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Carlos R. Jamil Cury Dados Internaclonais de Cataloga'rao na Publica'r8o (CIP) (Camara Brasileira do Uvro, SP, Brasil) CUf)', Carlos Roberto Jamil, 1945- Educarrao e contradirriio : elementos melodol6gicos para uma leoria crftica do fen6meno educativo I Carlos Robel1o Jamil CUf)'.- 7. cd. - Sao Paulo. Col1ez. 2000. Original mente aprescntada como lese de doulorado Pontiffcia Universidadc Cat61ica de Sao Paulo, 1979. Bibliografia ISBN 85-249-0025-3 1. Educarrao - Filosofia 2. Educarrao - Finalidadcs e objelivos 3. Sociologia educacional I. Thulo. COO -370.1 -370.11 85-0874 -370.193 N N E Indices para ca1alogo sistematico: I. Educarrao: Filosofia 370.1 2. Educarr:lo: Finalidadcs e objclivos 370.11 3. Educarriio: Tcorias 370.1 4. Sociologia educacional 370.193

[cury] Educação e contradição

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Carlos R. Jamil Cury

Dados Internaclonais de Cataloga'rao na Publica'r8o (CIP) (Camara Brasileira do Uvro, SP, Brasil)

CUf)', Carlos Roberto Jamil, 1945­Educarrao e contradirriio : elementos melodol6gicos para uma

leoria crftica do fen6meno educativo I Carlos Robel1o Jamil CUf)'.­7. cd. - Sao Paulo. Col1ez. 2000.

Original mente aprescntada como lese de doulorado ~

Pontiffcia Universidadc Cat61ica de Sao Paulo, 1979.

Bibliografia ISBN 85-249-0025-3

1. Educarrao - Filosofia 2. Educarrao - Finalidadcs e objelivos 3. Sociologia educacional I. Thulo.

COO -370.1 -370.11

85-0874 -370.193

N N

EDUCA~AO ECONTRADI~AO

7!edi~o

Indices para ca1alogo sistematico:

I. Educarrao: Filosofia 370.1 2. Educarr:lo: Finalidadcs e objclivos 370.11 3. Educarriio: Tcorias 370.1 4. Sociologia educacional 370.193

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EDUCA<;:Ao E CONTRADI<;:AO: elementos melodol6gicos para uma leoria crltica do fen6mcno educativo Carlos Roberto Jamil Cury

Revisiio: Sucly Bastos

Ncnhuma pane dCSla obm pode ser reproduzicla ou duplicada sem autoriza~ao expressa do autor e do edilor.

<D 1983 by Carlos Roberto Jamil Cury

Direilos para eSla edil\l:Io CORTEZ EDITORA Rua Banira. 317 - Perdizes 05009-000 - S:Io Paulo - SP Tel.: (0__II) 864-0 III Fax: (0- _II) 864-4290 E-mail: [email protected]

Impresso no Brasil - abril de 2000

,1SUMARIO

SITUANDO .INTRODU9 . ~ . 7 AO ... 9

CAPITULO I

As categorias 21 1. Essencia e fenomeno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2. Representa<;:1i.o e cooceitua~ao 24 3. As categorias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3.1. Contradi<;:1i.o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 3.2. Totalidade 34 3.3. Reproduyao 38 3.4. Mediayao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 3.5. Hegemonia ,.................. 45

CAPITULO IJ

EdUCQ(:iio e categorias . 53 1. Educaeyao e hegemonia . 54 !. Educaeyao e reprodu~ao ,. 59

,., .. j. Educaeyao e media<;:ao , . .:>.~

4. Educaeyao e totalidade . 67 5. Educaeyao e contradiyao . 70

CAPITULO III

Componentes basicos do fenomeno educativo ' '.' . 87 J. ldeias pedag6gicas . 89 2. Instituieyoes pedag6gicas . 94 3. Material pedag6gico . 106 4. Agentes pedag6gicos . 112 5. Ritual pedag6gico . 118

CONCLUSAO . 121 BlBLJOGRAFIA 13)

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SIlUftHDO.. .

Este trabalho foi elaborado com a finalidade de preencher requi· sitos necessarios para a obten~ao do titulo de Doutor junto a P6s-Gra­dua~ao em Educa~ao da Pontificia Universidade Cat6lica de Sao Paulo.

Sua defesa se deu em outubro de 1979. Porlanto, trata-se de urn trabalho muito particul2rmente datado. Representa urn momento em que se pretendia superar criticamente as teorias da reprodu~ao.

o grupo, junto ao qual estudei. entendia que se tais teorias, de urn Iado, evidenciavam delerminados mecanismos de manuten-;:ao da ordem estabelecida, par outro lado, quase nao deixavam espa~ para uma supera~ao destes mecanjsmos. Seria a reprodu~ao uma categoria tao terminal assim?

A perspectiva de uma ayao transformadora dentro da educayao nao poderia ficar apenas com a reproduyao. Com a recupera<rao da contradiyiio se poderia rever 0 sentido da a<rao edllcacional, ela mesma contradit6ria. Custava-nos aceitar que a educayao tivesse apenas uma dimensao que satisfizesse a reproduyao das relayoes sociais, ja que tais relal;6es sao contradit6rias.

Naquele momento, tais reflex6es represenlavam para n6s uma ten­tativa de avanc;:o. Entretanto, 0 avanyo da sociedade civil, ° espayo de resistencia conqllistado e as pr6prias rachaduras no bloco de poder possibilitaram ° desenvolvimento da pesquisa e do ensino, e a absory8o de educadores junto a administrac;:ao publica da educac;:ao.

Vieram as encontros, as conferencias, os simp6sios sobre educa­<rao, de dimens6es locais e nacionais. E sobretudo avan~u· a prMica social.

Este conjunto de deterD'linal;6es possibilitou que se avan~asse oao s6 te6rica como praticamente no terreno da educa<;ao. Varios temas nascidos de um confronto te6rico se viram problematizados pela a<;ao politico-pedag6gica. E novos enfoques surgiram, novas pesquisa~ se fizeram e outras crIticas estao nascendo.

Felizmente, assiste-se a urn verdadeiro fervilhar de pensamento em que a ayao prMica e as teorias crIticas se fecundam e se redefinem mutuamente.

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o momento em que est.e trabalho se realizou, com suas referencia>. cit8s;oes e seu pr6prio conteudo possibilita ao leitor estabelecer urn para· .:IGtro de quanta 0 avaris;o social inovou e superou no ambito da eu lcas;ao.

Do ponto de vista do texto ora pubUcado, prbcurou-se mante-Io qUllse que identico ao da tese. Algumas atualiza~6es de datas na biblio. grafia, alguns cortes se fizeram necessarios ao caniter de livro.

De qualquer modo, sua finalidade te6rico-metodoJ6gica dentro da perspectiva dialetica da educa~ao continua direcionada a uma peda­gogia, ao mesmo tempo critica e democratica, em func,:ao dos que atuam no espayo educacional.

Carlos Roberto Jamil Cury

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II NTRODUCAO

Este ensaio se propoe a estabelecer algumas categorias capazes de permilir a compre~ns~o. do f~n~meno educa~ivo dentro de uma abran­gencia maior. ~ P:ID~t.pIO cogltel de entrel.ac,:a.las .de modo a aprof~ndar 8 rel8yiio teona-hlstona, tal como me fO! sugendo quando da dlsser­t8yaO de Mestrado (Cury, 1984). Entretanto, 8 tentativa de desenvolver eSS8S categorias no conjunto de atividades exercidas no ambito do magistcrio me revelou a necessidade de estuda-las especificamente. 0 estudo, deslocado para 0 momenta te6rico, tornou-se problematico.

No exercicio do magisterio, especialmente nas aulat; de Filosofia da Educayao do Programa de Licenciatura da Pontificia Universidade Cal6lica de Sao Paulo, e tambem nos cursos do Mestrado em Educac;ao como discente e docente, percebi a necessidade de explicitar determi­nados conceitos, cujo esclarecimento viesse a sec urn instrumento de compreensao do fen6meno educativo. Essa necessidade nasceu tanto de minha preocupac;ao em tornar mais clara a analise quanto da dos dis­centes em entrar em contato com uma perspectiva mais tcarica. Alunos e colegas de varias areas das ciencias humanas e das ciencias exatas (nos cursos de licenciatura) alertaram-me para uma tarefa nesse sen­tido. A forma como se conduziu 0 curso de doutoramento fez com que isso se tornasse para mim uma oecessidade objetiva e de carateI' dida­tieo. Urgia uma resposta a problemarica e vi na tese de doutorado 0

momento dessa resposta.

o modo como 0 trabalho foi construido, de certa forma, acom­panhou a crescimento dessa necessidade. A prLncipio algumas ideias, posteriormente uma tentativa de elaborac;ao mais pensada, ainda que incipiente (Cury, 1979) e assim sucessivamente, como que num diaIogo critico entre a expressiio coerente do objeto de estudo e um meio ade­guado de realiza-Ia. 0 raciocinio cresceu POl' dentro, para 0 que muito contribufram as observayOes feitas por alunos, colegas de curso, profes­sores, estudos pessoais e oricntac;ao. Ap6s varias tentativas, cheguei a Uma formulac;ao que julgo satisfat6ria para as finalidades didatico-ins­trumentais a que esse trabalho se propOe. Mas, de modo algum penso ser essa uma reda<;iio permanente ou definitiva. Ao contrario, trata-se

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de urn trabalho aberte, nao so as sugestoes possiveis, mas tambem a sua provisoriedade DO tempo e nO espac;o.

Assim, apesar de ter partido da quase-obrigatoriedade de urn entre­laltamento da teoria com urn momento hist6rico definido da educayao brasileira, julguei oportuno, por outro lado, a preenchimento da neces­sidade didatica acima referida como resposta a urna carencia que, sem duvida, tern alguma coisa a vet com 0 momento hist6rico que vivemos. A preocupas;ao irucial de continuidade da disserta~ao de Mestrado se deslocou para 0 momento te6rieo da educaltao. Em outros termos, isto quer dizer que se optou por uma enfase maior no momento propria­mente te6rieo-filos6fico do que no hist6rico-polftico. Nao que esse ultimo fosse separado do momento anterior. Pelo contrario, a politica, como sugere Grarnsci, nao e senao uma filosolia em a~iio (Gramsci, 1978: 44 e 212). 0 que signifies uma unidade entre am~u sej~idade

e~eoria e pratlea. ~ essa unid~de se identific~6 na mutua complementaridade de ambos os momentos, m~-lamh~JJL_ns feleologia q1:ieOS1i1forma. ~ ha e urns distTri~fio (e nao divisao) entre ambos, eta! aistins:ao, quan4 olhada do ponto de vista da mosoHa, se preo­cups.- com 0 grau de abrangencla com-:!ue as ea ~g n~~~ deter­minada teorla aj;teencrerD'"Oteal na sua concretude. E, nesse ensaio, o momenta filos6fico quer reveIaro g;;u mais abrangente de certas categorias da filosofia da praxis para 0 dimensionamento do fen6meno educativo.

Mais do que lim exercicio especulativo, este estudo nao tern raziio em si mesrno, mas como urn instrumento possivel de analise de con­;untura. 0 fato de se apoiar numa linha gramsciana quer dizer apenas que 0 pensamento desse autor contribui mais positivamente ao objetivo do traba!ho, que nao se limita a ela, se pode vir a ser refors:acla por uma pluralidade de autores que, dentro de urn horizonte comum, cola­borem nessa proposis:iio. 0 que se quer revelar e que a contribuiltao de Gramsci, coadjuvada por outros autores, permite uma leitura, quiya menos erudita, porem mais aproximada da realidade. As conceitualt0es d~lilosofia da""'praxis valorizarn detenninadas categorias ~~ ;;'ao saoI v~onz1i(raS em..out~s conceit~ac;6es ~p~mai0t:..g[au de abrangen­

II cia, permitem uma leitura mais compreensiva do Leal. ,.

Embora correndo 0 risco de uma visualizayao a-historica, 0 feno­meno educativo foi considerado na 16gica fundamental do capitalismo, e naquilo que !he e determinante onde quer que e1e exista: suas rela­foes sociais contraditOrias no contexto da apropriayao do exeedente econ6mico e da luta de classes, Iatente ou manifesta.

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1. PRIMEIRO PROBLEMA - A CAMINHO DE UMA POSTURA DIAL£TlCA

Inicialmente entendemos jii ser possfvel a supera<;ao das categorias ue pretendem dar conta do fenomeno educativo ficando apenas em

q d d - .seus elementos aparentes ou propon 0 a e ucayao como urn uruverso separado do mundo das relac;:oes sociais, ou mesmo vendo-a como urn mero epifenomeno das estruturas de base.

A teoria determinista propunba a educac;:ao como mera adaptatyao do individuo as exigencias e objetivos de uma situas:ao dada, contra os quais elc nao poderia se opor. As normas previamente dadas e deter­minadas deveriam ser assumidas peIo indivlduo. Exemplos dessa teoria sao as correntes americanas surgidas no decurso dos regimes nazi-fas­cistas do seculo XX, as conentes americanas do perenalismo e as dos seguidores de Durkbeim. 0 perenalismo acaba por afinnar a perma­nencia sobre a mudanc;:a. A permanencia seria mais eonereta que a transformac;:ao, pais a natureza do homem e constante. Assim, tambem a educayao deve ser constante. Nessa medida, enquanto os homens sao basicamente os mesmos em toda a parte, a educayao deve ser a mesma para todos, preocupada com as permanencias espirituais e Jisicas do mundo. t Os seguidores de Dutkheim indicam que 0 social e hetero­geneo e que a funyao da educac;:ao e garantir essa heterogeneidade, ajustando 0 indivlduo a ordem social, mediante uma homogeneidade ideologiea.::

Nessas correntes, 0 pape! reservado ao homem concreto, ator e I sutor de uma estrutura social, e 0 de se enquadrar aos ditames domi- \ nantes desta, ja gue em momento algum se questiona a totalidade da , estrutura social. /Assim, a educaS;ao nao passaria de urn mecanismo gu~

.~justa os individuos a ordem social vigente, pela transmissao de urn saber definido pelo poder politico estabelecido.

Por outro lado, a teada individualista, baseada na Iiberdade enos direitos do indivfduo, propunha a educas:ao como 0 desenvolvimento e aperfeiyoamento das for~as individuais, ajudando 0 homem a se realizar a si mesmo, sem que os objetivos da ordem social {ossem, na sua essencia, postos em dt'ivicla. Caberia a educa~ao, mediante 0 plena desen­

1. Para uma exposiitao mais detathada dos princlpios do perenalismo cr. KNELLER, G. F. (1966: 141-148). Conludo e born observar que 0 estudo das condic;:6es hist6ricas e sociais nao esta presente nas analises desse aUlor, de modo a evidenciar 0 processo de surgimento dessas teorias.

2. Para uma visao mais direta desse pensador frances. cf FORACCHI, M. e PEREIRA. L. (1971: 34-48). No Brasil. urn educador que se pautou oa linhll durkheimiana foi Fernando de Azevedo.

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volvimento de cada urn, realizar uma ordem social mais justa, pois esse desenvolvimento significaria urn melhorarnento de todos os grupos sociais.

Tambem surgidas no inkio do secul0, essas teorias de cunho reno­vador tiveram urn grande desenvolvimento nos EUA, em CUj0 interior o nome de Dewey aparece como expoente fundamental. 0 movimento escolanovista representava essa tendencia e a decada de 30 foi, no Brasil, urn dos momentos mais ferteis de sua difusao (Cury, 1978; Ribeiro, 1978).

Enquanto a tearia determinista afirma 0 status quo, a individuaIista afirma 0 individual. De fato, a primeira centra a educayao em tomo de urn mundo estaticamente considerado, e a realidade social ou is urn obstaeulo para 0 desenvolvimentOdo individuo, ou uma fonte de bene­'f[clOs, atraves da qual 0 individuo luta por uma existencia vitoriosa.

Ja a 5egunda 56 ve a contradiy80 entre indivfduo e sociedade, que se resolve tanto pela adequayao do individuo a ordem, quanta peIa correc;ao da ordem atraves doapertel oamento continuado dos indiyfduos.

ffibas, a 0 0 ponto de vista sob 0 qual veem 0 fen6meno educativo, acabam por reprcsenta-Io dentro de urn sistema objetivo de rela<;:oes sociais que permite sua reproduyao, 0 que implica a aceita<tao das rela­<;:oes sociais existentes.

Em ambas, hi uma falta de compreensao dialetica do E.rocesso medra~ era eCluca<;:ao. Transformam aspectos do real em categorias indepen-dentes e;stas, por sua vez, se transformam em for9as indepen­dentes que regulam a atividade humana. A rela<tao entre tais forl;;as_ e :vista em suas ·conexoes reciprocas, externas e mecanicas.

Ora, um tal dualismo tem sua 16gica contestada na medida em que a dialetica individuo-sociedade nao &e da senaQ..pela.-mediayao. do

.mundo Qpjetivo hist6rieo e social. Como diz Suchodolski:

"Nas contradi~5es que agitam 0 mundo objetivo dos homens, as con· cep~5es burguesas apenas viam dois antagonistas: 0 indivlduo e 0 gru­po. Os liberai5 56 davam razao ao primeiro. enquanto que os totalita­rios 56 a conferiam ao segundo. Mas nem uns e nem outros queriam reconhecer que nessas conlradis:6es inlervinham nao 56 dois elementos, mas Ires, e que esle terceiro antagonista, que 6 0 mundo objetivo, hist6rico e social, tem um papel preponderante" (Suchodolski, 1976: 18).

Mais recentemente surge uma terceira tendencia que se opoe as duas primeiras. Opoe-se a ebs pois critica a convergeDcia de ambas oa aceita9ao das rela<toes sociais exi6tentes. Trata-se da teoria da vioLencia simb6lica de Bourdieu e Passeron e da teoria marxista dos aparelhos ideo/6gicos de Estado (Bourdieu e Passeron, 1975; Althusser. 1974). Insistindo demasiado na reproduC;ao das rela~oes sociais e no refon;:o

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educac;ao Ihes da, enfatizando a impositividade quase absoluta que a . d - d'fd aparelhos ideol6gtcoS (e entre esses a e ucac;ao em suas I ereotes

os _ 5 l'nsIJ'tucionalizadas), essa tendencia acabou por DaO dar 0 deyicloversoe - .. nee a eontradis:ao. Ao enfatizar 0 caniter reprodutor e impositivo da Iaca _00 . 1 d d

educa~ao, nao aeentuot~ ~onvenlentement: 0 ~ap~ . a. contra. ic;ao nas . stancias poHtico·ideoJoglC8s, como tambern nao InSlshu naqullo que a I~ucayao dominante pretende dissimular: a pr6pria contradiyao no seio

. aas relas:6es de prodw;ao c das forcas produtiyas. Nesse caso, 0 papel mediador da educac;ao, no seu aspecto espeeifieamente educativo, tinha apenas uma mao de dire<;:ao, urn sentido: 0 de eima para baixo.

A crltica dessas coneepyoes trouxe a luz nao s6 os mecanismos usados pelas classes dominantes a fim de manterem urn estado de coisas, mas tambem a necessidade de desenvolver categorias que dessem c' d~eno educatiyo no seio de reJa¢ies cODtradit6rias.

Uma visao dialetica do homem e de seu mundo hist6rico-social impliea conceber os dois termos da contradiyao (indivfduo-sociedade) de modo.a rejcitar tanto a concers-ao que unilateraliza a adaptayao do individuo a realidade do status quo, como a que propoe a realidade como urn dado estatico. iMas, alem disso, implica conceber a realidade social como efetivo espayo da luta de classes, no interior da qual se efetua a edUC8yaO, rejeitando a impositividade da dominayao, como 0

espontaneismo das classes dominadas."I

A educaeyao se opera, Da sua unidade dialetica corn a tptalidade, como um proccsso que conjuga as aspirayoes e necessidades do homem no contexto objetivo de sua situa9ao hist6rico-social. A educac;aoe

.entao, uma atividade humana participe da totalidade da organiza<;:ao social. Essa relaC;ao exige que se a considere como historicamente deter­minada por urn modo de produc;:ao dominante, em nosso caso, 0 capi­talista. E, no modo de produ<tao capitalista, eIa tern uma especificidade que s6 IS inteligfvel no contexto das relayoes sociais resultantes dos con­f1itos das duas classes fundamentais. AssJrn, considerar a educa<;:ao na I' sua unidade cliaI€tica com a sociedade capitalista e considera-Ia no

lprocesso das relaeyoes de dasse, enquanto essas sao determinadas, em ~ltima instancia, pelas relas:6es de produyao. Do antagonismo entre as

classes, uma delas emerge como dominante e tenta a direyao sobre 0

conjunto da sociedade, atraves do consenso. Assim, a cJasse dominante, para se manter como tal, necessita permanentemente reproduzir as con­diyoes que possibilitam as suas fonnas de domina9ao, ~ 0 gue as contradis:6es do proprio sistema viriam a luz do dia.

Uma dessas condi<;:oes e a obten<;:ao de um consenso que legitime a concepyiio de mundo da classe dominante pela explicayao e (re)defi.

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nieao de ideias, valores e crencas consentaneas a essa conc",pC;~ll. ,k tal forma que ganhem validade cognoscitiva e justificadora da onkm vigente. Entao 0 consenso se torna lmportante, pois atraves dele se assegura e se tenta validar a dominaciio. t. aqui que a educacao oeupa um papel especlfico como mediacao de uma hegemonia em curso. Como afirma Lefebvre, a reproducao das relac6es de produyao:

"nao pode e nao pode consumar·se sem um certo consentimento pelo menos possivo do classe operario... 0 consentimento roi arrancado por lodos os meios, pela viol€ncia e pela persuasao" (Lefebvre. 1973: 71).

Mas, em que pesem os esforcos da classe dominante, a contra· diyao se introduz tambem af porque as relacoes entre as classes se dao num processo dialetico de oposicao/subordinac;ao.

A educacao e sua analise, entao, devem ter como ponto de partida sua presenca imanente numa totalidade hist6rica e social. Ela manifesta essa totalidade, ao mesmo tempo que participa na sua produCao. Tal manifestacao se da na pr6pria estruturaciio capitalista dessa totalidade. A educayao entao nao reprodu~_as ..relacoes de-.., dasse, mas estas se fazem presentes na-educacao, articulando-a com a tofiiliaade. ­

--~ - --------Muitas vezes. ao se falar em edueac;ao, corre-se 0 risco de com·

preende-Ia de forma homogenea. A enfase na homogeneidade se torna problematica. 0 carater equfvoco nesta quesHio nao e gerado apenas por um mal-entendido semantico. 0 carater equivoco reside na concei­tuac;ao e nasce na pr6pria localizacao social dos que elaboram tal discurso. e.ois 0 lygar social imp6e uma forma de apreender 0 mundo,

----~-- --- --­coerente com seu modo de l'elacionamento com 0 rearPor isso a figacao das teorias pedag6gicas com 0 lugar social ocupado pelos que discursam nao e mere trabalho academico, ~~mente a possibi~de de h.isto­ricizar aquela ligay80. .

o e1enco de categorias metodol6gicas que se pretende evidenciar se abl'e a duas dimensoes. Primeira: coloca-las numa relac;ao historici­zante, isto e, toda a producao social, no seu mais amplo sentido, 6 determinada pelas condic6es sociais que caracterizam uma sociedade, no nosso caso, a capitalista. 0 que significa que a producao do modo de existencia sob 0 capitalismo se Jiga com a afirmacao da divisao da sociedade em classes e suas conseqiiencias. Assim, 0 carater equivoco das categorias das teorias pedag6gicas decorre da posiCao ocupad~_'p-eLos

. agentes sociais que as elaboram no processOde prodUyao da existencia.

~ A sociedade capitalista, dada sua divisao em classes, nao pode tel' .flnalidadesnomogeneas. Par isso seus dlSCurSOS tambem sao confli­tuosos, ainda que nem sempre aparecam como tais. 0 conhecimento dessa equivocidade sup6e urn referencial te6rico-metodol6gico que ins­

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mentalize a compreensao dos mecanismos da sociedade e dos inte­tru d 6 . d' • I p' bA'ses sociais que con uzem a pr pna mamlca SOCIa. 015 em, ~ res . -' d' ,. t h'lementos teoncos sao 111 IspensavelS para es e can eCimentQ e essa ~JDpreensao? Que elementos te6rico-metodo16gico~ sao indispensaveis para que em cada situacao seja posslvel a aprofundamento dessa corn­

- ?preensao.

Segunda: coloca-las de modo didatico, sem esgotar as virtualidades da pl'oposta. As categorias da contradicao, totalidade, mediac;ao, repro­du~ao e hegemonia sao mutuamente implicadas e de tal forma que a exposiyao e explicac;ao de uma ja e e exige a explicac;ao e exposiCao das outras. Dessa forma, pretende-se categorias dialetizadas que se mediem mutuamente. A categoria da contradiyao, para nao se tornar cega, s6 se explicita pelo recurso a da totalidade. Essa, por sua vez, para se tornar vazia, necessita recuperar a da contradicao em uma sintese mais abrangente. Conseqiientemente, exige a superac;ao dos dualismos ou reducionismos. A categoria da totalidade, pOl' sua vez, exige uma cadeia de mediayoes que articule 0 movimento hist6rico e os homens concretos. Semelhantemente as cadeias de mediacoes, nu~totalidade 'concreta e contraditoria (como e a sociedade capitalista), necessitam explicitar 0 que mediar. Nesse caso e necessaria 0 recurso a categoria da repl'oduc;ao, porque 0 sistema vigente, ao tentar se reproduzir par_a se manter, reproduz as contradis:oes dessa totalidade, reveladas em seus instrumentos e enlaces mediadores. E POl' Hm a manutencao desse mesrno sistema, especialmente no caso da educacao, implica a busca de urn consentimento coletivo pOl' parte das classe~aiA. Oaf 0 recurso a .-~~~o de hegemonia. Mas essa e urna nocao dialetizada, e pOl' isso mesmo ela nao e compreensivel sem a referencia as contradiy6es que a propria direcao hegemonica busca atenuar.

o risco que ::.~ corre de transformar a didatica em catequese e Hio grande quanta 0 de transformar 0 discurso em herrnetismo. A exposiy80 didatica pretende ser urn serviyo de orientacao para pesquisas voltadas para uma aoalise de conjuntura. 0 risco da didatica-catequese e evidente. As referencias metodol6gicas podem se reificar e se tornarem a-hist6­ricas, metafisicas e, pOI' conseqiiencia, incapazes de dar conta do real. .A mutabilidade real das coisas nao se compatibiliza com uma imuta­bilidade conceitual. Na verdade, as referencias nunca estao pronlas. Elas se inserem no processo social porque nascem dele e dele sao expressao . .Ora, 0 processo social e mutavel, e 0 e tambem porgue incorpora ele­mentos de conhecimento, nascidos da reflexao.

o sentido do entrelat;:ameoto das duas dimens6es em relacao a edu­cacao se nos afigura claro. 0 que define a educac;ao e a concretizas:ao

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de sua proposta e DaO apenas 0 modo de faze-lao 0 modo de faze-la (mais ou menos didatico) vale 0 quanto 'a proposta educacional em atuayao consegue a sua pretens8o, 0 seu projeto.

o sentido deste ensaio, pais. e expor de modo mais abrangente referencias metodo16gicas que evidenciem aquilo que 0 discurso domi­nante esconde. Este pretende se identificar com a sociedade no seu todo e por isso busca uma representay80 homogenea da sociedade e tambem da educayao .•0 sentido dessa tentativa de homogeneizayao e ocultar a divisao de classes, para que 0 projeto da classe dominante seja tomado como 0 projeto da sociedade em geTa!. Portanto, a homogeneidade do discurso pedag6gico na sociedade capitalista pretende contrariar e, nesse movimento, [al~ear 0 movime..!}to do real. Tal movimento necessita ser analisado e explicitado, a fim de evidenciar que a homogeneizay80 de termos e equivoca e levanta suspeitas. A suspeita quanta ao sentido da homogeneizayao, e a suspeita de que a equivocidade e apenas urn modo ingenuo de se traduzir a contradiyao.

Neste trabalbo da-se a categoria da contradic;:ao urn carater central, cspecialmente nas rela(foes que podem ser estabelecidas para uma ana­lise do fen6meno educativo. As falhas dos discursos pedag6gicos, scjam de carMer homogeneo au de equfvoco, nascem da nao-captay80 ou do escamoteamento da contradiyao. Por isso nao dao conta do real tal como este se apresenta sob a sociedade capitalista. 0 real af se da sob a forma contradit6ria de relay5es entre classes, expressas na.o 56 na explorayao do trabalho pelo capital. mas tambem na tentativa de direc;:iio axio16gi~~, forma sob a q~al o~ discorsos pedag6gicos dominantes tentam ocultar a luta de classes.

A categoria da contradir;:ao, ao pretender expressar 0 real contra­dit6rio como ele e, deve buscar nas relar;:oes sociais a materia de5~b:

expressao, e como essas relar;:5es articulam 0 discurso pedag6gico com a totalidade.

A articulay80 de urn disc\Jrso pedag6gico a partir da contradiyao possibilita a percepr;:ao do carater contradit6rio da pr6pria educayao, das suas possibilidades e !imites. A possibilidade de ultrapassar os discursos pedag6gicos que ocultam ou escamoteiam 0 real esta na descoberta do carater contradit6rio das mesmas relayoes que esses discursos preten­dem encobrir.

Se 0 carater central da contradiyao e encoberto por categorias ba­seadas finalmente no princfpio da nao-contradiyao, entao a justificativa desse trabalho esta na enCase no carater central dessa categoria, pela fLua! se iluminam as rela<;oes que estao em sua base e se abrem caminhos

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;1 sua concretude, como tambem mesmo real.

2. SEGUNDO PROBLEMA - COMO JUSTIFICAR UM TRABALHO ASSIM TEORICO?

Este ponto merece urn pequeno destaque.

Esta formula(fao de conteudo - cujos Iimites e possibilidades nao me sao desconhecidos - nao foi elaborada a partir de urn universe conceitual separado da essencia econ<>Qlica de nossa sociedade. Ela [oi construfda a partir do modo especffico da produyao social da existencia sob 0 capitaJismo.

A divisao capitalista do trabalbo e contradit6ria. De urn lado libera a for~a de trabalha, de outro a transforma em mercadoria. ~ocializa 0

trabalbo enquanto se apropria dos seus resultados de modo a que 0 trabalhador- perea tanto o-controle sobre 0 processo de trabalho quanto sobre 0 valor do produto.

o capitalismo e urn conjunto de relas:6es sociais que, ao transformar o servo em trabalhador livre, coletivizou 0 trabalha, desenvolveu a indus­tria, rcquereu uma nova habilitas:ao no interior da fflbrica e se expandiu atraves da divisao internacional do trabalho.

Esta tendencia, propria do capitaJismo, nao se confinou a regi6es delimitadas. Ela se universalizou, redefinindo as rela~6es sociais, avan­~ando em todos os espa(fOs. Trata-se, pois, de urn fen6meno objetivo mediado pela divisao social do trabalho. Ora,

"as lIbstras;5es mais gerais s6 nascem, em resumo. corn a desenvolvi­menta conCreto rnais rico, ern que urn carliter aparece como cornum II muitos, como cornum a todos. Dcixa de ser posslvel deste modo pcnsa-Io apenas sob urna forma particular" (Marx, 1977a: 222).

Logo, estas "abstra~6es mais ricas" nascidas la onde 0 concreto se desenvolve mais ricamente perrnitem SUl.\ expressao sob a forma de ca­tegoria~ que -apreendem esse movimento do real.

Essa apreensao se da atraves de dois momentos dialeticamente conectados entre si cuja possibilidade e dada pela materia hist6rica:

"A produ~1io em geral ~ uma abstra9fjo, mas uma abstras;ao racio- \) nal, na medida em que, sublinhando e preeisando as tras;os comuns, ..... . nos evita a repetis;ao. No entanlo, esse earater geral ou estes tra~os J,'..l­comuns ( ... ) formam par seu lado urn eonjunto complexo eujos 1 ' elementos divergem para revestir diferentes determinaC(3es. Algumas .....,. t destas earaeterfstieas pertencem a todas as ~poeas, outras apenas co-~ ::Y muns a umas poucas ... " (Marx, 1977a:.203). ~. ~ -\

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Page 9: [cury] Educação e contradição

E mais adiante:

" ... todos os estAgios da produ98o possuem determina<,:oes comuns lis quais 0 pensamento dA urn carater geral; mas as pretensas condiyoes gerais de qualquer produ9lio nlio sao mais que esses {atores abstratos. sem qualquer correspondencia num estagio hist6rico real da produyao" (Marx:, 1977a; 206).

o concreto enquanto "sintese de multiplas determinac;oes", ainda que nao expHcitamente aferido par uma consciencia, e a prernissa para a consciencia do concreto.

o concreto e a premissa tanto para as determina!(oes comuns, como "p~ra as-d~rminac;oes especificas. Mas 0 acesso ao conhecimento do real-concreto se faz par ambas determinayoes como momentos de uma teoria explicativa do real.

o referencial para 0 concreto sera, pois, a produyiio social de uma sociedade historicamenle dada. E as categorias para a sua explicilayaO e compreensao serao sempre hist6ricas, assim como e hisl6rico 0 movi­mento do real.

_ <-- lsso significa que 0 conteudo de urna produyao social historica­mente dada lraz dentro de si urna forma que lhe e consentanea. Esta forma ja esta contida de modo latente no pr6prio conteudo e dele e reti­rada na conexao diaJetica entre 0 momento das determinac;oes comuns ':'-0 da~rminay6es especfficas. ­

Este trabalho se preocupou em como fixar 0 primeiro momenta. Busca evidenciar, sob 0 modo de produyiio capitalista, quais as deter­minac;oes comuns, expressas em calegorias, que permitem um acesso ao conhecimento da educac;ao.

o momento da determinayiio especifica historicamente saturado nao esta explfcito, mas impHcito. Vale dizer: 0 objeto hist6rko esta abslrafdo a fim de ressaltar os trayos comuns do capitalismo que permitam uma leitura da educayao. Pois a emersao dessas categorias, sob este ponto de vista, nao seria posslvel se nao bouvesse estofo hist6rico imerso.

Se a preocupayiio com a realidade hisl6rica como fonte e fim de urn estudo centrado na generalizayao e fundamental para evitar que as onceitos se tornem invariantes, por outro lado, DaO e necessario ter

sempre como objeto de estudo explfcito e explicitado uma certa reali· dade bisl6rica particular de modo a excluir urn estudo conceitua!' Mesmo porque 0 estudo de uma temporaHdade empirica nao iluminado por uma teoria corre, ele tambem, 0 risco de urna abstraerao.

Assim, 0 estudo conceitual nascido de urn ponto de vista que expressa as rela«;:oes sociais e simultaneamente possibilidade e limite.

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P ssibilidade enquanto via de acesso necessaria - embora nao sufieiente ~ para caracterizar uma reaJjdade em suas determina<;5es mais amplas. Limite porque caracterizar 0 real tendo apenas por pressuposto estas determinayees epermanecer na abstrayao, ainda que justificada (racional).

o canlter de abstra<;ao justificada (racional) nasce das determina­<;Oes comuns a este modo de produ<;ao, que possui uma 16gica pr6pria em seus elementos historicamente constitutivos.

Em sua marcha vitoriosa para 0 poder, a burguesia se imp6s hege­monicamente it totalidade das classes sociais. Instala'da no poder, suas tendencias progressistas, antes decisivas, passam a ser, embora nao total. mente, reiCicadas.

Na medida em que a classe prolelaria surge como nova classe, oposta ao capital e capaz de autonomia, ela se torna, COmo antes a burguesia Crente ao poder feudal, eapaz de ultrapassar as novas contra­diy6es c incorporar de modo superador a heran<;a burguesa.

Estabelecer, pois, conexoes entre categorias da fHosofia da praxis, nascidas desta praxis, com certas areas especificas do real e jii p6r-se

.cmJIlL12Q!!!9 de.. vista que nao pretende cristalizar a 8<;ao e a raiao humanas.

Indicar a real como contradit6rio significa fornecer armas teoricas !ill-moyjmenjo-d~peraerao da sociedade capitalista. A oeulta<;ao desse carater impliea a justifica<;iio te6rica do existente.

o momento de explicita<;80 te6riea de elementos comuns a uma visao de mundo que se quer transformadora se impoe como clemento fundamental para a retac;ao teoria e pTlltica.

3. A ESTRUTURA DO TEXTO

A estrutura desse trabalbo segue, de cerIa forma, passos que pos­sam expressar as relayoes da educac;ao com as calegorias propostas. Pretende·se partir da contradi<;iiO como categoria ehave do real e dai chegar it articulayao da educayao com a contradiC;ao, para que essa ulti­ma se eoloque como ponto de chegada (provis6rio, e claro), em urn conjunto que inclua mutuamente lodas as categorias.

Assim, apas essa Introduc;iio, 0 primeiro capitulo pretende tratar das categorias. A fonna de tralli-las seguini os seguinles passos: da conlradic;iio a totalidade, da totalidade a media<;ao, da mediac;ao a re­produ~ao, e dessa it hegemonia. Com iSlo pretende-se dispor 0 capitulo do elemento mais implfcito (contradiyao) aos elementos menos impli­

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'\­

citas, mas fuginda a teoria da causa e efeito, pois se indicam as me­

diayoes interiores ao processa social. o segundo capitulo preteode tratar da educafGo e categorias. A

forma que se pretende dar as articulay6es da educayao com as categorias e agora ioversa ao do capitulo aoterior. Da educayao e hegemonia para educaeyao e reproduyao, dessa para educayao e mediaeyao. Da educaeyao

mediaeyao para educaey80 e totalidade e, por fim, dessa para educa~o e contradiyao. Aqui 0 caminho e inverso, porque 0 primeiro capitulo pretendeu explicitar, a partir da contradiyao, as categorias que iluminam o fenomeno educativo. 0 segundo capitulo, entao, se prop6e a uma analise desse fenomeno que nao dissolva a contradiyao, mas que a tenha como seu centro. E a tern como tal, agora indo dos elementos menos impHcitos (ia explicitados pela contradiyao) ao elemento mais impHcito

e, no caso, 0 mais explicitador. Nessa ordem de coisas pretende-se mostrar, alem do carater contra­

dit6rio do real, 0 caniter mediador da educay80 dentro desse processo.

o terceiro capitulo, componentes bdsicos do fenomeno educativo, tranl a luz como a teoria anteriormente exposta pode dar conta da especificidade do fenomeno educativo, isto e, 0 modo pr6prio como a educayao se desenvolve na complexidade de seus elementos.

A conclusao pretende evidenciar 0 significado do trabalho como um todo, apresentando os limites e possibilidades da fecundidade do quadro te6rico proposto como guia indicativo de estudos especificos sobre edu­

cayao.

A20

Capitulo I

AS CATE60RIAS

As categorias sao conceitos basicos que pretendem refJetir os aspec­tos gerais e essenciais do real, suas conexoes e relaeyoes. Elas surgem da analise da multiplicidade dos fen6menos e pretendem urn alto grau de generalidade.

Desde logo observe-se que as categorias devem corresponder as condiyoes con(;etas de cada tempo e lugar. Elas nao sao algo definido de uma vez por todas e nao possuem urn fim em si mesmas. Elas ganham sentido enquanto instrumento de compreensao de uma realidade social concreta, compreensiio esta que, por sua vez, 56 ganha sentido quando assumida pelos grupos e agentes que participam de uma pratica educativa.

As categorias possuem simultaneamente a funeyao de interpretes do real ide indicadoras de uma estrategia politica. Portanto, a exposiyao Cormal que se segue s6 tem sentido enquanto instrumento metodol6gico de amllise, ligado a prfitica educativa e no contexto de urn tempo e urn lugar determinados.

As categorias, assim, so adquirem real consistencia quando ela­boradas a partir de urn contexto economico-social e politico, historica­mente determinado, pois a realidade nao e uma petrificayao de modelos ou urn congelamento de movimentos. Pelo contrario, slntese de mulJi­plas determina(:oes (Marx, 1977 a: 218), esta em constante movimento -e expansao. Por isso e importante considerar 0 contexto, porque e ele que p~bilita que as categorias nao se isolem em estruturas concei­tuais puras, mas se mesclem de realidade e movimento.

Por exemplo, ao se falar em educayao sob 0 capitaUsmo, e nas categorias que 0 regem, hii de se pensar em terrnos de capitalismos, p.Qis 0 movimeolo do capital nao e igual em todos os lugares. Hii varias formas pelas quais 0 capital se apropria do excedente economico . .K ~a interaeyao desla ou daquela forma com a educaeyao que a categoria revela seu papel de momento esclarecedor da propria diversidade hist6­

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J-======-=-~j II

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rica de uma sociedade-e das possibilidades de sua mudaos;a, 0 que oao

pode ser ignorado pelo e~dor:- - - --- ­--- As categorias nao sao formas puras que dao conta de tada e

qualquer realidade para todo 0 sempre. Elas sao relativas, ao mesmo tempo, aO real e ao pensamento. ou seja, a todo 0 movimento no real e no pensamento. Dai 0 fato de tanto pertencerem ao campo do conhe­j;,fplento, quanto iTiCJicarem os aspectos objetivos do fenomeno. As ca­tegorias. pois. s6 se dlio como tais no movimento e a partir de um movimento. Consideradas isoladamente, tomam-se abstratas. Presentes em todo fenomeno, isola-las do movimento signifiea toma-Ias objetos de contemplas;ao e nega-las como um ponto nodal que tenta expres­sar, ~lo movimento do pensamento, 0 moviroento do real.

_lOra,\ -se a realidade do movimento e dialetica e dinamica, a re­--\ presentas:ao desse movimento deve ser dinamica. para nao petrifiear, no campo da representayaO, aquilo que e dinamico no real.

Mas as contradiyoes podem nlio transparecer no real e no pensar, pois a eapacidade reflexiva do homem, aliada as situas:6es hist6rico­objetivas de uma epoea, pode transformar a capacidade de dissimu­las;ao e ocultaylio em umiirealiaade. Tal realidade se expressara na Eetrificas;ao eonceitual e na exclusao do movimento como categoria

impUcita nas representas:oes. - 7 A exclusao do movimento contradit6rio falsifica a conceituas;ao

do objeto, ja que a contradiyiio que habita 0 objeto e 0 define como tal e posta de lado. No caso, 0 conceito se torna uma identidade per­roanente e 0 movimento e acidente de uma essencia imutavel.

Quando a conceituayao inclui 0 movimento real e 0 incorpora a sua representayao, ela, de urn lado, abstrai justificadamente alguns trayes da coneretude da coisa. e, de outro, inclui os momentos de identidade e de oposiyao. Qra, ao incluir 0 movimento dinamicD das coisas na sua contradiyao imanente e assim procurar expressa-Ia na conceituayao, nao s6 refletira 0 real, buscando reproduzi-l0. mas estara aberta aos dados que se VaG revelando. para incorpora-los numa sfntese sempre inacabada. Se a realidade esta em movimento e se a expressao do movimento proeura eaptar 0 real em sua totalidade, oenhuma con­ceituayao podera encerrar (seja contendo, seja termirlaiido) toera-a

riqueza do concreto. A conceituac;;ao, dessa maneira, ultrapassa 0 real (real falua\)

mediante a teoria que inclui 0 movimento contradit6rio das eoisas. Mas se ultrapassa 0 real, por outro lado. aponta para 0 concreto nas

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multiplas determinafoes que 0 sintetizam, e orienta-o para sua trans­forma<;ao. Neste sentido de nao-terminar e que a conceitU8<;aO indica urn real ainda-niio real, urn real-futuro, cujas bases se assentam no presente.

I. ESS£NCIA E FENOMENO

A essencia, chamada tambem de coisa em si, e objeto da dial<~tica.

Contudo, ela oao € imediatamente manifesta ao sujeito e sua captayao 56 e possfvel~~ de suas manifestac;;oes. Estas podem ser mais ou menos ricas, de acordo com 0 modo como revelam a essencia.

"Nem todas as manifestayOes sao essenciais. A essencia e uma tota· Iidade de momentos, de aspectos, e mostra durante as fases de seu de· senvolvimento, ista e. 0 tempo, tal ou qual destes aspectos e destes momentos. A manifesta9ao pode ser uma expressao total, uma exploslio de todas as contradi96es da essencia. como a essencia pode permanecer latente e esgotar-se ou refor9ar-se lentamente em suas manifestavoes. ~relatjva dlt-:.s§en.cia e da ~arencia scmpre e hist6rica e s;oncr~" (Lefebvre e Guterman, 19; 102).

Por isso 0 caminho para a compreensao da essencia exige esforc;;o e, nesses termos, pode-se dizer que a ciencia seria superflua se essencia e fenomeno Lossem coincidentes e nao-contradit6rios.

A essencia se manifesta no fen6meno, mas 56 de modo inadequado e parcial, Ot! apenas sob certos angulos e aspectos. 0 fen6meno, ao indicar algo que nao e e1e mesmo, vive grac;;as 11 contradiC;;ao com a esseneia. Tal eontradiyiio possibilita a investigayao cientifica.

"A essencia niio se da imediatamente; e mediata ao fen6meno e, 1! portanto. se manifesta em algo diferente daquiJo que e. A essencia ( sc manifesta no fenomeno..0 fato de se manifestar no fenomeno reve· ~

la 0 seu movimento e demonstra que a essencia nao e inerte nem , ~ passiva. Justamenle por isso a fen8meno revela a essencia. A mani· res'a~ao dn essencia e precisamentc a atividade do fenomeno" (Kosik, II 1969; 11). a 't Ele IS uma manifestayao determinada de sua pr6pria relac;;ao com

a esseocia. Nesse sentido, 0 fenomeno nao e radicalmente diferente 5ta essen~ p'ossui! entao, urn certo grau de realidad~,_'1.!:!..C possibilita ':.. d~la atividade de revelar e ocurtar. Se 0 fenomeno fosse radical­mente diferente aa essencia ambos se tornariam mundos independentes, it semelhanr;a dos dualismos e paralelismos, 0 que possibilita consi­derar 0 fcn6mcno nao como tal, mas como essencia OU como pura ilusao. Na ven.l<lde. eompreender 0 fenomeno e atingir-lhe a essencia.

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Page 12: [cury] Educação e contradição

Assim, dizer a realidade e dizer a unidade do fenomeno e sua essencia e nao dizer a sua coincidencia. A essencia e, pois, a fenomeno cons­dente de si mesmo, consciente de sua determinayao e concretude:

b "0 conceito da coisa ~ a compreensiio da coisa e compreender a coisa ,. ~ significa conhecer-lhe a estrutura" (Kosik, 1969: 16). I

2. REPRESENTA~AO E CONCEITUA~AO

o aspecto fenomenico da coisa e produto natural da praxis coti­diana. Essa praxis cria a representayao como forma de movimento e

de existencia da coisa. A representa(:oo pode ser contradit6ria com a estrutura da coisa

'e seu conceito correspondente, conceito esse que e 0 que proporciona ao homem a compreensao da coisa e do real e que se express

a em

conceitos correntes sem maior rigor te6rico. \

A representas:ao e um complexo de fenomenos do cotjdiano que penefra ii" consciencia dos indivfduosJ assumindo um aspecto abstrato .9.uando essa p~ao do imediato esta. desvinculada do processo real ~e determina sua produyao. 0 elemento pr6prio das representayoes e 0 duplo sentido. 0 fenomeno indica a essencia e, ao mesmo tempo, a esconde. ~s essa representayao nao constitui uma qualidade natura} da coisa e da realidade: ~ojelfaO, na consciencia do sujeito, de

detenninadas condis:5es hlst6ricaspetrificadas. "0 que confere a estes fenomenos 0 carAter de pscudoconcretlcl­

dade niio ~ a sua existencia por si mcsma. mas a independencia com que ela se manifesta" (Kosik, 1969: 11).

Captar 0 fenomeno na sua essencia nao e negar 0 fenomeno, mas destroir -sua pretensa independencia e ressaltar sua conexao e unidade

com a essencia atraves de oposiyoes e media«oes.

o momento da representayao e urn momento abstrato porque, ainda que realmente inserido nas relas:oes essenciais, pensa a realidade em direyao oposta a natureza desta. lsolando 0 que e diah~tico, faz-se acompanhar de uma perceps:ao do fbaa que e nao s6 ing~nua, mas tambem ca6tica e obscura. Esse isolamento, por sua vez, e produto

1. As ressonancias metaffsicas da expressao essencia levam 0 pr6prio Kosik a usar nesse momento a expressao estrutura. poder-seoia denominli·la determi­nante estrutural, cujos elementos determinados podem ser considcrados nao s6 como maniIestayoes, mas como resultantes das rela9Cies de determinayiio. E para que a expressao determinante estrutural se veja descaractcrizada de ressonancias estruturalistas, e preciso nao ignorar a presencra do bomem como mediado e mediador neste processo.

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de condi~6es hist6ricas, e tern por fun!(ao petrificar essas condi~5es

em favor dos interesses dominantes.

o mundo real e urn mundo em que as coisas, as l'ela~6es, sao vistas como ptodutos do homem social, e 0 mundo da pseudoconcre­ticidade e justamente a visao da existe~ autonoma dos produtos 'do homem. ~ Este t1ltimo e abstrato exatamente porque desvinculado do processo que determina sua produ~ao, Por isso, 0 mundo da pseudo­concreticidade atinge 0 campo do pensar', pais e 0 momento em qu~ ; pensamento operado no real e apreendido pelo sujeito hist6rico de modo falso. ­

o momento da conceitua(:iio inc1ui a analise e a sfntese: Esse e 0 esfor.~~istematico e cntico que visa captar a coisa em si-:-A cooc;ituar,;ao superaos momentos falsos da representayao e subsume os momentos de revelalfao atraves de uma analise que, intencionada pelas rela«;oes sociais, capta a essencia que nao e manifesta e deter­mina 0 fenomeno de modo real. A analise torna-se, entao, metodo, ~o decompor 0 todo ingenuamente'"j;rcebido para tentar reproduzir .!! estrutura da coisa e compreendc-Ia. Para isso, deve primeiramente destruir a pseudoconcreticidade, como condi~ao do processo de des­vendamento da lei do fenomeno.

j Nesse desvendamento, tenta-se captar 0 movimento da- coisa- n~Icoisa em movimento, a que exige a captayao das rela~5es existentes I na reaHdade social do~ homens 30mo uma uniao dialetica entre' 0

sui£.ito c_o objeto.\Ou seja, a realidade nao e mars naturalizada, mas histo~icizada, ao ser considerada como produto da praxis humana, ja que 0 mundo hlst6rico e 0 mundo dos processos dessa praxis.

o momenta da conceituayao sup5e urn distanciamento do mo­menta da representa~ao. Esse distanciamento, ao possibilitar a analise, possibilita tambem a elaborayao de uma sintese em que 0 todo e agora percebido de mod0-3 compreender suas rela«oes mais signi­ficativas.

Essas rela~oes significativas se estabelecem como meios mais abrangentes a fim de compreender 0 prbcesso da realidade em seu­dinamisrno. Com.Freender esse processo impliea urn ato de apropria­yaO, pelos sujeitos humanos, do determinante estrutural. Tal ato de apropriayao torna-se posslvel atraves desses meios abrangentes que sao as categorias. Isso significa que elas por si s6 nao ordenam os feno­menos, mas a perspectiva mais ordenada e abrangente que dao ao real permite aos sujeitos huroanos que dela se apossarn uma forma de atua~ao mais objetiva.

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Elas sao, pois, relayoes existentes no moviroeoto da coisa, rela­yoes essenciais, de carater objetivo, cuja compreensao possibilita 0

desvendarnento do fenomeno na sua pr6pria realidade. ~gor.ia,s, ~ndo como forma de relayao entre os fenoroenos, expressam a estrutura das relayOes existentes entre os mesroos. Mas essa expres­sao nao seria possivel sem a capacidade que 0 homem tern de captar os fenomenos e suas relayOes e de produzir conceituayoes.

"Desta mll11eira, a dialetica, que primitivamente e a legalidade da realiC:ade ern si, passa a ser secundariamente, e como expressao subje­tiva da primeira, por via da compreensiio adquirida pela ciencia da 16gica, a legalidade do mundo das ideias. Se desconhecermos esta relac;:iio de origem, de precedencia, cairemos na inversiio idealists"

(Pinto Vieira. 1969: 67).

As categorias, como expressao conceitual, dao conta de uma certa realidade da forma roais abrangente possivel. Essa e~ressao nao e ne~ se revela comprometida com uma d~tenninada visao de 'mundo. Por isso, nem todas as categorias sao igualmente valorizadas em todas-as-teorias-: Ao contrario. numa perspectiva formal, a con­tradiyao, por nao ser visualizada na realidade objetiva. nao e tamb6m visualizada no pensamento, senao sob forma de inverdade ou acidente. Essa pers~ctiva acentuanl 0 principio de nao-contradiyao, por nao ~~con1leCer em suas categorias 0 movimento, 0 dinamismo e a trans­formayao, cuja essencia e a contradiyao.

Oa mesma forma, outras categorias podem ser vistas da mesma maneira. 0 uso delas, nao s6 na sua expressao verbal, mas na pr6­pria intencionalidade que as informa, ja evidencia uma tomada de

posiyao face ao real-concreto. A dialetica como processo e movimento de reflexao do proprio

real nao visa apenas conhecer e interpretar 0 real, mas por transfor­ma-Io no interior da hist6ria da luta de classes. £ por isso que a reflexao s6 adquire sentido quando ela e um momento da praxis social

humana.

3. AS CATEGORIAS

As categorias propostas se inserem nesse contexto da praxis. Pre­tendem ser consideradas tanto no processo da realidade que as produz, quanto na sua utilizayao como instrumentos de analise em vista de urna ayao social transformadora, ja que a analise tambem faz parte dessa ayao. De Elodo especial, oferecern subsidios nos atos de inves­tigar a natureza da realidade social e as vinculac;.oes das propriedades

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da educaCY80 nessa mesma realidade. As categorias ajudam a entender o todo. cujos elementos S80_ os consJituintes da realidade e. nele, os elementos-da educayao.

Essa metodologia, nas categorias, e concebida no interior de urna teoria geral da realidade, expressa na filosofia da praxis. 2

_~goria da contradifiio (poder-se-ia denornina-Ia de lei, dado seu alcance globalizante) e a base de uma melodologia dialt~tica. Ela e 0 momento eonceitual explicativo mms amplo, uma vez que refJete o movimento mais originario do real. A contradieyao e 0 proprio motor interno do desenvolvimento. ~onceber uma tal metodologia sem a contradicyao e praticamente incidir num modo metaffsico de compre­~cnder a propria realidade. A racionalidade do real se acha no movi­mento contradit6rio dos fenomenos p'elo qual esses sao provisorios e supera~eis. A contradiyao e sinal de que a teoria que a assume leva em conta-que ela e a elemento-chave dus sociedades.

"Sob o'ponto de vista da sociedade, negar a contradiyao no movi­men_to hist6rico e falsear 0 real, representando-o como identico, per­manente e a-hist6rico. 0 que termina por afetar a concepcyao de eriu­cacyao:"pois, aorettrar dela a negayao, passa-se a representa-Ia denIra de urn real que se desdobra de modo linear e mecanico.

A categoria da totalidade justifica-se enquanto 0 homem nao busea apenas urna compreensao particular do real, mas pretende uma visao que seja capaz de coneclar dialeticamente urn processo parti­cular com outrospr~s e, enfim, eoordena-Io com uma silltese ~~pr1ciitiva cada vez mais amyla.

Sob 0 ponto de vista da sociedade, _eliminar a totalidade signi­fica lornar os processos particulares da estrutura social em niveis auto.:­nomos, sem estabelecer as relay6es inlernas entre os rnesmos. Consi­derar a educacyao como processo particular da realidade, sem aceitar a pr6pria totalidade, isto e, sua vinculacyao imanente as relayoes sociais, signifiea toma-Ia como universo separado.

A categoria da media~ao se justifica a partir do momento em que oreal nao e visto numa divisibilidade de processos em que cad~l ele­mento guarde em si mesmo 0 dinamismo de sua existencia, mas numa reciprocidade ern que os contrarios se relacionem de modo dialetico e contradit6rio. ~erasao entre_ os processospermite situar 0 homem c~ o.Qerador sabre a natureza e criador das ideias que representam­a pr6pria natureza. Os produtos dessa operay80 (cultura) tornam-se

2. A respeito dessa expressao ver Gramsci (1978a) e Vasquez (1968).

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elementos de mediac;ao nas relac;6es que 0 homem estabelece com os outros e com 0 mundo.

Sob 0 ponto de vista da sociedade, as mediac;6es concretizam e encarnam as ideias ao mesmo tempo que i1uminam e significam as ac;6es. No caso da educaC;ao, essa categoria toma-se basica porque a educac;ao, como organizadora e transmissora de id6ias, medeia as a<yoes executadas na pratica social. Assim, a educay80 pode servir de media­C;80 entre duas ac;6es sociais em que a segunda supera, em qualidade, a primeira. Mas tambem pode representar, como pnitica pedag6gica, uma mediac;ao entre duas id6ias, pois a prMica pedag6gica revela a posse de uma id6ia anterior que move a ayao. Flnda esta ultima, novas ideias surgem como possibilidaaes de iluminar a pratlca pedag6gica seguinte. Esse duplo movimento permite entender como, sem essa categoria, a educayao acaba formando urn universo a parte, existente independentemente da ac;ao. Esta categoria permite superar 0 aparente fosso existente entre as ideiase a ayao.

A..E!.tegoria da reeroduyao se justifica pelo fato de toda sociedade tender, em suas instituir;6es, a sua autoconservac;ao reproduzindo as cond~6es quel?,ossibilitam a manutenyao de suas relac;6es basicas. Ora, o capitalismo se mantern nao s6 enquanto 0 capital busca reproduzir as condic;6es de sua acumulac;ao, mas tambem porque uma dessas con­dic;oes 0 formulac;:ao de uma' concepc;ao de mundo que represente o real de modo identico e indiviso (0 que significa admitir a repro­duc;ao scm contradic;oes). 0 capitalismo se mantem porque gerou uma cultura da acumulac;ao. E a educac;:ao pode servir de elo mediador para os processos de acumulayao liO reproduzir ideias e valores que ~judam a reproduC;80 ampliada do capital. Aqui a reprodu~ao e enten­dida de modo dialetico, como uma categoria que nao foge a sua negac;ao. Entende-la apenas no seu momento de afirmac;ao significa afirmar urn regime em que 0 capital se reproduz reproduzindo igual­mente a ideologia dominante, sem que ambos se reproduzam simulta­neamente com seus contrarios. q capital produz capital mediante a ~lora~ao do trabalho. Tal amplia~ao leva consigo sua negal):ao, tanto na reproduc;ao economica, quanto na ideologia. 0 que vale dizer que a reproduC;80 do modo de existencia e contradit6ria. E a contradil):ao se reproduz necessaria e ampliadamente enquanto nao se superar.

A categoria da hegemonia, como as outras, traz consigo tanto a possibilidade de analise como a indicac;ao de uma estrategia politica. As relac;6es de classe permeiam a sociedade no seu todo e tarnbem na educac;ao. Ora, na sociedade de classes, s6 a exploraC;80 e a domi­

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na<;ao sao incapazes de articular e fazer vingar uma totalidade de modo arliculado. A_ obtens;ao de urn consenso e importante para a reprodus:ao das reJal):oes de produs:80. Isla quer dizer que 0 momenta superestntlural nao s6 nao se separa do estnttural, como tambem que as "ideias..!1uando penetram nas massas convertem-se em /orfas ma­teriais". a A superac;ao do mecanicismo ~ a analise das formas ideo16gLc..as-A~ais a clas~e dominante busca ur.E.~onformismo, .ou seja, busca transformar sua concePrao de ~do em sens~m, fazendo-a pe.netraLoaSJllassas e buscando assim assegurar, com 0 con­senso dessas,~~m estabelecida. Contudo, essa analise ganha sen­tido porque 0 cruzamento das ideias e tambem urn cruzamento de interesses. A analise dessa forma de hegemonia e tambem uma forma de critica, pois prepara as condic;6es de sua superayao te6rico-pratica. Entao, a criac;ao da nova concepl):ao de mundo tenl de ter urn caniter te6rico-pratico, quer dizer, M-Qe ser uma arao pol1tica em que as classes sLlbalternas possaro d-ernlbar a velha ordem e estabelecer uma .outra, que satisfas:a os interesses da maioria. Se essa direyiio cia socie­

( dade encontra seu momenta de ,mediayao nas agencias da socies!!de civil e estas sao 0 como a class& dominante busca manter 0 consenso,

\0 problema e como a classe dominada pode nelas atuar, a fim de se 10mar dirigente antes de ser politicamente dominante. Fica 0 problema de como as classes subalternas possam vir a se tornar begemonicas no contexto das relal):oes de classe, na sociedade de classes, equal 0 sentido das agencias da sociedade civil que lidam com ~duJ:a9ao-..no ~ desse processos

Essas cinco categorias nao sao reificaveis, mas se incluem mutua­mente e se completam. A divisao em cinco, ern si mesma arbitraria, nao prelende tipologizar 0 feoomeoo educativo, mas auxiliar a analise. Nesse sentido, as cutegorias nao podem ser entendidas senaa como expressao de uma r.ealidade em devir.

Entende-se que seria possivel utiJizar outras categorias aqui nao diretamente explicitas, como as:80 recfproca, momento, nega~ao. 0 usa dessas cinco propostas impIicam estas outras: assim, a ac;ao reciproca sc inclui oa de mediaC;ao, a negac;ao na de contradiyao, a de momenta na de totalidade.

3. "As armas da critica DaO podern, de fato, substituir a critics das armas; a fOTl;:a material (em de ser deposta por for~a rnaterial,_mas a teoria tamhem se convene em forya material, urns vex que se apossa dos homens. (MaTx, 1969: 117)". A conlradi~fio tern 0 duplo aspecto de ser imanen(e 80 ::le­senvolvimento do real e calegoria capaz de revelar subjetivamente eSle rnesmo processo.

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3.1. Contradi«;8o

A eontradi9ao nao e apenas entendida como categoria interpre­tativa do real, mas tambem como sendo eia pr6pria existente no movi­mento do real, como motor interno do movimento, ja aue se refere ao curso d~e.t!volvimento da realidade.------ . -- --- -

Assim, a realidade no seu todo subjetivo-objetiYo e dialetica e contradit6ria, 0 que impliea a centralidade desse conceito na metoda­logia proposta. A contradiyao sempre_~xpressa uma r,:lac;:ao de con­mto no devir do real. Essa re1a9ao se da na defini9ao de urn elemento pelo que ele nao e. Assim, cada coisa exige a existencia do seu contrario, como determina9ao e nega9ao do outro. As propriedades das coisas decorrem dessa determinayao reciproca e nilo das relas;6es de exterioridade.

~ g: tudQ es.tA ligail01 entao tudo tem urn caniter relacionat e nesta relas;ao 0 movimento e 0 devir sao a dinamica da contradi9ao. N;se sentido as determinacoes mutuas das coisas se- e~contra~ em relas;ao interna~ de antagonismo. Cada realidade no seu devir~ limi­tada por outr;'- e assim--;totalidade e sempre aberta a novas deter­minas:6es. Nesse movimento, cada elemento contern os anteriores e se ahre a novas determina90es.

.. . . . a dialetica interpreta 0 processo da realidade vendo nele uma sucessiio de fenomenos. cada urn dos quais s6 existe enquanto con­tradit;:iio com as condis;6es anteriores, s6 surge por negayao da reali­dade que 0 engendra, e se revelarAprodutivo de novos efellOs objetivos unicamente na medida em que estes. sendo 0 'novo' reeem­surgido, negam aquilo que os produziu. ~_sendo-.ia_a negac;iio do seu pr6ptio antecedente, leva a que se eonceitue 0 'novo' enquanto tal, cOmo 'negat;:iio de uma negayao'. Tustamente POt set uma nega­s;ao, quando visto na petspeetiva da sua genese. e que aparece, do ponto de vista da realidade atual. como a 'posjc;iio' de algo original. ,~f Assim, 0 que existe pOtque _L.!.!g!!tivo (daquilo que provem) L~

,mesmo tlWlpo-RQsitjvo (enquanto 0 novo agora se afirma existente)"~NJ (Vieira Pinto, 1969: 189).

A contradiyao e destruidora, mas tambem criadora, ja que se obriga a superayao, pois a contradiyao e intoleravel. Os contrarios em Iuta e movimento buscam a superayao da contradi9ao, superando-se a si pr6prios. Na supera9ao, a solU9ao da contradi9ao aparece enrique­cjda e recollquistaaaem nova unidade de nivel superior. Cada coisa e urna totalidade de movimentos e de momentos que se envolvem pro­fundamente, e cada uma contern os momentos e elementos provenien­tes de suas rela96es, de sua genese e de sua abertura.

Por isso a realidade nao e apenas 0 ja sida, embors ela possa no seu estar-sendo incorporar elementos do sido. lITa tambem nao e- ~-

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s6 0 ainda-niio, embora sem este elemento 0 real se torne superavel. A realidade, ~ movimento que Jill: e end6geno, e exatamente a tensao ~jaletica sempre super/lvel do jd sida e_ do ainda-niio no sendo.

~ tensao entre 0 ja sida e 0 ainda-niio e que possibilita 0 sUJ]i_­menta e a implanta<;:a0..90 novo, pois penetra no processo, do comes;o io fim, 0 desenvolvimento de todas as coisas.

A contradi<;:ao nao se limita, entao, a ser uma categoria que melbor compreende a sociedade. Ela com reende tambem todo 0 mundo do trabalho humano e seus efeitos e se estende a toda ativi ade umana.

o carater inacabado se inscreve, pois, no pr6prio real objetivo. definindo nao s6 0 homem, como as relas:6es que sua realidade impoe. o corte do ainda-niio nega 0 dinamismo interno das coisas para aquilo que elas possam ser. Assim, 0 inacabamento da realidade faz com que

contradiyao implique a descoberta das tendencias latentes na reall­dade e que constituem a media9ao entre 0 possivel e sua realizay~.

Contudo, a possibilidade existente no movimento das coisas quer dizer a possibilidacle do novo, daquilo que ainda nao e mas pode ser, imanente naquilo que e. E ao abrac;:ar toda a realidade, esse novo ossfvel, co ido de modO diaI6tico, se inscreve ao mesmo tempo

n em e nas relayoes ue este mantem com 0 mun 0 e com os outros homens .

A contradiyao, pais, ao interpretar 0 real, capta-o como sendo 0 resultado de uma inadequayao pugnativa entre 0 que e e 0 que ainda nao e, numa sintese contradit6ria. Por isso, todo 0 real e urn pro- ~ c!:sso que co~m, sem encerrar, 0 possfveI numa unidade de contrarios. "'

1sso quer tambem dizer que 0 mundo das relayOes nao s6 se] desenvolve, como tambem e urn todo dialetico, em que os fen5menos ~ se desenvolvem isoladamente, mas em liga~om outros feno.. ...0­menos. 0 que coloca a questao do moyimento rovocado d a. As ) causas exte~nas sao a co . ~ as modi ica oes e causas i te~l ~ao a base dessas modificac6es. As causas externas 56 operam por !!.leio das causas internas. Dessa maneira, se as causas externas (por serem de natureza relativamente diferente do fenomeno em questi'io) s6 operam nos fenomenos por meio das causas internas, e porque a a9ao recfproca entre as fenomenos encontra em si potenciaUdades ima­nentes, constituidoras do momento da negar;:ao.

Essa as;ao reciproca permite sair do positivismo e do idealismo, pois ambos supnmem•. no fen6meno, a distancia entre 0 real e seu porvir. 0 primeiro por nao atentar suiicientemente para as reIa96es-=-­mternas dos fenomenos, vendo entre os mesmos apenas conexOeS tan­

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genclals e' extemas; 0 segundo, por retirar 0 real da consciencia. 0 primeiro, mesmo fa lando do carater evolutivo do real, retira 0 novO da Hist6ria; 0 segundo compreende 0 novo abstratamente, sem os con­

teudos objetivos.

Contudo, os fenomenos nao sao iguais, e ao pretender evidenciar urn fenomeno importa estabelecer sua ro ried;de e es ecifici aJliLqa re a9ao com os outros fenomenos. E importa saber que rela90es pos­suem significa9iio essencial para 0 conhecimento do fenomeno em

quesHio.

Nas contradi90es, ha uma rela~ao entre 0 que ha de comum a todos os fenomenos e 0 que ha de especifico a cada urn deles. 0 univer­sal existe no particular, e 0 que leva a distinguir urn fen6meno de outro e a captayao do Que existe de comlli!Lentre urn fenomeno e os outros, e af notar 0 ue nele ha de e.wcffico, ou seja, 0 que £. erencia qualitativamente de outras fQ!JD8S d~ moviment.9.

A consciencia da contradiyao e 0 momento em que a contradiyao se torna principia explicativo do real. A reflexao sobre 0 real torna-se o momenta em que 0 homem descobre as contradiyoes existentes no real. Pela refiexiio, a natureza dial6tica do real encontra, na conscien­- .--. -~ ~a ~atyao, sua expressao subjetiva, e tambem a possibilidade de urna inter erencra no real.

o conhecimento do que ha de universal nas contradiyoes leva a descobrir as bases gerais do movimento; e 0 conhecimento do que ha de particular nas contradiyoes leva a distinguir a cspecificidade de cada coisa ou fenomeno. Mas ambos esses conhecimentos tem urn arranjo e urn apoio numa realidade. Urn conheciment etivo s6 se dii a nfvel de cada totalidade hist6rica, ressalvando as diferenyas que marcam asnarticularidades e espeetftcld~de cada uma. r- o problema central e 0 da contradi~ao. Sua e1imina9ao torna a~ analise unilateral e faz uso apenas dos conceitos de confirma9ao e legitimaC(ao. Como afirma Petit:

~ "A aproximac;iio estruturalista conduz, pois, 11 supressao da contra· diC;iio, porgue. precisamente, 0 funcionamento da estrutura consiste nesta tentativa de supressiio. 0 funcionamento eSlrutural nilo ~ eiitiio.Q funcionamento da totalidade, mas <Ie urn selor dessa, que, para melhor assegurar seu pr6prio funcionamento, se fara apreender como totalidadc" (Petit. 1963: 16-17).

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Mas, se a tensiio entre os contrarios ex.<:lui urn ao outro, tambem nao permite que urn exista sem 0 outro. as contrarios opoem-se e se impregnam mutuamente. Assim, cada umdeles e condiyao para que

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exista 0 outro e, no seu movimento, cada urn se converte no outro. AU seja, cada urn tende a tomar a posi9ao ocupada pelo seu con­trario dentro de uma perspectiva em 0 ainda nao mas ode ser, se efetiva e ocu a 0 lu ar at entao tornado pelo que estava sen OJ

e este (assumido pelo novo nos seus aspectos va idos) se torna 0

ja sido. f 0 novo, agora tornado presente no processo. PO! isso, tod~

~!1idade-L1uta d~ contrarios ~ relativa e sl!Peravel.

Na sociedade capitalista, 0 movimento se da em consequencia do desenvolvimento das contradi90es que existem em seu seio. Tais contradiyoes se revelam no papel motor da luta de classes na trans­formaC(ao social. £ atraves deste jogo pugnativo que a sociedade avan9a. Sel1!. d{ryi2a qu~ess~ ~~ eIE.... condi£oes objetivas e sua sol~ yaO n~uL1aQo fatal do crescimento dasforyas~utivas. A so~o supoe a desenvolvimento das for98s proautivas em concmoes objetivas, mas eliminar da contradiyao a autodinamica da contradiyao (no casa, a luta de classes) e eliminar a dialetica. Assjm, a contra­diS-ao das relacoes de produyao e interna, como tamMm sua solu9ao, .conguanto c.onQ.~a instftncia, peto desenvolvimenrodas"f f~S-pro.d.uti-~. Falar em determina9ao das foryasprodutivas em (Iltima instflOcia, levando-se em conta 0 movimento contradit6rio do ­ J real de que elas fazem parte, e falar de urn ponto de vista hist6rico. S ~

Neste sentido, da-se uma diatetica entre 0 tempo hist6rico e a deter- ~ f mina9ao do economico. ~1

No movimento das mliltiplas determinaX§es, a economia e radical.~

f:~e. as raizes de urna sociedade._p-orq.JJ§. sem ela nao ha a pro­@9aO de uma existencia social. ~

a nao-reificayao - posi9ao exige urn passo alem. ExigeMas dessa o avan90 para uma relaydo origimhia (no sentido de origem) que supere tanto a consideray80 separada de causa e ereito, como a cren9a na invariabilidade das propriedades das coisas. Exige ver todas as coisas figadas ao sujeito da raxis, 0 homem como'ser ativo, mediador c me lado desse processo. Os home ,como sujeitos, fazem a Hist& rlHs relaC(oes de produyao sao construidas por classes sociais hi5t6­ricas e podem ser modificadas par elas.

!.'!;.. origem da economia e urn dado ~estigado, pois partir d1,Le.cono.mLa como algo que e dado per se a transForma em urn fatar ~omo e assim a 1ehcl'ilza. Os produtos humanos nao sao uma ver­dade de ultima inst§ncia, p'Ors em suas raizes e1es sao produtos mesmo, produtos do homem como sujeito objetivo, criador da realidade social.

Esta e a determinayao materialista do homem como sujeito objc­livQ, que do pressuposto da societas rerum cria a realidade social e

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humana. Nesse sentidc se explica a econo~~

eJ.ante da ;I;fetiva9ao huma~Eerestruturar.--A.-e.c,ODomia como ossa­t.~lar;oes humanas e primaz porque tern urn significado centr~

DO que dlZ respeito a praxis humana, na cnayao da realidade humana.

• Esse ""papel da praxis humana nao e abstrato,~-ass; da no interior das relay6es sociais. Por isso, a superayao da realidade capitalista, em termos dessa ossalura, 6 determinada pelo nivel das lutas de classe, ou seja, pelo desenvolvimento das contradir;:oes das relac;:6es sociais.

Ignorar a contradir;:ao result numa atitude ue leva ao conser­vadorismo, pois abstrair esse elemento e retirar da.-:,.eali,3.. ~ s~ c~­

citer profundo de inacabamento. Ignorar a contraalr;:ao e querer retl­rar do real 0 movimento e, po;isso, e recurso proprio das ideologias dominantes, que, nao podendo retira-Ia das relar;:6es sociais, economi­cas e politicas, representam-na como imaginariamente superada.

Nao considerar a contradir;:ao como categoria e realidade dentro de uma realidade e propor essa mesma realidade como categoria e realidade absolutas, infensa 11 sua propria negac;:ao. (No caso, 0 sistema capitalista e suas reIac;:6es sociais tomam-se urn absoluto, se vistos sem contradiy6es e s6 com variar;:6es internas. A compreensao de suas estruturas nessa otica metafis1ca vai eliminando acontecimentos ou alterando sua significac;:ao.)

A categoria de contradic;:ao, dialeticamente, remete-nos a de totalidade.

32. Totalidade

Q fenomeno~ por sua natureza~ 1'10 mesmo tempo revela e oculta a essencia~ A amHise que permanece na exteriOridacfe reciproca- das

~ coisas capta apenas 0 momento de manifestac;:ao do fen6meno e, ao nao referi-Io a essencia, isto e, ao processo de sua produyao, oculta o global.

Assim, essa analise, aE.,0iada na exterioridade, -¥e_ as p~rtes como universos separados UDS dos

l'r, ~ niveis aut6nomos, ~nternas em uma totalidade

.~

privi1e~dovrbi!rariamente,

torna-se 0 dett;r.JJJkii!nte. ­

outros. Esses todas, tornados co~o i~s­sem3ue estabeley~nttUres r~l~es contraditoria, acabam sendo, na ana,lise, isto e, 0 todo julgado mais importante

A compre~nsao ~ela9ao todo/parte, que supera a coloca<;ao de que ·as institulcoes refletem estruturas mais ampI~s, pede por uma ...:; -­ -34

explicaiYao que mostre como tal institui<;ao coopera ativamente para produzir e/ou reproduzir as rela<;6es sociais existentes. 1s50 nos remete it categoria de totalidade, que permite a compreensao da realidade nas suas leis intimas e a revela<;ao de suas conex6es internas e neces­sanas, ainda que guarde a possi5ibdade de, entendida unilatera1iiie'Iit'e,

d'eIXM de ser urn conceito dialetico (Seve, 1968).

A totalidade nao e urn todo ja feito, determinado e determinante ~ao..J uma harmonia simples po~ dade aeaba®.- mas urn processoae fofallzayao a partir oas rel~6es dZ" produyao e de suas contradic;:6es. Pois 0 problema

"oao coosiste em reconhecer a prioridade da totalidade face as contra­di~6es, au a das conlradir;:oes face a IOtalidade, precisamenle porque tal separar;:iio elimina tanto a totalidade quanto as contradiyoes de ca­niter dialelico: a totalidade s ontradi oes e v3zia e merle, as con­tradir;:oes fora da totalidade sao formais e itnirias" OSIK, 1969 ""'51~'

E nessa diatetica entre totalidade e contradj,;:ao que 0 real pode ser entendido como urn todo que implica sua criac;;ao, processos de concretiza<;ao, estruturayao e finalidade, num..£..QIljY!llo de ele!p~lt~

que a negatividade se faz presente.

Na totalidade, cada realidade e cada esfera dela sao uma totaH· dade de determinar;:6es, de contradir;:6es atuais ou superadas. Cada esfera da realidade esta aberta para todas as relayoes e dentro de uma ac;:aoredproca com todas as esferas do real. M.Jls a totalidade .~em contradjy6es e vazia e inerte, exatamente porque a rigueza dp .real, isto ee, sua cOIitraditoriedade, e escamoteada, para s6 se levarem ... em conta aqueles fatos que se enquadram dentro de principios esti­pulados a priori. A consideraiYao da totalidade sem as contradir;:oes ~~ocar a coerencia aeima da cootradiyao., Nesse caso, 0 objeto de conhecimento ganha em co~ coerencia, em detrimento, porem, do que ha de conflituoso oele. E 0 privilegiamento da contradic;:ao revela a qualidade diaJ6tica da totalidade.

Essa tensao das contradiy6es no seio da totalidade gpRlica 0 reco­~ento do real como hist6rico. Caso contnirio, a possibilidade da

totalidade e reconhecida dentro de urn carater naturalista ou objeti­vista, onde 0 real. nao passa de uma materia moldavel a uma forma a priori. Nesse ultimo caso, 0 recQOOe.cimento da totalidade e fetichi­zado como.....wna especie de invariancia estruturai:

"A totalidade niio pode ser fetichizada. tomada como um absoluto. como urna enlidade qualquer - seja metafisica. seja 'construida' pelo pensamento cienlifico, pelo sujeito - que pairasse acima das paries e as subsumisse diretamente" (Brandao, 1977: 158) .

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~ totalidade nao e urn tipo-ideal, modelo independentizadQ do 9b~ para em seguida explica-Io. "ma tambem nao e um universal abstrato que se c.ontraponha aos particulares como uma essencia

platonica.

I~~eL qJ,le uma compre~9 diatetiCLda totalidade exige a rela~ao entr~ as partes e 0 todo e as partes entre si. 0 todo, colocado acima ou fora das partes numa mera relayao de exteriori­dade, se petrifica na abstrayao. 0 todo, na verdade, s6 se cria a si mesmo na diaIetica das _partes...~6~Rode existir concretament~ nas partes e e na relatividade E.auartes que 0 todo se estrutura-e cami­·@a. Apropriadamente, isto e dito por Mao:

I' "0 universal existindo no particular obriga-nos, ao estudarmos um feo6meno determinado, a descobrir 0 particular e 0 universal no pr6­prio interior do fenomeno, assim como sua ligacrao mutua ( ... ) que mant~m com as muitos outros fenamenos exteriores a ele" (Mao Tse­Tung, 1978: 51).

Totalidade nao qU~LdizeL1.odos os fatos e nem soma de partes. o conhecimento de todos os fatos e 0 exaurimento de todos os aspec­tos e algo que 0 conhecimento humane nao atinge e nem e tal 0

sentido da totalidade.

o conceito de totalidade ,implica uma complexidade em que cada fen6meno s6 pode vir a ser compreendido como um momento defi­nido em relayao a si e em relaryao aos outros fenomenos. Isso nao quer fuer que se deva conhecer todos os fenomenos, igual e indis­tintamente. ~gnifica que 0 fenomenQ. r~~rido s6 se ilumina quando ~eferido a essencia,L ou seja, aqueles elementos que ~efinem~r6­pria natureza no se~ 'processo de produs:ao. A totalidade, entao, s6 e apreensivel atraves das partes e dasretayoes entre elas.

Dados isolados nao passam de abstx:a~oes. Por isso, a totalidade ~ e concreta. Interna aos dados empiricos, implica-os e os explica no

conjunto das suas rnediayoes e deterrninayCies contradit6rias. Os dados, vistos na sua Yisibilidade imediata e nas suas relayoes externas, s6 adCLuirem eoncreticidade Ctornam-se concretos) quando revistos nas relas-6es essenciais de urna totalidade hist6rico-social. Neste momento,

lr sua cornpreensao e racional e pode-se dizer como estao inseridos no todo. Por exemplo, veja-se essa passagem de urna entrevista sobre 0

.~ capitalismo no campo.

"( ... ) seria necessario pensar 0 capitalismo, nao em term05 de uma forma geral. mas as forroas que ele assume. Historicamente voc~ teve e tern formas diferentes de capitalismo: 0 capital comercial, ou in· dustrial, au agricola, que sao forroas diferentes de operay(5es e de

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rcproducroes do capital. Enfim. a expressao que 0 capital assume na sua f6rmuJa difere de uma situayiio para outra e de urn estagio hist6. rico para outro" (Martins, 1978: 15-16). .

A totalidade e a a. ~o>Qm~nto~ esta ~pre em 'pro­cesso no seu esegyoJ:!er. Isto nao significa uma realidade informe Iri'Cfivel e abstrata, mas sim que 0 movimento esta ai, presente com suas contradiyCies imanentes, e conduz a realidade a formas supera­doras de si mesma. A contradiyao e real nas pr6prias coisas. A essencia das relayoes reais e ser luta ao mesroo tempo que reiayaO, dentro da relatividade do moviroento. Por isso a totalidade e aberta:

"Se a realidade ~ .entendida como concreticidade, como urn todo q~ possui sua pr6pria estrutura e que, portanto, nao e ca6tko, que se I desenvolve e, portanto, nao ~ imuhivel nem dado de uma vez por todas, que se vai criando e que, portanto, nao e urn todo perfeito e acabado no seu conjunto e nao ~ mutllvel apenas em suas partes isola­das, na maneira de ordenti-las, de semelhante concePcrao da realidade decorrem certas conclusoes metodol6gicas que se convertem em orien­ta~iio heuristica e principio epistemol6gico para estudo, descricriio, com­preensao. ilustracrao e avali8~ao de certas se~5es tematizadas da rea­Iidadc" (Kosik, 1969: 36).

Pois bern, se 0 real e urn todo estruturado em curso de desen­volvimento e autocriayao pelo movimento dialetico que The e inerente, o conhecimento de urn fenomeno ou conjuDto de fenomenos e 0 co­nhecimento do lugar que estes ocupam na totalidade das relayoes. Esse conhecimento s6 impoe a separayao de seus momentos para sua superayao em uma nova totalidade.

A totalidade e seu conhecimento formam "urn processo de concretiz8~ao que procede do todo para as partes e das partes para 0 todo, dos fen6menos para a essencia e da essencia para os fenomenos, da totalidade para as contradjcrOes e das contradi· croes para a totalidade" (Kosik, 1969: 41).

A· totalidade conereta, contudo, nao e algo que tenha uma exis­tencia em si. ~la e 0 processo de criarxao de sua estrullUt porque e y' como uma rodu ao social do homem. Isto quer dizer que a totalidade concreta implica a 'stonctza«ao dos fenomenos, ou seja, impoe-se pensa-Ia nao a partir de si pr6pria, mas a partir de totall­dades eoncrelas.

o homem e 0 sujeito hist6rico-social que, pela sua praxis obje­tiva, roduz a realidade (e tambem por ela e produzido , 0 que pos­sibilita 0 co hecimento da mesma. uer oizer, por a questao 0 que e a realidade?'dentro da totalidade e basicamente pressupor a subsun­«ao desta por outra: como se !az 0 real?, 0 que subentende a pro­dUyao humana na sua dimensao hist6rico-social.

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A realidade, ,-,maw, 56 pode ser conhecida na sua totalidade con­creta quando se conhece a mesma na dimensao social e hist6rica, com­preendendo a unidade dialetica da estrutura e superestrutura, onde - 0

~em e recollbecido como sujeito aa praxis. Ignorar, na dIaletizac;ao base-superestrutura, no movimento de suas rela .. 'cas a atua­C;ao do omem como sUletto 1St nco rea no conjunto das relayoes ~is e tornar a totalidade uma abstrac;ao. ­

A totalidade conduz ao conhecimento da unidade do real que representa uma compreensao mais especffica de cada campo do real. E no conjunto de relayoes acima formulado, cada campo do real sera tanto mais significativo quanta mais completamente refletir a essen­cialidade do real. Todo campo do real sempre reflete essa essenciali­dade, mas urn campo do real pode depor mais do que 0 outro no seu conteudo e significado objetivo, segundo a maior ou menor riqueza da realidade.

3.3. Reprodu~io

o conceito de reproduyao sobre esse movimento da sociedade ao nivel global, sobre a totalidade.

o termo reprodu~o e composto etimologicamente por: re = prefixo indicativo tanto de repetiyao quanto de mudanc;a de estado; pro = preposiy80 indicativa tanto de a favor de, como de em frente e para frente; du(:ao = vern do verbo latino duco, duxi, ductum, ducere, que significa levar, trazer, e, na voz ativa, tern uma forte conotayao de movimento. 0 verba ducere, regido pelo dativo, tem urn sentido de "atribuir", ao mesmo tempo que exprime "avaliar" no sentido de "taxar" e, nesse caso, e regido pelo genitivo. Como se ve, mesmo etimologicamente 0 termo recobre varios significados.

~ Assim, pro-ducere quer dizer levar, trazer algo para alguem, au seja, uma ayao que se torna ocasiao de render, fabricar, taxar de, em favor de.

E 0 prefixo re, ao enunciar a repetiyao (de novo) diante de pro (em frente de, para £rente), enuncia tambem uma mudans:a de estado.

Logo, re-pro-duzir seria criar condiyoes para que 0 levado (tra­

.:~ zido, rendido, fabricado, taxado) se reitere de novo em favor de alguem, ainda que implique uma mudanya.

Se jogassemos com esses elementos, poderiamos pospor ao verbo a preposiyao pr6 e teriamos enta~ re/ducere/pro = "dirigir uma ayao de novo em favor de" ou "tornar menor" e, nos dois sentidos: res­

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tringir (diminuir) e subordinar (ser dirigido por). Ou seja, a repro­dus:ao e uma reduyao de em favor de.

Ora, nao se pretende que a etimologia das palavras de a sentido que elas possuem sob 0 capitalismo. Pelo contnhio, .~ a totalidade ~m

ue a palav~ e gestada que delimita sell sentido. A paIavra, entao, e~pressa uma visao de mundo poss{vel de ser recapturada a partir da totalidade que a gesta. Logo, 0 sentido da categoria reproduyao se aninha na pr6pria reproduyao do modo de produyao capitalista.

Como uma totalidade hist6rica superavel, 0 capitalismo busca a reproduy8o de sllas relayoes de produc;:ao a fim de garantir, pela am­pliayao da produyao, a acumulayao. A reprod~ de suas relas:oes ~plica mai~ do que .uma (re)produyao de coisas. T~a a t~va de feproouzlr 0 movlmento do capItal socIal como u~ Assim. essas re~nao se produzem e se reproduzem apenas na empresa, mas tambern no mercado, no dia-a-dia, na familia, na arte, na ciencia, na Igreja. no exercito e na educay8o. Enfim, a produyao e a repro­duc;:ao dessas relayoes se fazem dentro de urn processo totalizante, mas nao totalizador, que se revela em varios momentos:

"A reprodw,:iio capitalista nao 6 somente reproduc,:ao da relac,:iio: 6 sua re du 50 sempre em escala crescenle; e na mesma medida em-que, com 0 modo de pro u~ao capita iSla, se desenvolve a forya produtiva social do lrabalho, cresce tamMm a riquez8 acumulada em oposic;:iio ao operlirio. como riqueza que 0 domina como c<lpital (Marx, 1978:92).

Se 0 capitalismo busea sua sistematizayao em termos de coerencia e coesao, isso nao quer dizer que exista como sistema acabado e fe­chado. A busca da coesao se da a partir das relayoes de produyao. Essas ultimas eneerram contradic;:oes eeonomicas, sociais e politicas, porque se eonsubstanciam nas relayoes de classe. Se as relac6es d.~

produ ao se re roduzem e se am ]jam, tambem '~tradi - se ampliam e se apro un am, porque as relayoes de classe sao contra­dit6rias. Par isso as relay6es de produyao, ao conterem como prin­---..... cipal forya produtiva a classe subalterna. criam ao mesmo tempo a capitaJizac;:ao generalizada e a potencia que realiza a sua negayao. a que quer dizer que a contradiyao basica do capitalismo nao se resolve mecanicamente numa slntese superior, ela tende a se repro­duzir. Por isso a reproduyao das relay6es sociais constitutivas do cae!.: talismo. QU s~a ........a eapacidade de 0 capitalismo se manter, da-se no processo de acumula ao do capital e se espalha por todo 0 espayo social, mercantilizando todo 0 espaco atin~o. Mas essa mercanh Izayao nao possui eficacia plena porque ela se da mediante a divisao social do trabalbo: Marcada pela relayao de propriedade (capital x trabalho),-..

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essa diYisao gera contradi¢es sociais (burguesia x proletariado) e se amplia em contradiyoes politicas (governantes x governados). 1::-'5(,; permite conceber a realidade social de modo dialetico, pois as classes subaIternas nao sao meros produtos de um modo de produyao. Elas possuem urn carater hist6rico, pr6prio, que resiste ao economicismo re-dutor. Elas se definem como agentes hist6ricos que podem lutar contra a re-dufiio do valor de seu trabalho e a favor de elevac,:ao de sua conscil~ncia. Mostrar a reproduy80 dessas relayoes nao significa, entao, apenas evidenciar a coesao interna ao capitalismo. A reproduyao se da no conjunto das contradi¢es inerentes a essas relayoes, Dum conflito que noje se ampba e se ~fundtre~escala" mun~

"Classe operaria e classe burguesa somente podem reproduzir·se juntas na reproduyilo das relay6es sociais de produr;ilo. Nilo se trata d~

process9~ n~to~omos c sepJWldos, mas de uma reproduyiio da separar;ao ~on Ito (Baudelot e Establet, 1977: 253).

A reproduyao se da basicamente no processo produtivo. A forys de trabalho separada dos meios de produy80 define 0 openirio como tal e se torna condisrao de sua reproduy80 como operario.

a processo de produyao nao e 56 0 processo de reprodw;ao, mas tambem 0 processo de produyao ampliada do capital grayas a incor­porayao real do trabalho vivo. Se 0 operario como forc,:a de trabalho

"sai do processo tal qual entrou, como simples {orya de trabalho sub· jet iva que, para conservar-se, ten\ que percorrer renovadamente 0 meso rno processo ... 0 c~~o, ~~ do "pro~tal Eomo entrou. N.o.-1Ian..sc.!!!§2.....destc tTansfJ:>!'!!!.9u:§~cl!. primeira ve em capital real, em valor que~Qriza a si mesmo. 0 pro'dliiotiilal e agora iMorma sob a qual eXlste como capitaT realizado, e, como tal, .enquanto propriedade do capitalista; enquanto poder autonomo criado pelo pr6prio trabalho, novamente se contrapoe a este. 0 processo de

, produy8o, por conseguinte, nao foi apenas seu processo de reprodu~iio.

mas seu processo de produyiio como capital" (Marx, 1978: 91). ~

Este mesmo processo produtivo dentro de outro, 0 de acumulasrao, subordinou a si pr6prio setores exteriores e anteriores, produziu ..!!9vos, transformando 0 que preexistia, revolvendo as organTzas:oes e in"Sti­t~oes correspondentes. 99Ue-queraIzer que 0 pr~utivo e-seilaesenvolvimento am liam suas reia -esyara 0 campo, para '0

Ir OOffi'ercio, pro etarizando e mercantilizando aIllElos setores. 'A-mais­

.~ valia -apropriad~peio capitalista se transforma e;;- capital, que, por sua vez, se amplia.

Entretanto, ha que fazer a distins:ao entre a reproduyao dos meios de produs:ao e a reproduyao das rela¢es de produyao. A segunda subsume a primeira, mas nao se identificam. A reproduyao dos meios

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de produ~ao consiste na reprodu~ao dos instrumentos de trabalho e das foryas produtivas, a~ da ~al se.. ~Pl'-oduu:m .a--QfganizaX! e a divisao do trabalho. Estas poaem ser qualitativamente superiores, por ex-emplo, nos pii'r'Se's de capitalismo avanyad~, mas de modo algum iSBa significa que as relayoes de produ~ao mudaram. Por exemplo: a reduy80 da jornada de trabalho e uma expressao pnltica da liber­tac;SO do predominio do fator economico e revels uma maior dispo­nibilidade para fatores extra-economicos. Mas isto nao altera ern nada 8S relay6es sociais de produyao basicas do sistema capitalista.

o conceito de reprodusrao das relayoes de produyao incide sobre a totalidade, sobre 0 movimento dessas sociedades ao nivel global e impulsiona aquelas anali~es ue ficam a eoas na exterioridade recf­proca das institu~ A- dialt~tica reproduyao-contradiyao-totabda e ' permite perceber como as instituiy6es nao s6 refletem as estruturas mais amplas, mas tambem cooperam para produzir e reproduzir as relay6es sociais. ­

A -implicayso das contradiyOes no processo de reprOdUy80 das relay6es de produyao mostra que elas geram conflitos. mesmo que 0

capitalismo tenha acionado seus dispositivos no sentido de extrair a ~saLcla contradis:ao. Pois 0 capital gera capital inedlanle"0 trabalho, e a reproduyao ampliada do capital exige a reproduyiio do trabalho, mas a forya de trabalho e tambem ~ist6rico e nao mere pro­~ e pode resistir ~s tentativas de Dlani~ao. As contradiyoes que as relayCies capitalistas mantern no interior da reproduyao dos meios de produyao podem se agudizar mas nao se solucionarao se s luta de classes nao chegar a uma organizayao econcentray8.o de forera de -=~ do lade re..'iOlucjQn~Alem do que 0 caprrarlsmo tern meca: .nismos eficazes para reduzir os conflitos ou atenua-los: os aparelhos

) ideol6gicos (ns busca de urn consenso) e os aparelhos repressivos (na \...impositividade coercitiva) ..J J41.

a sistema capitalista tenta tornar a sociedade como um todo, 0

lugar de reproduyao das relayoes sociais de produ~ao com a atenuayao 8-os conflitos. Mas isto nao quer dizer impositividade-iib'Soluta, por: que 0 crescimento das for~as produtivas gera continuamente novas contradiyoes e a negatividade perpassa todo 0 espayo social. As con­tradi¢es se dao ao mesmo tempo em que a prAtica social do capita­lisIDo busca sua coesiio e coerencia. Nesse sentido e que diz Lefebvre:

"£ neste espayO dialetizado (conflitual) que se consuma a reproduylio das relay5es de produyiio, e nesse eSpByO que produz a reproduyiio das rela95es de produyiio. introduzindo nelas contradiyOes mUltiplas ... " (Lefebvre. 1973; 19).

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1

A importancia da reprodutibilidade das relayoes de produyao se refere, pois, Ii reprodutibilidade da relsyao capitalista, baseada na

;1 divisao social do trabalho, que busea impor-se eficazmente por toda a parte, no cotidiano, na arte, na escola, no parlamento, nas coisas, nos signos e nas representa<;6es.

Citando ainda Lefebvre:

"Se 0 poder capitalista ocupa 0 espa~o que gera, ~cotidiano e 0 s~ sobre 9u~ se ecigem as grande.Llllil!!i!e1ll.r.as da polftfca e da socleda­

e. Esla interessante propriedade nao the retira a suaamblgUidade, rri1sto de pobreza e de riqueza. Nele 0 insuportavel e 0 atraente mis­turam-se, 0 mal-estsr e a satisfa~iio amalgamam·se... A reprodu9iio das rela~es de produ~iio faz alastrar as contradic;5es fundamentais ... " (Lefebvre, 1973: 101).

Essa reprodutibilidade basica e que possibilita a reprodu<;ao de cada uma das classes.

A reprodu<;ao e urna categoria que se da no interior de urn movi­mento contradit6rio cujo sentido, ainda que busque confinnar anta­gonismos existentes, tambem os empl1rra para sua superayao. Essa r~u<;ao, pois! nao se da de modo mecanico ou merament~ r~e~o. As condiy6es que possibilitam a reprodu<;ao do capitalismo nao se encontram apenas e tao-somente na reprodu<;ao dos meios de produ<;ao. Elas se imbricam na reprodu<;so das relayoes de produyao. O~:Stas ultimas se dao no funago das rel~es de classeJ cujas contradi¢es possibilitam 0 desenvolvirnento de antagoni!!99~portanto, da trans-forma<;80 social. - -..- -- ­

Mas os antagonismos da explora<;ao e da divisao tambem existem na superestrurnra, de modo a incluir nesta tanto 0 ponto de vista da classe dominante quanto 0 das classes subalternas. Nesse sentido, a superestrutura aponta para sua articula<;ao com a infra-estrutura. Do

~ pon 0 e vista a c asse dominante, e a pre ende, pOl' uma serie de media<;6es geradas nas praticas sociais, assegurar que as contradi<;6es a nlvel da estrl1tura economica nao se revelem em termos polfticos. I

Assim, propugna uma oculta<;ao do pr6prio modo de produ<;ao, atraves de media<;oes que garantam a coesao social e possibilitem a continua­~o ampliada da acumula<;a~ocuI1ac;:ao nao~bsoltrril.·

As classes suoalternaspossuem medi:.Il;:oes pelas quais tendem a irrom­.I~ per na superestrutura. Os conflitos existentes, porero nem sempre visl­~ terreno das id~!a~ 0 meWinto em que os homens toma; FonscienciU~.s.A~Ap.rQfund~1J.I.~ A educa<;ao aparece vinc'Ufada-io exercicio da hegemonia quando os conflitos imanentes se manifestam, especialmente em urn certo grau de desenvolvimento das foryas pro­

dutivas. Ela se torna urn momenta mediador, em termos de conscien­cia, desse mesmo desenvolvimento.

.3.4. MediafY80

A categoria da mediayao expressa as relayoes concretas e vincula mutua e dialeticamente momentos diferentes de um todo. Nessc todo, os fenomenos ou 0 conjunto de fenomenos que 0 constituem nao sao blocos irredutfveis que se oponham absolutamentc, em cuja desconti­nuidade a passagem de urn ao outro se faya atraves de saltos meca­nicos. Pelo contnirio, em todo esse con'unto de fenomenos se trava uma teia e re a<;6es contradit6rias, que se iill ricam mutuamente.

o isolamento de urn fenomeno priva-o de sentido, porque 0 remete apenas as rela<;oes exteriores. 0 conceito de mediac;:ao indica que nada e isolado. Implica, entao, 0 aTastamento ae oposi<;oes irre: 'dutfveis e sem siiitese superadora. POl' outro lado, implica uma co­nexao dialetica de tudo 0 que existe, uma busca de aspectos afins: manifestos no processo em curso. A distin ao existente entre esses aspectos oc t a relaeyao mais pro unda que a un amenta<;ao nas con ic;:oes gerais da rea a e.

Mas essa categoria deve ser ao mesmo tempo relativa ao real e ao pensamento. Enquanto relativa ao real, procura captar urn feno­meno no conjunto de suas relaeyoes com os demals fen6menos e no conjunto das manifestaeyoes daguela realidade de que ele e urn feno­meno mais ou menos essencial. Concretamente isso e somentepoSSive atraves--da historicizayao desse fenomeno. 1- Hist6ria IS 0 mundo da,s media<;Oes. E a Hist6ria, enquanto movimento do pr6prio real, impliea ~ovlmento das mediayoes. Assim, elas sao hist6ricas, e, nesse sen­tido, supenl.veis e relativas. ~..!!.qUalllQ..relativas ao pensamento, per­nilielll-.a nao-pet!ifica~ao do mesmo, porque 0 pensar referido ao real se integra DO movimento do pr6prio real. 0 pensar nao referido ao real pretende-se a-hist6rico e neutro. Mas s utralidade -0

elliste, porgue a mediayao nao existe em si pr6~.Mo em sua rela­~m a teoria e a pratica. Po;-rsso 0 pen;; que se pretende a-hist6­

rico, no fundo, faz 0 jogo da ideologia dominante ao universalizar uma mediayao que e sempre contradit6ria, supenlvel e relativa.~a

2rdem de coisas, pode-se afirmar que a ideologia dominante, na socie­?ade de classes, narnraliza 0 hist6rico pela conversaC2.-em pet1iiarieiit~ ~o 6 senao passageiro. POl' isso, tal ideologia nao pode se idenirrlcar totalmente com lima mediac;:ao, embora tente, dado que 0

carater provis6rio desta nasce do terreno conflituoso da pratica social. o que torna, por sua vez, essa ideologia tambem relativa e provis6ria.

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- ------

I~i ~ ! Por outro lado, as mediay6es abrern espayo para que as teorias1,~ . :M~ concretizem, tornando-se guias das ay6es. Nesse s~entido. sem as':fse

~ ~di~o~~s teorias.Je tornam vazias e inertes: e, sem~rias, as

j mediay6es se tornam cegas ou caolhas.l ­ Em suma, ;-;;diac,:ao rejeita relay6es de inc1usao ou exclusao

-\ forma is e expressa relal):oes conci-etas. que remetem urn fenomeno ao outro.

medial):ao tern a ver com a categoria de ac;:ao reciproca. A realidade e urn todo aberto, no interior do qual ha uma determinac;:ao recfproca das partes entre si e com 0 todo. Tal determinasao limita

~--~a e negativammt,e as....MI'tes entre si,o que impede urn elemElIlJO de ser 0 todo. Por ela se pretende expressar ;S re~6es em sentidos diversoseopostos entre os fenomenos. Eta significa tambem a ex­c1usao de condicionantes causais unidirecionais. A causa<;ao unidire­cional ignora que, pela negayao, 0 seu contnlrio se the op6e e que,

, portanto, e elemento constituinte da relal):ao_ ..-.----I • \ f- • Mas essa negayao e hist6rici""e pratiea. Ela toma uma forma es- ,

pecffica em cada dominio do real. Da mesma forma como nao ha contradic;:ao em geral, mas contradicyoes. cada qual com seu conteudo concreto, a negac;:ao, por ser elemento constituinte da contradiyao, tambem toma forma especifica em cada dominio do real. Nilo h6 uma negatividade geraI ----e univoca, " ".- --- ./

A mediac;:ao (categoria nao-reificavel), assim entendida, nao pre­cisa ser apenas e necessariamente reprodutora da estruturac,:ao ideol6­giea reinante..~e ser uma mediacyao critica, pois a legitimac;:ao que a ideologia dominante busca nas mediac;:oes (e par eIa se difunde) nao e explicaveI de modo mais abrangente sem as contradic;:6es exis­tentes no movimento da sociedade. Em outros termos, as classes sociais fundamentais, existentes no bloco historico capitalista, con­

~ substanciam as contradiry6es de base.

"Caberia conceber as classes sociais como consubstanciais com a infra-estrulura e a superestrutura. e conceber situayoes infra·estruturais de c1asse e situayOes superestruturais de c1asse em iermos de prAlicas sociais estruturadas sem com isto admitir que as situsyoes infra·estru­turais necessariamente se dupliquem biunivocamenie em situayoes su­perestruturais" (Donnangelo e Pereira, 1976: 100) .

.oJ A nao-pertinencia de oposiy6es dup)ices e biunfvocas implica a pertinencia da contradic;:ao bic1assista no seio da expansao do capita­Iismo. Tal expansao, contradit6ria em si mesma, ganha for9a maior quando sua expressao consciente nao se faz presente a nivel das clas­ses subaltemas. Esse esforl):o por uma ausencia de expressoes cons­

..L

dentes e fruto de urn traba/ho pr6prio da ideologia dominante que pretendc uma identidade, a nivel da superestrurura, daquilo que na infra-estrutura nao e identico mas contradit6rio. Como diz Luiz Pe­reira, "toda su erestrutura dominante 'traba/ha' ( ... ) para a inexis­tenciq_de-esRftfiLic.q e aut n0'!:E. situa9GO superestrutura a S) dasse(s) ao;;;inada(s)" (Donnangelo e Pereira, 1976: [00)"":-- ­

Para isso a mediayao, por exemplo, do conhecimento e capital. o conhecimento, como saher verdadeiro dos mecanismos de explora­~ao, nao e imanente 3 classe social, por isso ela precisa dele, ja que sem ele nao atinge a concep9ao da totaIidade social. A classe enquanto tal nao conhece 0 funcionamento global, a maneira de gerir uma socie­dade c nem sempre conhece 0 produto que a ultrapassa. Mas 0 saber tambem e lugar de contradis:ao. Ha uma experiencia direta da explo­ras:ao objetiva, cujos efcitos globais. por nao serem teoricamente com­preendidos de modo imediato, nao significam que nao sejam vividos e que essa vivencia nao contenha urn nueleo de bom senso.

retende impedir a globalizayao da conscien­--------- I • I ••• I .. -----~

arx,

3.5. Hegemonia

Gramsci esbo<;ou uma teoria da superestrutura do modo de pro­duc;:ao---capttalista em que buscou compreender (e propor uma a9ao politica coerente) como as contradic;:oes fundamentais se manifestam na superestrutura, tanto do ponto de viSt'iiCfiis classes dominantes, quanto do das classes subalternas. Sendo as primeiras contradit6rias, as se­gundas tambem 0 serao, embora nao aparec;:am como tais. A capa­cidade de traba/har a superestrutura (euja realidade aponta para a infra-estTutura) implica a exercfcio da hegemonia.

Ora, POT a questao da hegemonia e por simultaneamente a gues­tao da ideologia. das agencias da sociedade civil que a veiculam, e das relac,:oes sociais que a geram. -

Por isso, a teorizac;:ao sobre as formas ideo/6gicas s6 e possiveI se sao vistas como urn componente do modo de prodwyao capitalista, ligado a reproduc,:ao das reIary6es socia is de produ<;ao, pois toda forma ideologica e momenta de expressao de urn movimento real, cuja tran­sitoricdade implica a configurac,:ao transit6ria dessas formas.

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~

~

~

As rela~es econ6micas sao rela'1Oes sociais. Baseadas nas rela­yoes de produyao, fundamentals na estrutura social, as relas:oes econo­micas sao rela&,oes sociais porque nao sao relayoes entre coi~ exitre homens que se re.lacjona.m socia~n~tre _si..-atraycs de-gwpos fundamentais.-CMarx, 1968: 81-82).

As rela~es dialeticas entre foryas produtivas e relayoes de pro­dus:ao s6 se dao porque sua genese e desenvolvimento dependem das relay6es sociais. ~ma anterioridade ontologica das relayoes de p!odu9ao frente ~ classes. 0 que se pode dizer e que as relas:oes- de produyao se dao e se processam porque sem as classes sociais elas se reificariam, ao nao se manifestarem em sua genese os sujeitos da praxis.

No modo de produs:ao capitalista, em suas rela'1Oes sociais con­tradit6rias, as relay6es sociais sao relayoes de classes porque implicam rela~es de luta entre capitalistas e trabalhadores, resultantes da divi­sao social do trabalho. ~ disso, as relay6es sociais sao relay6es pQliti~as.E2ffiue_estl!§.. se dao dentro de urn contexto de dominas:ao e qe direyao. As relayoes poHticas 56 se entendem quando retendas as relay6es economicas mediante as relas:oes sociais. As relas:oes de do­minas:ao, entao, supoem a aproprias:ao da mais-valia.

Enfim, as relayoes sociais sao relas:oes ideo16gicas porque, a dizer o mundo, reaprescntli-Io e conceitua-lo, os discursos 0 fazem de acordo com os interesses de classe. Por isso, as relayoes paTHicas sa;-enten­didas de modo glooa], quando tambem referidas as representa'1Oes e

conceituas:oes. Na dinfunica da sociedade capitalista, com 0 movimento das

fors:as produtivas, tambem se alteram as relas:oes sociais e as ideol6­gicas. 0 qu.:-~uma alteras:ao imediata a nivel ideol6 ico.., AS transformas:oes ideo16gicas-reb-at sobre as re ayoes economica-l sociais, atraves das instituiy6es sociais em geral e na pr6pria cons­ciencia social das classes. Por isso, a forma\fao da ideologia oao e dada, £,sonstru.,id..!.....E:1as classes ~ais, afirmada como a atividade politica ~ pr6EEio movimento desS§31asses. j .­

Mas essa formayao da ideologia nao se da de modo espontaneo. Ela implica. sem duvida, a ayao politica, atraves da conceitua~ao do IEovimento 06 reaT e das institui~es, m_as lmplica tambem a proble­matizaB9 do movimento desse ~l.

UNa ayao poHtica que e necessariamente uma a~lio transforrnadora da realidade social, e que os conflitos anoram a consciencia. Neste sentido, 0 conflito nlio se dB a conhecer. ~ pOSSlvel vivl!-lo, sem sequer presentifjcA-\o. l!. preciso atuar sobre ele, e preciso um inteDto de que encoDtre sua presenya como obstflculo, que se tropece com sua resis­

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tencia para que se comece a configurar-se. para que surja urn esboyo real que se va delineando com maior precisao 8 medida que as resistencias mostrem seus pontos mais vigorosos e mais debeis" (Li. moeiro Cardoso, 1977: 89).

Com maior rigor semantico, e a mesma coisa que Saviani diz quando fala do problema como condis:ao de possibilidade de superac;:ao das representas:oes e de acesso a conceitualfao (Saviani, 1980).

Esse problema e essencialmente referido as tendencias que 0

sistema capitalista tende a exercer no seu processo de dominac;:ao, a fim de assegurar sua explora~ao atrayes de meios nao-economicos. Esses-mecanismos indiretos objetivi;'ao a negas:ao da ~~lorasao_e ~ivi~~e:-.de cl~ses, ...,gravesai.~ dlSCurSO pretensam~universal, .~a ltario,p- portanto, falsamente identic~nombgeneo.

Enquanto a ideologia dominante tenta ­garantir, mediante urn dis­curso hornogeneo, a divisao social e suas conseqiiencias, 0 problema pode ser apenas sentido ern suas manifestas:oes, quando nao tornado por estas ultimas. Neste ultimo caso eililriamos_diante de urn pseudo­

roblema, crytando como essencia 0 que njo e senao ml!Difesta~o.

Miriam Limoeiro Carooso (1977) distingue na ideologia uma serie de pIanos correlatos. Quanto a sua funs:ao hist6riea, distingue dois mo­mentos: 0 da implantas:ao e 0 da manutenc;ao. No primeiro momento a classe dominante tenta justificar-se por todos os meios, difundindo sua ideologia. Ja no segundo momento, quando estao presentes com maior nitidez as fors:as sociais que pretendem a modificas:ao da situa­!faO implantada, estas se defrontam com as que querem a sua ma­nutenc;:ao.

Essas fors:as se roostram diferentes em seu modo de ver 0 mundo porque sua realidade e diferente: para os dominadores a dominasao precisa ser mantidLe 2eproduzida, -porta"'i1to, jiiStificada; para os dQ­~dos a dominayao deve -ser-e:9bIemiiilzaoa em vista de sua su­pera2~·

Aqui a !unrGO educativa se torna importante. NeSSI( caso a fUDc;ao ~cativa se confunde com a funs:ao problematizadora.

A ideologia tern urn carater de classe, e sua presens:a se faz dentro de urna totalidade concreta, cujo movimento e contradit6rio. Assim a contraditoriedade existe nas ideologias dominadas e dominan­tes. Dal que a .Qroblematizayao e tambem contradit6ria. Problematizar e problematiz; a relas:ao, pOlS a relas:ao coiilfadit6ria nao e 0 tangen­ciamento de dois universos separados, nem a impositividade absoluta de um sobre 0 outro, mas a Juta entre~O'S que se corrra­--------_....:---­

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minam." oode 11m ...domina 0 outro. Contudo, seodo dial6tiea, a domi­Iiayao DaO e igualmeote apreendida, apesar do esforyo pedag6gico da classe dominante em tenta-Io.

AMm disso, a funyao hist6rica da im la01~ da ideologiC!- se. entrelaya com a funyao e ueativa. A ideo ogia dominante tentara exer­ret a funyao edueativa quancTOa implantayao das relay6es capitalistas se tiver eonstituido. E essa constituis:ao, consequente e posterior a dominas:ao, e proposta no momenta em que essa constituis:ao impliea o apareeimento da ideologia dominada.

A funcrao edueativa, meio de implantas:ao e consolidayao da ideo­logia, pretende tornar coesa a classe que a gera. Pretende formular uma eonceituaS:3o que reproduza a situayao da c1asse. b1as-so~­t~is~a~sse dominante tambem pretendera se..l0rp.ar hegemonica, isto e, mediante a difusao de sua ideologia tornar coesa toda ;;--soae: ~as-diferen~as sociais J?ela proclamaerao do dis~o i,gualitano. Contudo:-tal adesao nao se faz por adierao, mas por con­tradicr3o. 0 que repoe de modo mais claro a questao da hegemonia.

~ r-JA hegemonia e a eapacidade de direyao cultural e ideol6giea qu;-. . ~ e apropriada par urna classe, exereida sobre 0 conjunto da sociedade+1 civil, articulando seus mteresses particulares com os das dem is classes ~ , de modo que eles venham a se constituir em interesse geral. Referida

aos-grupmefacyoes sociais que agem na totalid'aaeaas c asses e no interior de uma mesma classe, el~ busc! tambem 0.s.0nsenso ll.as alianyas de classe, tentando obter 0 consentimento ativo de todos, segunoo O;-padi6es de sua direyao.

£ neste sentido que a hegemonia nao e s6 alianya entre grupos de classe dominante, mas funcion~vel ~.;!la<;6~en.!.!:Lill.rj~n­

!!:s e dirigi@.§, 0 que permite a classe subaltern~villdicar seus obje­tiYos mediante mecanismos estabelecidos pela bur$ues~. 1s50 se raz possivel porque a ideologia dominante articufa, ~Si:i!L.Etisfaz, certo..Lin1;eresses das cla§ses ~uMltf!m~s. Atraves de5se mecanis~ a ~lasse dominante desarticula a pr~to dominado e 0 rearticula em tome do seu. Contudo, essemecanismo e contradit6rio, porgue'"' na defesa dos seus interesses as classes subalternas se permilem rcelabo­

\ rar 0 discurso dominante, rearticulando-o em face de suas necessidades.

~~~~ ~~.. _~_~ por baixo permite-.!uperar, de urn lado, 0 econo­p1icis~ que se pode pensar no contexto ao aomrOiO bUfgues a dires;uo dos subalternos; e, de outro ladQ......E,ermite superar a visuo r~du­tiva dQ Estado a urn exclusivoJparelho de coeryao, uma vez que 0

Estado de c1asse nem sempre e hegemOnico. Obvia"mente tal assertiva

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necessita se,r historicizada, porque eIa s6 e valida a partir de urn tempo hist6dco que possibilite ver, situada e datadamente, essa correlaerao.

Esta distins;ao entre dire£.ao e dominaya9, hegemonia e ditadura, torna-se importante, pois permite entender tambem a hegemonia como categoria interpretativa e como indica<;ao de uma estrategia polftica.

Como categoria interpretativa, a hegemonia permite pensar urn processo de relaS;ao intelectual-massa que tenha em vista a formayiio de uma nova cultura superadora da alienayao porventura existente no senso comum. 0 que siggifiea, finalmente, a invers~l1m.a direcao e.olitica dominante-L em vista de Umll-l!Q'iLf.Ollcep~ de. m~ndo.

A hegemonia encontra seus fundamentos no proprio processo hist6­rico e tern seu ponto de partida na filosojia espontdnea das massas (folcIore). Ora, iniciar uma interpretas;ao do conhecimento (filosofia) a partir das massas (hist6rla) e operar urn conhecimento dependente da realidade da sociedade.

Entretantq, essa fi1osQ/i(L.espontdnea e posta em causa PEa me­~ --~.,.,,­

~ayaO do ftgent~6~(coletb::9/individua1). Essa problematiza­yao, ao correlacionar hist6ria e fiJosofia, impede 0 erro metodol6gico tanto de querer universalizar a rela~ao educativa numa sociedade cujo clima cultural e conflituoso, quanta de qucrer individualizar a mesma relayao (com que se perderia a visao de totalidade). E, ao mesmo tempo, possibilita a elaborayao (e nao s6 a reprodu~ao) da cultura nova, nascida do fazer humano.

Logo, 0 conteudo cultural da hegemonia nao se da por ela mesma, mas sim na rela<;ao entre dirigentes e dirigidos, portanto numa relas:ao historicizada. Neste.. sentido, a relal'-ao pedag6gica-co-mC;---imtrumento.,..... _ "T

de hegemonia e tam bern conflituosa.

Q he~emonia de manuten<;ao, ela e uma barreira protetora de uma forma de sociedade que desloca a intuis:ao de suas contradj~_.~ yoes para os falsos problemas. Como instrumento de uma nova hege- f] monia (que 0 e enquanto deseja correlacionar 0 conhecimento a trans- ~ ' ­formayao das relas:oes sociais), ~vindica a superart-ao do conhecimento ~ ~ protetor da praxis inautentica. ....,J-- - - - _ ...

Nesse sentido, a hegemonia e urn lata fiLos6jico, porque leva em conta a historicidade do conhecimento e urn projeto de transformayao do real:

"A realizayao de urn sparato hegem6nico, enquanto cria urn novo terreno ideol6gico. detennina urns reforma das consciencias e dos m~todos de conhecimento, ~ urn fato de conhecimento, e um fato filos6fico" (Gramsci, 1978a: 52).

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Page 25: [cury] Educação e contradição

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Por isso, '?......£2!!h~cimentP_op({[a~o e urn~ c~que sUEoe l!~sfo.r~o coletivo (cuja intencionalidade e a transformayao da reali­dade) e e um _ato hist.£.r'ico, porque considera as condiyoes do sujeito. Essas condiyoes nos revelam nao a contradiyao entre cogooscente-e conhecido como coisas em si, mas uma contradiyao que deriva da contr.lposiyao entre os sujeitos que tomam perspectivas diferentes e divergentes a partir das relar,r6es sociais.

~ssim, 0 ate de conhecer, implfcito oa relar,rao pedag6gica, produz [email protected] ent!eossuJeTtOS,"" quando as superestruturas ofere­cern a possibilidade de intuir as contradi0es. 0 que quer dizer que, seja nareve1a~o das contradiyoes ou na sua ocultayao, 0 ato de eonhe­c~ e urn ate de poaer, urna vez que introduz comportamentos conformes a uma determinada moral e cria uma hist6ria nova.

"Desta forma, a homem nlio entra em Tela~oes com a natureza simplesmente pelo fato de ser ele mesmo natureza, mas ativamenle, par meio do trabalho e da tecnica. E mais: estas relayoes nao sao mecanicas. Sao ativas e eonseientes, au seja, eorrespondem a Urn grau maior au menor de inleligibilidade que delas lenha 0 homem indivi­dual. Dal ser possIvel dizer Clue eada urn transforma lodo 0 eonjuDto qe reL~o9ual ele i-o ponto e~ntral..:. Neste sentido, 0 verd'iideiro fll:6sOfo e e nao pode deixar de ser - nada mais do que 0 politico, isto e, a homem ativo que modifiea 0 ambiente, enlendido por am­bkJ!!e ~ coniuntQ. des relalfoes de que 0 indivlduo fez parte. se--a pr6pria individualidade e 0 conjunlo destas relas;oes, conquistar uma personalidade significa adquirir eonseiencia destas relayoes. modi­ficar a pr6pria personalidade signifiea modifiear 0 conjunlo deslas re­layoes.

Estas rela~oes, contudo, como vimos, nlio sao simples. E,nquanto al mas delas sao necessarias, oulras sao voluntarias. Alem disso, ter consciencia mais ou s pro un a e as (isla e, conhecer mais au menos 0 modo pelo qual elas podem se modi/iear) ja as modifica. Iv; proprias relay5es necessarias, na medida em que slio conheeidas

~ em Sua necessidade, mudam de aspccto e de impordlncia. Nesle sen­tido, 0 conhecimento e poder. Mas 0 problema e eomplexo, ainda por um outro aspeeto: nao e suficiente conhecer 0 conjunlo das relayoes enquanto existem em urn dado momenta como um dado sistema, mas im~~s $pe-ili;amenteL.. em seu mo!....imenlo.. de forma~!.o, ~e tudo mdividuo e nao soment~ese das .!eJ~6_elL.exis~-tes, mas tambem da hisl6ria destas r~~ ~~swno-9l:-todo

pouco,cerlo

uerem

~

~o. DiNe-a que 0 que cada individuo pode modifiear e muito eom relayao as suas foryas. IslO e verdadeiro apenas ate um

ponto, ja que 0 indivfduo pode associar-se-cmn-tOdos os que a meSilla rna lea ao; e, se esla modifieas;iio ra lana 0I

i~~de mu tiplicar:S.~~elevado nlimero de vei"es. oblen­"!!!!.a mOdifica~ao ~m ma}s liCIICa'l dO que a primeira Vista pare­

cia possivel,r-(Gamsci, 1978a: 39-(0)-:-- - ­

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o que signifiea, finalmente, que 0 conhecimento do real nao e objetiv3vel independentemente das relayoes entre os homens. A objeti­vidade e hist6rica e por isso eia e hist6ria.

Como estrategia politiea, ja vimos que 0 Estado am1?liado e 0

Jistado ~iado par uma classe dotada de ~a. Isso signi­fica que a classe dominante, ao se apresentar como classe dirigente, deve se mostrar como organismo do povo em sua totalidade, como expressao dos interesses universais que atingem 0 todo social.

Ao pretender a direyao das expectativas e interesses gerais das subalternas pelo consenso, a classe dominante possibilita certas

endem de fato a esses mteresse5: Casoco:n:trario, a manu­tenyao-mr-rej?resentayao (uDlversaI) do Estado entraria imediatamente em contradiyao com seu conreuCfO real c1Jissista}. Para-e;sa manuten­~ao, sao usca os reeursos na sociedade civil, especialmente mediante suas instituirBes privadas. -_1\\'

o Estado ampliado (hegemonia encourayada de coeryao) quando as agencias da sodedade civil· que operam com vafores duzem a direyao de uma sociedade. Os valores passam a fazer do Estado, atraves das agencias que os elaboram.

se da

c- -- .I

Assim, a reproduyao das relayoes sociais exige mais do que coer­r,rao. Exige sincronia entre eoeryao e consenso. 0 Estado, para manter uma situa9ao, necessita rep;.oduzi-Ia. ~prodllzir impliea mais do que repetir ou reproduzir os meios de produr,rao. Reproduzir as rela­yoes de producao implica uma dires:ao nao-material, ou seja, um direr,rao intelectual e moral sohre as agencias de~ocializ ­

o Estado capitalista, quando se sente suficientemente forte em sua dominas:ao para coexistir com a sua negar,rao, admite 0 pluralismo e tenta dirigir 0 todo social apresentando-se comJ interprete dos inte- -! resses £.e~. Nesse momenta, as a.c~ncias de sociafiz3((aO se jQUla..m w­relativarnente mais abertas para as classes subaltemas, segundo 0 grau de organizayao e consciencia de que Forem portadoras.

Exercer a hegemonia impliea formar urn c:onjunto organico e compacto em torno de principios, necessidades e diretrizes. A alian<;a com outras classes favorece a coesao dessa hegemonia. No caso das sociedades divididas em classes, a deBar lCU ayao dessa coesao e outro momento para que as classes dominadas tenham acesso a sua pr6pria id~~ando !lutes pela critica a ideologia dominante. - ­U

Alem disso, I2od.elll-C~r6prias agencias, que elaborem padr6es alternativos em relayao aoSldei1t.i1lcidos""'COiil a dominayao

-~~ ~tz'c.v... ~ h'~ ­51

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burguesa. ~o ~er dizer q.?e a luta pela direyao da sociedade se ~a

Jjlmbe~ nl!.. cQIlCeps...3SLd~J!1.t!ndo, o~~a im~rt~e a figura ao ~ntelec1UaLque conduz essa l~o nivel superestrutur~

A possibilidade de reprodur;ao ideol6gica se da quando 0 modo de prodw;:ao capitalista se processa e se completa. A plena realizac;:ao desse modo de produy8o e condiyao de hegemonia, 0 que repoe a questao das relayoes inIra/superestrutura.

Sob 0 capitalismo, dado a seu carater geral de mercantiliza9ao, a forya de trabalbo despojada da posse dos meios de produyao sera expropriada. ~~~opriayao do ~xcedente, feita imediatamELttLq n(v~:!Y_il-.e~tura, precisa da interven~Rre01Ogrcacfemodo mediato e indireto. F

Segundo Gramsci, a suP~tUILUiio e s6 uma instancia, ..ma~

urn a~t:o co~~base estrqJurjll da formac;:ao_social (bloeo hist6tlco). A Ideofogia nao e entao um mero renexo mecanieo da base cfstrututal. Nao ha corte entre 0 mundo do real e a mundo do pensar, pois Q.. concretoe"1:aJ por set sintese de mdmpla§. ieie;:~oe..s e 0

sujeito da praxis taz patte do co~o ~, d~ mo.Qo ver.daeJ!!..iro o.!!. j~J Interioriza as form as iJeOf6j,ica§. e as expressa de .alguma m~'it:~ (sensa comume7~consciencia critical. H<i uma continuidade entre o papel da atividade consciente do boroem na criayao social c 0 con­junto das determinayoes da prodUiyao. Essa eontinuidade nao e linear, mas eontradit6ria, tanto quanto 0 sao a 8tividade conSClente do ho~m ~ as determina£oes da prOaUya~ ------- ­

"Pode-se empregar a expressao 'catarsis' para indicar a passa­gem do momento puramenle economico (au egoista-passional) ao momento elice-politico, isto e. a elabciras;iio superior da estrutura em superestrutura na consci!ncia dos homens. Isto significa, tambem, a passagem do 'objetivo ao subjetivo' e da 'necessidade a liberdadc'. A estruJura da forya exterior que subjuga 0 homem, assimilando-o e

~ tornanJ!o-opassivo,··tE'!!.,1sfo~ e~m.~jo AeJihetdadeJ em_inst!!!m~. to para, criar uma nova forma etic<tI?olitica. em fonte de novas inicia­Qv.as. A fixayiio CJO!Domento 'catartico' torna,se assim. creio, 0

ponto de partida de tods a filosofia da praxis; 0 processo catartico coincide com a cadeia de sfnlcses que resultam do desenvo]vimento dialetico" (Gramsci, 1978a: 53).

f o pr6ximo capitulo tentara analisar a educayao como urn momento dessa catarsis, como urn elo dessa cadeia de sinteses que possibilita caminhar para a liberdade a partir da consciencia da propria neces­sidade.

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(apitulo II

ED,UCACAO ECATEGORIAS,

A explicitac;iio das categorias expostas objetivava entender. como elas podf'm' dar conta de uma certa realidade de uma forma mais abrangente. E buscou-se aquelas categorias que possam exercer esse papel DO contexto da edueac;ao. 0 L1S0 de determinadas categorias e sua vaJorizac;:ao indicam 0 modo pelo qual se procura entender 0

fenomena educativo. Uma abordagem dialetica da cducac;:ao deve, pois, buscar na dialetica as categorias que auxiliam a compreensao da mesma educac;ao.

A educac;:ao e imanentemente presente a totalidade hist6riea e social e coopera no processo de incorporaC;:8o de novos gropos e de individuos, 0 que e feito tambem mediante a interiorizayao de LIma visao de mundo ja existente e preexistente aos individuos. Essa visiio de mundo ja interpretada, existente na propria pratica social dessa sociedade, e passada adiante nas pr6prias praticas sociais e sob a forma de costumes, ideias, valores e eonheeimentos.

A presenlta da educay30 numa totalidade eonereta manifesta essa totalidade ao mesma tempo em que a produz, uma vez que os homens nao sao meros produtos soeiais, mas tambem agentcs hist6ricos: Essa manifest8yao-produ<;:ao que toma a forma da visao hegemoniea de mundo e contradit6ria com a reaIidade que a sustenta. Ao expLicar e refletir as valores dominantcs. na sociedade, impondo-Ihes validade cognoscitiva da ordem vigente~ 0 carater cootradit6rio do real possi­bilita uma tematizac;ao diferente e divergente da justificayao existente.

Na sociedade capitalista, a educayao se impoe como manifestayao­produc;:ao mediante as relaltoes de classe. As eootradir;oes existentes nas relayoes de c1asse se fazem presentes oa Educar;ao, dada sua pre­sens:a imanente nessa totalidade hist6riea e social. A educaltao arti­cula-se com a totalidade mediante as relay6es de classes, como tambem as relay6es de classe se articulam com a totalidade mediante a edu­cayiio. Assim, as relay6es de classe tern a ver com a reproduc;:ao das

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relas:oes sociais e, no interior destas, 0 exita da legitimayao depende nao s6 do poder coercitivo exercido, mas tambem de urn quantum salis de cansenso obtido. Por isso, a hegemonia na sua reJayao com a educayao ganha papel relevante, ja que se trata de uma direyao ideol6gica e polftica das classes dominantes sobre as demais, atraves das agencias ditas privadas da sociedade civil.

A educayao, concebida na totalidade social, e elemento dessa tc.ta­lidade e como tal expressa a produyao humana. A totalidade social e formada pela unidade da estrutura econ3mica e da superestrutura e ambas se ligam ao trabalho e a praxis social. As perguntas ligadas a educayao, tais como: como e ela exercida? Quem a detem? Qual sua funyao na estrutura social? Como ela e dividida nas diferentes insti­tuiyOes sociais?, deeorrem de como se da essa unidade numa forma­ySO social. E s6 com base em suas contradiyoes podem ser explieadas mais amplamente. Assim, no easo da eseola, as relayoes de c1asse sao anleriores (nao no sentido regressivo ou crono16gico) a ela, em­bora mantenham com a mesma relayoes necessarias, ininteligfveis fora das relayoes de c1asse. As relayoes de c1asse determinam as relas:oes dentro da escola porque interiores a ela.

Nada ha de depreciativo nesse papel determinado exercido pela educayao, mormente se comparado ao papel determinante da infra-eso

trutura. A educayao, embora de genero e funs:ao espedfica, e produto humane e eonservara 0 carMer diaIetico dos fen6menos existentes na estrutura social. Assim, ao mesmo tempo que expressa a estrutura, pode oculta-Ia. De outro lado, a estrutura social gera novas exigencias para a educay80, que ao capta-Ias antecipa urn modo de ser futuro, que determina tarefas para 0 presente.

Se no primeiro capitulo 0 caminho percorrido foi 0 da contra­diyao a hegemonia, isto e, da natureza essencial do movimento aos diferentes momentos reveladores do mesmo, agora a via e inversa.II ~ Pretende-se ver como a edueayao se articula com a hegemonia, para aos poucos ir reapresentando aquilo que define e orienta a educayao: seu carater contradit6rio. Essa reapreensao sera feita passando pelos momentos que a articulam com as relayoes sociais.

1. EDUCA9AO E HEGEMONIA

A hegemonia, enquanto direyao intelectual da sociedade, e 0

momento consensual das relayoes de dominayiio. No contexte das rela­y6es de explorayiio, as relayoes de dominayao, especificamente na busca do momento consensual, tornam-se centrais e principais no contexto

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do avanlt0 Jo sistema capitalista e imp6em-se par toda a parte. Todos os espac,:os sociais se tornam espayos politicos (e contradit6rios) das relayoes de dominac;:ao, iSla e, adquirem 0 carater de uma politica cuja finalidade e bern mais a reproduyao das relayoes de produyao do que o lucro imediato ou 0 crescimento da prod11980.

Essa politica de dommayao, que impliea 0 aprofundamento da explorayao mediante a manutens:ao das relayees sociais, exige a pre­sens:a do Estado. Este adquire especial importancia e func;:ao com 0 novo papel que passa a assumir no contexto da divisao internacional do trabalho.

o Estado, entendido nao apenas como organizac;:ao burocratica de poder, mas como uma estrutura reguladora do sistema capitalista, serve aos desfgnios das classes sociais que dele se apossam e atraves dele exercem a begemonia legitimadora da dominayao.

No contexto do capitalismo monopolista, 0 papel do Estado se redefiniu, no sentido de ser uma instancia reguladora e organizadora do modo de produc;:ao capitalista, que se torna agente econ3mico no pr6ptio mercado, especialmente nos assini chamados palses subdesen­volvidos.

Nesses pafses, 0 Estado, com sua estrutura buroeratiea, teode a perder 0 carater ambfguo de apenas regulador da economia e arbitro da sociedade. Redefinido como pressuposto geraI da produyao, tenta criar e manter as condiyoes de acumulas:ao. Par outro lado, 0 pr6prio processo de acumulac;:ao e conceotrayao geta lima serie de lens5es, que desafiadoramente imp6em ao Estado a fuos:ao de manter um certo eqllilfbrio politico e uma forma de harmonia social que satisfayam certos interesses das classes dominadas, desde que se mantenham nos limites permitidos pelas classes dominantes. 0 capitalismo monopo­Iista, nao prevendo e nem podendo controlar totalmente as efeitos cllmulativos da reproduyao ampliada, busca mecanismos poHticos de contrale que permitam corrigir ou atenuar os desequilibrios decorren­tes das contradiyoes emanadas do pr6prio mercado. 0 jogo dessa fun­yao contradit6ria preside a administrayao, a alocas:ao dos bens e ser­vic;:os publicos e a func,:8.o tecnica e politica da educayao, por exemplo quando 0 Estado define as prioridades ao investir em projetos e ser­viC(os que garantam a acumulayao pelo aumento da produtividade e pela reduc,:ao do custo da reproduyao da forma de trabalbo.

Esse ultimo aspecto se expressa pelo processo de socializay80 dos custos, carreando as verbas extrafdas de impostos e taxas para a cria­yaO e manuteDyao de despesas sociais, previdenciarias, ao mesmo tempo

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em que e mantido 0 sistema de aproprias:ao privada dos lucros. Os custos, distribuidos entre todos, garantero uma certa amplias:ao do consumo de encargos sociais (por exemplo: educac;:ao) e uma concen­tras:ao do lucro para poucos.

Essas novas funyOes contradit6rias do Estado condicionam a educa­y80. 0 canHer prioritario dado as areas cuja valoriza<,:ao e determi­nada pelo valor de mercado condiciona a segmentaS:80 e hierarquiza­c;:ao da educar;:ao, inclusive segundo a logica do maior retorno e da socializayao dos custos.

Entretanto, a consolidayao dessa politica economica necessita de uma legitiroayao, e e nessa medida que uma concepyao de educayao integra uma estrat€gia de poder viabilizadora da acumulayao. Essa concep<,:ao, fazendo uso das instituiyoes educativas, se aninhara oa rela­r;:ao entre as classes sociais cujo dilaceramento pode ser tanto masca­rado como desocultado.

Claro que 0 Estado pode, por meio da ditadura, impor coerciti­vamente a consolidayao de uma tal pOlitica. Mas essa forma de go­verno tern seus limites nas contractis:oes que pretende reprimir nas respostas a violencia organizada,

A consolidayao da redefinlyao do Estado vai a16m de seu papel economico e repressivo. A consolida<;ao abrangente carece de uma ideologia legitiroadora que estabeleya a dominayao a nivel de conseoso (arrancado ou compartilhado). 0 Estado capitalista, agil e eficaz, rede­fine sua dominayao no seotido de uma hegemonia social, buscando urn pacta politico com as classes subalternas.

"0 pilblico se constitui entao, no lugar de apaziguamento das tensoes emergentes da esfera privada e, em nome dessa funorao, questiona, restringe ou mesmo suprime certos interesses privados, que possaro importar na exaspera~iio dos anlagonismos sociais" (Vianna, 1976: 24).

~ Na perspectiva de Grarosci, 0 Estado e a uniao dialetica da socie­

dade civil com a sociedade politica, da hegemonia com a coeryao. A sociedade civil cabe a funr;:ao de hegemonia e a sociedade politica a funyao de dominar;:80 (normas, leis, policia, ex6rcito, cadeia, etc.). Essa distinyao metodo16gica e importante, pois, a nivel da sociedade civil, processam-se condi90es para reproduyao ejou ultrapassagem po­litico-ideologica de' uma estrutura social. Essas condi<;oes sao elabo­radas nas instituiyoes ditas privadas. As funyOes de direc;ao e domi­nayao se encarnam em dois tipos de estruturas distintas (oao divididas), isto 6, sociedade civil e sociedade politica, mas sao fun<;oes comple­mentares. Entre forya e consentimento se estabelece um equilfbrio

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vitlVCI. Quanto mais forte 0 eonsentimento, menos necessaria a coer­~ao C quanto mais d6bil 0 consentimento, mais forte a coen;:ao do Estado.

"Para assinalar esta reciprocidade necessliria entre as duas estruturas, Gramsci emprega 0 tCIDlO Estado (sentido amplo) para designar 0

aparalo 'privado' de hegemonia ou sociedade civil e 0 aparato de Estado (sentido estrito) ou sociedade potiliea" (Piotte, 1973: 129).

A relar;:ao recfproca entre ambas nao e apenas jogo de balanya. Os efeitos de uma se inserem no proprio movimento da outra.

A reciprocidade de relar,;ao entre hegemonia e dominayao signi­fica que cada fuo9ao dominante impliea a outra como funr,;ao subal­terna. Para 0 Estado, a fun9ao dominante 6 a coeryao, e a subalterna o cODsentimento. E 0 polo secundario da sociedade civil e a coerr;:ao, enquanto mantem a hegemonia como polo fundamental. Quer dizer que, dependendo sempre da correlayao de fOfl;as existente num dado momento, a coeryao surge como possibilidade sempre que a abertura (ou as conquistas por parte das classes subalternas) implique a perda de' substancial soma de poder.

EnUio, para que a classe dirigente apresente 0 Estado como orga­nismo do povo em sua totalidade, necessita faz~-lo tomar a seu cargo alguns dos interesses dos grupos dominados. E isso possibilita que certas leis que atendem a alguns interesses das classes subalternas se convertam em instrumento de consentimento. A forr;:a se faz tamMm ideol6giea ja. que a representayao das leis deve ser interiorizada par individuos, a fim de que se converta em habito e costume.

Essa fuoyao hegemonica que a classe dirigente exerce na socie­dade civil da ao Estado a razao de sua representayao como universal e acima das classes sociais. Entretanto, guante;> mais desfavoraveis as classes dirigentes forem os fatos, tanto mais deverao estas desenvolver seu aparato ideol6gico para conservar sua hegemonia no interior da sociedade civil. Isto e, a manutenr;:ao da representac;ao do Estado (uni­versal) em contradic;:ao com seu conteudo (classista) 0 fani buscar, na sociedade civil, os recursos para essa mesma manutenr;:ao.

Na busca dos recursos para essa maoutenyao, a educayao ocupa papel importante. Entendendo-se a edueayao como urn processo da concretizac;:ao de uma concepc;:ao de mundo (hesse sentido, bem mais abrangente do que uma s6 instituiyao ou do que 0 modo de faze-Ia), os interesses particulates dominantes, matrizes determinantes do poder, tentam ocultar, no que seria publico, 0 privado', uma vez que se apropriam do publico, e 0 fazem em nome do universal.

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~

Assim a educayao, escolar ou nao, nutre-se de uma ambivalencia: o veiculo possivel de desocultayao da desigualdade real se torna tam­bern veiculo de dominayao de c1asse.

No caso da escola, 0 Estado, enquanto momento de hegemonia, de urn lado se obriga a ceder esse direito a todos, mas de outro pro­clama ~ universalidade da educayao como forma de a:;cemi.o do indi­viduo. A t6nica da educayao infletindo sobre (' i::.divic'.!o iSJla-se mais da politica, coloca-a na ordem do privado (embora com fuoc:;:ao social). Nesse duplo movimento, 0 privado (de cJasse) se publiciza (na pro­clamac:;:ao) e 0 publico se privatiza, e se lanc;a sobre 0 individuo 0

possivel fracasso ou sucesso de sua ascensao, veiculando-se urn modo de peosar que redefine as relayoes de classe em fun~o de uma hege­monia. Veja-se, por exemplo, a questao da linguagem sobre a educayao.

Na linguagem dominante referente a educay30 nao ocone 0 mesmo que nas relayOes economicas. Nestas a propria ordem juridica ja veicula urna linguagem em que os individuos sao qualificados pela fun~ao que ocupam na vida economica. No caso da educayao escolar, a linguagem oficial, mesmo admitindo problemas de ordem economica interferindo no desempenho do aluno, fara uso de expressoes que neguem a exis­tencia da contradiCfao. Por exemplo: repetcncia/evasao x seleyao.

Este papel hegemonico da educayao oao nega 0 papel determi­nante da estrutllra economica. Pelo contrario, as relac:;:oes de domi­nayao (e dentro delas a educal(ao) s6 contribuem efetivamente para a reprodus:ao chis relac:;:6es sociais e sua consolidayao caso se tornem elementos mediadores entre a estrutura economica capitalista e a con­quista de urn espa<;:o: 0 da consciencia e do saber, ambos transforma­dos em forc:;:as produtivas.

As relal(oes de dominac:;:ao, razao de ser das relayoes sociais, ocupando urn papel principal no conjunto da reprodllc;:ao das relayoes de produl(ao, nao sao, pois, 0 ultimo degrau da existencia social, senao enquanto sao tambem relac:;:6es de produ~ao. No processo de produc:;:ao dos bens materiais, as relac:;:6es de dominac:;:ao assim 0 sao enquanto intencionarn as relac:;:6es de explorac:;:ao que pretendem assegurar, e, no caso da educal(ao, pretendem assegurar-se pela ocultac:;:ao das mesmas. Dessa f011'"a, nao se pode autonomizar ou dicotomizar as reIac:;:6es sociais de produc;:ao e 0 processo de produyao, sob 0 risco de apreender de modo arbitrario 0 conjuoto das instituic:;:6es s6cio-culturais. Com­preender a educayao em suas diversas modalidades e coloca-Ia refe­rida ao processo de produyao, as relac:;:6es sociais e politicas. 0 mesmo se diga dos tipos de saber que eia veicula ou transmite.

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2. EDUCA<;AO E REPRODU<;AO

A questao das relay6es entre educayao e reproduyao aparece como momento importante dessa referencia ao processo de produc:;:ao e as relac;:6es hegemonicas. Nilo se trata apenas de relacionar a educayao com a reproduyao dos meios de produl(ao, mas, fundamentalmente, com a reproduc;:ao das relac;6es de prodlll):ao.

Obviamente a reprodlls:ao 56 se da no caso de as relayoes de prodllc,:ao pr6prias ao capitalismo ja se terem implantado. A base dessas relayoes ja prodllzidas e que se envidam esforc;:os no sentido de repro­duzi-Ias e confirma-las, pela concessao de uma legitimac:;:ao social. Con­tudo, a dinamica do capitalismo nao s6 lhe confere 0 poder de manter ou reproduzir relac,:oes de produc:;:ao, mas tambem 0 poder de produzir novas relac,:6es. De modo que a categoria de reprodu~ao 56 pode ser levada em considerayao a partir de sua relac;ao com 0 processo real da constituiyao das relac,:oes de produc:;:ao.

A educac:;:ao associa-se a reproduc:;:ao na medida em que ela e uma das condic:;:oes que possibilitarn a reproduyao basica dessa relal(ao, em termos dos lugares sociais ocupados pelas classes sociais. Ao mesmo tempo, possibilita uma certa confirmayao dos antagonismos nascidos da relac,:1io basica, pelo momento consensual.

A educac:;:ao contribui para a reproduyao das relal(oes de produc:;:ao enquanto ela, mas nao 56 ela, forma a forya de trabalho e pretende dis­seminar urn modo de pensar consentaneo com as aspirac:;:6es dominantes. Isso se da pela mediac;ao de praticas sociais que concorrem para a di­visao do trabalbo, entre as quais as praticas escolares. Evitando a con­juga91io teoria/pratica, irnpedindo 0 desenvolvimento de uma ideologia pr6pria do operariado, enfirn , evitando a democratizayao do ensino, a burguesia procura impor a sua pr6pria ideologia ou entao uma ideologia regressiva, a fim de manter a relac:;:ao capital/trabalho (Warde, 1978: 39-61).

Essa reproduc:;:ao representa, na verdade, defesas contra aquilo que a educac;:ao tern de democratico. Tais defesas sao limitadas e continua­mente postas em causa, porque 0 desenvolvimento da educac:;:ao se liga ao desenvolvirnento geral do sistema s6cio-econ6mico e de suas contra­dic;:oes.

Diante das contradic:;:6es que the sao imanentes, 0 sistema capita­lista tenta defender-se conferindo a reproduc:;:ao de suas relac:;:oes urna capacidade e elasticidade de organizac,:ao mais sofisticada e eficaz. Alem de tentar integrar a si a classe operaria (esta, repartida tambem em

II 59

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frac;.6es diferenciadas, sem constituir urn bloco homogeneo) , produzir nOvoS setores, subordinar a si setores anteriores, 0 capitalismo revolve as institui~oes e organiza~oes, pond~as a serviyo da reproduyao de suas rellf\:oes na medida do possive!.

Entre as defesas postas a serviyo dessa reproduyao esta a forma como ele trabalha a funyao tecnica e a fuoyao politica da educ8yao, em suas diferentes versOes,

A fuoyao tecnica se faz necessaria, nao a partir de esquemas aprio­risticos, mas a partir de uma estruturayao econ6mica que exige nlveis hierarquicos e funcionais na divisao social do traba!ho. Ve-se, de novo, que 0 saber nasce e se inteneiona no fazer. Este saber que af nasce nao e neutro, pois ele se inteneiona para uma organizar;80 do trabalho que deve ser ao meSillO tempo uma tecnica de produr;ao e uma forma de dominayao do capital sobre 0 trabaTho. Dai 0 carater seletiyo desse tipo de saber.

Na medida que reD«te e produz a separa<y8o da teoria e da pratiea, da cultura e da politica, do saber e do trabalho, a funyao da educayao sob a hegemonia burguesa nao muda substancialmente. Ela quer a esta­bilizayao do sistema capitalista atraves da desarticular;80 da cultura operaria. Por isso, exige-se uma hierarquizar;ao de funr;oes no interior da empresa, cujo suporte nao e s6 a qualificayao dos trabalhadores que exereerao funr;oes de controle. E tambem a necessidade de retirar da totalidade dos trabalhadores a capacidade de controle dos meios de prodUr;80:

"£ que a real natureza de classe da escola tem a ver com a separayiio que ela introduz entre 'cultura' c produyiio. entre ciencia e tecnica, entre trabalho manual e trabalho intelectual" (Lettio;i, 1976: 227).

o capitalismo de hoje n~io recusa, de fato, 0 direito de educa<;80 a classe subalterna. 0 que ele recusa e mudar a funryao social da mesma,

~ isto e, sua funr;ao de instrumento de hegemonia. A educal;80 como uma forma de apropriayao do saber nao 0 toma urn elemento an6dino. Envolto por uma dire~ao, 0 saber responde a interesses cujas raizes residem na necessidade de manter uma estruturas:ao econ6mico-social que o tome urna forr;a produtiva sem p6r em risco a organizayao social do trabalho.

Assim, ao se colocar a funyao teenica, 0 desenvolvimento e aper­feir;oamento de habitos basieos, a sistematiza<y80 do saber em vista de sua transmissao ensejam, na ligayao cultura e produyao, a adaptayao adivisao hierarquica do trabalho.

Se 0 saber e urn momento da pratiea dos homens, pode-se per­guntar se 0 saber transmitido pela educayao nao e um tipo de saber

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que pretende tomar-se urn momento alienado dessa prc'itica, a fim de que a acumulayao se processe pelas formas mais suaves, seja pela exi­gencia de elementos basieos para as func;.6es exigidas, seja pela docili­dade a dominar;ao, seja pel'l ignorancia dos processos que mantem a dominar;ao. Pois a finalidade da produr;ao capitalista e a manutenryao e a reprodu<;ao da relacyao que satisfaz 0 interesse do capital. Este fim, por contradir;ao, estranho ao trabalho, realiza-se pela coayao e/ou per­suasao.

A funyao tecnica af implicada diz respeito ao desempenho espec(­fico da educa<;ao na sua relayao com as necessidades pr6prias da pro­duryao. Seu papel e marcadamente instrumental, expressando-se imedia­tamente nas qualiIicar;6es necessarias para uma eficiencia oa prodwyao. Assim 0 sao: leT, escrever, fazer as quatro operar;oes. E, de modo mais mediato, essa funr;ao se expressa na transmissao do conhecimento retido sob a fonna de tradir;ao, valores, cren<yas, normas e ideias. A funr;ao tecnica opera na pr6pria base material da sociedade, tornando esse aspecto instrumental da educar;ao uma forya produtiva.

Se tomarmos a escola como exemplo, y~-se que, pela funryao tecnica ela ensina 1 algebra, ciencias, sem a que a forya de trabalho Dao seria capaz de desempenhar satisfatoria.mente 0 seu papel na industria mo­derna. A escola tern de aeoTher conhecimentos teenicos e gerais que atingem a realidade atual, abrindo espacyo as anallses cientificas que demolem concep<;6es arcaicas sobre a realidade. Ha uma necessidade de proporcionar conhecimentos validos ao lade da necessidade de neu­tralizar a ideologia da classe subalterna.

Assim, essa fuo~ao tamMm esta sob 0 signo da contradiyiio, ao exigir homens de iniciativa, responsaveis, competentes na sua especia­lidade, mas, ao mesmo tempo, d6ceis ao sistema capitalista.

Quando Marx fala da obrigatoriedade de repor a educa<;ao escolar (Marx, 1968: 558-560), entende que as novas tarefas exigidas pelo pro­cesso industrial obrigam 0 deseovolvimento de qualidades de racioc!nio e de sistematiza<;ao. 0 operario, a nivel profissiooal, deve saber cadi­ficar e decodificar mensagens recebidas, que exigem 0 usa de estimulos numerosos e complexos.

Com a moderniza<;ao, pr6pria do avan~o do modo de produyao, a automayao Hbera 0 trabalbo manual em fun<;ao de tarefas de vigilancia,

J. 0 sentido etimo16gico do termo ensino e revelador. 0 Lermo e composto de signum + 0 prefixo in. B 0 signo de algo ou de alguem que pretende levar para (m) urn outro e com isto subordina-lo ~ sua 6rbita. Na medida em que ° outro e a outra classe, 0 en-sino niio se i~nsinua por adiyao, mas por contradiy.ao.

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controle, manutenryao, repararyiio. Tudo isso exige mais do que instru­yoes elementares; exige conhecimentos e aptidoes genericas, que 0 ensi­no pode condicionar.

Pelo ensino, os openirios podem ficar melhor inteirados do como da produc;:ao. E guarda a possibilidade de revelar 0 porque de todo 0

sistema produtivo, possibilidade essa nao-realiz<ivel sob 0 capitalismo sem que este se negue a si proprio. A func;:ao tecnica passa a adquirir dupla importmcia: como instrumento de capacitac;:ao e como instrumento de fermenta9iio.

A escola quer formar, quanto a c1asse subalterna, 0 cidadao docil e 0 operano competente. A coesao que quer tirar dessa contradic;:ao se autoproclama na escola como transmissora de conhecimentos apoliticos, aeirna e por cirna das classes, a serviryo de todos e voltada para 0 aten­dimento do potencial de cada urn como individuo. Por isso, a func;:ao teeniea nao se funda em si, e nem se resolve nela mesma. Eta se dis­tingue (didaticamente) da func;:ao politica, mas nao esta separada dela. Sua inteligibilidade in tatum se explicita na intencionalidade que emerge da propria pratica social. A func;:ao tecnica liga-se indissociavelmente a func;:ao politica, e e por essa envolvida e assumida. Esse envolvimento, de acordo com 0 ponto de vista de dasse, situa 0 educativo no politico e 0 refere ao economico. 2

A prMica s6cio-politica recobre e significa a funyao t6cnica e de modo duplo: mantendo a situac;:ao de explora<;:ao, de dominaryao, e re­presentando tal situayao concreta de explorac;:ao e de domina<;ao sob forma dissimuladora. Separa como multiplo e diviso 0 que nao e senao uno e contraditorio, eontribuindo com isso, e de modo eficaz, para a manutenryao da propria situaryao. A ideologia cumpre uma func;:ao poli­tica ligada a pr6pria pratica social. A educayao, ao se produzir e repro­duzir no seio da praxis social, varia em sua funyao politica segundo 0

~ tipo de formac;:ao social e, dentro dessa, segundo a correlacyao de foryas existentes entre as classes em urn momento historicamente considerado.

A func;:ao politica dominante e control ada pelo pader de Estado. Este, ao nive! da sociedade politica, formula e chama a si as definis:oes referentes aeducaryao. Essas definic;:6es, absorvidas e materializadas junto a sociedade civil, tentam desarticular a concepc;:ao de mundo da c1asse subaJterna, sujeitando-a a sua propria, pelos mecanismos de dissimula­c;:ao e oeultac;:ao.

2. A correlac;ao entre a cIasse e 0 ponto de vista de cIasse frente a urna de­terrninada realjdade e claramente exposto por Mar.x no Posfacio da 2." edjc;ao de 0 Capital, esp. p. 10-12.

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"£ ao nlvel do &tado pol!tko que se situam os pensamentos estrate­giC03 que utiljzam bern ou mal, conscienle ou i,nconscientemente, as Corc;as econ6micas, sociais, ideol6gicas e politicas, de que os atores dispoem" (Lefebvre, 1973: 90).

A ideologia, constituida no poder pol/tico mediante 0 pr6prio Esta­do. torna seus as temas de ensino. Ou seja, esses temas sao carregados de intencionaJidade e valor. 3

£ por essa via que os temas de ensino implicam 0 posicionamento, a intencionalidade e a implantaryao de urna problemMica (ou pseudo­problemMica) que se conjuguem com os vinculos estabelecidos entre a classe dominante e as ideias dominantes. E e por isso que a domina<;:ao nao se expressa como tal. Sua presen9a se faz na definiy20 da politica que organiza 0 poder central e na analise das relac;oes de classe.

Essa intencianaJidade nao quer dizer a vontade individual dos agentes sociais como tais, especialmente dos governantes, pais ela se insere nas relac;:6es sociais. E: no conjunto destas que se pode falar de uma estrategia cuja maior ou menor c1areza pode ou nao estar presente na consciencia dos protagonistas.

3. EDUCAf;AO E MEDIA<;AO

A unidade fundamental entre produtivas, como duas realidades

as rela90es de dialeticamente

produyao e dlierentes,

as e

fas

oryas suas

articulac;:6es com a superestrutura coustituem a totalidade social. 0 ca­rater dessa totalidade se mostra diferente, segundo as especificidades hist6ricas de cada formac;:ao social.

Essa articul81yao entre a estrutura e a superestrutura e possivel de ser entendida numa perspectiva dialetica quando se supera 0 usa da n09ao de causa pela de mediayao, que oao considera apenas uma direryao deterministica unidirecional, mas as relac;:6es que se estabelecem reci· procamente. A mediac;:ao como categoria auxilia a compreensao dessa articulac;:ao, jii expressa par Marx:

"Nas rninhas pesquisas cheguei a conclusiio de que as rela(foes juridi­cas - assim como as formas de Estado - DaO podem ser compreen­didas por si "mesmas, nem pela dita evolu~ao geral do espirito humano, inserindo-se, pelo contn1rio, nas cODdis;oes materiais de existeneia. que Hegel. .. compreende 0 conjunto pela designayao de 'sociedade civil'; por seu lado, a anatomia da sociedade civil deve ser procurada oa eeo­nomia polflka" (Marx, 1977a: 24).

3. Essa analise j<i carneya a ser produzida DO Brasil e tern apresentado alguns trabalhos relevantes. Ver Ribeiro (978) e Freitag (1977).

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--Alem de uma critica a uma endogenia idealista, Marx aponta para

uma autra realidade: a nao-existencia de uma causalidade direta das condi.;:6es materiais sabre as fonnas politico-ideol6gicas. As expressOes de fundo metaf6rico, inseryao e anatomia, indicam a existencia de me­dia<;6es interiores a articulayao dos dois momentos. Dessa forma, a ideia de causa, Marx contrap6e a de mediayao.

Nesse caso, os termos anatomia e inser9GO indicam uma cadeia de mediay6es entre os dois momentos que impossibilitam a recurso ao re­pouso absoluto ou aos dualismos. E, sem duvida, urn dos elos dessa cadeia e a educayao, pelo carliler de condus:ao das consciencias.

A educayao possui, antes de tudo, um carater mediador. No caso concreto da sociedade de classes, ela se situa na rela<;80 entre as classes como momento de mascaramento/desmascaramento da mesma rela<;ao existente entre as classes.

Marx teria sugerido que a reproduyao da rela<;ao capitalist a tam­bem e uma mediayao. 0 que ab~e caminho para outras formas de me­dia<;ao, entre as quais se pode situar a educayao:

"Essa perpetua980 da rela9iio entre 0 capital como comprador, e 0 operario como vendedor de trabalbo constitui uma forma de media~ao

imanente a este modo de produy8o; mas. e forma que apenas formal­mente se diferencia de outras formas mais diretas de submissiio do !Tabalho e da propriedade, por parte dos possuidores das condiyoes de produe;,iio. Encobre, como simples relayao monetaria. a transa980 real e a dependencia perpetua que 0 processo intermediario de compra e venda renOVa incessantemente. Niio s6 se reproduzem de maneira consiante as condi90es deste comercio, mas 0 que urn compra e 0 outro precisa vender ~ resultado do processo. A renova93o constante dessa rela9ao de compra e venda nao faz senao mediar a continuidade da re­la98.0 especifica de dependcncia. e confere-lhe a aparencia falaz de uma transByiio. de urn contrato entre possuidores de mercadorias dota­

I, dos de iguais direitos e que se contrapoem de maneira igualmente livre. ESSB rela9iio inlrodut6ria apresenta-se, inclusive, como urn momenta irnanente dessa domina9ao, gerada na produ9ao capitalista, do trabalho objetivado sobre 0 vivo" (Marx, 1978: 93-94, grifo nosso).

Isso quer dizer que ha outras formas de medias:ao imanentes 3 esse modo de produyao. No caso, as relac;:oes de antagonismos entram na pratica social atr3veS de fonnas feticruzadas que tentam dar uma aparencia de unidade aquila que e diviso, au seja, tentam mascara-las. Entre essas outras fonnas de media9ao, alem das relay6es juridicas cons­tituidas, ha tambem formas C9ntratuais, e, sem duvida, as instituis:6es educativas, que elaboram, expressam e transmitem as mesmas e outras relay6es.

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Nessa cita980, fica clara a existencia de dois movimentos media­dores e que podem ser visualizados na educ89iio.

A educa<;ao adequa-se como instrumento da acumula9ao capitalista aO preparar mao-de-obra, especialistas, tecnicos, voltados todos para a reprodu9iio arnpliada do capital.

E mais, diz Marx, a renovariio constante ... , con/ere-lhe a apa­rencia /alaz. .. (grifo nosso). 0 que e essa aparencia falaz? Quem a produz? Quem sofre esse prace·sso de ilusao? Talvez Marx esteja a indicar que essa maneira de captar as rela<;oes subjacentes as condi90es mcteriais ajude a sabotar a verdadeira realidade. Nesse caso, 0 sentido antropol6gico da produ<;ao parece indicar 0 hornern, sujeito das relac;:oes sociais, como mediador e mediado no processo social. Consequentemen­te, a educayao, no sell sentido amplo, e medias:ao porque filtra uma maneira de ver as rela90es sociais.

Por isso a educas:ao toma-se instrumento de uma politica de acumu­lac;:ao, que se serve do caniter educativo propriamente dito (condw;ao das cOllsciencias) para camuflar as rela~es sociais que estao na base da lIcumula<;ao. Esse movimento de dar uma aparencia una ao que e diviso ganha sentido quando incorporado pelos agentes frente ao que se pretende ocultar e perenizar: 0 processo de acumula<;ao sustentado por relac;:6es sociais de explora9ao.

Esse tipo de conhecimento aparente nasce, entao, das reJayoes so­dais e sao estas que 0 criam e tentam reproduzi-lo continuamente. 0 conhecimento, assim como 0 trabalho, sao urna resposta mediada e me­diadora as necessidades sltrgidas no contexto dessas rela<;6es. B no modo de viver e captar essas necessidades, no contexto das condi<;oes mate­riais de existencia, que 0 homem conhece. 0 hornem jamais se separa de seus atos. Ele os vive. E nessa vivencia a classe dominante tenta conduzir as classes subalternas, educando-as mediante a incorpora<;80 da ideologia dominante sob a forma de senso comum.

o canl1er antropol6gico da alienay30 impede a tentativa de expli­car 0 conhecimento sem 0 sujeito. Esse caniter roediado e mediador do homem esta expresso na terceira tese sobre Feuerbacb.

"A teoria materialista de que os homens sao produto das circunstiln­cias e da educaryao e de que, portanto, homens modificados sao pro­duto de circunstancias diferentes e de cduc8yao modificada, esquece que as circunstancias sao modificadas precisamente pe/os homens e que o pr6prio educador precisa ser educado" (Marx, 1977b: 118).

Se OS modos de prodU<;80 sao mediadores entre os homens, as homens mediados podem se converter em mediadores entre a estrutura economica e urn novo hornern. A medjaS:80 e dialetizada e historicizada.

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Esse caniter dialetico, para ser tal, deve cstar presente na Hist6ria. E estar prcsente na Hist6ria e ve-Ia a partir das rclaty6es sociais existentes. Scm a existencia de homens concretos, determinados, nao haveria praxis e nem filosofia da praxis.

"Como vemos. silo sempre indivfduos determinados, com uma atiYida' de produtiva que se descnrola de urn determinado modo, que entram em rela~oes sociais e politicas determinadas. E necessario que, em cada caso particular, a observac;;iio empirica mostre nos fatos, sem qualquer especulaC;;iio ou mistificac;;iio, 0 c/o existente entre a estrutura social e politica e a produ~iio" (Marx, 1974: 24, grilo nosso).

Atraves da eategoria cia mediatyao, a edueatyao se revela como um elo existente capaz de viabilizar uma estruturayiio ideol6gica para um determinado modo de produtyao, que, por sua vez, tende a assegurar a dominayao de classe pela hegemonia. Em outros termos, ela e urn mo­mento mediador em que se busea e onde se pretende a dire~o ideo­16gica da soeiedade. Essa direy80, quando exercida pela c1asse domi­nante, visa impedir que os antagonismos de c1asse existentes no modo de produyao adquiram 0 Dlvel de eoneeituay8o. Mas como a hegemonia impliea considerar elementos da classe dominada, a eduea<;ao nao e 0

lugar de uma reprodu<;ao neeessariamente dominante da ideologia vi­gente. Quando Marx diz que e necessario demons/rar sem mistificc9ao o elo . .. sup6e que haja tanto quem demonstre, quanta aquilo que seja demonstrado, e que esse ultimo aspecto seja uma expressao mais verda­deira do eonteudo real. Na medida em que a educa<;ao se torna urn meio de uma expressiio eoerente e adequada de uma coneepyao de mundo que se oponha a mistifica<;ao, ela e, antes de tudo, lugar de luta pela hegemonia de c1asse, pois a efetividade de uma dominayiio absoluta eliminaria a eontradityao, eondityao basica da sociedade de clas­ses. A educayao como mediayiio tanto funciona, embora em graus due­rentes, para a afloras:ao da consciencia, como para impedi-Ia, tanto para

~ difundir, como para desarticular.

Par isso, essa mediayao, de carater ideol6gieo, e contradit6ria no movimento de encobrir-descobrir referido a luta permanecer-superar. E s6 as media¢es articulam a individualidade do bomem concreto com o movimento processual da Hist6ria. A educacyao como roediayao entre uma forma de a<;ao que corrobora a permanencia e/ou uma forma de ayao que conduza a transforma<;ao social est3 impUcita na tese XI.

"Os fil6sofos nao fizerarn mais que interpretar 0 mundo de forma diferente; trata·se porern de modificli-lo" (Marx, 1977b: 120).

Esta impHcita porque nao basta uma filosofia de vida ou uma teoria diferente para transformar a realidade. a preciso que exista uma

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forma de pensar 0 real que seja urn meio de expressiio mais adequado da realidade concreta em que se vai atuar. A educatyao ajuda a elaborar eSS8 forma de pensar que, convertida em mediadora, torna-se valioso instrumento de apoio na transformayiio soda!' Em outros termos: a apropriac;:ao de urn saber revelador torna·se momento de denuncia de urn saber dissimulador das contradi<;6es e "nuncia a possibilidade de novas relacr6es sociais. .

Essa insistencia nas relacy6es sociais tern urn sentido. a atraves delas que a educacrao se articula com 0 todo e e attaves delas que a educatyao coopera mediata mas ativamente para (re)produzir relay6es sociais, ela­borando e difundindo a luta entre as concep<;6es de mundo. Contudo, a concep<;ao do mundo, que se ve como momento te6rico de uma nova pratica social, sai de seu estado meramente te6rico para buscar sua realizayao como condicrao necessaria, embora nao suficiente, para guiar a a<;ao transformadora.

4. EDUCA~AO E TOTALiDADE

A educas:ao e uma totaHdade de contradityoes atuais ou superadas, aberta a todas as relalf6es, dentro da alf80 reciproca que caracteriza tais rela<;6es em todas as esferas do real. A as:8o reciproca entre essas esfe­ras do real se mediam mutuamente atraves das rela<;oes de produCY80, relas:oes sociais e relacr6es politico-ideol6gicas.

As rela<;6es sociais implicam a acyao recfproca e contradit6ria entre as classes fundamentais. Se tais relacyoes impUcam a presencya das classes dominantes e porque implicam a presen<;a das classes dominadas. A essencia dessas relacy6es, sob 0 capitalismo, e de serem relatyoes de luta. Esta luta atinge a totalidade da sociedade, afetada pela gestao hege­moniea da classe dominante, cujo fundo social e deduzido da mais-valia. Percebe-se, pois, que as relas:6es sociajs sao relacy6es economicas (pela apropriacrao da mais-valia), sao relacyoes poHticas (pela gestao hegemo­niea da mais-valia) e sao relacr6es ideol6gicas (pela tentativa de repre­senta-Ias e difundi-las de modo abstrato).

A educayao como conjunto totalizante dessas relas:6es busca urna compreensao global do fenomeno educativo, como ele se define frente a si e ao todo. Sem isso a educacrao passa a ser visualizada e difun­dida como uma abstras:ao, ou melhor, como uma dissimuJas:iio de seus reais componentes.

Enquanto referida ao economico, ela se subordina ao mercado capitalista, nao foge a generalizClfQO da mercadoria numa sociedade

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oode tudo teride a se tomar uma troca generalizada. Suas diiereotes vers6es institucionais tendem a se mercantilizar, seja oa estrutura hienhquica de seus agentes, seja no preparo de mao-de-obra neces­saria Ii divisao social do trabalho, seja no fomecimento de objetos que estimulem Ii produc;80.

Par sua vez, essa ligayao com a organizayao capitalista da pro­duc;ao se articula com 0 politico. Ai ela participa da divisao social do trabalho enquanto busca urn logos para a mesma. Ao nlvel do poli­tico ela prepara as gerayoes segundo os padroes axiol6gicos estabe­lecidos, tenta legitima-los e torna-los sensa comum. Mas essa educacyao politica e em si mesma contraditoria porque carrega consigo a funyao de reduzir os conflitos nascidos das relac;oes sociais, vinculando-os a uma visao de mundo dissimuladora dos mesmos e desorganizadora da concepyao de mundo que se the opoe.

As diferentes instituicyoes pedagogicas (alem de outras), atuando como instrumentos de persuasao e de poder a servic;o dos interesses dominantes foram, por isso, denominadas aparelhO'S ideol6gicos de Estado (Althusser, 1974). Sem duvida, 0 momento politico-ideologico, na educayao, tern uma eficacia incontestaveI. Mascara DaS e para as representac;oes dos agentes as contradiy6es de base. E possui urn papel predominante na hist6ria da sociedade capitalista. Contudo, essa efi­cacia e relativa.

E relativa primeiramente as condic;oes historicas de cada totali­dade social. Sua eficacia nao e urn a priori igualmente valida para todos os paises e regi6es. Ela depende de como as fOfl;as sociais em conflito conseguem redirecionar ° processo educativo, na busca de uma hegemonia politica sobre a sociedade. Dessa forma, a relatividade hist6­rica dessa eficacia se liga a relatividade contradit6ria das reIay5es soeiais. As relacyoes sociais sao contradit6rias, e isto transparece nos momentos de crise, quando nao e possive! 0 controle absoluto das consequeneias que eia gera. A insatisfaC;ao e 0 protesto, ainda que

~

nao trazidos a consciencia, estao presentes nas faccyoes mais explora­das da classe dominada. Por Hm, essa eficacia e relativa a si mesma. A atenuacyao dessas contradicyoes nao e a sua supressao. 0 espayo dos aparelhos ideol6gicos e um lugar de negatividade que se espalba pelo todo social. E essa atenuas:ao e necessaria. Se desnecessaria, por parte do poder dominante, estaria apontando ou a impossibilidade da con­tradis:ao, ou a sua inexistencia. Em ambos os casos se apontaria para urna totalidade fecbada, determinada.

Entretanto, os esforyos de atenuacyao das contradicyoes indicam, pois, que e na pratiea social que se devem buscar as raizes do mo­

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mento polftico-ideoI6gico. Na pn'itica social residem as ralzes contra. dit6rias que impulsionam a sociedade capitalista para sua supera(,:ao, para 0 desenrolar das relac;oes estabelecidas entre essa sociedade e seUS agentes hist6ricos.

Enquanto referida ao jdeol6gico, a educayao se articula com a totalidade mediante a tentativa da classe dominante de representar como uno 0 que 6 contraditorio. 0 que e em si meSillO contradit6rio, pais 0 carater dissimulador s6 existe na medida em que tenha 0 que dissimular. E nesse caso trata-se do carater contradit6rio do real conti­nuamente pondo em causa as tentativas dissimuladoras. Dessa ma­neira, 0 momento politico-ideol6gico pode camuflar a contradi9ao, mas nao a e1imina da totalidade e nem a transcende. A educac;ao carrega consigo contradis:6es que existem nela mas nao nascem so dela. Na articu!acyao dos seus elementos com os elementos que estao nela e que se pode visualizar a funyao especifica da educa<;:ao e qual a sua parte de contribuiyao para a (re)produ<;:ao de (velhas) relayoes sociais no conjunto das relay5es sociais de produs:ao existentes.

Como as contradiyoes que se Iigam com ela nao se originam nela, seria demasiado imputar-Ihe isoladamente e ao saber que eia veicula o peso de tornar 0 capitalismo urn si!.ltema acabado, fechado. A edu­cac;ao nao e uma tarefa messHiniea acima ou alem das contradicyoes de base pr6prias da sociedade capitalista.

A dissimulac;ao do saber, 0 afa de reific·a-Io apontam 0 fato de que tambem ele e contradit6rio, ja que nascido no contexto de uma totalidade contradit6ria, historiea e provis6ria.

Essa pratica contradit6ria exige da parte dos dominadores, no conjunto das transforma<r6es havidas pelo avanyo do modo de pro­dw;ao capitalista, que os novos espayos abertos se tomem espa{:os do poder. A articulayao da educayao com a totalidade, mediante as rela~6es sociais, leva consigo a necessidade de que, al6m da empresa e da escola, tambem os tempos de lazer, as momentos do cotidiano, a linguagem, a arte se convertam em espacyos de poder ordenados para It produs:ao do consenso. Essas transformayoes incidem sobre a edu­ca<riio.

Isso nao significa a impositividade absoluta dos que disp5em desses novos espscyos de poder. A luta existente a mvel das classes se manifesta em uma luta entre duas concepy5es de mundo. A amplia­<rao desses espayas se faz acompanhar de sua negatividade. A classe sUbalterna, corpo principal fonte de negas:ao, se contr8p6e ao poder da (im)positivtdade.

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"Em que pesem os esforyos das institui90es, a contradic;:iio introduz­se no conhecimento pelo simples fato de que nlio ha barreira entre 0

conhecimento 'positivo' e seu aspeclo 'negativo', 0 pensamento cd­tico" (Lefebvre, 1973: 27).

o saber que e empregado na reproduyao e manutenyao das rela­yoes existentes e em si mesmo contradit6rio, porque a pratica que 0

gera se da num todo contradit6rio. Em momenta algum se torna im­possivel ou inutil que a cootradiyao existente nas coisas se revele na consciencia. '£ 0 grau de revelac;ao que a educac;ao permite em relayao ao real que anuncia a consciencia de uma nova pnhica ou a tentativ de oculta-la no conjunto de conhecimentos dissirnuladores. 0 saber a/icial nao esta imune a essa tensao contradit6ria.

essa forma, uma visao de totalidade a respeito da educayao im­plica a continua dialetizay80 entre as relac;oes sociais de produyao e a (re)produyao de (vellias) relac;oes sociais. £ na interac;ao desses ele­mentos determinantes e determinados (entre os quais a educayao) que a totalidade se faz e cria.

o anuncio dessa pratica social tern sentido enquanto se consi­dera que os sujeitos humanos fazem parte da totalidade. A pnltica que inclui sujeitos de novas relac;oes sociais, sujeitos. que negam 0 exis­tente e anuneiam e produzem 0 novo, afirma como negac;ao da nega­c;ao uma totalidade mais aberta, sintese superadora porque contradi­toria. Nesse sentido, a relaC;80 da educac;ao com a totalidade e aberta, enquanto a educayao inclui e implica a ayao-reflexao desses sujeitos. Enquanto a ayao desses sujeitos for latente qu surgir s6 esporadica­mente, a classe dominante apresenta sua (pseudo)totalidade como pe­rene, inclusive no saber referente as condiyoes socio-economicas. Uma compreensao totaJizante da parte desses sujeitos imp6e a critica a pseudoglobalidade, que reeonhece seu canher transitorio e sua supe­rac;8:o.

Retorna-se, pois, a dialetica entre totalidade e contradic;ao. Uma nao existe sem a outra. 0 reconhecimento do real como hist6rieo im­plica a tensao das contradiy6es no seio d~ totalidade concreta. A eon­tradiyao e sua relac;ao com a educac;ao torna-se fundamental para a compreensao dessa ultima, a fim de representa-Ia de modo dialetico e com uma visao de conjunto.

5. EDUCA~AO E CONTRADlf;AO

A educar;ao, enquanto momento participe da pratica social global, e eontradit6ria em seus varios elementos.

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o saber enquanto elaborac;ao, incorporac;ao e transmissiio de conhecimentos, valores, ideias e crenyas, nasce do fazer e para ele se volta. 0 saber, entao, toma-se mediac;ao entre duas ac;6es, pois uma ac;lio (fazer) sup6e a posse de urn saber anterior que eonduz a ac;ao. o estatuto do saber, contudo, vadara de acordo com a problemMica fundamental de uma sociedade.

o saber tern, no modo de produc;ao capitalista, um estatuto par­ticular. 0 saber passa a ser intenyao e produc;iio. Enquanta intenyao, veicula ideias que interessam a uma determinada direc;ao, cujos ins­trumentos (meios de faze-Ia) podem ser varios. Enquanto produc;ao, no seio das relac;:6es sociais, ele se transforma numa forya produtiva e se funcionaliza a servic;o do capital. 0 que importa na funyao que 0 saber ocupa nas relay6es sociais:

"0 erro metodol6gico mais difundido ( ... ) consiste em se ter buscado esse criterio de distinc,:iio (trabalho intelcctual x trabalho manual) no que e intdnseco as atividades intelectuais, ao inves de buses-Io no conjunto do sistema de relac,:o~ no qual estas atividades (e, por­tanto, as grupos que as personificam) se cncontram no conjunto das relac,:6es sociais" (Gramsci, 1968: 11-12).

o conjunto dessas relac;:6es sociais no capitalismo e contradit6rio. E 0 saber, que nasce do fazer, oasce de jazeres diferentes e contra­dit6rios. A educac;ao, enquanto instrumento de dissemina<;ao de urn saber mais abrangente, entra em contradic;iio com a sociedade capita­lista. 0 saber enquanto inlenyao pode vir a ser apropriado (tornar pr6prio) pelas classes subalternas. Ao incorponi-Jo a sua pratica, 0

tarnam instrumento de critica das armas, pois oa sua pnltica (no eon­junto das relayoes sociais) reside a contradic;:ao da inteneionalidade dominante: a oposic;:ao -entre 0 saber do dominante e 0 fazer do domi­nado. Nesse sentido, a Ilc;ao pedagogica, enquanto apropriayao pelas classes dominadas de um saber que tern a ver com os seus interesses, coneorre para 0 encaminhamento da modificar;:ao das condir;:6es sociais. Na medida em que explicita aquelas condic;6es que determinam 0 cara­ter da dominayao, a ayao pedag6gica conflila com 0 sistema capita­lista. Conflita porque a falsa consciencia cede espac;o a consciencia mais totalizante. Como esse conflito e, pelo menos, latente, as relay6es de dominac;ao, tomadas principais DO conjunto das relay6es de pro­dwyao, tentam colocar a coesao acima da contradic;ao. Para isso faz-se uso de uma pedagogia persuasiva.

A educac;:ao como instrumento de persuasao entra com papel dis­simulador. 0 capital introduz alguma forma de instruc;ao educativa, seja numa !inlta mais formal de ensino basico (a fim de que 0 tra­balhador resista as exigencias diferenciadas do trabalho parcelado e

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(ill evite 0 estrangulamento precoce), seja numa Hnha mais informal de saber (a fim de povoar as consciencias com pseudoproblemas, e exer­cer urna hegemonia a servis;o da domina<rao).

A escolariza<rao generalizada, como base essencial da forrnaerao profissional do produtor irnediato, tern par condis;ao a separaerao social e tecnica da forera de trabalho dos meios de produerao. 0 mesmo se fani com 0 saber, buscando separa-Io (como saber instrumento) do

I

I fazer real dos sujeitos. E como os sujeitos jamais se separmn dos seus atos, e preciso elaborar urn saber falso e falsificador, 0 que explica a tentativa de reduzir os limites da formaerao: tudo 0 que se refere ao conhecimento do conjunto do processo de produs;ao e nao so inutil

II como prejudicial ao bom andamento da empresa. A escola, como mer­cadoria, cujo valor e determinado pelas necessidades da classe capi­talista, buscanl articular as necessidades proprias da c1asse trabalha­dora em torno das necessidades pr6prias do capitaL. a que nao ocorre paeificamente, pois a separaerao da forera de trabatho dos meios de produyao implica sua reumao forerada e contradit6ria no local de tra­balho e a falsificacrao absoluta do saber implicaria a perda total da identidade da c1asse. Ainda que incipiente, uma identidade existe e consiste na propria condierao de dasse,

Tomando Marx como ponto de partida, veja-se 0 modo como ete analisa a questao da educaerao. Em 0 Capital, depois de haver mostrado como a :mrguesia capitalista. eoquanto dasse, pode viver as custas da classe operaria (teoria do valor e mais-valia), examina a revolus;ao operada pelo capitalismo dentro do modo de prodUl;ao (concentra<rao, coopera<rao, divisao do trabalho, maquinisrno). Isso 0 induz a indicar os efeitos do progresso material sobre a situay30 dos openirios na in­dustria. E entao que examina a questao do trabalho das mulberes e crianyas. A maquina, ao reduzir 0 poder da forya muscular, possibili· tou 0 emprego de trabalhadores com forya Hsiea reduzida, no caso, mulheres e crian<ras.

Desse modo, a maquina se converte em meio de aumentar 0 nu­mero de assalariados, fazendo a familia operaria parte da classe ope­raria enquanto meio de produy8o. Essas novas foryas lanc;adas no mercado depreciaram 0 trabalho masculino, deterioraram 0 feminino e diminuiram a eapacidade de resistencia dos operarios adultos frente ao capital.

Diante de uma tal explorayao, Marx estabelece a incompatibili­dade de urna educa<rao conveniente a classe operaria nessa etapa do regime capitalista. Contudo, para e~itar 0 esgotamento do trabalhador

72

l

~

explorado e para que 0 trabalbador saiba resistir bs exig~ncias dife­renciadas do trabalho parcelado no contexto de urn vazio intelectual, o capital se v~ forerado, mediante 0 Estado, a reintroduzir 0 ensino primario. 0 fazer correspondente a uma situa'1ao social exigia urn tipo de saber, consentaneo as necessidades desse mesmo fazer.

Ora, a possibilidade de superar um regime s6 existe no desenvol­virnento historico de seus antagonismos imanentes. Para sua pr6pria manuten<rao, 0 capital se ve for'1ado a abrir mao de urn instrumento, a educaerao. Capaz de se opor a divisao entre 0 saber e 0 trabalbo, ela se torna restritiva e transmite urn saber que se funcionaliza a ser­vic;o do capital. Mas guarda a possibilidade de urna nova extensao (dai a restri'1ao) e de urna outra compreensao do fazer (dal a dissimu­la'1ao)- Por ser contradit6rio e que a fun<rao poHtica dominante 0 torna restrito e dissimulador_

A supera<rao das conquistas da era capitalista funda a possibili· dade de um sistema educacional que se contraponha a divisao saberi trabalho. A legisla<rao das fabricas no ten-enD educativo 6 ja a epoca

de Marx:

"A primeira reay80 consciente e met6d1ca da sociedade contra a for­ma espontaneamente descnvolvida de sua produ9ao" (Marx, 1968: 550).

E mais:

"Apesar da aparencia mesquinha que apresentam em seu conjunto. as disposiyoes da lei febril relativas a educayiio fizeram de inslruy80 primaria condiylio indispensavel para 0 emprego d3s crianyas" (Marx, 1968: 553).

Defendendo-se contra 0 fermento de transforma~ao implicito no movimento hist6rico em materia de educa<rao, a classe dominante pro­curara sabotar seus resultados e possibilidades. Para Marx. ha urn exito, a despeito das condiyoes precarias das escolas de meio periodo.

"Seu sucesso demonslrou, antes de ludo, a possibilidade de conjugar educayao e gimistica corn trabalho manual, e conseqUentemente 0

lrabalho manual com educaylio e gin~stica" (Marx, 1968: 553).

E Marx ainda fala das vantagens da alternaneia trabalho/escola, pais para ele a fabrica e 0 primeiro sistema que faz germinar a edu­ca'1ao do futuro:

"Do sistema fabril... brotou 0 germe da educayiio do futuro que conjugara trabalbo produtivo de lodos os meninos aMm de uma certa idade cOfll 0 ensino e a ginastica. constituindo-se em metodo de elevar a produy8o social e de unico meio de produzir seres humanos plena­menle desenvolvidos" (Marx, 1968; 554).

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E reforya, oa Critica ao programa de Gotha:

"A proibie,:ao geral do trabalho infantil e incompativel com a existen· cia da grande industria e, portanlo, um piedoso desejo, porem nada mais. P~r em pratica esta proibie,:ao - supondo-a factive! - seria reacionario, uma vez que, regulamentada severamente a jornada de tra­balho segundo as diferentes idades e aplicando as demais medidas preventivas para a protee,:ao das criane,:as, a combina~lio do lrabalho produtivo com 0 ensino, desde uma tenra idade, e um des ll1ais poderosos meios de transforma<;:ao da sociedade atua!" (Marx, 1977b: 242).

Nesses poucos textos em que Marx Ie a educas:ao, ele a ve no conjunto das relat;:6es sociais. Nessas condi<;6es sua leitura pretende buscar possibilidades que reveleIl) 0 potencial da educaryao: saber que tome mais lucido 0 fazer superador das mesmas condis:6es sociais.

do que a leitura anterior pode propor DaO e uma posic;:ao, mas

A

um metoda que, baseado nas contradifi5es imanentes do sistema, conta desse papel potencial da educayao. 0 que 'Iller dizer que ba­sear-se nessas contradiyoes, no mesmo sistema capitalista que avaoya e aprofunda suas relat;:6es, possibilita tambem uma leitura contradi­t6ria da educay1io, seja numa de suas expressOes hist6ricas mais im­portantes, a escola, seja em qualquer outra de suas vers6es. A edu­cayao, longe de assegurar definitivamente e para sempre a reprodu­s:ao do sistema atual, pode contribuir para sua modificayao.

Importa dinamizar esse potencial existente nos antagonismos ima­nentes do sistema, 0 que implica dinamiza-Ia como meio de transfor­mafao da sociedade afual. 0 que oao quer dizer que a educas:ao neces­site assumir obrigatoriamente, em todos os lugares, a forma que assume nos paises de capitalismo avanyado. Na dinamica da reproduc;:ao, 0

capitalismo exige processos educativos que 0 auxiliem na oculta~a

dos processos de apropriarrao do excedente, de acordo com a especi­ficidade de cada regUlo em que se instala. Por isso os detentores do capital buscarao dentro da diversidade hist6rica de cada pais formas educativas que possibilitem a manutens;ao da relaiYao. A forma de se processar a educas:ao no campo e na cidade nao e igual, por exemplo.

Encarregada de melhorar a fors:a de trabalho, a educayao con­tribui de fate para 0 aumento do capital e sua reprodus:1io. Mas 0

modo pelo qual essa melhoria se realiza pode opor-se como fermento de transformarao, como poderoso meio de transformClfao da sociedade atual, a perpetuas:ao desse modo de produyao. A evolus:ao da educa­s:ao, especialmente na escola, passa pelas transformarroes sociais qu a ultrapassam e envolvem, pois a finalidade dessa evoluiYao e a apro­

priayao, pelo trabalhador, dos instrumentos de seu trabalho e assim, dele mesmo.

Ainda aqui, Marx coloca a polifuncionalidade da educayao \)u

desenvolvimento das contradiy6es hist6ricas de uma sociedade;

"Torna·se questiio de vida ou morte substituir a monstruosidade de urna popuJal,:lio miseravel, disponlvel, manlida em reserva para as necessidades flutuanles da explorae,:iio capitalists, pela dispollibilida­de absoluta do ser hUOlano para as necessidades variaveis do lraba­Iho; substituir 0 individuo parcial, mere fragmento humane que re­pete sempre uma operal):iio parcial, pel.:> indivfduo inlegraJmente de· senvolvido para 0 qual as dHerentes funyoes sociais nllo passariam de formas diferentes e sucessivas de suas atividades. As esco!as poli­lecnicas e agronomicas sao fatores desse processo de transformat;ao, que se desenvolveram espontaneamente na base da industria moderna; constituem tambem fatores dessa metamorfose as escolas de ensino profissionaI. onde os filhos dos operarios recebem algum ensino tecno­16gico e sao iniciados no manejo pratico dos diferenles instrumentos de produ~lio. A legisla<;:ao fabril arrancou ao capital a primeira e insuficiente concessiio de conjugar a instrue,:iio primaria com 0 trabaJho ns fabrica. Mas nlio h8 duvida de que a conquista inevitavel do po­der politico pela classe trabalhadora Irani a adOyao do ensino tccno­16gico, te6rico c pralico nas escolas dos trabalhadores. TamMm nao ha duvida de que a forma capitalista de produyiio c as corresponden­tes condie,:5es economicas dos trabalhadores se op5em diametralmente a esses fermentos de transforma~ao e ao seu objetivo, a eliminayiio da velha divisiio do trabalbo. Mas 0 desenvolvimento das cootradiyoes de uma forma historica de produe,:iio e 0 unico caminho de sua disso­lue,:ao e do estabelecimenlo de uma nova forma" (Marx, 19; 558-9).

A educas:ao, como urn saber sempre referido a urn fazer, se ali­menta dessa tensilo entre a melhoria da forrra de trabalho e 0 modo de realizar essa melhoria, ioerente ao capitalismo. Ela devera fazer crescer e aumentar a competencia tecnica e instrucional do trabalha­dor, procurando tomar 0 saber parte do capital como for<;:a produtiva. Nisso ela se op6e a divisao, nascida nos cantornos do modo de pro­dUyao capitalista, entre 0 saber e 0 trabalho.

Mas ela tambem st' op6e a estrutura capitalista de rela<;:6es sociais, isto e, a divisao de class<;s, quando possibilita a apropria<;:ao coletiva do saber, uma vez que, enquanto forya produtiva, 0 saber deveria ser propriedade exclusiva da classe possuidora. A apropriayao coletiva de urn saber-instrumento pela participa~ao na elaboras;ao do mesmo com· Promete-se com os in/eresses basicos da problematica das classes subal­ternas. A educa<;:ao reflete uma estrutura social, mas, por outro lado, fermenta as contradis:6es. Proveniente do modo de produc;:ao capita­lista, no con~xto das promessas que a burguesia trouxe e nao foi capaz de implementar, a educayao contribui tanto para sua repro­duyao, como para sua negayao e percla (Petit, 1973: 11).

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Nesse sentido, pode-se perguntar se a contradicyao ests presente oa educacyao quando se prescreve esta ultima como comandada exclu­sivamente pelos interesses da classe dominante. A ser verdadeira uma tal formulayao, pode-se indagar por que a burguesia tern esperado tanto tempo para disseminar ao maximo essa sua cumplice, especialmente nos paises subdesenvolvidos.

A educayao e portadora de uma promessa que a burguesia nao foi capaz (e nem e) de implementar totalmente, porque significaria, de urn lado, manter a pratiea da explora<;ao e, de outro, prGlVocar, como momenta dessa pratica, urn saber crftico. Essa provocacyao, embora desarticulada ou reprimida, existe em germe na educa~ao. Se ela e ex­pressao do dominic de classe, e porque antes de mais nada e expressao da luta de classe.

Nos momentos em que as classes populares exerceram mais pres­sao sobre 0 poder, percebe-se quase sempre a luta pela educacyao.

sta ultima toma-se, pois, expressao da luta de classes. 0 que nao signifiea uma constancia hist6rica, e nem que a c1asse dominante nao agilize seu poder para, a nfve! educacional inclusive, desarticular de­terminadas formas de escolarizayao:t

Por isso: "0 capitalismo exige que a escola the forme trabalhadores que se saibam Ylllner~veis; espera·se. devido sua forma~iio restrita, que nlio venham a revelar·se demasiado exigentes em materia de sahlrios, pro­porcionar-Ihes 0 m{nimo possfvel de instrumentos intelectuais que os ajudariam a questionar 0 sistema" (Snyders, 1977: 100).

E por que? Se ela e momento de exclusao e lugar de divisao intema em correspondencia a divisao social do trabalho, sempre levan­do-se em conta a diversidade hist6rica dos paises e nesses sua diver­sidade interna, ela tambem e lugar oode ha a possibilidade de um saber autentico, que se transforme em uma convie<;ao mobilizadora. Isto explica as barreiras a democratizayao, os mecanismos de selecyao e todas as tentativas de diminuir a eficacia da a<;iio educativa. Por contradiyao entende-se 0 dizer de Gramsci de que 0 fato filos6fico mais importante nao e tanto a descoberta de uma genial novidade, mas a

4. Ver a esse respeilo Beisiegel (1974), Jannuzzi (1984). Digna de aprofunda­mento e a pista levantada por SaYiani (1980: 16-9). 0 autor prop6e 0 avan~o

do escolanoYismo como urn movimenlo desmobillzador das for~as popula­res, constituindo-se em inslrumenlo de hegemonia da classe dominanle. Nossa disserla~iio de Mestrado insiste nas lutas que se travam de 1930-1 qJ5 em tomo do problema eduC8ciona:, nos gropos e fa~6es da classe dom:· nante. 0 carl'lter desmobilizador dessas III las sup6e esludos mais aprofun· dados sobre a educa~iio nas decadas de 1910 e 1920, porem do ponto de vista dos gropos e fac~6es das classes populares.

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elevaS;ao do potencial das massas para pensar coerente e unitariamente a sua realidade_

Mas a pr6pria dissimula<;ao, fuocyiio atribufda a educayao domi­nante, e tambem em si mesma contradit6ria. Ao opor-se como saber dos dominantes ao fazer dos dominados, a iminencia de sua nega~ao,

ou seja, a desoeulta<;ao da dissimulacyao pela ruptura com urn saber ideol6gico falsificador, em vista de urn saber mais revelador est3 sem­pre presente, mesmo que de modo latente. Essa negacyao e proposicyao de urn saber mais verdacleiro toma-se momento coosciente de uma a~ao social transfonnadora.

Essa ayao transformadora nao signifiea, desde logo, a posse de urn saber revolueionario. A educa<;ao, quando nao se poe a serviyo de uma ideologia regressiva, e se estabelece como princlpio de luta contra 0 arcaismo do senso comum (Gramsei, 1978 a: 18) ajuda a elevar 0 myel intelectual das massas ate a modernidade.

o senso comum produz normas de conduta adequadas a concep­<;ao de mundo do grupo clirigente e leva a passividade. Mas 0 sensa comum e tarnbem 0 ponto de partida para a eleva<;ao moral intelec­tuaI. A fun<;ao politica da educa<;ao torna-se importante quando supera o anacronismo nele implicito. A difusao de uma concepcyao mais avan­crada comecya a tirar as massas da passividade e pode ser entao assu­mida por uma outra hegemonia que organize, de coerencia e critique os elementos implfeitos no senso comum e seja capaz de elaborar uma outra homogeneidade filos6fica explfeita. Se 0 senso comum revela, de urn lado, que todos siio fi16s%s, isto e, pensam, par outro, pen­sam sob determinada direyiio. Todos reOetem a realidade, mas nem todos refletem sobre ela. A funyao politica da educacyao e educar poli­ticamente quem niio sabe (Gramsci, 1976: 11), rompeodo com a ideo­logia dominante, e explicitar as tarefas de uma refJexao sobre a rea­Iidade.

Isso quer dizer, pois, que a educayao nao e 0 feudo da cIasse dominante, e 0 que Snyders diz da escola pode ser relativamente am­pliado a todas as formas de educayao.

"Ela e 0 terreno de luta entre a classe dominante e a classe explorada, ela e 0 terreno em que se defrontam as for~as do progresso e as fors;as conservadoras. 0 que la se passa reflere a explorayiio e a luts contra a exploras;ao. A escola e simultaneamente reprodu~ao das estruturas cxislentes, correia de transmissiio da ideologia oficial, domestica~ao ­mas tambem ameaya 11 ordem estabelecida e possibilidade de liberta­S;iio" (Snyders. 1977: 10-6).

A edu~acrao e, entao, uma instabilidade mais ou menos aberta a a~ao. A situacyao descrita por Marx, se superada do ponto de vista

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empfrico, e valida sob 0 ponto de vista te6rico. A questao do trabalho intelectual x trabalho manual nao pode roais set vista apenas sob 0

angulo do esron;:o fisico ou da prodw;:ao direta. Boa parte do trabalbo intelectual, especialmente 0 de nivel tecnico, esta subroelido a repar­tiyao de tarefas, especializayao, hierarquizayao, enfim, 11 nova divisao entre trabalho manual e trabalho intelectual redefinida pelos avanyos do capitaIismo.

Essas novas fun~es, carregadas de maior taxa de intelectuaUdade, foryam urn aumento oa escolaridade e impoem a formayao de nivel mais eJevado. Sobre essa base se da a contradiyao da reprodw;.ao. De urn lado, as tendencias a reslril;ao, de modo especial a restric;:ao qualitativa, de outro, a pr6pria imposiyao provinrla das necessidades do modo de prodw;:ao, forc;:ando uma maior abertura, assentam as bases objetivas sobre as quais se pode atuar.

Porem a luta pela educas;ao nao pode estar separada das lutas sociais. A medida que 0 espac;o de hegemonia exercido pela c1asse dominante reflui em funyao das pressoes exercidas pela classe subal­terna, a educayao amplia seu espac;o em vista da transformac;ao social. h que a quesUio central da educac;.ao e a cootradic;.ao. As anaIises cri­ticas sobre a educa«ao burguesa, desde que a eliminem ou a impossi­bilitem, unilaterizam a analise} valotizam apenas urn lado da contra­dic;.ao, dando-lhe uma dimensao de totalidade (que nao possui), e aeabam por conferir-lhe a inevitabilidade e objetividade de uma dominayao.

A enrase exagetada na educa9ao como instrumento de domina­c;.ao e 0 esquecimento de slla liga9ao com as reIa«oes sociais acaba POt contribuir para as ideologias dominantes, mostrando 0 momenta de integra9ao da classe operaria ao capitalismo (portanto, contribui­dora para a reproduyao das rela~es) e excluindo 0 momenta da resistencia e da rejeic;.ao da dominsyao.

A educay8o, enquanto ptocesso encarregado da transmissao do sabel', 56 e eotendido com referenda as estnlturas sociais e, por elas, ao processo de produyao do qual sao indissociaveis.

A exclusao das relay6es sociais de produyao implica a exclusao daqueles que podem fazer do saber urn obstaculo ao bom funciona­mento dessas relayoes. Tal exclusao nao evidencia 0 carater contradi­t6rio, mas s6 0 momento de funcionamento que reproduz as relar;:6es sociais.

Se a analise da categoria da reprodw;:ao contribui efieazrnente para a descri9ao do sistema de defesa engendrado pela classe domi­

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oante contra as contradi90es que surgem em seu seio e podem abala-Ia 00 exercicio de sua dominayao, essa categoria e ambigua. A educa930 e portadora de fermentos de transformafiio irredutfveis que podem aeelerar S critica da situay1io na qual ela aparece.

A educayao p6e-se a servis;o do sistema capitalista de modo rnais eficaz quando os efeitos contradit6rios desse exerdcio sao neutrali­zados pelo proprio sistema. Essa neutraliza9ao se da pela limitac;:ao ao acesso do saber (barreiras a democratizayao do ensino), pela alte­ra<;:ao do saber que transmite, de modo que se possa Iimitar, pela exc1usao e/ou sele«ao, 0 poder de desvelamento sobre a estrutura social. Ptetende com isso manter a divisao entre teoria e ptatica, validat como saber apenas 0 que e apanagio das classes dominantes (linguagem culta, ecletismo, etc.), apresentando-o como fruto de dons pes50ais. E, para issa, investe-se de uma violencia simb6lica que mas­cara as relayoes de dominayao como razao de ser das relayoes sociais (Bourdieu e Passeron, 1975: 15-75).

Entretanto, ha urn conjunto de eondiyoes e situac;.oes que deli­mitam 0 modo de set das classes subalternas, dadas as proprias rela­yoes sociais inetentes ao capitaljsmo e a seu modo de prodUl;aa. Esse modo de ser nao signifiea lim isolamento ou uma propriedade radical, no sentjdo de uma diferenya ontol6gica, ou entao uma homogeneidade social e ideol6giea. Por serem as rela~oes sociais no capitalismo rela­c;oes contradit6rias (e nao absolutamente excludentes), os elementos supetestruturais dominantes atingem de certo modo a classe operaria e esta os incotpota, ainda que nao teoha claro para si a significado desses elementos. Essa incotpota.yao oao e mecanica. 0 akanee dos elementos superestruturais oao se faz POt superposic;.ao ou justaposiyao, mas por contradiyao, porque 0 lugar social dessas classes e eontradi­t6rio em relayao ao da classe dominante. POt outro lado, a bistorici­ZayaO e importante (para nao universalizar urn momento bist6rico) e problematica (para nao homogeneizar em urn bloco coerente de aya.o e pensamento as pr6prias classes subalternas).

Isso permite pensar uma soluyao contradit6ria e arobfgua, estabe­lecida entre 0 modo de ser das classes subalternas e as elementos incorporados por ela, mas que nao sao seus. Essa relaya.o nao e pas­siva. A condiyao de dominadas faz com que tal interiorizayao seja elaborada e recriada segundo 0 modo como elas vivem suas condi.yoes materiais de existencia:

"A prodUlyiio de ideias, de representa!1oes e da consciencia, esta em primei.o lugar. direla e intimamente Iigada a atividade material dos homens; e a Iinguagem da vida real" (Marx, 1974: 25).

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I

As proc1amayees burguesas, captadas e filtradas de dma paraII baixo pela mediar;ao dos agentes sociais subalternos, podem represen­tar urn meio de fortalecer poHticas reivindicat6rias agora de baixo para cima. 0 efeito contradit6rio dessa interiorizaryao, a partir do pr6prio lugar social, enseja a rejeiryao de urna condir;ao: a de domi­Dado. E pode manifestar 0 desejo de urna participaryao social que leve em conta seus interesses e os far;a va1er.

Nesse caso, a impositividade do simbo10 (ou, no dizer de Boutdieu e Passeton, da violencia simb6lica), a busca da dominayao

I se transformam, ainda que parcialmente ou de modo ambiguo, naI

possibilidade de seus contrarios. Com efeito, se as pensamentos daI classe dominante sao lambem, em tadas as epocas, os dominantes,

I a enfase no dominante nem sempre permitiu infedr a existencia do seu contradit6rio: as ideias dos dominados como id6ias dominadas e como a1go produzido por eles.

Gramsci ve essas id6ias no bam sensa, ou seja, no nucleo sadio do sensa comum. Esse bam sensa se baseia em uma certa dose de xperiencia vivida e de observar;ao direta da realidade. Sem esse

nueleo, seria impossive1 as classes subalternas libertar-se da ideologia que a elasse dominante verte sobre elas. Esse nucleo resiste a din­gencia impositiva da classe dominante. Negar essa negatividade, em­bora incipiente, impliea afirmar uma concepr;ao segundo a qual as elasses subalternas sao puramente receptivas, passivas e condiciol1adas de fora. Afirmar 0 bam senso e afirmar urn minimo de reflexao prO. pria das massas, a partir do qual se torna possivel uma elaborar;ao mais coerente e homogenea desse nueleo.

Esta negatividade mais ou menos explfcita e ate certo ponto ambigua. Revela-se, ao mesmo tempo, afirmadora (a cultura do domi­nante se imp6e como tal) e negadora da situac;:ao: rejeiryao de urn modo de viver (exp10rado) atraves da recriar;ao de urn conjunto de representar;oes impostas pela c1asse dominante e possibilitada pelo bam sensa. A sintese carrega consigo a compreensao da ambigilidade, mas traz, ao mesmo tempo, novos problemas.

Na verdade, a sociedade capitalista, no conjunto de suas relar;oes de dasse, expressa-se ideologicamente com a concepyao de mundo liberal. Nessa concepr;ao, ha que destacar 0 seu momenta mais radical de expressao, que 6 a ideia de igualdade dos cidadaos. Quando essa id6ia filtra para baixo, os dominados podem reelabor<i-Ia e perceber frestas por onde se afirmem como gente. Afinal, segundo Gramsci, a conceP9ao de mundo se revela de a1guma forma em todas as mani­festayoes da vida inlelectual e coletiva de urn povo:

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~II._----

'I""

"Enquanto permanecer como classe explorada, a classe operaria expri­me-se culturalmente por aspirayoes ou rejeiyoes - nso ainda como realizayoes que possam ser apresentadas nas escolas" (Snyders. 1977: 321). .

No caso da educac;:ao, 0 desejo de iostru9ao serve como exemplo. o desejo de ac~esso a educar;ao serve como meio de incorporar a ideologia da mobilidade social a classe subalterna.5

Se 0 desejo de mobilidade social pela educas:ao se faz acompanhar de uma ideologia que no fundo afirma a opressao, isso nao pode representar uma perenidade e nem uma fatalidade. A condiyao de c1asse torna possivel (embora nao automaticamente) a negar;ao dessa ideologia, como negaryao a ideologia da opressao. Ao mesmo tempo, essa condiyao expressa urn anseio de participayao social. A educar;ao torna-se meio de uma negac;:ao consciente e poe em relevo suas possi­bilidades. A luta pelo direito a cultura guarda a possibilidade de por cIa se dar uma outra compreensao do que se passa em lorno, e per­mitir uma participayao social mais llicida e consciente.

A educac;ao critica possibilitaria aquele detour de que fala Kosik, pelo qual se chega a percepr;ao das estruturas determinantes de nossa seciedade. Enquanto isso nao se da, a consciencia dominada continua sendo a consciencia contradit6ria, porem ambigua. Na medida em que as estruturas determinantes nao sao visiveis, a luta se faz contra as formas de exjstencia mais visfveis. Lutar contra 0 determinado vislvel sem a ligayao com 0 determinante niio-visivel permite, no dizer de M. Chaui:

" ... querer uma exist~ncia tal como a ideologia dominante promete para todos e, assim, negar e aIirmar simultaneamente ° sistema" (Chau!, 1979: 128).

A educac;:ao pode tornar-se urn saber-instrumento que possibilite o caminho do visivel ao invisfvel, do fen6meno ao estruturaL e, com isse, superar 0 carater ambiguo dessa conlradir;ao. Depende da fun­ryao politica que ela assumir.

Essa possibilidade pode ter 0 maximo de abrangencia sob 0 modo de produryao capitalista, quando, desveladas as origens e formas de

5. Num encontro recente sobre cultura popular, relatava-se que: "urna operaria de Sao Paulo ligava seu desejo de leitura com 0 medo de que seu filho e as outras crialwas continuassem como est8vam". Cf. BOSI, Eclea, Pro­plemas ligados it cultura das classes pobres. in: A cultura do pava, p. 29. o medo de continuar como esta ~ 0 momenlO da rejeiy8o, 0 desejo de leitura expressa a participayao, talvez sem a percepyiio clara do quadro social que informa boa parte dos conteudos dos livros. Entretanto. anatematizar 0

desejo de leitura apenas porque boa parle dos conteudos dos Iivros e aUe­nante, alem de revelar elitismo, ignora que a leitura abre um campo de possibilidades conlIarias aos conteudos dominantes.

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dominas:ao, os dominados puderem se saber e compreender como tais. Este saber torna-se crftica do porque da dominas:ao e luz da pratica dos dominados. Dessa maneira, bel urn confronto entre a fun<;:ao polf­tica da educa<;:ao da classe dominante e a da classe dominada.

A classe dominante pressente que a difusao de uma educayiio consciente seria repleta de perigos para ela. Por isso desliga os temas culturais dos problemas de massa, esperando ve-los reduzidos a uma cotidianidade inofensiva.

Desse ponto de vista, tal funyao polftica se mantem implfcita, ja que dominante. Por isso se autoproclamara explicitamente neutra e apolitica, descomprometida com interesses de classe. Negara sua COn­wyao de controlada, organizada pela classe dominante pela mediayao do poder de Estado.

Inversamente, para ser eficaz, a conceps:ao dominada devera ex­plicitar sua funs:ao politica e afirmar-se comprometida COm interesses de classe:

"Ao que parece, somente a filosofia da praxis realizou urn passo a frente no pensamento, sobre a base da filosofia alema, evitando qualquer tendencia para 0 solipsismo, historicjzando 0 pensamenlo na medjda em que 0 assume como conccpyao do mundo, como 'born senso' djfuso na multidao (e esta difusao nao seria concebivel sem a racionalidade ou a hisloricidade) e difuso de tal maneira que possa COnverler-se em nonna aliva de condula. Deve-se entender criador, portanio, no sentido 'relativo'; no sentido de pensamento que modifica a maneira de semir do maior numero e, em eonsequen. cia, a pr6pria realidade, que nao pode ser pensada sem a presenya desle 'maior numero'. Criador, tambem, no senlido em que ensina como nao existe uma 'realidadc' em si mesma, em sj e por si, mas apenas em relayao hisl6rica com Os homens que a modificam, etc."(Gramsei, 1978a; 33-4).

Realizar um passo a Irente no pensamenfo implica uma atitude crItica que destrua a pseudoconcreticidade existente na problematica da dominayao de c1asse. Os fundamentos te6ricos dessa atitude se aninham numa pratica que se choca, lateote ou maniJeslameote, com aquela ideologia cujo discurso formula temas alienantes. Teorizar uma ruptura com essa ideologia e mostrar sua pseudoconcreticidade e des­travar mais urn elemento que se antepoe a transformas:ao social.

Em que pese sua tentativa de falseamento do real, a ideologia burguesa converteu-se na hist6ria do cotidiano. Tornou-se parte do senso comum. Essa ideoJogia tornou-se ums pedagogia atuante na vida de todo dia, no contexto da satisfayao das exigencias de hegemonia de uma classe sobre a outra. Uma inversao de hegemonia SUpoe urn ponto de partida em que as problemas sejam enfrentados nos quadros vividos e sentidos pelas classes subalternas.

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Essa inversao de sentido dirige-se ao contato COm 0 . I f.. 'd d'] . S sImp es,cuja problematlca, assuml a la etlcamente pelos intelectuais e .

. - d E d" , P mute pensar a cnas;ao 0 novo. sse re Ireqonar a problematica a partir dos simples e basico, porque a cria<;ao do novo 56 e possfvel quando se coloca numa postura de totalidade ante 0 mundo. As contradiy6es do pensar burgues, ao particularizar 0 univr.rsal e universal.izar 0 par­ticular, impedem a postura de totalidade (Lowy, 1975: 11-76).

A possibilidade da ideologia dominada, nao como parte da ideo­logia dominante, mas como ideologia em condis;6es de independencia, a remete para as classes subalternas, sem que isso signifique, ipso facto, que a totalidade seja ja patrimonio destas. A totalidade e uma con­quista, e urn campo aberto a ayao.

Assim, alem do momenta de ruptura, a inversao sup6e uma inter­preta<;ao te6rica das necessidades das classes subalternas que fuja ao academicismo das filosofias meramente especulativas.

A invers80 da dire<;1io politica efetua uma nova relayao de hege­monia, onde 0 mesmo clima cultural eotre intelectual e massa abre espayo para uma unidade do seotir-saber-compreender, ao contrario de uma postura pedante, materializada na separayao entre os p610s da rela<;ao:

"0 elemento popuJar 'sente', mas nem sempre ccmpreende ou sabe; o elemento inteleetual 'sabe', mas nem sempre compreende e, muito menos, 'sente'. Os dois extremos sao, portanto. por urn lado. 0 pedan­tismo e 0 fiJistinismo. e, por oUlro, a paixao cega e 0 seetarismo. Nao que 0 pedante nao possa ser apaixonado, ate pelo conlrario, 0

pedanlismo apaixonado cIao ridlculo e perigoso quanto 0 sectarismo e a mais desenfreada demagogia. 0 erro do intelecwal eonsiste em acre­dilar que se possa saber sem eompreender e, principalmentc, sem sentir e esta! apaixonado (oao 56 pelo saber em si. mas tambem peto objelo do saber), is to e, em acredilar que 0 intelectual possa ser urn inteleetual (e nao urn mero pedante) mesmo quando distinto deslaeado do povo-na~ao, ou seja, sem senlir as paix6es elementares do povo, compreendendo-as e, assim, explicando-as e justifieando-as em determinada situa~ao hist6rica, bern como relaeionando·as dialetica­mente as leis da hist6ria, a uma concep9iio e1aborada. que e 0

'saber'; nlio se faz poHtica-hist6ria sem eSla paixao, isto e, sem esta eonexiio sentimental entre intelectuais e povo-na9ao. Na ausencia desle nexo. as relayoes do inleleelual com 0 povo-na9ao sao, ou se reduzeOl, a relayOes de natureza puramente burocratica e formal. Os inteleetuais se tornam urna casta ou urn sacerd6cio (0 chamado centralismo orgll­nico)" (Gramsci, 1978a: 138-9)_

A possibilidade de que a educay80 assuma a fun<;:ao politjca de arma critica existe porque a reproduyao das re1ay6es sociais de pro­dUyao nao e mera repeti<;ao das mesmas, nem mesmo uma reprodu<;ao

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reiterativa, mas uma reproduyao ampliada, que leva c6nsigo as con­trad:.s:oes existentes na sociedade. E como as contradiyoes em certo nivel geram problemas, manifestos ou nao, fica em aherto a questao da explicayao dos mesmos. Ora, a ideologia dominante nao explica e nem resolve de modo mais abrangente os problemas, pois que isso significaria negar-se como portadora das promessas que e incapaz de realizar. Daf a necessidade da dissimulac;:ao.

A possihilidade de uma interpretas:ao e explicac;ao que contradi­gam a legitimac;:ao existente exige urn ponto de vista contradit6rio ao ponto de vista da c1asse dominantc. Ora, a formulac;:ao de um outro ponto de vista exige 0 concurso de urn outro tipo de agente pedag6­gico (intelectual) que, de urn lugar outro e contradit6rio, igualmente elabore urn discurso critieo que intencione a elevayao das conscien­ias dominadas e destrua a pseudoconcreticidade das representaryoes da

falsa consciencia:

"Cada grupo social, nascendo no terreno originario de uma fun/yao essencial no mundo de produ/y80 econ6mica. cria para si, ao mesmo tempo, de urn modo organico, urna ou mais camadas de intelectuais que Ihe dao homogeneidade e consciSncia da pr6pria fun/yao, nao apenas no campo econ6mico, mas tambem no social e POlllico". (Gramsci, 1968: 3).

Segundo Gramsci, se todos os homens podem ser considerados inteleetuais, nem todos exercem a fun<;ao de intelectual. 0 intelectual se define pelo lugar e funyao que ocupa no conjunto das rela<;oes sociais. 0 texto citado enumera essas funy6es e tarefas.

Prirneiramente, e a classe que cria organicamente (gera) seus in­telectuais. Sua func;:ao e a de suscitar a tomada de consciencia nos memhros da c1asse a que estao organicamente vinculados. Mas que seja uma tomada de consciencia que leve em conta os interesses de cIasse mediante a elaborac;:ao homogenea e aUlonoma da concepyao de mundo, pr6pria dessa classe e sua expresslio cocrente e adequada.

Essa fUny80 conscientizadora e homogeneizadora se exerce nega­tivamente pelo expurgo, nessa cOnCepy80, dos elementos que the sao estranhos. E se exerce positivamente, adequando dialeticamente a teoria a pnitica da classe que eles representam.

Ocampo dessa funylio tambem e claro: ela se processa no campo economico, realizando um papel de organiza~ao. Tambem se processa no campo social e politico. Isto e, as intelectuais trabalbam como funciomlrios da superestrutura nas organiza<;Oes culturais da sociedade civil, entre as quais podemos situar a escola.

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Assim, 0 inte1ectual e urn educador e urn organizador. 0 intelec­tual das classes subalternas, ao fazer a crftica da concepyao de mundo antagoniea a de sua classe, ao extrair e elaborar a concep<;ao de mundo implicila na pratica de sua classe e ao difundi-Ia, e 0 que trabalha hoje a concepyao de amanha, a concepc;:ao de mundo das classes

subalternas.6

o intelectual e, pois, urn elo mediador entre a classe social que representa e a consciencia de classe, em vista de sua organizayao mais lucida e coerente. 0 papel dos intelectuais Da formaylio e organizayao dessa consciencia Ihe da um contato real com a Hist6ria, 0 que pos­sibilita 0 seu avanyo na conquista de uma maturidade ideol6gica.

Esse papel de porta-voz de uma classe e mais facilmente obtido pela classe dirigente, cujas facilidades de gerar seus pr6prios intelev. tuais e evidente. A c1asse subalterna, ao menos a principio, se ve obrigada a importar seus intelectuais. Tal situayao pode levar a classe dominante a tentar a sua cooptac;:ao, visando 0 reformismo, ate que

ela gere os seus proprios intelectuais.

De qualquer forma, aos intelectuais estao reservadas importantes fUDyoes oa direy80 cultural, no modo proprio como a educac;:ao se faz presente concretamente Da complexidade de seus elementos.

6. Para maiores detalhes do pensamento gramsciano sobre os intelectuais, sua fun~iio. tarefas e hierarquias, ver Piotte (1973: 9-42).

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