador para o regime internacional dos direitos humanos. A DUDH hoje o instrumento basilar do regime de direitos humanos vigente em todo o mundo. Ape-sar de ter sido adotada como uma decla-

    7 Karl Jaspers citado por COMPARATO. Op. Cit. ps. 8-11.8 Vide idem. ps. 14-19.9 Idem. p. 21.10 Vide Carta das Naes Unidas de 26 de junho de 1945. Doc. n. 1 UNTS XVI.11 Vide nota supra n 2.

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    12 Vide explicao de nota supra n 6. Nesse mesmo sentido, vide Filartiga v. Pena-Irala, 630 F. 2d 876 (1980) (Circuito do Tribunal de Apelaes dos EUA, segundo circuito).13 Vide, e.g., lista de tratados da ONU e da Organizao dos Estados Americanos, disponveis respectivamente em: http://treaties.un.org/Pages/Treaties.aspx?id=4&subid=A&lang=en e http://www.oas.org/dil/treaties_subject.htm.14 Vide ARTICLE 19, CHRI, CPA, HRCP. Global Trends on the Right to Information: a Survey of South Asia. July 2001. p. 39

    rao delineadora de princpios, grande parte de seus artigos so, na atualidade, considerados como vinculantes, posto que a prtica reiterada dos Estados aliada sua respectiva opinio juris os d o status de norma consuetudinria12.

    Juntamente com o Pacto Internacio-nal de Direitos Civis e Polticos de 1966 e o Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econmicos e Culturais do mesmo ano, a Declarao compe a chamada Interna-tional Bill of Rights o conjunto de docu-mentos internacionais que formam a base referencial da legislao internacional no mbito dos direitos humanos.

    Esse regime legal internacional en-contra-se complementado por regimes regionais de direitos humanos um apli-cvel ao continente europeu, outro ao africano e outro aplicvel ao continente americano. Em relao a este ltimo, des-tacam-se como documentos referenciais a Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 e a Conven-o Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San Jos da Costa Rica).

    importante notar que a partir dos instrumentos legais supra e outros tantos que os complementam13, surge um amplo rol de declaraes, princpios e decises por parte de rgos observadores de cumprimento de tratados que so inter-nacionalmente reconhecidos como soft law. Assim, so instrumentos quasi-legais que podem no gerar uma obrigao de cumprimento robusto por parte dos Esta-dos, mas que devem ser levados em con-siderao em respeito ao princpio legal internacional da boa-f.

    No mbito nacional a Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 presta-se a chancelar e internalizar o re-gime jurdico internacional de direitos hu-manos. So inmeros os artigos da Carta Magna direcionados a determinar o res-peito, a proteo e a promoo dos direi-tos humanos por parte do Estado, que as-sim visa cumprir com seus compromissos levados a cabo na esfera internacional. A legislao ptria infraconstitucional, por sua vez, busca a regulamentao dos pre-ceitos fundamentais estabelecidos pela Constituio Cidad, sendo que, no quan-to incompatvel com a determinao na norma maior, essa legislao pode e deve ser repelida do sistema legal brasileiro.

    1.1. O DIREITO LIBERDADE DE EXPRESSO E INFORMAO

    O direito liberdade de informao, decorrncia lgica e necessria para o efetivo exerccio do direito liberdade de expresso, hoje amplamente reconheci-do pela comunidade internacional como direito humano fundamental14.

    Seu amplo reconhecimento retra-tado pela grande quantidade de pases ao redor do mundo que adotaram legislao garantindo e regulamentando o direito de acesso informao de posse de rgos pblicos pela sociedade. Mais de 90 Es-tados possuem normas constitucionais e/ou infraconstitucionais que garantem e promovem tal direito15. Embora a primeira lei que reconhece e disciplina o direito informao tenha sido adotada em 176616, somente a partir das recentes dcadas de 1980 e 1990 se inicia um perceptvel mo-vimento por parte de pases de todos os

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    continentes para a adoo de um regime legal que o respeite, proteja e promova17. Essa tendncia em se adotarem normas legais referentes ao acesso informao consequncia do crescente reconhecimen-to desse direito como um direito humano fundamental. Tal viso vem sendo refora-da continuamente por rgos de autorida-de internacional, como a Organizao das Naes Unidas (ONU), a Organizao dos Estados Americanos (OEA), o Conselho Europeu (CoE) e a Unio Africana (UA)18 . O resultado desse contnuo reconhecimento tambm espelhado nas polticas institu-cionais de agncias intergovernamentais19 e da maioria das instituies financeiras in-ternacionais, como o Banco Mundial e ban-cos de desenvolvimento regional20.

    importante notar que essa consta-tao de ser o direito de acesso infor-mao um direito humano fundamental (o qual os Estados possuem obrigao legal de respeitar) decorre da anlise de artigos que visam proteo do direito liberdade de expresso em tratados in-ternacionais. fato que j em sua primeira Assembleia Geral, mediante a adoo da resoluo n 59(1), a ONU declarou que o acesso informao um direito funda-mental e pedra de toque de todas as liber-dades s quais se dedica a organizao. No entanto, no foi atribudo a esse direito

    um artigo prprio e independente nos tra-tados internacionais de direitos humanos. Porm, j em 1985 a Corte Interamerica-na de Direitos Humanos (CtIDH), em sua Opinio Consultiva sobre a colegiatura obrigatria de jornalistas21, apontava para a decorrncia lgica de ser o acesso in-formao um direito humano de necess-ria proteo para que o direito liberdade de expresso fosse devidamente exercido. Assim, o artigo 13(1) da Conveno Ame-ricana de Direitos Humanos22 foi interpre-tado como possuindo dois aspectos: um relacionado ao direito individual que toda pessoa tem de expressar-se de forma li-vre sem qualquer impedimento; e outro relacionado ao direito coletivo de receber qualquer tipo de informao23. Ressaltan-do os motivos dessa interpretao, a corte esclareceu que para o cidado mdio, to importante quanto o direito de expressar sua prpria opinio o direito de saber a opinio de outros ou de ter acesso a infor-maes em geral, sendo que uma socieda-de mal informada no poderia ser consi-derada verdadeiramente livre.24

    A partir do posicionamento supra-citado, o entendimento de que o direito de acesso informao decorre lgica e diretamente do direito liberdade de expresso foi confirmado em diversas oportunidades. Nesse sentido, merecem

    15 Vide ARTICLE 19. Freedom of Information. Disponvel em: http://www.article19.org/pages/en/freedom-of-information-more.html. ltimo acesso em 13/09/2012.16 Vide Artigo 1 do captulo 2 do Instrumento de Governo da Sucia e Lei de Liberdade de Imprensa, ambos documentos constitutivos da Constituio do pas escandinavo. Para uma anlise pormenorizada dessa legislao, veja MANDEL, Toby. Liberdade de informao: um estudo de direito comparado. UNESCO, 2009, pp. 109 e seguintes.17 Vide Global Trends on the Right to Information: a Survey of South Asia. Op. Cit., Nota supra n 14, pp. 28-29.18 Assembleia Geral da ONU 1a sesso, resoluo n. 59(1). Convocao de Conferncia Internacional para a Liberdade de Informao. 14 de dezembro de 1946. Disponvel em http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/033/10/IMG/NR003310.pdf?OpenElement.19 Vide, por exemplo, norma de maio de 2001 sobre acesso a documentos do Parlamento, Conselho e Comisso europeus; e ordem executiva 12-02 de 03 de maio de 2012 que estabelece a poltica de acesso s informaes mantidas pela OEA.20 Vide Freedom of Information. Op. Cit., Nota supra n 15.21 Vide Compulsory Membership in an Association Prescribed by Law for the Practice of Journalism, Advisory Opinion OC-5/85, 13 November 1985.22 Toda pessoa tem o direito liberdade de pensamento e de expresso. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informaes e ideias de qualquer natureza, sem consideraes de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artstica, ou por qualquer meio de sua escolha. Conveno Americana de Direitos Humanos (1969) (Pacto de San Jos da Costa Rica) http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm23 Idem. Pargrafo 30.24 Idem. Pargrafos 32 e 70.

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    destaque a Declarao de Chapultepec de 199425; os relatrios de 1995 e 1998 do Relator Especial para a Proteo e Pro-moo da Liberdade de Expresso e Opi-nio da ONU26; a declarao conjunta de 1999 dos relatores especiais dedicados ao tema de liberdade de expresso da ONU, OSCE e OEA27; e a declarao interameri-cana de princpios sobre liberdade de ex-presso adotada em 2000 pela Comisso Interamericana de Direitos Humanos28.

    Em 2004, mediante a adoo da Declarao de Nuevo Len pelos che-fes de Estado das Amricas, fortalece-se ainda mais esse entendimento e clama--se pela adoo de uma legislao que garanta o direito de acesso informao por parte de todos os pases do conti-nente29. A partir da sentena da CtIDH no caso Claude Reyes e outros Vs. Chi-le em 2006, determina-se que a adoo de um regime legal que efetive o direito de acesso a informao mais uma vez afirmado como decorrncia do direito liberdade de expresso - obrigao le-gal de todo Estado que se submeta ao

    Pacto de San Jos da Costa Rica30,31.

    Atravs da deciso do caso supra, e pautando-se em prvias decises, a CtIDH deixa claro que o direito de buscar e re-ceber informaes protege o direito que possuem todos de obter informaes em poder do Estado32. Fica claro que a nica possibilidade em recusar-se o fornecimen-to de informaes na eventualidade de que tal exceo seja prevista por lei na-cional, esteja de acordo com os propsitos da Conveno Americana de Direitos Hu-manos - ou seja, que se adapte s nicas possibilidades de restries constantes no artigo 13(2) do instrumento33 - e que a recusa seja necessria em uma sociedade democrtica34. importante notar que tal determinao conforma-se perfeitamente com os princpios relacionados a legisla-es que tratam do direito de liberdade de informao endossados pelos Relato-res Especiais da ONU e OEA35. Por serem baseados em melhores prticas observa-das, em padres e legislaes - nacionais e internacionais - de valor reconhecido, pertinente que sejam mantidos em mente,

    25 Declarao de Chapultepec, adotada pela Conferncia Hemisfrica sobre Liberdade de Expresso realizada em Chapultepec, Mxico, D.F., no dia 11 de maro de 1994. Disponvel em. ltimo acesso em 13/09/2012. http://www.declaraciondechapultepec.org/v2/portugues/declaracion.asp26 Vide Relatrios do Relator Especial para a Proteo e Promoo da Liberdade de Expresso e Opinio da ONU. (i) Report of the Special Rapporteur on the nature and scope of the right to freedom of opinion and expression, and restrictions and limitations to the right to freedom of expression. Doc. Da ONU E/CN.4/1995/32, de 14 de dezembro de 1994. (ii) Report of the Special Rapporteur on the right to seek and receive information, the media in countries of transition and in elections, the impact of new information technologies, national security, and women and freedom of expression. Doc. Da ONU E/CN.4/1998/40, de 28 de janeiro de 1998.27 Londres. 26 de novembro de 1999.28 Comisso Interamericana de Direitos Humanos. Declarao de princpios sobre liberdade de expresso, 16-27 de outubro de 2000. http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.Convencao.Libertade.de.Expressao.htm29 Vide Declarao de Nuevo Len. Mxico, 13 de janeiro de 2004. Disponvel em http://www.oas.org/xxxivga/portug/reference_docs/CumbreAmericasMexico_DeclaracionLeon.pdf. ltimo acesso em 14/09/2012. Nesse mesmo sentido, mas restritos a seus respectivos campos, veja os artigos 10 e 13 da Conveno da ONU Contra a Corrupo, de 31 de outubro de 2003, Doc. Da ONU A/58/422, Disponvel em: http://www.unhcr.org/refworld/docid/4374b9524.html, o princpio n. 10 da Declarao do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, e o artigo 4 da Carta Democrtica Interamericana de 2001.30 Conveno Americana de DDHH.31 Claude Reyes e outros Vs. Chile, pargrafos 75-103.32 Vide idem. Os casos mencionados pela CtIDH em sua sentena so: Corte I.D.H., Caso Lpez lvarez Vs. Honduras. Sentencia de 1 de febrero de 2006. Serie C No. 141; Corte I.D.H., Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Sentencia de 2 de julio de 2004. Serie C No. 107; e Corte I.D.H., Caso Lpez lvarez Vs. Honduras. Sentencia de 1 de febrero de 2006. Serie C No. 141, prr. 77; y Corte I.D.H., Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Sentencia de 2 de julio de 2004. Serie C No. 107, prr. 108.33 O artigo 13(2) da conveno permite a imposio de restries quando necessrias para que se assegure a proteo da segurana nacional, da ordem pblica, ou da sade ou da moral pblicas e o respeito dos direitos e da reputao das demais pessoas.34 Vide Claude Reyes Vs. Chile. Pargrafos 89-91.35 Vide Publics Right to Know: Principles on Freedom of Information Legislation. Article 19. 1999. Acessvel em portugus no stio: http://www.article19.org/data/files/pdfs/standards/public-right-to-know-portuguese.pdf. Acesso em 14/09/2012.

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    seja em uma deciso judicial, seja ao con-siderar-se a adoo ou reforma de normas que tratem de acesso a informaes. Sua utilidade para a adoo da Lei Modelo In-teramericana sobre Acesso Informao Pblica incontestvel36.

    interessante notar que atravs da deciso supramencionada da CtIDH, o sis-tema interamericano tornou-se o primeiro a reconhecer atravs de uma deciso judicial o direito que a sociedade tem de obter in-formaes em poder de Estados em razo do direito que todos possuem liberdade de expresso. Por vezes, a Corte Europeia de Direitos Humanos concluiu que do di-reito liberdade de expresso como pre-visto pela Conveno Europeia de Direitos Humanos (CEDH) no decorre o direito de acesso a informaes pblicas37. Isso por-que o artigo 10 da CEDH no prev o direi-to de procurar informaes, previsto no s no artigo 13 da CADH como tambm no artigo 19 da DUDH e no artigo de mesmo nmero do Pacto Internacional sobre Direi-tos Civis e Polticos38. Enquanto o sistema europeu parece vir modificando seu posi-cionamento para unir o direito de acesso a uma interpretao expansiva do direito liberdade de expresso39, o sistema inte-ramericano parece se adiantar ainda mais, decidindo por enquanto de acordo com os princpios supramencionados40 - casos

    nos quais se alega uma coliso entre a se-gurana de Estado e o direito de acesso informao em poder de rgos pblicos41.

    A importncia dessa avanada pro-teo a esse direito no pode ser subes-timada. O direito de acesso informao pblica no pode ser tratado apenas como um fim em si mesmo. Sua utilidade instru-mental amplamente reconhecida42. um direito considerado fundamental para o controle cidado do funcionamento do Estado da gesto pblica principalmen-te para o controle da corrupo (...)43. somente mediante o acesso a informaes que se pode participar efetiva e conscien-temente de discusses que visam definir polticas pblicas, tornando-se maior a possibilidade de efetiva proteo/realiza-o de outros direitos humanos, especial-mente para grupos mais vulnerveis44.

    Em razo desta incontestvel impor-tncia que possui o direito de acesso informao, o regime constitucional bra-sileiro acertadamente o define como di-reito fundamental. No mbito nacional, os ditames legais que tratam do regime de acesso a informaes em poder de rgos pblicos decorrem dos artigos 5, inciso XXXIII, 37 e 216 da Constituio Federal de 198845. A partir desses artigos, uma srie de legislaes infraconstitucionais ado-

    36 Vide Model Inter-American Law on Access to Public Information, 8 de junho de 2010. Doc. AG/RES. 2607 (XL-0/10).37 Vide Leander v. Sweden, 36, Application No 9248/81, Judgement of 26 March 1987; Gaskin v. the United Kingdom 37 Application No 10454/83, Judgement of 07 July 1989 and Guerra and others v. Italy Application No 14967/89, Judgement of 19 February 1998.38 importante ressaltar que, embora o direito liberdade de informao no seja considerado como garantido pela CtEDH como decorrncia do direito liberdade de expresso, em casos concretos ela o garante mediante a proteo de outros direitos constantes da CEDH. Assim, o direito de acesso informaes de interesse pblico j foi garantido para que se desse a devida proteo, por exemplo, ao direito vida privada e/ou familiar. Vide MENDEL, Toby. Liberdade de informao: um estudo de direito comparado. 2. Ed., Braslia. UNESCO, 2009, p. 17.39 Idem, p. 18.40 Vide Publics Right to Know: Principles on Freedom of Information Legislation. Op. Cit. Nota supra n 34.41 Vide Gomes Lund e outros Vs. Brasil e, futuramente, Gudiel lvarez e outros vs. Guatemala.42 Vide, por exemplo, AG/RES. 2514 (XXXIX-O/09) ACCESO A LA INFORMACIN PBLICA: FORTALECIMIENTO DE LA DEMOCRACIA.43 Vide El Derecho de Acceso a la Informacin en el Marco Jurdico Interamericano 2010 - Relatoria Especial para la Libertad de Expresin Comisin Interamericana de Derechos Humanos. p. 2.44 Idem. Veja, por exemplo, Amicus Curiae referente ao caso Pueblo Indgena de Sarayaku Vs. Ecuador apresentado pela Alianza por la Libre Expresin e Informacin perante a CtIDH. Disponvel em: . ltimo acesso em 13/09/2012.45 Em relao ao direito liberdade de expresso, h que considerar-se tambm o captulo V do texto constitucional.

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    tada para que seja efetivado o direito de acesso informao. Dentre elas esto a Lei de Responsabilidade Fiscal de 200046, a Lei Capiberibe de 200947 e a Lei de Aces-so a Informaes Pblicas de 201148.

    A recm-adotada Lei de Acesso a In-formaes Pblicas fruto de um longo debate ocorrido no Congresso Nacional, do qual a sociedade civil participou ativamen-te com o intuito de que fossem seguidas as melhores prticas e princpios acima referi-dos49. O resultado foi a adoo de uma lei que parece atender aos maiores anseios da sociedade brasileira, tornando a transpa-rncia a regra e o sigilo a exceo50. No tex-to da lei, alguns dos princpios transcritos abaixo como o da mxima divulgao, da publicao de forma proativa, da promo-o de transparncia pblica e do regime restrito de excees, foram seguidos em maior ou menor medida51. Sua devida apli-cao, no entanto, ainda deve ser analisada com o passar do tempo.

    1.1. Princpios sobre a legislao de liber-dade de informao

    Em 1999, a organizao Artigo 19 preparou e publicou um grupo de princ-pios com o objetivo de estabelecer cla-ra e precisamente as formas pelas quais os governos podem alcanar a abertura mxima das informaes oficiais, de acor-do com os melhores critrios e prticas

    internacionais. Os princpios foram base-ados nas normas e em padres interna-cionais e regionais, nas prticas estatais em desenvolvimento (legislao nacional e jurisprudncia de tribunais nacionais) e nos princpios gerais de direito reconhe-cidos pela comunidade das naes. So o produto de um extenso processo de es-tudo, anlise e consultas sob a facilitao da Artigo 19 e utilizando a vasta experin-cia e trabalho realizado por organizaes parceiras em diversos pases.

    1.1.1. Princpio 1: Mxima divulgao

    Legislao sobre liberdade de infor-mao deve ser orientada pelo princpio de mxima divulgao

    O princpio de mxima divulgao52

    estabelece a suposio de que toda a infor-mao mantida por organismos pblicos dever ser sujeita a divulgao, e de que tal suposio s dever ser superada em cir-cunstncias muito limitadas (ver o Princ-pio 4). O Princpio 1 encerra a base racional mais importante e que fundamenta o pr-prio conceito de liberdade de informao que - numa forma ideal - deveria ser salva-guardada na constituio para estabelecer claramente que o acesso informao ofi-cial um direito bsico. O objetivo primor-dial da legislao seria ento o de aplicar a mxima divulgao na prtica.

    Os organismos pblicos tm obriga-o de divulgar informao assim como

    46 Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm47 Lei Complementar n. 131, de 27 de maio de 2009. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp131.htm48 Lei Federal n. 12.527/11. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm49 Para um esclarecimento sobre essas discusses, vide Informao um direito seu. Disponvel em . ltimo acesso em 13/09/2012.50 Vide artigo 3 da lei 12.527/11. Nota supra n 33.51 Diz-se em maior ou menor medida, posto que, em relao ao princpio de regime restrito de excees, por exemplo, a lei brasileira no estabelece a realizao de um teste de dano quando uma informao requisitada seja de interesse pblico e ao mesmo tempo se encaixe em uma das excees legais mediante as quais seu acesso pode ser negado. Deve-se notar que tal teste de dano (tambm conhecido como teste de trs fases) padro internacional reconhecido e homologado pela jurisprudncia internacional e, por tanto, deve ser aplicado tambm em relao ao regime de acesso informao brasileiro. 52 Publics Right to Know: Principles on Freedom of Information Legislation. Op. Cit. Nota supra n 21.

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    todo o cidado tem o direito correspon-dente de receber informao. Todas as pes-soas presentes no territrio nacional de um pas devem beneficiar de tal direito. A uti-lizao de tal direito no subentende que as pessoas devam demonstrar interesse especfico na informao. Quando uma au-toridade pblica pretende negar o acesso informao, deve ter a responsabilidade de justificar a recusa em cada fase do proces-so. Por outras palavras, a autoridade pbli-ca deve demonstrar que a informao, cuja divulgao pretende impedir, encontra-se abrangida pelo mbito do limitado grupo de excees, como adiante detalhado.

    Definies

    Tanto informao como organis-mos pblicos devem ser definidos de forma mais vasta.

    A Informao inclui todos os regis-tros mantidos por um organismo pblico, independentemente da forma como a in-formao arquivada (em documentos, fita, gravao eletrnica, etc.), a sua fonte (se foi produzida pelo organismo pblico ou por qualquer outro rgo) e a data da sua produo. A legislao deveria abran-ger ainda os documentos classificados, su-jeitando estes ao mesmo teste que todos os outros registros.

    Com o fim de divulgao de informa-o, a definio de organismo pblico deve basear-se no tipo de servios presta-dos em vez de designaes formais. Com este objetivo, deve abranger todas as reas e nveis de governo, incluindo o governo lo-cal, rgos eleitos, rgos que operam sob mandato estatutrio, indstrias nacionaliza-das e corporaes pblicas, organismos no departamentais ou quangos (sigla inglesa

    para quasi non governmental organisa-tions organizaes semi governamentais ou quase no governamentais), organis-mos judiciais e organismos privados que desempenham funes pblicas (como, por exemplo, de manuteno de estradas ou de operao de linhas frreas). Os prprios or-ganismos privados deveriam ser tambm includos, se guardarem informao cuja di-vulgao poder diminuir o risco de danos a interesses pblicos de primordial importn-cia como o ambiente e sade. Organizaes intergovernamentais devem ser tambm sujeitas aos regulamentos de liberdade de informao baseados nos princpios apre-sentados neste documento.

    Destruio de registros

    Para proteger a integridade e disponi-bilidade de registros, a lei deveria estipular que a obstruo de acesso a registros ou a sua destruio consciente um crime. A lei deveria ainda prever normas mnimas em relao manuteno e preservao dos registros dos organismos pblicos. Tais r-gos deveriam ter a obrigao de atribuir recursos e ateno suficientes para garan-tir que os arquivos da documentao sejam adequados. Para alm disso, para evitar qualquer tentativa de alterar ou falsificar os documentos, a obrigao de divulga-o deveria ser aplicada aos documentos e registros e no somente informao que eles contm.

    1.1.2. Princpio 2: Obrigao de Publicar

    Os organismos pblicos deveriam estar sob a obrigao de publicar infor-mao considerada essencial.

    A liberdade de informao implica no s que os organismos pblicos con-

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    cordem com a pesquisa de informao, como eles prprios publiquem e propa-guem o mais possvel os documentos de interesse pblico significativo, sujeito apenas a limites razoveis baseados em recursos e capacidade. Qual informao deve ser publicada depender do orga-nismo pblico em causa. A legislao deveria estabelecer tanto a obrigao geral de publicar como as categorias essenciais de informao que deve ser publicada.

    Organismos pblicos deveriam, no mnimo, ter a obrigao de publicar as seguintes categorias de informao:

    Informao operacional sobre como o organismo pblico opera, incluindo custos, objetivos, contas j verificadas por peritos, normas, empreendimen-tos realizados, etc., particularmente nas reas onde o organismo presta servios diretos ao pblico;

    Informaes sobre quaisquer solicita-es, queixas ou outras aes diretas que o cidado possa levar a cabo con-tra o organismo pblico;

    Orientaes sobre processos atravs dos quais o cidado possa prestar a sua contribuio, com sugestes para impor-tantes propostas polticas ou legislativas;

    O tipo de informao que guardada pelo organismo e como mantida esta informao; e

    O contedo de qualquer deciso ou pol-tica que afete o pblico, juntamente com as razes que motivaram a deciso bem como o material relevante de anlise que serviu de apoio deciso.

    1.1.3. Princpio 3: Promoo de go-verno aberto

    Organismos pblicos devem pro-mover ativamente um governo aberto

    Informar o pblico sobre os seus di-reitos e promover uma cultura de aber-tura no seio do governo, so aspectos essenciais para que a finalidade da legis-lao sobre a liberdade de informao seja alcanada. Na realidade, a experin-cia em vrios pases demonstra que um servio pblico indisciplinado pode pre-judicar gravemente a mais progressiva das legislaes. As atividades de promo-o so, por isso, um componente essen-cial de um regulamento de liberdade de informao. Trata-se de uma rea onde as vrias atividades especficas variam de pas para pas, dependendo de fatores como a forma de organizao dos servi-os pblicos, os obstculos mais impor-tantes levantados contra a livre divulga-o de informao, nveis de instruo e grau de conscientizao do cidado. A lei deveria exigir que os recursos e ateno adequados sejam devotados questo da promoo dos objetivos e finalidades da legislao.

    Educao Pblica

    No mnimo, a lei deveria providenciar no sentido de se educar o cidado e disse-minar os elementos relacionados com o di-reito de acesso informao, o alcance da informao ao dispor e a forma como tais direitos podem ser exercidos. Nos pases onde os nveis de distribuio de jornais e de instruo so baixos, a comunicao social via rdio/ televiso um veculo de

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    importncia vital para tal disseminao e educao. Alternativas criativas, como reunies cvicas e unidades mveis de ci-nema, deviam ser exploradas. Tais ativi-dades deveriam ser levadas a cabo tanto por organismos pblicos individualmente, como por um rgo oficial pblico espe-cialmente designado e adequadamente fi-nanciado - seja ele o que rev os pedidos de informao ou outro rgo que tenha sido criado especialmente para o efeito.

    Contrariar a cultura de segredo oficial

    A lei deveria providenciar no sentido de serem criados vrios mecanismos para resolver o problema da cultura de segredo dentro do governo. Tal legislao deveria incluir um requisito para que os organismos pblicos ministrassem cursos aos seus fun-cionrios sobre a liberdade de informao. Tais cursos deveriam versar, entre outros aspectos, questes sobre a importncia e alcance da liberdade de informao, meca-nismos de atuao para se ter acesso in-formao, como manter e consultar eficien-temente os arquivos, o mbito da proteo do denunciante e que tipo de informao se exige que os organismos publiquem.

    O organismo oficial responsvel pela educao pblica deveria tambm desem-penhar um papel relevante na promoo da abertura no seio do governo. Outras ini-ciativas poderiam incluir incentivos para os organismos pblicos que cumpram devida-mente este objetivo, campanhas para de-bater problemas de segredo e campanhas de comunicao encorajando organismos que esto a melhorar a sua atuao, criti-cando os que continuam com uma poltica de segredo excessivo. Outra possibilidade a apresentao de um relatrio anual ao Parlamento e/ ou rgos Parlamentares

    sobre os obstculos que no tivessem sido ainda removidos e os objetivos alcana-dos e realizados, podendo ainda incluir as vrias medidas tomadas para aumentar o acesso do pblico informao, os obst-culos j identificados que ainda dificultem a livre circulao de informao e as medi-das a serem tomadas no ano seguinte.

    Os organismos pblicos deveriam ser encorajados a adotar cdigos inter-nos sobre o acesso e abertura.

    1.1.4. Princpio 4: mbito limitado de excees

    As excees deveriam ser clara e ri-gorosamente traadas e sujeitas a provas austeras de dano e interesse pblico.

    Todas as solicitaes individuais de informao a organismos pblicos deve-riam ser atendidas, a no ser que o orga-nismo pblico possa demonstrar que a in-formao seja considerada no mbito do regime limitado de excees. A recusa de divulgar a informao no ser justificada a no ser que a autoridade pblica possa de-monstrar que a informao se encontra no mbito determinado por um rigoroso teste de trs princpios.

    O teste de trs princpios

    A informao deve relacionar-se com um dos objetivos legtimos listados na lei.

    A divulgao dever ameaar causar graves prejuzos a tal objetivo; e

    O prejuzo ao objetivo em questo deve ser maior do que o interesse p-blico informao especfica.

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    Nenhum organismo pblico deve ser totalmente excludo do mbito da lei, mesmo que a maioria das suas funes se encontre na zona de excees. Isto se apli-ca a todas as reas de governo (ou seja, as reas executiva, legislativo e judicial) bem como funes de governo (incluin-do, por exemplo, funes de segurana e organismos de defesa). A no divulgao da informao deve ser justificada numa base de caso a caso.

    As restries com o objetivo de pro-teger os governos de situaes de emba-rao ou de ilegalidades, nunca podero ser justificadas.

    Objetivos legtimos justificando ex-cees

    Uma lista completa de objetivos leg-timos que possa justificar a no divulgao deveria ser estipulada por lei. Tal lista de-veria apenas incluir interesses que consti-tussem bases legtimas para a recusa de divulgao de documentos e deveria ser limitada a questes de cumprimento e exe-cuo da lei, privacidade, segurana nacio-nal, aspectos comerciais e outros confiden-ciais, segurana pblica ou individual e a eficincia e integridade dos processos de tomada de deciso do governo.

    As excees deveriam ser rigoro-samente traadas evitando assim incluir material que no prejudique os interesses legtimos. Tais excees deveriam ser ba-seadas no contedo em vez de no tipo de documento. Para satisfazer tal padro, as excees, quando fossem relevantes, de-veriam ter um perodo limite. Por exem-plo, a justificao para classificar deter-minada informao na base da segurana nacional poder deixar de ser relevante

    depois de ter diminudo a ameaa espec-fica segurana nacional.

    As recusas devem ser sujeitas a um teste de dano rigoroso

    No suficiente que a informao caia simplesmente no mbito de um objetivo legtimo listado na legislao. O organismo pblico deve tambm de-monstrar que a divulgao da informa-o causaria prejuzo substancial a tal objetivo legtimo. Em alguns casos at a divulgao poder beneficiar e ao mes-mo tempo prejudicar o objetivo. Por exemplo, a exposio de corrupo na rea militar pode, primeira vista, pare-cer enfraquecer a defesa nacional, mas, na verdade e com o decorrer do tempo, auxiliar a eliminar a corrupo e forta-lecer as foras armadas. Para que a no divulgao seja legtima nestes casos, o efeito final dessa divulgao deve ser o de causar um prejuzo substancial ao ob-jetivo em causa.

    Superar o interesse pblico

    Mesmo que seja possvel demons-trar que a divulgao da informao iria causar prejuzos substanciais a um ob-jetivo legtimo, a informao deveria ser publicada se os benefcios dessa divulga-o fossem superiores aos prejuzos. Por exemplo, certa informao poder ser de natureza privada, mas ao mesmo tempo poder expor corrupo de alto nvel no seio do governo. Os danos ao objetivo le-gtimo devem ser analisados frente ao in-teresse pblico de que a informao seja divulgada. Quando esse interesse se so-brepuser aos danos, prejuzos ou injria, a lei deveria estipular a favor da divulgao da informao.

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    1.1.5. Princpio 5: Processos para fa-cilitar o acesso

    As solicitaes de informao deve-riam ser processadas rapidamente e com imparcialidade e uma reviso indepen-dente de quaisquer recusas deveria estar disposio das partes.

    Um processo para a deciso sobre qualquer solicitao de informao deve-ria ser especfica a trs nveis diferentes: no seio do organismo pblico; apelos a um organismo administrativo indepen-dente: e apelos aos tribunais. Sempre que necessrio, deveriam ser tambm toma-das providncias para que se garantisse a certos grupos poderem ter acesso in-formao, como por exemplo, as pessoas que no sabem ler nem escrever, as que no falam a lngua usada nos documentos ou as que sofrem de incapacidade fsica, como a cegueira.

    Deveria ser estipulado que todos os organismos pblicos utilizassem sistemas internos abertos e acessveis para garan-tir o direito do cidado informao. De uma forma geral, os organismos deveriam designar o funcionrio para processar as solicitaes de informao e ainda ga-rantir que os termos da lei fossem cum-pridos. Os organismos pblicos deveriam tambm ser incumbidos de ajudar os re-querentes cujas solicitaes se referis-sem a informaes publicadas incluindo o fato de estas no terem sido explcitas, ou tivessem sido excessivamente vagas, ou ainda que necessitassem de reformu-lao. Por outro lado, os organismos p-blicos deveriam ter a possibilidade de re-cusar solicitaes consideradas fteis ou vexatrias. Os organismos pblicos no deveriam ser obrigados a prestar infor-

    maes que estivessem contidas em pu-blicaes a indivduos, mas, nesses casos, o organismo deveria indicar ao requeren-te qual a publicao em causa.

    A lei deveria ainda estipular prazos curtos para o processamento das solici-taes e tambm que quaisquer recusas deveriam ser acompanhadas por razes substantivas por escrito.

    Recursos

    Sempre que realizvel, deveriam ser tomadas providncias para um sistema de recursos internos a uma autoridade superior designada, dentro da autoridade pblica, para fazer a reviso da deciso original.

    Em todos os casos, a lei deveria esti-pular o direito de recurso do indivduo a um organismo administrativo independente quando um dos organismos pblicos se re-cusasse a divulgar informao. Isto poderia ser da responsabilidade de um organismo pblico j existente, como um Ombuds-man ou a Comisso de Direitos Humanos, ou outro rgo especialmente criado para o efeito. Em qualquer dos casos, o orga-nismo situar-se-ia dentro de certas normas e possuiria certos poderes. A sua indepen-dncia deveria ser garantida no s formal-mente como pelo processo de nomeao do seu lder e/ou direo.

    As nomeaes deveriam ser feitas por rgos representativos como uma comisso parlamentar composta por to-dos os partidos e o processo deveria ser aberto e permitir a participao pblica em relao, por exemplo, a nomeaes. Os indivduos nomeados para tais rgos deveriam ser de elevada craveira profis-

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    sional e independncia bem como de re-conhecida integridade e deveriam estar sujeitos a regras rigorosas de conflito de interesses.

    A atuao do organismo adminis-trativo em termos de processamento de recursos relacionados com os pedidos de divulgao de informao que foram re-cusados deveria ser rpida e com os mais baixos custos possveis. Isto garantiria que todo o cidado pudesse ter acesso ao organismo e atrasos excessivos no pre-judicassem o propsito inicial de acesso informao.

    O organismo administrativo deve-ria receber poderes totais para investigar um recurso, incluindo a competncia le-gal para intimar testemunhas e, muito im-portante tambm, exigir que o organismo pblico em questo lhe envie quaisquer informaes ou registros necessrios para sua investigao, a ser conduzida porta fechada, sempre que necessrio e as circunstncias o exigirem.

    Depois de concluda a investigao, o rgo administrativo deveria ter auto-nomia para poder para rejeitar o recurso, para exigir que o organismo pblico di-vulgue a informao, para ajustar alguns custos que sejam cobrados pelo organis-mo pblico, para multar os organismos pblicos por comportamento obstrucio-nista quando justificado e/ ou cobrar aos organismos pblicos os montantes devi-dos pelo apelo.

    O organismo administrativo deveria tambm ter o poder para referir aos tri-bunais casos onde se registre obstruo criminosa de acesso aos registros ou a sua destruio propositada.

    Tanto os requerentes como o or-ganismo pblico deveriam ter a possi-bilidade de apelar aos tribunais contra decises do rgo administrativo. Tais recursos deveriam incluir o poder total para rever a causa, de acordo com o seu mrito, e no serem limitados questo de se o rgo administrativo agiu de for-ma razovel ou no. Isto assegurar que a necessria ateno seja dada resoluo de questes difceis e que seja promovi-da uma abordagem consistente para com questes de liberdade de expresso.

    1.1.6. Princpio 6: Custos

    Custos excessivos no deviam im-pedir o cidado de solicitar informaes

    O custo de ter acesso informao que mantida pelos organismos pblicos no deveria ser to elevado que dissua-disse potenciais requerentes de faz-lo, uma vez que a ideia fundamental, na base da liberdade de informao, exatamente a de promover o acesso aberto informa-o. Est por demais demonstrado que os benefcios da abertura de informao, a longo prazo, superam em grande escala os custos de tal abertura. Por outro lado, a experincia em vrios pases sugere que os custos de acesso no so um meio efetivo de compensar os custos de um re-gime de liberdade de informao.

    Sistemas divergentes foram empre-gues em todo o mundo para garantir que os custos no sirvam de impeditivo aos pe-didos de informao. Em algumas jurisdi-es, um sistema duplo tem sido utilizado, envolvendo taxas nicas para cada solicita-o, em paralelo com taxas proporcionais aos custos de busca e de prestao da in-formao. Estes ltimos custos deveriam

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    ser anulados ou substancialmente reduzi-dos para pedidos de informao pessoal ou no interesse pblico (que deveria ser pressuposto assim, quando o propsito da solicitao estivesse ligado publicao da informao). Em algumas jurisdies, taxas mais altas so cobradas s solicita-es comerciais como forma de subsidiar as solicitaes de interesse pblico.

    1.1.7. Princpio 7: Reunies Abertas

    Reunies de organismos pblicos deveriam ser abertas ao pblico

    A liberdade de informao inclui o di-reito de o cidado saber o que faz o gover-no em nome do pblico e de participao no seu processo de deciso. A legislao sobre a liberdade de informao deveria por isso estabelecer como ponto assente que todas as reunies de rgos de gover-nana deveriam ser abertas ao pblico.

    A governana neste contexto refere--se principalmente ao exerccio de poderes de deciso e por isso os organismos que se dedicam a prestar conselhos no estariam includos. Comisses polticas - reunies de membros do mesmo partido poltico - no so considerados rgos de governana.

    Por outro lado, reunies de rgos eleitos e as suas comisses, gabinetes de planejamento e relativos s reas, gabine-tes de autoridades publicas e de educao e agncias pblicas de desenvolvimento industrial seriam tambm includas.

    Uma reunio neste contexto refere--se principalmente a reunies formais, no-tadamente reunies oficiais de um organis-mo pblico com o objetivo de levar a cabo trabalhos pblicos. Os fatores que indicam

    se uma reunio ou no formal so a ne-cessidade de estabelecer um qurum e de aplicao formal de regras de conduta.

    O aviso prvio para a realizao de reunies necessrio para que o pblico possa ter a oportunidade real de tomar parte nelas e a lei deveria estipular que o aviso adequado para as reunies fosse dado com a antecipao necessria para assim permitir a presena do pblico.

    As reunies podem ser realizadas porta fechada, mas apenas de acordo com princpios estipulados e quando existirem razes relevantes para faz-lo. Qualquer deciso de restringir a assistncia reunio deveria ser, em si, sujeita a escrutnio pbli-co. Os princpios para a realizao destas reunies porta fechada so mais alarga-dos do que a lista de excees regra que regulam a divulgao, mas no so ilimita-dos. Razes para a restrio de assistncia, em circunstncias apropriadas, incluem a sade e segurana pblica, execuo ou in-vestigao da lei, assuntos de trabalhado-res ou funcionrios, privacidade, assuntos comerciais e de segurana nacional.

    1.1.8. Princpio 8: Divulgao tem primazia

    As leis que so inconsistentes com o princpio de mxima divulgao deve-riam ser alteradas ou revogadas.

    A legislao sobre a liberdade de infor-mao deveria exigir que outras leis fossem interpretadas, tanto quanto possvel, duma forma consistente com as suas disposies. Quando tal no fosse possvel, legislao que trate de informao restrita ao pblico deveria ser sujeita aos princpios bsicos da lei sobre a liberdade de informao.

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    O regime de excees estipulado na lei da liberdade de informao deveria ser abrangente e no deveria ser autorizado que outras leis criassem mais excees. Par-ticularmente as leis que regulassem o sigilo no deviam declarar ser ilegal que os fun-cionrios pblicos divulgassem informao que so obrigados a divulgar de acordo com a lei da liberdade de informao.

    Em longo prazo, deveria haver o em-penho para que todas as leis relacionadas com a informao fossem adaptadas aos princpios que protegem a lei da liberdade de informao.

    Para alm disso, os funcionrios p-blicos deveriam ser protegidos contra sanes quando, de forma razovel e em boa f, divulgassem informao na se-quncia de uma solicitao relacionada com a liberdade de informao, mesmo que posteriormente se conclusse que tal informao no seria para divulgao. Se assim no for, a cultura de segredo que envolve muitos organismos governamen-tais ser mantida por funcionrios exces-sivamente cautelosos sobre as solicita-es de informao, numa tentativa de evitarem riscos pessoais.

    1.1.9. Princpio 9: Proteo de de-nunciantes

    Indivduos que divulgam informa-es sobre situaes imprprias d de-nunciantes devem ser protegidos.

    O cidado deve ser protegido de qualquer sano legal, administrativa ou relacionada com emprego por divulgar informao sobre aes imprprias.

    Aes imprprias, no contexto des-te princpio, incluem aes criminosas, no

    cumprimento de obrigaes legais, erro judicirio, corrupo ou desonestidade, ou graves prevaricaes relacionadas com um organismo pblico. Incluem ainda ameaas graves contra a sade, segurana ou am-biente, estejam ou no estas ameaas liga-das a aes individuais imprprias.

    Os denunciantes deveriam beneficiar de proteo desde que tenham atuado em boa f e na crena aceite de que a infor-mao era substancialmente verdadeira e divulgava provas de aes imprprias. Tal proteo deveria ser aplicada mesmo quando a divulgao fosse uma transgres-so de requisitos legais ou do emprego.

    Em alguns pases, a proteo de de-nunciantes dependente de uma solici-tao para divulgao de informao a certos indivduos ou organismos de fisca-lizao. Se por um lado, isto , duma for-ma geral, apropriado, a proteo deveria estar tambm disponvel, quando o inte-resse pblico assim o exija, no contexto da divulgao a outras pessoas ou at aos meios de comunicao social.

    O interesse pblico neste contex-to incluiria situaes onde o benefcio da divulgao fosse superior ao prejuzo que poderia causar ou quando fosse necess-ria uma forma de alternativa de divulgao da informao para proteger um interesse essencial. Isto se aplicaria, por exemplo, em situaes onde os denunciantes ne-cessitem de proteo contra retaliao, quando o problema no possa ser resolvi-do por mecanismos formais, quando exis-tir uma razo excepcionalmente sria para divulgar a informao, como uma ameaa iminente contra a sade ou segurana p-blica, ou quando existe o risco de que as provas de aes imprprias sejam falsifi-cadas ou destrudas.

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    1.2. DEFINIO DOS CONCEITOS DE TRANSPARNCIA ATIVA E PASSIVA

    A transparncia

    Em um sistema ptico, a transparn-cia a propriedade de ser transparente. Isso quer dizer que o sistema permite que a luz v de um ponto a outro, o que pos-sibilita a visibilidade do conjunto. Trans-posto para o estudo das instituies e das relaes polticas, o termo transparncia pode designar a caracterstica de gover-nos, empresas, organizaes e indivduos em serem abertos em relao a informa-es sobre planos, regras, processos e aes, segundo definio da organiza-o Transparncia Internacional53.

    J o Transparency Task Force, do Brookings Institute, define transparn-cia como o grau no qual os outsiders (e.g. cidados ou partes interessadas stakeholders) podem monitorar e ava-liar as aes dos insiders, tais como funcionrios pblicos e altos executivos54.

    Transparncia, portanto, tem relao com fluxo de informao, mas tambm com a qualidade da informao e com o uso dessa informao. Assim, um sistema transparente deve ter ao menos duas carac-tersticas, quais sejam: visibilidade e infe-rabilidade. A visibilidade das informaes condio necessria para que um sistema seja transparente mas insuficiente.

    A transparncia no depende, ape-nas, de quo visvel a informao, mas

    tambm de quo bem a informao disponibilizada conduz a inferncias ade-quadas. Dito de outra forma: um regime realmente transparente deve preocupar--se no s com a disponibilizao de in-formaes, mas em disponibiliz-las de maneira tal que elas sejam teis para a formulao de inferncias mais precisas55.

    A transparncia ativa (ou proativa) e passiva (ou reativa)

    A operacionalizao dos conceitos de transparncia leva-nos constatao de que existem, basicamente, duas ma-neiras de se acessar informaes: numa, o interessado localiza a informao por meio de buscas e sem a participao do detentor/guardio da informao; noutra, o interessado solicita diretamente a infor-mao buscada e a recebe do detentor/guardio.

    Nesse sentido, a transparncia ativa ou proativa refere-se situao na qual a informao tornada pblica por inicia-tiva do detentor/guardio da informao, sem requerimento56. Ou ainda obriga-o de rgos do Estado de difundir re-gularmente informao atualizada sem que ningum a solicite, como uma manei-ra de tornar a gesto transparente57.

    No modelo proativo, a informao governamental liberada de acordo com regulamentaes, tradies ou esforos para a construo da confiana58. A trans-parncia ativa pode ser alcanada por v-rios meios, como a publicao em dirios

    53 Vide TRANSPARENCY INTERNATIONAL. The Anti-Corruption Plain Language Guide. Jul. 2009. p. 44, traduo nossa.54 Vide KAUFMANN, Daniel; BELLVER, Ana. Transparenting Transparency: Initial Empirics and Policy Applications. 2005, p. 4, traduo nossa.55 Vide MICHENER, Greg e BERSH, Katherine. Conceptualizing the Quality of Transparency. Paper prepared for the 1st Global Conference on Transparency, Rutgers University, Newark, May 17-20.56 Vide DARBISHIRE, Helen, Proactive Transparency: The future of the right to information? Working Paper prepared for the World Bank - Access to Information Program. Washington, DC. 2009. Disponvel em http://siteresources.worldbank.org/.57 Vide Gobierno de Chile - Directoria de Transparencia Activa. Disponvel em http://www.gobiernotransparentechile.cl/pagina/faq58 Vide PIOTROWSKI, S. and LIAO, Y. (2011) The usability of government information: The necessary link between transparency and participation. Paper presented at the 1st Global Conference on Transparency Research, Rutgers University

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    oficiais, anncios de rdio ou TV ou atravs do stio oficial das instituies na Internet . Pela maior facilidade de produo e disse-minao, a Internet tem sido mais utilizada.

    A transparncia passiva ou reati-va, por outro lado, refere-se situao na qual a informao governamental li-berada apenas quando indivduos ou or-ganizaes as solicitam formalmente.

    A transparncia passiva quer dizer que, embora a informao (...) em prin-cpio seja pblica, necessria alguma forma de ao para obt-la60. Em suma, transparncia passiva configura-se nas consultas da populao a uma organiza-o61. Na transparncia passiva, embora a informao a princpio seja pblica, necessria uma ao para obt-la em geral, uma solicitao de informaes.

    A dicotomia ativa versus passiva tambm pode ser caracterizada como transparncia do lado da oferta (suply side) e transparncia do lado da de-manda (demand side).

    Em geral, polticas de transparncia, com destaque para as leis de acesso a infor-mao, costumavam enfatizar a transparncia passiva, detalhando os procedimentos para solicitao de informaes e respostas a es-sas solicitaes. A obrigao de transparncia ativa se restringia a uma quantidade pequena de informaes de publicao obrigatria.

    No entanto, mais recentemente e devido principalmente ao desenvolvimento

    das tecnologias de informao , aumen-tou a publicao proativa de informaes (transparncia ativa) na Internet em for-matos eletrnicos reutilizveis62. Nesse con-texto inserem-se as discusses sobre da-dos governamentais abertos63. A crescente demanda por informaes est por trs da exploso de Portais de Dados Abertos, inau-gurados na Internet recentemente64.

    Porm, se por um lado, a transparn-cia ativa aumenta a visibilidade, existe a preocupao em relao inferabilidade desses dados, pois estes muitas vezes so publicados de maneira pouco compreen-svel. Por outro lado, a transparncia pas-siva, na qual os interessados fazem pedi-dos pontuais, parece ter mais potencial para levar a inferncias teis, sem, no en-tanto, atacar a questo da visibilidade, uma vez que no h garantias de que uma informao liberada a um interessado por meio de mecanismos da transparncia passiva v ser divulgada amplamente de maneira proativa.

    1.3. O CONTEDO DOS DIREITOS INTIMIDADE E PRIVACIDADE

    Direito Privacidade e Intimidade

    As instituies do Estado tm o papel de zelar pela guarda de informaes pbli-cas que podem incluir uma grande varieda-de de dados sobre os cidados oriundos de cadastros e servios pblicos que o Estado presta. Por isso, muitas vezes, o direito privacidade pode ser um obstculo ao di-reito ao acesso informao pblica.

    59 Vide nota supra n 55.60 Vide BRANS, M e PETERS, BGG (2012). Rewards for High Public Office in Europe and North America. P. 27.61 Vide GERALDS, E. e REIS, L.M. (2012). Da cultura da opacidade cultura da transparncia: apontamentos sobre a Lei do Acesso Informao Pblica (p. 9)62 Vide SCROLLINI, F e FUMEGA, S (2011). Access to information and Open Government Data in Latin America. Paper presented at the 1st Global Conference on Transparency Research, Rutgers University63 Vide Oito Princpios dos Dados Governamentais Abertos. Disponvel em: http://www.opengovdata.org/home/8principles64 EUA (www.data.gov) e Reino Unido (www.data.gov.uk) foram pioneiros nos Portais de Dados Abertos. Entre outros, Brasil (www.dados.gov.br), Chile (www.datos.gob.cl) e Uruguai (www.datos.gob.uy) seguiram esses passos.

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    Por envolver o domnio das prefern-cias pessoais, da ideologia, do afeto, das emoes, das comunicaes humanas, da famlia, cuja exposio poderia resultar em prejuzos honra, moral e imagem, o di-reito privacidade est associado digni-dade humana, e pode ser visto como opo-sio esfera pblica das relaes sociais e institucionais. Nessa relao entre o pblico e o privado, o Estado tem papel fundamen-tal, quer seja atravs de sua positivao nas leis e normas, quer seja como grande guardio de informaes de seus cidados. Por outro lado, as tecnologias de informa-o possuem hoje um grande poder para integrar banco de dados, minerar, extrair e publicar informaes. Esse fato, associado com a facilidade de acesso informao, e as demandas por segurana com alegao de aprimorar o combate e a preveno ao crime baseada no cruzamento de infor-maes para monitorar o cidado faz da privacidade um tema controverso e perme-ado de tenses.

    Privacidade e Direitos Humanos

    O direito privacidade reconheci-do na DUDH, em seu artigo 12:

    Ningum ser sujeito a interfern-cias na sua vida privada, na sua fa-mlia, no seu lar ou na sua correspon-dncia, nem a ataques sua honra e reputao. Toda pessoa tem direito proteo da lei contra tais interfe-rncias ou ataques.

    No caso de processos judiciais, o Pac-to Internacional sobre Direitos Civis e Po-lticos, internalizado pelo Brasil atravs do Decreto n 592, de 6 de julho de 199265, que no inciso 1 de seu artigo 14 estabelece que

    a exceo publicidade de parte ou total de julgamentos e decises deve ocorrer quer quando o interesse da vida privada das partes o exija, quer na medida em que isso seja estritamente necessrio na opi-nio da justia.

    No que se refere s decises, o mes-mo instrumento legal estabelece que

    qualquer sentena proferida em ma-tria penal ou civil dever tornar-se p-blica, a menos que o interesse de me-nores exija procedimento oposto, ou o processo diga respeito a controvrsias matrimoniais ou tutela de menores.

    Ao estipular as obrigaes gerais de sentenas e decises para o pblico em ge-ral, ambos os instrumentos legais denotam que qualquer exceo regra, especialmen-te no campo dos direitos humanos, deve ser interpretada de forma muito restritiva.

    Marco legal sobre privacidade e sua relao com a transparncia

    No Brasil, o Direito privacidade consagrado na Constituio Federal66 em seu artigo 5, inciso X:

    X - so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao

    J o princpio da publicidade nos atos pblicos destacado no artigo 37, caput, da Constituio Federal:

    Art. 37. A administrao pblica dire-ta e indireta de qualquer dos Poderes

    65 REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Decreto N 592, de 6 de Julho de 1992. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos. Disponvel em: .66 Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. Disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm

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    da Unio, dos Estados, do Distrito Fe-deral e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoali-dade, moralidade, publicidade e efici-ncia e, tambm, ao seguinte: (...)

    O princpio da publicidade na admi-nistrao pblica reconhece a preponde-rncia do interesse pblico sobre o sigilo, reiterando o direito que os governados tm de controlar e fiscalizar os governan-tes. Para que haja participao da socie-dade na gesto pblica, necessrio que o cidado e as organizaes da sociedade civil tenham acesso aos atos e decises governamentais. Sem eles, a relao assi-mtrica entre os que detm o poder e os que esto sujeitos a ele tende a se agudi-zar. O cientista poltico Norberto Bobbio67 critica isso, ao que se refere de poder invi-svel. A opacidade do poder a negao da democracia. Assim, a democracia pode ser caracterizada pela possibilidade da so-ciedade de dar visibilidade a esse poder, promovendo sua participao em um go-verno cujas aes devem ser desenvolvidas publicamente. Assim, atravs da visibilida-de dos atos governamentais, os cidados e as organizaes da sociedade civil podem controlar e fiscalizar o governo.

    A necessidade de balano entre a de-fesa da intimidade e a publicidade reite-rada no artigo 5, inc. LX, da Constituio Federal:

    LX - a lei s poder restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

    J o artigo 93, inciso IX da Carta Magna trata especificamente da publi-

    cidade no Judicirio, estabelecendo-a como norma dos processos:

    Art. 93. Lei complementar, de ini-ciativa do Supremo Tribunal Federal, dispor sobre o Estatuto da Magistra-tura, observados os seguintes princ-pios: (...) X - todos os julgamentos dos rgos do Poder Judicirio sero p-blicos, e fundamentadas todas as de-cises, sob pena de nulidade, poden-do a lei, se o interesse pblico o exigir, limitar a presena, em determinados atos, s prprias partes e a seus advo-gados, ou somente a estes;

    O princpio da publicidade nos pro-cessos civis est presente nos artigos 155 e 444 do Cdigo de Processo Civil68. O artigo 155 estabelece as condies onde podem haver restries ao acesso pbli-co. As questes matrimoniais ou nas quais so envolvidos menores so objetivadas na norma. Mas, alm disso, o mesmo artigo concede ao poder discricionrio dos juzes a definio de situaes de interesse p-blico, onde pode caber a mesma restrio. Que desta forma disposto:

    Art. 155 - Os atos processuais so pblicos. Correm, todavia, em segre-do de justia os processos:

    I - em que o exigir o interesse pbli-co; II - que dizem respeito a casa-mento, filiao, separao dos cn-juges, converso desta em divrcio, alimentos e guarda de menores. Pargrafo nico. O direito de con-sultar os autos e de pedir certides de seus atos restrito s partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurdico, pode

    67 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.68 REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n 5869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Cdigo de Processo Civil. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>.

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    requerer ao juiz certido do dispo-sitivo da sentena, bem como de inventrio e partilha resultante do desquite.

    Art. 444. A audincia ser pblica; nos casos de que trata o artigo 155, realizar-se- a portas fechadas.

    O princpio da publicidade tambm est presente nos procedimentos dos Jui-zados Especiais Cveis e Criminais, con-forme a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 199569, em seu artigo 12, que determina que no mbito cvel seus atos processuais sejam pblicos.

    Por sua vez, o direito ao acesso in-formao est previsto no inciso XXXIII do artigo 5, que refora a publicidade nos atos pblicos ao estabelecer que

    todos tm direito a receber dos r-gos pblicos informaes do seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que sero presta-das no prazo da lei, sob pena de res-ponsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindvel se-gurana da sociedade e do Estado.

    A Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011 Lei de Acesso Informao70, ao qual se submetem todos os rgos da ad-ministrao pblica, determina claramen-te em suas diretrizes a defesa da publici-dade da informao pblica:

    Art. 3: Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso in-

    formao e devem ser executados em conformidade com os princpios bsicos da administrao pblica e com as seguintes diretrizes:

    I - observncia da publicidade como preceito geral e do sigilo como ex-ceo;

    II - divulgao de informaes de in-teresse pblico, independentemente de solicitaes;

    III - utilizao de meios de comuni-cao viabilizados pela tecnologia da informao;

    IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparncia na adminis-trao pblica;

    V - desenvolvimento do controle so-cial da administrao pblica.

    Em observao legislao brasileira, nota-se que a publicidade vista como re-gra e sua restrio como exceo. H ainda uma clara tendncia ao aumento da pre-ocupao com o acesso informao. A aprovao da Lei de Acesso Informao, com apoio de dezenas de organizaes da sociedade civil, uma expresso disso. Ao mesmo tempo, a defesa dos direitos hu-manos, entre os quais se inclui o direito privacidade, um tema caro s organiza-es da sociedade civil e fundamental no que diz respeito s liberdades e direitos democrticos. Por isso, a necessidade de um marco jurdico-legal mais detalhado e de procedimentos bem definidos, com a participao da sociedade civil juntamen-

    69 REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n. 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. Dispe sobre os Juizados Especiais Cveis e Criminais e d outras providncias. Disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm70 REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n. 12.527 de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informaes previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do 3o do art. 37 e no 2o do art. 216 da Constituio Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e d outras providncias. Disponvel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm

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    te com o Poder Pblico para dar conta da complexidade necessria para o equilbrio de ambos direitos.

    Cabe ressaltar que o acesso infor-mao vai alm da publicidade j garan-tida em lei. Este tem implicaes mais profundas que a mera publicidade, pois pode incluir o acesso direto a documen-tos internos, a dados desagregados e, a priori, a todo e qualquer registro que o Estado possua. Para isso, necessrio tambm que o Estado gere de forma ade-quada a informao, dispondo para isso de pessoal necessrio, para gerenciar, or-ganizar, disponibilizar e classificar.

    O Direito privacidade no mundo: exemplos

    Em diversos pases, o direito priva-cidade visto como um direito fundamen-tal, sendo regulado por leis especficas como a de proteo de dados (Inglaterra), acesso informao (Inglaterra) e Comu-nicaes Eletrnicas (Canad e Inglaterra) ou associado ao direito constitucional de liberdade de expresso (Estados Unidos). Austrlia71,72, EUA73,74 e Canad75 possuem legislao especfica sobre privacidade. J na Unio Europeia est abrangido na De-clarao Europeia de Direitos Humanos. Na Alemanha76, o direito privacidade garantido constitucionalmente (Recht auf informationelle Selbstbestimmung - direito pessoal de controle de informa-o), alm de haver uma lei Federal espe-

    cfica para proteo de dados.

    A maior parte da legislao enfatiza a privacidade como um direito individual da esfera privada e/ou como um valor coletivo ou direito humano, tendo como foco princi-pal a proteo do cidado e o controle so-bre o registro, armazenamento, processa-mento, tratamento e a acesso a tais dados.

    Em geral, esse direito est sujeito ao mesmo balano com relao transparn-cia pblica e o accountability. Na maior par-te das leis de acesso informao, a apli-cao de excees ao acesso informao requer uma avaliao sobre a existncia le-gtima de algum direito que pode ser viola-do. Em Transparncia e Silncio77 , estudo comparativo sobre o acesso informao em 14 pases, so elencadas as principais excees ao acesso, a saber: segurana na-cional, preveno e investigao de delitos, segredos comerciais e privacidade pessoal. Muitas leis permitem que as excees da lei sejam anuladas se o interesse pblico de receber a informao tem mais peso.

    O Informe sobre acesso informao pblica e dados pessoais da Alianza Regio-nal78 organizao formada por entidades da sociedade civil da Amrica de 2011, destacou um emergente conflito entre o di-reito informao pblica e a proteo da privacidade na maior parte dos pases da regio. O relatrio assinala o registro de v-rios casos nos quais a entidade responsvel pelo acesso a uma informao declara con-

    71 AUSTRLIA. Privact Act 1988. Disponvel em http://www.austlii.edu.au/au/legis/cth/consol_act/pa1988108/72 OICNT - Office of the Information Commissioner. Northern Territory (Australia). Public Interest Test in exemptions. Disponvel em http://www.infocomm.nt.gov.au/foi/public.htm73 ESTADOS UNIDOS DA AMRICA. Privact Act 1974, Pub.L. 93-579, 88 Stat. 1896, enacted December 31, 1974, 5 U.S.C. 552a. Disponvel em http://www.law.cornell.edu/uscode/5/552a.html74 US COURTS. Judiciary Privacy Policy. Disponvel em: http://www.privacy.uscourts.gov/requestcomment.htm75 CANAD. Privact Act, 1983. Disponvel em http://laws-lois.justice.gc.ca/eng/acts/P-21/index.html76 BUNDESDATENSCHUTZGESETZ. Disponvel em http://bundesrecht.juris.de/bdsg_1990/index.html77 TRANSPARENCIA E SILENCIO. Transparency and Silence: A Survey of Access to Information Laws and Practices in 14 Countries, 2006. Disponvel em http://www.soros.org/sites/default/files/transparency_20060928.pdf Pag. 109.78 ALIANZA REGIONAL POR LA LIBRE EXPESIN Y INFORMACIN (2011). Saber Mais Informe Regional sobre Acceso a la Informacin Pblica y Datos Personales, Alianza Regional, 28 de setiembre de 2011. Disponvel em http://www.proacceso.cl/files/SABER%20MAS%20III%20-%20Alianza%20Regional%202011.pdf

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    fidencialidade alegando a necessidade de proteo de dados pessoais, que logo foi revogada ou por organismos de controle ou pelos tribunais. Isso denota uma inter-pretao extensiva do direito privacida-de, em franco desequilbrio com o interesse pblico de acesso. Segundo o mesmo infor-me, nenhuma das leis do continente prev critrios para solucionar o conflito em ca-sos envolvendo grande interesse pblico. O mesmo estudo aponta que, na Amrica Latina, parte dos marcos legais no abriga todos os poderes. Em geral, o Poder Exe-cutivo o alvo das legislaes, enquanto o Legislativo e o Poder Judicirio muitas vezes no so abrangidos pela legislao que deveria garantir o acesso informao. O Peru um exemplo isso, onde o Poder Judicirio no se encontra expressamente obrigado pela Lei de Acesso Informao.

    No Chile, em matria de transparncia ativa, exigida a publicao de informao pblica que contm dados privados, como pessoal empregado em reparties pbli-cas, com remunerao, nome, sobrenome, funo; contratos com terceiros, com indica-o de principais acionistas de corporaes ou empresas que fornecem, se for o caso; beneficirios de transferncias de fundos pblicos, sejam pessoas fsicas ou jurdicas. Informaes pessoais de natureza confiden-cial com efeitos sobre terceiros podem ex-cepcionalmente deixarem de serem publi-cadas. Quando os documentos solicitados abranjam dados pessoais no relevantes de terceiros, estes podem ser tarjados79.

    Na Amrica Latina, Chile, Mxico e Uruguai possuem rgos independentes para definir se uma informao deve ser pblica ou no. A existncia de rgos in-dependentes em nvel regional ou nacio-

    nal pode ajudar a garantir que o direito de acesso informao possa razoavelmente ser cumprido, sem a necessidade de dispu-tas judiciais e acima de interesses dos de-tentores de cargos na administrao.

    Em tese, apenas uma porcentagem pequena de t