Cultura Da Convergência-resumo

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Livro

Citation preview

CULTURA DA CONVERGNCIANovas e Velhas Mdias em Coliso

Henry Jenkins

Amostra

(traduo: rico Gonalves de Assis)

Apreciao

Em Convergence Culture, lanado em 2006 nos EUA, Henry Jenkins busca desenhar uma nova perspectiva da relao entre sociedade e mdias, adaptadas s ltimas transformaes tecnolgicas. Neste novo ambiente miditico, caem por terra todos os preceitos que taxavam de passiva a audincia da TV, do rdio, das revistas ou do cinema o novo ambiente interativo, participativo, de proximidade cada vez maior entre o produtor miditico e seu pblico.

Produtores de Survivor no conseguem impedir que os fs do reality show descubram os mistrios de cada temporada antes de ela ir ao ar em uma rede de trabalho coletivo, atravs da Internet, estes fs organizam-se para comprar fotos de satlite, investigar os concorrentes e alocar conhecimento profissional de diversas reas para desvendar o final do seriado, gravado em partes remotas do planeta.

A trilogia Matrix foi um dos eventos cinematogrficos do incio do sculo XXI. No por que lotou salas, mas por ser a primeira grande experincia de narrativa transmiditica uma histria que comea num filme e passa por quadrinhos e videogames antes de voltar s telonas.

Ao invs de esperar pelas continuaes de Star Wars ou Harry Potter, os fs criam as suas prprias. Em curtas-metragem que vo do mais elementar ao trabalho profissional com milhares de dlares investidos, fanticos por Luke Skywalker e companhia adicionam cenas saga intergalctica de George Lucas s vezes com o aval deste. Enquanto isso, o mundo dos fanfics transborda com crianas e adolescentes inventando novos contos de seus personagens prediletos.

At o ambiente poltico afetado por esta nova configurao. As cmeras de foto e vdeo onipresentes registram cada passo de um candidato eleitoral, que tem seus deslizes disponibilizados na Internet em questo de minutos. Alguma destreza no Photoshop ou em programas de edio de vdeo permitem a qualquer um fazer ataques escrachados a dirigentes e concorrentes a cargos pblicos, distribudos viralmente por email e fruns, causando um impacto poltico significativo.

As implicaes culturais, econmicas e polticas desta nova relao entre mdia e sociedade so cada vez mais sentidas, como vistas nestes e em vrios outros fenmenos contemporneos. Jenkins comea a desenhar um mapa destas transformaes, tentando descobrir o que nos aguarda no futuro convergente.

Henry Jenkins fundador e diretor do Comparative Media Studies Program do respeitado Massachusetts Institute of Technology (MIT). Tem mais de 10 livros publicados todos inditos no Brasil , nos quais versa particularmente sobre a cultura do entretenimento e seus fs. Entre eles, esto Textual Poachers Television Fans and Participatory Culture, Hop on Pop The Politics and Pleasures of Popular Culture e From Barbie to Mortal Kombat Gender and Computer Games.

Jenkins, que mantm um blog de ensaios em www.henryjenkins.org, autodenomina-se um aca/fan um acadmico/f, ligado s suas pesquisas cientficas mas sem esconder o gosto pelo seu prprio objeto de estudo, o que se reflete em seu texto contagiante.

Convergence Culture tem 336 pginas e foi publicado originalmente pela New York University Press.

Trecho traduzido

Introduo: Venere a ConvergnciaUm Novo Paradigma para Entender a Transformao das Mdias

Venere a Convergncia- slogan da New Orleans Media Experience (2003)

A notcia circulou no outono de 2001: Dino Ignacio, um estudante filipino-americano do ensino mdio, criou no Photoshop uma colagem de Bert, de Vila Ssamo (1970), ao lado do terrorista Osama Bin Laden como parte da seqncia Bert do Mal, que ele publicou na sua homepage (fig. I.1). Outras mostravam Bert no Ku Klux Klan, brincando com Adolf Hitler, vestido como o Unabomber ou transando com Pamela Anderson. Diverso sadia.Logo aps o 11 de setembro, um editor de Bangladesh fez uma busca na web por imagens de Bin Laden para imprimir cartazes, psteres e camisetas anti-EUA. Vila Ssamo exibido no Paquisto em uma verso adaptada1N. do T.: assim como no Brasil, onde a verso de Vila Ssamo, nos anos 70 e 80, tinha personagens e situaes prprios cultura local.

; o mundo rabe, portanto, no tem contato com Bert ou Ernie. O editor pode no ter reconhecido Bert, mas deve ter achado que era uma boa representao do lder da al-Qaeda. A imagem acabou indo parar em uma colagem de fotos similares impressas em milhares de psteres distribudos por todo o Oriente Mdio.Reprteres da CNN gravaram a improvvel cena da multido de manifestantes marchando pelas ruas proclamando slogans anti-EUA e balanando placas com Bert e Bin Laden (fig. I.2). Representantes da Childrens Television Workshop, os criadores de Vila Ssamo, viram a filmagem da CNN e ameaaram abrir um processo: ultrajante ver nossos personagens sendo utilizados desta forma infeliz e de mau gosto. Estamos estudando caminhos legais para proibir este abuso e outros abusos similares no futuro. No se sabia ao certo em quem eles soltariam seus advogados o jovem que tinha se apropriado das imagens originalmente, ou os defensores de terroristas que as utilizaram. Para completar, fs entusiasmados criaram vrios novos sites, juntando outros personagens de Vila Ssamos com terroristas.Do seu quarto, Ignacio lanou uma controvrsia internacional. Suas imagens deram uma volta ao mundo, tanto pelas mdias comerciais quanto pelas mdias alternativas. No fim das contas, ele criou seu prprio culto. Enquanto sua popularidade crescia, Ignacio comeou a ficar preocupado e enfim decidiu tirar o site do ar: acho que isso ficou perto demais da realidade... Bert do Mal e seus seguidores sempre foram coisas pessoais e distantes da grande mdia. Essa questo nos deixa muito visveis. Bem-vindo cultura da convergncia, onde as novas mdias enfrentam as velhas mdias, onde as mdias corporativas e alternativas se cruzam, onde o poder do produtor miditico e o poder do consumidor miditico interagem de formas imprevisveis.Este livro sobre a relao entre trs conceitos: convergncia das mdias, cultura participativa e inteligncia coletiva.Por convergncia, quero me referir ao fluxo de contedo atravs de suportes miditicos diversos, a cooperao entre diferentes setores das mdias e o comportamento migratrio dos pblicos que iro a quase qualquer lugar em busca das experincias de entretenimento que desejam. Convergncia uma palavra que consegue descrever transformaes tecnolgicas, industriais, culturais e sociais dependendo de quem est falando e do que est pensando sobre o que est falando. (Neste livro misturo e equiparo termos de acordo com vrios referenciais. Adicionei um glossrio ao fim para guiar os leitores.)No mundo da convergncia das mdias, toda notcia importante publicada, toda marca vendida e todo consumidor seduzido ao mesmo tempo por diversos suportes miditicos. Pense nos circuitos que as imagens Bert do Mal fizeram de Vila Ssamo para o Photoshop para a World Wide Web, do quarto de Ignatio grfica em Bangladesh, dos psteres nas mos de manifestantes anti-EUA capturados pela CNN s salas de estar de pessoas ao redor do mundo. Parte de sua circulao dependeu de estratgias empresariais, tais como a adaptao de Vila Ssamo ou a cobertura global da CNN. Parte de sua circulao dependeu de tticas de apropriao alternativa, seja na Amrica do Norte, seja no Oriente Mdio.A circulao de contedo miditico por diferentes sistemas miditicos, por economias miditicas divergentes e por fronteiras depende sobremaneira da participao ativa dos consumidores. Argumentarei contra a idia de que a convergncia deva ser entendida primeiramente como um processo tecnolgico que leva funes mltiplas ao mesmo aparelho. A convergncia representa uma mudana cultural na qual consumidores so encorajados a procurar novas informaes e fazer conexes entre contedos miditicos dispersos. Este livro sobre o trabalho e o lazer dos espectadores no novo sistema das mdias.O termo cultura participativa contrasta com as antigas idias de uma audincia passiva. Ao invs de falar de produtores e consumidores miditicos em papis separados, agora podemos v-los como participantes que interagem uns com os outros de acordo com novas regras, que nenhum de ns entende por completo. Nem todos os participantes nascem iguais. As grandes empresas e mesmo indivduos dentro da mdia corporativa ainda exercem mais poder do que cada consumidor e do que a soma destes. E alguns consumidores possuem mais habilidades do que outros para participar na cultura emergente.A convergncia no acontece atravs de aparelhos, por mais sofisticados que eles sejam. A convergncia acontece no crebro de cada consumidor e atravs de sua interao social. Cada um de ns constri sua prpria mitologia a partir de bits e fragmentos de informao extrados do fluxo miditico e transformados em recursos atravs dos quais construmos o sentido do nosso cotidiano. Como h mais informao, sobre todo tipo de assunto, do que algum poderia guardar na cabea, h um incentivo a mais para conversarmos sobre as mdias que consumimos. Esta conversa cria o boca-a-boca que cada vez mais valorizado pela indstria miditica. O consumo tornou-se um processo coletivo e a isso que este livro se refere como inteligncia coletiva, um termo cunhado pelo ciberterico francs Pierre Lvy. Nenhum de ns sabe tudo; cada um de ns sabe algo; e podemos juntar as peas se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades. A inteligncia coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder miditico. Estamos aprendendo a usar este poder nas nossas interaes dirias na cultura da convergncia. Neste momento, estamos usando este poder coletivo principalmente para nosso cio, mas em breve estaremos aplicando estas habilidades a propsitos mais srios. Neste livro, exploro como a produo de sentido coletiva na cultura popular comea a transformar o funcionamento das religies, da educao, do direito, da poltica, da publicidade e mesmo do setor militar.

Conversando sobre Convergncia

Outro retrato da convergncia em ao: em dezembro de 2004, o esperado filme bollywoodiano Rok Sako To Rok Lo (2004) foi exibido a fanticos por cinema em Delhi, Bangalore, Hyderabad, Mumbai e outras partes da ndia atravs de celulares com tecnologia EDGE, que possibilita transmisso de vdeo ao vivo. Acredita-se que esta foi a primeira vez que um longa-metragem foi disponibilizado completo para celulares. Ainda no se sabe como esse tipo de distribuio combina com a vida social. Ela vai substituir o cinema ou as pessoas vo apenas utiliz-la para escolher filmes que buscaro ver de outra forma? Quem que sabe?Nos ltimos anos, vimos celulares tornarem-se cada vez mais centrais s estratgias de lanamento de filmes comerciais em todo o mundo, filmes amadores e profissionais produzidos em celulares competindo em festivais de cinema internacional, usurios que ouvem shows pelo aparelho, romancistas japoneses que serializam sua obra via mensagens de texto, e gamers que usam telefones mveis para competir em jogos de realidade virtual. Algumas funes vo criar razes; outras tendem ao fracasso.Pode me chamar de ultrapassado. Algumas semanas atrs, eu queria comprar um telefone celular para, tipo, fazer ligaes telefnicas. Eu no queria uma cmera de vdeo, nem cmera fotogrfica, acesso web, mp3 player nem jogos. Tambm no queria algo para ver trailers de filmes, nem toques customizveis nem algo para ler romances. No queria o equivalente eletrnico do canivete suo. Quando o telefone tocar, no quero ter que descobrir qual boto apertar. S quero um telefone. Os vendedores me olharam com desprezo; riram pelas minhas costas. Fui informado loja aps loja que eles no fazem mais celulares de funo nica. Ningum os quer. Foi uma demonstrao poderosa de como os celulares tornaram-se centrais no processo de convergncia das mdias.Voc provavelmente tem ouvido falar muito sobre convergncia. Pois agora vai ouvir ainda mais.As indstrias das mdias esto passando por uma nova mudana de paradigma. Acontece de tempos em tempos. Nos anos 90, a retrica da revoluo digital continha uma suposio implcita, e s vezes explcita, de que as novas mdias acabariam com as velhas mdias, que a Internet tomaria o lugar das ondas hertzianas e que tudo isso permitiria aos consumidores acessar facilmente o contedo que mais lhe interessasse. Um best-seller nos anos 90, A Vida Digital, de Nicholas Negroponte, desenhava um contraste preciso entre velhas mdias passivas e novas mdias interativas, predizendo o colapso do broadcasting em favor de uma era de narrowcasting e produo sob demanda voltada para nichos: a mudana na televiso nos prximos cinco anos ser algo to fenomenal que chega a ser difcil compreender o que vai acontecer2Nicholas Negroponte, A Vida Digital. (So Paulo: Companhia das Letras, 1995), p. 57.

. Em certo ponto, ele sugere que nenhuma lei ser necessria para destruir os conglomerados da mdia: Os imprios monolticos de comunicaes esto se dissolvendo numa srie de indstrias de fundo de quintal... Os atuais bares dos meios de comunicao iro se agarrar a seus imprios centralizados amanh, na tentativa de mant-los... As foras combinadas da tecnologia e da natureza humana acabaro por impor a pluralidade com muito mais vigor do que quaisquer leis que o Congresso possa inventar.3Ibid., p. 70.

s vezes, as empresas das novas mdias falavam em convergncia, mas pareciam presumir que as antigas mdias seriam absorvidas completamente pela rbita das tecnologias emergentes. George Gilder, outro revolucionrio digital, rejeitava estas idias: A indstria da informtica est convergindo com a indstria da televiso no mesmo sentido em que o automvel convergiu com o cavalo, que a TV convergiu com o jukebox, o programa de processamento de texto convergiu com a mquina de escrever, o programa de CAD convergiu com a prancheta e a editorao eletrnica convergiu com o linotipo e a composio tipogrfica4George Gilder, A Vida aps a Televiso (Rio de Janeiro: Ediouro, 1996), pp. 166-167.

. Para Gilder, o computador no viera transformar a cultura de massa, mas destru-la.O estouro da bolha pontocom jogou gua fria no falatrio sobre revoluo digital. Agora, a convergncia reemergiu como um importante ponto de refererncia enquanto velhas e novas empresas tentam imaginar o futuro da indstria de entretenimento. Se o paradigma da revoluo digital presumia que as novas mdias tirariam o lugar das velhas mdias, o paradigma emergente da convergncia presume que velhas e novas mdias interagiro de formas mais complexas. O paradigma da revoluo digital dizia que as novas mdias mudariam tudo. Aps o estouro da bolha, a tendncia era imaginar que as novas mdias no tinham mudado coisa alguma. Como tantas coisas no ambiente miditico atual, a verdade fica no meio termo. Cada vez mais lderes da indstria retornam convergncia como uma forma de encontrar sentido neste momento de confusas transformaes. A convergncia , neste sentido, um antigo conceito assumindo novos significados.Havia muito falatrio sobre convergncia na New Orleans Media Experience de outubro de 2003. A conferncia fora organizada pela HSI Productions Inc., uma empresa com base em New York que produz clipes musicias e VTs publicitrios. A HSI comprometera-se a gastar $100 milhes nos cinco anos seguintes para tornar New Orleans a Meca da convergncia das mdias, assim como o Slamdance a do cinema independente. A New Orleans Media Experience mais que uma mostra de cinema; tambm um exposio dos lanamentos em games, um espao para vdeos musicais e comerciais, diversos shows e apresentaes teatrais e uma srie de trs dias com palestras e debates entre lderes da indstria.Dentro do auditrio, psteres gigantes com fotos de olhos, ouvidos, bocas e mos estimulam os presentes a venerar a Convergncia, mas no fica bem claro diante de que divindade eles estavam ajoelhando-se antes. Era um Deus do Novo Testamento, que prometia salvao? Um Deus do Antigo Testamento, que ameaava devastao caso Suas ordens no fossem seguidas? Uma divindade multifacetada que falava como um orculo e demandava sacrifcios de sangue? Talvez, para se adequar ao local, a convergncia era uma deusa vodu que lhes daria poder para infligir dor a seus concorrentes?Assim como eu, os participantes haviam vindo a New Orleans esperando um vislumbre do amanh, antes que fosse tarde demais. Muitos eram descrentes que haviam se ferido no estouro da bolha e estavam l para zombar de qualquer idia nova. Outros eram recm-formados das maiores faculdades de administrao dos EUA e estavam l para descobrir como fazer o primeiro milho. Outros ainda tinham sido enviados por seus chefes, e vinham esperando iluminao, mas aceitavam troc-la por uma noite legal no Quarteiro Francs.Os nimos estavam temperados por uma percepo sbria quanto aos perigos de ir muito rpido, corporificados nos campi-fantasma da Bay Area e os mveis de escritrio vendidos a preo de atacado no eBay; e os perigos de ir muito devagar, representados pelo desespero da indstria fonogrfica tentando fechar as portas da troca de arquivos quando as vacas j haviam debandado do celeiro. Os participantes haviam vindo a New Orleans buscando o jeito certo os investimentos certos, as previses certas, os modelos de negcios certos. Ningum mais esperava surfar nas ondas da transformao; j ficariam contentes se no se afogassem. Os velhos paradigmas caam por terra mais rpido que o surgimento dos novos, causando pnico entre aqueles que mais investiam no status quo e curiosidade naqueles que viam mudanas como oportunidades.Os caras da publicidade em suas camisas listradas misturavam-se com os RPs da indstria fonogrfica de bons virados para trs, com os agentes de Hollywood em camisas havaianas, com os tecnlogos de barba pontuda e os gamers de cabelos desgrenhados. A nica coisa que todos sabiam fazer era trocar cartes de visita.Como apresentada nos painis da New Orleans Media Experience, a convergncia era uma festa venha como est e alguns participantes estavam mais preparados do que outros. Era tambm um encontro para troca de experincias, onde cada indstria do entretenimento compartilhava problemas e solues, encontrando na interao entre as mdias o que no conseguiam descobrir trabalhando isoladamente. Em cada discusso, emergiam diferentes modelos da convergncia seguidos pelo aceite de que ningum sabia quais seriam os resultados. Ento, todo mundo parou para uma rodada rpida de Red Bulls (patrocinador da conferncia), como se um drink energtico estiloso pudesse faz-los superar todos esses obstculos.Economistas polticos e gurus dos negcios fazem a convergncia soar fcil; eles olham para os grficos de concentrao de propriedade nas mdias como se estes assegurassem que todas as partes trabalharo juntas para alcanar lucro mximo. Mas, do cho, muitos dos gigantes das mdias parecem grandes famlias disfuncionais, cujos membros no conversam entre si e buscam seus prprios projetos de curto prazo mesmo s custas de outras divises da mesma empresa. Em New Orleans, contudo, os representantes de diferentes indstrias aparentemente queriam baixar a guarda e falar abertamente sobre vises em comum.O evento foi vendido como uma chance para o grande pblico entender em primeira mo as transformaes vindouras do jornalismo e do entretenimento. Ao aceitar um convite para os painis, ao demonstrar disposio para vir a pblico com suas dvidas e anseios, talvez os lderes da indstria estivessem admitindo a importncia do papel que consumidores comuns assumem no apenas em aceitar a convergncia, mas at em guiar o processo. Se a indstria da mdia de anos recentes parecia em guerra com seu pblico, no sentido de tentar for-los de volta velha relao de obedincia a normas sedimentadas, as empresas esperavam utilizar este evento em New Orleans para justificar suas decises tanto para consumidores quanto acionistas.Infelizmente, embora este no fosse um evento a portas fechadas, deveria ter sido. Os poucos membros do grande pblico que apareceram estavam muito mal informados. Aps uma discusso intensa sobre os desafios em incrementar os usos de consoles de games, o primeiro membro da platia a levantar a mo queria saber quando Grand Theft Auto III sairia para Xbox. difcil culpar os consumidores por no conhecerem a nova linguagem nem saber o que perguntar quando to pouco se fez para educ-los quanto a refletir sobre a convergncia.Em um painel sobre consoles, havia uma grande tenso entre a Sony (uma empresa de hardware) e a Microsoft (uma empresa de software); ambas tinham planos ambiciosos mas modelos de negcios e vises fundamentalmente distintas. Todos concordaram que o desafio principal era expandir o uso potencial desta tecnologia barata e acessvel para que ela se tornasse a caixa preta, o cavalo de Tria que clandestinamente levaria a convergncia s salas de estar. O que mame faria com o console enquanto seus filhos estivessem na escola? O que faria uma famlia dar um console de videogame ao vov no Natal? Eles tinham a tecnologia para efetivar a convergncia, mas no haviam descoberto por que as pessoas iriam quer-la.Outro painel focou a relao entre os videogames e as mdias tradicionais. Os magnatas do cinema viam os jogos cada vez menos como um sub-produto onde colar o logo da franquia e mais como uma forma de expandir a experincia narrativa. Eram produtores que haviam crescido entre jogos e tinham suas prprias idias sobre o cruzamento criativo entre as mdias; eles sabiam quem eram os designers mais criativos e demandavam a colaborao no contrato. Eles queriam usar games para explorar idias que no cabem em filmes de duas horas.Tal colaborao significaria tirar todo mundo das suas zonas de conforto, explicou um agente de Hollywood. Seriam relaes difceis de manter, j que todas as partes preocupavam-se quando perda do controle criativo e o tempo necessrio para desenvolvimento e distribuio eram radicalmente diferentes. A empresa de games deveria sincronizar seu relgio ao imprevisvel ciclo de produo de um filme para chegar ao Wal-Mart no mesmo fim-de-semana da estria no cinema? Os produtores do filme deveriam aguardar o tambm imprevisvel ciclo de desenvolvimento do jogo, esperando sentados enquanto um concorrente roubava a cena? O jogo seria lanado semanas ou meses depois de toda a promoo do filme ter acabado ou, pior, depois do filme amargar nas bilheterias? O jogo deveria ser parte do planejamento publicitrio para um grande lanamento cinematogrfico, mesmo se isto significasse iniciar o desenvolvimento antes mesmo do estdio dar sinal verde para a produo do filme? Trabalhar com uma produtora de TV ainda mais desgastante, j que o tempo bem mais curto e h um risco bem mais alto de que a srie nem v ao ar.Se os caras da indstria de games acreditavam maliciosamente que controlavam o futuro, os caras da indstria fonogrfica suavam frio; eles estavam com os dias contados se no inventassem um jeito de dar a volta por cima nas tendncias atuais (pblico minguando, vendas caindo e pirataria em expanso). O painel sobre capitalizar com a msica era um dos mais concorridos. Todo mundo tentava falar ao mesmo tempo, mesmo que ningum soubesse se suas respostas funcionariam. O lucro no futuro vir da gerncia de direitos autorais, de cobrar pelo download de msicas ou de honorrios que os servidores pagariam a toda a indstria fonogrfica? E quanto aos toques de celular que alguns sentiam ser um mercado pouco explorado para novas msicas e um canal de promoo alternativo? Talvez o dinheiro estivesse no cruzamento entre vrias mdias, com novos artistas promovende-se em clips financiados pelos anunciantes que quisessem usar os sons e imagens nas suas marcas, ou em novos artistas descobertos na web que podiam receber o aval do pblico em questo de horas, ao invs de semanas.E assim continuou, painel aps painel. A New Orleans Media Experience nos empurrou em direo ao futuro. Todo caminho frente tinha obstculos, muitos dos quais pareciam instransponveis, mas, de alguma forma, eles teriam de ser contornados ou destrudos na dcada seguinte.As mensagens eram claras:A convergncia est chegando e bom voc se preparar.

A convergncia mais difcil do que parece.

Todos sobrevivero se todos trabalharem juntos (infelizmente, esta era uma das coisas que ningum sabia fazer).

O Profeta da Convergncia

Se a revista Wired declarou Marshall McLuhan o santo padroeiro da revoluo digital, da mesma forma podemos escolher o falecido cientista poltico do MIT Ithiel de Sola Pool como o profeta da convergncia das mdias. Seu Technologies of Freedom (1983) foi provavelmente o primeiro livro a delinar o conceito de convergncia como uma fora de mudana nas indstrias miditicas:

Um processo chamado convergncia de modos torna imprecisas as fronteiras entre as mdias, e mesmo entre a comunicao ponto-a-ponto, tais como o correio, o telefone e o telgrafo, ou a imprensa, o rdio e a televiso. Um nico meio fsico sejam fios, cabos ou ondas pode transportar servios que no passado eram oferecidos separadamente. De modo inverso, um servio que no passado era oferecido por um nico meio seja a radiodifuso, a imprensa ou a telefonia agora pode ser oferecido de diversas maneiras fsicas diferentes. Assim, a relao um-a-um que costumava existir entre uma mdia e seu uso est desgastando-se.

Hoje em dia algumas pessoas falam em divergncia ao invs de convergncia, mas Pool entendia que eram dois lados do mesmo fenmeno.Era uma vez, Pool explicava, um contexto em que empresas que publicavam jornais, revistas e livros no faziam muito mais do que isso; seu envolvimento com outras mdias era insignificante. Cada mdia tinha suas prprias funes e seu prprio mercado, e cada uma era regulada por normas especficas, dependendo de seu carter centralizado ou descentralizado, marcado por escassez ou abundncia, dominado por notcias ou entretenimento, de propriedade do governo ou da iniciativa privada. Pool sentia que estas diferenas eram em grande parte resultado de decises polticas e preservadas pelo hbito, mais do que por alguma caracterstica essencial das diversas tecnologias. Mas ele percebeu que algumas tecnologias de comunicao apoiavam mais diversidade e um maior nvel de participao que outras: Fomenta-se a liberdade quando os meios de comunicao esto dispersos, descentralizados e disponveis, como so as impressoras ou os microcomputadores. O controle central mais usual quando os meios de comunicao so concentrados, monopolizados e escassos, como em grandes redes.Diversas foras, contudo, comearam a derrubar as paredes entre as diferentes mdias. Novas tecnologias miditicas permitiram que o mesmo contedo fluisse por vrios canais diferentes e assumissem diferentes formas no ponto de recepo. Pool descrevia o que Nicholas Negroponte chama de transformao de tomos em bytes, ou digitalizao. Ao mesmo tempo, novos padres para propriedade de mdias que surgiram em meados da dcada de 1980, que agora podemos ver como a primeira fase de um longo processo de concentrao das mdias, estavam tornando mais desejvel para as empresas distribuir contedo atravs de vrios canais, ao invs de por uma nica plataforma. A digitalizao preparou o terreno para a convergncia; os conglomerados corporativos criaram seu imperativo.Muito que se escreveu sobre a assim chamada revoluo digital presumia que o resultado da transformao tecnolgica era mais ou menos inevitvel. Pool, por outro lado, predisse um perodo de transio prolongada, durante o qual vrios sistemas miditicos competiam e colaboravam, buscando a estabilidade impossvel: Convergncia no significa estabilidade mxima ou unidade. Ela opera como uma fora constante pela unificao, mas sempre em tenso dinmica com a mudana... No h lei imutvel da convergncia crescente; o processo de transformao mais complicado que isso.Como Pool predisse, estamos em uma era de transio miditica, marcada por decises tticas com conseqncias inesperadas, sinais confusos e interesses conflitantes, e, acima de tudo, direes imprecisas e resultados imprevisveis. Duas dcadas depois, me encontro reavaliando algumas das questes que Pool levantou quanto a como podemos manter o potencial da cultura participativa no alvorecer da crescente concentrao miditica, quanto s transformaes trazidas pelo convergncias abrirem novas oportunidades para expresso ou expandirem o poder da grande mdia. Pool estava interessado no impacto da convergncia na cultura poltica. Eu estou mais interessado em seu impacto na cultura popular, mas como o captulo 6 sugere, as fronteiras entre as duas coisas esto imprecisas.Est alm das minhas capacidades descrever ou documentar todas as mudanas em curso. Meu objetivo mais modesto. Quero descrever algumas das formas que o pensamento convergente est remodelando a cultura popular americana e, em particular, as formas como ele impacta a relao entre audincia, produtor e contedo. Embora este captulo v delinear o ambiente geral (at onde conseguimos v-lo, hoje), captulos subseqentes examinaro estas transformaes atravs de uma srie de estudos de caso focados em franquias miditicas especficas e seus pblicos. Meu objetivo ajudar pessoas comuns a entender como a convergncia tem impacto na mdia que consomem e, ao mesmo tempo, ajudar lderes da indstria e legisladores a entender a perspectiva do consumidor sobre estas transformaes. Escrever este livro tem sido desafiante porque tudo parece estar mudando ao mesmo tempo e no h ponto de onde eu possa enxergar as coisas de cima. Ao invs de tentar escrever de um ponto de vista objetivo, descrevo neste livro como este processo se parece a partir de vrias perspectivas localizadas publicitrios tentando alcanar um mercado em transformao, artistas criativos encontrando novas formas de contar histrias, educadores conhecendo comunidades de aprendizado informais, ativistas desenvolvendo novos recursos para moldar o futuro poltico, grupos religiosos contestando a qualidade de seu ambiente cultural e, claro, vrias comunidades de fs que so os pioneiros e usurios criativos da mdia emergente.No posso dizer que sou um observador neutro disto tudo. No sou nem apenas consumidor de muitos destes produtos miditicos; sou um f bastante ativo. O mundo dos fs de produtos miditicos tem sido tema central do meu trabalho h quase duas dcadas um interesse que emerge tanto da minha prpria participao em vrias comunidades de fs quanto dos meus interesses intelectuais como acadmico da rea de mdias. Durante este tempo, observei os fs sarem das margens invisveis da cultura popular e entrarem nas reflexes correntes sobre produo e consumo miditico. De outro lado, pelo meu papel como diretor do Programa de Estudos de Mdia Comparada do MIT, tenho participado ativamente de discusses com gente do lado de dentro do mercado e legisladores; dei consultoria a algumas das empresas discutidas neste livro; meus primeiros escritos sobre comunidades de fs e cultura participativa foram abraados por escolas de administrao e comeam a ter um modesto impacto na forma como as empresas da mdia relacionam-se com seus consumidores; muitos dos artistas e executivos da mdia que entrevistei so pessoas que considero amigos. Em um momento no qual os papis de produtores e consumidores esto mudando, meu trabalho me permite observar este processo de diferentes pontos de vista. Espero que este livro permita que leitores beneficiem-se de minhas aventuras em espaos onde poucos humanistas estiveram antes. Contudo, os leitores devem ter em mente que meu comprometimento com fs e produtores necessariamente influencia o que eu digo. Meu objetivo aqui documentar perspectivas conflitantes sobre a transformao da mdia, e no critic-las. No vejo sentido em criticarmos a convergncia at que ela seja melhor compreendida; mas se o pblico no tiver idia das discusses que esto acontecendo, ter pouca ou nenhuma dizer em decises que mudaro dramaticamente sua relao com a mdia.