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Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais da Sphera | Julho 2009 | GLOBALIZAÇÃO E CRISES FINANCEIRAS A CRISE DO CRÉDITO SUBPRIME NOS EUA (2007/8)* José Félix Ribeiro 1 Resumo O processo de Globalização gerou um período de rápido crescimento na economia mundial, ao mesmo tempo que alterou o padrão de fluxos económicos e financeiros no sentido de um reforço das relações entre a economia dos EUA, por um lado, e as economias asiáticas por outro, começando com o Japão, Coreia e países do Sudeste Asiático e deslocando-se seguidamente para a China. Mas, este crescimento rápido foi acompanhado por sucessivas crises fnanceiras e cambiais com diferentes origens e tipos, começando na Ásia e deslocando-se para os EUA em 2000. Este texto procura analisar a crise do subprime e o crash das dot.com que o antecedeu, no contexto do “modelo de capitalismo” dos EUA e do modo como formatou e se adaptou à Globalização. GLOBALISATION AND FINANCIAL CRISIS – THE SUBPRIME CRISIS IN THE USA Abstract The Globalisation process has usherd a period of rapid growth in the world economy and changed the pattern of economic and financial flows that become centered in the relation between the US economy and asian economies, first Japan, Korea and the Southeast Asia and after China. But this rapid growth has been followed by several financial and exchange rate crisis with distinct patterns, beginning in Asia and migrating to US in 2000 and after. This paper tries to analyze the subprime crisis and the dot.com crash that preceded it, in the context of the “capitalist model” of the US economy and the way it influenced and adapted to Globalisation. * A primeira versão deste texto foi terminada em Dezembro de 2008, tendo sido utilizada na preparação do documento apresentado pelo DPP no workshop Da Sphera 2009 “Impacto da Crise Financeira na Globalização e na Transformação do Paradigma Energético para a Sustentabilidade”. 1 [email protected] .

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Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais da Sphera | Julho 2009 |

GLOBALIZAÇÃO E CRISES FINANCEIRAS – A CRISE DO CRÉDITO SUBPRIME NOS EUA (2007/8)*

José Félix Ribeiro 1

Resumo

O processo de Globalização gerou um período de rápido crescimento na economia mundial, ao mesmo

tempo que alterou o padrão de fluxos económicos e financeiros no sentido de um reforço das relações

entre a economia dos EUA, por um lado, e as economias asiáticas por outro, começando com o Japão,

Coreia e países do Sudeste Asiático e deslocando-se seguidamente para a China. Mas, este crescimento

rápido foi acompanhado por sucessivas crises fnanceiras e cambiais com diferentes origens e tipos,

começando na Ásia e deslocando-se para os EUA em 2000. Este texto procura analisar a crise do

subprime e o crash das dot.com que o antecedeu, no contexto do “modelo de capitalismo” dos EUA e do

modo como formatou e se adaptou à Globalização.

GLOBALISATION AND FINANCIAL CRISIS – THE SUBPRIME CRISIS IN THE USA

Abstract

The Globalisation process has usherd a period of rapid growth in the world economy and changed the

pattern of economic and financial flows that become centered in the relation between the US economy

and asian economies, first Japan, Korea and the Southeast Asia and after China. But this rapid growth

has been followed by several financial and exchange rate crisis with distinct patterns, beginning in Asia

and migrating to US in 2000 and after. This paper tries to analyze the subprime crisis and the dot.com

crash that preceded it, in the context of the “capitalist model” of the US economy and the way it

influenced and adapted to Globalisation.

* A primeira versão deste texto foi terminada em Dezembro de 2008, tendo sido utilizada na preparação

do documento apresentado pelo DPP no workshop Da Sphera 2009 “Impacto da Crise Financeira na Globalização e na Transformação do Paradigma Energético para a Sustentabilidade”. 1 [email protected].

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1. INTRODUÇÃO

A crise financeira desencadeada em torno do crédito subprime tem uma característica

crucial: o aumento dos defaults em empréstimos hipotecários que representavam uma parte

menor desse tipo de empréstimos atingiu não só entidades financeiras directamente

associadas à concessão de hipotecas, muitas vezes de âmbito regional, mas:

Abalou o núcleo central do sistema financeiro dos EUA – os cinco maiores bancos de

investimento, quatro dos maiores intermediários financeiros integrados, grandes

seguradoras e as duas maiores GSE`s – Government Sponsored Entreprises que

garantem e titularizam a maior parte do crédito hipotecário dos EUA;

Difundiu-se de forma imediata a nível mundial, atingindo e paralisando os mercados

de capitais, tendo aliás começado por se manifestar fora dos EUA – em bancos da

Europa;

Combinou-se com outros factores para gerar impactos na economia real que podem

pressagiar uma recessão prolongada ou uma deflação.

Na actual crise financeira e económica – nomeadamente nos EUA – interagem cinco

processos diferentes:

Um choque energético que ocorreu em 2006 e 2007, traduzindo-se numa explosão

nos preços dos petróleo – acompanhado por igual movimento em outras

commodities; no caso do petróleo o crescimento rápido do consumo da Ásia, o

declínio da produção nas províncias energéticas fora da OPEP e da ex-URSS, a quebra

nas actividades de prospecção e desenvolvimento por parte das principais companhias

privadas durante os anos de baixos preços e de forte competição no mercado de

capitais com o sector das tecnologias da informação e a redução da capacidade

excedentária da Arábia Saudita principal instrumento de regulação de curto prazo do

mercado forneceu a base objectiva para uma forte e sustentada elevação dos preços

e para elevada volatilidade; face a esta “certeza” investidores institucionais em busca

urgente de rendimentos, bem como fundos especulativos ampliaram este movimento

altista fazendo crer às autoridades que se estava perante um sério risco de inflação,

determinando um endurecer das políticas monetárias;

Uma crise imobiliária, como outras verificadas em décadas anteriores em que o

crescimento fora de comum das vendas e dos preços de habitações atinge um limite

quando, por razões endógenas, os preços ultrapassam o que a procura tem condições

para comprar e/ou se verifica uma contracção e encarecimento do crédito que ao

precipitar uma vaga de defaults gera contracção na concessão de novos créditos e,

desse modo, retrai a compra de novas habitações levando à acumulação de stocks de

casas por vender; como aconteceu anteriormente e por várias vezes, uma crise

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imobiliária antecede uma recessão devido à quebra de actividade nos sectores

directamente afectados e à retracção de consumo das famílias devido a um efeito

riqueza negativo; mas no contexto da Globalização, em que uma parte substancial

dos do cabaz de compras de bens das famílias dos EUA vem da Ásia os efeitos

multiplicadores da recessão não se fazem sentir na economia dos EUA;

Uma grave crise no “coração” do sistema bancário dos EUA – bancos de

investimento e holdings bancários – em consequência do recurso maciço que estas

entidades fizeram à emissão de obrigações garantidas por créditos hipotecários

(nomeadamente subprime) como um dos principais negócios no período pós-crash do

NASDAQ (em substituição dos IPO de novas empresas tecnológicas), sendo que esta

emissão respondeu à procura maciça de aplicações de elevado rendimento fixo por

parte dos investidores institucionais e particulares; as obrigações garantidas por

hipotecas funcionaram como principal garantia dos financiamentos a curto prazo que

os bancos de investimento necessitaram para as suas outras esferas de actuação

(nomeadamente financiamento dos hedge funds e dos private equity funds, ambos

fortemente alavancados nas sua operações); a crise imobiliária e, nomeadamente, a

queda abrupta e inesperadamente generalizada a quase todos os mercados

imobiliários dos EUA, desencadeou prejuízos gigantescos nos bancos, uma fuga

generalizada daqueles activos, agora considerados “tóxicos” por parte dos fundos

actuando no mercado monetário;

O primeiro grande teste a uma revolução institucional – a obtenção de seguro

de crédito não por recurso a instituições especializadas, mas através da distribuição

do risco por múltiplas entidades, através do mercado, graças aos CDS – Credit

Default Swaps; e nesse primeiro grande teste vieram à superfície limitações neste

modelo, em parte resultantes das limitações impostas ao seu funcionamento

sobretudo pelos bancos de investimento (recusa de existência de uma câmara de

compensação ou a recusa de criação de um mercado organizado em vez da solução

que dominou nesta primeira fase de vida dos CDS – o mercado Over the Country

gerido a partir das redes organizadas pelos bancos de investimento e alguns grandes

intermediários financeiros integrados); a crise dos construtores automóveis dos EUA e

o risco de falência pode vir ainda ampliar esta “prova de fogo” já que essas empresas

se encontram entre as principais entidades cuja dívida obrigacionista é objecto de

cobertura de risco por via dos CDS;

Um processo generalizado de desalavancagem que, começando no sistema financeiro,

se vem repercutindo na “esfera real” pelas dificuldades de refinanciamento de dívidas

e pela retracção na concessão de novo crédito ao investimento; este processo de

desalavancagem – ao suceder a um processo de criação de excessos de capacidade

em vários sectores à escala mundial no período de crédito fácil – vai determinar uma

redução inevitável desses excessos com o impacto que terá no crescimento mundial.

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Figura I

Componentes da Crise Financeira e Económica

Fonte: DPP

Iremos começar este texto por uma breve caracterização do enquadramento em que a crise

do subprime eclodiu, situando a economia dos EUA no contexto da Globalização e

descrevendo sinteticamente o seu “modelo de capitalismo” e o seu sistema financeiro, para

seguidamente detalhar a evolução do modo de financiamento do sector da habitação e sua

relação com as transformações do sistema financeiro no sentido de uma centralidade cada

vez mais pronunciada dos mercados de capitais e monetário no financiamento da economia

dos EUA. Só depois se irá abordar especificamente a crise do crédito hipotecário subprime,

procurando situá-la no contexto macroeconómico dos EUA, em especial no período que se

seguiu ao crash do NASDAQ em 2001. Para terminar refere-se a sucessiva transferência dos

problemas ocorridos nesse segmento de mercado imobiliário até se chegar ao “núcleo

central” do sistema financeiro dos EUA, centrando-nos nos acontecimentos que

ocorreram em 2007 e 2008.

CRISE BANCÁRIA

CRISE IMOBILIÁRIA

CHOQUE ENERGÉTICO

Criseseguradoras

ABSORÇÃO DE RISCOS

DE CRÉDITO(Credit Default Swaps)

QUEDAMERCADOSBOLSISTAS

RestriçõesCrédito às Famílias &Empresas

Quebras Património

das Famílias Quebra Consumo Famílias

Queda forte na actividade sector automóvel &

associados

CRISE SECTOR

AUTOMÓVELElevação

Taxas de Juro

MBS & CDO

Quebra Actividades no sector Construção &

associados

Quebra na actividade sector de Serviços

Primeiro ImpactoSegundo ImpactoTerceiro Impacto

LegendaRecessão Profunda e Prolongada?

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1. ENQUADRAMENTO – A ECONOMIA DOS EUA NA GLOBALIZAÇÃO

1.1. A Globalização e as “Bolhas Especulativas”

A Globalização da Economia Mundial é entendida aqui como assentando na liberdade de

circulação de capitais que se iniciou em 1979/80 entre países desenvolvidos e se foi

progressivamente alargando a economias emergentes e em desenvolvimento (com notável

excepção da China), num contexto de taxas de câmbio flutuantes, sistema que resultou do

colapso dos acordos Bretton Woods em 1971.

A liberdade de circulação de capitais envolveu quer o investimento directo internacional, quer

o investimento de carteira por parte de investidores institucionais e de bancos. O

investimento de carteira atribui necessariamente um papel crucial aos mercados de capitais,

em detrimento das tradicionais operações de crédito internacional com base bancária, como

a sindicação de empréstimos. O reforço do papel dos mercados de capitais à escala

planetária levou a uma tendência à titularização ou seja à transformação de outros

instrumentos de dívida em obrigações, susceptíveis de transacção em mercados.

As flutuações de variáveis-chave da economia como as taxas de juro e de câmbio estiveram,

por sua vez, na origem de uma necessidade de cobertura de risco que levou à explosão dos

instrumentos derivados, que rapidamente se tornaram igualmente em instrumentos de

especulação.

A combinação da liberdade de circulação de capitais com o reforço do papel dos mercados de

capitais, em detrimento da intermediação bancária tradicional, a corrida à titularização como

modo dos bancos aumentarem a capacidade de concessão de crédito, reduzindo o risco e o

desenvolvimento de instrumentos de cobertura de risco estiveram na base de um

crescimento exponencial do crédito a nível da economia global.

Por sua vez, a busca de retornos mais elevados num período de baixa inflação como tem

sido a fase iniciada em 1979 com a política anti-inflacionista dos EUA – num contexto de

liberdade de circulação de capitais – determinou a existência de movimentos maciços de

capitais em direcção aos activos que em cada período surgiram a gerar esses retornos

superiores, movimentos alavancados pela concessão excepcional de crédito em alguns

desses períodos contribuíram para formação de “bolhas especulativas” como fenómenos

inerentes à Globalização. Paul Philip estabeleceu uma diferença muito útil entre três tipos de

“bolhas especulativas”:

Asset Bubbles – ocorrem quando o preço de uma classe específica de activos evolui

separando-se do seu valor económico e atinge valores muito elevados gerados pelo

que se pode designar como uma “mania”; a bolha especulativa em torno da “terra” no

Japão dos anos 80 é um exemplo típico deste tipo de bolhas que ao rebentar não

deixa nada de especialmente valioso na economia; a bolha das economias

emergentes, nomeadamente da Ásia Pacífico dos anos 90 foi outro exemplo;

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Technology Bubbles – ocorrem quando surge uma inovação tecnológica radical com

um potencial de transformar a economia, a sociedade e mesmo a política; a bolha em

si é gerada pelo mesmo tipo de “manias” do que a anterior, mas uma grande

diferença reside em que quando a bolha rebenta, muito de valioso ficou na economia

– a possibilidade da tecnologia se difundir, a base de uma nova infra-estrutura que

suporte a difusão dessa tecnologia, avanços científicos desencadeados pelo esforço de

ultrapassar limites que ainda existam à difusão da tecnologia, novas formas de

organização e novos modelos de negócio que foram experimentados, etc.; este tipo

de bolhas, de que a bolha em torno da internet foi um exemplo, aumentam a

capacidade de gerar riqueza de uma economia;

Structural Instability Bubbles – ocorrem quando acontecimentos não

especificamente económicos atingem uma indústria ou actividade que não se encontra

em condições de absorver o choque; um exemplo é o da indústria petrolífera, em que

a actuação da OPEP e a crónica instabilidade política de uma região – o Golfo Pérsico

– pode fazer elevar ou reduzir o nível de preços sem que tal seja resultante de uma

significativa mudança na procura; o autor considera que a tentativa de um sector ou

actividade resistir a um choque estrutural pode determinar ou ampliar uma bolha

especulativa (o caso da actuação das Savings & Loans dos EUA nos anos 80).

Paul Philip identificou igualmente os cinco factores que em conjunto podem criar as

“Technology Bubbles”:

A nova tecnologia ser radicalmente nova e mudar as fundações então existentes da

economia e da sociedade;

Ninguém inicialmente saber como se pode aplicar a nova tecnologia de modo lucrativo

(exigindo, por isso, muitas experiências empresarias);

A tecnologia supor, para se difundir, uma nova infra-estrutura partilhada, exigindo

investimentos maciços;

A economia estar num período “saudável” que permita a realização desses

investimentos infra-estruturais;

A inflação ser reduzida, o que favorece os investimentos em acções e a busca de

oportunidades de especulação em vez da preferência por obrigações que, nestes

período, apenas geram rendimentos moderados.

Paul Phiilip aponta para que, sem a intensa especulação que acompanha as bolhas

tecnológicas, não seria possível romper a path dependance de uma economia em torno das

tecnologias e infra-estruturas já consolidadas em direcção a novas oportunidades, ainda não

testadas, mas das quais podem resultar novas indústrias de rede suportando a difusão de

múltiplas inovações.

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Por sua vez, Charles W. Calomiris procurou definir as condições em que se podem gerar uma

categoria específica das Asset Bubbles – as bolhas imobiliárias. Identificou três condições-

chave:

Políticas monetárias acomodatícias, implicando substanciais reduções das taxas de

juro foram um factor chave nos ciclos históricos de crédito e de formação de bolhas

nos preços dos activos (na sequência aliás de outros trabalhos como os de Bordo e

Wheelock de 2007);

Políticas públicas que causam distorção nos preços acabando por encorajar uma

generalizada subavaliação do risco, tal como acontece com as várias políticas que

incentivam a alavancagem das operações no mercado imobiliário;

O surgimento de inovações financeiras que complicam a avaliação de risco por parte

dos investidores.

Figura II

Quatro Vagas, Quatro Crises Financeiras na Globalização

Fonte: DPP.

A Figura II procura representar a dinâmica típica da Globalização – processo que coincide

com o que se poderia designar por período de “Grande Moderação” ou seja de redução

drástica e sustentada das taxas de inflação nas economias desenvolvidas – e que se traduz

numa série de vagas de investimento e respectivas “manias” especulativas que geram crashs

que forçam ajustamentos posteriores – com mais ou menos êxito, mas sempre reforçando a

Globalização – e desencadeiam a busca de novas oportunidades de retorno elevados.

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1.2. A Globalização desde 1990 – Forças Motrizes e Evoluções Conjunturais

A economia mundial cresceu vigorosamente nos anos 90 propulsionada por duas Forças

Motrizes:

O crescimento das economias asiáticas, num primeiro momento englobando a Coreia

do Sul, as “economias chinesas” (República Popular da China, Hong Kong, Taiwan e

Singapura) e algumas das economias do Sueste Asiático (Malásia e Tailândia); após a

crise financeira e cambial de 1997 o crescimento asiático centrou-se nas economias

chinesas, destacando-se a partir de 2002 a China, após adesão à OMC; o que

especifica o crescimento asiático e o distingue radicalmente de fases de crescimento

das economias latino-americanas são a dimensão da poupança interna, a taxa de

investimento em capital físico e o investimento das sociedades em capital humano;

O surgimento de uma vaga de inovações centrada nas tecnologias da informação e

telecomunicações que residiu nos EUA e Japão e Coreia do sul a partir da revolução

do microprocessador por um lado e das comunicações ópticas e das comunicações

wireless por outro, clusterizando-se todas em torno das redes de computadores e da

internet a partir de 1995; na sua fase final estamos perante a criação de um conjunto

de indústrias de rede que estão associadas historicamente à formação de bolhas

especulativas pela criação de expectativas que a o seu potencial de rendimentos

crescentes desencadeia.

E três Evoluções Conjunturais que se revelaram da maior importância:

Uma quebra duradoura dos preços do petróleo a seguir à mudança da política de

preços da Arábia Saudita em 1985, acompanhada pela mudança de paradigma no

sistema eléctrico – desregulamentação, competição empresarial e busca de mais

elevadas produtividades do capital que criou as condições para generalização do gás

natural como energia primária chave para produção da base do diagrama de cargas

das redes eléctricas nacionais ou regionais;

Uma redução nas despesas da Defesa como principal investimento infra-estrutural a

nível mundial, devido à implosão da URSS; em favor de uma vaga de investimento

em infra estruturas de telecomunicações nos países desenvolvidos e emergentes e de

infra estruturas energéticas e de transportes nas economias emergentes

acompanhado o processo de privatização das utilities à escala mundial;

Um forte crescimento do investimento residencial nos EUA associado quer ao

crescimento demográfico por via da imigração quer ás decisões patrimoniais da

geração baby boom (no sentido de aquisição de habitações mais caras a meio do seu

ciclo de vida).

Por sua vez, em 1997/8, a crise cambial e financeira asiática, seguida pela cessação de

pagamentos da Rússia na sua dívida externa, desencadearam uma fuga dos mercados

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emergentes e uma focalização nos mercados bolsistas dos EUA onde o afluxo de capitais

determinou a fase final de uma bolha especulativa em torno dos valores bolsistas das

empresas de telecomunicações, internet e media que culminou no crash do NASDAQ de 2001

em que se assistiu a uma das maiores quebras bolsistas desde a crise de 1929. Em poucos

dias 5 triliões de dólares “desapareceram” das carteiras dos que tinham acções – famílias,

fundos mobiliários e fundos de pensões.

De acordo com Caballero et al. a forte contracção na oferta de activos financeiros por parte

dos EUA, causada pela crise do subprime, deve reduzir as taxas de juro de equilíbrio e

desencadear um rebalanceamento dos movimentos globais de capitais, com fuga dos activos

tóxicos dos EUA. A consequente perda de riqueza nos EUA irá reduzir o consumo, melhorar a

balança comercial e corrente. Isto está em sintonia com o que se passou desde Junho de

2007: as taxas de juro reais de longo prazo nos EUA caíram de 2,3% para 1,2% em Março

de 2008 e o défice corrente melhorou de 5,6% do PIB em Junho de 2007 para 5,0% em

Junho de 2008.

1.3. A Economia dos EUA e a Estrutura da Globalização

Consideramos que a Globalização assenta actualmente numa estrutura com duas

componentes estreitamente interligadas:

A) Uma que estabelece as relações – fluxos de mercadorias, capitais e de conhecimentos –

entre três pólos da economia mundial – um pólo responsável pelo crescimento – inicialmente

restrito às economias emergentes da Ásia Pacífico e actualmente extensível à Índia; um pólo

responsável pela inovação tecnológica, organizativa e financeira liderado pelos EUA em

estreita relação com o Japão; um pólo responsável pela co-gestão do mercado petrolífero,

centrado na Arábia Saudita e na OPEP:

As economias da Ásia Pacífico encontram no mercado dos EUA um factor permanente

e decisivo para o seu crescimento e para sua ascensão na cadeia de valor graças às

exportações de bens de consumo corrente, de bens de consumo duradouro

electrónico e eléctrico bem como de automóvel (no caso do Japão e da Coreia do

Sul);

As economias emergentes da Ásia permanecem como os principais pólos de atracção

de capitais à escala mundial funcionando cada vez mais como “oficinas do mundo” ou

“escritórios do mundo”;

As economias emergentes da Ásia e, nomeadamente, a economia da China acumulam

excedentes nas suas balanças correntes graças aos excedentes comerciais e às

entradas líquidas de capitais de longo prazo e mantêm as suas moedas numa relação

privilegiada com o dólar, o que se traduz numa acumulação de reservas cambiais em

dólares (materializados em títulos do tesouro dos EUA e de obrigações das Agências

Federais ligadas ao financiamento do imobiliário dos EUA – Fannie Mae e Freddie Mac);

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Os défices correntes dos EUA que se agravam desde 1997 (após a crise financeira e

cambial asiática e a grande desvalorização face ao dólar das moedas dos países

atingidos por essa crise) são, pois, financiados pelas economias da Ásia; em períodos

de forte crescimento e inovação graças à aquisição de activos privados; nas épocas

de menor crescimento e inovação graças à aquisição de títulos do Tesouro por parte

dos Bancos Centrais asiáticos;

Quer as economias da Ásia – China, Índia e Japão – quer os EUA são dependentes da

importação de petróleo e gás natural sendo o Golfo Pérsico a “estação de serviço “ da

economia global e desempenhando a Arábia Saudita um papel fundamental na

condução da política de produção e preços da OPEP; em períodos de forte crescimento

dos preços do petróleo, reduzem-se os excedente comerciais da Ásia Pacífico e

aumentam o dos países da OPEP: parte desses excedentes são reciclados para o

mercado de capitais dos EUA e para aquisição de posições no capital de bancos e

empresas.

Ou seja, a transferência dos EUA para a Ásia da produção de parte crescente do cabaz de

compras da população norte-americana, bem como o embaratecimento dos produtos que

mais crescem no equipamento das famílias – os que estão associados às tecnologias da

informação e comunicação são a base dos seus crescentes défices comerciais. Os EUA

actualmente são, em termos económicos e na economia global, produtores de

conhecimento, inovadores em conceitos, produtos e serviços e geradores de activos

financeiros que devem ser procurados em todo o mundo como geradores de

elevados rendimentos, como reserva de valor e/ou como instrumentos de gestão

do risco.

B) Outra componente constituída pelo modo de regulação da economia norte-

americana de que salientamos os seguintes aspectos:

A economia dos EUA regula o salário real por via do embaratecimento do cabaz de

compras, nomeadamente através do recurso a importações asiáticas; “dispensando”

aumentos significativos dos salários nominais; graças às tecnologias de informação e

às inovações organizativas as empresas dos EUA conseguem obter em tempos

normais elevadas produtividades do trabalho e uma rendibilidade dos capitais próprios

muito elevada, tornando atractivos os activos financeiros das empresas;

O nível de vida das famílias norte-americanas depende de níveis muito elevados de

emprego e, no caso das classes médias, de uma forte acumulação de patrimónios que

habitualmente se valorizam ou um de cada vez ou em conjunto – activos imobiliários

adquiridos por via de hipotecas e acções das empresas (directamente ou através de

fundos mobiliários), dispondo como retaguarda de protecção nas pensões privadas

geridas por fundos de pensões e nos seguros de vida;

O sistema financeiro americano é orientado para a extensão e gestão do risco – quer

empresarial, quer dos indivíduos – incluindo o papel mais conhecido desempenhado

pelos fundos de Capital de Risco; a gestão do risco faz-se cada vez mais pela sua

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difusão através dos mercados financeiros; a inovação permanente de instrumentos

financeiros leva periodicamente a crises desencadeadas por excessos ou ineficácia na

utilização desses mesmos instrumentos (vd. os casos das junk bonds na crise de 1987

ou os CDO`s na crise de 2007);

Os segmentos mais ricos da população são fundamentais porque só eles têm a

possibilidade de correr riscos mais elevados, podendo simultaneamente beneficiar

melhor das oportunidades excepcionais de enriquecimento (donde a lógica de reduzir

a carga fiscal sobre as camadas mais ricas nos EUA).

1.4. Desequilíbrios Mundiais e Oferta de Activos Financeiros pelos EUA

Caballero, Fahri e Gourinchas apresentaram, em finais de 2008, uma interpretação da crise

de 2008 que aponta para alguns aspectos que coincidem com a análise anterior. O Gráfico I

revela os principais padrões dos desequilíbrios globais desde 1990. Em particular permitem

comparar os saldos correntes dos EUA, Japão, Europa, da Ásia Emergente e das Economias

Petrolíferas. Da sua observação ressalta que, com início em 1991, a balança corrente dos

EUA viu agravar de modo contínuo o seu défice para se estabilizar em 2008. A contrapartida

dos défices dos EUA, inicialmente concentrou-se na Europa e no Japão para depois terem

ganho expressão a Ásia Emergente e as Economias Petrolíferas.

Gráfico I

Desquilíbrios na Economia Mundial

(Saldos Correntes)

De acordo com os referidos autores, a acumulação destes desequilíbrios poderia ser

interpretada como consequência de assimetrias de desenvolvimento financeiro e de

perspectivas de crescimento entre as diferentes regiões do mundo. Estes autores

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argumentaram que a crise das economias emergentes de finais dos anos 90, o rápido

crescimento subsequente da China e de outras economias da Ásia Oriental e a elevação

paralela dos preços das commodities em anos mais recentes reorientaram os fluxos de

capitais das economias emergentes em direcção aos EUA. Com efeito, as economias

emergentes e os produtores de commodities procurando instrumentos financeiros sólidos e

líquidos em que pudessem “armazenar” a sua recém obtida riqueza viraram-se para os

mercados de capitais dos EUA, considerados como estando em posição única para fornecer

estes activos.

Um subproduto desta realocação de capital foi a inevitável redução das taxas de juro reais

nos EUA e a nível mundial e um boom de grandes proporções nos mercados de activos

financeiros dos EUA. Como Ben Bernanke referia, em 2005, no seu discurso sobre a ”Savings

Glut” é hoje evidente que este boom acabou por se concentrar em parte significativa nos

mercados imobiliários dos EUA e nos mercados associados de instrumentos de crédito

estruturados. Conforme os autores referem, as taxas de juro real ex-ante nas obrigações do

tesouro dos EUA a 10 anos caíram para valores abaixo dos 2% logo em 2002, enquanto a

taxa de juro nas hipotecas convencionais com taxa fixa nos EUA atingiam os 5,45 num

contexto em que a inflação atingia uma média de 2,9%. No contexto de tão baixas taxas de

juro real, as famílias foram encorajadas a assumir maiores riscos na compra de habitação do

que aquele que poderiam suportar, riscos que desapareciam como por magia dos títulos em

que essas hipotecas foram amalgamadas.

Gráfico II

Evolução das Taxas de Juro Real de Longo e Curto Prazo

Por volta de 2006, a apreciação nos preços do imobiliário dos EUA parou e o défice corrente

dos EUA inverteu o seu crescimento anterior. Começando em Junho de 2007 com a operação

de salvamento de dois hedge funds da Bear Stearns que não puderam responder às margin

calls a economia mundial entrou num período de significativo ajustamento global.

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Muito possivelmente os elevados influxos de capitais nos EUA nos últimos anos contribuíram

significativamente para enfraquecer os mercados de crédito dos EUA. O reconhecimento

eventual da degradação da sua performance foi aliás um dos triggers da actual crise.

Contudo, este enfraquecimento é, em si mesmo, parte da resposta endógena dos mercados

financeiros dos EUA às condições financeiras mundiais. Com efeito, os activos norte-

americanos foram esticados ao limite ao tentarem acomodar o excesso de procura mundial

de activos financeiros. E aqui é que reside o problema estrutural.

O excesso já crónico da procura de activos deriva antes de mais do subdesenvolvimento

financeiro das economias emergentes e da maior parte dos produtores de matérias-primas,

mais do que da existência de desequilíbrios macroeconómicos. A existência de um excesso

de procura de activos financeiros deixa um traço inconfundível nas taxas de juro reais muito

baixas, que por sua vez, fornecem um terreno fértil para a emergência de bolhas

especulativas.

Uma interpretação alternativa da sequência de eventos é a de que as bolhas localizadas na

Ásia durante os anos 90 “migraram” para os EUA nos mercados de crédito e imobiliário (e no

NASDAQ antes disso) a seguir à crise nas economias emergentes e à chegada em força da

China “capitalista”. Tendo-se dado um desajustamento temporal fatal – a China aumentou as

suas exportações e os seus excedentes correntes pós adesão à OMC, ou seja Pós 2000,

exactamente no momento em que o crash do NASDAQ retirava aos EUA a possibilidade de

oferecer no mercado mundial uma categoria de activos financeiros assente na inovação ou

seja no seu ponto forte, tendo que se descobrir novos activos que permitissem responder à

“sede” das economias emergentes e petrolíferas, o que aconteceu com os activos assentes

em hipotecas.

1.5. O “Modelo de Capitalismo” dos EUA

Os EUA estão no centro do processo de globalização das poupanças graças ao seu “modelo

de capitalismo” que lhes dá vantagens únicas:

Um sistema financeiro cada vez mais estruturado em torno dos mercados de capitais

(o que, associado à própria dimensão da economia americana, lhes dá uma

profundidade e liquidez sem igual a nível mundial, e que, graças à competição nele

existente, gera inovações financeiras susceptíveis de atrair uma gama cada vez mais

diversificada de investidores), com o fim da separação entre bancos comerciais e de

investimento e das proibições dos bancos negociarem em títulos por conta própria;

Um sistema de pensões em que têm expressão dominante os regimes de

capitalização – quer sob a forma de planos ocupacionais (geridos por fundos de

pensões constituídos em torno de entidades empregadoras), quer de planos

individuais de poupança que estimularam o crescimento dos fundos mobiliários

(“mutual funds”);

Um mercado hipotecário estruturado por forma a facilitar a generalização da

propriedade da habitação à maioria das famílias, permitindo-lhes igualmente aceder a

créditos adicionais sempre que o valor de mercado das habitações se tornar superior

ao valor da hipoteca;

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Uma gestão do risco individual imputada em grande medida aos próprios indivíduos,

designadamente através da subscrição de seguros privados;

Uma gestão do risco empresarial realizada fundamentalmente através da respectiva

difusão no mercado;

Um sistema de financiamento da inovação baseado no papel do capital de risco, na

possibilidade de fundos de pensões e dos bancos de investimento canalizarem fundos

para o fornecimento de capital de risco e no papel dos mercados de capitais,

nomeadamente através das IPO’s e da formação do Nasdaq;

Um intenso mercado de controlo das empresas, que torna os EUA no principal foco de

F&A, a nível mundial;

Uma fiscalidade que não penaliza os ganhos de capital face a outras fontes de

rendimento derivada da posse de activos financeiros (vd. juros e dividendos) e, desse

modo, estimula a orientação das poupanças para o investimento em acções e das

grandes fortunas para os fundos de capital de risco;

Uma regulação salarial descentralizada e competitiva;

Um fornecimento de bens de mérito através de serviços semi-privados, permitindo

assim a participação da iniciativa privada na gestão deste tipo de bens e a existência

de forte concorrência.

Figura III

O Modelo de Capitalismo dos EUA

Fonte: DPP.

SISTEMA FINANCEIROASSENTE

NOS MERCADOSDE CAPITAIS E NOS BANCOS

DE INVESTIMENTO

SISTEMA DE PENSÕESASSENTE

NA CAPITALIZAÇÃO COM PILAR PRIVADO

DOMINANTE –FUNDOS DE PENSÕES

GESTÃO DO RISCOEMPRESARIAL ATRAVÉS DE

INSTRUMENTOS QUE PERMITEM

A SUA “DILUIÇÃO”NO MERCADO DE CAPITAIS

GESTÃO DO RISCOINDIVIDUAL

ATRAVÉS DO RECURSO AOS SEGUROS PRIVADOS

COM LIMITADA INTERVENÇÃO

DA COBERTURA PELO ESTADO

SISTEMA DEFINACIAMENTO DA

INOVAÇÃO BASEADO NO CAPITAL DE RISCO E

NO MERCADO DE CAPITAIS

REGULAÇÃOSALARIAL

DESCENTRALIZAD E COMPETITIVA

COM FRACA INFLUÊNCIA

DOS SINDICATOS

UM ACESSO GENERALIZADO À

PROPRIEDADE DA RESIDÊNCIA

COMO BASE PATRIMONIALSUSCEPTÍVEL

DE MULTIPLICAR O ACESSO AO CRÉDITO

DE CONSUMO

ESTRUTURADE PROPRIEDADE

DAS EMPRESAS INSTÁVELE SUJEITA A UMA

FORTE COMPETIÇÃO

TRAÇOS CHAVE DOMODELO DE

CAPITALISMODOS EUA

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1.6. O Sistema Financeiro dos EUA – uma Breve Apresentação

A Figura IV procura identificar os principais tipos de entidades que integram o sistema

financeiro dos EUA e posicioná-las em distintos clusters. Assim, pode identificar-se um

cluster de entidades que gravita em torno da gestão das poupanças, do património e do

endividamento das famílias (se bem que algumas dessas entidades também estejam

envolvidas no financiamento de PME´s e de actividades locais). Esse cluster integra:

Os bancos comerciais – que recebem depósitos e concedem empréstimos às famílias

e empresas;

As Savings & Loans – que começaram por ser entidades que recebendo depósitos

estavam exclusivamente orientadas para o crédito hipotecário, mas que

diversificaram a sua actuação, disso resultando uma crise de proporções gigantescas

no final dos anos 80 que levou ao encerramento de muitas delas;

Os bancos hipotecários (mortgage bankers) – entidades especializadas na concessão

de crédito hipotecário, mas que não recebem depósitos, financiando-se junto de

entidades que transformam pools de hipotecas em obrigações e as colocam no

mercado de capitais ou junto de grandes intermediários financeiros integrados;

As GSE – Government Sponsored Entreprises (Fannie Mae, Freddie Mac e GM) – que

ocupam o lugar central no mercado hipotecário dos EUA reunindo pools de hipotecas

que adquirem aos bancos comerciais, às Savings & Loans, aos bancos hipotecários,

etc. e as transformam em obrigações que colocam no mercado dos EUA e global

prestando-lhes uma garantia implícita que lhes advém do seu carácter de empresas

“patrocinadas” pelo Governo;

Os fundos de pensões – que constituem a “espinha dorsal” do sistema de pensões dos

EUA para os quais descontam os cidadãos, ou num quadro ocupacional ou individual;

estes investidores institucionais aplicam as poupanças recebidas em títulos das

empresas – acções e obrigações, títulos do tesouro e aplicações de maior risco e

remuneração;

As companhias de seguros – na vertente em que cobrem diversos riscos dos

indivíduos e das famílias, recebendo destas poupanças e aplicando-as em

instrumentos financeiros ou activos imobiliários (vd. imobiliário não residencial);

Os fundos mobiliários – que cresceram exponencialmente durante a década de 90 e

que mobilizam parte das poupanças das famílias, aplicando-as em múltiplos activos

nos mercados de capitais, com destaque para as acções de empresas.

Existe outro cluster em torno das actividades de maior risco e/ou de forte componente de

internacionalização de que se destacam:

Os bancos de investimento independentes – (brokers dealers) concentrados em Wall

Street, não recebendo depósitos, não podendo aceder a linhas de credito da Reserva

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Federal, mas também não sendo supervisionados por esta, os bancos de investimento

tradicionalmente tinham a sua actividade centrada nas operações sobre títulos –

privados e do tesouro – podendo ter carteiras de sua propriedade; os maiores entre

eles são operadores globais que desempenham um papel crucial nas operações que

envolvem mudanças de propriedade (fusões e aquisições por exemplo); com o tempo

vieram a reforçar o seu papel de financiadores directos de outras entidades com forte

perfil de risco, para isso recorrendo ao mercado monetário; no início desta crise os

cinco grandes eram Morgan Stanley, Goldman Sachs, Merryl Lynch, Lehman Brothers

e Bear Stearns;

A BANCA DE INVESTIMENTO NOS EUA E A SUA TRANSFORMAÇÃO DESDE A DÉCADA DE OITENTA

Os bancos de investimento são intermediários financeiros que têm tradicionalmente como negócio básico a subscrição e o market making de activos financeiros destinados a transacção pública quer dos privados – das acções e obrigações de grandes empresas multinacionais aos IPO de empresas inovadoras apoiadas por entidades de capital de risco – quer dos Estados, bem como a colocação privada de acções e obrigações.

Com a globalização, a desregulamentação e a titularização maciça de todo o tipo de activos os bancos de investimento têm vindo a ampliar dramaticamente as suas actividades

▪ Novas funções como a intervenção-chave nas Fusões e Aquisições;

▪ Novos produtos associados à gestão do risco como os produtos derivados;

▪ Novas técnicas, como a titularização de activos tradicionalmente ilíquidos como certo tipo de hipotecas, cartões de crédito ou crédito para a aquisição de automóveis;

▪ Crescentes relações com novos tipos de actores que se desenvolveram desde os anos 80 – private equity e hegge funds – que são muito procurados por serem orientados para as transacções, estarem em movimento “perpétuo”, enfrentarem elevados risco e mobilizarem avultadíssimas quantidades de financiamentos nas suas operações e gerarem elevadas comissões nos vários serviços que os bancos de investimento fornecem;

▪ Papel crescente de aconselhamento financeiro a grandes investidores institucionais como fundos de pensões ou companhias de seguros de vida;

▪ Gestão de grandes fortunas e gestão de activos de particulares;

▪ Presença em novas praças financeiras como Hong Kong ou em novos mercados como a China.

Os bancos de investimento foram objecto de uma vaga de fusões e aquisições que apenas deixou cinco grandes operadores independentes em Wall Street – Morgan Stanley, Merryl Lynch, Goldman Sachs, Lehman Brothers e Bear Stearns. Para além dos de menor dimensão que foram adquiridos por estes cinco, vários outros foram adquiridos por bancos europeus.

Os grandes intermediários financeiros integrados – antigos bancos comerciais que

ganharam dimensão mundial desde os anos 60 – sendo actualmente intermediários

financeiros estreitamente ligados ao financiamento das grandes empresas

multinacionais e dos Estados; integram funções complementares na área dos seguros

ou da gestão de activos e fortunas e foram adquirindo o controlo de bancos de

investimento (ou foram comprados por algum destes) e desde 1999 puderam passar

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a intervir directamente no tipo de operações típicas dos bancos de investimento;

mantêm uma actividade de banca comercial e estão fortemente implantados nos

cartões de crédito e débito; recolhem depósitos, embora se financiem

maioritariamente no mercado monetário e no mercado de capitais, tal como os

bancos de investimento; acedem directamente a linhas de crédito da Reserva Federal

que exerce as actividades de supervisão sobre a sua actividade; os mais conhecidos

eram o JPMorgan Chase, Citigroup, Bank of America, Wells Fargo e Wachovia, etc.;

Os pools de capitais privados orientados para operações de maior risco – os fundos de

capital de risco, os hedge funds e os private equity funds, que têm como investidores

as grandes fortunas, para além de investidores institucionais e outras entidades;

financiam-se no mercado de capitais recorrendo ao apoio dos bancos de investimento

e dos grande intermediários financeiros integrados.

Entre estes dois clusters existem:

Os fundos do mercado monetário (money market funds) que têm vindo a tornar-se

numa peça-chave da intermediação financeira nos EUA – operam no mercado

monetário por grosso (wholesale market), recebem poupanças das empresas e dos

particulares e financiam a curto prazo outras entidades financeiras ou empresas,

podendo exigir em contrapartida garantias materializadas em activos que estas

entidades geram ou possuem; são os dinamizadores dos mercados de “papel

comercial” instrumento crucial no financiamento corrente das empresas; tendo

substituído em grande parte os bancos comerciais nesta última função.

Um terceiro cluster é composto pelo Estado enquanto emissor de dívida pública, mas integra

igualmente Empresas patrocinadas pelo Estado na área do crédito hipotecário (as GSE´s

Fannie Mae, Freddie Mac e Gennie Mac que, como vimos, estão também presentes no

primeiro cluster); as seguradoras monoline tradicionalmente orientadas para o seguro das

obrigações emitidas pelos Estados e municípios, e ainda várias instituições financeiras de

carácter sectorial – habitação, agricultura, PME´s, crédito à exportação, etc..

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Figura IV

Principais Entidades no Sistema Financeiro dos EUA no Início da Presente Década

FAMÍLIAS

GRANDESFORTUNAS

BancosComerciais

FUNDOSMOBILIÁRIOS

HEDGE FUNDS

FUNDOSPENSÕES

PRIVATEEQUITYFUNDS

Obrigações Tesouro

Obrigações Agências Federais

Obrigações

Acções

Hipotecas

Asset backed Securities

Capital de Risco

Administração

Grandes Empresas &

Multinacionais

Acções

SEGUROSVIDA

Novas Empresas /Inovação Tecnológica

Bancos de InvestimentoGrandes

Intermediáriosfinanceirosintegrados

FUNDOSMERCADO

MONETÁRIO

GSE

Fonte: DPP.

Se quisermos destacar uma evolução crucial do sistema financeiro dos EUA, desde 1980,

podemos destacar a evolução no sentido da perca de importância da intermediação bancária

e do claro reforço dos mercados de capitais e dos investidores institucionais. Essa evolução

está bem patente no Gráfico III, incluído na publicação Global Financial Stability Report 2008

do FMI em que se constata a redução da parte dos bancos comerciais (depositary banks) no

conjunto dos activos detidos pelo sector financeiro em favor das instituições mais

directamente ligadas ao mercado de capitais e à titularização, desde os mais tradicionais

Fundos de Pensões e Companhias de Seguros até aos emissores de títulos garantidos por

activos, aos fundos de investimento (finance companies), bancos de investimento e GSE.

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Gráfico III

Distribuição dos Activos Detidos pelo Sector Financeiro

por Tipos de Instituições Financeiras

Fonte: Global Financial Stability Report 2008, FMI

A Globalização veio transformar de forma significativa a relação de forças entre estas

entidades. À medida que as famílias americanas reduziam a sua poupança discricionária (já

que mantinham uma poupança em torno da habitação, pensões e seguros) aumentava o

papel dos capitais vindos do exterior dos EUA (e das poupanças que os originavam) como

peça fundamental do financiamento do défice corrente. Mas, enquanto as poupanças das

famílias seguiam tradicionalmente os canais dos bancos comerciais e das savings & loans, os

capitais vindos do exterior orientavam-se para os instrumentos transaccionados no mercado

de capitais, reforçando de forma impressionante os principais operadores neste mercado

(bancos de investimento, grandes intermediários financeiros integrados, e mesmo os fundos

vocacionados para operações de maior risco).

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DESENVOLVIMENTOS NOS MERCADOS FINANCEIROS DOS EUA – 1999-2005: UMA OPINIÃO

O Counterparty Risk Management Policy Group II (CRMPG II) decidiu no início dos seus trabalhos

proceder a um balanço detalhado das principais mudanças ocorridas nos mercados financeiros

dos EUA desde 1999. Como conclusão básica desse balanço incluído no documento “Containing

Systemic Risk: The Road to Reform”, apresentado em Agosto de 2008, destaca-se que “...no seu

conjunto os desenvolvimentos recentes nos mercados reduziram as já baixas probabilidades de

ocorrência de choques financeiros sistémicos, embora se possam apontar um certo número de

áreas nas quais esses desenvolvimentos criaram novos e mais complexos riscos que exigem

reforçada vigilância, bem como maior cuidado e diligência na gestão do risco”.

De entre os factores aduzidos em favor da tese do menor risco de choques financeiros sistémicos

incluíam-se os seguintes:

▪ No período pós 1999 o sistema financeiro demonstrou uma assinalável resiliência e

capacidade de absorção de um conjunto de perturbações financeiras, em circunstâncias

nas quais preocupações com risco sistémico não afloraram;

▪ A solidez financeira das instituições que ocupam o centro do sistema financeiro dos EUA

melhorou, como se pode apreciar pela sólida rendibilidade apresentada durante o período

considerado e pelas fortes posições de capital;

▪ As práticas de gestão de risco foram substancialmente melhoradas e as práticas da

supervisão prudencial também foram fortalecidas;

▪ Inovações financeiras, incluindo o desenvolvimento de novos produtos financeiros

contribuíram para diversificar os riscos de mercado e de crédito em toda a superfície do

sistema financeiro; sendo de assinalar em especial a possibilidade de transaccionar o risco

de crédito permitindo aos credores e aos investidores diversificar e redistribuir o risco;

▪ Os Hedge Funds e os Private Equity Funds forneceram novas fontes de liquidez aos

mercados; sendo que a informação disponível aponta para que, como grupo, os Hedge

Funds fizeram assinaláveis progressos nas suas competências de gestão de risco;

▪ Em todos os mercados assistiu-se a melhorias significativas na infra-estrutura financeira e

novas e importantes melhorias estão em curso.

Se estas tendências estão a contribuir para que se reduza o risco de choques financeiros

sistémicos outras evoluções podem vir a aumentar os danos, caso esse choque viesse

eventualmente a ocorrer De entre essas evoluções devem merecer contínua vigilância por parte

de todos os participantes nos mercados as seguintes:

1. A inovação e a criação de novos produtos financeiros ajudaram a diversificar e distribuir o

risco mas não o eliminaram; sendo que, mesmo para as firmas e gestores de risco mais

sofisticados, estes instrumentos colocam frequentemente sérios desafios na gestão e

monitorização do risco; além de permanecer a questão muito incómoda de saber se os que

acabam por ser os detentores finais do risco se apercebem em toda a sua extensão da natureza

da sua exposição – em particular ao risco de crédito.

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DESENVOLVIMENTOS NOS MERCADOS FINANCEIROS DOS EUA – 1999-2005: UMA OPINIÃO (Cont.)

2. Em consequência das fusões e aquisições que se concretizaram nos últimos anos entre as

principais instituições financeiras, existem actualmente um relativamente pequeno número de

instituições muito grandes e complexas no centro do sistema financeiro global; colectivamente

estas instituições são participantes dominantes em muitos segmentos dos mercados financeiros,

incluindo nos mercados OTC de derivados; donde resulta claramente que problemas financeiros

que ponham em causa a sobrevivência de alguma dessas instituições criariam um desVio de

primeira grandeza para os mercados financeiros em geral.

3. A ascensão contundente, em escala e importância de um conjunto de classes de instituições

financeiras relativamente novas, incluindo os Hedge Funds, os Private Equity Funds e os Real

Estate Funds também gera novos desafios; as flutuações potenciais nas bases de activos de

muitos dos Hedge Funds, combinados com os seus perfis de risco/resultados são factores de

risco que merecem atenção redobrada; além de que, para muitos Hedge Funds a gestão do riso

pode ser particularmente exigente dado que as metas que fixam para os seus resultados podem

implicar elevadíssimos níveis de assunção de risco; e o facto de que problemas financeiros

severos num único Hedge Fund não correm hoje o risco de ameaçar os mercados no seu

conjunto, como aconteceu em 1998 com o LTCM, uma perturbação que venha a ameaçar um

grupo de Hedge Funds pode vir atingir uma massa crítica que engendre perigos alargados para

os mercados financeiros.

4. Enquanto os “fundamentais” têm sido favoráveis, a designada “busca de rendimento” levou a

spreads de risco (e a consequente volatilidade) em muitos mercados para os níveis mais baixos

de há vários anos; esta evolução levanta preocupações quanto a uma eventual valorização

inadequada do risco nos mercados financeiros globais, com consequências sistémicas potenciais,

caso este comportamento benigno dos mercados se torne subitamente mais negativo; num

contexto de elevação de taxas de juro – especialmente se for acompanhada por alargamento dos

spreads – podendo vir a aumentar as pressões nos mercados financeiros e sobre certas classes

de activos.

5. A mudança na detenção do risco de crédito, que resulta destas tendências pode vir a ter

importantes implicações na resolução prática dos créditos problemáticos; alguns investidores

mais sofisticados podem optar por usar estes novos instrumentos de transferência de crédito

para vender créditos problemáticos a preços de mercado baixos em vez de se envolverem em

processos complicados e muito consumidores de tempo, sem que haja certeza de que os

detentores últimos desses créditos estejam na disposição de se envolver.

6. Desenvolvimentos recentes no mercado do imobiliário residencial e nos mercados de hipotecas

residenciais merecem uma atenção particular dados os riscos potenciais que podem gerar; com

efeito uma elevação significativa das taxas de juro ou uma deterioração no ambiente económico

geral poderá resultar em pressões sobre os devedores desses créditos, sobre os seus credores e

sobre os mercados hipotecários em geral; existindo algum potencial para que essas pressões

possam ser agravadas pelo aumento significativo verificado de hipotecas menos tradicionais e

pelas dificuldades na protecção (hedging) do risco de taxa de juro por parte dos participantes no

mercado, incluindo as duas grandes Government Sponsored Entreprises (Fannie Mae Freddie

Mac).

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2. A ECONOMIA DOS EUA E AS CRISES BANCÁRIAS ASSOCIADAS AO IMOBILIÁRIO -

DA CRISE DAS SAVINGS & LOANS À TITULARIZAÇÃO GENERALIZADA DA DÍVIDA

HIPOTECÁRIA

Consideramos que seria enriquecedor colocar esta crise numa perspectiva temporal mais

alargada, analisando de forma breve a crise das Savings & Loans da década de 80 e 90 e o

modelo de financiamento da habitação que saíu desta crise e que está a ser posto em causa

na actual. Em ambos as crises assiste-se à “extinção” de uma espécie ou seja de um tipo de

instituição financeira dos EUA:

Na crise dos anos 80 a “espécie quase extinta” é a das Savings & Loans, até então

operadores centrais no mercado hipotecário dos EUA;

Na crise actual a “espécie extinta” por completo é a dos Bancos de investimento

independentes, até então componentes do núcleo central das instituições financeiras

dos EUA e do mercado global.

O Gráfico IV, referente ao nível de actividade da construção de residências nos EUA, ilustra

uma clara diferenciação temporal desde os anos iniciais da década de 80 até 2007,

permitindo associar esses dois momentos de “extinção” de espécies a dois processos de

Boom & Bust que ocorrem no mercado imobiliário dos EUA, coincidência que parece apontar

para o poderoso efeito dos ciclos do sector imobiliário na esfera financeira. Assim, podem

destacar-se três períodos:

Um boom de construção que ocorre entre 1983 e 1987, levando a um excesso de

construção e a uma crise subsequente, excesso que é lentamente reabsorvido nos

anos até 1991, anos em que foi reduzindo o ritmo de construção e reabsorvendo o

excesso acumulado na fase de boom;

Um período de retoma de construção, mas a um nível muito moderado, entre 1991 e

2001 (não obstante terem sido anos de intensa imigração para os EUA);

Um boom de construção com um vigor excepcional a partir de 2000, que atingiu o seu

pico em 2006 e a que sucedeu uma quebra de ritmo de construção que se prolonga

desde 2007.

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Gráfico IV

1981-1991 e 2001? Dois Processos de Boom & Bust

Imobiliário com Paralelos na Esfera Financeira

2.1. Das Savings & Loans à Titularização

2.1.1. A Consolidação do Modelo herdado do New Deal

O Modelo do New Deal para o mercado imobiliário, que vigorou no essencial desde a segunda

metade dos anos 30 até aos anos 70, apresentava as seguintes características:

Predomínio das hipotecas com longos prazos (pelo menos 20 anos) com amortização

gradual e taxa de juro fixo e com um ratio loan to value superior ao que se praticava

antes da Grande Depressão;

Financiamento prestado essencialmente pelas Savings & Loans (S&L) que forneciam

mais de metade do crédito hipotecário na década de 70 a quem foram impostas

várias restrições; assim as S&L eram instituições especializadas no crédito

hipotecário, não podendo conceder empréstimos num raio superior a 50 milhas da

sua sede, captando depósitos cujas taxas de juro foram limitadas a partir de 1966

pela famosa Regulation Q; os seus depositantes estavam protegidos pela garantia da

FSLIC – Federal Savings & Loans Insurance Corporation de modo semelhante ao que

acontecia com os bancos comerciais; as S&L podiam receber adiantamentos a taxas

de juro inferiores ao do mercado do FHLB para financiar hipotecas e eram obrigadas a

dispor um capital próprio regulamentar de pelo menos 5% dos activos;

Empréstimos hipotecários convencionais tinham entradas obrigatórias relativamente

reduzidas, sendo os e os empréstimos da FHA garantidos pelo Estado;

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o crescimento continuado do preço das residências que se verificou quase

ininterruptamente desde o pós-guerra permitia por sua vez aos proprietários obter

uma mais-valia resultante da valorização da sua residência face ao valor do

empréstimo obtido, o que reduzia o seu risco de não cumprimento.

A GRANDE DEPRESSÃO, O NEW DEAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO FINANCIAMENTO DA HABITAÇÃO NOS EUA

Anteriormente à Grande Depressão a maioria da população dos EUA vivia em residências

alugadas sendo reduzida a taxa de home ownership, e sendo o acesso à propriedade feito pelo

crédito hipotecário que revestia as seguintes características:

▪ Predomínio de hipotecas com taxas variáveis de juro, por prazos curtos (menos de cinco

anos) quando comparados com os que se vieram a tornar dominantes posteriormente

valor da hipoteca igual ou menor do que 50% do valor da residência, amortização do

capital em dívida realizada no final do contrato mediante um pagamento ballon, em vez de

uma amortização distribuída ao longo do período do crédito tudo convergindo para reduzir

ao máximo o risco dos financiadores; com efeito as taxas de juro variáveis protegiam do

risco de variações da taxa de juro e o baixo valor do empréstimo face ao valor da

residência protegiam do risco de crédito;

▪ Hipotecas eram financiadas por dois tipos de entidades – as Saving & Loans Institutions

(S&L), que eram instituições locais de crédito mutuário recebendo depósitos e os bancos

hipotecários (Mortgage Bankers) que não podiam receber depósitos, funcionando como

intermediários entre os clientes e investidores, de que se destacavam as companhias de

seguros.

A Grande Depressão desencadeou um processo auto-alimentado que levou ao colapso deste

modelo:

▪ As entidades financiadoras não estavam preparadas para o risco de cessação de

pagamentos (default) resultante da incapacidade dos devedores pagarem a amortização

final balloon em consequência do desemprego em massa, ao mesmo tempo que a liquidez

se reduziu durante o período depressivo; os devedores foram obrigados a vender as suas

residências para pagar a amortização dos empréstimos provocando um súbito aumento na

oferta e uma queda nos preços das habitações, ou então declaravam falência e não

pagavam a dívida sendo-lhes retiradas as casas;

▪ As cessações de pagamentos cresceram e as instituições financeiras tomaram conta de

volumosas carteiras de habitações entregues pelos devedores e procuraram colocá-las no

mercado, sem que houvesse ninguém para as comprar, ampliando assim a queda dos

seus preços;

▪ Num período de deflação, com quedas de preços sucessivas, havia um limite para a

redução paralela das taxas de juro que obviamente não podiam descer abaixo de zero,

fazendo com que em plena Depressão as taxas de juro real permanecessem elevadas

levando a uma quebra no valor das habitações; ora como o valor nominal das hipotecas se

mantinha o ratio loan to value aumentava e com ele o risco para as instituições envolvidas

no crédito hipotecário o que as levou a travar a concessão de novos empréstimos e a

recusar refinanciar hipotecas, agravando as falências e contraindo ainda mais a procura de

habitações para compra no mercado.

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A GRANDE DEPRESSÃO, O NEW DEAL E AS TRANSFORMAÇÕES DO FINANCIAMENTO DA HABITAÇÃO NOS EUA (Cont.)

Face ao colapso no mercado imobiliário e em paralelo com decisão de vários Estados declarem uma moratória nas dívidas hipotecárias, a Administração do Presidente Franklin Roosevelt tomou um conjunto de medidas que revolucionaram o funcionamento do mercado imobiliário nos EUA e que se propuseram:

▪ Restaurar a liquidez no mercado hipotecário através da criação da FHA – Federal Housing Administration que passou a garantir o seguro de hipotecas a prazos muito mais longo e estabelecer a primeira ligação directa do mercado hipotecário com o mercado de capitais graças à criação da HOLC – Home Owners Loan Corporation e depois da Federal National Mortgage Association (FNMA, mais conhecida hoje por Fannie Mae) que obtiveram fundos no mercado de obrigações com os quais adquiriam às Saving & Loans as hipotecas em situação de não cumprimento, transformaram-nas em hipotecas a 20 anos com pagamentos fixos, incorporando nele já uma parte da amortização, que assim passou a ser distribuída ao longo do período de vigência da hipoteca; sendo que, depois de transformadas, muitas das hipotecas foram revendidas às S&L.

Esta intervenção do Estado, coincidindo com o ponto mais baixo do período deflacionário no mercado imobiliário permitiu uma rápida recuperação e desencadeou um processo que se iria traduzir após 2ª Guerra num boom imobiliário de proporções gigantescas assente já num fortíssimo crescimento da aquisição de casa própria.

O modelo criado após a Grande Depressão – em que as S&L emprestavam a longo prazo e

recebiam depósitos a curto prazo, com limites na fixação das respectivas taxas de juro – funcionou bem até finais dos anos 60, também graças a condições macroeconómicas que

não puseram a nu alguns dos seus pontos fracos. De entre essas condições favoráveis

destaca-se nomeadamente o facto de as taxas de juro nominais permaneceram baixas ao

longo de um extenso período de tempo e a curva dos rendimentos obrigacionistas (que

relaciona, num extremo as taxas de juro a curto prazo e noutro as taxas de longo prazo)

manteve-se com inclinação positiva, daí resultando que as taxas de juro cobradas nos

empréstimos a longo prazo eram claramente superiores às taxas de juro pagas a curto prazo

aos depositantes. Logo, o risco de taxa de juro tinha pouco impacto na rendibilidade e na

solvência das S&L.

Ora, em 1966, bastou que a curva dos rendimentos se invertesse durante pouco mais de um

ano para que várias S&L ficassem insolventes e todas elas enfrentassem problemas de

desintermediação, com os depositantes a procurar colocar as suas poupanças em

instrumentos e entidades que lhes dessem mais rendimentos.

E a Administração Johnson introduziu uma série de alterações que vieram dar novo papel a

um outro tipo de entidades, que não as S&L. Assim:

Em 1968, a FNMA Federal National Mortgage Association foi dividida em duas

entidades: a Government National Mortgage Association mais conhecida por Ginnie

Mae continuou a ser um entidade pública e a “nova “FNMA” ou Fannie Mae que

passou a ter capitais privados, mas constituindo-se como uma GSE Governement

Spsonsored Entreprise com possibilidade de acesso a créditos do Estado a taxas mais

baixas e passando a ser autorizada a comprar, deter e vender hipotecas não

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garantidas pelo Governo, para mobilizar fundos nos mercados de obrigações a fim de

financiar novas hipotecas;

Em 1970, a fim de criar maior competição no mercado foi criada uma segunda GSE a

Freddie Mac especificamente vocacionada para que as S&L tivessem liquidez

adequada evitando a repetição da crise de 1966. Os estatutos da Fannie Mae e

Freddie Mac incluíam a obrigação de fornecer liquidez e estabilidade ao funcionamento

do mercado secundário das hipotecas, bem como fornecer crédito hipotecário. Refira-

se que em 1971 foi por eles originada uma inovação que se tornaria chave no novo

modelo que se tornou dominante nos anos 80 – a criação de instrumentos derivados

das MBS Mortgage Backed Securities que se tornariam uma peça-chave no novo

modelo que se instalou a partir de meados da década de 80.

A seguir à crise de 1966, algumas S&L tentaram melhorar a sua posição num período

inflacionário emitindo hipotecas a taxas variáveis, de tal modo que em 1969 já cerca de 20%

das novas hipotecas tinham esta característica. No entanto, o Federal Home Loan Bank

considerou que as S&L não poderiam proceder deste modo e promulgou uma norma que

impedia aos pagamentos devidos pelas hipotecas de aumentarem ao longo do tempo da

mesma.

2.1.2. 1979/1985 – Da “Grande Inflação” à Desregulamentação

Os problemas surgidos com as S&L no final dos anos 60 foram pequenos face ao que se

passou com os anos 70, e nomeadamente com os anos finais deste período, que por alguns

foi designado como a “Grande Inflação”. Assim:

A Inflação a dois dígitos levando a taxas de juro de curto prazo também nessa ordem

de grandeza e as expectativas de estagnação e recessão levando a taxas de juro de

longo prazo mais baixas, com a inversão da inclinação da curva de rendimentos

(yields) (num ambiente em que os yields das obrigações do tesouro a um ano

chegaram a atingir os 15,06%;o valor actual de uma hipoteca com uma taxa fixa de

7% ao ano e com um prazo de dez anos via-se reduzido para 28% menos que o valor

ao par, levando a uma .quebra acentuada do seu valor);

A proibição de praticar hipotecas com taxas de juro variáveis tornavam as S&L

vulneráveis a este evolução, ao mesmo tempo que os limites que lhe tinham sido

impostos em 1966 (Regulation Q) quanto às taxas de juro a curto prazo provocaram

uma fuga de depositantes para os novos instrumentos do mercado monetário

entretanto surgidos – os fundos mobiliários do mercado monetário (money market

mutual funds) e gerando uma situação em que as S&L caminhavam para a insolvência

generalizada.

A partir de 1979 e com a Administração Reagan assiste-se a uma profunda mudança, quer

no enquadramento macroeconómico, quer no funcionamento dos mercados hipotecários nos

EUA que vai dar origem a um novo modelo de financiamento da habitação que se implantou

durante a década de 80, ao mesmo tempo que se assistia ao colapso das entidades que

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haviam sido os actores centrais do modelo anterior – as S&L (Savings & Loans). As

mudanças incluíram nomeadamente

A adopção pela Reserva Federal a partir de 1979 – ainda durante a Administração

Carter – de uma política vigorosa de combate à inflação através do controlo da massa

monetária, ao mesmo tempo que a Administração adoptava uma política orçamental

expansionista, que levou a uma explosão nas taxas de juro;

A adopção pela Administração Reagan e pelo Congresso de uma política de

desregulamentação no sector das instituições financeiras que recebiam depósitos

(bancos comerciais e S&L) e de aumento da competição com novas entidades não

bancárias, financiando-se no mercado de capitais, reforçando o papel deste no

financiamento do conjunto das actividades nos EUA;

A liberalização na circulação internacional de capitais que criou as bases da actual

fase de Globalização, permitindo a integração crescente dos mercados de capitais à

escala planetária.

No que respeita ao financiamento da habitação a nova abordagem incluiu:

A equiparação entre as instituições que recebiam depósitos e estavam activas no

mercado hipotecário, nomeadamente os bancos comerciais e as S&L, quer com a

supressão da Regulação Q que tornou possível às S&L competirem pela atracção de

depositantes, ao mesmo tempo que lhes retirava a possibilidade de se financiarem em

condições mais favoráveis junto do F ; sendo ainda de referir a autorização dada às

S&L de realizarem operações de crédito para além do crédito hipotecário; autorização

da prática de taxas de juro variáveis no crédito hipotecário acompanhada pela

conversão generalizada da carteira de activos das S&L, permitindo que as hipotecas a

taxas fixas fossem trocadas por MBS que podiam ser vendidas a uma das GSE fixas

por hipotecas a taxas variáveis graças à possibilidade de venda posterior no mercado

de capitais;

O reforço da competição pela captação das poupanças entre instituições bancárias

com garantia de depósitos (bancos comerciais, S&L) e os bancos de investimento e os

bancos de investimento (brokerage houses) operando no mercado de capitais que se

concretizou nomeadamente através da criação dos money market deposits com o

objectivo de permitir às instituições com garantia de depósitos concorrer com os

bancos de investimento no mercado por grosso dos fundos;

A opção pela titularização como pilar do financiamento da habitação, através da dinamização

do mercado secundário das hipotecas, já não directamente através da venda das hipotecas –

com todos os problemas de iliquidez inerentes – mas sim através da aquisição pelas maiores

GSE – Fannie Mae e Freddie Mac – às instituições que concediam empréstimos de pools de

hipotecas e a sua transformação em MBS (Mortgage Based Securities) ou seja em obrigações

colocadas no mercado de capitais; a titularização abriu o mercado do financiamento da

habitação aos investidores, introduzindo muito maior liquidez e permitindo Às instituições do

mercado primário transferir o risco de crédito (risco de não cumprimento por parte dos

devedores) e o risco de mercado (risco de variação das taxas de juro) para investidores que

tivessem uma maior tolerância ao risco.

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Este novo modelo deu origem a um forte crescimento doutro tipo de instituições financeiras

activas no mercado primário do crédito hipotecário – os bancos hipotecários – instituições

financeiras que não recebendo depósitos eram autorizadas a conceder empréstimos

hipotecários, financiando-se junto das GSE através da venda das hipotecas que iam

concedendo.

Progressivamente as GSE foram sofisticando os instrumentos com que se concretizava a

titularização. Em particular vão inspirar-se numa inovação financeira introduzida pela Drexel

Burnham (a instituição que criara o mercado das junk bonds) os CDO`s – para desenvolver

um novo instrumento – os CMO.

DOS MBS AOS CMO

Por titularização começou por se entender a criação de obrigações cujo pagamento do capital em dívida e do juro resultavam do cash flow gerado por pools de activos. Quando os activos eram hipotecas essas obrigações designavam-se por MBS – Mortgage Backed Securities; sendo outro tipo de activos designados por ABS – Asset Based Securities.

As primeiras MBS surgiram no mercado secundário de hipotecas em 1970, quando a Government National Mortgage Association (Ginnie Mac) garantiu a primeira MBS que transferia os pagamentos do capital em dívida e dos juros pelos devedores para os investidores (daí a designação de pass trhough). Mas devido aos seus próprios estatutos a Ginnie Mae só podia operar sobre hipotecas backed ou pela HUD – Home ou pela VA – Veterans Administration. Mas, foram posteriormente a Fannie Mae e a Freddie Mac que, por não terem essa limitação, puderam promover um mercado secundário de hipotecas assente na emissão de MBS.

Os MBS representaram uma inovação radical ao virem substituir o anterior mercado secundário em que as próprias hipotecas eram directamente transaccionadas com inerentes problemas de iliquidez, já que as instituições que concediam crédito hipotecário corriam o risco de não encontrar compradores para as suas carteiras heterogéneas de hipotecas, rapidamente e em boas condições de preço, quando mais necessitassem, fazendo que essas instituições corressem o risco de variações nas taxas de juro sem puderem transferir esse risco para outras entidades com maior capacidade de o suportar.

Mas os MBS tinham, para os investidores que os adquirissem, um risco incluído – o risco do pré-pagamento. Risco que resultava da possibilidade do devedor da hipoteca decidir refinanciá-la obtendo um novo empréstimo em condições mais favoráveis, que lhe permitiam pagar a hipoteca inicial muito antes do final do seu termo. O que colocava os investidores com um receita adicional que eram forçados a reinvestir sem ter garantia de poderem nesse momento encontrar um retorno tão favorável quanto o que a MBS inicial lhe permitia.

Com o objectivo de reduzir este risco de pré pagamento surgiram mais tarde, em 1983 por iniciativa da Fannie Mae as primeiras CMO – Collaterized Mortgage Obligations que, já como instrumentos derivados. As CMO redireccionam o pagamentos do capital em dívida e dos juros realizados pelos devedores das hipotecas para a criação de obrigações com diferentes tranches, cada uma oferecendo distintos ritmos de pagamento do capital em dívida, por forma a que os investidores possam escolher a tranche que mais lhes convém. Pode, ainda, haver um protocolo de subordinação entre as tranches, por tal forma que face ao risco de cessação de pagamentos os investidores nas tranches subordinados são os primeiros absorver o prejuízo, tendo em contrapartida direito a um juro mais elevado.

Fonte: Intervenção na Câmara dos Representantes dos EUA (Subcomittee on Financial Institutions and Consumer Credit) por parte de Cameron Cowan do American Securitization Forum.

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A afirmação dominante de um novo modelo de financiamento da habitação fez-se sobre os

escombros do modelo anterior. Referimo-nos ao completo desmoronamento do sector das

S&L que ocorreu na segunda metade dos anos 80. Assim:

As S&L viram um cada vez maior número de concorrentes ganhar quota de mercado

no mercado da concessão de hipotecas, nomeadamente as instituições que

aproveitaram ao máximo, e desde o início, as possibilidades abertas pela intervenção

das GSE e pelo modelo de titularização – ou seja os bancos hipotecários;

As S&L experimentaram uma cada vez maior concorrência dos fundos do mercado

monetário lançados pelos bancos de investimento na captação de poupanças e foram

obrigados a elevar as taxas de juro dos depósitos para se financiar;

As S&L experimentaram nos anos 80 o aumento do risco de crédito quando surgiram

os primeiros casos de queda dos preços das casas nas regiões mais atingidas pela

redução de capacidades nas indústrias pesadas dos EUA (siderurgia, automóvel,

mecânica), regiões em que cresceu o desemprego e se multiplicaram os não

cumprimentos em hipotecas. A proibição das S&L concederem crédito fora de um

“espaço de proximidade” tornou muitas delas prisioneiras desse declínio localizado;

Perante a quebra de negócio no segmento tradicional do crédito hipotecário e perante

elevação do custo de financiamento, grande número de S&L optaram por se lançar

em novas actividades; que eram supostas gerar maiores rendimentos; uma delas foi

a concessão de empréstimos ao imobiliário de escritórios e comercial aproveitando o

boom de construção nesses segmentos que se verificou na segunda metade dos anos

80; a outra foi a tomada em massa de junk bonds.

A passagem à fase declinante do ciclo do imobiliário comercial e o colapso do mercado das

junk bonds após a falência da instituição que em poucos anos havia transformado esse

segmento no mais dinâmico dos mercados de capitais dos EUA – a Drexel Burnham – levou

as S&L a uma situação insustentável que forçou o Congresso dos EUA a aprovar em 1989 o

Resolution Act pelo qual o Estado encerrou mais de mil S&L e vendeu no mercado os seus

activos, processo que ficou concluído em 1995 e custou ao orçamento federal mais de 150

biliões de dólares (valor desse ano).

Anteriormente a 1980 as instituições financeiras que concediam empréstimos hipotecários

estavam sujeitas a tectos muito restritivos nos juros que podiam pagar aos depositantes,

estabelecidos pela Regulation Q, que no entanto permitia taxas de juro superiores para as

S&L face às que podiam ser pagas pelos bancos comerciais concedendo-lhes assim uma

vantagem no financiamento da sua actividade creditícia.

O ambiente inflacionário dos finais da década de 70 originou um fosso intransponível entre

as receitas geradas pelos activos (as hipotecas) e os custos de mobilização de fundos. Ao

mesmo tempo os depositantes fugiam das S&L para aplicar as suas poupanças em

instrumentos que tinham aparecido fora do sistema bancário regulado (depositary

institutions), iniciando um processo de desintermediação que foi consagrado na Depository

Institutions Deregulation and Monetary Act de 1980 que determinou a supressão da

Regulation Q e dos tectos das taxas de juro pagas aos depositantes e criou um novo

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instrumento – o money market deposit – para permitir às instituições garantidas pelo FDIC

(na altura designadas como bancos comerciais) competir com os bancos de investimento

pelos wholesale funds.

Embora ajudasse as S&L a reter depositantes, a eliminação da Regulation Q pôs fim ao

estatuto de favor das S&L no mercado das hipotecas. Por sua vez, a implementação do

Alternative Mortgage Transaction Parity Act de 1982 eliminou as disparidades existentes

entre os mortgage bankerss autorizados a nível federal ou estatal e permitiu a concessão de

hipotecas a taxas variáveis.

2.1.3. O Modelo de Titularização assente nas GSE – 1985-2001

O Gráfico V ilustra a profunda transformação experimentada pelo financiamento à habitação

por via do crédito hipotecário entre 1977 e 1992, com o momento de inflexão em 1987,

quando a parte das S&L se torna definitivamente inferior à parte detida pelas GSE.

Gráfico V

Parte dos Créditos Hipotecários Detidos pelas Principais Instituições

3. OS ANTECEDENTES DA CRISE DO SUBPRIME – AS DOT.COM – BOOM & BUST

(1995/2001)

3.1. As tecnologias da informação e a internet no centro de uma revolução

tecnológica

Se o período 1991-1994 se pode integrar num ciclo técnico-económico mais vasto que inclui

a computorização generalizada da economia e a digitalização das telecomunicações, já o

período 1995-2000 se pode caracterizar como sendo os “anos da Internet”, e mais

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recentemente os “anos da banda larga”, necessária para a exploração mais completa das

virtualidades do ciberespaço:

A Internet organiza a convergência entre comunicações, computadores e audiovisual

e promete revolucionar o espaço transaccional e de comunicação interactiva;

No centro da Internet estão os inovadores no “software”, os fabricantes de

equipamentos para as novas redes (routers e servers), os fabricantes de micro-

electrónica e os produtores de componentes e sistemas opto-electrónicos e fotónicos

para as comunicações ópticas;

No centro do investimento em larga escala nas telecomunicações está a construção

de redes globais de fibra óptica, a competição pelo fornecimento de serviços em

banda larga aos utilizadores residenciais e empresariais, através de múltiplas soluções

tecnológicas e a criação de novas redes de satélites capazes de oferecer novos

serviços de telecomunicações.

Na segunda metade da década de 90 o papel das TIC ter-se-á transformado, passando a

afectar não só a produtividade do trabalho mas também a PTF, mudança que se poderá

imputar a três factores:

Mudanças do quadro regulamentar que levaram a uma nova fase de liberalização no

sector das telecomunicações/audiovisual, contribuindo para maior competição,

redução de custos e inovação;

Desenvolvimento de um conjunto de inovações tecnológicas que ampliaram muito a

capacidade de transmissão das redes de telecomunicações, em todos os seus troços –

tecnologias ópticas, DSL, tecnologias de satélites;

Convergência acelerada dos sectores das telecomunicações e das tecnologias de

informação graças à emergência das aplicações chave da infra-estrutura da internet,

como foram a World Wide Web e o browser, que tendo surgido por volta de 1994/5

expandiram muito potencial de difusão das TIC.

Em poucos anos os EUA criaram do nada, um novo conjunto de actividades baseadas na

exploração do “ciberespaço” como espaço transaccional, comunicacional informativo e de

entretenimento, funcionando à partida à escala global; ao mesmo tempo que se desenvolvia

exponencialmente a produção dos equipamentos e do “software” que tornam possível a

existência destas actividades, ao fornecerem os elementos-chave das infra-estruturas das

redes IP e os meios que tornam possível a conexão dos utilizadores com essas redes.

De acordo com a Price Waterhouse, o volume de investimento de capital de risco em

empresas relacionadas com a Internet cresceu de cerca de 176 milhões de dólares em 1995

para 19,9 milhares de milhões de dólares em 1999, tendo no conjunto dos cinco anos

atingido os 26,5 milhares de milhões.

Este prodigioso “boom” de inovações não só desencadeou um grande surto de investimento,

como fez surgir, em poucos anos uma realidade que alguns designam como “Economia da

Internet”.

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Os EUA tornaram-se, assim, o líder incontestado de uma nova realidade cuja natureza é

desde o início global, o que significa que a difusão do ciberespaço fará, pelo menos nos

próximos anos, forçosamente apelo aos fornecedores de serviços, “software” e equipamentos

dos EUA, o que reduz a dependência directa destes da conjuntura económica americana.

De forma muito exploratória, é possível afirmar que os EUA criaram um novo motor de

crescimento endógeno centrado num domínio à escala global de uma ampla gama de

segmentos das indústrias das TICs e da Internet/e-business. Este núcleo central permite

acelerar o processo de transformação e fertilização de duas periferias adjacentes: uma onde

se podem incluir indústria de alta tecnologia como a aeronáutica/aviónica, farmácia e

instrumentação médica e uma periferia de serviços (financeiros, de telecomunicações,

conteúdos, educação e formação, serviços às empresas, etc.).

Figura V

O Sistema Produtivo dos EUA – “Núcleo Central” e “Periferias”

Fonte: DPP.

Este núcleo central e as duas periferias próximas são constituídas em grande parte por

aquilo a que se pode chamar “indústrias do conhecimento”, no sentido em que algumas

delas produzem conhecimento, e outras são indústrias que gerem ou manipulam informação.

Software Internet

e-Business Serviços Financeiros

Serviços às Empresas Conteúdos/ Audiovisual/

Internet

Serviços de Educação e Formação

Serviços de Telecomunicações

Equipamento Médico

Aeroespacial e Aviónica Farmácia e Meios de Diagnóstico

Electrónica de Defesa

Componentes e Equipamento Informático

Micro e

Optoelectrónica

Equipamentos de Redes Públicas e

Privadas

Instrumentação e Microengenharias

Agro-alimentar Automóvel

Mecânica Equipamentos para a

Indústria de Processos

Petróleo Gás

Química Equipamento

Eléctrico Pesado

PERIFERIA TRADICIONAL

PERIFERIA CONHECIMENTO INTENSIVO

PERIFERIA SERVIÇOS

NÚCELO CENTRAL

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Posicionados numa periferia mais afastada do “núcleo central”, encontram-se todos os

sectores de actividade mais tradicionais, os quais, tendo sido os motores de crescimento da

economia americana nos anos 50s e 60s (sectores intensivos em capital e maquinaria como

o automóvel, química, Petróleo e Gás) são ainda componentes estruturantes da economia

americana. Refira-se que estas indústrias mais tradicionais também se encontram a sofrer

mudanças importantes, entre elas um processo de terciarização das suas actividades e um

nível crescente de imaterialização dos seus produtos, aos quais se devem adicionar o forte

impacto que as tecnologias da informação e a Internet (nomeadamente o e-business) estão

a ter na emergência de novos processos empresariais e novas estruturas organizacionais

(vd. Automatização de todos os relacionamentos no ambiente transaccional da empresa,

desde a gestão electrónica da cadeia de fornecimentos, passando pela criação generalizada

de mercados electrónicos, e indo até ao surgimento de formas inovadoras de “intermediar”,

comercializar e vender os respectivos produtos através de soluções B2C).

A liderança dos EUA no desenvolvimento, aplicação e cruzamento de tecnologias que

corporizam um novo paradigma tecno-económico é inseparável de características chave do

seu modelo de capitalismo, ao mesmo tempo que favoreceu a introdução de inovações,

nomeadamente na regulação salarial. De entre as características cuja importância foi

reforçada durante esta segunda fase da expansão salientam-se:

Os estímulos existentes a intensas relações entre Universidades e Laboratórios

públicos que desenvolvem investigação básica e as empresas, em especial as que se

baseiam nos avanços da ciência para inovar nas tecnologias;

O investimento em capital de risco, dirigido em larga escala à alta tecnologia e aos

estádios iniciais de arranque de novas empresas explorando inovações tecnológicas

e/ou novos conceitos, consistindo esse investimento no financiamento fortemente

monitorizado, no apoio na gestão, na inserção em redes de contactos, sendo que as

firmas de CR podem explorar precocemente as possibilidades de cruzamento entre

tecnologias cujo desenvolvimento apoiam em vários dos projectos em que estão

envolvidas;

O desenvolvimento de um mercado secundário de acções (Nasdaq), criado em 1973,

onde é mais fácil cotar acções de empresas inovadoras, sem registo histórico de

resultados e multiplicação das Initial Public Offerings (IPO) nesse mercado,

permitindo aos investidores em capital de risco recuperar o investimento realizado

com elevadas mais valias, e facilitando desse modo um investimento posterior em

novos projectos;

O alargamento da base de mobilização de capital de risco, através da autorização de

investimento em operações dessa natureza a investidores institucionais, como

aconteceu com os fundos de pensões, desde o início da década de 80, e desde 1996

com os bancos;

O desenvolvimento de um segmento do mercado de obrigações acessível a empresas

com maior risco e dispostas a pagar um prémio aos investidores – as ”junk bonds”

largamente procuradas pelos bancos de investimento para as suas carteiras de

activos, dado o maior rendimento que proporcionam;

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O papel central das “stock options” no funcionamento das empresas inovadoras

financiadas pelo capital de risco, ao possibilitarem na possibilidade a fixação de

competências e o estabelecimento de lealdades mediante a distribuição de acções aos

funcionários (todos ou partes), fazendo com que estes aceitem menores

remunerações em dinheiro, em troca da possibilidade de obtenção de mais valias

aquando do IPO ou de aumentos de capital da empresa.

As novas tecnologias e a continuação do “boom” na bolsa

A valorização das acções no segundo período (1995/2000) é explicável nomeadamente, por

quatro processos:

A melhoria continuada da rendibilidade das empresas obtida por ganhos de

produtividade;

Figura VI

Articulação de Processos e de Actores na Geração do “Boom” Bolsista em torno das

Novas Tecnologias (1995-1999)

Fonte: DPP.

Novas Empresas

Fusões e Aquisições

IPO

Start-Ups

Fundos de Capital de Risco

Investidores Institucionais

Bancos de Investimento

Grandes Empresas de

TIs

Investidores Individuais/

Famílias

Obrigações

Stock Option

Acções

Junk Bonds

Empréstimos

Operações Decisivas na Vida de uma Start-up

Fluxos de Capital

Fluxos de Retorno

Compra de AcçõesPróprias

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A exploração de “rendas” de inovação associadas à liderança à escala mundial do

desenvolvimento de “tecnologias emergentes”;

A alteração no modo como as empresas remuneram os accionistas, em que passaram

da distribuição de dividendos ao aumento do valor das acções e à transferência

periódica desse valor para os accionistas sob a forma de aquisições de acções

próprias; sendo que este processo contribui igualmente para reduzir a exposição das

empresas aos riscos de “takeovers”;

A intensidade do processo de aquisições e fusões pagas com acções é outra forma de

distribuir valor aos accionistas.

Por sua vez, a valorização das acções e obrigações produziu um estímulo ao consumo – por

via da redução das poupanças das famílias, tornada possível pelo “efeito riqueza” – e ao

investimento das empresas tornado possível pelo acesso a capital a mais baixo custo e à

expectativa de obtenção de “rendas“ de inovação.

A Figura VI procura ilustrar o conjunto de processos associados à valorização bolsista

centrada na inovação em torno da Internet e das TI:

Nesta Figura identificam-se os seguintes Actores-Chave:

As novas empresas tecnologicamente inovadoras, que expandem a fronteira do

desenvolvimento e aplicação das novas tecnologias;

As grandes empresas de TI, quer americanas, quer europeias e, em menor escala,

japonesas, que estão interessadas em adquirir empresas inovadoras como meio de

aceder a competências tecnológicas complementares;

Os fornecedores de capital de risco que apoiam o surgimento de empresas inovadoras

e beneficiam com os prémios de emissão, quando estas são colocadas no mercado de

acções, reciclando os ganhos em novas empresas;

Os bancos de investimento, compradores de acções das empresas inovadoras e seus

fornecedores de fundos, por exemplo por via da compra de “junk bonds”;

Os investidores institucionais (fundos de pensões, fundos mobiliários e “hedge funds”)

que podem adquirir acções e obrigações das novas empresas.

E apontam-se dois Mercados fundamentais:

Mercado da colocação de acções de novas empresas – designado como mercado das

“Initial Public Offerings” (IPO);

Mercado das Fusões e Aquisições” /F&A).

São quatro os principais processos indicados na Figura:

Fornecimento de capital de risco às “start-ups”;

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Colocação das “start-ups” no mercado de acções, mediante as IPO;

Apoio financeiro ao crescimento das novas empresas recém-cotadas;

Inserção de muitas dessas novas empresas no mercado de F&A.

A redução da poupança das famílias, sua racionalidade e riscos

Se o período 1995-2000 foi caracterizado pela melhoria radical na poupança do sector

público, o inverso aconteceu com a poupança das famílias que, tendo vindo a reduzir-se

desde 1991 caiu mais intensamente neste segundo período.

A primeira percepção desta queda na poupança das famílias pode ser obtida a partir das

contas nacionais dos EUA (NIPA), que a calculam como sendo a diferença entre o rendimento

disponível das famílias (rendimento pessoal deduzido das contribuições para a segurança

social e do imposto sobre o rendimento) e as suas despesas de consumo – sendo a taxa de

poupança o ratio desta poupança pessoal e do rendimento disponível (Gráfico VI).

Uma análise mais detalhada da relação entre a evolução dos salários e vencimentos (que

representam quase 2/3 do rendimento individual) e as despesas de consumo, como a que

consta da Gráfico VI, vem no entanto revelar dois aspectos:

Os salários e vencimentos tiveram uma evolução crescente de 1991 a 1998, processo

que é inseparável dos elevados ganhos que se teriam verificado na produtividade;

Durante grande parte do segundo período os salários cresceram mais do que o

consumo das famílias, situação que se alterou em 1999.

Donde se poderá concluir que a redução da poupança das famílias se ficou sobretudo a

dever, na maior parte deste segundo período, a uma maior propensão para gastar a parte

dos rendimentos não salariais, entre os quais os rendimentos da propriedade.

Gráfico VI

Salários e Consumo

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Ora durante a década, e sobretudo neste segundo período a riqueza patrimonial das famílias

subiu de forma muito pronunciada graças à valorização das acções e obrigações que desde o

primeiro período tinham passado a representar a parte maioritária no património das

famílias. Esta maior riqueza traduziu-se em ganhos potenciais de capital e em maiores

rendimentos resultantes da sua posse.

Se considerássemos esta substancial alteração patrimonial, o comportamento das famílias

que consistiu em gastar uma parte cada vez maior ou mesmo a totalidade do rendimento

não resultante dos salários e vencimentos e recorrer à maior capacidade de endividamento

que um património acrescido proporcionava, para aumentar o património de activos

financeiros é um comportamento inteiramente racional, num período de valorizações

ininterruptas no mercado de títulos (ao contrário do primeiro período que terminara com

uma queda violenta das valorizações no mercado de obrigações).

Durante este segundo período da expansão norte-americana, o endividamento do sector

empresarial não financeiro aumentou significativamente, tendo o total dos empréstimos

obtidos nos mercados de crédito e de capital atingido, no final de 1999, os 4 300 milhares de

milhões de dólares ou seja perto de 46 ½ % do PIB (recorde-se que antes da recessão de

1991 este ratio era de 43 ½%).

O aumento do endividamento deste sector em quase 10% ao ano, desde 1995, deu-se num

contexto de crescimento vigoroso dos lucros, aumentos moderados no pagamento de

dividendos e nível de utilização da capacidade inferior ao de outros períodos de alta.

Uma parte substancial deste endividamento do sector empresarial não financeiro teria

servido para adquirir acções próprias e para financiar Fusões e Aquisições, mais do que para

financiar o investimento físico e imaterial.

Quadro I

EUA 1989-1999 – Endividamento em % do PIB, por Sectores

SECTORES 1989 1994 1999

Famílias 60,5 63,8 72,3

Empresas não financeiras

(c/exclusão do sector agrícola) 43,8 38,4 46,3

Sector financeiro 43,7 54,2 82,2

Total 148 156,4 200,8

Total acções das empresas

(para comparação) 69,6 89,8 203,9

Fonte: Charles Dumas, “US Corporate Profits: Sharp Fall Likely in 2001/2002”, Lombard Street Research, Monthly International Review, June 2000

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A análise do Quadro I chama, por sua vez, a atenção para uma característica do período

1995/1999 (possivelmente reforçada no seu final): o crescimento do endividamento do

sector financeiro, não obstante o dinamismo dos seus lucros.

Charles Dumas, da Lombard Street Research, ao comentar esta tendência chama a atenção

para os seguintes aspectos:

Desde inícios dos anos 80 (nota: coincidindo com o início de um mercado bolsista em

alta secular) que os lucros do sector financeiro têm vindo a crescer como % do PIB

(de cerca de 0,2%1982 para 2,1% em 1999);

O crescimento do endividamento deste sector, no seu conjunto, tem sido muito mais

forte que o crescimento dos lucros, o que se traduz numa passagem do ratio

lucros/endividamento de cerca de 4% no inicio da década de 90 para 2 ½ em 19992;

O endividamento do sector financeiro é apenas um dos mais evidentes sinais do

“efeito riqueza” na intensificação do endividamento no conjunto da economia dos

EUA; directamente, nos casos em que os activos que lhe serviram de colaterais foram

as acções em constante valorização durante o período; e indirectamente porque o

crescimento do endividamento do sector das famílias e das empresas não financeiras

baseado na valorização das suas carteiras de activos, nomeadamente acções, é que

fornece a base para o próprio endividamento crescente do sector financeiro;

A exacta localização dos níveis excessivos de endividamento não é fácil de determinar

com antecipação, mas na eventualidade de um abrandamento da economia,

revestindo provavelmente a forma de uma recessão, as fortes descidas nos mercado

de acções e a retracção no crédito ao sector empresarial não financeiro, atingirá em

pleno o sector financeiro, forçará cortes nos seus balanços e acabará por provocar

prejuízos;

A existência de participações cruzadas no sector financeiro, em que a detenção de

títulos de outras empresas do sector faz parte da actividade normal, corre o risco de

intensificar a queda nos resultados do sector, por efeito de “contágio”.

Adianta-se, o seguinte quadro de articulações que teriam caracterizado a expansão da

economia dos EUA de 1995 a 2000:

O investimento em capital de risco realizado no período levou a uma explosão na

criação de novas empresas nas áreas de inovação tecnológica –

Internet/Comunicações e Biotecnologias – dando origem a uma intensa actividade de

IPO na bolsa de valores;

2 Esta medida do endividamento não inclui o peso dos instrumentos derivados (vd. o caso dos “swaps”),

não registados nos balanços; ora o total dos instrumentos derivados à escala global passou de cerca de 3 triliões em 1990 para 60 triliões em 1999, com os bancos americanos a deterem uma parte substancial, pelo que a sua exposição aos riscos neste sector não são triviais.

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A redução do prémio de risco que os investidores exigiam, tornou possível a rápida

valorização destas acções, bem como das empresas já existentes e associadas às

mesmas tecnologias, tendo levado a uma transformação do mercado bolsista, com o

aumento da parte da capitalização das “novas tecnologias”; esta rápida valorização

permitiu às empresa recém fundadas obter novos financiamentos dos bancos para o

seu investimento, independentemente dos resultados nulos ou negativos que foram

evidenciando nos seus primeiros anos de actividade;

O “boom” de investimento foi mais claramente marcado pela seu carácter infra-

estrutural, ao ser canalizado para o investimento nas novas redes de

telecomunicações/audiovisual; para a criação de uma nova infra-estrutura tornada

possível pela Internet; para a experimentação de formas de exploração das

transformações que a Internet permite no espaço transaccional e informacional; para

o investimento, espalhado por toda a economia, de ligação a esta nova infra-

estrutura;

O sector empresarial, tomado no seu conjunto, foi nesta fase um comprador líquido

de acções, já que as aquisições de acções próprias pelas empresas ultrapassou o

montante das novas emissões; pelo que se pode afirmar que, no período, Wall Street

não financiou directamente o “boom” de investimento;

A aquisição de acções próprias pelas empresas contribuiu para “amortecer” as bruscas

mudanças nas expectativas dos investidores, determinadas por evoluções menos

favoráveis dos lucros;

As empresas, graças à aquisição de acções próprias, puderam consolidar uma nova

regulação salarial, através da prática de entrega de “stock options” à totalidade ou a

parte dos seus empregados, contribuindo para o aumento da “poupança virtual”

(porque susceptível de ser transformada em consumo por via da venda destas

acções) destes e para a elevação do seu património, independentemente do que

acumulassem através da detenção de partes em “mutual funds”;

As aquisições de acções próprias ocorreram em paralelo com a continuação do

“boom” de investimento e tal foi possível pelo crescimento da dívida das empresas,

quer por via da emissão de obrigações, com destaque para as “junk bonds”, quer de

créditos sindicados obtidos junto dos bancos;

Se as empresas foram compradoras líquidas de acções as famílias teriam sido

vendedoras líquidas de acções detidas directamente, sendo esta redução no

património necessária para fazerem face ao crescimento da poupança contratual

(seguros e pensões) e ao custo do investimento residencial sem terem que contrair o

consumo (embora tenham tido que aumentar o seu endividamento);

A elevação do valor das obrigações e a baixa do seu rendimento, associadas a

expectativas de baixa inflação, favoreceu, por sua vez, a valorização das acções;

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O sector financeiro, para concorrer na captação de capital com as firmas da “Nova

Economia”, teve que aumentar o “ Return on Equities” e para tal teve que correr mais

riscos;

O sector financeiro expandiu o seu crédito ao sector das empresas – por via da

tomada de obrigações (que substituíram as obrigações do tesouro, em queda), dos

empréstimos e do envolvimento no financiamento de capital de risco – e ao sector das

famílias, ficando mais exposto ao risco de maus resultados nas empresas e às

eventuais dificuldades de tesouraria das famílias; simultaneamente, para expandir o

seu envolvimento activo o sector financeiro aumentou espectacularmente o seu

endividamento;

A conjugação do “boom” de investimento e da continuação do crescimento do

consumo privado manteve os motores endógenos do crescimento; o consumo das

famílias e o seu investimento residencial animaram a “velha economia”, enquanto o

investimento das empresas animou o sector das “novas tecnologias”;

Os ”motores” endógenos do crescimento, tornaram-se no entanto mais dependentes

do exterior devido à necessidade permanente de fluxos de capitais vindos do exterior,

para assegurar o financiamento do défice da BTC (que no entanto até 1997 não

atingiu proporções especialmente significativas).

Por sua vez, os anos de 1998 e 1999 marcaram uma alteração na economia mundial e no

enquadramento monetário internacional:

Em 1997 desencadeia-se uma crise financeira e cambial nas Economias Emergentes e

em industrialização rápida da Ásia/Pacífico – Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas e

Coreia do Sul;

Em 1997, a OPEP decide aumentar a produção de petróleo, sem antecipar a dimensão

da crise asiática e assiste-se a uma queda precipitada do preço do petróleo, que vai

atingir as economias energéticas, como a Rússia;

Em 1998 assiste-se à generalização de crises financeiras e cambiais a outras

Economias Emergentes, como a Rússia e o Brasil; e ao processo de entrada maciça de

capitais, nomeadamente a curto prazo, no conjunto das economias emergentes

(embora mais concentrada na Ásia/Pacífico) que havia caracterizado os anos

anteriores, sucede-se uma saída precipitada acompanhada de manifestações de

“stress” financeiro nalguns investidores institucionais dos EUA, mais endividados e

envolvidos em operações com as economias emergentes;

Em 1998 o Japão entra em recessão, pela convergência dos impactos sobre a procura

do endurecimento da política orçamental e da quebra nas exportações; o yen

desvaloriza-se; a China ameaça desvalorizar a sua moeda agravando ainda mais a

crise cambial na Ásia; as autoridades japonesas intervêm para travar o mecanismo do

“yen carry arbitrage” que permitia o financiamento a curto prazo de investidores nos

EUA; e os EUA correm em socorro do yen;

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A perspectiva de passagem à 3ª Fase da UEM (1 de Janeiro de 1999) determina um

fluxo de capitais, nomeadamente japoneses, em direcção aos activos proximamente

titulados em Euro, enquanto se intensifica o processo de internacionalização de

empresas industriais, financeiras e de serviços da Europa em direcção aos EUA;

Os capitais “em fuga” das Economias Emergentes precipitam-se sobre o mercado de

títulos dos EUA, que é “ajudado” por uma injecção de liquidez realizada pela Federal

Reserve Bank, face aos riscos de crise financeira desencadeada pelo colapso de um

dos hedge funds mais exposto à Rússia e às economias emergentes e fortemente

endividado junto da banca;

As acções da “nova economia” sobem para valores astronómicos (duplicação do

Nasdaq entre Agosto de 1999 e Março de 2000) o mercado dos IPO apresenta uma

pujança incomparável e o investimento em computadores, redes e material de

telecomunicações não pára de crescer;

Aumenta o défice comercial, arrastado nomeadamente pela queda de exportações e

pelo aumento das importações da Ásia, e aumenta o saldo líquido de rendimentos do

capital, traduzindo-se ambos num rápido aprofundamento do défice corrente dos EUA

(ver Gráfico VII);

O desaparecimento do marco, como moeda forte, e a sua substituição pelo Euro, num

período de forte crescimento do investimento directo e de carteira europeu nos EUA,

torna possível que esse défice corrente coexista com um dólar forte;

Face à quebra dos preços do petróleo, a Arábia Saudita muda de novo, em 1998, de

estratégia petrolífera e a OPEP consegue obter uma rápida subida nos preços do

petróleo, já sentida em 1999.

Gráfico VII

Evolução do Saldo da Balança de Transacções Correntes dos EUA

Fonte: “Monetary Policy Report to the Congress”, Board of Governors of the Federal Reserve System, June, 2000

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Em Setembro de 1999 a Reserva Federal inicia o endurecimento da política monetária, – que

se prolongou até final de 2000 – e cujo resultado não tardou em se fazer sentir durante esse

ano:

O índice Nasdaq quebrou 40% desde Março até Dezembro, em duas fases;

O mercado dos IPO retraiu-se, acabando por desaparecer em 2003;

Aumentaram os “spreads” no mercado de obrigações de alto rendimento e maior risco

e retraiu-se o mercado das “junk bonds”;

Os investidores “abandonaram” os promotores de investimento nas novas redes de

telecomunicações;

Acumularam-se os indícios de uma maior selectividade no crédito por parte dos

bancos de investimento;

Os Mutual Funds passaram a acumular “cash” em vez de transformarem logo o fluxo

de novas participações em aquisições de acções.

O crash do Nasdaq em 2001 não se transformou numa profunda recessão nos anos seguintes

devido a dois factores principais:

Enquanto que o crash bolsista de 1929 se seguiu a um crash do imobiliário – com o

rebentar da bolha especulativa centrada na Florida – o crash do NASDAQ encontrou

um sector de imobiliário/construção em grande dinâmica nos EUA, desde 1996;

As autoridades monetárias, como já acontecera com o crash bolsista de 1987,

reagiram rapidamente com uma agressiva redução das taxas de juro para facilitar às

empresas e as famílias a gestão do seu endividamento anterior.

Nos EUA a política monetária expansionista, num contexto de forte crescimento do sector

imobiliário e da construção desde 1996 deu origem a um boom especulativo neste sector,

tendo as inovações financeiras que caracterizaram os anos recentes – nomeadamente a

titularização da dívida (obrigações com base em hipotecas, CDO e SIV) e a gestão do risco

de crédito por via do mercado (CDS – credit default swaps) e não directamente de

seguradoras – feito uma entrada em larga escala neste sector.

As famílias viram nesta conjuntura de forte ritmo de construção e forte elevação dos preços

das casas uma oportunidade única para realizar investimentos num activo que parecia ter

um comportamento altista garantido, ao contrário do que acontecera com a bolha das

dot.com. Os bancos comerciais, sem grandes negócios alternativos, viram no crédito à

habitação e no crédito ao consumo o motor do seu crescimento e da sua rendibilidade,

procurando por todos os meios fugir às limitações ao crescimento do crédito (e daí o fascínio

com a titularização dos empréstimos concedidos). Os bancos de investimento, sem as

oportunidades que uma vaga de inovação e de formação de novos sectores permite,

lançaram-se nas operações de reconfiguração da propriedade de empresas já existentes

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(fusões e aquisições e leveraged buy outs) e, confiantes na sustentabilidade dos aumentos

de preços no imobiliário, tornaram-se compradores em larga escala desses CDO, tendo

constituído para o efeito entidades específicas – as SIV – que os adquiriam com os fundos

obtidos com a colocação de papel comercial no mercado.

Como iremos ver de seguida, e ao contrário do que aconteceu com a bolha especulativa das

dot.com, desta vez foram os sectores mais alavancados do sistema financeiro dos EUA –

bancos de investimento, bancos comerciais e hedge funds – que estiveram directamente

envolvidos na ampliação desta bolha que rebentou quando se começaram a fazer sentir as

primeiras manifestações de sobre investimento na construção residencial em 2006 (com a

consequente acumulação de habitações por vender e posterior quebra de preços) e quando

as autoridades monetárias dos EUA decidiram começar gradualmente a elevar juros, em

parte para gerir a queda do dólar face à moeda europeia e das commodity currencies.

4. O CRÉDITO HIPOTECÁRIO SUBPRIME – RAZÕES DO FORTE CRESCIMENTO ENTRE

2001 E 2006

4.1. Enquadramento Macroeconómico do Período 2001 a 2007

Para compreender a génese da crise do crédito subprime é vantajoso ter em conta os

seguintes traços do enquadramento económico mundial no período que sucedeu ao crash das

dot.com e do NASDAQ:

A vigência do que alguns designam como o período da “Grande Moderação” ou seja

um longo período de inflação estável e baixa que vigorou depois de 1981 e de

crescimento real em torno dos 3,5% ao ano na última década; a baixa taxa de

inflação deste período fica a dever-se a melhorias na produtividade das empresas dos

países desenvolvidos, ao contra choque petrolífero de 1985/6 resultante da inversão

da política da Arábia Saudita no mercado do petróleo e do crescimento

excepcionalmente rápido das importações de produtos industriais de consumo e

intermédios da Ásia, nomeadamente da China na década de 90;

A geração de uma bolha especulativa de grandes dimensões no mercado bolsista na

segunda metade da década de 90 com o surgimento de um conjunto de inovações

tecnológicas e organizativas em torno da s Tecnologias da Informação e Comunicação

que abriram novos campos de investimento considerados de enorme potencial de

crescimento e rendibilidade e alteraram o modo de organizar empresas e actividades;

esta bolha financiada pelo mundo inteiro acabou por rebentar em 2000 (crash do

NASDAQ) deixando atrás de si triliões de dólares de património destruído, destruição

que não se concentrou no sistema bancário mas sim nos investidores institucionais –

desde os fundos de pensões aos fundos de investimento mobiliário – e nas famílias de

médio e alto rendimento;

O crescimento na economia mundial estar assente posteriormente a 2001 em países

asiáticos com propensões para a poupança extraordinariamente elevadas e que,

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embora em desenvolvimento e com elevadíssimas taxas de investimento, não tinham

suficiente capacidade de absorção dessas poupanças, o que se traduziu numa

acumulação de excedentes correntes com os EUA que foram reciclados sob a forma

de aquisições de títulos americanos; ao mesmo tempo que a segunda economia do

mundo, também asiática – o Japão – continuava à beira da deflação com taxas de

juro real negativas, tornando possível o funcionamento de uma yen carry trade pela

qual investidores dos EUA se podiam financiar no Japão a essas taxas e utilizar esses

fundos em aplicações com rendimentos muito superiores no mercado de capitais dos

EUA;

A ocorrência de uma descida das taxas de juro real desde 2001 nos EUA resultante

das reduções nas taxas de juro nominais de curto prazo decididas pela Federal

Reserve (para impedir uma recessão maior após o crash do NASDAQ em 200) e da

baixa inflação a que se veio acrescentar em anos posteriores uma queda das taxas de

juro de longo prazo, em parte resultante das compras maciças de obrigações do

Tesouro e obrigações emitidas pelas GSE´s com esses prazos, por parte dos bancos

centrais da Ásia e nomeadamente da China;

A queda das taxas de juro reais desencadeou uma busca quase obsessiva de

aplicações de capitais que permitissem obter maiores rendimentos, nomeadamente

por parte das instituições que haviam sido mais atingidas pelo rebentar da bolha

especulativa e pelas famílias que tinham visto parte do acréscimo de riqueza

alcançado na segunda metade da década de 90 evaporar-se repentinamente. Se

somarmos a isto a necessidade imperiosa por parte dos fundos de pensões de

reforçar o seu património para fazer face á reforma eminente da geração baby boom,

mais especificamente ainda, dos fundos de pensões das grandes empresas de

sectores tradicionais como o automóvel ou a química, todos eles com faltas de

cobertura percebe-se melhor a corrida aos elevados retornos que não se pode

explicar apenas pela ganância dos agentes mas sim por exigências da estrutura.

Assistiu-se a um forte crescimento do endividamento de dois tipos de actores – as famílias e

o sector financeiro – as primeiras aproveitando o efeito riqueza da valorização do seu

património, em termos de activos financeiros e de activos imobiliários; os segundos em

consequência do reforço do peso do conjunto constituído pelos hedge funds, private equity

funds e bancos de investimento (principais financiadores do dois tipos de fundos referidos) e

pelo recurso em larga escala dos grandes intermediários integrados à colocação de títulos de

dívida no mercado.

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Gráfico VIII

Evolução do Endividamento nos EUA por Tipos de Entidades

Fonte: Oliver Wyman, “The Future of The Global Financial System – A Near Term Outlook and Long Term Scenarios”, World Economic Forum, 2009.

4.2. As Transformações do Sector Financeiro dos EUA

Para se poder compreender melhor o desencadear e evoluir da crise financeira associada ao

crédito Non prime convém apresentar um breve resumo dos actores e instrumentos que

estiveram presentes, enquadrando-os na profunda mudança no sistema financeiro dos EUA

desde 1979.

Os EUA nos últimos trinta anos – grosso modo desde o início da fase actual de globalização

que temos vindo a localizar em 1979/80 – evoluíram de um sistema financeiro centrado nos

bancos, nomeadamente bancos comerciais – para um sistema no qual o crédito foi

progressivamente ampliado, titularizado e passou a ser transaccionado activamente, quer

em mercados centralizados – as bolsas – quer descentralizados – os mercados Over the

Countter (OTC).

Nesse mesmo processo, os modelos de negócio dos bancos e das instituições financeiras que

não são bancos – especialmente as grandes firmas de corretagem, também designadas

frequentemente por “bancos de investimento” convergiram, com os grandes bancos

comerciais a desempenharem um maior papel de agênciação no processo de crédito e os

bancos de investimento a fazerem mais financiamento directo.

Durante o boom imobiliário 2003/2007, os principais originadores de hipotecas nos EUA

foram os holdings bancários com actividades de bancos comerciais que funcionavam como

grandes intermediários financeiros integrados (vd. Quadro II) ou seja o Citigroup, JP Morgan

Chase, Bank of America, Wachovia Corp, Wells Fargo, Deutsche Bank US (Taunus Copr) e

Hong Kong Shangai Bank aos quais se tem que acrescentar o maior dos bancos hipotecários

(mortgage bankers) – o Countrywide Financial da Califórnia.

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Quadro II

Principais Holdings Bancários nos EUA (com Actividades de Bancos Comerciais)

em 30 Junho 2008

Designação Sede Total Activos

(em milhões US$)

CITIGROUP INC NEW YORK, NY 2 100 385

J P MORGAN CHASE &CO NEW YORK, NY 1 775 670

BANK OF AMERICA CORP. CHARLOTTE, NC

WACHOVIA CORP CHARLOTTE, NC 812 433

TAUNUS CORP (DEUTSCHE BANK) Alemanha NEW YORK , NY 659 772

WELLS FARGO & CO SAN FRANCISCO, CA 609 074

HONG KONG & SHANGAI BANK CORP. Reino Unido

METTAWA, IL 461 156

U.S. BANCORP MINNEAPOLIS,MN 246 538

BANK OF NEW YORK MELLON CORP NEW YORK , NY 201 344

SUNTRUST BANKS INC ATLANTA, GA 177 233

Para se compreender melhor o que se veio a passar durante a crise do subprime, é

fundamental conhecer a actuação dos bancos de investimento, com destaque para Merryl

Lynch, Lehmann Brothers, Bear Stearns, mais dependentes dos negócios de obrigações

baseadas em hipotecas, mas também o Morgan Stanley e Goldman Sachs com actividades

mais diversificadas. Para esse efeito, convém recordar como o fez Timothy F. Gheither –

então presidente do New York Federal Bank – em Abril de 2008 que os principais bancos de

investimento desempenhavam na actualidade muitas das funções tradicionalmente

associadas aos bancos comerciais e, por isso mesmo, passaram a estar sujeitos a súbitas

perdas de liquidez. Ao contrário dos bancos comerciais, que baseiam em larga medida as

suas actividades de crédito na captação de depósitos, os bancos de investimento operam na

base de um modelo de negócio distinto no qual financiam em larga medida o activo do seu

balanço no mercado de títulos de curto prazo designado por Repo Market.

A garantia de poderem aceder diariamente a um financiamento de curto prazo titularizado é

uma componente tão crítica do funcionamento do seu negócio que os bancos de

investimento ficam vulneráveis à possibilidade de uma súbita retracção nesse financiamento

de curto prazo ou à perda de vontade dos investidores concederem fundos garantidos por

certo tipo de activos financeiros. Os bancos de investimento responderam à necessidade de

reunirem vastos pools de capital, reforçando o seu financiamento de curto prazo em dois

mercados:

O mercado dos Repurchase Agreements – o Repo Market;

O mercado do papel comercial garantido por activos (ABCP).

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Em ambos os casos, o financiamento de curto prazo em quantidade exigia que os bancos de

investimento detivessem ou gerassem um montante astronómico de activos que pudessem

servir de garantia das suas operações de curto prazo. Daí, como iremos ver adiante, o

interesse que passaram a ter no mercado das obrigações baseadas em hipotecas que não

tinha constituído, até então, uma área de interesse particular.

Por sua vez, os bancos de investimento ressentiram-se do surgimento de duas outras

categorias de entidades financeiras não bancárias, sobretudo durante os anos 90 e, de modo

especial, no contexto pós 2001 – entidades que passaram a reunir pools de capital de

grandes dimensões sob a forma de fundos fechados – os Hedge Funds e os Private Equity

Funds, ambos assumindo um modelo de negócio centrado no recurso a um endividamento

altíssimo sobre uma base de capital volumosa fornecida pelos parceiros do Fundo com o

objectivo de obter rendimentos elevados (20% no mínimo). Os parceiros destes Fundos

foram inicialmente apenas as grandes fortunas, depois os investidores institucionais como os

Fundos de Pensões, sôfregos de rendimentos e, mais recentemente, os próprios Fundos

Soberanos. Sendo que em qualquer desses fundos as remunerações dos seus gestores eram

exorbitantes e os custos de funcionamento reduzidos.

A ligação ao financiamento de uns e outros destes fundos passou a constituir um dos quatro

pilares do negócio dos bancos de investimento, ao lado das tradicionais funções de

corretagem, compra e venda de títulos proprietários e intervenção em operações de fusões e

aquisições. A sua função como Prime Brokers dos Hedge Funds tornou-se cada vez mais

importante e estes mesmos fundos passaram a ser destino privilegiado de novos activos

titularizados concebidos pelos bancos de investimento que assim se financiavam com mais

segurança.

Por seu lado, os grandes bancos comerciais (hoje grandes intermediários financeiros

integrados), que nos EUA haviam sido impedidos de constituir redes nacionais de agências, e

operavam em segmentos com margens muito apertadas e dependentes da massa de clientes

orientaram-se para o negócio dos cartões de crédito ao mesmo tempo que passaram a

fornecer linhas de crédito a entidades não bancárias envolvidas no crédito hipotecário – como

os designados mortgage bankers. Por sua vez, viram-se limitados na sua capacidade de

conceder crédito pelas disposições dos reguladores internacionais que passaram a exigir

ratios de capitais próprios face a activos de risco. Uma das soluções que os bancos

comerciais de maior dimensão encontram foi a de adquirir bancos de investimento e

transferir para eles a titularização de dívida, financiando-se tal como os seus pares ainda

independentes nos mesmos mercados wholesale (Repo e papel comercial baseado em

activos).

Com o abandono da Glass Seagel Act, em 1999, os grandes bancos comerciais evoluíram

para uma configuração de Holdings bancários com uma integração mais pronunciada das

suas actividades diversificadas – banca comercial, banca de investimento, private equity,

asset mangement, etc.

Ou seja, os bancos de investimento tradicionais que se mantiveram independentes – Merryl

Lynch, Morgan Stanley, Goldman Sachs, Lehman Brothers Bear Stearns e Goldmann Sachs,

para só citar os maiores – viram-se obrigados pela sua crescente relação de dependência

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para com os novos actores altamente alavancados pela dívida – hedge funds e private equity

funds – a recorrer em larga escala ao wholesale market para financiamentos de curto prazo

que exigiam títulos como garantia – ao mesmo tempo que concorriam neste mercado com os

grandes intermediários financeiros integrados – JP Morgan Chase, Citigroup, Bank of

America, Wachovia, Wells Fargo – que, ao contrário deles e porque tinham bancos

comerciais, podiam em crises de liquidez aceder directamente a linhas de crédito na Reserva

Federal em contrapartida do depósito de títulos de qualidade.

SISTEMAS FINANCEIROS BASEADOS NOS BANCOS E ASSENTES NOS MERCADOS – DISTINTOS PROCESSOS DE PREVENÇÃO E GESTÃO DAS CRISES

Donald L. Kohn, Governador da Reserva Federal dos EUA pronunciou em Maio de 2006 um discurso muito importante subordinado ao tema The evolving Nature of the Financial System and the role of the Central Bank em que centrou a sua atenção na transformação do sistema financeiro dos EUA e das consequências para a prevenção e gestão de crises financeiras. Seguem-se extractos dessa intervenção.

“...No início do século XX, os bancos eram praticamente os únicos intermediários financeiros existentes. Periodicamente estas instituições fortemente alavancadas pela dívida perdiam a confiança dos depositantes, entravam em crise, reduziam a concessão de crédito a entidades com credibilidade creditícia para obterem empréstimos, com isso contribuindo para quebras na actividade económica: Os instrumentos que foram sendo desenvolvidos para prevenir e gerir crises financeiras – criação do lender of last resort; a supervisão e regulação bancária com o objectivo de assegurar a solidez financeira dos bancos; a criação das garantias de depósitos e a provisão de sistemas de pagamentos – destinavam-se a sistemas financeiros dominados pelos bancos.

Ora, actualmente estão disponíveis vários canais de intermediação financeira e o sistema financeiro tornou-se muito mais centrado nos mercados do que nos bancos. Sendo que a evolução das instituições e dos mercados financeiros tornou provavelmente mais sólido o sistema no seu conjunto. Enquanto, por seu lado inovações financeiras como o desenvolvimento dos instrumentos derivados ou a titularização de activos permitiu aos vários intermediários financeiros hoje existentes diversificar e gerir melhor o risco. Por sua vez há medida que os mercados se tornavam mais importantes, quem procura financiamentos passou a dispor de mais vias para melhor configurar o seu perfil desejado de risco e a tornar-se mais independente de entidades emprestadoras específicas; ao mesmo tempo que os aforradores passaram ater maior capacidade para diversificar e gerir as suas carteiras de activos. Como consequência a economia tornou-se menos vulnerável a problemas que possam surgir em certo tipo de instituições. Contudo a evolução das instituições e dos mercados financeiros não suprimiu os riscos subjacentes e as incertezas associadas às transacções financeiras”.

“...essas motivações e reacções de agentes (nota: que estavam subjacentes a crises típicas de épocas anteriores) persistem no século XXI e o mesmo acontece com a possibilidade de se virem a desencadear crises financeiras, sendo que os mecanismos de propagação das crises no nosso actual sistema financeiro mudaram. A transformação de um sistema financeiro baseada nos bancos para um sistema financeiro com uma combinação de mercados centralizados e descentralizados(*) aumentou a importância da questão da liquidez nos mercados na determinação dos preços dos activos financeiros e na gestão das carteiras de activos, ao mesmo tempo que criou novas interacções complexas entre os participantes no sistema financeiro. A experiência com as crises bolsista de 1987 e com a crise de liquidez na sequência do default da Rússia e do colapso do hedge fund LTCM em 1998 ilustram este aspecto”.

(*) O autor refere que os bancos continuam a desempenhar papel crucial num sistema mais dominado pelos mercados, incluindo o financiamento da aquisição de activos financeiros pelos participantes nos mercados e a oferta de processos de clearing e settling das transacções.

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4.4. O Boom no Mercado Imobiliário Residencial nos EUA 2001/2006

A dinâmica do sector da construção residencial pode considerar-se determinada:

A um primeiro nível pela evolução demográfica, ou seja pelo ritmo a que sucessivas

gerações atravessam o “ciclo de vida” de consumo/investimento/poupança. Períodos

em que se verificam acréscimos no número de casais constituídos ou em que uma

vaga de imigração dá origem à instalação permanente de famílias nos EUA são

períodos em que a construção cresce;

A um segundo nível pela prosperidade, diferenciada conforme as regiões, e que pode

dar origem a um movimento generalizado de venda de residências para aquisição de

outras muito mais caras e/ou de aquisição de segundas residências em locais de

eleição, materializando uma mudança de status por parte dos principais beneficiários

dessa prosperidade;

A um terceiro nível pode ser estimulada pela abundância de capitais que não

encontrem aplicação em investimentos no sector de bens e serviços transaccionáveis

e procuram um retorno que só a especulação no imobiliário permite obter.

Depois de uma década de subprodução de unidades de alojamento (entre 1987 e 1997) a

oferta cresceu aceleradamente entre 1997 e 2006. Dado o nível de vendas o inventário de

habitações construídas e ainda por vender manteve-se relativamente estável nos quatro

meses até 2006, tendo depois duplicado já em 2007 para os 10,2 meses. A procura de

habitações para segunda residência ou para fins de investimento é mais vulnerável às

flutuações dos ciclos económicos e especificamente do imobiliário residencial.

A existência deste tipo de procura (onde se localiza a componente especulativa) pode ser

avaliada procurando separar a procura total de residências e a procura determinada por

razões demográficas, que pode ser aproximada pela formação de novos casais, resultando da

comparação entre as duas procuras o que se designa por excesso da oferta. Da análise dos

dados estatísticos relevantes pode concluir-se que:

A produção de residências ultrapassou, em larga escala, a procura que se poderia

imputar à dinâmica demográfica entre 2002 e 2006;

A produção de habitação durante o período 1989 e 2001 manteve-se no conjunto do

período alinhada com a procura imputável à demografia;

O período 1982-1987 viu formar-se um excesso de construção também de grandes

proporções que foi reabsorvido gradualmente até 1993, reabsorção que acompanhou

a crise das S&L, o crash da bolsa de 2007 e a recessão de 1991, atrás referidos.

No último período em consideração a produção de novas residências ultrapassou claramente

a procura imputável à demografia. Mas uma forte elevação dos preços e a disponibilidade de

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crédito hipotecário em condições muito favoráveis alimentou a venda de residências e os

investidores surgiram como uma fonte muito significativa das compras. Tendo os

investidores e os compradores de segundas residências em conjunto contribuído para

inflacionar as vendas em 38 ou 40%.

Por sua vez, a venda de residências já existentes representou em média 4,1 milhões de

unidades anualmente entre 1987 e 1994, tendo subido para uma média de 6,1 milhões de

unidades entre 1995 e 2007, o que significa que uma parte da procura imputável à

demografia teria sido satisfeita pelo mercado de segunda mão, tornando ainda maior o

cômputo do excesso de construção.

Taxas de juro baixas, condições muito favoráveis na concessão de crédito hipotecário e uma

quantidade invulgar de capital disponível para investimento no sector imobiliário facilitaram o

acesso à aquisição de habitação própria a muitos residentes e abriram espaço a compradores

de novas habitações e de condomínios. Esta vaga de investimento a entrar no sector

imobiliário residencial provocou uma elevação significativa dos preços. Este aumento foi

suportável – ou seja não se tornou num travão à procura – porque as taxas de juro e as

condições dos empréstimos se tornaram ainda mais favoráveis nos anos seguintes.

Mapa I

EUA – Os Estados onde se Verificou o Maior Crescimento dos Preços das Residências

1998-2006

Fonte: WIKIPEDIA “United States Housing Bubble”

Mas esse aumento dos preços não se distribuiu de modo uniforme nos EUA, conforme o

ilustra o Mapa I, destacando-se entre aqueles em que se verificaram maiores altas de preços

os Estados como a Califórnia ou os Estados da Costa Leste onde se localizaram alguns dos

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principais centros de inovação tecnológica do período 1995/2000 e os Estados associados ao

lazer e/ou às residências secundárias – Nevada, Florida.

De acordo com a análise realizada pelo RREEF, a subida sem interrupção dos preços das

residências trouxe, por sua vez, dois novos conjuntos de compradores ao mercado:

Os que vieram para adquirir segundas residências podendo encarar a sua venda

ulterior num contexto de preços em subida, em particular nas zonas mais procuradas

pelas camadas afluentes da população; este grupo chegou a representar 13% do total

das vendas;

Os que vieram especificamente para investir num activo em rápida valorização;

nestes estavam incluídos os especuladores de mercado que chegaram a atingir os

25% do mercado, ou mesmo mais em certas regiões dos EUA; muitos deles não eram

detentores de grandes volumes de capital mas mobilizaram a home equity das suas

residências para comprar e vender de seguida nas áreas com maiores elevações de

preços (vd. Phoenix no Arizona, Las Vegas no Nevada ou várias das cidades da

Florida).

Estes dois conjuntos inflacionaram as vendas de residências em cerca de 40%, mas pelo

caminho fizeram elevar ainda mais os preços, reduziram os stocks e desencadearam por

parte dos construtores civis um boom de construção sem paralelo. Fazendo atingir valores

que posteriormente se revelaram insustentáveis, como se evidenciou com a viragem no

mercado em 2006 quando as taxas de juro começaram elevar-se por decisão da Reserva

Federal e o nível de preços atingido desencorajou potenciais compradores. Em 2007 os

valores de vendas de residências caem para os níveis mais baixos desde 1997. Com a queda

nas vendas subiram os níveis de stocks, os preços das residências deixaram de subir e o

grupo dos investidores abandonou o mercado.

Assistiu-se neste boom de construção residencial a um fortíssimo aumento da taxa de

propriedade das habitações, não só na idade adulta mais jovem (menos que 25 anos que se

elevou mil pontos acima da tendência que era habitual nesse escalão etário), mas também

em famílias com um só elemento e nas minorias. No conjunto, a referida taxa de

propriedade manteve-se relativamente estável nos 64% entre 1981 e 1994 período durante

o qual aproximadamente 700 mil famílias em cada ano se tornaram proprietárias. Em

comparação, entre 1995 e 2006 este número passou quase para o dobro, para 1,3 milhões,

ao mesmo tempo que se reduzia a parte do arrendamento.

Para o RREEF, desde 2003, teria havido um volume acumulado de 2,94 milhões de

residências produzidas em excesso. Este excesso, por sua vez, não está uniformemente

distribuído pelo território, sendo os Estados da Flórida, Texas, Michigan, Califórnia e em

menor escala do Ohio, Nova York, Geórgia, Colorado, Illinois e Carolina do Norte a

concentrar esse excesso. Considerando o ritmo de crescimento demográfico e de

crescimento económico potencial, o RREEF considera que a absorção desse excesso não

levará mais do que 2 a 3 anos em Estados do Sul e Oeste, Estados com forte crescimento

demográfico e económico – Califórnia, Texas, Florida; Geórgia e Carolina do Norte –

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enquanto noutros Estados vai ser mais difícil a reabsorção (vd. Mapa II) em grande parte

pela distinta dinâmica demográfica que têm revelado.

4.5. O Crédito Hipotecário Subprime – Um Traço Distintivo do Boom Imobiliário

2003/2007

O boom imobiliário nos EUA que ocorreu no período pós 2001 – estimulado na sua primeira

fase pela fortíssima redução das taxas de juro apresentou a partir de certo momento uma

característica específica – o crescimento dos empréstimos hipotecários não garantidos pelas

GSE – Fannie Mae, Freddie Mac e Ginnie Mac – que tradicionalmente dominavam o negócio

da transformação dos empréstimos hipotecários de qualidade – ou seja obedecendo a

critérios rigorosos (empréstimos prime, ou seja a clientes com bom registo anterior de

crédito, que entravam com pagamentos iniciais significativos e documentavam

detalhadamente os seus rendimentos) – em obrigações colocadas no mercado secundário.

Mais de 80% dos créditos hipotecários nos EUA cabe na categoria PRIME. Os restantes

distribuem-se 14% pela categoria Subprime e 6% em ALT-A.

CRÉDITOS HIPOTECÁRIOS – AS NOVAS MODALIDADES

Créditos JUMBO – são geralmente créditos de qualidade prime, mas ultrapassando o tecto dos

417 mil dólares, que pode legalmente ser garantido pelas GSE; trata-se de empréstimos à

aquisição de residências de luxo ou de elevada qualidade.

Créditos Alternative-A – são de montante inferior aos créditos JUMBO, são concedidos a clientes

que se podem qualificar como estando acima do limiar do Subprime mas que não documentam

em detalhe os seus rendimentos ou não realizam entradas iniciais.

Créditos Subprime – são concedidas a clientes que não tem bom registo de crédito, ou

simplesmente não o têm, que não apresentam detalhe de rendimentos e que são autorizados a

não realizar pagamentos iniciais, pelo que o empréstimo cobre 100% do valor da residência; são

os empréstimos hipotecários que apresentam o maior risco de não pagamento, mas são também

os que pagam maiores taxas de juro.

Refira-se que as normas mais flexíveis na concessão de empréstimos hipotecários

também levou a um aumento significativo na concessão de empréstimos a taxas de

juro ajustáveis (ARM) sendo que, por exemplo em 2006, 92% das hipotecas Subprime,

68% das Alt-A e 43% das hipotecas JUMBO foram concedidas com ARM a comparar

com os 23% nas Hipotecas PRIME.

O crescimento dos empréstimos Subprime, Alt-A e JUMBO (vd. Caixa) acompanhou a

entrada em larga escala dos Grandes Bancos Comerciais integrados e, em menor escala, dos

próprios Bancos de Investimento, nessa transformação, conforme se pode observar no

Gráfico IX.

O boom dos créditos Non Prime abriu o mercado da aquisição de casa própria a milhões de

cidadãos, nomeadamente nos Estados onde se tinha concentrado o boom das Tecnologias da

Informação – Estados da Costa do Pacífico e do Sudoeste – contribuindo para elevar a taxa

de propriedade de habitação de 63,8% em 1991 para 69,2 em 2004.

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Gráfico IX

Repartição da Titularização de Hipotecas por Entidades

Fonte: Federal Reserve; RREEF Research.

O crescimento da concessão de empréstimos hipotecários Subprime, nomeadamente depois

de 2001, apoiou-se em vários desenvolvimentos cruciais:

As instituições de crédito hipotecário adoptaram de forma generalizada as técnicas de

credit scoring que tinham já sido desenvolvidas na concessão de créditos subprime

para a compra de automóvel, o que lhes permitiu melhor classificar os clientes em

termos de qualidade (credit worthiness) e definir em consequência distintos níveis de

taxas de juro tendo em conta o risco;

Os bancos que passaram a intervir na concessão de créditos hipotecários subprime

não dispunham de capitais próprios suficientes para, e de acordo com as novas

normas contabilísticas (Basileia I), incluírem nos seus activos carteiras volumosas

destes créditos de alto risco. E a simples transformação destes créditos em

Residencial Mortgage Backed Securities com baixos ratings não seria suficiente para

atrair muitos investidores que exigem uma qualidade de activos muito superior;

Ora as obrigações emitidas por outras entidades sem a garantia – real ou suposta –

oferecida pelas GSE´s obrigaria à prática de juros muito elevados para compensar o

maior risco, o que a concretizar-se levaria as instituições a exigirem dos devedores

subprime, juros para eles incomportáveis.

Foi este dilema que foi resolvido por inovações financeiras que tornaram possível a expansão

do crédito hipotecário subprime e que se consubstanciava no surgimento dos CDO –

Colateral Debt Obligations e na generalização dos CDS – Credit Default Swaps como

instrumentos de cobertura de risco (ver Caixas adiante).

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4.3. A Distribuição do Crédito Non Prime pelas Regiões dos EUA

A observação do Quadro III permite concluir que, para o conjunto dos créditos hipotecários

Non prime, os Estados em que eles representaram uma parte mais significativa do total de

créditos hipotecários, concedida por Área Metropolitana, distribuem-se por três grupos, por

ordem de intensidade: Primeiro grupo – Florida Califórnia e Nevada (Las Vegas); Segundo

grupo – Texas, Arizona; Terceiro Grupo – Maryland, New York e Washington D.C..

Quadro III

Empréstimos Subprime no total do Volume de Empréstimos Hipotecários originados

por Área Metropolitana dos EUA (2006)

Fonte: “The US Housing Sector in Retreat: the Implications and Projected Recovery”, RREEF Research, Number 61 March 2008.

Ou seja, em Estados que foram ao longo da década de 90 e no princípio da década actual

dos que se situam nos quartis de maior crescimento, como se pode ver no Mapa II, o que em

princípio sugeriria que se trata de Estados onde a absorção dos casos de não

cumprimento por parte dos devedores (default) poderia ser mais rapidamente

resolvida – se não houvesse uma recessão prolongada que atinja a maioria dos

Estados.

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Mapa II

EUA – Crescimento Comparado dos Estados num Período Recente (2005/6)

Fonte: US Bureau of Economic Analysis.

Se nos centrarmos apenas na concessão de crédito subprime e nas falências de devedores,

verifica-se que a região dos Grandes Lagos apresentou uma maior presença relativa neste

tipo e créditos, sem ter apresentado valores significativos de crescimento. E sabendo que

esta é a região onde se concentra uma indústria em profunda crise e com grande expressão

no emprego – a indústria automóvel – é de esperar que a intensidade das cessações de

pagamento e a dificuldade em os superar possa vir a ser bastante maior do que na

Califórnia, Florida, Texas, Arizona, Colorado ou Nevada.

Intensidade de concess ã ode hipotecas subprime por Estado

Intensidade de Foreclosures emhipotecas subprime por Estado

Intensidade de concess ã ode hipotecas subprime por Estado

Intensidade de Foreclosures emhipotecas subprime por Estado

Intensidade de Concessão de Hipotecas Subprime por Estado

Intensidade de Foreclosures em Hipotecas Subprime por Estado

Mapas III

Fonte: Moody`Economy.com

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A “CRISE DO SUBPRIME” E A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO SECTOR IMOBLIÁRIO DOS EUA – UMA OPINIÃO

C.W Calomiris no artigo ”The Subprime Turmoil: What´s Old, What´s New and What´s Next”,

publicado em Outubro de 2008 e no contexto da sua análise dos traços comuns às bolhas

especulativas que geraram crises relacionadas com o sector da “terra” (agrícola ou urbana),

chama atenção para que as crises financeiras associadas a bolhas especulativas no imobiliário e

que tiveram as mais desastrosas consequências foram tipicamente o resultado de políticas dos

governos na esfera financeira que incentivaram, subsidiando-a, a assunção do risco nesse

sector.

No caso concreto da crise do subprime o autor considera que o Governo dos EUA deu a sua

contribuição nomeadamente devido às políticas destinadas a favorecer a aquisição de casa

própria que na sua opinião têm sido concretizadas de um modo que potencia a fragilidade do

mercado imobiliário. Entre as intervenções do Governo destaca as seguintes:

▪ A possibilidade de deduzir os juros de hipotecas nos impostos;

▪ A existência de programas da FHA que fornecem crédito aos compradores de casa

própria, permitindo uma alavancagem de 97% na hipoteca original e autorizando que

num eventual refinanciamento essa alavancagem possa chegar aos 95%;

▪ Os subsídios governamentais concedidos através dos empréstimos dos Federal Home

Loan Banks (que teriam desempenhado um papel relevante no financiamento do IndyMac

e do Countrywide Financial, ambos falidos durante a crise) acompanhados pelas garantias

implícitas dadas pelos Fannie Mae e Freddie Mac, que foram sendo objecto de pressões

políticas para ampliar os seus programas de “habitação acessível” que levaram ao

aumento da procura de hipotecas subprime por parte dessas entidades;

▪ As iniciativas do Governo, incluindo a Community Reinvestment Act (CRA) que

pressionou os bancos a aumentar o acesso ao crédito bancário de potenciais compradores

de casa própria com baixos rendimentos /ou membros de minorias étnicas;

▪ Os protocolos de mitigação de defaults, desenvolvidos durante os anos 90 e início da

presente década que solicitavam aos bancos que tinham originado hipotecas

posteriormente adquiridas pela Fannie, Freddie e pelo FHA a adoptar práticas

normalizadas de renegociação de empréstimos em falta de pagamento a fim de evitar a

apropriação das casas.

Para o autor, estas cinco categorias de iniciativas encorajaram os potenciais tomadores de

hipotecas, que tinham boas condições de crédito, a aumentar a sua alavancagem e alargaram o

acesso ao crédito hipotecário a pessoas que, de outro modo, não teriam acesso a esse crédito,

por não terem condições mínimas. E vai mais longe destacando a influência do Congresso no

sentido de encorajar a Fannie Mae e a Freddie Mac a ampliar de forma significativa as suas

carteiras de hipotecas subprime. Os escândalos contabilísticos revelados nestas duas entidades

em 2003 e 2004 geraram um coro de críticas e de propostas de reforma, entre as quais a do

então Presidente da Reserva Federal Alan Greenspan, que em consequência da preocupação

com os riscos sistémicos resultantes da cada vez maior carteira de hipotecas subprime das duas

GSE conduziu um esforço concertado para reforçar o controlo sobre elas, que culminou numa

proposta apresentada no Senado em 2005, que acabou por ter o resultado perverso, um ainda

maior envolvimento das duas GSE neste tipo de operações como forma de cativar o voto dos

que se opunham no Senado, por razões sociais, a uma redução do papel das GSE, e que

conseguiram derrotar a referida proposta. Em 2008, a exposição às hipotecas subprime da

Fannie e da Freddie era já da ordem do trilião de dólares.

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4.6. As Instituições na Origem das Hipotecas Non Prime

Na origem das hipotecas non prime estiveram os quatro tipos principais de instituições

financeiras envolvidas na concessão de hipotecas nos EUA:

Os Bancos Comerciais, Locais, Regionais e Super Regionais;

Os Bancos Hipotecários (Mortgage Bankers);

As Savings & Loans que sobreviveram à crise prolongada da década de 80;

Os Grandes Intermediários Financeiros Integrados, através dos seus bancos

comerciais.

Todas estas instituições podem apoiar-se na acção dos mortgage brokers cuja função é gerar

procura de novos empréstimos hipotecários junto de potenciais clientes e propor estes novos

empréstimos a qualquer das instituições anteriores, mediante o pagamento de uma

remuneração. O Quadro IV permite simultaneamente identificar nos anos 2006, 2007 e 2008

quais os principais emissores de hipotecas subprime e Alt-A conforme o seu tipo e localização

das suas sedes. Da sua observação ressaltam três aspectos:

A concentração de emissores de subprime num conjunto de Estados em que se

destacaram a Califórnia – de longe com a maior presença – e o Texas;

A existência na lista das dez instituições que concederam créditos subprime e Alt-A

dos quatro tipos, embora com destaque para os bancos hipotecários que viram a sua

posição reforçar-se desde a crise das Savings & Loans dos anos 80;

O desaparecimento das posições de topo de várias das principais instituições, em

resultado do colapso de várias delas.

Quadro IV

Principais Entidades Envolvidas na Concessão de Crédito Hipotecário Subprime

2006, 2007 e 2008

Nome Natureza Sede Montantes

2007 – 1º Trim. (Milhões de dólares)

Montantes 2006 – 1º Trim.

(Milhões de dólares)

Nome Natureza Sede

Montantes 2008 – 1º Trim.

(Milhões de dólares)

Montantes 2007 – 1º Trim.

(Milhões de dólares)

Countrywide Banco Hipotecário Califórnia 7 881 9 205 JP Morgan Chase Holding Bancário

Integrado Nova Iorque 973 3060

HSBC Finance Holding Bancário Integrado Reino Unido 7 573 1 4447

CIT Group Consumer Finance

Holding Bancário Integrado Nova Iorque 652 795

Option One Mortgage Company

Banco Hipotecário Califórnia 6 200 7 690 Fremont

Investment & Loan Banco

Hipotecário Califórnia 305 3 727

First Franklin Financial

Banco Hipotecário Califórnia 5 955 5 539 HSBC Consumer

Lending Holding Bancário

Integrado Reino Unido 300 4 549

Wells Fargo Home Mortgage

Holding Bancário Integrado Califórnia 5 652 5 596 Citi Mortgage Holding Bancário

Integrado Maryland 300 4 000

Washington Mutual Savings & Loans Washington (Seattle) 4 100 6 422 Wells Fargo Holding Bancário

Integrado Califórnia 250 5 652

Citi Financial Holding Bancário Integrado Maryland 4 000 5 900 Equi First

Corporation Banco

Hipotecário Carolina do

Norte 140 1 200

EMC Mortgage Holding Bancário Integrado Texas 3 847 2 022 Accredited Home

Lenders Banco

Hipotecário Califórnia 127 1 541

Fremont Banco Hipotecário Califórnia 3 727 8 539 EMC Mortgage Banco

Hipotecário Texas 104 4 129

WMC Mortgage Corp.

Banco Hipotecário Califórnia 3 400 6 736 Lime Financial

Services Broker

Hipotecário Oregon 100 243

Fonte: National Mortgage News.

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Quadro V

Principais Entidades Envolvidas na Concessão de Crédito Hipotecário Alt-A

Nome Natureza Sede Montantes

2007 – 1º Trim. (Milhões de dólares)

Montantes 2006 – 1º Trim.

(Milhões de dólares)

Nome Natureza Sede

Montantes 2008 – 1º Trim.

(Milhões de dólares)

Montantes 2007 – 1º Trim.

(Milhões de dólares)

Countrywide Banco Hipotecário Califórnia 9 167 8700 Residencial capital Minnesota 2 000 4166

Washington Mutual Savings & Loans Washington

(Seattle) 7 398 nd Countrywide Financial

Banco Hipotecário Califórnia 1 839 9197

Aurora Loan Services

Banco Hipotecário Colorado 7 136 9912 HSBC Motgage

Corp. Filial Banco

Europeu Nova Iorque 602 1079

Morgan Stanley/Saxon Mortgages

Banco de Investimento Virginia 5 434 nd

Branch Banking & Trust

Holding Bancário Integrado

Carolina do Norte 581 737

EMC Mortgage Banco Hipotecário Texas 4 707 14923 Flagstar Bank Savings & Loans Michigan 460 nd

Residencial Capital (GMAC)

Crédito Consumo Minnesota 4 166 7102 Amtrust bank Banco Comercial Ohio 247 2494

Green Point Mortgage

Banco Hipotecário Califórnia 3 137 3809 First Horizon

Home Loans Holding Bancário

Integrado Texas 177 1252

Chase Home Finance

Holding Bancário Integrado Nova Iorque 2 945 2009 Bank of America Holding Bancário

Integrado Carolina do

Norte 143 nd

First Magnus Financial

Banco Hipotecário Arizona 2 607 2890 Aurora Loan

Services Banco

Hipotecário Colorado 126 7136

Wells Fargo Holding Bancário Integrado Califórnia 2 550 8709 Fifth Third

Mortgage Banco Comercial Ohio 118 315

Fonte: National Mortgage News.

4.7. A Titularizaçao das Hipotecas Non Prime – A Vaga dos CDO

O modelo que vingou na concessão de crédito hipotecário Non Prime foi o mesmo que havia

sido dominante desde 1985 para o crédito Prime – quem concedia crédito hipotecário

directamente tratava de agregar conjuntos de hipotecas por forma a vendê-las a entidades

que as transformavam em obrigações colocadas no mercado – os títulos garantidos por

hipotecas (mortgage backed securities) – podendo com o valor da venda conceder novos

empréstimos.

Só que para o crédito subprime era inicialmente muito limitada a intervenção das GSE`s

Gennie Mae, Fannie Mae e Freddie Mac – mais exigentes quanto às hipotecas que garantiam

e titularizavam. Foi, por isso, necessário “montar” um novo esquema para fazer funcionar a

titularização dos novos tipos de hipotecas Non Prime. Quem o concebeu foram os bancos de

investimento através da criação de obrigações, de dívida colateral (CDO`s – Colateral Debt

Obligations) e da sua venda a investidores dos EUA e do Mundo inteiro (assim como para as

hipotecas Prime, a Fannie Mae e a Freddie Mac colocavam as suas obrigações junto dos

investidores internacionais e dos próprios Bancos Centrais, nomeadamente da Ásia).

As obrigações dívida colateral (CDO`s) são, pois, obrigações que se “constroem” a partir de

conjuntos vastos de RMBS Residencial Mortgage Based Securities correspondentes a

hipotecas Non Prime podendo ter diferentes taxas de juro, prazos de amortização e níveis de

risco. O processo de titularização passa pela aglutinação dessas RMBS por forma a constituir

tranches “artificiais” de diferente dimensão no seio da CDO, cada uma delas sendo

“construída” para poder ter diferentes notações a conceder por agências especializadas

(ratings) correspondentes a distintos riscos de cessação de pagamentos e dando origem ao

pagamento de juros em proporção inversa ao risco inscrito em cada tranche.

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É definido um protocolo segundo o qual os pagamentos efectuados pelos devedores das

hipotecas são canalizados prioritariamente para as tranches com maior notação (AAA; por

exemplo), descendo depois sucessivamente para as tranches mezannine, com notações

intermédias (BBB, por exemplo) até chegar às tranches equity consideradas com maior risco,

mas oferecendo também juros mais elevados a quem nelas investir. A definição destas

tranches obedece a modelos matemáticos probabilísticos, tendo a difusão destes

instrumentos sido galopante a partir de 2001, momento em que foi disponibilizado um novo

algoritmo de cálculo.

As CDO podem ter diferentes modelos de financiamento. Os primeiros a surgir foram os Cash

CDO em que existe uma carteira de activos – que podem ser empréstimos, obrigações de

empresas, ABS (asset backed securities), MBS (mortgage backed securities) – cuja

propriedade é transferida para uma nova entidade legal, designada como Special Purpose

Vehicle que emite as tranches do CDO. Como iremos ver adiante, mais recentemente surgiu

outro tipo de CDO com distinto modelo de financiamento – os CDO sintéticos. As mais

tradicionais Cash CDO podem, por sua vez, apresentar diferentes Estruturas:

Cash Flow CDO – são as que pagam juros e amortizações do capital em dívida aos

investidores usando os cash flows produzidos pelos activos iniciais em que os CDO se

baseiam, preocupando-se principalmente com a gestão da qualidade desses mesmos

activos;

Market Value CDO – são as que procuram aumentar os rendimentos para os

investidores através da venda e transacção dos activos em carteira, por forma a obter

ganhos de capital que também possam beneficiar os investidores; neste caso é crucial

a actuação dos gestores da carteira de activos que está subjacente ao CDO.

Os CDO são contratos bilaterais transaccionáveis em mercados descentralizados – mercados

OTC (Over the Counter) – não tendo uma valorização permanente, como acontece com as

acções e outros tipos de obrigações nos mercados centralizados – as bolsas de valores. A sua

complexidade, heterogeneidade e modo de transacção torna a valorização dos CDO numa

tarefa envolta em incerteza, problema com que as agências de notação se depararam ao ter

que atribuir uma categoria a cada uma das tranches dos CDO. Depois, e face a eventuais

dúvidas ou receios dos investidores, os bancos de investimento acabaram muitas vezes por

fornecer os valores indicados pelos modelos utilizados na sua aglutinação.

Como se pode observar dos Quadros e Gráficos, os bancos de investimento independentes

enquanto grupo foram os principais subscritores de CDO´s assentes em hipotecas subprime

tendo para isso estreitado relações com os bancos hipotecários a quem adquiriram as

hipotecas subprime, tendo num momento posterior, já para o fim da fase altista do boom

imobiliário, adoptado estratégias de integração vertical que envolveram a aquisição dos

próprios bancos hipotecários.

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Quadro VI

Principais Entidades Subscritoras de CDO`s em 2007

Nome Natureza

Montante Milhares de milhões de

dólares (quota de mercado)

Merril Lynch Banco Investimento 32 176 (17,2%)

Citi Group Holding Bancário

Integrado 26 578 (14,2%)

UBS (Suíça) Filial Banco Europeu 21 151 (11,3%)

Wachovia Holding Bancário

Integrado 12 505 (6,7%)

ABN AMRO (Holanda) Filial Banco Europeu 10 849 (5,8%)

Goldman Sachs Banco Investimento 10 075 (5,4%)

Bank of America Holding Bancário

Integrado 8 634 (4,6%)

Deustche Bank Filial Banco Europeu 8 231 (4,4%)

Royal Bank of Scotland Filial Banco Europeu 7 154 (3,8%)

Lehman Brothers Banco Investimento 6 575 (3,5%)

Morgan Stanley Banco Investimento 6 277 (3,3%)

Fonte: Top issues of CDO, Reuters - Factbox - Nov 9 2007

Como se pode ver no Quadro VI, são ainda de ressaltar como principais subscritores de CDO

que permitiram a titularização maciça das hipotecas subprime as filiais de investimento dos

Holdings Bancários Integrados – Citigroup, JP Morgan Chase, Bank of America e Wachovia

Bank e as filiais dos bancos europeus presentes nos EUA desempenharam um papel-chave

na titularização das hipotecas Non Prime por via da emissão de CDO.

Entre 2000 e Junho de 2007 os bancos de investimento dos EUA (e as filiais de investimento

dos Holdings bancários integrados) criaram mais de 1,8 triliões de dólares de CDO´s

assentes em hipotecas Non prime. A criação dos CDO`s foi, por sua vez, fundamental para a

mobilização de fundos no mercado monetário por parte dos Bancos de Investimento que com

os CDO em carteira, utilizaram-nos como garantia dos empréstimos de curto prazo com que

se financiaram no mercado monetário, para poderem conceder créditos a longo prazo a dois

tipos de clientes-chave do período 2000-2007 – os hedge funds e os private equity funds –

entidades que utilizavam elevadíssimas taxas de endividamento nas suas operações.

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Figura VII

Os CDO`s – Instituições e Fluxos Envolvidos

Fonte: DPP

E fizeram-no por quatro ordens de razões:

A montagem de CDO era remunerada por comissões muito superiores à de outras

operações;

Os CDO permitiam aumentar o volume de títulos que podiam oferecer como garantia

nos mercados monetários por grosso em que se financiavam a curto prazo (mercados

Repo e ABS);

Os CDO foram em muitos casos transferidos para entidades específicas SIV criadas

pelos bancos de investimento, libertando os seus balanços (vd. Caixa); ou então os

bancos de investimento criaram os seus próprios Hedge Funds que lhes compravam

grandes volumes de CDO, pondo outros bancos a financiar essa compra, graças às

estratégias de elevadíssimo endividamento típicas dos Hedge Funds;

Os CDO podiam ser alvo de operações no mercado de derivados – Credit Default

Swaps – que reduziam (teoricamante) o risco da cada vez maior alavancagem pela

dívida que foram assumindo para fazer face às exigências de financiamento de dois

grandes grupos de clientes – os Hedge Funds e os Privaty Equity Funds – sem terem

de aumentar os seus capitais próprios.

Os CDO subscritos pelos bancos de investimento e pelas divisões de investimento dos

grandes intermediários financeiros integrados acabaram por ser distribuídos por todo o

sistema financeiro por duas vias:

Por um lado, as diversas tranches foram adquiridas por diversos tipos de investidores

– fundos de pensões, fundos de investimento mútuo, bancos comerciais e hedge

funds (incluindo os que foram criados pelos mesmos bancos que subscreveram os

CDO);

BANCOCarteira de

Activos(Obrigações,Empréstimos)

TrancheSeniorAAA

TrancheMezzanine

ABBB

Tranche EquityJunior)

SPV

AC

TIV

OS

PA

SS

IVO

Cash

Venda deActivos

Cash

Emissão deNotas

por Tranche

Principal +Juros

INVESTIDORES

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Por outro lado, foram oferecidos como garantia aos intervenientes no mercado

monetário em que esses bancos se financiaram a curto prazo.

Estes dois tipos de entidades, ao adquirirem os CDO – ou ao terem concedidos empréstimos

por eles garantidos – ficaram expostos ao risco de que os CDO se desvalorizassem, quer por

via de um agravamento das cessações de pagamento nas hipotecas que lhes estavam na

origem, quer por via de uma queda generalizada no preço das residências objecto das

hipotecas, quer, ainda, por via do efeito cumulativo de ambas.

OS BANCOS DE INVESTIMENTO E OS SIV – STRUCTURED INVESTMENT VEHICLES

Os SIV são entidades ou estruturas abertas patrocinadas por bancos de investimento ou Holdings

bancários integrados que se financiam a curto prazo e a baixa taxa de juro no mercado wholesale

(frequentemente com taxas próximas do LIBOR) emitindo papel comercial e notas a médio prazo

e que com esses fundos adquirem títulos a longo prazo assentes em activos (asset backed

securities), nomeadamente activos baseados em hipotecas, em cartões de crédito, em

empréstimos a estudantes, etc., títulos que rendem juros mais elevados do que os que têm que

pagar. Os títulos emitidos pelos SIV para se financiarem têm normalmente duas tranches –

senior e junior – tendo a primeira ratings de AAA/Aaa/AAA, e sendo constituída por notas de

médio prazo (MTN) e papel comercial (CP) e a segunda podendo não ser objecto de rating ou se

for será na área dos BBB. Os SIV envolvem riscos quer de solvência, quer de liquidez:

▪ A solvência do SIV pode estar em causa se o valor dos títulos de longo prazo que detém

na sua carteira cair abaixo do valor dos títulos de curto prazo com que se financiou;

▪ Os problemas de liquidez do SIV resultam de se financiar a curto prazo e investir em

activos a longo prazo, pelo que é fundamental que tenha possibilidade de se refinanciar

sem problemas a taxas favoráveis, sem o que pode ser obrigado a vender os activos num

momento em que o mercado esteja em fase de desvalorização acelerada.

Não admira que os SIV, para suportarem as tranches senior recorram ao acesso a meios de

liquidez junto de bancos, o que reduz o risco dos investidores face a eventuais rupturas do

mercado wholesale que possam impedir os SIV de refinanciarem a sua dívida a curto prazo.

Os SIV foram um instrumento privilegiado dos bancos de investimento e dos holdings bancários

integrado para colocar fora do balanço (off balance sheet) carteiras de obrigações assentes em

hipotecas.

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Figura VIII

Principais Intervenientes nos CDO e CDS

CASH CDO

SYNTHETIC CDO

SubprimeMortgage

CommercialBank

Mortgage Loan Banks

InvestmentBank&Asset

Mangement Firm

Cash Flow CDO

Market Value CDO

SOURCE OFFUNDS

MOTIVATION

FUNDING

HEDGEFUNDS

PENSIONFUNDS

INVESTMENTBANKS

COMMERCIALBANKS

SIV

CDOCollaterized

DebtObligation

LOANS &BONDS

STRUCTURED

FINACED PRODUCTS

CASH CDO

CDSCredit

Default Swaps

ARBITRAGETRANSACTIONS

BALANCE SHEET

TRANSACTIONS

INVESTORS

SENIORTRANCHES

MEZZANINETRANCHES

EQUITYTRANCHES

O MUNDO DOS CDO E DOS CDS

STRUCTURE

SYNTHETIC CDO

HEDGEFUND

BONDINSURANCE AGENCIES

Savings &Loans

Large Integrated Commercial Banks

Fonte: DPP.

4.8. A Cobertura de Risco dos Títulos Assentes nas Hipotecas Non Prime

O processo de titularização de hipotecas Non Prime não fica completo com a sua integração

em CDO, ao contrário do que acontece quando hipotecas Prime são garantidas e titularizadas

pelas GSE`s. Faltava ainda assegurar uma protecção face ao risco de default que tornasse

ainda mais atractiva para o investidor a compra destas obrigações. O processo de cobertura

de risco pode ser realizado por duas vias:

Recorrendo a uma agência privada de garantia, como são as Seguradoras Monoline –

AMBAC, MBIA, ACA, etc. que seguraram directamente os CDO mediante o pagamento

de prémios; estas seguradoras estavam tradicionalmente focalizadas nas obrigações

municipais de elevada garantia, mas progressivamente foram-se envolvendo na mais

arriscada, mas mais lucrativa actividade de segurar os CDO originados no crédito

hipotecário subprime, sem, no entanto, terem reforçado o seu capital próprio para

fazer face ao maior risco de não cumprimento destas obrigações; um aspecto

específico que se deve salientar é o de que as seguradoras monoline “transmitem”

aos títulos que garantem a notação que lhes for atribuída pelas agências. Ou seja,

uma quebra na notação (rating) de uma monoline arrasta uma quebra idêntica em

todos os CDO que tiver garantido;

Recorrendo a instrumentos derivados como os Credit Default Swaps (CDS) – que são

Instrumentos derivados materializados em contratos entre duas partes, pelos quais

uma das partes transfere o risco de não cumprimento existente em determinada

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carteira de activos para uma “contraparte” que aceita tomar esse risco em parte ou

na totalidade, por um período a combinar e após uma definição detalhada dos

eventos que podem desencadear a transferência de risco; mediante esse contrato o

comprador de protecção tem que realizar periodicamente o pagamento de uma

comissão à “contraparte”. Actualmente, estes contratos não são susceptíveis de

transacção em mercados específicos embora a necessidade destes se faça sentir cada

vez mais;

Comecemos por recordar que os instrumentos derivados são contratos financeiros cujos

valores “derivam” do valor de um activo subjacente, sejam estes commodities, acções,

hipotecas, obrigações ou empréstimos de risco. Existem basicamente três tipos de

derivados: futuros, opções e swaps. Os derivados de crédito, em particular, têm a sua base

em obrigações, em empréstimos, em créditos ao consumo, etc. Os CDO e os CDS são ambos

instrumentos derivados de crédito. Os derivados podem ser usados para duas funções

principais:

Para cobrir ou mitigar (hedging) o risco de um prejuízo decorrente de mudanças no

valor do activo que lhes serve de base; ou

Para especular, ou seja procurar aumentar o seu lucro no caso do valor do activo

subjacente se mover na direcção que o investidor antecipou (ou em que “apostou”).

Num CDS há três partes: a primeira parte que é o “comprador de protecção”, a contraparte

que é o “vendedor de protecção” e a terceira parte que é quem origina o risco de crédito por

ser o emissor das obrigações ou outros activos subjacentes ao CDS. Os Credit Default Swaps

são um instrumento derivado transaccionado privadamente – ou seja fora de um mercado

organizado, pelo qual um “comprador de protecção” paga uma quantia pré-estabelecida a

um “vendedor de protecção” e, em contrapartida recebe um pagamento deste, se um certo

evento negativo ocorrer (por exemplo, se houver uma cessão de pagamentos no instrumento

de crédito que serve de referência no contrato). Uma característica-chave dos CDS, tal como

existem actualmente, é a de que o “comprador de protecção” não necessita de possuir o

activo financeiro que serve de referência ao contrato para poder vir receber um pagamento

do “vendedor de protecção”, se ocorrer o evento negativo previsto no contrato; e, por isso

mesmo, os CDS podem ser utilizados para especular ou seja para fazer “apostas” na

evolução do valor dos activos de referência, sem que tenha de sofrer um prejuízo caso

ocorra o evento negativo, já que não possui o activo que perde valor. E com a consequência

de que um actor suficientemente poderoso, ou um grupo de actores, pode forçar a que o

valor do activo subjacente evolua no sentido da aposta realizada.

Os CDS fornecem uma protecção semelhante a um seguro contra o risco de cessação de

pagamentos numa obrigação, embora exista um largo consenso em não considerar o CDS

como um verdadeiro seguro já que o “comprador de protecção” não necessita de possuir o

instrumento financeiro subjacente e, por isso mesmo, não tem que obrigatoriamente sofrer

um prejuízo para poder receber o pagamento por parte do “vendedor de protecção”,

bastando que se verifique o evento referido no contrato.

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ORIGENS E UTILIZAÇÕES DOS CREDIT DEFAULT SWAPS – CDS

As principais razões que levaram ao aparecimento dos CDS foram por parte da banca comercial dois problemas até então insolúveis e que se colocavam no que respeitava à gestão do risco de crédito nos empréstimos concedidos:

▪ Por um lado, as operações de hedging do risco de crédito eram na maior parte dos casos impossíveis de concretizar, pois de um modo geral não era possível tomar uma short position em relação a um crédito concedido, do que resultava que, face à deterioração de um crédito, um credor pouco podia fazer para se proteger com antecedência, para além de tomar mais garantias colaterais, o que poderia ser já impossível ou poderia contribuir para o agravamento da situação do devedor;

▪ Por outro lado, a diversificação do risco de crédito era uma operação de difícil concretização, em parte pelas estreitas relações que existiam entre bancos e os seus principais clientes que tornavam difícil diversificar para explicitamente reduzir a dependência face a esses mesmos clientes; e em parte pelas próprias características estatísticas do risco de crédito que sugeriam que uma efectiva diversificação da carteira de empréstimos de um banco exige um número muito maior de outros empréstimos do que, proporcionalmente se exige na diversificação de carteiras de acções ou obrigações, pelo que até ao surgimento dos CDS a forma mais prática de diversificar o risco de crédito era através do crescimento da dimensão por absorção de outros bancos.

A compra de protecção através de CDS resolvia ambas estas dificuldades aos bancos comerciais que foram dos primeiros a aproveitar este novo instrumento, em paralelo com os bancos de investimento, já presentes em larga escala no mercado dos derivados em geral.

Os Credit Default Swaps, aliás como a maioria dos instrumentos derivados, podem ser utilizados não só para proteger uma exposição a um risco existente como para para especular na mudança dos spreads de crédito:

▪ Utilização para Protecção – os Credit Default Swaps (CDS) podem ser utilizados para gerir o risco de crédito sem ser necessário vender as obrigações da entidade de referência subjacentes ao CDS; assim, os detentores de obrigações podem proteger-se do risco de não cumprimento (default) comprando protecção face a essa entidade de referência através de um CDS;

▪ Utilização para Especulação – os Credit Default Swaps (CDS) dão a um especulador a possibilidade de obter um elevado lucro com mudanças na qualidade do crédito de uma empresa sem a necessidade de deter activos dessa empresa; com efeito, um vendedor de protecção consegue uma exposição às obrigações da entidade de referência subjacentes ao CDS, em valor igual ao do notional amount do CDS, mas sem ter que despender meios na sua aquisição prévia.

OS CDS que são negociados com o objectivo de especular, são frequentemente designados por naked CDS, enquanto os que são utilizados para protecção de risco directo são designados por non naked CDS.

O “comprador de protecção” num CDS pode ser qualquer entidade que possa legalmente

entrar num contrato e que pretenda acrescentar este ao seu portfolio, sendo que pode ou

não ter um interesse directo no instrumento financeiro subjacente, podendo fazê-lo quer

para cobrir risco, quer para especular. De entre os mais frequentes “vendedores de

protecção” encontram-se bancos, hedge funds e outras instituições financeiras como as

financial guarantee insurance companies (FGI´s).

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Um investidor que estela disponível para “vender protecção” pode fazê-lo para obter lucros

de três modo; o eventual pagamento integral de uma dívida adquirida com desconto; a

recepção de prémios em contrapartida da concessão da protecção e a obtenção de lucros

com a transacção do CDS:

Pagamento Integral da Dívida Subjacente – quando uma dada empresa está a ter

dificuldades financeiras, o especulador pode ser capaz de adquirir as obrigações a um

preço de desconto face ao seu valor ao par; se a empresa acabar por pagar a

integralidade da dívida o especulador obtém lucros ao receber a diferença entre o

preço de desconto a que comprou as obrigações e o valor pleno destas;

Contrapartidas da Protecção – em contrapartida de fornecer protecção contra o

risco de crédito, um especulador recebe trimestralmente prémios; se a empresa ou

entidade que contraiu o crédito não entrar em falência – ou não incorrer num outro

tipo de evento previsto no contrato CDS – então o especulador terá recebido fundos

sem ter que adquirir qualquer activo;

Transacções com CDS – um especulador pode ainda obter lucros através da compra

e venda de CDS que tenham sido já contratados; assim, como o preço de uma

obrigação flutua com a evolução da credibilidade creditícia de uma empresa, também

o preço do CDS flutua, sendo que a volatilidade do swap é muito superior à da

obrigação que lhe está subjacente; assim o mercado dos CDS permite ao especulador

realizar elevados ganhos – ou sofrer pesadas perdas – quando comparadas com os

que teria se investisse nas obrigações subjacentes.

Os CDS estiveram, por sua vez, na base de um outro tipo de CDO – os CDO “Sintéticos” –

que tiveram a sua origem em 1997 e nos quais o que é titularizado não são empréstimos

mas sim Credit Default Swaps que como vimos não são títulos, mas sim contratos bilaterais

de compra e venda de protecção de crédito face a um entidade de referência que emite

obrigações.

Neste tipo de CDO´s uma terceira parte, que pode ser por exemplo um hedge fund paga um

prémio, designado por spread a uma outra contraparte, que pode ser um banco, para obter

protecção de crédito face a uma terceira parte – com o valor do spread a reflectir a

probabilidade desta terceira entidade abrir falência. No CDO sintético não há lugar a

qualquer transferência física ou legal de activos e o SPV vende protecção de crédito ao

originador/sponsor e recebe um spread relativamente a cada CDS incluído no CDO.

Além de vender protecção, o SPV pode investir em activos de elevada qualidade – como

sejam as obrigações do tesouro; e neste caso designado como Funded CDO – a combinação

dos spreads recebidos, com os rendimentos desses títulos é que constituirá o rendimento a

atribuir aos investidores no CDO. Enquanto que, como vimos atrás, num cash flow CDO os

títulos emitidos pelo CDO, correspondentes às várias tranches, tinham como colateral uma

carteira de activos, sendo os pagamentos aos detentores dos títulos feitos a partir do

pagamento dos juros e do capital em dívida originados nesse pool, nos CDO sintéticos não

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se dá qualquer transferência de títulos, permanecendo o pool de activos de referência no

balanço da entidade originadora. O investidor que compra um CDO sintético recebe a partir

dos prémios que o conjunto de CDS que o integram originam, ou seja está a ser pago

apenas por aceitar assumir o risco e não por emprestar dinheiro (como acontece quando é

pago a partir dos juros e do capital em dívida originados nas hipotecas).

Figura IX

Fluxos num CDO “Sintético”

Fonte: DPP.

Os CDS – Credit Default Swaps são teoricamente um meio excepcional de distribuir risco,

evitando a sua concentração nas instituições responsáveis pela intermediação financeira.

Mas, na forma como existem actualmente, apresentam um conjunto de características que

os tornam potencialmente “perigosos”:

Os CDS são contratos entre partes, não podendo ser considerados títulos susceptíveis

de transacção em bolsa, como aliás sempre tem defendido a International Swaps and

Derivatives Association (ISDA), pelo que não se dispõe de uma forma de os valorizar

a qualquer momento;

Os CDS nem sequer são objecto de compensação em plataforma própria, que

permitisse uma redução drástica de duplas contagens e que permitisse avaliar e

tornar visível a posição líquida das várias partes e contrapartes;

A explosão no uso dos CDS não foi acompanhada da eventual definição de condições

mínimas que as entidades – as mais diversas – que quisessem assumir o papel de

“vendedores de protecção” deveriam ter em termos de capitais próprios, por exemplo,

SPV

Activos de Elevada Qualidade

(ex obrigações do Tesouro)

Cash Flows$

BANCO SPONSOR

Prémio doSwap (CDS)

Pagamento no casode ocorrer oCredit Event estipulado no CDS

Credit Default Swap(CDS)

Compra Protecção de Crédito

VendeProtecção deCrédito

Activos de Referência (que podem originar

risco de crédito)

Vendedor deProtecção

Senior

Mezannine

Mezzanine

Equity(ou Junior)

Principal

Cupões

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o que abriu a possibilidade de se assistir ao default das próprias contrapartes dos

CDS.

Quadro VII

Principais Instituições Envolvidas no Mercado de Credit Default Swaps

2002 a 2005

Fonte: Ficht Ratings (2006).

O Quadro anterior permite identificar quem foram os principais intervenientes no mercado

dos CDS.

Os grandes intermediários financeiros integrados como o JP Morgan Chase, Citigroup,

Bank of America começaram por ser os principais actores nos mercados de Credit Default

Swaps (CDS), antes de mais como “compradores” de protecção, mas também como

vendedores. O interesse destas entidades pelos CDS teve a sua origem na publicação do

Acordo de Basileia I que forçou muitos bancos a reavaliarem a dimensão da sua exposição a

clientes empresariais específicos, muitos dos quais eram clientes de longa data. Para os

bancos que passaram a ter limites nas suas linhas de crédito, os CDS surgiram como uma

forma de reduzir o risco nos empréstimos e, desse modo, poderem contornar as exigências

de Basileia sem ter de reduzir a sua actividade de crédito, constituindo uma alternativa mais

prática e com maior garantia de liquidez do que o recurso ao mercado secundário dos

empréstimos sindicados; para além de que a transferência de risco para o mercado podia ser

feita sem o conhecimento dos clientes. Mas, os bancos comerciais também surgiram como

vendedores de protecção, como meio de obter uma exposição a sectores, regiões ou clientes

com quem não tinham relações tradicionais de crédito, podendo desse modo diversificar o

risco.

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Por sua vez, os bancos de investimento tornaram-se também participantes activos no

mercado CDS quer como fornecedores de liquidez para os seus clientes, quer como

proprietary traders. O mercado CDS constitui para eles um meio atraente de remover activos

dos seus balanços, mediante a constituição de SIV, objectivo que se tornou mais importante

nos últimos anos. Com efeito, face ao limitado capital próprio dos bancos de investimento, a

existência de um mercado como o dos Credit Default Swaps permite-lhes distribuir o risco

dos empréstimos que cada vez com mais frequência, e em maior volume, são obrigados a

conceder aos seus clientes (vd. hedge funds).

Uma terceira categoria de actores que aumentaram a sua participação no mercado CDS,

sobretudo como vendedoras de protecção, mas por vezes também como investidoras, são as

Seguradoras, quer as maiores seguradoras monoline, quer companhias como a AIG. No

caso das monolines tornaram-se intervenientes-chave no mercado de CDS como vendedoras

de protecção através das tranches super senior em transacções estruturadas. Refira-se,

igualmente, o intenso envolvimento no mercado de CDS dos bancos europeus de maior

dimensão – britânicos, alemães, suíços e franceses (muitos dos quais optaram por se

“segurar” junto da AIG). Por último, refira-se a entrada maciça dos hedge funds no mercado

CDS.

No Gráfico X pode apreciar-se a diferença no tipo de envolvimento destes vários actores:

enquanto os bancos comerciais estão, sobretudo, presentes nas tranches de menor risco, as

Seguradoras e os Hedge Funds concentram-se nas tranches de maior risco (equity e

mezzanine).

Gráfico X

Envolvimento de diversas Instituições Financeiras nos CDS

Fonte: CITIGROUP.

Por sua vez, o Gráfico XI revela a explosão verificada no uso de CDS em 2006 e 2007,

possivelmente revelando maior consciência do risco e maior diversidade de intervenientes.

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Gráfico XI

Evolução do Mercado de Credit Default SWAP`s

Fonte: Nelson Shwartz, Julie Creswell, ”What Created this Monster?”, New York Times, 23 March 2008.

Em 2006, Alan Greenspan afirmava que “the credit default swap is probably the most

important instrument in finance.... What CDS did is lay off all the risk in highly leveraged

institutions – and that´s what banks are, highly leveraged – on stable American and

international institutions”.

4.9. Síntese

A Figura X procura sintetizar os principais actores intervenientes directa e indirectamente no

crédito hipotecário Non Prime e que foram duramente atingidos pela crise imobiliária que

se desencadeou de forma manifesta a partir de 2006 – excesso de produção de novas

residências, queda dos preços, aumento de não cumprimentos, aumento das residências

para venda a desbarato e a consequente maior queda dos preços:

Na base estão as instituições que concedem directamente créditos hipotecários Prime

Subprime e os angariadores de novas hipotecas;

No centro estão os Holdings bancários integrados, fornecendo linhas de crédito aos

do nível anterior e adquirindo-lhes conjuntos de hipotecas para titularizar; ao mesmo

tempo que participam na emissão de CDO´e são actores de primeiro plano na busca

de cobertura de risco por via dos CDS;

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No topo estão os Bancos de Investimento que “apenas” intervêm nas fases de

titularização (Cash CDO e CDO “Sintéticos”) e de criação de instrumentos derivados

para cobertura de risco (CDS);

Lateralmente encontram-se as Seguradoras – Monoline e outras – que intervêm na

cobertura de risco dos títulos CDO, quer directamente, quer através de intervenção

em CDS.

Figura X

Principais Intervenientes no Crédito Subprime

MORTGAGESGUARANTOR

INSTITUTIONS(Fannie Mae Freddie MacGinnie Mae)

Mortgage LoansSUBPRIME

Mortgage Loans-PRIME

MORTGAGE BROKERS

REGIONAL & LOCALCOMMERCIAL

BANKS

SAVINGS &LOANS

MORTGAGE LOAN

BANKERS

MONEY CENTRE BANKS/BANKS HOLDINGS

MBSMortgages

Backed Securities

MORTGAGESECONDARY

MARKET

INVESTMENT BANKS &(BROKERS & DEALERS)

Mortgage &Home

Divisions

MBSMortgages

Backed Securities

CDOCollaterized

Debt Obligations

CAPITALMARKETS

MBSMortgages

Backed Securities

MortgageREITS

CMOCollaterized

MortgageObligations

BOND INSURERS(MBIA;AMBAC;

ACA Capital etc)

MONEYMARKETS

HEDGE FUNDS

MONEY MARKETFUNDS

Fonte: DPP.

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O PETRÓLEO “ DERROTA” O IMOBILIÁRIO

A explosão dos preços do petróleo, nomeadamente a partir de 2002, resultou da capacidade dos produtores da OPEP em recuperarem do colapso dos preços do petróleo de 1997 e compensarem a desvalorização do dólar desde 2002, o que puderam fazer devido a uma situação particularmente favorável de que dispunham no mercado, em consequência de quatro evoluções simultâneas:

▪ O forte crescimento das economias asiáticas, nomeadamente da China e da Índia, menos afectadas pela crise asiática de 1997/8, explica a maior parte do crescimento da procura de petróleo e gás natural; conjugam-se Industrialização, Urbanização e Motorização para gerar esse forte ritmo de procura;

▪ As províncias energéticas exteriores à OPEP e à Ex-URSS que haviam permitido aos países desenvolvidos aumentar a produção face ao aumento da procura após o choque petrolífero de 1973 (que ocorre pouco depois das principais “províncias energéticas” dos EUA terem atingido o seu pico de produção) atingiram, uma após outra, o pico de produção “convencional” (Mar do Norte, Alasca, Golfo do México) o que colocou os países desenvolvidos ainda mais dependentes no médio/longo prazo dos produtores da OPEP;

▪ O ritmo de descobertas de novos jazigos de petróleo nas últimas duas décadas não tem sido suficiente para compensar a redução de produção da actual base de produção, em que se assiste à chegada à fase de maturidade de províncias petrolíferas inteiras exteriores ao controlo da OPEP (ex. Mar do Norte, Alasca); e uma elevação contínua do EROI (energy return on investment) apontando para uma cada vez maior “fatia” de recursos financeiros que tem que ser destinado ao desenvolvimento da oferta energética para se obter um mesmo crescimento do produto a nível mundial;

▪ Uma quebra acentuada do investimento em prospecção e exploração por parte das companhias privadas durante a segunda metade dos anos 90; a concorrência com as internet companies e as empresas de tecnologias de informação no mercado bolsista levou as companhias energéticas a seguirem uma agressiva política de dividendos e de aquisição de acções próprias para valorizarem as suas acções, reduzindo o investimento em prospecção exploração, decisão que se reforçou com a queda do preço do petróleo em 1997/8 que chegou a transaccionar-se a 8 US $/bbl. Existem estimativas que apontam para que o nível de investimento actual quer no petróleo, quer no gás natural está 20% abaixo do que seria necessário para responder ao crescimento da procura mundial e evitar uma ruptura de abastecimento que pode acontecer até 2015, caso o consumo não sofra uma redução forte.

Este conjunto de circunstâncias tornou possível o êxito de uma estratégia concertada da OPEP sob a direcção da Arábia Saudita no sentido de recuperar da quebra calamitosa dos preços que acompanhou a crise asiática de 1997 e o erro de avaliação anterior da OPEP – ao ter decidido aumentar a produção na expectativa da continuação do crescimento anterior da Ásia; ao mesmo tempo que uma redução da capacidade excedentária da OPEP, tornava mais difícil a regulação do mercado, tornando-o mais vulnerável a movimentos especulativos.

O aumento da renda da terra nas economias desenvolvidas (concretizado no boom especulativo do imobiliário) passou assim a ter um “concorrente” a nível global – o aumento da renda petrolífera apropriada pela OPEP e pela Rússia. Mas, enquanto a primeira gera uma inflação de activos, a segunda determina uma inflação nos bens e serviços. Na competição de uma com a outra venceu a renda petrolífera – o boom imobiliário não resistiu às elevações da taxa de juro para travar a inflação e/ou para controlar a desvalorização do dólar.

Por sua vez, a abundante liquidez a nível mundial, num contexto de poucas oportunidades de aplicações de elevada rendibilidade, orientou volumes significativos de capitais para os mercados de futuros de petróleo e gás natural, levando a fortes acréscimos de preços nestes mercados como aconteceu em consequência do forte envolvimento de investidores institucionais como os hedge funds.

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5. DA CRISE DO SUBPRIME À CRISE FINANCEIRA GLOBAL

Seguidamente iremos, de forma resumida, analisar as origens da crise do crédito subprime e

os mecanismos que fizeram desencadear uma crise financeira com uma dimensão que não

se conhecia desde os anos 30 do século passado.

5.1. 2006/7 – O Imobiliário Residencial nos EUA a Caminho de uma Queda

Vertiginosa

Depois de ter crescido fortemente durante a primeira metade da década, a actividade no

sector residencial nos EUA recuou pronunciadamente em 2007. Assim, após o pico verificado

em Setembro de 2005, as autorizações de construção de novas unidades residenciais

unifamiliares caíram 53% até finais de 2007 e as vendas no mercado de segunda mão de

residências construídas quebraram 30% em igual período.

Os Gráficos XII e XIII permitem identificar os pontos de viragem da tendência:

Gráfico XII

Imobiliário Residencial EUA - Queda da Actividade de Construção

Fonte: Insights from the Federal Reserve Bank of Dallas, Economic Letter November 2007

A elevação das taxas de juro que começou no Verão de 2005 contribuiu para a fraqueza que

se começou a verificar nos mercados residenciais, brevemente interrompida nos finais de

2006, para se agudizar posteriormente com a revelação de problemas na qualidade dos

empréstimos hipotecários a provocar um endurecimento nos critérios de concessão de

empréstimos hipotecários, particularmente os de maior risco. À medida que as instituições

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de crédito contraíam o crédito, a actividade residencial voltou a cair no início de 2007,

acompanhada por aumento de crédito mal parado e de execução de empréstimos com

tomada dos activos.

Os problemas com o crédito hipotecário Subprime começaram a vir à superfície em finais de

2006, à medida que os investidores se aperceberam que haviam comprado obrigações

baseadas em RMBS que haviam tido notações assentes em expectativas excessivamente

optimistas quanto à qualidade das respectivas hipotecas.

Recorde-se que a história das hipotecas Subprime é ainda curta e que problemas que haviam

surgido já antes e durante a recessão de 2001 rapidamente tinham desaparecido nos anos

seguintes (2002 a 2005), graças à redução drástica das taxas de juro, à retoma económica

com a consequente redução (ainda que ligeira) do desemprego e à valorização dos activos

imobiliários que acompanhou a redução dos juros, conforme se pode verificar no Gráfico IX.

Com efeito:

A redução das taxas de juro nos primeiros anos da década permitiu baixar a taxa

base que tinha que ser paga nos empréstimos hipotecários concedidos a taxas

flexíveis (Adjustable Rate Mortgages), uma vez esgotado o período de carência;

recorde-se que, em 2006, 92% das hipotecas subprime, 68% das Alt-A e 43 das

hipotecas JUMBO foram concedidas com ARM;

A elevação dos preços das casas permitiu que devedores que experimentaram

dificuldades no pagamento das anualidades conseguissem ou obter empréstimos com

base na sua home equity (ou seja na diferença entre o valor actual das suas casas e o

valor à altura da contratação do empréstimo hipotecário) e com isso manter o ritmo

de pagamentos devidos ou vender as casas e pagar a dívida.

A eventual não consideração destes dois factores na evolução benigna dos problemas

verificados com as hipotecas subprime antes de 2006 poderá ter levado os modelos de

avaliação de risco de crédito a não prever o impacto de uma inversão simultânea de

tendência nas taxas de juro e nos preços das habitações, especialmente por considerarem

que historicamente seria pouco provável esta última, dado o registo histórico de uma

contínua valorização das habitações nas décadas anteriores.

No início de 2007, quer as instituições financeiras que tinham concedido os empréstimos,

quer os investidores que haviam adquirido os CDO defrontaram-se com o facto de as taxas

de incumprimento nos créditos subprime e Alt-A serem muito superiores às verificadas com

as hipotecas concedidas em 2004. As instituições financeiras – bancos e não bancos –

reagiram endurecendo mais as condições nos novos créditos de risco, enquanto alguns dos

não bancos se retiravam do negócio.

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Gráfico XIII

Evolução dos Preços das Habitações nos EUA desde 1987

Fonte: Insights from the Federal Reserve Bank of Dallas, Economic Letter November 2007

Para compreender o que se segue convém recordar que o funcionamento do mercado

hipotecário supõe uma estreita articulação entre dois mercados distintos: o da compra de

casas em primeira mão e o da compra de casas em segunda mão. Um activo mercado de

residências em segunda mão, permite a famílias que já possuem casa candidatar-se a

comprar novas, aproveitando a elevação do valor das que ocupavam, para poderem entrar

com um pagamento inicial significativo nos novos empréstimos que irão contrair, ao mesmo

tempo que as condições mais favoráveis das hipotecas dos novos compradores (ARM,

Subprime, Alt-A) facilitam que estes comprem as casas em segunda mão aos valores

inflacionados pela alta do preço das casas a nível da cidade, do Estado ou dos EUA no seu

conjunto.

Os factores que possam afectar o ritmo de compras no mercado das residências em segunda

mão pode, pois, vir a travar – meses mais tarde – as compras de residências em primeira

mão e, por esse processo, fazer baixar o preço das casas novas por insuficiente procura e

travar o ritmo de construção. A observação do Gráfico XIV revela que desde 2004 foi

crescendo o ratio das casas em segunda mão (Existing Homes Inventories) por vender o que

apontava para que, mais tarde pudesse haver redução nas compras de casas novas,

afectando, por sua vez, o ritmo de construção.

As restrições na concessão de créditos de maior risco, a partir de 2007, só poderiam ter

agravado o ratio de residências em segunda mão por vender e, desse modo, alimentaram a

quebra nos preços.

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Gráfico XIV

Evolução do Inventário de Habitações Existentes por Vender

Fonte: Insights from the Federal Reserve Bank of Dallas, Economic Letter November 2007

O índice Case Shiller que avalia a evolução dos preços da habitação em 10 maiores cidades

dos EUA atingiu o pico em 2005 e reduziu-se em Agosto de 2007 em 5%, a sua maior queda

desde 2001. Ora, sem valorização das casas muitas famílias têm dificuldades em refinanciar-

se para fazer face às elevações de juros nas suas hipotecas ARM.

Assim, em Agosto de 2007, o mercado imobiliário residencial dos EUA já manifestava

evidentes sinais de fraqueza que pressagiavam agravamento de pressões sobre as famílias

devedoras e maior probabilidade de aumento das taxas de não pagamento e mesmo de

foreclosures. Ao mesmo tempo as agências de rating procediam a downgrade de muitas das

RMBS (Residencial Mortgage Backed Securities) que estavam na base dos CDO, originando

uma fuga dos investidores à tomada de novas obrigações deste tipo baseadas em hipotecas

subprime, “secando” desse modo as fontes de financiamento que os bancos e não bancos

tinham para conceder novas hipotecas de risco elevado.

Em 14 de Agosto, a paralisia nos mercados de capitais levou três fundos de investimento a

suspender os levantamentos por parte de investidores (redemptions) por considerarem não

estar em condições de calcular o valor das suas acções perante o risco de desvalorização

maciça dos CDO que tinham subscrito. Este acontecimento gerou uma preocupação

generalizada acerca do preço destes instrumentos, levando à generalizada percepção de que

as RMBS não garantidas pelas GSE tinham um risco de liquidez e de default muito superior,

pondo em causa o valor de mercado do capital de muitas entidades financeiras e, por isso,

perturbando o funcionamento dos mercados de capitais.

Muitos investidores iniciaram uma “fuga para a liquidez” fazendo subir as taxas de juro de

curtíssimo prazo e desencadeando um movimento de elevação dos prémios de risco de

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activos e, em especial, dos que estavam associados a hipotecas não Prime. Daqui resultou

uma elevação das taxas de juro do papel comercial garantido por hipotecas e das hipotecas

Jumbo que contribuíram ainda mais para a incerteza nos mercados. O aumento das taxas de

juro nestas hipotecas levou à quebra da procura de casas de luxo, enquanto as maiores

exigências na concessão de crédito levaram a uma quebra de procura nas habitações de

menor qualidade.

Gráfico XV

O Colapso nos Preços das Residências nos EUA

Fonte: OHEO Price Index

5.2. Da Crise do Subprime à Crise Financeira Generalizada

A implosão da bolha especulativa do imobiliário atingiu duramente o sector bancário dos EUA

levando a prejuízos de grande escala, face aos quais o seu capital se tem revelado

claramente insuficiente, colocando na ordem do dia um processo de liquidação de bancos,

fusões e aquisições e de recapitalização dos bancos sobreviventes e das empresas que

enquadram o sector imobiliário dos EUA ou que resseguram o seu mercado obrigacionista.

Em 9 de Agosto de 2007 tornaram-se evidentes pressões severas nalguns mercados de

crédito, começando na Europa com o anúncio por um dos maiores bancos franceses que iria

encerrar três fundos de investimento porque problemas no mercado do crédito hipotecário

dos EUA tinham tornado impossível valorizar os activos em que se baseavam os títulos por

eles detidos. No mesmo dia, o Banco Central Europeu injectou 130 biliões de dólares no

mercado monetário numa operação de emergência que já não acontecia desde o 11 de

Setembro de 2001.

Os acontecimentos que se desencadearam a 9 de Agosto geraram um movimento

generalizado de avaliação da exposição dos investidores ao mercado hipotecário dos EUA,

em consequência de esses mesmos créditos terem sido titularizados em múltiplos tipos de

títulos que foram vendidos a nível global, sendo que os intermediários financeiros nos EUA

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estavam expostos quer a esses títulos e à sua valorização, quer aos riscos de crédito dos

empréstimos que lhes estavam subjacentes.

Uma consequência imediata foi não só a redução da concessão de crédito subprime e jumbo,

mas também uma contracção nos mercados de papel comercial garantido por títulos e de

CDO.

Os níveis sucessivos deste movimento estão representados na Figura XI:

Figura XI

A Espiral de Crise partindo da Queda Generalizada dos Preços das Residências

Fonte: DPP.

No nível mais de base, a quebra na procura de novas hipotecas e o aumento dos não

cumprimentos desencadearam uma onda de falências em entidades que estavam

directamente em contacto com os particulares. Assim, logo no início da crise, um dos

maiores bancos hipotecários dos EUA – o Countrywide Financial da Califórnia – entra em

colapso e é adquirido a preço baixo pelo Bank of America; mais para diante, já em 2008, o

maior dos sobreviventes à crise das Savings & Loans da década de 80 – o Washington

Mutual de Seattle – colapsa e é adquirido pelo JP Morgan Chase.

A concretização de uma baixa do nível dos preços das habitações generalizada a quase todo

o território dos EUA foi o “Cisne Negro”, ou seja a concretização do “altamente

improvável”, uma hipótese que não entrara nos cálculos dos que haviam concebido os CDO.

A consequência foi uma perda generalizada de confiança no valor destes activos dada a

incapacidade dos detentores e daqueles que os haviam recebido como garantia de

empréstimos de curto prazo avaliarem até que ponto a crise dos preços destruíra o seu

valor. Desta crise de confiança resultaram três movimentos:

Os bancos de investimento e os grandes intermediários financeiros integrados que

haviam criado os SIV para “limparem balanços” e partilhar riscos de detenção de

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activos garantidos por hipotecas viram-se obrigados, um após outro, a liquidar essas

entidades veículo, reintegrando esses activos nos seus balanços, com o que

significava de acréscimo de risco;

Os money market funds, que no mercado monetário financiavam a curto prazo os

bancos de investimento e os grandes intermediários financeiros integrados, não só

não renovaram os créditos de curto e curtíssimo prazo garantidos por esse tipo de

activos como deixaram de fornecer novos créditos, fazendo “secar” uma fonte

fundamental de financiamento daquelas entidades; com efeito, os money market

funds competiram intensamente por activos e, com o objectivo de oferecer

rendimentos superiores aos investidores, alguns deles investiram em instrumentos

ilíquidos; quando esses investimentos perderam valor seguiu-se uma fase de pânico

entre os investidores que levou a uma corrida maciça a esses fundos e à contracção

drástica das suas operações de empréstimos;

Os hedge funds, independentes ou criados por bancos de investimento ou grandes

intermediários financeiros integrados, e que actuavam em larga escala no mercado

dos activos, viram-se de um dia para outro a braços com elevados prejuízos,

provocando pânico entre os investidores detentores de partes desses fundos.

O pânico que se apoderou dos investidores está patente no que se passou com a emissão do

Asset Based Commercial Paper (ABCP). Estes títulos são emitidos por bancos ou outras

entidades e têm uma maturidade que se situa tipicamente entre o 1 e os 180 dias, sendo os

títulos garantidos por activos entregues pelos emissores, quer sob a forma de activos físicos,

quer de activos financeiros, sendo que o papel comercial garantido por este último tipo de

activos cresceu vertiginosamente nesta década e, em Agosto de 2007, representava já 50%

do total de 2,2 triliões de CP em existência. Ora, segundo declaração de um membro da

Reserva Federal, do total de ABCP só 25% estava garantido por títulos baseados em

hipotecas, na maior parte com ratings elevados. Tal não impediu que se criassem dúvidas

em torno da qualidade do crédito que estava na base desses títulos e se assistisse a uma

contracção no mercado com várias entidades a não terem possibilidade de se refinanciarem

por via da emissão de papel comercial devido à ausência de investidores interessados. À

medida que estas dificuldades no mercado por grosso se verificavam, os bancos começaram

a apertar os critérios de concessão de crédito numa variedade de empréstimos, ao contrário

do que acontecera desde 2001, ou seja ambas as principais vias de intermediação de crédito

nos EUA começaram a ficar sob stress – os bancos e os mercados de títulos.

Seguidamente, gerou-se pânico em torno das seguradoras monoline que haviam estendido o

seu campo de actuação à garantia de obrigações ligadas a créditos hipotecários. A

possibilidade de as agências de rating serem obrigadas a baixar o rating de algumas das

maiores seguradoras devido aos prejuízos arrastados pela perda de valor destes activos não

poder ser coberta por capitais próprios – que eram escassos para a dimensão dos negócios

dessas seguradoras – teria consequências devastadoras já que, pelo seu modo de

intervenção, uma redução de ratings destas entidades arrastaria automaticamente uma

redução paralela de todas as entidades que a elas tivessem recorrido para segurar

obrigações. O que a acontecer levaria à fuga dos investidores destas últimas entidades,

aprofundando o clima de desconfiança. A solução encontrada foi a de recapitalizar

rapidamente as mais ameaçadas com entradas de capitais accionistas por parte de outras

entidades do sistema financeiro.

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PORQUE RAZÃO TERIA “SECADO” O MERCADO DO CRÉDITO INTERBANCÁRIO NO VERÃO DE 2007? – UMA HIPÓTESE

No texto designado “Liquidity and Leverage” Tobias Adrian e Hyun Song Shin procuraram esclarecer qual a relação entre a dimensão dos balanços e o nível de endividamento (leverage) por parte do que designaram como intermediários financeiros ou seja instituições financeiras que operam principalmente através dos mercados de capitais (e nos quais se incluem os bancos de investimento de Wall Street) e quais as consequências que o padrão de comportamento desses intermediários financeiros no que respeita a essas duas variáveis pode ter no conjunto da economia, indo mais longe até sugerir que esse comportamento esteve na base da “secagem” do mercado do crédito interbancário que se verificou em 2007, após eclosão da crise do crédito hipotecário.

Os autores partiram da constatação que num sistema financeiro em que os balanços estão continuamente a ser marked to market as mudanças nos preços dos activos traduzem-se imediatamente nos balanços e têm um impacto imediato no net worth de todos as instituições que integram o sistema. O net worth dos intermediários financeiros é especialmente sensível às flutuações dos activos dada a elevada alavancagem por dívida que caracteriza esses mesmos intermediários. Analisando a relação entre o crescimento da alavancagem por dívida de quatro tipos de entidades na economia e o crescimento dos seus activos totais (vd. Gráficos) os autores encontraram diferenças muito pronunciadas. Assim:

▪ As famílias têm tipicamente uma correlação negativa entre essas variáveis – quando aumenta o net worth a alavancagem por dívida reduz-se, enquanto nas empresas não financeiras e não agrícolas a gestão é mais activa, ou seja reagem a mudanças nos preços dos activos, alterando a sua posição de alavancagem por dívida;

▪ Os bancos comerciais tradicionais (ou seja os que recolhem depósitos e concedem empréstimos, estando menos envolvidos no mercado de capitais) apresentam um perfil em que a maioria das observações se agrupam ao longo de uma linha vertical que passa pelo ponto de mudança nula em termos de leverage, o que parece significar que os bancos comerciais prosseguem estratégias em que fixam um nível desejável de alavancagem por dívida e não saem dele.

▪ Já o comportamento dos bancos de investimento é completamente diferente (com base em dados dos cinco maiores bancos de investimento de Wall Street) com um alinhamento das observações é rigorosamente o oposto do que acontece com as famílias. Ou seja, existe uma fortíssima correlação positiva entre as mudanças no total dos activos e as mudanças na alavancagem por dívida; neste caso quando o valor dos títulos em que estes bancos negoceiam sobe o ajustamento “por cima” envolve a aquisição de ainda mais títulos, aumentando a alavancagem, o que se houver lugar à manifestação de um feedback levará a que o ajustamento da alavancagem e as mudanças de preço irão reforçar-se uma à outra amplificando o ciclo financeiro.

FAMÍLIAS EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS E NÃO AGRÍCOLAS

BANCOS COMERCIAIS BANCOS DE INVESTIMENTO

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O autor começa por esclarecer o que entende por liquidez quando referida às condições em que se encontram os mercados financeiros. Na opinião comum os booms nos preços dos activos são frequentemente atribuídos a “excessos de liquidez” no sistema financeiro. Ora, para o autor a liquidez deverá ser entendida como a taxa de crescimento dos balanços, quando agregados; em resposta a aumentos de preços dos activos – e num primeiro momento – a alavancagem por dívida reduz-se, pois os activos passam a valer mais e os passivos mantêm-se constantes – e os intermediários passam a deter capital excedentário; irão então procurar aplicações deste excedente, o que exige a expansão dos seus balanços – de acordo com a correlação positiva atrás referida – o que os leva a contrair mais dívida de curto prazo, enquanto procuram novos potenciais devedores: ou seja a liquidez nos mercados financeiros estaria intimamente ligada à intensidade com que os intermediários procurariam novas oportunidades de conceder crédito e não a uma geração exógena de liquidez (nota: e o que faz elevar os preços dos activos?) Em mercados financeiros que não sejam perfeitamente líquidos – a maior procura dos activos determina acréscimo dos seus preços, havendo então espaço para manifestação de um efeito feedback positivo, pelo qual um balanço mais forte nos bancos de investimento arrasta uma procura ainda maior desses activos, de que resulta maior nível de preços e valorização dos activos e sucessivamente balanços mais fortes. Se pelo contrário, uma maior oferta de activos levar à queda dos seus preços, então há espaço para um efeito de feedback positivo, pelo qual uma deterioração no balanço dos bancos de investimento leva a vendas dos activos que estiveram na origem dessa perda de valor, contribuindo ainda mais para a queda dos seus preços.

Uma das possíveis explicações para o facto de os bancos não terem reagido à crise com uma contracção dos balanços é a de que não dispuseram de margem de manobra para o fazerem dadas as linhas de crédito que haviam oferecido aos Veículos off balance sheet.

O início dos problemas de crédito, em 2007, manifestou-se primeiro pela queda dos preços das obrigações baseadas em hipotecas subprime, que prosseguiram até Julho de 2007 e foram acompanhadas por acréscimos do risco calculado.

Em particular os SIV e as conduits que haviam sido criados para comprarem grandes quantidades de CDO aos bancos começaram a experimentar dificuldades em refinanciar-se, a curto prazo, no mercado monetário por grosso e através da emissão de papel comercial garantido por esses mesmos títulos. Os hedge funds e outros detentores de Asset Based Comercial Paper iniciaram um processo de contracção de balanços que levou à quebra pronunciada da procura dos activos emitidos pelos SIV e conduits e à consequente dificuldade de se refinanciarem. Em finais de Julho e início de Agosto começaram a recorrer às linhas de crédito que os respectivos bancos lhes haviam oferecido como back up. O recurso a estas linhas de crédito aconteceu no preciso momento em que os bancos se defrontavam com a exigência de redução de activos, ou seja de contracção dos seus próprios balanços. O facto de terem de fornecer este crédito, ao mesmo tempo que se tornavam cada vez mais fortes as exigências de contracção de activos, aumentou a relutância dos bancos em emprestarem aos seus pares. Sendo que alguns dos bancos, por motivos de reputação acabaram por decidir reintegrar nos seus balanços as carteiras de activos até então “residentes” nos SIV.

Na opinião dos autores, este comportamento ajudaria a compreender porque razão alguns dos compartimentos do mercado de capitais – nomeadamente o mercado de acções e o mercado das obrigações de alta qualidade – tiveram um comportamento relativamente bom durante a crise, enquanto o mercado interbancário ficou praticamente paralisado.

Poder-se-ia pensar que os intermediários financeiros se comportavam de modo passivo, não ajustando os seus balanços às mudanças verificadas no seu net worth, do que resultaria que a leverage haveria de se reduzir quando os activos totais aumentassem, o que se traduziria numa correlação negativa entre as duas variáveis. Ora, o autor demonstra – baseado no comportamento dos seis maiores bancos de investimento e holdings bancários integrados – que tal não acontece. Existe uma clara correlação positiva entre as duas variáveis – ou seja ajustam os seus balanços por forma que a leverage aumenta nas fases de boom e se reduz na fase de bust – o que se traduz num comportamento pró-cíclico desses intermediários.

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A crise directamente gerada pelo crédito subprime alargou-se posteriormente ao que era

suposto ser um bastião de solidez nos mercados hipotecários – a Fannie Mae e Freddie Mac – que devido a um crescente envolvimento no crédito subprime se viram a braços com

prejuízos que ameaçavam tornar-se superiores ao limitado capital próprio que detinham (já

que o Estado e os accionistas privados tinham prosseguido uma estratégia de crescimento

das operações com o mínimo de capitais próprios e saindo do seu tradicional terreno – as

hipotecas prime), sendo que nesta última opção foram a partir de 2005 incentivados pela

Administração a facilitar o crédito às camadas mais desfavorecidas da população dos EUA.

Perante esta situação de quase insolvência e dado o papel fundamental que uma e outra

destas instituições têm no financiamento do défice corrente dos EUA, o Governo foi obrigado

a intervir, colocando-as sob administração do Estado. Para alguns comentadores outra das

razões da intervenção da Administração teve que ver com o receio das consequências no

mercado dos credit default Swaps (CDS) de um evento (falência) com a dimensão de 1,4

triliões de dólares que levaria toda a Wall Street à bancarrota.

Os bancos de investimento começaram, entretanto e sucessivamente a anunciar prejuízos

com as operações sobre títulos garantidos por hipotecas, ao mesmo tempo que se viram a

braços com a pressão dos hedge funds para obterem mais fundos para cobrir os seus

próprios prejuízos. O mais pequeno dos cinco maiores de Wall Street e o mais dependente

das operações com este tipo de activos, o Bear Stearns entra em colapso. Mas, a dimensão

das operações com instrumentos derivados (nomeadamente credit default swaps) em que

estava envolvido e que atingiam um dos grandes intermediários financeiros integrados – o JP

Morgan – levou as autoridades a montar uma operação de “salvamento de emergência” pela

qual o banco foi na prática cedido a um preço simbólico ao JP Morgan e este obteve uma

linha de crédito (que podia por ter estatuto de banco comercial ter acesso à janela de

financiamento da Reserva Federal) para cobrir riscos com o crédito concedido pelo banco

adquirido (vd. Caixa).

Pouco depois foi a vez do Lehmann Brothers, após o fracasso de tentativas de venda a um

banco estatal sul-coreano e ao britânico Barclays, entrar em colapso. Mas, desta vez as

autoridades não intervieram e o quarto maior banco de investimento dos EUA abriu falência.

Há medida que se ia subindo na “hierarquia” do sistema financeiro dos EUA o centro de

preocupações foi-se deslocando dos CDO´s para os CDS já que o número limitado de

grandes operadores nesse mercado passaram a defrontar-se com o risco de default de

entidades que haviam segurado e cujo risco havia sido partilhado entre eles numa teia quase

inextricável de compromissos cruzados, que a inexistência de um mercado organizado – ou

sequer de uma câmara de compensação (a que os principais beneficiários deste tipo de

negócio se haviam oposto) impedia de tornar visível, permitindo aos intervenientes avaliar

em cada momento o grau de exposição a riscos de default dos outros potenciais parceiros

nas operações de partilha desse tipo de risco.

Dias depois da declaração de falência do Lehmann Brothers foi a vez da seguradora AIG,

grande interveniente no mercado dos credit default swaps (era conhecido que a maioria dos

grandes bancos europeus actuando nos EUA estavam segurados junto desta entidade

através de CDS) caminhar para a insolvência, forçando desta vez as autoridades a lançar

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outra operação de “salvamento de emergência”, mediante a infusão de capitais públicos. A

falência do Lehamn desencadeou uma nova onda de pânico entre os principais bancos e

seguradoras, agora centrada na incerteza de quem seria mais atingido pela participação em

operações de CDS que também envolvessem o Lehmann Brothers.

BEAR STEARNS – AS RAZÕES DE UM COLAPSO NEGOCIADO

A decisão de intervir para impedir a falência de Bear Stearns resultou do facto deste banco ser contraparte em muitas transacções de derivados e um grade utilizador do mercado repo. O principal foco das preocupações dos reguladores era, em particular, o impacto que a sua falência iria ter noutras duas instituições – o JP Morgan Chase e o Bank of New York Mellon. Tal receio resultava, não da existência de apreensões quanto à situação financeira destas duas instituições, mas pelo papel central que desempenhavam no mercado das transacções tripartidas “repo” (“repurchase agreement”).

Uma transacção tripartida repo envolve como o nome indica três partes: um banco que serve como custodian ou clearing bank fornecendo a infra-estrutura de compensação e actuando como intermediário, aliviando a carga administrativa que recaíria de outro modo sobre as duas outras partes que negoceiam uma transacção repo em que o investidor disponível para financiar a operação coloca os fundos no banco custódio que, por sua vez, o empresta à outra instituição parte na transacção, sendo então oferecidos como garantia da operação um conjunto de activos, que podem ser activos de elevada qualidade, como as obrigações do tesouro, mas também activos de menor qualidade, como as MBS ou CDO. Neste tipo de transacção o clearing bank e o investidor dependem um do outro para a monitorização e valorização do colateral entregue como garantia.

O JP Morgan Chase e o Bank Bank of New York Mellon são os dois principais clearing banks dos EUA e, como tal, são responsáveis pelo funcionamento da maioria do mercado das transacções repo tripartidas a que os bancos de investimento recorreram maciçamente nos últimos anos para se financiarem.

A dependência por parte dos bancos de investimento do financiamento de curtíssimo prazo através da recompra de activos de fraca qualidade aos investidores tornou-se perigoso quando os mercados se tornaram mais voláteis e se assistiu a uma perda generalizada de confiança no valor de activos como os MBS e os CDO.

A excessiva dependência por parte do Bear Stearns da utilização como garantias dos empréstimos maciços de curtíssimo prazo (overnight) de MBS e CDO despoletou uma corrida ao banco quando foi manifesta a brutal queda de valor destes activos, levando os investidores a reduzir drasticamente o seu financiamento no mercado repo, impossibilitando o banco de se refinanciar.

Num primeiro momento, em Março de 2008, após o Bera Stearns ter ficado à beira do colapso devido ao encerramento dos seus hedge funds a Reserva Federal criou uma nova facilidade – a Primary Dealer Credit Facility (PDCF) – que se destinou a cobrir as posições de todos os bancos de investimento que utilizavam o mercado repo em transacções tripartidas, na prática assumindo o risco de contraparte em vez dos dois clearing banks. Assim, se um banco de investimento que fosse primary dealer do Tesouro deixasse de poder financiar-se através de transacções repo tripartidas, poderia recorrer à Reserva Federal pela PDCF.

Posteriormente e face à continuação das dificuldades do banco, a Reserva Federal organizou a sua aquisição a um preço reduzido pelo JP Morgan Chase, assumindo a exposição a 30 biliões de dólares de prejuízo potencial.

Nos dias seguintes assistiu-se à extinção de uma espécie que havia constituído durante

décadas a mais admirada espécie de Wall Street – os bancos de investimento independentes

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e não regulados pelo FED. Assim, o Merryl Lynch conseguiu ser comprado pelo Bank of

America, um grande intermediário financeiro integrado, e os outros dois restantes membros

da “espécie” – o Goldmann Sachs e o Morgan Stanley pediram e obtiveram imediatamente

autorização para mudar de estatuto passando a integrar funções de banco comercial, com

acesso a depósitos dos particulares e, sobretudo, podendo aceder directamente a linhas de

crédito do FED, em contrapartida de uma muito mais exigente supervisão bancária.

No dia seguinte à falência do Lehman Brothers foi necessário prestar um auxílio de

emergência à seguradora AIG, em contrapartida de uma entrada no capital.

Em Outubro de 2008, a Administração obteve aprovação do Congresso para o Troubled Asset

Relief Program (TARP) que disponibilizou 700 milhares de milhões de dólares para a

aquisição de activos financeiros com problemas graves nos mercados e de participações no

capital de instituições financeiras com maiores dificuldades, com o objectivo de estabilizar o

sistema, garantindo ao mesmo tempo a protecção do “dinheiro dos contribuintes”.

Inicialmente o foco de actuação incidiu na definição dos termos da compra de activos

(resolvendo nomeadamente a questão da sua valorização), mas rapidamente se passou para

a aquisição de acções preferênciais e de warrants de vários bancos em dificuldades.

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A SITUAÇÃO DOS MAIORES BANCOS DOS EUA EM FINAIS DE 2008 – UMA OPINIÃO

Não se dispondo de uma análise detalhada da situação do sector bancário dos EUA no final de 2008, considerou-se, no entanto, de interesse apresentar o breve balanço realizado por Martin Hutchinson acerca dos 12 maiores bancos dos EUA (não considerando no grupo seleccionado nem os bancos que são filiais de bancos europeus nem os bancos de investimento que foram autorizados a transformar-se em holdings bancários) avaliados em função de:

▪ Resultados no quarto trimestre de 2008 (um dos mais difíceis no pós-guerra) e dos resultados de 2008, bem como valores da distribuição de dividendos;

▪ Valorização do capital accionista pelos mercados, medida pela relação entre as cotações dos bancos no início de 2009 e o valor de balanço;

▪ Comparação das provisões constituídas para fazer face a perdas nos activos, com os prejuízos efectivamente verificados;

▪ Montante de ajudas recebidas ao abrigo do programa TARP e de outros programas implementados pela Administração nos últimos meses de 2008 para socorro dos bancos.

O autor classificou os bancos analisados em quatro grupos conforme a gravidade da sua situação tendo em conta os referidos critérios e as necessidades de ajuda que se podem antever, tendo-os designado, em ordem crescente de solidez, como A) Zombies, B) Walking Wounded C) Risky but Proud e D) Hidden Gems. Se dividíssemos os 12 bancos em dois grupos: Money Centre Banks e Bancos Regionais teríamos a seguinte distribuição:

Money Centre Banks, (por ordem crescente de problemas) – grupo onde se concentram as situações de maior gravidade e dimensão e que absorveu até agora as maiores ajudas públicas:

▪ JP Morgan (categoria C) – grande banco internacional, com uma extensa operação de banco de investimento no seu interior; adquiriu o Bear Stearns e a Washington Mutual durante a crise, tendo em ambos os casos contado com ajuda federal para conter os riscos associados a qualquer destas instituições; tinha em finais de 2008 2, 175 triliões de dólares de activos e em finais de Fevereiro a sua valorização bolsista era equivalente a 72% do seu valor de balanço; a imputação de alto risco deriva sobretudo das aquisições realizadas embora tenha sofrido perdas significativas nas suas operações de banco de investimento em 2008;

▪ Wells Fargo (categoria C) – originalmente um banco regional da Califórnia com forte presença no Sudoeste apresentava no início da crise uma menor exposição a activos que se revelaram “tóxicos”, mas aproveitou a crise para ascender à categoria de topo do sistema bancário dos EUA quando conseguiu comprar o Wachovia Corp, banco duramente atingido pela aquisição realizada em 2006 de um banco hipotecário da Califórnia e pelos prejuízos incorridos com os produtos financeiros estruturados: tinha em finais de 2008 1,3 triliões de dólares de activos e em finais de Fevereiro a sua valorização bolsista era equivalente a 104% do seu valor de balanço; o risco imputado a este banco resulta, na opinião do autor, exclusivamente da aquisição do Wachovia; obteve uma ajuda do TARP no montante de 25 biliões de dólares;

▪ Bank of America (categoria A) – o maior banco dos EUA, muito internacionalizado, dispunha de uma situação sólida antes do início da crise; durante a qual adquiriu em 2007 o maior banco hipotecário dos EUA, com sede na Califórnia, que faliu logo no início da crise do subprime – o Countrywide Financial – e em 2008 adquiriu um dos maiores bancos de investimento o Merril Lynch; apresentava no final de 2008 2,8 triliões de activos; na opinião do autor a posição sólida de início alterou-se profundamente com estas duas aquisições que trazem elevados riscos para o futuro; em finais de Fevereiro a sua valorização bolsista era equivalente a 21% do seu valor de balanço; recebeu 45 biliões de dólares do TARP e contou com 118 biliões de garantias públicas contra os activos do Merril Lynch;

▪ Citigroup (categoria A) – ocupa a terceira posição no ranking dos bancos, é um holding muito diversificado e internacionalizado e envolveu-se em larga escala na subscrição de produtos estruturados, contando no seu interior com uma forte operação de banco de investimento; apresentava no final de 2008 1,9 triliões de dolares activos e em finais de Fevereiro de 2009 a sua valorização bolsista era equivalente a 25% do seu valor de balanço; foi já obrigado a desfazer-se do Smith Barney, o seu banco de investimento; recebeu em 2008 45 biliões de dólares do TARP.

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A SITUAÇÃO DOS MAIORES BANCOS DOS EUA EM FINAIS DE 2008 – UMA OPINIÃO (continuação)

Bancos Regionais (também por ordem crescente de problemas) – grupo que apresenta uma situação bastante melhor do que a do grupo anterior e em que se integram potenciais actores do processo de concentração que inevitavelmente se vai seguir:

▪ Bank of New York Mellon Corp (categoria D) – banco de Nova York, com funções “centrais” para além das suas actividades de banco regional; apresentava no final de 2008 237 biliões de dólares de activos e em finais de Fevereiro de 2009 a sua valorização bolsista era equivalente a 125% do seu valor de balanço; recebeu 3 biliões de apoios do TARP;

▪ US Bancorp (categoria D) – banco regional com sede no estado do Minnesota e com forte implantação no Médio Oeste no Noroeste; apresentava no final de 2008 266 biliões de dólares de activos e em finais de Fevereiro de 2009 a sua valorização bolsista era equivalente a 131% do seu valor de balanço; recebeu 6,6, biliões de dólares ao abrigo do TARP;

▪ State Street Corp (categoria D) – banco regional com sede no estado do Massachussets e com uma forte presença internacional junto dos investidores institucionais; apresentava no final de 2008 174 biliões de dólares de activos e em finais de Fevereiro de 2009 a sua valorização bolsista era equivalente a 111% do seu valor de balanço; recebeu 2 biliões de dólares ao abrigo do TARP;

▪ BB&T Corp (categoria D) – banco regional com sede no estado da Carolina do Norte, operando sobretudo na região do Médio Atlântico; apresentava no final de 2008 152 biliões de dólares de activos; em finais de Fevereiro de 2009 a sua valorização bolsista era equivalente a 58% do seu valor de balanço; recebeu 3,1 biliões de dólares ao abrigo do TARP;

▪ PNC Financial Services (categoria C) – banco regional com sede na Pensylvânia; adquiriu durante a crise um banco de maior dimensão do que ele – o National City Corp; apresentava, no final de 2008, 291 biliões de dólares de activos; em finais de Fevereiro de 2009 a sua valorização bolsista era equivalente a 79% do seu valor de balanço; o autor considera que os elevados riscos associados este banco resultam da aquisição referida; recebeu 7,6 biliões ao abrigo do programa TARP;

▪ Sun Trust Banks (categoria B) – banco regional com sede na Geórgia com implantação na região do Médio Atlântico e no Sudeste, o que o torna exposto à crise imobiliária de grandes proporções na Flórida; apresentava no final de 2008 189 biliões de dólares de activos; em finais de Fevereiro de 2009 a sua valorização bolsista era equivalente a 19% do seu valor de balanço; recebeu 4,9 biliões ao abrigo do programa TARP;

▪ Capital One Financial Corp (categoria B) – banco especializado nas operações com cartões de crédito tem o seu futuro dependente do comportamento deste segmento, em termos de atrasos de pagamentos por parte dos detentores de cartões; apresentava no final de 2008 161 biliões de dólares de activos; em finais de Fevereiro de 2009 a sua valorização bolsista era equivalente a 20% do seu valor de balanço; recebeu 3,6 biliões ao abrigo do programa TARP;

▪ Regions Financial Corp (categoria B) – banco regional com sede no Alabama com actividade centrada no Sudeste; apresentava no final de 2008 146 biliões de dólares de activos; em finais de Fevereiro de 2009 a sua valorização bolsista era equivalente a 18% do seu valor de balanço; recebeu 3,5 biliões ao abrigo do programa TARP.

Fonte: Hutchinson, Martin “The Top 12 US Banks: From Zombies to Hidden Gems”. MoneyMorning, 25 Fevereiro 2009.

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SÍNTESE FINAL

No início de 2009 pode afirmar-se que esta crise tanto pode estar na base de um

revigoramento do modelo de capitalismo dos EUA, com transformações institucionais e

alteração dos sistemas de incentivos, como pode originar uma retracção

desordenada na globalização, de que a economia dos EUA seria a principal vítima. Tal

incerteza não impede de identificar as principais transformações que se deram em

consequência da gestão da crise pelos EUA, de que destacaríamos os seguintes:

Provocou a “extinção de uma espécie” até então no topo da “ecologia” do sector

financeiro dos EUA e que se tornara altamente instabilizadora – os bancos de

investimento independentes – funcionando com uma crónica insuficiência de capitais

próprios e uma mobilização maciça de crédito de curto prazo no mercado monetário e

que se tinham tornado nos principais financiadores de todo o tipo de hedge funds e

private equiyty funds; esta “extinção” força por arrasto a uma selecção daqueles com

mais solidez; sendo que para esta transformação foi decisiva a falência do Lehman

Brothers;

Retirou margem de manobra futura aos hedge funds e private equity funds que

deixaram de contar com os fornecedores privilegiados de alavancagem financeira,

tendo os primeiros estado envolvidos numa gigantesca operação de

desendividamento da qual resultou a liquidação de posições no mercado de derivados

que geraram quedas brutais de preços – desde o preço do petróleo até à cotação de

acções na bolsa de Nova Iorque;

Concentrou os apoios públicos nos grandes intermediários financeiros integrados – JP

Morgan Chase, Bank of America, Citigroup, Wellls Fargo – incluindo com injecções de

capitais públicos – criando as condições de abertura posterior do seu capital aos

investidores da zona dólar – asiáticos e médio orientais – o que faz todo o sentido já

que esses bancos são bancos com sede nos EUA, mas que estão no centro do sistema

financeiro da zona dólar;

Mostrou que a crise na banca de Nova Iorque – uma banca global, não

especificamente americana – não foi acompanhada de uma quebra muito pronunciada

do crédito às empresas, assegurada pela multidão de bancos comerciais existentes

nos EUA;

Colocou as duas GSE ligadas ao crédito hipotecário – Fannie Mae e Freddie Mac – sob

a tutela mais rigorosa do Governo, permitindo no futuro capitalizar estas duas

entidades e eventualmente privatizar parte substancial da sua carteira de hipotecas

prime titularizadas, permitindo seguidamente a aquisição de títulos baseados em

hipotecas subprime detidas pelos bancos;

Pode vir a permitir uma mais estreita conjugação institucional do financiamento da

habitação própria e do sistema de pensões através duma gestão do “ciclo de vida” se

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os fundos de pensões passarem a ter maior intervenção no mercado hipotecário dos

EUA;

Abre caminho a uma redução do impacto dos CDO nas instituições financeiras, ao

colocar nas mãos do Estado uma parte substancial dos que mais se desvalorizaram

em condições de poder “esperar” pela interrupção da queda generalizada dos preços

das residências nalguns Estados, destruindo a sincronização fatal que se verificou a

partir de 2007;

Vai forçar a regulamentação do mercado da garantia da dívida, através da

institucionalização futura do mercado dos CDS, limitando o predomínio das

transacções OTC;

Vai permitir uma contracção desejável do consumo, já que a globalização colocou

uma parte substancial da produção de bens de consumo corrente e duradouro fora

dos EUA, nas economias asiáticas, que assim terão de reforçar a aposta na

dinamização dos seus mercados internos, tornando imperioso para a China realizar o

seu New Deal (é na China e não nos EUA de hoje que o New Deal pode ter ainda

alguma actualidade, colocando, no entanto, dilemas ao poder político da China);

Forçou finalmente a completa reconversão dos construtores automóveis dos EUA,

criando a capacidade de iniciar um nova fase da sua existência centrada na inovação,

com esses construtores reduzidos na dimensão e abertos a participações de capital

asiática e europeia, acelerando a evolução mais rápida nos EUA do que na Europa

para a mobilidade híbrida e eléctrica.

Se estas potencialidades de revigoramento do modelo americano se concretizarem

e interagirem entre si de forma cumulativa, os EUA poderão sair da crise

explorando as virtualidades do seu “modelo de capitalismo”. Se não se

concretizarem, a Globalização irá experimentar um forte recúo que, além dos EUA,

atingirá duramente a Ásia e a Europa.

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The RREEF Property Cycle Monitor