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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA, PORTUGUÊS E LÍNGUAS CLÁSSICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA
SUJEITOS NULOS INDETERMINADOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:
UMA INVESTIGAÇÃO DIACRÔNICA EM GOIÁS
HUMBERTO BORGES
BRASÍLIA
2014
HUMBERTO BORGES
SUJEITOS NULOS INDETERMINADOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:
UMA INVESTIGAÇÃO DIACRÔNICA EM GOIÁS
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Linguística da Universidade
de Brasília como requisito parcial para obtenção do
título de mestre em Linguística.
Área de concentração: Teoria e Análise Linguística.
Orientadora: Profa. Dra. Rozana Reigota Naves.
BRASÍLIA
2014
HUMBERTO BORGES
SUJEITOS NULOS INDETERMINADOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:
UMA INVESTIGAÇÃO DIACRÔNICA EM GOIÁS
Dissertação de mestrado aprovada como requisito parcial para obtenção do título de mestre
em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Brasília
(PPGL/UnB).
Dissertação aprovada em: 28/02/2014.
Banca examinadora:
Profa. Dra. Rozana Reigota Naves
Universidade de Brasília – presidente
Profa. Dra. Márcia Santos Duarte de Oliveira
Universidade de São Paulo – membro externo
Profa. Dra. Eloísa Nascimento Silva Pilati
Universidade de Brasília – membro interno
Profa. Dra. Heloísa Maria Moreira Lima de Almeida Salles
Universidade de Brasília – membro suplente
DEDICATÓRIA
Para o trino Deus, possuidor de todos os tesouros da sabedoria, que mesmo tendo que segurar
as rédeas do mundo e de todo o universo ainda encontra tempo para oferecer seu amor, sua
bondade e sua misericórdia a mais uma de suas ovelhas. Para Adriana e Idalina, mãe e vó,
pela oração e pela prosa, pelo pão com afeto e pelo café sempre quentinho, pelas palavras de
amor e pela sintaxe goiana – mesmo que sem o -R retrrroflexo. Para Isadora e Isabela, irmãs,
por todo o esforço para que eu aprendesse as primeiras letras. Para todas as professoras e
professores que fortaleceram minha crença no poder transformador da educação.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à professora Rozana Reigota Naves, pelas inestimáveis competência, compreensão
e paciência na condução de seu trabalho como orientadora. A todas as mulheres que, com
amizade, acompanharam e alegraram minha trajetória durante a realização do mestrado,
tornando-a mais humana e fértil. Aos amigos e colegas do Programa de Pós-Graduação em
Linguística da UnB (Cristiany, Edite, Giovana, Juliana, Letícia, Marco Túlio, Maria Lílian,
Moacir, Paula, Ramon, Ribamar e Zenaide), pelas parcerias e atitudes em prol de uma
comunidade científica mais fraterna. Às pacientes Ângela e Renata, pela eficiência e carisma
na execução de seus trabalhos na Secretaria do PPGL. Às professoras Eloísa Pilati, Helena
Guerra Vicente e Heloísa Salles, por todo o conhecimento transmitido nas disciplinas de pós-
graduação (estendo meus agradecimentos à professora Eloísa Pilati por todos os puxões de
orelha na banca de defesa desta dissertação). Ao professor Dioney Moreira Gomes, pela
paixão em ensinar e em coordenar o PPGL. À professora Márcia de Oliveira, pela disposição
em ser membra da banca de defesa desta dissertação de mestrado e por todas as valiosas
contribuições, sem as quais este trabalho estaria (ainda mais) incompleto. Ao Instituto de
Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, ao Arquivo Histórico Estadual de Goiás e
ao Arquivo Frei Simão Dorvi, pelo acolhimento e pelo trabalho desenvolvido. Às excelentes
profissionais do texto da Seção de Revisão das Edições Câmara (Edilce, Luzimar, Karem,
Mariana, Maristela, Raquel e Silvia), pela acolhida calorosa e por todos os ensinamentos. Aos
alunos do 5º e do 6º período (2013) da Educação de Jovens e Adultos do Centro de Ensino
Fundamental do Lago Norte, por me mostrarem que aulas de gramática podem,
reciprocamente, fazer alguma diferença na educação e na valorização do ser humano. Ao
meu pai, José Horácio, pelo apoio nos momentos difíceis. Ao padrasto Raimar, pelo acolhida
em sua casa durante minha realização de trabalho de campo em Goiânia. Às minhas amadas
(mãe, vó e irmãs), pelo apoio de sempre.
Então, é assim que se cria uma história única: mostre um povo como uma coisa, como
somente uma coisa, repetidamente, e será o que ele se tornará.
Chimamanda Adichie, escritora nigeriana.
A menina apareceu grávida de um gavião.
Veio falou para a mãe: O gavião me desmoçou.
A mãe disse: Você vai parir uma árvore para
a gente comer goiaba nela.
E comeram goiaba.
Naquele tempo de dantes não havia limites
para ser.
Se a gente encostava em ser ave ganhava o
poder de alçar.
Se a gente falasse a partir de um córrego
a gente pegava murmúrios.
Não havia comportamento de estar.
Urubus conversavam auroras.
Pessoas viravam árvore.
Pedras viravam rouxinóis.
Depois veio a ordem das coisas e as pedras
têm que rolar seu destino de pedra para o resto
dos tempos.
Só as palavras não foram castigadas com
a ordem natural das coisas.
As palavras continuam com seus deslimites.
Manoel de Barros, poeta mato-grossense.
Há algo na alma do sertanejo que o leva a conversar por estrofes e poesia, talvez uma
artimanha da vida para compensar as várias dificuldades da rotina,
o rosto marcado pelo sol, os calos das mãos.
Rodrigo Brancatelli, jornalista, em alusão a sertanejos goianos.
RESUMO
Nesta dissertação, investigamos um aspecto considerado inovador da gramática do português
brasileiro em relação à gramática do português europeu: a sintaxe do sujeito, especificamente
a sintaxe de construções com sujeito nulo indeterminado e verbo na terceira pessoa do
singular. Essas construções têm sido associadas na literatura gerativista à reestruturação dos
paradigmas verbal e pronominal do português brasileiro (cf. GALVES, 1987, 2001;
DUARTE, 1993, 1995; entre outros) e à mudança do português brasileiro de uma língua de
sujeito nulo consistente, como o português europeu, para uma língua de sujeito nulo parcial
(cf. ROBERTS E HOLMBERG, 2010; HOLMBERG E SHEEHAN, 2010; entre outros). A
motivação de nossa investigação é a hipótese de que aspectos inovadores na expressão do
sujeito no português brasileiro teriam sido gerados a partir da aquisição do português europeu
por ameríndios e africanos e, especialmente, por seus descendentes na América portuguesa.
Destarte, a partir da exposição de aspectos sócio-históricos da formação do português
brasileiro na América portuguesa e em Goiás, buscamos em manuscritos goianos datados dos
séculos XVIII e XIX dados que pudessem atestar nossa hipótese. Constituímos um corpus
com dois manuscritos do gênero diário escritos, respectivamente, por um homem de origem
portuguesa, no século XVIII, e por uma mulher brasileira de possível origem mestiça, no
século XIX. A análise dos dados mostrou que construções com sujeito nulo indeterminado e
verbo na terceira pessoa do singular eram licenciadas no manuscrito do século XIX. A partir
desses indícios, supomos que a aquisição da língua portuguesa por ameríndios e africanos e,
posteriormente, por seus descendentes foram responsáveis pela emergência da gramática do
português brasileiro em Goiás.
Palavras-chave: Sócio-história do português brasileiro. Goiás. Manuscritos goianos.
Parâmetro do sujeito nulo. Sujeito nulo indeterminado.
ABSTRACT
In this dissertation, we have investigated an aspect considered innovative in Brazilian
Portuguese grammar in relation to European Portuguese grammar: The syntax of the subject,
more specifically, the syntax of indeterminate null subject constructions with verb on third
person singular. These constructions have been associated in the generative literature to the
reconstruction of verbal and pronominal paradigms of Brazilian Portuguese (GALVES, 1987,
2001; DUARTE, 1993, 1995; and others), and to the change of this language from a
consistent null subject language, like European Portuguese, to a partial null subject language
(ROBERTS E HOLMBERG, 2010; HOLMBERG E SHEEHAN, 2010; and others). The
motivation for our investigation is the hypothesis of which innovative aspects in the
expression of subject in Brazilian Portuguese had been generated from the acquisition of
European Portuguese by Amerindians and Africans, and especially, by their descendants in
Portuguese America. Taking as a start point the exposition of social-historic aspects in the
formation of Brazilian Portuguese in Portuguese America and in Goiás, we have searched in
manuscripts from the state of Goiás dated back to the XVIII and XIX centuries which could
support our hypothesis. We have constituted a corpus from two manuscripts of the genre of
diaries written, respectively, by a male of Portuguese origin, from the XVIII century, and by a
Brazilian woman of possible Mestizo descent, from the XIX century. The analysis of the data
showed that indeterminate null subject constructions with verb on third person singular were
licensed in the manuscript of XIX century. This way, we have supposed that the acquisition of
Portuguese language by Amerindians and Africans, and especially, by their descendants was
responsible for the emergence of grammar of Brazilian Portuguese.
Keywords: Social history of Brazilian Portuguese. Goiás. Manuscripts from Goiás. Null
subject parameter. Indeterminate null subjects.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
CAPÍTULO 1 Aspectos sócio-históricos da constituição do português brasileiro ........... 13
1.1 Síntese da interação entre povos e do contato de línguas na América
portuguesa............................................................................................................................15
1.1.1 Tráfico de viventes e transplante de línguas para a América portuguesa .............. 18
1.1.2 Línguas gerais na América portuguesa .................................................................. 21
1.2 Fatores sócio-históricos condicionantes para a formação do português brasileiro
nos séculos XVIII e XIX .................................................................................................... 22
1.3 Aspectos sócio-históricos da instauração do português brasileiro em Goiás nos
séculos XVIII e XIX ........................................................................................................... 29
1.4 Síntese do capítulo ........................................................................................................ 36
CAPÍTULO 2 Pressupostos teóricos: conceituando língua e gramática ........................... 37
2.1 Gramática Gerativa e a gênese da linguagem ............................................................ 37
2.1.1 A Gramática Universal e o modelo de Princípios e Parâmetros ............................ 39
2.1.2 O Programa Minimalista e as operações do sistema computacional ..................... 44
2.1.3 Desenvolvendo uma hipótese para explicar a mudança sintática no português
brasileiro em Goiás ........................................................................................................... 46
2.2 Linguística Histórica, Gramática Gerativa e a constituição de um corpus
linguístico ............................................................................................................................ 49
2.3 Síntese do capítulo ........................................................................................................ 53
CAPÍTULO 3 Mudança na expressão do sujeito no português brasileiro: um estudo em
manuscritos goianos .............................................................................................................. 55
3.1 Parâmetro do sujeito nulo e mudança sintática no português brasileiro ................ 56
3.2 A emergência da gramática do português brasileiro em manuscritos goianos ....... 61
3.3 Sujeito nulo indeterminado no português brasileiro: alguns aspectos sintáticos e
semânticos ............................................................................................................................ 68
3.4 Síntese do capítulo ........................................................................................................ 71
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 72
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 75
APÊNDICE ............................................................................................................................ 81
ANEXOS ................................................................................................................................. 93
9
INTRODUÇÃO
Esta dissertação discorrerá sobre um fenômeno considerado inovador na sintaxe do
português brasileiro (PB): construções com uma categoria vazia de referência indeterminada
na posição de sujeito e verbo flexionado na terceira pessoa do singular. Para isso, utilizar-se-á
do método diacrônico, considerando-o necessário para explicar a construção exemplificada
em (1), com dados de Lunguinho e Medeiros (2009, p. 10).
(1) a. Joga-se búzios e faz amarração para o amor.
b. Matou um rapaz no show do Zezé di Camargo e Luciano ontem.
c. Montou o armário lá em casa semana passada.
Lunguinho e Medeiros (2009) explicam que o parâmetro do sujeito nulo é responsável
por licenciar construções com sujeito nulo indeterminado na terceira pessoa do singular no
PB, tendo em vista que esse parâmetro foi proposto para explicar uma categoria vazia na
posição de sujeito. Posteriormente, os autores apresentam alguns aspectos gramaticais para
tentar explicar diacronicamente o licenciamento de construções essas, quais sejam: a perda do
clítico se e a reestruturação do paradigma dos verbos finitos de seis para três formas
flexionais. Os autores seguem a linha de estudos gerativistas que alegam que o PB perdeu a
possibilidade de licenciar sujeitos nulos referenciais, especialmente os que se referem a
terceira pessoa do discurso. Nos exemplos a seguir, apresentamos paráfrases para as
construções em (1) que evidenciam o porquê dessa argumentação.
(2) a. Jogam-se búzios e faz-se amarração para o amor.
b. Matou-se um rapaz no show do Zezé di Camargo e Luciano ontem.
c. Montou-se o armário lá em casa semana passada.
(3) a. Jogam búzios e fazem amarração para o amor.
b. Mataram um rapaz no show do Zezé di Camargo e Luciano ontem.
c. Montaram o armário lá em casa semana passada.
10
As paráfrases permitem-nos afirmar que diacronicamente estão em jogo dois tipos de
construções sintáticas no licenciamento de construções do tipo de (1) no PB: construções com
se, como o exemplo em (2); e construções com sujeito nulo indeterminado canônico, isto é,
construções com verbo na terceira pessoa do plural e um argumento nulo não referencial na
posição de sujeito, como em (3). Estudos diacrônicos de base gerativista têm apontado para
algo semelhante a essa observação. Nunes (1990) verificou que as construções com sujeito
nulo indeterminado e verbo na terceira pessoa do singular, observadas inicialmente por
Galves (1987), poderiam receber duas paráfrases no PB: uma com o verbo no plural e a outra
com o clítico se.
(4) a. Nos nossos dias, não usa mais saia. (GALVES, 1987, p. 37)
b. Nos nossos dias, não se usa mais saia. (NUNES, 1990, p. 99)
c. Nos nossos dias, não usam mais saia. (NUNES, 1990, p. 99)
Por ser o PB uma língua de sujeito nulo, o sujeito da construção (4a) poderia ser interpretado
como um sujeito nulo de referência definida de terceira pessoa, mas, o PB, no entanto, não
tem mais apresentado sujeito nulo de segunda e terceira pessoa, optando por seu
preenchimento lexical, enquanto passa a licenciar sujeito nulo de referência indeterminada na
terceira pessoa do singular, única interpretação possível para (4a) no PB (cf. GALVES, 1987,
2001; DUARTE, 1993, 1995, entre outros). Nunes (1990) observa que construções como (4a)
ocorrem, em contextos restritos, desde o século XIX. Essa mudança na expressão do sujeito
no PB, em comparação com o português europeu (PE), despertou a atenção de teóricos
gerativistas, que passaram a afirmar que o PB é uma língua de sujeito nulo parcial, enquanto o
PE é uma língua de sujeito nulo consistente (cf. ROBERTS E HOLMBERG, 2010;
HOLMBERG E SHEEHAN, 2010; entre outros).
Pressupomos que a emergência da gramática do PB e, consequentemente, a mudança
na valoração do parâmetro do sujeito nulo no PB tem raízes sócio-históricas. A partir da
análise de dados de manuscritos do século XIX, Tarallo (1993) mostra que aspectos
inovadores da gramática do PB, como a reorganização do sistema pronominal, que acarretaria
na mudança seletiva do sujeito nulo e no aparecimento do objeto nulo referencial, entre outros
fenômenos, já teriam se manifestado na língua no século XIX. O linguista não discute em sua
análise a emergência da gramática do PB em relação à mudança paramétrica na expressão do
sujeito, mas atribui à história interna da língua a mudança em sua gramática, sem, contudo,
11
apresentar quais seriam aspectos sociais teriam provocado a mudança: “novos traços
gramaticais entraram na língua no final dos anos 1800 porque circunstâncias especiais
aconteciam naquele momento da história externa” (TARALLO, 1993, p. 99).
Segundo Mattos e Silva (2004), o território colonial brasileiro foi marcado por um
multilinguismo generalizado durante todo o período colonial e permanece multilíngue em
determinadas regiões do país. Essa situação, contudo, não impossibilitou que a língua
portuguesa fosse instaurada como única língua oficial em 1757. Junto à oficialização da
língua portuguesa, iniciou-se um processo político imperioso para que a língua europeia fosse
difundida por toda a América portuguesa. Apesar dos esforços políticos, especialmente os
empreendidos pelo Marquês de Pombal, Mattos e Silva (2004, p. 99-106) assevera que foram
os africanos e seus descendentes os responsáveis, a partir especialmente do século XVIII, pela
difusão da língua portuguesa pelo território e, consequentemente, pela emergência da
gramática inovadora do PB. Vê-se que Mattos e Silva (2004) relega um papel secundário aos
ameríndios na constituição do PB. Em nossa pesquisa, fazemos diferente: consideramos de
igual maneira a participação indígena e africana na constituição do PB.
Para atestar nossa hipótese de que mudanças na expressão do sujeito no PB já haviam
emergido no século XIX, esta dissertação pretende averiguar a ocorrência de sujeito nulo
indeterminado com verbo na terceira pessoa do singular em manuscritos goianos. Para
cumprir com seu objetivo, esta dissertação utiliza-se do arcabouço teórico da Linguística
Histórica e da Teoria Gerativa e se estrutura da seguinte maneira: no Capítulo 1, são
apresentados os aspectos sócio-históricos mais relevantes do período colonial brasileiro para o
estudo da história interna do PB, como a demografia linguística e étnicorracial que marcou a
América portuguesa. A história linguística de Goiás também é brevemente apresentada, de
modo a possibilitar uma análise comparada da formação sócio-histórica do PB nessa região
com o corpus linguístico composto a partir de manuscritos goianos.
No Capítulo 2, com base nos pressupostos teóricos da Teoria Gerativa, descrevemos
os conceitos de língua e gramática que norteiam a hipótese e a análise da dissertação.
Apresentamos as motivações empíricas da pesquisa linguística no âmbito da Teoria Gerativa:
a hipótese inatista do conhecimento gramatical humano e a rápida e completa aquisição das
línguas naturais pela espécie humana. Discutimos os modelos de análise desenvolvidos no
âmbito da Teoria Gerativa de maior relevância para nossa análise linguística, a saber: o
modelo teórico dos Princípios e Parâmetros e o modelo computacional do Programa
Minimalista. Argumentamos que o PB em Goiás é resultado de processos distintos de
12
aquisição da língua portuguesa por ameríndios e africanos e por seus filhos, notadamente
mestiços. Apresentamos e justificamos a escolha dos manuscritos utilizados para a
composição do corpus.
No Capítulo 3, aprofundamos nossa discussão a respeito da diferença entre a
gramática do PB e a gramática do PE. Tratamos mais detalhadamente do estatuto gramatical
das construções com se no PE e no PB e das construções com sujeito nulo indeterminado.
Analisamos os dados do corpus, comparando os dados referentes ao século XVIII com os
dados referentes ao século XIX, de modo a evidenciar a mudança gramatical na sintaxe do
sujeito no PB em Goiás já no século XIX. Por fim, tecemos as considerações finais da
dissertação, apontando para a plausibilidade de nossa hipótese: a de que o complexo processo
de mestiçagem brasileiro, resultado da interação entre povos ameríndios, africanos e
portugueses na América portuguesa, é o responsável histórico pela emergência da gramática
do português brasileiro em Goiás, tendo em vista que, com a mestiçagem, a população que
nascia adquiria o português aprendido como segunda língua por seus pais (ameríndios e
africanos) como língua materna.
13
CAPÍTULO 1
Aspectos Sócio-Históricos da Constituição do Português Brasileiro
Tradicionalmente, a Linguística Histórica possui dois eixos de pesquisa: o primeiro é
estritamente linguístico e estuda a mudança interna às línguas naturais; o segundo, vinculado
ao primeiro, envolve fatos sócio-históricos do período que abarca a mudança linguística em
evidência. Do primeiro eixo, tem-se como resultado a chamada história interna da língua; do
segundo, a história externa (PAIXÃO DE SOUSA, 2006; MATTOS E SILVA, 2008).
Estudos em torno do conceito de famílias de línguas e da periodização de uma determinada
língua, por exemplo, representam o primeiro eixo de pesquisa, enquanto estudos em torno da
gramática de línguas geradas pelo contato linguístico, por exemplo, representam o segundo,
afinal, a classificação de uma língua como crioula não se dá por meio da evidência de seus
dados, mas, sim, pelo conhecimento da história social de sua comunidade (DEGRAFF, 1999).
Apesar das diferenças de abordagem, em ambos os eixos, o pesquisador em
Linguística Histórica tem que lidar com “a documentação remanescente do passado”
(MATTOS E SILVA, 2008, p. 14) e, apoiado nela, articular os conceitos de língua e tempo de
maneira que um dos pontos específicos dessa articulação esbarra na “contingência fundante
do fazer histórico” (PAIXÃO DE SOUZA, 2006, p. 13), isto é, no distanciamento temporal
entre a análise e o objeto analisado. Inserir, ou não, o percurso da mudança interna à língua à
história social da comunidade, ou vice-versa, é, portanto, uma escolha metodológica do
pesquisador frente a seu objeto de pesquisa, pois, em sua natureza ontológica, a língua não
escolhe estar ou não no tempo (PAIXÃO DE SOUSA, 2006).
Na tentativa de articular os conceitos de língua e tempo diante da contingência
fundante do fazer histórico, resta ao linguista que lida com a hipótese do contato linguístico
na constituição da gramática de uma língua o artifício de relatar fatos históricos que possam
auxiliar e corroborar sua análise. No quadro dos estudos sobre a história do português
brasileiro (PB), alguns pesquisadores recorreram a esse artifício, consagrando quatro fatores
sócio-históricos do período colonial brasileiro como determinantes e condicionantes para a
emergência da gramática do PB, quais sejam: a demografia e a mobilidade populacional
(PESSOA DE CASTRO, 2001; MATTOS E SILVA, 2004); a escolarização durante os
14
séculos XVI e XVIII e as reconfigurações socioculturais, políticas e linguísticas decorrentes
do século XVIII (MATTOS E SILVA, 2004).
Com base na congruência desses fatores, Pessoa de Castro (2001) e Mattos e Silva
(2004) defendem a hipótese de que, no Brasil colonial e imperial, os africanos e os afro-
brasileiros teriam difundido a língua portuguesa pelo território brasileiro, tendo em vista
serem eles os povos que apresentavam maior contingente demográfico e maior mobilidade
populacional. Mattos e Silva (2004) ainda ressalta a inexistência de um sistema educacional
eficaz naquele período para promover o ensino formal e normatizado da língua portuguesa ao
longo do território, situação que só viria a sofrer algum revés com a política pombalina nos
meados do século XVIII.
Para além dos fatores sócio-históricos de formação do PB como unidade social e
política, é-nos imperioso ressaltar que o PB não é um bloco homogêneo cuja constituição se
delineia a partir de um único conceito, de um único lugar. Tornou-se lugar comum, nos
estudos sobre a constituição do PB, suplantar histórias regionais de contato e formação
linguística por uma concepção de história linguística que descreve a evolução da língua falada
no Brasil desde o período colonial a partir, sobretudo, de São Paulo, Rio de Janeiro e
Salvador. Embora histórias linguísticas regionais não se sobreponham aos elementos
históricos e gramaticais comuns à constituição do PB, faz-se imprescindível contá-las, pois
delas podem emergir novas agendas de pesquisas, ou, inclusive, respostas para velhas
questões.
Diante do exposto, informamos que é objetivo deste capítulo relacionar estudos
consagrados sobre a sócio-história do PB com as idiossincrasias de sua instauração no estado
de Goiás entre os séculos XVIII e XIX, a fim de consubstanciar nossa análise de dados
gramaticais em manuscritos goianos com a história da região em que os dados foram
produzidos. Para alcançar esse objetivo, escrevemos este capítulo em seções que tratam,
respectivamente, do contato e da interação de línguas, povos e culturas na América
portuguesa, que teceriam o Brasil como país e nação, dos fatores sócio-históricos
determinantes para o estabelecimento do português como língua oficial brasileira e de
aspectos sócio-históricos da constituição do PB na capitania de Goiás.
15
1.1 Síntese da interação entre povos e do contato de línguas na América portuguesa
Ao aportar no continente americano, os portugueses trouxeram consigo uma língua já
caracterizada pelo contato linguístico. Durante a expansão marítima portuguesa iniciada no
século XV, os falantes de língua portuguesa estiveram em frequente contato com povos de
diferentes línguas do próprio continente europeu e de outros continentes. Esses contatos
foram, de certo modo, o marco inicial dos contextos sócio-históricos que constituiriam as
variedades de língua portuguesa na América (Brasil), na África (Angola, Cabo Verde, Guiné-
Bissau, Moçambique, e São Tomé e Príncipe) e na Ásia (Timor-Leste e Macau).
Mattos e Silva (2004, p. 38-42) mostra que os primeiros portugueses que ancoraram
em terras americanas possivelmente não possuíam a variante culta do português clássico, mas,
sem dúvida, já estavam acostumados a situações de contato e interação linguística, como a
situação propiciada pelo contato, amistoso ou não, com os índios americanos. Segundo Fausto
(2011, p. 16-21), tratava-se, sobretudo, de homens que eram enviados à América para
salvaguardar parte da região costeira de piratas e obter pau-brasil, do qual se extraía a resina,
utilizava-se a madeira para a fabricação de móveis e navios e que, posteriormente, daria nome
à terra achada e colonizada. A aquisição da madeira, após seu esgotamento no litoral, ocorreu,
sobretudo, pelo escambo com os índios já habilidosos com a derrubada de árvores no interior
da mata.
Calcula-se que havia de dois a cinco milhões de indígenas vivendo no território que
compreende o Brasil de hoje quando os colonizadores portugueses chegaram à América – a
maioria deles estaria na Amazônia (cf. KENNEDY E PERZ, 2000). Segundo Rodrigues
(2005), as línguas autóctones faladas na América portuguesa eram cerca de 1200, isto é,
aproximadamente 85% a mais de línguas ante as atuais cerca de 180. Dentre as línguas desse
período, as que tiveram maior contato com o português foram o tupi e o tupinambá, e, no
geral, as línguas mais documentadas pertenciam principalmente a dois grandes troncos
linguísticos, o tupi e o macro-jê.
De acordo com a historiografia brasileira, Fausto (2011, p. 14-16) divide os nativos da
América portuguesa em dois grandes grupos: os tupis-guaranis e os tapuios. Os tupis-guaranis
dividiam-se em tupis e guaranis, os quais, na verdade, se subdividiam em diversos povos de
línguas aparentadas e pertencentes ao tronco linguístico tupi. Segundo Fausto (2011, p. 14-
16), os tupis, também chamados tupinambás, viviam por quase toda a costa brasileira e
estavam presentes também em grande parte do litoral (desde a faixa litorânea do norte até
16
Cananéia, no sul de São Paulo), enquanto os guaranis se localizavam mais ao sul do país (na
bacia Paraná-Paraguai e no trecho litorâneo entre Cananéia e o atual extremo sul do país). Os
chamados índios tapuios (etnônimo genérico utilizado pelos índios tupis-guaranis para
designar os índios que falavam línguas distintas), por sua vez, viviam nas seguintes regiões:
na foz do rio Paraíba, onde viviam os índios goitacazes; no sul da Bahia e no norte do Espírito
Santo, onde habitavam os bravos índios aimorés; e na faixa entre o Ceará e o Maranhão, onde
viviam os índios tremembés.1
Após três décadas sem uma efetiva política de povoamento em sua colônia na América
(1500-1534), a Coroa portuguesa iniciou uma política de povoamento e de controle
administrativo da Colônia com o chamado sistema de capitanias hereditárias. As capitanias
hereditárias consistiam em grandes porções de terra doadas a donatários portugueses, aos
quais se delegavam a colonização do território e a exploração de suas riquezas. Martim
Afonso de Sousa, responsável pela primeira expedição portuguesa, de 1530 a 1533, às terras
brasileiras, foi um donatário, proprietário da ilustre capitania de São Vicente. Com esse
sistema, criaram-se 13 capitanias, dando origem aos grandes latifúndios de terra, aumentou-se
o número de portugueses em terras americanas e iniciou-se a primeira atividade econômica
relevante para a Metrópole na Colônia: a produção de cana-de-açúcar.2
Apesar do interesse da Metrópole e do colonato, os esforços dos colonos não foram
suficientes para desbaratar as guerras com os nativos nem superar os problemas relativos à
ocupação e à administração da vasta Terra de Santa Cruz. Assim, apenas duas capitanias
obtiveram relativo sucesso econômico com a produção de cana-de-açúcar e em suas relações
com os povos autóctones, as de Pernambuco e de São Vicente. Em 1567, a região mais ao
norte da capitania de São Vicente, abandonada por Martim Afonso de Sousa, foi doada a
Estácio de Sá pela Coroa portuguesa, que a batizou capitania do Rio de Janeiro.
A produção de cana-de-açúcar, além de fixar alguns colonos em terras brasileiras,
trouxe para o cenário histórico um elemento de altíssimo valor econômico e detentor de
línguas e culturas diversas: negros africanos. O tráfico de africanos para a escravização
sustentou a produção de cana-de-açúcar, enriqueceu senhores de escravos e a Metrópole e
criou uma dinâmica espacial, social e econômica que, segundo Alencastro (2000), forjou a
formação do Brasil.
1 Evidentemente, diversos povos indígenas não contatados no período colonial não foram inclusos entre os
tapuios pela historiografia brasileira. 2 Anexo 1: Mapa das capitanias hereditárias na América portuguesa de Luís Teixeira (1574).
17
Ainda segundo Alencastro (2000), o tráfico de escravos africanos para a América
portuguesa foi majoritariamente negociado na África, de maneira especial em Angola, pelos
próprios colonos portugueses que viviam na América. O autor argumenta que os interesses
dos colonos, as correntes marítimas e os ventos favoráveis à navegação entre as costas sul-
americanas e africanas do Atlântico Sul, a instalação de companhias brasileiras privadas para
traficar, e fortes evidências e dados estatísticos descartam a hipótese de uma continuidade
mercantil e marítima do afamado comércio triangular (América-Europa-África), o qual
abarcaria uma teia de interesses e negociações comerciais em torno do tráfico negreiro sob o
comando de países europeus, mas que também incluiria produtos asiáticos em sua rota.3
No século XVIII, quando as estatísticas passam a ser mais acuradas se
verifica que apenas 15% dos navios entrados no porto de Luanda vinha da
Metrópole. Todo o resto da navegação para Angola – muitas vezes
carregando mercadorias brasileiras (mandioca, cachaça etc.) e não europeias
(tecidos asiáticos) – saía do Rio de Janeiro, da Bahia e do Recife. De
Salvador zarpavam também os barcos, com o tabaco baiano, que dominava
no trato da Costa da Mina. Escusado dizer que uma porcentagem maior
ainda desses barcos voltava direto para o literal brasileiro: à diferença das
outras mercadorias africanas (marfim, metais preciosos etc.), os escravos,
mercadorias vivas, não podiam ser arriscados num transbordo em Lisboa e
tinha de chegar logo ao seu porto brasileiro. (ALENCASTRO, 2000, p. 28-
29).
Para Alencastro (2000), as intensas relações bilaterais ultramarinas entre Brasil e
Angola, do século XVI a meados do século XIX, resultariam não só no sequestro de milhões
de africanos para a América portuguesa, mas também na economia, na demografia, na
sociedade e na política que constituíram o Brasil como país e nação. Alencastro (2000)
defende, por exemplo, que o desenvolvimento de qualquer atividade econômica pela Coroa
portuguesa no Brasil tinha que ser integrado ao trato de escravos. Dessa forma, exemplifica
que, para inserir a Amazônia no capitalismo comercial português, foi, antes de tudo,
necessário atá-la ao comércio do tráfico, inserindo ali cativos africanos.
Com o escravismo dominando toda a engenharia do empreendimento colonial
português na América, o intercurso sexual, forçoso ou não, de colonos portugueses com
cativas foi inevitável, tornando a miscigenação entre brancos e negros dominante. A
miscigenação engendrou a mestiçagem, “processo social complexo dando lugar a uma
sociedade plurirracial” (ALENCASTRO, 2000, p. 353). Segundo Alencastro (2000), o
processo de mestiçagem brasileiro, que se estratificou, não se resolve com uma explicação
3 Anexo 2: Rotas de navegação no Atlântico Sul (ALENCASTRO, 2000, p. 63).
18
histórica fundamentada numa ideologia de nação forjada na democracia entre as raças e na
sensualização da miscigenação, ocultando a violência intrínseca à gênese do processo. A
mestiçagem é, antes de tudo, resultado da opressão sistêmica do escravismo colonial, “parte
consubstancial da sociedade brasileira” (ALENCASTRO, 2000, p. 353).
No final do século XVII, o Brasil formado a partir de Angola estava
prontinho. O mercado atlântico impusera o primado do tráfico negreiro,
interpretado pela Igreja como uma obra de caridade cristã e de
evangelização. O escravismo dominava tudo, a barreira indígena no interior
fora destroçada, o território se repovoava dentro do esquadro colonial, o
gado se expandia, os mestiços e mulatos furavam o seu lugar. Nas décadas
seguintes, a economia do ouro instaura uma divisão inter-regional do
trabalho na América portuguesa, engendra um só mercado e faz isso tudo
virar uma coisa só. (ALENCASTRO, 2000, p. 353).
A hipótese de Alencastro (2000), por certo, é concisa e bem apresentada. Arruda
(2009), no entanto, pondera que é necessário reconhecer que, sem a iniciativa europeia, as
conjunturas históricas que entrelaçaram Brasil e Angola não teriam se constituído: “[a] ação
metropolitana, nesse momento, foi de tal sorte decisiva que toda arquitetura do sistema, que
então se delineia, nela descansa” (op. cit., p. 513). Desse modo, ainda que se tenha
desenvolvido um notório intercâmbio comercial entre as costas brasileira e angolana no
Atlântico Sul, o sistema colonial ultramarino se fez numa inegável relação tripartite entre
Portugal, Brasil e Angola.
1.1.1 Tráfico de viventes e transplante de línguas para a América portuguesa
Entre os séculos XVI e XIX, o tráfico negreiro desembarcou na América portuguesa
cerca de quatro milhões de seres humanos provenientes da África Ocidental, Central e
Oriental, dos quais a força de trabalho e a vida tornaram-se propriedades de colonos
portugueses (FLORENTINO, 1997, p. 23).
Mattoso (1982, p. 16-24) distingue o tráfico de africanos para o Brasil, de acordo com
suas principais regiões de procedência, em quatro ciclos: no século XVI, houve o ciclo da
Guiné, que trouxe para o Brasil povos sudaneses, a fim de trabalharem na produção de cana-
de-açúcar; no século XVII, houve o ciclo do Congo e de Angola, que trouxe para o Brasil
povos bantos considerados excelentes agricultores para trabalharem na produção de cana-de-
açúcar; no século XVIII, houve o ciclo da Costa da Mina, que retomou o tráfico de sudaneses,
a fim de que fossem trabalhar nas minas de ouro – nesse ciclo, outros povos africanos teriam
19
sido selecionados para a escravização na agricultura e em serviços domésticos; no século
XIX, houve o ciclo de Angola e Moçambique, que retomou o tráfico de povos bantos, a fim
de que fossem trabalhar nas plantações de café.
Alguns historiadores divergem de Mattoso (1982) quanto a ter sido a Costa da Mina a
maior região provedora de povos africanos para a empresa do tráfico entre as costas do
Atlântico Sul no século XVIII. Florentino (1997, p. 23-69) e Fausto (2010, p. 24), por
exemplo, afirmam que, nesse período, teria sido dominante o sequestro de povos nativos de
Angola. Florentino (1997, p. 23-69) apresenta um conjunto de dados e registros históricos que
mostram que, mormente a partir da década de 30 do século XVIII, a maioria dos navios
negreiros ancorados nos portos do Rio de Janeiro trazia consigo cativos de Angola, de
maneira a suplantar os números do tráfico de viventes da Costa da Mina e a prover a região de
Minas Gerais com a maioria de seus cativos. Por intermédio de uma análise criteriosa,
Florentino (1997, p. 23-69) supõe que, no mínimo, metade dos africanos traficados para o
Brasil no século XVIII aportou nos portos fluminenses, o que equivale a, no mínimo, 850 mil
negros. Faz-se necessário, contudo, observar que, de algum modo, a presença de cativos da
Costa da Mina foi significativa na América portuguesa durante o século XVIII, pois a única
língua veicular de base africana documentada nesse período no Brasil, porventura em Minas
Gerais, era falada por povos da Costa da Mina, cujo desembarque na América se deu
especialmente nos portos da Bahia (cf. PESSOA DE CASTRO, 2002).
Com o sequestro de povos africanos para o trabalho escravo na América portuguesa,
diversas línguas africanas passaram a interagir com o português numa nova dinâmica espacial.
Segundo Bonvini (2008, p. 30-31), as línguas concernentes aos africanos escravizados no
Brasil provinham das regiões denominadas oeste-africana e austral. Da área oeste-africana, ou
sudanesa, as línguas apresentavam grande diversidade tipológica e um número maior de
famílias linguísticas, quais sejam: atlântica (fula, uolofe, manjaco, balanta); mandê (mandiga,
bambara, maninca, diúla); gur (subfamília gurúnsi); cuá (subgrupo gbe: eve, fon, gen e aja, na
maioria das vezes designadas pelo termo jeje); ijóide (ijó); benuê-congolesa, que se subdividia
em defóide (falares iorubás designados pelo termo nagô-queto), edóide (edo); nupóide (nupe);
ibóide (ibo); cross-Riber (efique, ibíbio); afro-asiático (hauçá); nilo-saariano (canúri). Da área
austral, na qual havia um número reduzido de línguas, as línguas eram essencialmente de base
banto e faladas pela maioria dos cativos. São tradicionalmente divididas em grupos
linguísticos, a saber: congo (ou quicongo: quissilongo, quissicongo, quizombo, quissundi,
quivíli, iuoio e quiombe; quimbundo (falada pelos ambundos da região central de Angola),
20
quissama e quindongo; iaca-holo (iaca, imbangala, chinji); chôcue (uchôcue, ochinganguela,
chilucazi e luena); luba (chilula-cassai); lunda (chilunda, urunda), macua (omacua), umbundo
(falado na região do Benguela, em Angola: umbundo, olucianeca); cuaniana (ochicuaniama,
cumabi), herero (ochiherero). As línguas africanas transplantadas para o Brasil procediam
geograficamente de países como Gana, Togo, Benin e Nigéria, representando a região
sudanesa, e Congo, República Democrática do Congo, Angola e Moçambique, representando
a região banto.
Ao delinear o trajeto dos povos que seriam escravizados na América sob a perspectiva
do tráfico negreiro entre Brasil e Angola, Bonvini (2008, p. 31-39) afirma que o quimbundo
pode ter sido uma língua veicular desde os portos de Angola até certas regiões da costa
brasileira. Uma forte evidência para o uso do quimbundo como língua veicular na rota do
tráfico entre Brasil e Angola é o fato de a primeira gramática do quimbundo ter sido escrita no
Brasil no fim do século XVII: Arte da língva de Angola, de autoria do padre Pedro Dias da
Companhia de Jesus.
A história também deixou um registro, na América portuguesa, de uma língua veicular
africana oriunda da Costa da Mina. Trata-se da língua mina-jeje, de base eve-fon, falada em
Vila Rica (atualmente Ouro Preto), na capitania de Minas Gerais, no século XVIII, e
documentada na Obra nova da lingoa geral de mina, traduzida, ao nosso igdioma, de
Antônio da Costa Peixoto (cf. PESSOA DE CASTRO, 2002). Na obra, diálogos em mina-jeje
apresentam aspectos da vida social e cultural das Minas Gerais daquele tempo, como a
cristianização, o comércio e o contrabando do ouro, e a prostituição de mulheres negras.
Mesmo com o possível uso de alguma língua veicular africana no trajeto marítimo do
tráfico ou em terras brasileiras, os colonos portugueses buscaram separar os cativos africanos
de modo que linguisticamente não se agrupassem por muito tempo em um mesmo ponto
geográfico (BONVINI, 2008, p. 27). Apesar de os cativos negros terem sido distribuídos de
modo desigual desde o embarque nos portos na África, a presença dos povos bantos se
estendeu em quase todo território brasileiro (PESSOA DE CASTRO, 2001, p. 47). Pessoa de
Castro (2001) aponta as regiões sudeste e nordeste como as únicas em que houve expressiva
presença dos grupos étnicos jeje-mina e nagô-iorubá, sendo que os nagô-iorubas foram
trazidos cativos somente a partir do século XVIII. Nas primeiras décadas do século XIX, o
tráfico negreiro ainda traria para Salvador o grupo étnico hauça, originário também da região
sudanesa (cf. PESSOA DE CASTRO, 2001).
21
1.1.2 Línguas gerais na América portuguesa
O contato de línguas na América portuguesa resultou na criação de um conjunto de
línguas derivadas da interação entre ameríndios e portugueses denominadas línguas gerais.
Em regra, utiliza-se o termo língua geral para designar uma categoria de línguas que
emergiram, entre os séculos XVI e XVII, da interação entre ameríndios e europeus na
América do Sul (RODRIGUES, 1996).
A expressão língua geral tomou um sentido bem definido no Brasil nos
séculos XVII e XVIII, quando, tanto em São Paulo como no Maranhão e
Pará, passou a designar as línguas de origem indígena faladas, nas
respectivas províncias, por toda a população originada no cruzamento de
europeus e índios tupis-guaranis (especificamente os tupis em São Paulo e os
tupinambás no Maranhão e Pará), à qual foi-se agregando o contingente de
origem africana e contingentes de vários outros povos indígenas,
incorporados ao regime colonial, em geral na qualidade de escravos ou de
índios de missão (RODRIGUES, 1996, p. 6).
A seguir, apresentamos um breve resumo da situação de contato linguístico que
provocou o surgimento de três línguas gerais em território brasileiro: a língua geral paulista, a
língua geral amazônica e o guarani criollo.4
Rodrigues (1996) descreve a formação da língua geral paulista contando que, com o
início da colonização, apenas homens vinham de Portugal para a capitania de São Vicente.
Após se estabelecerem, alguns colonos traziam esposas de Portugal, mas não era o suficiente.
A ausência de mulheres portuguesas ou europeias fez com que muitos portugueses passassem
a viver e a ter filhos com mulheres indígenas da família linguística tupi-guarani, tendo em
vista que essas mulheres e seus povos tinham uma cultura menos rígida quanto a matrimônios
entre povos distintos. Como eram as mães as responsáveis pela prole, os filhos desses
matrimônios adquiriam o tupi como língua materna, e, quando mais crescidos, apenas parte
dos filhos homens apreendia a língua do pai, isto é, a língua portuguesa. Com a dizimação dos
povos tupis de São Paulo devido à escravização intensiva, os filhos dos portugueses e das
índias passaram a não ter mais a interferência dos indígenas sobre a língua tupi que falavam.
Nesse complexo e multilíngue contexto social, promoveram-se as mudanças iniciais que
originaram a língua geral paulista, que sobreviveu do século XVII a meados do século XVIII.5
4 Para uma compreensão das línguas gerais brasileiras que inclua aspectos de seu vocabulário, de sua gramática e
das fontes que as documentaram, V. Rodrigues (1996), Rodrigues (2005), Rodrigues (2010). 5 Alencastro (2000) assinala também a ausência de defesas biológicas contra as doenças trazidas pelos
portugueses e africanos como um dos fatores da dizimação demográfica dos índios durante a colonização.
22
A língua geral paulista teve grande abrangência em todo o território brasileiro e foi
amplamente utilizada por expressiva parte daqueles que, de modo desigual e nem sempre
amistoso, participaram da empreitada de desbravar e devassar o interior do país, delineando
cada vez mais os contornos de seu alcance geográfico e sua formação como nação
(RODRIGUES, 1996).
Diferentemente da extinta língua paulista, a língua geral amazônica, ou nheengatu,
possui falantes situados na região amazônica até os dias de hoje (RODRIGUES, 2010).
Formada e falada nas regiões do Pará, do Maranhã e da Amazônia, devido à forte interação
entre colonos e soldados portugueses com ameríndios, entre os séculos XVII e XVIII, a língua
geral amazônica é, num contexto similar ao que ocorreu com a língua geral paulista,
resultante de mudanças da língua tupinambá geradas pela sociedade mestiça que ali se
formou. Os filhos mestiços dos portugueses e das índias possuíam como língua materna o
tupinambá, mas, na transmissão para seus filhos, ocorreram mudanças.
Houve também, em território brasileiro, na região que corresponde ao atual estado do
Paraná, uma língua geral estabelecida pelo contato entre espanhóis e índios guaranis, o
guarani criollo. Entre os séculos XVII e XVIII, colonos da América espanhola e índios
guaranis desenvolveram uma situação de contato e interação similar ao que ocorreu em São
Vicente. Essa situação deu-se entre os rios Paraná e Paraguai, para além das reduções
jesuíticas que se formaram em algumas regiões colonizadas pela Coroa espanhola na
América, e também resultou em uma população mestiça que, com o tempo, ocasionou as
mudanças que derivariam o guarani criollo. Segundo Dietrich (2002), o guarani criollo ainda
resiste em regiões do Paraguai e, talvez, em adjacências das fronteiras do Paraguai com o
Brasil e a Argentina.
1.2 Fatores sócio-históricos condicionantes para a formação do português brasileiro nos
séculos XVIII e XIX
A interação entre povos e culturas e o intenso contato entre línguas intercontinentais
na América portuguesa persistiram de forma sistemática até o século XVIII, período em que,
como veremos adiante, se iniciou um projeto político de integração e homogeneização
cultural em prol da língua e da cultura europeias. Sem dúvida, a afirmação do português como
língua oficial foi devido a fatores políticos, culturais e demográficos resultantes da
23
colonização e do tráfico negreiro na América portuguesa. Apesar de sua hegemonia, o contato
do português em sua variedade brasileira com línguas indígenas permanece em várias regiões
específicas do Brasil. Por outro lado, o fim do tráfico negreiro e a aprendizagem do português
como segunda língua por africanos e seus descendentes não impediram que línguas e dialetos
africanos permanecessem em contato com o português em diversas regiões do Brasil, a
exemplo da comunidade quilombola de Cafundó, em Salto de Pirapora, em São Paulo, cujo
léxico pertence a línguas da família banto, notadamente o quimbundo (VOGT E FRY, 2005).
Sabe-se que a tarefa inicial dos portugueses na América portuguesa foi determinar os
limites da terra, a fim de saber quais eram seus contornos geográficos, as perspectivas de
exploração de suas riquezas naturais e os riscos oferecidos pelos nativos. Por essa razão, até o
século XVIII, não houve por parte da Metrópole a necessidade de se criar na Colônia um
sistema educacional que garantisse a promoção e a instrução formal da língua portuguesa aos
próprios colonos, aos povos recém-contatados e muito menos aos africanos escravizados. Era
nessas condições que nativos e cativos aprendiam o português, especialmente aquele falado
pelos homens que vieram colonizar o Brasil.
Mattos e Silva (2004) chama a atenção para o fato de que, além da ação colonizadora,
havia um processo evangelizador na Colônia portuguesa. Nesse processo, a interação entre
padres jesuítas e nativos americanos era intensa. Além de buscar tornar o cristianismo como
religião dos nativos e numa instituição da Colônia, foram os padres jesuítas os responsáveis
pelas primeiras instituições de ensino e pela introdução da cultura europeia em torno da
escrita na América portuguesa. A educação formal empreendida pelos padres jesuítas, no
entanto, não tinham como objetivo prioritário o ensino normatizador da língua portuguesa
(MATTOS E SILVA, 2004, p. 40), mas, com certeza, influenciou a aprendizagem e a
aquisição da língua portuguesa no território brasileiro. A escrita ainda era utilizada para impor
certo prestígio da língua portuguesa em relação às línguas agrafas, como as línguas africanas
(PESSOA DE CASTRO, 2001, p. 65-71).
Mesmo com o empenho dos sacerdotes da Companhia de Jesus em ensinar a língua
portuguesa aos indígenas e em instituir um sistema de ensino, a maioria da população da
Colônia era analfabeta, pois, do século XVI ao XVIII, os letrados não ultrapassavam 0,5% da
população, e as línguas indígenas, incluindo as línguas gerais, predominavam na América
portuguesa (HOUAISS, 1985, p. 137). Essa realidade só mudou com a austera atuação do
ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, que, em 1757,
instituiu o Directorio, que se deve observar nas povoaçoens dos indios do Pará, e Maranhaõ
24
em quanto Sua Magestade naõ mandar o contrario, e, em 1758, o transformou em lei,
desapropriando e expulsando a Companhia de Jesus da América portuguesa, proibindo o uso e
a difusão de línguas indígenas pelos colonos, estabelecendo o português como língua oficial e
incentivando o casamento entre colonos e indígenas, com o intuito de inseri-los na cultura
portuguesa e promover a língua portuguesa. Teriam sido as ações resultantes das medidas do
Marquês de Pombal que, segundo Mattos e Silva (2004), impossibilitaram a constituição da
sociedade brasileira como uma sociedade de língua indígena.6
Pessoa de Castro (2001, p. 62-65) e Mattos e Silva (2004, p. 99-106) propõem que
foram a demografia e a mobilidade populacional dos povos africanos e afro-brasileiros que
favoreceram o processo de promoção do português falado no Brasil, sobretudo nos séculos
XVIII e XIX, período em que se tornaram maior em termos populacionais. A presença maciça
de africanos e de seus descendentes perpassou todos os domínios terrestres da empresa
colonial: fizeram-se presentes nos grandes latifúndios, trabalhando em engenhos, habitando
senzalas e também casas-grandes; nas atuações em prol do desbravamento das terras
americanas que delimitaram o Brasil e nos povoamentos decorrentes dessas ações, como as
pousadas, os arraiais e as vilas criados em torno das regiões mineiras; nas primeiras
formações urbanas; e no espaço que instituíram para si como de resistência, os quilombos.
Se os escravos africanos e seus descendentes possuíam maior mobilidade, pois, em
primeiro lugar, eram obrigados a acompanhar seus donos por toda a Colônia, e, em segundo
lugar, seu trabalho nem sempre era restrito a um determinado espaço, infere-se que sua
presença nos primeiros grandes centros urbanos criados a partir de meados do século imperial
também contribuiu para a difusão do português, não se limitando, portanto, a uma influência
rural e interiorana. Num determinado ponto de sua argumentação a favor da demografia e da
mobilidade dos africanos e dos afrodescendentes como determinantes na difusão do português
no Brasil, Mattos e Silva (2004, p. 106) arremata:
A presença maciça dos africanos e afrodescendentes que a demografia
histórica demonstra, a atuação constate dos escravos nas grandes frentes de
economia da colonização; a mobilidade geográfica, decorrente das
vicissitudes da vida econômica de seus senhores e da economia brasileira; os
diversificados e múltiplos papéis por eles desempenhados na sociedade
colonial rural e urbana; o significado social e linguístico dos espaços
ilegítimos da escravidão permitem embasar o meu ponto de vista
interpretativo de que é esse segmento numeroso e operante – os africanos e
afrodescendentes – o agente principal da difusão do português no território
brasileiro, na sua face majoritária, a popular ou vernácula. (MATTOS E
SILVA, 2004, p. 106).
6 A fonte primária do Directorio utilizada nesta pesquisa está localizada no Arquivo Histórico de Goiás.
25
Em suma, vê-se que quatro são os fatores sócio-históricos condicionantes assumidos
por Mattos e Silva (2004, p. 121-138) que instauraram e promoveram a língua portuguesa no
território brasileiro a partir do século XVIII. Por um lado, em meados do século XVIII, os
reflexos das atitudes políticas em decorrência das medidas do Marques de Pombal
formalizaram o português como língua oficial, enquanto, por outro lado, a ausência de um
sistema educacional abrangente e eficaz, a demografia e a mobilidade dos povos africanos e
seus descendentes, que, em sua maioria, aprenderam a língua portuguesa como segunda
língua em contextos não instrucionais de oralidade, foram responsáveis pela promoção, pela
transmissão e pelas mudanças gramaticais que geraram nossa língua vernácula, o português
brasileiro.
Os estudos demográficos possuem informações que auxiliam análises das mais
variadas áreas de pesquisa. Para a pesquisa em Linguística Histórica voltada para a história
externa do PB, os estudos demográficos auxiliam o pesquisador a compreender a demografia
étnicorracial e linguística que se compôs no Brasil colonial e, especialmente, a delinear o
processo de expansão e promoção da língua portuguesa pelo extenso e multilíngue território
brasileiro. A respeito da demografia brasileira, Marcílio (1986) periodizou o registro das
informações demográficas em três fases, quais sejam: de 1500 a aproximadamente 1750, a
fase pré-estatística, em que há poucos registros de levantamento populacional; de
aproximadamente 1750 a 1872, a fase proto-estatística, em que há uma vasta documentação
proveniente de registros paroquiais com informações relativas a censos regionais e séries
estatísticas; e, a partir de 1872, a fase estatística, com o qual se estabeleceu a criação de
censos nacionais oficiais e se secularizou as informações estatísticas com a institucionalização
dos cartórios.
Com base num estudo crítico que busca reconstruir os dados de uma vasta
documentação a respeito da população brasileira datada das três últimas décadas do século
XVIII, Alden (1963, p. 193) mostra que a população brasileira cresceu de 1,5 para cerca de
dois milhões de habitantes nessas três décadas e, provavelmente, tenha chegado a
aproximadamente 3,5 milhões no fim da segunda década do século XIX. Segundo Alden
(1963, p. 178-180), por influência de determinações de Portugal, como uma circular destinada
às capitanias do Pará, Goiás e São Paulo, a maioria dos censos realizados nas décadas finais
do século XVIII não tinha o critério racial como categoria e ignorava os povos autóctones.
26
Isso evidencia que os censos coloniais estavam mais preocupados com amostras dos números
populacionais envolvidos na empresa do tráfico.
Schwartz (2001, p. 130-139) atribui ao mercado de escravos, que traficava anualmente
20 a 40 mil africanos, o crescimento da população no fim do século XVIII. De acordo com
Alencastro (2000, p. 133-138), doenças transplantadas pelos africanos para a América
portuguesa, como a ancilostomíase, a febre amarela e a malária falciparum, também
contribuíram para o amplo contingente populacional dos africanos, tendo em vista a ausência
de defesas biológicas de índios e também portugueses a essas doenças. Parte maior no
incremento da população, no entanto, deveu-se ao aumento do número de pessoas livres,
notadamente os pardos, que apresentavam índices mais baixos de mortalidade do que os
africanos escravizados. Segundo Schwartz (2001, p. 130-139), a população parda deveria se
aproximar dos 28% em toda a Colônia, alcançando 30% em algumas regiões (Bahia, Goiás,
Pernambuco e Minas Gerais).
O Recenseamento Geral do Império de 1872, o primeiro censo oficial brasileiro, teve a
preocupação de constatar a demografia racial que se arranjava no Império escravista. Nos
questionários entregues às famílias pelos agentes recenseadores da Diretoria Geral de
Estatística (DGE), averiguavam-se a raça (branco, pardo, preto ou caboclo), a nacionalidade
(brasileira ou estrangeira), a instrução (saber ler e escrever em oposição a ser analfabeto),
entre outras categorias. Em um estudo crítico que reajustou os dados do censo imperial de
1872, Paiva et al. (2012) ratificam que a população brasileira chegara a quase dez milhões
(9.930.478). Desse total, 8.419.617 (84,8%) eram livres, enquanto 1.510.806 (15,2%) eram
escravos. Quanto às categorias acima mencionadas, os dados do Recenseamento Geral do
Império de 1872 constataram alguns números que merecem atenção para o estudo da sócio-
história do PB.
Os dados relativos à categoria raça possibilitam afirmar que, no mínimo, 60% da
população imperial brasileira adquiriu uma gramática do português distinta daquela
transladada pelos primeiros colonos. Devido aos cruzamentos interétnicos, a maioria da
população era mestiça, preta ou cabocla e, presumivelmente, a maior parcela dessa população
adquiriu o português que seus pais (nativos ou cativos) aprenderam, isto é, adquiriram como
língua materna uma língua adquirida como segunda língua por seus progenitores – inferimos
que mestiços, pretos e caboclos adquiriram a língua portuguesa de seus pais nativos e cativos
devido à estrutura da família patriarcal brasileira, que os excluía do núcleo familiar chefiado
por homens brancos, entre outros fatores. Os índios também poderiam estar expostos a uma
27
aquisição como segunda língua do português e, consequentemente, a transmissão desse
português para seus filhos, no entanto, não foram numerados no censo imperial, conforme
demonstramos na ilustração a seguir.7
Ilustração 1: Dados de algumas categorias do censo imperial de 1872 relevantes para a
sócio-história do português brasileiro.
CATEGORIAS TOTAL PORCENTAGEM8
Raça
Branco 3.781.110 38,07%
Pardo 3.801.692 38,28%
Preto 1.960.442 19,75%
Caboclo 387.234 3,9%
Nacionalidade
Estrangeira 382.132 3,85%
Africanos 176.057 1,78%
Portugueses 125.876 1,27%
Demais nacionalidades 80.199 0,8%
Escolaridade
Sabem ler e escrever 1.565.454 15,76%
Frequentam a escola
(crianças de 6 a 15 anos)
251.792 2,53%
De acordo com a análise de Paiva et al. (2012), o censo imperial também inseriu na
categoria pardo vários tipos de mestiços presentes no território brasileiro, independentemente
das especificidades das relações interétnicas que os compunham. A partir desse fato, é
necessário fazer uma observação quanto à hipótese de Mattos e Silva (2004) sobre a
constituição do PB a partir principalmente de sua difusão por africanos e afrodescendentes: a
categoria afrodescendente, ou afro-brasileira (também utilizada pela autora), é imprecisa tanto
para o período colonial quanto para o período imperial, tendo em vista que quaisquer mestiços
poderiam ser considerados pardos não só pelos registros paroquiais, mas também pelos
registros cartoriais estabelecidos com o primeiro censo oficial brasileiro.
Outra importante contribuição dos dados do censo imperial de 1872 é demonstrar a
presença estrangeira no território. Politicamente independente, o Brasil precisava distinguir as
7 Todos os dados relacionados ao Recenseamento Geral do Império de 1872 mencionados em nossa pesquisa
foram reajustados de acordo com o método do resultado predominante (MRP) desenvolvido pelo Núcleo de
Pesquisa em História Econômica e Demográfica do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da
Universidade Federal de Minas Gerais. Os dados reajustados foram disponibilizados em um aplicativo virtual –
“Pop 72 – Brasil, v. 1.0”. O aplicativo está disponível no site http://www.nhped.cedeplar.ufmg.br. Para
compreender o MRP aplicado na correção dos dados, V. Paiva et al. (2012). 8 O cálculo de porcentagem foi baseado no valor estimado da população (9.930.478) e apresenta pequenas
variações em suas últimas casas decimais.
28
pessoas nascidas no país das de outra nacionalidade, incluindo africanos e portugueses.
Calcula-se que quase 2% da população eram provenientes de países africanos, enquanto
pouco mais de 1% era de Portugal. A comparação entre o número de africanos e pretos revela
que nem todos os pretos eram africanos. Presumivelmente, eram considerados pretos os filhos
de pais africanos e os mestiços de pele mais escura nascidos no Brasil. Atualmente, o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entidade de administração pública federal
responsável pelos censos oficiais da república brasileira desde 1936, classifica a população
brasileira nas seguintes categorias étnico-raciais: brancos, negros, amarelos e indígenas. Por
considerar que pretos e pardos foram sistematicamente marginalizados e excluídos das mais
variadas esferas da sociedade, o IBGE insere aqueles que se autodeclaram pretos e pardos na
categoria negros.
Segundo o Censo Demográfico 2010 realizado pelo IBGE, o percentual de brasileiros
que se autodeclaram negros é maior do que daqueles que se autodeclaram brancos,
contabilizando 97 milhões de brasileiros (58,1%). Dos cerca de 191 milhões de brasileiros
recenseados, 91 milhões declararam-se brancos (47,7%); 15 milhões, pretos (7,6%); 82
milhões, pardos (43,1%); 2 milhões, amarelos (1,1%); e 817 mil, indígenas (0,4%). Apesar do
expressivo aumento da população, uma comparação entre os censos demonstra que a
população preta e parda tanto em 2010 quanto em 1872 corresponde a cerca de 60% da
população geral do país. Essa evidência mostra que os aspectos sócio-históricos constitutivos
do PB ainda são bastante similares na contemporaneidade, tendo como grande diferencial a
expressiva presença de estrangeiros europeus e nipônicos em determinadas regiões do Brasil
após a abolição do regime de escravidão, em 1888. Esse fato, aliás, explicaria a inclusão da
categoria amarelo e o aumento em cerca de 10% do número de brancos no censo de 2010 em
relação ao censo imperial. Ademais, é um aspecto sócio-histórico essencial para o estudo de
algumas histórias linguísticas regionais do PB.
Finalizando a discussão em relação ao censo imperial de 1872, o número apresentado
de pessoas que sabiam ler e escrever é bastante acentuado (15,76%). Porém, o número de
crianças no período escolar que frequentavam a escola, aproximadamente 2,5%, é pouco e
evidencia que não eram as escolas as promotoras da leitura e da escrita até possivelmente o
fim do século XIX. Assim, infere-se que a ausência de um efetivo e abrangente sistema de
ensino até o fim do século XIX exigiu de cativos, nativos e mestiços, a aprendizagem da
língua portuguesa no território brasileiro por meio do contato de línguas ou da transmissão
como língua materna do português aprendido como segunda língua. Foi nesse contexto, com
29
algumas particularidades nas várias regiões do Brasil, que se promoveu e se emergiu a
gramática do PB.
1.3 Aspectos sócio-históricos da instauração do português brasileiro em Goiás nos
séculos XVIII e XIX
Pretendemos, nesta seção, delinear o quadro dos aspectos sócio-históricos que se
conjeturaram na capitania de Goiás nos séculos XVIII e XIX, período em que uma quantidade
significativa de falantes da língua portuguesa chegou e a instaurou na região. Por razões
histórico-geográficas, ao mencionarmos a capitania de Goiás, referimo-nos à região que
integrava o atual estado de Tocantins, o Triângulo Mineiro e parte dos estados de Mato
Grosso e Maranhão a seu domínio político-administrativo. Sabe-se que o Triângulo Mineiro
desintegrou-se da capitania de Goiás em 1808, os limites das fronteiras com Mato Grosso e
Maranhão foram redefinidos, e Tocantins, que também chegou a pertencer à capitania de São
João das Duas Barras entre 1804 e 1814, tornou-se uma unidade federativa autônoma em
1988. De antemão, é-nos necessário ressaltar que, em nosso escopo de pesquisa, essas regiões
apenas caracterizam Goiás como instituição histórica, pois a análise linguística em
manuscritos goianos que realizamos no Capítulo 3 tem o atual estado de Goiás como
referência institucional e geográfica.
A começar pelo seu topônimo, o atual estado de Goiás traz consigo idiossincrasias de
sua formação etino-linguística, cultural e socioeconômica, sem, contudo, deixar de se inserir
no processo colonizador e de ocupação do interior do território brasileiro. Segundo Quintela
(2003), o topônimo goyaz refere-se a um etnônimo de povos indígenas que possivelmente
nunca foram contatados pelos colonos. Não há fontes documentais nem arqueológicas que
possam asseverar a história de que índios goyazes tenham habitado as terras da nascente do
rio Vermelho e a região próxima da Serra Dourada (QUINTELA, 2003).
A lexicografia brasileira, por seu turno, mostra que o termo goyá provavelmente era
um termo tupi para designar, diferentemente do termo tapuio, índios do interior do território
que apresentavam “afinidades linguísticas, gentílicas e etnológicas” (QUINTELA, 2003, p.
155) com os índios tupi-guarani da costa continental brasileira. Independentemente da factível
presença de índios goyazes no Brasil Central, os colonos batizaram uma das três grandes
regiões administrativas das minas de ouro de Minas dos Goyazes – o topônimo permaneceu,
30
com alterações fonológicas e ortográficas, na instituição da capitania (1748-1821), da
província (1821-1889) e do estado de Goiás (1889).
Quando Domingos Luiz Grou e Antônio de Macedo realizaram a primeira das
expedições bandeirantes rumo ao Planalto Central (1590-1593), constava nessa região uma
grande quantidade de povos autóctones, especialmente índios do tronco linguístico macro-jê.
Acredita-se que a língua geral paulista foi utilizada por bandeirantes e ameríndios nas
expedições para desbravar o interior do Brasil. Seu uso nos caminhos das expedições, no
entanto, não a tornou língua veicular dos primeiros aglomerados urbanos que se formaram nas
Minas dos Goyazes. Além de se carecer de fontes documentais que possam comprovar essa
hipótese, há dois fortes fatores contrários a seu predomínio na região: a presença de africanos
e negros escravizados que não participaram do processo de formação da língua geral paulista
e a majoritária presença de ameríndios do tronco linguístico macro-jê habitando a região. As
especificidades das características etino-linguísticas dos índios que habitavam a região do
Planalto Central no período colonial estão limitadas a relatos de viajantes, não havendo
pesquisa científica que ainda pudesse recuperá-las e sistematizá-las precisamente. 9
A respeito dos índios que habitavam o território dos supostos goyazes quando se
iniciou a povoação colonizadora, a historiografia goiana classifica-os, de acordo com seus
troncos linguísticos, em dois grandes grupos: os jês e os tupis (cf. CHAIM, 1974; ROCHA,
1998; entre outros). Os jês eram o grupo de maior número populacional na região e eram
compostos por índios como os akuên (akroás, xabriacás, xavantes e xerentes); os caiapós
(caiapós do sul e caiapós setentrionais); os timbiras (apinajés, krahós, gavião, canela,
afotogés, corretis, otogés, porecramecrãs, macamecrãs e temembus) e os carajás (carajás,
javaés e xambioás). Por outro lado, compunham o grupo tupi os temidos índios avá-canoeiros,
os tapirapés, e os guajajaras (teneteara). Os índios araés, crixás e araxás não tiveram um
tronco linguístico definido.10
Com a exploração do Brasil Central pelas bandeiras paulistas e sua ocupação após a
descoberta do ouro, muitos índios foram escravizados e exterminados, restando no atual
estado de Goiás, por exemplo, os indígenas pertencentes às etnias karajás, avá-canoeiros e
tapuias do Carretão – estes últimos resultantes de aldeamentos indígenas. Muitos indígenas,
9 Para uma visão mais ampla do contexto etino-linguístico do Planalto Central nos séculos XVIII e XIX, V.
Santos (2013). 10
Buscamos empregar a grafia corrente em língua portuguesa nos termos utilizados para designar os nativos da
região goiana do Brasil Central.
31
como os tapuios do Carretão, foram integrados à população da capitania por intermédio de
aldeamentos.11
Os aldeamentos indígenas tiveram início em meados do século XVI e se estenderam
até o século XIX. A Companhia de Jesus foi responsável pela criação dos primeiros
aldeamentos. Tinham como objetivo a cristianização e a civilização dos índios, que consistia
basicamente no ensino do cultivo da terra e da língua portuguesa, especialmente após o
Directorio do Marquês de Pombal. Alencastro (2000, p. 206) apresenta-nos documentos que
revelam que os aldeamentos indígenas foram de grande importância para a empresa do tráfico
negreiro: em certo período, por exemplo, o Brasil e até mesmo Angola dependeram de
alimentos produzidos nos aldeamentos indígenas do Brasil.
A criação dos aldeamentos adequava-se às condições locais e políticas da época. Em
Goiás, a mando dos governadores nomeados pela Corte para a capitania, foram os colonos os
responsáveis pelos aldeamentos indígenas, os quais foram em sua maioria criados levando-se
em consideração as determinações do Directorio de 1757 e a presença de rios em seus
arredores (cf. CHAIM, 1974).
Segundo Bertran (1997), instabilidades climáticas na região dos goyazes, com
períodos de forte seca e chuvas torrenciais, provocaram a rendição de alguns indígenas e sua
integração aos aldeamentos, mormente no último quartel do século XVIII. Além disso, em
Goiás, a produção dos aldeamentos era para a subsistência da população local, outro fator que
pesou na aceitação, por parte de alguns indígenas, da política de aldeamentos. Os aldeamentos
geralmente eram agregados aos arraiais e às vilas, revelando o caráter inicialmente urbano do
processo de povoamento da capitania de Goiás.
Borges (2008) e Borges et al. (2013) afirmam ser os aldeamentos indígenas um
importante elemento da constituição sócio-histórica do PB em Goiás. Os autores trabalham
com a hipótese de que o isolamento geográfico e econômico da capitania de Goiás em relação
às demais regiões da América portuguesa teria tido impacto na variedade de língua portuguesa
produzida na região. É a partir da concepção desse isolamento linguístico que os autores
propõem análises linguísticas e sócio-históricas para a constituição do PB em Goiás – os
trabalhos de Borges (2008) e Borges et al. (2013) estão inseridos no projeto O Centro-Oeste
na história do português brasileiro, que está vinculado ao projeto mais amplo Para a História
do Português Brasileiro, da Universidade de São Paulo.
11
Anexo 3: Mapa etnográfico da capitania de Goiás (NIMUENDAJU, 1981 apud ATAÍDES, 2006).
32
A partir de documentos que contabilizaram os escravos nas Minas dos Goyazes,
Palacín e Morais (1994, p. 30-31) estimam que a população total das minas deva ter se
aproximado de 20 mil em 1736, e, em 1750, após torna-se capitania, deva ter alcançado quase
40 mil habitantes. A estimativa da população proposta por Palacín e Morais (1994) foi
realizada dobrando-se o número de escravos em cada período mencionado.
Alden (1963, p. 188) afirma que as primeiras estimativas populacionais da capitania de
Goiás contavam com poucos documentos censitários, sendo principalmente documentadas nas
cartas dos presidentes da capitania. Entre 1772 e 1782, aponta que os registros censitários
contabilizam uma população que chegou ao seu ápice no período colonial: pouco mais de 55
mil habitantes.
Em 1804, tem-se o primeiro registro de um censo oficial na capitania de Goiás, o qual
adotou o critério racial para classificar a população e distinguiu pretos, pardos e escravos. O
censo demonstrou uma queda no número de habitantes na capitania: 50.764 mil habitantes,
dos quais 7131 eram brancos, 16.531 eram pardos, 7.943 eram pretos e 19.159 eram escravos
– isto é, 14,05% da população era branca, enquanto 85,95%, incluindo os escravos, era preta
ou parda (PALACÍN E MORAIS, 1994, p. 31-37).
De acordo com Alden (1963, p. 188), o censo de 1804 é mais elaborado do que os
demais, mas também parece estar incompleto, uma vez que relata um total da população
significativamente menor do que o indicado nas fontes anteriores. Para o autor, é naturalmente
possível que Goiás perdeu população durante o último quartel do século XVIII, ao contrário
da tendência geral ascendente em todo o Brasil, mas uma questão permanece: por quê? Além
da ida de colonos para regiões economicamente mais ricas da América portuguesa, supomos
que uma das razões para o decréscimo populacional possa ter sido a organização dos
quilombos.
Segundo Palacín (1972), não houve arraial em Goiás, no século XVIII, que não viveu
à sombra dos quilombos. Ora, se a maior parcela da população era de negros e mestiços
potencialmente escravizados, uma queda vertiginosa da população presumivelmente ocorreu
devido a uma queda substancial no número de negros e mestiços das áreas urbanas. A maior
comunidade de remanescentes de quilombo do Brasil, o quilombo Calunga, por exemplo, está
localizada em Goiás, nos munícipios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de
Goiás. Segundo Silva (2008), além do Calunga, alguns dos quilombos que se organizaram em
Goiás foram: Ambrósio, Três Barras, São Gonçalo, Pilar, Muquém, Papuã, Acaba Vida,
Tesouras, Mesquita, Cedro e Forte (que hoje se tornou município de São João d‟Aliança).
33
Desses quilombos, apenas Calunga, Mesquita e Cedro resistem ao tempo. Diversas
comunidades rurais goianas, no entanto, ainda lutam pelo reconhecimento de que são
remanescentes de quilombos. A comunidade rural Tomás Cardoso, localizada nos munícipios
de Barro Alto e Santa Rita do Novo Destino, na região central de Goiás, por exemplo, só
obteve seu reconhecimento político de que é remanescente de quilombo em outubro de
2013.12
Por causa da contínua queda da produtividade do ouro após 1750 e da queda
populacional nas últimas três décadas do século XVIII, costumou-se associar o Goiás
setecentista e colonial a uma imagem de decadência e isolamento social e cultural. A
representação dessa decadência foi concebida em registros históricos de autoria de cronistas,
de ensaístas e dos presidentes da capitania. A reprodução dessa imagem de que Goiás se
sucumbiu ao marasmo ignora o fato de que, apesar de economicamente mais isolada das
demais capitanias, a população goiana certamente interagia entre si e tinha totais condições de
manter e criar suas tradições sociais e culturais. Um exemplo da interação cultural no Goiás
setecentista é-nos apresentado por Moraes (1999 apud QUINTELA, 2004), que analisou
documentos que descreveram as comemorações pela convalescência do Rei Dom José I em
1760. Nas celebrações oficiais, os documentos mostram que poesias orais eram compostas em
honras ao rei. Aproveitando as celebrações oficiais, a população também se organizava em
torno de festas populares.
Um dos argumentos a favor da estagnação cultural e social de Goiás é o fato de sua
economia e sua população ter se ruralizado após a escassez nas jazidas de ouro. Atualmente, o
estado de Goiás é uma das duas unidades da federação brasileira em que as regiões adjacentes
à capital metropolitana são economicamente mais ricas (IBGE, 2008). No Rio de Janeiro, a
capital não é mais rica devido à produção de petróleo na região da bacia de Campos, enquanto
em Goiás a produção agropecuária interiorana é a responsável por gerar a maior parte de sua
riqueza. Em Goiás, essa característica é resultado de raízes históricas: com a escassez do ouro,
Goiás ergueu-se com base num sistema econômico predominantemente rural. Uma economia
com base rural, evidentemente, não significa que a atual população goiana seja
predominantemente rural, mas pode indicar os laços da população com suas raízes rurais.
Dados do Recenseamento Geral do Império de 1872, retirados do aplicativo virtual
“Pop 72 – Brasil, v. 1.0”, constatavam que a população da província de Goiás ultrapassara os
12
Mattos e Silva (2004, p. 86-89) aponta os quilombos como laboratórios da constituição do PB, tendo em vista
que a maioria deles tinham (e têm) o português como língua veicular e admitiam povos indígenas e também
brancos portugueses como membros de seu coletivo.
34
160 mil habitantes, dos quais cerca de 140 mil eram nascidos na província. Havia 132.027
pessoas livres, das quais 56.361 mil eram profissionais agrícolas: 52.361 eram lavradores e
3829 eram criadores de animais, o que equivale a aproximadamente 35% da população livre.
Os escravos somavam 10.652 almas, das quais 8629 tinham nascido ali. A partir do aplicativo
virtual, temos ainda números relevantes para a análise da população da província goiana no
que concerne a seu quadro étnicorracial e educacional.13
Ilustração 2: Raça e instrução na província de Goiás (1872).
CATEGORIAS TOTAL
Raça
Branco 41.938
Pardo 90.490
Preto 23.710
Caboclo 4257
Instrução
Sabem ler e escrever 22.663
Frequentam a escola (crianças de 6 a 15 anos) 3806
Nota-se que os dados em relação à instrução na província goiana eram iguais ao
restante do Império: aproximadamente 15% da população sabia ler e escrever, enquanto
pouco mais de 2% das crianças no período escolar frequentavam a escola. Esse quadro indica
que a população não estava voltada para tradições culturais em torno da escrita, mas, sim, em
torno de tradições culturais orais, como a música, os ritos religiosos e a poesia oral.
Os dados referentes ao quadro étnicorracial, que revelam uma população
majoritariamente mestiça (56,4% era parda; 14,8%, negra; 2,6%, cabocla; e 26,2%, branca),
faz-nos atentar para a mestiçagem que se forjou em Goiás. As bandeiras paulistas, a formação
dos aldeamentos indígenas e o tráfico negreiro possibilitaram um processo de miscigenação
até então não visto em outra região. Os primeiros bandeirantes que vieram habitar a capitania
de Goiás não eram os mesmos homens brancos e europeus que iniciaram a colonização na
costa do país, eram em grande quantidade filhos de portugueses nascidos no Brasil frutos de
cruzamentos interétnicos, os quais possivelmente tinham a língua geral paulista como língua
materna e a língua portuguesa como segunda língua ou mesmo possuíam ambas as línguas
como língua materna.
Houve ainda um número relativamente amplo de povos da família linguística tupi-
guarani oriundos da costa que adentraram o interior do país com os bandeirantes paulistas e se
13
Anexo 4: Mapa da província de Goiás. Fonte: http://www.nhped.cedeplar.ufmg.br.
35
juntaram aos povos do tronco-linguísticos macro-jê para compor a demografia etino-
linguística do território dos goyazes no período colonial. Segundo Fausto (2011, p. 51),
indígenas e mestiços descendentes de indígenas eram a grande maioria das pessoas nas
bandeiras empreendidas pelos paulistas. Apesar de geralmente excluídos dos censos
paroquiais e oficiais, supõe-se que no primeiro século de ocupação da capitania de Goiás
havia um número relativamente alto de indígenas na região, pois, conforme aponta Rocha
(1998), em estudo sobre a política indigenista em Goiás entre os anos de 1850 e 1889, havia
30 mil índios em Goiás, no século XIX, dos quais cerca de oito mil viviam aldeados.
Inicialmente, os escravos trazidos para a capitania de Goiás deveriam ser em sua
maioria negros já nascidos no Brasil e que adquiriram o português como língua materna.
Posteriormente, com as mortes nas minas, foram repostos por negros ou africanos das
capitanias de Minas Gerais ou de Mato Grosso e por africanos que desembarcavam nos portos
do Rio de Janeiro, da Bahia ou de Santos. Ao se analisar a histografia goiana a respeito da
origem dos escravos africanos em Goiás, nota-se que os historiadores utilizam elementos
culturais e religiosos, registros das regiões provedoras de escravos na América portuguesa e
dados cartoriais para indicar as possíveis origens dos povos africanos em Goiás (cf.
MORAES, 2002; SILVA, 2008; LOIOLA, 2009; entre outros). Em geral, o debate gira em
torno de determinar se em Goiás houve um maior número de povos africanos do grupo banto
ou do grupo sudanês. Esse impasse remete-nos ao trabalho de Soares (2009), que afirma que
tanto a nação que se constituía quanto a cor foram partes da atribuição colonial e estavam
sujeitas a variações regionais e investidas de crenças pouco convincentes: “A documentação
reflete o que se escreve dos negros (...) e sobre os indígenas. É a palavra daquele que domina
dando cor e signos àqueles de quem se escreve” (SOARES, 2009, p. 46).14
Retomando a questão da mestiçagem, os tapuios do Carretão são um exemplo da
mestiçagem que se forjou em Goiás. Por se tratar de um termo para designar o conjunto de
índios não tupis do Brasil colonial, o termo tapuio não pode designar historicamente os índios
do Carretão, mas os designa como índios resultantes do contato interétnico e da miscigenação
propiciados pela política de aldeamentos indígenas em Goiás, especificamente do aldeamento
Carretão ou Pedro II instituído em 1788 (OSSAMI DE MOURA, 2006, p. 153). Os tapuios do
Carretão vivem na Terra Indígena do Carretão, localizada na região situada entre a Serra
Dourada (Tombador) e o Rio São Patrício (Carretão), nos munícipios de Rubiataba e Nova
14
Baseados em textos e dados históricos, Figueiredo e Oliveira (2013) alegam que os povos africanos levados
cativos para o Pará foram bantos, sudaneses e defóides, e argumentam que bantos e sudaneses, naquele estado,
não foram culturas que se contrapuseram. Essa constatação lança-nos pistas, para pesquisas futuras, a respeito
das culturas banto e sudanesa em Goiás.
36
América, e são resultado da miscigenação entre índios xavantes, xerentes, caiapós do sul,
carajás (javaé), brancos e negros escravos fugidos das fazendas (OSSAMI DE MOURA,
2006, p. 153-157). Apesar de ter se gestado por povos de línguas variadas, têm apenas o
português brasileiro, em sua variedade local, como língua materna.15
1.4 Síntese do capítulo
Neste capítulo, sintetizamos fatos que buscam descrever a história interna do PB.
Trata-se de uma série de fatos sócio-históricos de ordem política, demográfica e econômica
que traçaram o destino da América portuguesa como país e nação e instauraram a língua
portuguesa como língua oficial, silenciando vozes e línguas indígenas e africanas. Delineamos
a interação entre ameríndios, portugueses e africanos, e o contato das línguas transplantadas
para a América portuguesa com as línguas ameríndias. Apresentamos o violento processo de
mestiçagem no Brasil como fundador de sua complexa sociedade plurirracial. Vimos que a
demografia brasileira, especialmente nos séculos XVIII e XIX, auxilia a Linguística Histórica
na formulação de hipóteses acerca da constituição do PB. Por outro lado, vimos que os dados
censitários do período colonial e imperial exibem problemas de classificação dos mestiços
nascidos no Brasil e que cada região do país, tendo Goiás como exemplo, teve suas
particularidades históricas em relação à demografia e também em relação ao modo como se
constituiu o PB. No capítulo seguinte, trataremos das concepções de língua e de gramática
adotadas em nossa pesquisa, de modo a formular uma hipótese de mudança sintática para a
constituição do PB em Goiás.
15
Anexo 5: Rapazes tapuios – síntese da miscigenação (OSSAMI DE MOURA, 2006, p. 162).
37
CAPÍTULO 2
Pressupostos Teóricos: Conceituando Língua e Gramática
Conforme propôs Paixão de Souza (2006), o pesquisador que investiga a mudança
linguística precisa articular os conceitos de língua e tempo na condução de seu trabalho de
maneira a reconhecer, em um dos pontos dessa articulação, a contingência fundante do fazer
histórico. No capítulo anterior, procuramos inserir o tempo à nossa pesquisa de modo a
articular fatos sócio-históricos da formação do Brasil como país e nação à instauração da
língua portuguesa como língua oficial e à emergência da gramática do PB, restando-nos
articular os conceitos de língua e gramática que guiam nossa investigação. Dessa forma, o
objetivo deste capítulo é, inicialmente, sintetizar os pressupostos teóricos e os modelos de
arquitetura da gramática na Teoria Gerativa, que conduzirão a análise do fenômeno gramatical
que nos propusemos a estudar, qual seja: construções com sujeito nulo indeterminado com
verbo na terceira pessoa do singular no PB. Isto é, o objetivo inicial deste capítulo é
apresentar as concepções de língua e gramática que conduzem nossa pesquisa.
Posteriormente, apresentamos uma breve análise da mudança sintática sob a perspectiva da
Gramática Gerativa, a fim de apresentarmos e justificarmos os métodos utilizados na
constituição de um corpus com dados de manuscritos goianos para nossa análise diacrônica.
2.1 Gramática Gerativa e a gênese da linguagem
A análise linguística que realizamos tem como arcabouço teórico os pressupostos e os
modelos de arquitetura da gramática postulados no âmbito da Teoria Gerativa, especialmente
o modelo computacional e algorítmico do Programa Minimalista, o qual busca responder à
exigência de adequação explicativa da Teoria Gerativa.
Entre as décadas de 1950 e 1960, o linguista norte-americano Avram Noam Chomsky
desenvolveu as ideias iniciais daquele que viria a ser o pressuposto fundamental da
abordagem gerativa das línguas naturais: há, em toda a espécie humana, um conhecimento
gramatical inato ricamente estruturado. Com essa proposição, objetou as ideias behavioristas
38
de que a aquisição da linguagem se dá por estímulo e resposta e inaugurou a abordagem
internalista dos estudos da linguagem, na qual a competência exclusiva do ser humano de
possuir um sistema linguístico internalizado em sua mente motiva a investigação empírica
desse aparato biológico específico da linguagem. Nessa perspectiva, assim como a visão e a
coordenação motora são regidas por sistemas de órgãos específicos, a competência linguística
é desenvolvida por um órgão mental que opera sobre todo o sistema linguístico, a faculdade
da linguagem. O conhecimento e a explicação das propriedades e dos mecanismos internos da
faculdade da linguagem são o escopo de pesquisa da Gramática Gerativa.
A faculdade da linguagem é um órgão modular da mente humana resultante da
evolução da espécie, cuja capacidade cognitiva não encontra correlatos na natureza evolutiva
(HAUSER, CHOMSKY E FITCHER, 2002; HAUSER, FITCHER E CHOMSKY, 2005).
Para um melhor discernimento do objeto de estudo da Gramática Gerativa, Hauser, Chomsky
e Fitcher (2002) e Hauser, Fitcher e Chomsky (2005) distinguem um sentido amplo e um
sentido estrito para a faculdade da linguagem: the faculty of language in the broad sense
(FLB) e the faculty of language in the narrow sense (FLN), respectivamente. Nesses termos, a
FLB compreende sistemas, propriedades e mecanismos que são objeto de estudo de outras
áreas de pesquisa, como a neurociência, a biologia comparada e a psicologia cognitiva, e que
não são exclusivos ou específicos para a linguagem. A FLB abrange, pois, os sistemas de
desempenho com os quais o sistema computacional da linguagem faz interface, isto é, os
sistemas sensório-motor, ou articulatório-perceptual, e o sistema conceitual-intencional. Ao
sistema que agrega a propriedade elementar da faculdade da linguagem deu-se o nome de
FLN. Ou seja, FLN é o sistema computacional da linguagem em si e inclui a recursividade, a
propriedade elementar para a realização das operações do sistema computacional.
A recursividade destaca-se entre as propriedades da faculdade da linguagem e,
conforme preconizou o linguista alemão Wilhelm von Humbold (1767-1835), caracteriza-se
por um conjunto finito de entradas lexicais que se encadeiam ou se encaixam num conjunto
infinito de sentenças (CHOMSKY, 2005). Apesar de não se manifestar infinitamente no
desempenho dos falantes, a recursividade é, no plano teórico da competência linguística, uma
propriedade infinita. A geração infinita de sentenças é igualmente legitimada por outras duas
propriedades da faculdade da linguagem: a infinitude discreta e a criatividade (CHOMSKY,
2005).
A infinitude discreta revela-se no conhecimento inato do ser humano de que existem
sentenças de três palavras, mas não de três palavras e meia, o que permite formular objetos
39
sintáticos e sentenças com forma e significado bem definidos. Essa propriedade apresenta-se
em sua forma mais pura nos números naturais: N = {0, 1, 2, 3, 4, 5...}. A criatividade, por seu
turno, refere-se à possibilidade de composição ilimitada de sentenças gramaticais jamais
pronunciadas ou escutadas pelo falante. A criatividade linguística é distinta da criatividade
que diz respeito ao enorme potencial humano de criar novos conteúdos e experiências a partir
de sua inteligência cognitiva. Aliadas, a criatividade linguística e a criatividade relacionada às
demais competências cognitivas do Homo sapiens respaldam a capacidade humana de
conceber ideias e realidades ilusórias e de produzir arte com a própria linguagem, o que se
revela em seu estado mais autêntico na literatura.
2.1.1 A Gramática Universal e o modelo de Princípios e Parâmetros
Em Knowledge of language: its nature, origin and use, Chomsky (1986) postula que a
faculdade da linguagem tem um estágio inicial denominado Gramática Universal (GU).
Propõe que a GU é dotada de princípios rígidos e de parâmetros abertos: os princípios são
arranjos gramaticais presentes em todas as línguas, enquanto os parâmetros são composições
gramaticais variáveis valorados no processo de aquisição de língua, por meio da experiência
com uma comunidade linguística (input).
O modelo de Princípios e Parâmetros busca responder a duas observações empíricas
do pesquisador gerativista: a diversidade de línguas no mundo e a rápida e completa aquisição
de língua ainda na infância. A diversidade linguística, para além do léxico, é explicada como
resultado da valoração de parâmetros distintos para cada língua, isto é, a base gramatical para
a aquisição das línguas naturais é única, suas variações gramaticais limitam-se aos parâmetros
valorados a partir dos inputs – assim, inclusive, as variações e mudanças numa língua são
explicadas em termos paramétricos.16
Quanto ao problema lógico da aquisição de língua, Chomsky (1986) utiliza o
argumento da pobreza de estímulo, a vertente linguística do problema de Platão sobre a
natureza do conhecimento humano, para chamar a atenção para o fato de que os inputs a que
uma criança está exposta durante a aquisição de sua língua são insuficientes para uma
completa aquisição se comparados ao conhecimento que as crianças apresentam, entre um e
quatro anos de idade, de complexas estruturas sintáticas de quaisquer línguas naturais. Por
16
Entendemos o léxico como um construto mental cujos itens, nas línguas naturais, apresentam traços
fonológicos, semânticos e formais, e os quais o sistema computacional seleciona e com os quais opera na
derivação de uma expressão sintática.
40
exemplo, ao ouvir sentenças como “A mamãe foi ao mercado comprar docinho, ela volta
daqui a pouco”, a criança não recebe instruções a respeito do fato de, nessa sentença, o
pronome anafórico referir-se ao sintagma que ocupa a posição de sujeito da oração anterior. O
conhecimento dessa interpretação, isto é, o conhecimento sobre as vinculações das expressões
linguísticas estaria internalizado na mente da criança por meio de Princípios de Ligação –
nesse caso, o chamado Princípio B, que determina que um pronome anafórico deva ser livre
na oração em que estiver inserido. Dessa forma, a pobreza de estímulo não compreende
apenas a insuficiência de dados concretos, mas também a ausência de explicações sobre os
processos sintáticos, como os de vinculações de expressões, durante o processo de aquisição
de língua.17
Chomsky (1986) propõe, ainda, que, associado à GU, exista um dispositivo de
aquisição de língua intrínseco à mente humana que determina regras de acordo com os
princípios e parâmetros linguísticos, a fim de gerar a gramática específica da língua nativa da
criança. Dentre os processos mentais do dispositivo de aquisição de língua, por exemplo,
encontram-se as restrições, que impedem a criança de realizar regras que não se situem no
domínio de seu conhecimento linguístico internalizado, como nos exemplos a seguir, em que
crianças (C) produzem sentenças com léxico distinto daquele do adulto (A).18
(C vai tomar leite, que está muito quente)
A: Tá quente!
C: Então diquenta. (3 anos e 11 meses) (MIOTO et al., 2013, p. 33)
(A mãe fecha uma caixa de brinquedos, decepcionada, C diz:)
C: Cê disabriu! (4 anos e 1 mês) (Idem, p. 33)
(A mãe abaixa o zíper do vestido de C, querendo brincar com ela)
C: Ah (irritada) Não! Cê tá dezipando. (4 anos e 1 mês) (Ibidem, 2013, p. 34)
Além de manifestar a criatividade linguística, os dados evidenciam o conhecimento
das crianças a respeito das restrições das regras de morfologia derivacional do PB, pois,
apesar de os verbos desquentar, desabrir e dezipar não pertencerem ao léxico da língua, sua
17
O Princípio B remete ao ultrapassado modelo teórico de Regência e Ligação, mas sua explicação permanece
válida, embora implementada por outros princípios, como o da Interpretação Plena, e as condições de
legitimidade nas interfaces fonológica e semântica, como será apresentado na seção 2.1.2. 18
A respeito da noção de restrições, V. Guasti (2003).
41
criação não constitui erro ou violação às propriedades gramaticais do PB. Vê-se que, durante
o processo de aquisição de língua, a criança testa regras e lança mão de hipóteses,
selecionando as estruturas fonológicas, morfológicas e sintáticas que constituem a gramática
de sua comunidade linguística. Isso quer dizer que a valoração dos parâmetros de uma língua
não é imediata, mas ocorre no decorrer da experiência.19
A experiência, ressalta Chomsky (1986), não é unívoca para todo falante. Ela é
influenciada por fatores externos, como a instrução formal, e por outros órgãos – uma criança
com problemas severos de coordenação motora, por exemplo, tem seu desenvolvimento
linguístico comprometido. Por sofrer interferências físicas e de outros sistemas cognitivos, as
amostras de dados que auxiliam a criança a adquirir sua língua não revelam os mecanismos da
faculdade da linguagem (CHOMSKY, 1986). Constituem os construtos da denominada
língua-E (E de externo e extensional), por isso, não constituem em objeto de estudo da
Gramática Gerativa, que busca explicar os mecanismos internos da faculdade da linguagem. É
objeto de análise do pesquisador gerativista o estágio da faculdade da linguagem alcançado
após a valoração dos parâmetros, o qual é designado como Língua-I (I de interno, individual e
intensional).
A língua-E é considerada um produto sócio-histórico das comunidades linguísticas, e
seus dados são empregados na descrição das línguas como instituições políticas – as línguas
portuguesa, tupi e quimbundo, por exemplo, são instituições e conceitos políticos. A língua-I,
por outro lado, corresponde à gramática mental e individual resultante da marcação de valores
paramétricos da GU, e estudá-la é condição para explicar o funcionamento dos mecanismos
inatos que o falante lança mão para gerar os dados de sua língua-E. Estudar a língua-E e a
língua-I diz respeito, respectivamente, às exigências de adequação descritiva e explicativa no
estudo das línguas naturais. Apesar de ser a língua-I o objeto de estudo do pesquisador
gerativista, é a partir da descrição dos dados da língua-E que ele busca o respaldo empírico
em sua tarefa de explicar os mecanismos da faculdade da linguagem. A título de ilustração,
apresentamos a seguir um quadro com os arquétipos da faculdade da linguagem de acordo
com o modelo de Princípios e Parâmetros: em seu estágio inicial, a GU, com parâmetros
abertos; em seu estágio final, a Língua-I, com parâmetros valorados – vale ressaltar que a
valoração dos parâmetros linguísticos como binários tem caráter apenas didático, não se
manifestando desse modo nas línguas naturais.
19
Apesar de focarmos apenas na questão da morfologia derivacional do exemplo de Mioto et al. (2013, p. 33),
reconhecemos que há questões fonológicas, sintáticas, semânticas, discursivas e pragmáticas relevantes para o
estudo da aquisição de língua.
42
Ilustração 3: Faculdade da linguagem conforme o modelo de Princípios e Parâmetros.20
Arquétipo: Princípios (Prx): Parâmetros (Pax):
Gramática Universal Pr1, Pr2, Pr3, Pr4... Pa1[+/-], Pa2 [+/-], Pa3 [+/-],Pa4 [+/-]...
Língua-I Pr1, Pr2, Pr3, Pr4... Pa1 [+], Pa2 [-], Pa3 [+],Pa4 [-]...
Dentre os princípios das línguas naturais, há o Princípio de Projeção Estendida (EPP,
do inglês Extended Projection Principle). De acordo com esse princípio, todo predicado tem
um sujeito. A expressão fonética do sujeito, por seu turno, dá-se pela marcação positiva de um
parâmetro designado parâmetro do sujeito nulo, ou parâmetro pro-drop. Destarte, classificam-
se as línguas que valoraram esse parâmetro como línguas de sujeito nulo, ou línguas pro-drop.
Línguas de sujeito nulo apresentam um pronome nulo (pro) na posição de sujeito para
satisfazer o requerimento estabelecido pelo Princípio de Projeção Estendida. Uma
característica das línguas de sujeito nulo, portanto, é a possibilidade de sujeitos pronominais
definidos não serem fonologicamente expressos, enquanto há o requerimento de que eles
sejam expressos em línguas de parâmetro não pro-drop, conforme, respectivamente, os dados
em português europeu (PE) e italiano – (5a) e (5b) – e em francês e inglês – (5c) e (5d).
(5) a. pro Falamos português.
b. pro Parliamo italiano.
c. *Parlons français.
d. *Speak English.
Chomsky (1981) explica a agramaticalidade de sentenças como em (5c) e (5d) como
resultantes da ausência de morfemas flexionais de número-pessoa bem definidos em línguas
que não são de sujeito nulo, o que não ocorre em línguas de sujeito nulo como (5a) e (5b),
cuja morfologia verbal contém flexões de número-pessoa bem definidas, possibilitando a
interpretação das sentenças. Dessa forma, associou-se ao paradigma verbal das línguas a
valoração do parâmetro do sujeito nulo, conforme a ilustração a seguir.21
20
As notações para representar os princípios e os parâmetros foram retirados de Kato (2013) e transformados em
quadro a título de ilustração. 21
A respeito das demais propriedades que valoram o parâmetro do sujeito nulo, V. Huang (1984) e Rizzi (1986).
43
Ilustração 4: Paradigma verbal em línguas pro-drop e não pro-drop.
Pessoa gramatical
Línguas pro-drop
(PE e italiano)
Línguas não pro-drop
(francês e inglês)
Falar Parlare Parlez Speak
1ª p.s falo parlo parle speak
2ª p.s falas parli parles speak
3ª p.s fala parla parle speaks
1ª p.p falamos parliamo parlons speak
2ª p.p falais parlate parlez speak
3ª p.p falam parlano parlent speak
Em PE e italiano, a fixação de uma terminação flexional exata para cada pessoa
gramatical promove a interpretação do sujeito pronominal das sentenças sem, contudo, ele se
realizar fonologicamente, o que não ocorre em francês e inglês. A partir dessa conjetura,
inovações na expressão do sujeito do PB em comparação com o PE têm sido estudadas a
partir do argumento de que a reestruturação do paradigma verbal associada a mudanças no
paradigma pronominal e na expressão semântica da categoria pessoa no PB teriam
desencadeamento o surgimento de construções como as exemplificadas em (6), nas quais um
sujeito nulo indeterminado é licenciado com verbos na terceira pessoa do singular (cf.
GALVES, 1987, 2001; DUARTE, 1993, 1995; entre outros).
(6) a. Nos nossos dias, não usa mais saia. (GALVES, 1987, p. 37)
b. Era ali que se via as garotas, e depois dava uma passada na Imperial.
(DUARTE, 1995, p. 39)
A respeito dos fatores gramaticais que teriam desencadeado o licenciamento de
construções como em (6), Duarte (1995) propôs o quadro a seguir para os paradigmas verbal e
pronominal do PB, no qual os paradigmas 1, 2 e 3, respectivamente, dizem respeito a períodos
caracterizados por alterações nos sistemas flexional e pronominal – evidentemente, esses
períodos têm seus correlatos nos períodos da história, mas determiná-los não era objetivo da
autora.
44
Ilustração 5: Paradigmas pronominais e flexionais em PB.
Pess./Nº. Pronome Paradigma 1 Paradigma 2 Paradigma 3
1ª sing. Eu am o am o am o
2ª sing. Tu
Você
am a s
am a
-
am a
-
am a
3ª sing. Ele/Ela am a am a am a
1ª plur. Nós
A gente
ama a mos
-
ama a mos
am a
-
am a
2ª plur. Vós
Vocês
am a is
am a m
-
am a m
-
am a m
3ª plur. Eles/Elas am a m am a m am a m
Fonte: Duarte (1995, p. 32).
2.1.2 O Programa Minimalista e as operações do sistema computacional
Em The Minimalist Program, Chomsky (1995) introduz uma abordagem nos estudos
da Gramática Gerativa em que o sistema computacional da linguagem é considerado um
sistema perfeito que busca a melhor forma de solucionar a questão das interfaces fonológica e
semântica (π, λ) na derivação sintática. Dessa forma, Chomsky (1995) considera uma língua
como um procedimento que gera representações em pares (π, λ), interpretados como
instruções para os sistemas de desempenho. Assim, o linguista propõe que o sistema
computacional interage com os sistemas de desempenho em dois níveis de interface: Forma
Fonética (PF, do inglês Phonetic Form) e Forma Lógica (LF, do inglês Logical Form).
Os níveis de interface impõem restrições ao sistema computacional, pois cada um
interpreta apenas os traços referentes a seu sistema. PF é responsável por transformar as
representações sintáticas em instruções interpretáveis na interface articulatória-perceptual,
enquanto LF é responsável por transformar as representações sintáticas em instruções
interpretáveis na interface conceitual-intencional. Quando ambos os sistemas licenciam as
representações geradas pelo sistema computacional são atendidas as condições para o
Princípio de Interpretação Plena (FI, do inglês Full Interpretation) da derivação. O momento
em que as informações do par (π, λ) da derivação em curso no sistema computacional são
levadas para PF e LF é chamado Spell-out.
Para iniciar uma derivação, o sistema computacional da linguagem começa a operar a
partir da disposição em índice de itens lexicais possuidores de traços fonológicos, semânticos
e formais numa Numeração (N). Dado o arranjo de uma Numeração como N = {Pedro1,
enganar1, suas1, mulheres1}, o sistema computacional efetua operações até gerar uma
derivação que converge. Primeiramente, um procedimento, denominado Select, seleciona os
45
itens lexicais disponibilizados em N até reduzir seus índices a zero no espaço derivacional.
Reduzidos os índices a zero, outras operações vão dar prosseguimento à computação. Assim,
Merge atua recursivamente na concatenação do léxico selecionado de N, construindo objetos
sintáticos. Após a concatenação dos objetos sintáticos, as operações Agree e Move atuam,
respectivamente, na verificação dos traços-φ (gênero, número e pessoa) do especificador em
relação ao verbo e na valoração de Caso abstrato. Considerando a representação a seguir,
vejamos como o sistema computacional efetua operações para gerar expressões linguísticas.
(7) IP
Spec I‟
Pedroi
Iº VP
enganouj
Spec V‟
ti
Vº
DP
tj
muitas mulheres
Em (7), Merge concatena o pronome muitas e o nominal mulheres no objeto sintático muitas
mulheres, um DP; logo após, concatena o DP e o verbo enganar, formando uma projeção
intermediária, V‟; por fim, concatena o nominal Pedro a V‟, para projetar VP – caso houvesse
mais itens lexicais em N, Merge continuaria a operar recursivamente no espaço derivacional.
Formados os objetos sintáticos, Agree executa sua computação verificando os traços-φ
(gênero, número e pessoa) do especificador em relação ao verbo. Depois de amalgamada a
flexão, ocorre a valoração de Caso nominativo, que é uma propriedade de I legitimada por
intermédio de Move. Assim, o nominal Pedro move-se para a posição de especificador do
núcleo funcional IP, a fim de receber Caso nominativo e adquirir estatuto gramatical de
sujeito.
O Caso abstrato refere-se ao fato de que, no plano teórico da Gramática Gerativa,
todas as línguas naturais atribuem Caso/caso aos DPs que constituem as sentenças, embora
nem todas o façam por meio de marcas morfológicas como as do latim, que possuía sete casos
marcados pelas terminações flexionais dos nomes, a saber: nominativo, acusativo, dativo,
46
genitivo, vocativo, ablativo e locativo. Em (8), por exemplo, os morfemas -us e -as marcam,
respectivamente, os casos nominativo masculino e acusativo feminino em latim.22
(8) [IPRestitvtvs [DPmvltas t [I‟decepit [sepe [DPpvellas]]]]] (CIL 4.5251)23
„Restituto frequentemente enganou muitas mulheres‟
A marcação morfológica de caso possibilita maior flexibilidade com relação à ordem
dos constituintes da sentença, conforme se observa na partição dos constituintes do DP em
(8). Por hipótese, as línguas que não possuem morfologia de caso atribuem Caso abstrato e
apresentam maior restrição quanto à ordem dos elementos da sentença. Ao legitimar a
atribuição de Caso abstrato, Move deve satisfazer a condições de economia, pois, no
Programa Minimalista, a derivação favorece, preferencialmente, relações locais e estruturas
simples.
2.1.3 Desenvolvendo uma hipótese para explicar a mudança sintática no português brasileiro
em Goiás
Numa abordagem teórica em que se considera a gramática das línguas naturais como
resultado da fixação de parâmetros de um aporte genético da espécie humana cujos princípios
são imutáveis, pressupõe-se que a mudança sintática deva ser considerada como resultado de
uma mudança paramétrica no percurso histórico das línguas naturais. Dessa maneira, para
realizar uma análise de orientação inatista que explique como se licenciou determinada
inovação na expressão do sujeito no PB, tem-se que apresentar como argumento para explicar
a mudança o parâmetro do sujeito nulo, que exibiria modificações em seu valor estritamente
consistente no PB em relação ao PE.24
Segundo Kroch (2001), a mudança sintática é provocada por uma falha na transmissão
de traços linguísticos entre gerações. Kroch (2001) afirma, portanto, que o estudo da mudança
sintática deva ser formulado em termos de processo de aquisição de língua, pois, entre adultos
monolíngues, a mudança sintática não é muito atestada na literatura, limitando-se
principalmente ao vocabulário. Por outro lado, se crianças adquirem um traço linguístico de
22
Quando utilizamos o termo Caso, com inicial maiúscula, referimo-nos ao Caso abstrato atribuído aos DPs no
âmbito teórico da Gramática Gerativa. O termo caso, escrito com inicial minúscula, refere-se ao caso
morfológico atribuído aos sintagmas de línguas como o latim, o russo e o polonês. 23
CIL: Corpus Inscriptionum Latinarum. Disponível em: http://cil.bbaw.de/cil_en/index_en.html. 24
Retomaremos a questão do parâmetro do sujeito nulo no PB no Capítulo 3.
47
modo falho, isto é, de modo desviante em relação à gramática do adulto, há a possibilidade de
elas provocarem alguma mudança na estrutura da língua, pois sua faculdade da linguagem
ainda não teve marcadas todas as opções paramétricas desencadeadas pela experiência para o
desenvolvimento da língua-I. Kroch (2001) pondera que o entendimento do que vem a ser
uma falha na transmissão de traços linguísticos é limitado, pois não se pode precisar a relação
entre a evidência apresentada ao aprendiz e a gramática que ele adquire. Afirma, ainda, que
alterações nas condições de transmissão de uma dada língua por meio do contato de línguas
também propiciam a mudança gramatical. A partir desses argumentos, inferimos que, devido
ao contexto social e linguístico do Goiás colonial e imperial, ameríndios e africanos
adquiriram o português como segunda língua (L2). Com o tempo, seus filhos tiveram como
evidência para a aquisição de primeira língua o português aprendido como L2.
Dito isso, a hipótese que se coloca é a de que mudanças na gramática do PB em Goiás
teriam sido provocadas pela transmissão do português adquirido por falantes de português
como L2 a seus descendentes, os quais, de acordo com as especificações da faculdade da
linguagem durante a aquisição de língua, poderiam provocar alguma mudança na língua da
comunidade de língua portuguesa que ali se formava entre os séculos XVIII e XIX. Vê-se que
a hipótese de mudança sintática que adotamos para a constituição das particularidades da
gramática do PB em Goiás não defende o julgamento de que estruturas de línguas indígenas e
africanas tenham sido emprestadas ou transmitidas para o PB.
Entendemos que a interpretação das formas linguísticas do português por ameríndios e
africanos ocorreu com base em suas línguas-I já parametrizadas e, até mesmo, por demais
especificações da faculdade da linguagem, tendo em vista que tanto a aquisição quanto a
mudança sintática são condicionadas pelo requerimento de que as línguas naturais se adaptam
a especificações da faculdade da linguagem (Kroch, 2001). Por outro lado, entendemos que a
aquisição de língua pelos filhos de ameríndios e de africanos nascidos em Goiás deu-se por
intermédio do total acesso à faculdade da linguagem. Dessa forma, as opções paramétricas
que emergiram na gramática do português dos filhos de ameríndios e de africanos foram
potencialmente distintas daquelas adquiridas por seus pais, pois, conforme ressaltou Kroch
(2001), as crianças estão mais sujeitas a provocar a mudança sintática devido a sua faculdade
da linguagem ainda não ter marcadas todas as opções paramétricas desencadeadas pela
experiência para o desenvolvimento da língua-I – e marcá-las, independentemente de
corresponderem à gramática do adulto, é o objetivo constitucional do processo de aquisição
de língua (Roberts e Roussou, 2003).
48
Lucchesi e Baxter (2009) propuseram algo semelhante à nossa hipótese ao afirmarem
ser o PB decorrente de uma transmissão linguística irregular. Para os autores, a transmissão
linguística irregular, no Brasil, se deu inicialmente pela aquisição do português europeu por
africanos adultos, que, segundo os autores, por serem adultos, não tinham acesso aos
dispositivos necessários da faculdade da linguagem durante a aquisição do português. Como o
contato linguístico se delongou, teria ocorrido a transmissão de estruturas gramaticais
conforme aprendidas pelos adultos africanos para seus filhos em processo de aquisição de
língua e, consequentemente, daí teria resultado a mudança linguística (Lucchesi e Baxter,
2009). Lobato (2006), por outro lado, argumenta que possíveis inovações gramaticais
oriundas da influência de línguas indígenas e africanas na constituição do PB teriam ocorrido
considerado que os indivíduos daquelas línguas, ao aprenderem o português europeu como
segunda língua, interpretaram as formas linguísticas não em suas propriedades intensionais,
mas, sim, em suas propriedades extensionais. Vale ressaltar que as propriedades extensionais
partem do desempenho linguístico dos falantes nas situações reais de fala, isto é, referem-se a
um conjunto de enunciados, à Língua-E. Por seu turno, as propriedades intesionais são
conceitos linguísticos construídos mentalmente, inerentes à competência linguística, ou seja,
referem-se à capacidade linguística bioprogramada, à língua-I.
É necessário fazermos algumas ponderações a respeito das hipóteses de Lucchesi e
Baxter (2009) e de Lobato (2006) em relação à hipótese que estamos propondo.
Diferentemente de Lucchesi e Baxter (2009), argumentamos que não só africanos, mas
também ameríndios, por já estarem acostumados a contexto de bilinguismo e multilinguismo,
tiveram, a partir de especificações da faculdade da linguagem, uma aquisição quase completa
das propriedades do português europeu, o que se comprova na transmissão do português que
adquiriram a seus filhos – a ausência de evidências durante a aquisição impossibilitaria a essa
população a aquisição do português como língua materna durante a infância. Seguindo essa
argumentação, posicionamo-nos contrários também à hipótese de Lobato (2006), pois estamos
sugerindo que a aquisição do português europeu pelos ameríndios e africanos se deu em suas
propriedades intensionais, especialmente a partir das propriedades dos parâmetros de suas
línguas-I, e não em suas propriedades extensionais, conforme propôs Lobato (2006).
Ao utilizarmos o termo segunda língua (L2) para a aquisição do português europeu por
ameríndios e africanos estamos fazendo uma generalização em termos de simplificação
teórica e descritiva, pois, sabemos que grande parte dos ameríndios e africanos que viveram
na América portuguesa estavam acostumados a contextos de multilinguismo e, possivelmente,
49
também podem ter adquirido outra língua, que não o português europeu, como segunda
língua. A mesma simplificação ocorre quando alegamos que ameríndios e africanos
adquiriram o português europeu de acordo com suas línguas-I. Sabemos que a aquisição de
qualquer língua se dá, de fato, de acordo com especificações da faculdade da linguagem.
Utilizamos o conceito língua-I para reforçar a ideia de que esses povos, apesar de não estarem
em processo de aquisição de primeira língua, possuíam mecanismos inatos para adquirir o
português europeu como segunda língua.
Ainda, faz-se necessário ponderar duas questões – uma histórica e outra linguística –
que envolvem a hipótese defendida. A questão histórica, considerando o exposto no Capítulo
1, diz respeito ao fato de que nossa hipótese confere à aquisição do português como primeira
língua pelos mestiços a emergência da gramática do PB em Goiás, tendo em vista os mestiços
apresentarem o maior contingente populacional na região durante os séculos XVIII e XIX. A
questão linguística é a de que, ao eliminar a comparação entre estruturas de línguas indígenas
e africanas com o PB de nosso escopo de pesquisa, valemo-nos do argumento que a gramática
como objeto de estudo da Gramática Gerativa diz respeito à possibilidade de se gerar
estruturas limitadas pelas especificações da faculdade da linguagem, e não a um inventário de
estruturas.
2.2 Linguística Histórica, Gramática Gerativa e a constituição de um corpus linguístico
Na Linguística Histórica, há dois tipos de pesquisa da mudança sintática que se
destacam: o primeiro pesquisa a gramática das línguas do passado, e o segundo pesquisa a
mudança na gramática das línguas do presente. Na tentativa de reconstrução de línguas sem
falantes vivos, o primeiro tipo diz respeito aos estudos da sintaxe comparativa através de
textos históricos, enquanto o segundo tipo diz respeito aos estudos em torno da inconstância
diacrônica da sintaxe e da transição entre gramáticas em registros históricos (KROCH, 2001).
Segundo Kroch (2001), se as questões-chave da Linguística Histórica são como e porque a
mudança linguística ocorre, então, o aspecto diacrônico no estudo da mudança sintática tem
maior contribuição para a Linguística como um todo, tendo em vista que esse aspecto
contribui com informações não disponíveis no estudo sincrônico das línguas naturais.
Para realizar uma análise sobre a ocorrência de construções com sujeito nulo
indeterminado com verbo na terceira pessoa do singular no PB fundamentada no aspecto
50
diacrônico da sintaxe mencionado por Kroch (2001), decidimos constituir um corpus com
manuscritos goianos no âmbito do projeto de pesquisa Estudos sobre a constituição do
português brasileiro, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da
Universidade de Brasília. Procuramos esses manuscritos junto às seguintes instituições:
Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central (IPEHBC), localizado em
Goiânia (GO); Arquivo Histórico Estadual de Goiás, localizado em Goiânia (GO); e o
Arquivo Frei Simão Dorvi, também localizado na cidade de Goiás (GO). No quadro a seguir,
ilustram-se os documentos adquiridos.
Ilustração 6: Manuscritos goianos adquiridos no âmbito do projeto Estudos sobre a
constituição do português brasileiro.
Documentos Século
XVIII
Século
XIX
Século
XX
Autoria Arquivo ou
depósito legal
1. Cópia dos
capítulos da
primeira e última
visita que fez o
padre Alexandre
Marquez do Valle
1734-1799 1800-1824
Padre
Alexandre
Marquez do
Valle e outros
IPEHBC
2. Documentos
contratuais e
regimentais
1749 Reino de
Portugal
Arquivo
Histórico de
Goiás
3. Livro para servir
no registro do
Caminho Novo de
Parati
1724-1762
Thomé Ignácio
Mascarenhas e outros
Arquivo
Histórico de
Goiás
4. Diário de
viagem do Barão
de Mossâmedes
(1771-1773)
1771-1773
Thomas de
Souza e outro
escriba
IPEHBC
5. A Matutina
Meiapontense
1830-1834
Diversa Arquivo Frei
Simão Dorvi
6. Semanario
Official
1855-1899 1900-1909 Pacífico
Aranha
(editor)
Arquivo Frei
Simão Dorvi
7. Memorial de
lembranças de
Anna Joaquina da
Silva Marques
(1881-1930)
1881-1899 1900-1930 Anna Joaquina
da Silva
Marques
IPEHBC
8. A República 1896-1897 Pacífico
Aranha
(editor)
Arquivo Frei
Simão Dorvi
51
Dos documentos acima listados, escolhemos apenas dois para constituir nosso corpus
de análise, quais sejam:
(i) a edição fac-símile do Diário de viagem do Barão de Mossâmedes (1771-1773),
organizada por Pinheiro e Coelho (2006). Na edição fac-símile, os organizadores
utilizaram as Normas técnicas para transcrição paleográfica de textos brasileiros, de
João Eurípedes Franklin Leal, para editar os dois documentos que registraram as
viagens feitas à capitania de Goiás por José de Almeida Vasconcellos Soveral e
Carvalho (Barão de Mossâmedes), quarto governador das Minas dos Goyazes
escolhido diretamente pelo Marquês de Pombal, e Tomás de Souza Villa Real, escriba,
geógrafo e autor de dois mapas da capitania de Goiás. O texto original foi escrito entre
1771 e 1773, e seu autor, o escriba, é de origem portuguesa. Há também um escriba
que não se identifica no texto, mas, segundo Pinheiro e Coelho (2006), é notória a
distinção de sua caligrafia da caligrafia do geógrafo. O documento possui relatos de
caminhos percorridos pelos viajantes, dos arraiais, da divisão civil, da organização das
milícias, da construção de aldeamentos indígenas e dos embates com os índios na
capitania de Goiás;25
(ii) a transcrição em elaboração do Memorial de lembranças de Anna Joaquina da Silva
Marques (1881-1930), sob a responsabilidade do IPEHBC. Apesar de ser irmã de duas
ilustres professoras da histórica cidade de Goiás (mestra Lili e mestra Nhola), a autora
do texto é conhecida especialmente pela preservação de seus escritos lacônicos. O
Memorial é constituído de cadernos e textos avulsos redigidos por quase cinco décadas
ininterruptas, com o intuito de que nada ao redor da autora ficasse no esquecimento;
por isso, há em todo o texto relatos simples da vida cotidiana, como a visita de algum
conhecido, as idas para beijar o Senhor dos Passos, bem como relatos históricos, como
o incêndio da Igreja da Boa Morte e os relatos da recepção dos vilaboenses às notícias
sobre a queda do regime monárquico e a proclamação da República, entre outros
acontecimentos.26
Elegemos esses documentos por se enquadrarem parcialmente na mesma tipologia
textual (diário de viagem e diário pessoal), pelo tempo percorrido na escrita de um para outro
25
Anexo 6: fotocópia da edição fac-símile do Diário de Barrão de Mossâmedes (1771-1773). 26
Anexo 7: fotocópia do manuscrito Memorial de lembranças de Anna Joaquina da Silva Marques (1881-1930).
52
(um século) e por critérios técnicos, tais como autoria atestada pelos arquivistas e
historiadores das instituições a que pertencem os documentos, legibilidade e conservação da
grafia e do conteúdo sintático originais na transcrição dos dados. Destacamos alguns dos
critérios empregados na transcrição do Diário por Pinheiro e Coelho (2006):
as palavras indevidamente grafadas unidas foram separadas, mantendo-se
apenas aquelas que não dificultassem a leitura, como, por exemplo, os
pronomes enclíticos; (...) as palavras de leitura duvida foram seguidas de
interrogação entre colchetes [?]; (...) as palavras grafadas com omissão de
letras, supressão ou troca de sílabas, omissões ou repetições, foram
transcritas exatamente como no original por mais estranhas que fossem,
colocando-se à sua frente, entre colchetes, a palavra latina [sic]. (op. cit., p.
19-20).
Apesar do rigor aplicado na transcrição da obra, a edição fac-símile do Diário não está
isenta de adaptações do texto original. Em certo trecho da transcrição, por exemplo, os
editores optaram por introduzir o clítico acusativo se após o verbo criar, sem que aquele
estivesse incluso na construção original.
Ilustração 7: Exemplo de adaptação na transcrição da edição fac-símile do Diário de
Viagem de Barão de Mossâmedes (1771-1773).
Construção original Construção editada
Criam grandíssimos Peyxes mayores do que
hum homem, alguns chamados seboris,
Dourados, Matrinchans, e outros. Neste
Rancho do Abayté se mandam fazer
Fogueyras, e dar descargas em obzequio de
Sam João (PINHEIRO E COELHO, 2006, p.
50)
Criam-se grandíssimos Peyxes mayores do
que hum homem, alguns chamados seboris,
Dourados, Matrinchans, e outros. Neste
Rancho do Abayté se mandam fazer
Fogueyras, e dar descargas em obzequio de
Sam João (PINHEIRO E COELHO, 2006, p.
51)
Esse tipo de caso de maneira alguma desqualifica os dados apresentados pela edição
fác-simile do Diário, pois não ocorre com frequência e há a possibilidade de o pesquisador
recuperar os dados através da consulta à cópia do manuscrito original – numa situação
extrema de dúvida sobre a originalidade dos dados, incluindo os do Memorial, o pesquisador
poderia recuperar quaisquer dados através do livre acesso aos manuscritos na instituição que
os preserva.
Os dados linguísticos que compõem nosso corpus são de construções com se e de
construções com sujeito nulo indeterminado com verbo na terceira pessoa do plural e do
singular – dados de algum tipo de construção que forneça suporte para nossa análise também
53
serão utilizados em nossa análise, mas não constituem o corpus. Em relação ao Diário,
descartamos os dados da primeira parte do manuscrito, escritos entre os anos de 1771 e 1772,
pois, apesar de serem numericamente superiores aos dados da segunda parte do Diário, seus
dados repetem excessivamente os mesmos verbos num mesmo tipo de construção sintática.
Por essa razão, optamos por dados da segunda parte do Diário, escrita em 1773 e denominada
Diário 2º da Marcha no frontispício do manuscrito, em que há uma quantidade menor de
dados, mas apresentados com um maior número de itens verbais. No que concerne ao
Memorial, tendo em vista o recorte temporal dado para nossa investigação (séculos XVIII e
XIX), decidimos utilizar para a composição do corpus dados registrados entre os anos de
1881 e 1889 (século XIX). Dessa forma, o número de dados de cada manuscrito para compor
o corpus foi: 46 dados do Diário e 59 dados do Memorial, totalizando 105 dados.27
Vale ressaltar que em uma pesquisa com o enfoque diacrônico da mudança sintática
em consonância com o recomendado por Kroch (2001), os registros históricos não são
tomados como objeto de estudo per si, mas, sim, como objetos que constituem dados
linguísticos que fornecem “evidências sobre os mecanismos internos da mente e sobre os
modos como esses mecanismos operam ao executar as ações e ao interpretar a experiência”
(CHOMSKY, 2005, p. 33). Ao atuar assim nossa investigação diacrônica atende aos modelos
de adequação descritiva e explicativa propostos pela Teoria Gerativa (CHOMSKY, 1986),
bem como integra o objetivo fundamental da Linguística Histórica, que é explicar como e
porque a mudança ocorre no interior da língua (KROCH, 2001).
2.3 Síntese do capítulo
Neste capítulo, apresentamos os pressupostos inatistas da faculdade da linguagem e os
modelos da arquitetura da gramática no âmbito da Teoria Gerativa. Demonstramos três
propriedades da faculdade da linguagem (recursividade, infinitude discreta e criatividade) e
vimos que uma gramática possui princípios gramaticais rígidos e parâmetros gramaticais
variáveis (língua-I) e se distingue do conceito de língua como entidade política e social
(língua-E). Discutimos o Programa Minimalista, no qual o léxico, o sistema computacional, a
Forma Fonética e a Forma Lógica constituem a arquitetura da gramática. Para justificar a
incursão pela sócio-história do PB no capítulo anterior, reconhecemos que a emergência da
27
Apêndice: Corpus da Pesquisa de Mestrado Sujeito nulo indeterminado no português brasileiro: uma
investigação diacrônica em Goiás.
54
gramática do PB é acompanhada de dois momentos: a aquisição da língua portuguesa como
L2 por ameríndios e africanos e a transmissão dessa língua adquirida como L2 a seus filhos
nascidos no Brasil e em processo de aquisição de língua, sendo que esse último momento é o
que caracteriza a constituição do português brasileiro na região de Goiás. Por fim,
apresentamos os critérios e os métodos utilizados para a aquisição e a análise do corpus de
nossa pesquisa. No capítulo a seguir, apresentamos nossa análise do corpus supracitado.
55
CAPÍTULO 3
Mudança na Expressão do Sujeito no Português Brasileiro: Um
Estudo em Manuscritos Goianos
Conforme foi visto no capítulo precedente, construções sintáticas como em (9), na
qual o sujeito é uma categoria vazia e o verbo se conjuga na terceira pessoa do singular,
chamam a atenção do pesquisador gerativista para a discussão a respeito do parâmetro do
sujeito nulo no PB.
(9) Nos nossos dias, não usa mais saia. (GALVES, 1987, p. 37)
A partir da análise quantitativa da ocorrência de sujeitos nulos na fala de falantes
cultos do PB no Rio de Janeiro, por exemplo, Duarte (1995) sugeriu a possibilidade de o PB
mudar de uma língua de sujeito nulo para uma língua de sujeito não nulo, tendo em vista que
a reestruturação do quadro pronominal do PB teria reestruturado seu paradigma verbal e,
consequentemente, limitado o licenciamento de sujeitos nulos referenciais. Por seu turno,
Negrão (1999), a partir da análise de Huang (1984) para as línguas de sujeito nulo, assumiu
que o PB seria uma língua de sujeito nulo orientada para o discurso, tendo em vista a função
informacional dos constituintes da sentença no PB, isto é, funções de tópico do discurso ou
foco, e também o escopo de sintagmas quantificados. Em nossa pesquisa, não debateremos
minuciosamente as análises de Duarte (1995) e Negrão (1999), pois partimos de outra
premissa: a de que o PB se caracteriza como uma língua de sujeito nulo parcial. Dessa forma,
apresentamos, neste capítulo, a proposta de Roberts e Holmberg (2010) e de Holmberg e
Sheehan (2010) para a marcação do parâmetro do sujeito nulo nas línguas naturais. Tratamos
ainda da abordagem dada às construções com se por Raposo e Uriagereka (1996), de modo a
evidenciar que essas construções também representam uma distinção entre a gramática do PE
e a do PB. Com isso, analisamos os dados do corpus diacrônico desta dissertação à luz da
hipótese de que o português brasileiro no século XIX, em Goiás, já se manifestara, em
oposição ao PE, como uma língua de sujeito nulo parcial. Por fim, trazemos a proposta de
56
Pilati e Naves (2013) e Naves et al. (2013) para as construções com sujeito nulo
indeterminado na terceira pessoa do singular no PB, observando que os dados diacrônicos que
constituem o nosso corpus nesta pesquisa corroboram a análise das autoras.
3.1 Parâmetro do sujeito nulo e mudança sintática no português brasileiro
Os trabalhos seminais de Chomsky (1981), Huang (1984) e Rizzi (1986) apontam a
ocorrência de sujeito nulo, referencial e definido em orações finitas, a livre inversão do sujeito
e distintas terminações flexionais verbais para designar as pessoas do discurso como fatores
gramaticais que podem condicionar a marcação do parâmetro do sujeito nulo das línguas
naturais. Considerando esses argumentos, Roberts e Holmberg (2010, p. 1-14) distinguem
quatro tipos de línguas que manifestam o parâmetro do sujeito nulo, quais sejam: a) línguas de
sujeito nulo consistente, em que todas as pessoas são recuperadas por um pronome não
expresso, pois distinguem as pessoas gramaticais nas terminações flexionais dos verbos – o
italiano é um exemplo de língua de sujeito nulo consistente, conforme o exemplo em (10)
com o verbo „beber‟; b) línguas de sujeito nulo expletivo, que apresentam a característica de
licenciar sujeito nulo expletivo, mas não licenciam sujeitos nulos referenciais, como ocorre
com o alemão em (11); c) línguas de sujeito nulo orientadas para o discurso, que licenciam
sujeito nulo livremente, sem, contudo, exibir uma gramática em que as terminações flexionais
dos verbos recuperem as pessoas do discurso – igualmente essas línguas licenciam objetos
nulos, conforme o exemplo do chinês em (12); d) e línguas de sujeito nulo parcial, que
possuem três características: somente a primeira e a segunda pessoas do discurso podem ser
recuperadas na morfologia verbal de determinadas orações finitas; o pronome definido de
terceira pessoa na posição de sujeito só pode ser nulo quando é controlado por um argumento
mais alto; pronomes genéricos devem ser nulos, como ocorre com o finlandês em (13).
(10) a. bevo – 1ª p.s
bevi – 2ª p.s
beve – 3ª p.s
beviamo – 1ª p.p
bevete – 2ª p.p
bevono – 3ª p.p
57
(11) Gestern war *(es) geschlossen.
Ontem estava (expletivo) fechado.
„Ontem estava fechado‟
(12) a. Ø kanjian ta le
(ele) viu ele ASP
b. Ta kanjian Ø le.
Ele viu (ele) ASP
„Ele viu ele‟
(13) Täällä ei saa polttaa
Aqui não pode fumar
„Não pode fumar aqui‟
A partir da evidência de que a gramática do PB não mais apresenta terminações
flexionais para cada pessoa do discurso como o PE, que é uma língua de sujeito nulo
consistente como o italiano, Roberts e Holmberg (2010) e Holmberg e Sheehan (2010)
assumem que o PB é uma língua de sujeito nulo parcial. Para justificar essa argumentação,
Holmberg e Sheehan (2010, p. 125-152) argumentam que línguas de sujeito nulo parcial, além
de apresentarem construções com verbo de tempo e sujeitos nulos não argumentais como em
“Está chovendo”, apresentam sujeito nulo não referencial, como em (14a), costumam permitir
sujeito nulo em orações finitas quando são controlados por um argumento de orações mais
elevadas, como em (14b). Afirmam, ainda, que algumas línguas de sujeito nulo parcial
permitem que a primeira e a segunda pessoa do discurso sejam expressas com pronomes nulos
mesmo sem um antecedente linguístico e que nenhuma dessas línguas permite que um
determinado sujeito nulo de terceira pessoa seja incorporado numa sentença finita sem um
antecedente linguístico local. Em (14c), (14d) e (14e), apresentamos exemplos nossos para os
últimos argumentos de Holmberg e Sheehan (2010) em relação à manifestação de sujeito nulo
sem antecedente linguístico para a primeira, segunda e terceira pessoa do discurso,
respectivamente.
58
(14) a. É assim que faz o doce.
b. O João1 disse que (ele1) tinha comprado uma casa.
c. (1ª p.s) Vim de Pirenópolis ontem.
d. *(2ª p.s) Nasceu em Jataí.
e. *(3ª p.s) Nasceu em Jataí.
É preciso fazer duas observações quanto aos exemplos acima: em (14b), segundo o qual, para
Holmberg e Sheehan (2010, p. 131), o antecedente da segunda oração só pode ser João, é
possível que, no PB, o pronome nulo tenha como referente um elemento linguístico de uma
pergunta como “Tem notícias do Pedro depois do casamento?” – (cf. (15)).
(15) a. O João1 disse que (ele2) tinha comprado uma casa em Rio Verde, mas (ele2) não se
mudou ainda.
A segunda observação diz respeito à impossibilidade de o PB licenciar sujeito nulo de
segunda e de terceira pessoa sem algum referente linguístico, como se pode ver em (14d) e
(14e). Com a reestruturação do quadro pronominal e do paradigma verbal do PB, a segunda e
a terceira pessoa tanto do singular quanto do plural possuem as mesmas terminações verbais,
impossibilitando a interpretação da pessoa do discurso sem algum antecedente linguístico (cf.
GALVES, 1987; DUARTE, 1995).
Ainda em relação aos exemplos de (14), interessa-nos sobremodo o exemplo (14a), no
qual uma categoria vazia ocupa a posição de sujeito de um verbo na terceira pessoa do
singular (HOLMBERG E SHEEHAN, 2010, p. 128). Conforme assinalamos, é interesse desta
dissertação analisar esse tipo de construção em manuscritos goianos de modo a inferir a
possibilidade de o PB em Goiás já ter se apontado como uma língua de sujeito nulo parcial no
século XIX, considerando a hipótese de a aquisição do português por ameríndios e africanos
e, posteriormente, a transmissão do português adquirido por ameríndios e africanos a seus
descendentes terem provocado essa mudança no PB em Goiás.
Holmberg e Sheehan (2010, p. 129) associam construções com sujeito nulo
indeterminado, como em (14a), às construções com se, também chamadas pela gramática
tradicional de passivas sintéticas: “É assim que se faz o doce”. Faz-se necessário, portanto,
mostrarmos algumas explicações teóricas para as construções com se no PB e também no PE,
a fim de comentarmos o estatuto gramatical dos argumentos e complementos dessas
59
construções.28
Segundo Naro (1976), as chamadas passivas sintéticas pela gramática tradicional,
começaram a não mais apresentar o agente a partir do século XVI. Para o autor, o apagamento
do PP agente da passiva, no período clássico da língua portuguesa, teria desencadeado a
mudança na leitura da voz do verbo de passiva para ativa e, posteriormente, no padrão de
concordância estabelecido por essas construções. Naro (1976) exibe a agramaticalidade das
passivas sintéticas com o agente expresso para o português contemporâneo (17a) em
comparação com sua gramaticalidade em um verso de Os Lusíadas, correspondente ao
português clássico (17b).
(16) a. *Vendem-se estas casas pelos donos. (NARO, 1976, p. 780)
b. Aqui se escreverão novas histórias, por gentes estrangeiras. (NARO, 1976, p. 781)
Além da perda histórica do agente da passiva sintética, tem-se que construções com se,
como em (18), passaram a ter influência de outra característica da gramática do PB, tornando-
a cada vez mais distante da gramática do PE: a promoção de argumento interno para a posição
de sujeito (cf. CYRINO, 2007). Em construções em que o argumento é promovido para a
posição de sujeito, há, portanto, um sujeito lexical, como em (17).
(17) a. A revista está xerocando. (CYRINO, 2007, p. 86)
(18) a. Xerocaram-se as revistas. (CYRINO, 2007, p. 87)
b. Xerocou-se as revistas . (CYRINO, 2007, p. 87)
É importante ressaltar que a construção (17) não ocorreria, no PE, segundo Cyrino (2007, p.
109), com o gerúndio, mas, sim, com verbo no infinitivo preposicionado com a: “A revista
está a xerocar”.29
28
Todas as construções com sujeito nulo indeterminado na terceira pessoa do singular apresentadas nesta
dissertação possuem verbo transitivo direto. Tem-se visto, no entanto, que algumas construções desse tipo são
permitidas com verbos intransitivos e também com verbos não prototipicamente intransitivos, mas que requerem
sintagma preposicional para se constituírem gramaticalmente, conforme os exemplos em (i) e (ii), que não estão
no escopo de nossa pesquisa: (i) Precisa de copeiro na fazenda onde eu trabalho; e (ii) Vó, ligou lá de Porangatu
pra senhora. 29
Não nos comprometemos com a proposta de Cyrino (2007) nem com as outras que resenhamos nesta seção.
Nossa intenção é apenas demonstrar as diferenças empíricas de gramaticalidade entre o PB e o PE nos dados que
são objeto do nosso estudo e apresentar possíveis tratamentos teóricos oferecidos pelos autores que têm
trabalhado com o tema.
60
Os pronomes clíticos, por serem átonos, estão sujeitos a restrições fonológicas e
morfossintáticas. O resultado dessa interface é que os clíticos complementos podem ocupar
posições que outros complementos em geral não podem. Numa abordagem minimalista das
construções com se no PE, como em (16a), Raposo e Uriagereka (1996) afirmam que o clítico
se ocupa a posição de sujeito e que o DP não se comporta como um DP que está na posição de
especificador de T nem está ligado a uma categoria vazia. Para averiguar o estatuto do clítico
e o comportamento do DP das construções com se em relação ao DP argumento externo de
outras construções do PE, os autores realizam alguns testes. Um dos testes realizados
demonstra o comportamento do sujeito de sentenças infinitivas complementos de predicados
adjetivos, o qual pode ocupar uma posição pré-verbal nas formas ativas e passivas (cf. (19)).
Em comparação com as construções com se, nota-se que o DP dessas construções não é aceito
nessa posição, como em (20b).
(19) a. Vai ser difícil os tribunais aceitarem os documentos.
b. Vai ser difícil os documentos serem aceites. (Raposo e Uriagereka, 1996, p. 754)
(20) a. Vai ser difícil aceitarem-se os documentos.
b. *Vai ser difícil os documentos aceitarem-se. (Raposo e Uriagereka, 1996, p. 754)
Outro teste que os autores esboçam em relação ao comportamento do DP das
construções com se está em (21), no qual se constata que: em (21a), a leitura é ambígua entre
a interpretação indefinida ou recíproca; e, em (21b), a leitura é reflexiva/recíproca.
(21) a. Os especialistas consultaram-se durante a operação.
b. Em que momento da operação os especialistas se consultaram?
Para Raposo e Uriagereka (1996, p. 765-766), ao comparar (21b) com (21a), a posição
do DP da construção em (21a) é uma posição de tópico, tendo em vista que a posição do
adjunto em PE se associa à posição de SpecTP, como em (21b), construção de leitura
reflexiva. Os autores sugerem, então, que, em construções com se de leitura indefinida, o DP
ocupe uma posição de tópico à esquerda de T, a saber: Force (F). Dessa forma, em (21a), por
exemplo, a leitura indefinida se dá com o DP na posição de especificador de F, enquanto a
leitura reflexiva se dá com o DP na posição de especificador de T.
61
Quanto ao Caso nominativo, que dá conta da concordância entre o DP e o verbo em
sentenças como (21a), considerando a leitura indefinida, os pesquisadores propõem que o PE
tem duas posições para checar o Caso nominativo: T e F. Para Raposo e Uriagereka (1996),
SpecF é a posição em que o DP argumento interno das chamadas passivas sintéticas recebe
Caso nominativo no PE, gerando a concordância. Os autores classificam, respectivamente, de
construções com se indefinido as construções em que o DP ocupa a posição de especificador
de F e estabelece a concordância com o verbo e de construções com se genérico as
construções em que o DP não estabelece a concordância com o verbo, permanecendo na
posição em que foi gerado, interno ao VP. Em relação à posição do clítico nas construções
com se indefinido e genérico, os autores afirmam que se é um DP mínimo que possui traços
semânticos reduzidos, como PRO, e, portanto, se checa o traço D de T, recebendo Caso nulo.
A explicação de Raposo e Uriagereka (1996) serve para o PE, mas, não serve
completamente para o PB, pois, no PB, o DP argumento interno das construções com se
indefinido não pode ocupar uma posição de tópico como F, uma vez que o tópico no PB é
fonologicamente expresso à esquerda da sentença e se associa ao especificador de T (cf.
PONTES, 1986, 1987; GALVES, 1998; CYRINO, 2007; entre outros). Dessa forma, seriam
as construções com se genérico o padrão sintático adquirido, por excelência, para as
construções com se pelos falantes do PB.
3.2 A emergência da gramática do português brasileiro em manuscritos goianos
Nunes (1990) mostra que já no século XIX algumas construções com se não
apresentavam o clítico em contextos restritos, como o da coordenação. Nunes (1990) sugere,
no entanto, que o apagamento do clítico em construções com se tenha se tornado algo
predominante na gramática do PB no século XX, com certa influência da escolaridade. Na
pesquisa de Nunes (1990), tem-se que, no século XIX, 6,3% de 206 construções encontradas
em manuscritos, isto é, 13 construções, não apresentavam o clítico, enquanto no século XX
cerca de 80% de 135 construções em contexto oral, isto é, 107 construções, não apresentavam
o clítico se. Numa posição distinta da de Nunes (1990), sugerimos que, no século XIX, a
gramática inovadora do PB já havia emergido, licenciando construções com sujeito nulo
indeterminado na terceira pessoa do singular.
62
Para averiguar nossa hipótese, constituímos um corpus linguístico a partir de
manuscritos goianos com dados de construções com sujeito nulo indeterminado na terceira
pessoa do singular, construções com sujeito nulo indeterminado canônico (isto é, com
categoria vazia na posição de sujeito e verbo na terceira pessoa do plural) e construções com
se indefinido e genérico. Lembramos que os documentos que compõem o corpus são uma
edição fac-símile do Diário de viagem do Barão de Mossâmedes (1771-1773), organizada por
Pinheiro e Coelho (2006), e o Memorial de lembrança de Anna Joaquina da Silva Marques
(1881-1930), ambos legalmente arquivados no Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do
Brasil Central, em Goiânia, Goiás. Vale ressaltar que, em relação ao Diário, selecionamos
apenas dados de sua segunda parte, escrita em 1773 e denominada Diário 2º da Marcha no
frontispício do manuscrito. No que concerne ao Memorial, tendo em vista o recorte temporal
dado à nossa investigação, utilizamos apenas dados registrados entre os anos de 1881 e 1889
(século XIX).
Os documentos foram escritos por dois homens de provável origem portuguesa e por
uma mulher goiana, respectivamente. Um dos escribas do Diário tem identidade anônima, e o
outro é Tomás de Souza Villa Real, geógrafo e autor de dois mapas da capitania de Goiás.
Apesar dos autores do Diário terem provável origem portuguesa, o local de produção dos
manuscritos foi no Brasil, em Goiás, no século XVIII. A autora do Memorial, Anna Joaquina
da Silva Marques, segundo Carvalho (2008), nasceu em 1855 e faleceu em 1932, aos 77 anos.
Era natural da cidade de Goiás e filha de Luisa Joaquina da Silva, mulher que nunca se casou
e foi mãe de outros cinco filhos: Esmira, Antônio (Totó), Pacífica, Maria (Mariquinha) e
Luisa. Duas de suas filhas tornaram-se ilustres professoras da cidade de Goiás: Pacífica
Josefina de Castro (mestre Nhola) e Luisa Joaquina da Silva Marques (mestre Lili).
Segundo Carvalho (2008), a mãe de Anna Joaquina da Silva Marques manteve
relacionamentos com diferentes homens ao longo da vida. Seus filhos eram chamados “filhos
naturais”, expressão para designar filhos nascidos de “relações ilícitas”. Apesar disso, tanto a
mãe quanto os filhos participavam intensamente da vida social da cidade de Goiás. Para
Carvalho (2008), o fácil acesso e a aceitabilidade da família de Luisa Joaquina da Silva pela
sociedade goiana teria se dado justamente por seus relacionamentos amorosos. O autor
questiona a origem étnica de Luisa Joaquina da Silva devido às condições em que viveu e
criou seus filhos. Apesar de não haver documentos que precisem (talvez por omissão) a
origem étnica de Luisa Joaquina da Silva e também de seus filhos, a condição de mãe solteira
que passa a deter certo poder aquisitivo com os relacionamentos com os pais brancos de seus
63
filhos indica, para Carvalho (2008), que Luisa Joaquina da Silva era mestiça, provavelmente
de origem indígena.
Naquele período, em Goiás, o relacionamento interétnico já não resultava tanto em
casamento entre homens brancos e mulheres indígenas, africanas ou mesmo mestiças,
possibilitando especialmente casos extraconjugais, como os vividos por dona Luisa Joaquina
da Silva. A hipótese de Carvalho (2008) pressupõe que Anna Joaquina da Silva Marques, a
autora do Memorial, se inclui dentre os mestiços que, de acordo com nossa hipótese, teriam
sido os responsáveis pela emergência da gramática do português brasileiro durante o processo
de aquisição de língua materna. No Memorial, encontramos trechos em que a relação com
indígenas por parte de Anna Joaquina da Silva Marques não parece ser um grande tabu: ela
foi madrinha de Januária, uma menina designada por ela como de descendência “tapuia”, o
que não precisa a origem étnica da menina, mas indica sua descendência indígena.
Iniciando a análise dos dados de nosso corpus, apresentamos a seguir dois quadros em
que contabilizamos a ocorrência dos tipos de construções em cada documento, lembrando que
os tipos de construção são: (i) construções com sujeito nulo indeterminado canônico, isto é,
construções com verbo na terceira pessoa do plural e categoria vazia na posição de sujeito; (ii)
construções com sujeito nulo indeterminado na terceira pessoa do singular, uma característica
das línguas de sujeito nulo parcial que chamaremos nas ilustrações a seguir de sujeito nulo
indeterminado não canônico; (iii) construções com se indefinido e (iv) construções com se
genérico, nos termos de Raposo e Uriagereka (1996).
Ilustração 8: Dados dos tipos de construção do Diário que compõem o corpus.
Sujeito: Tipos de construção: Ocorrências: Porcentagem:
pro Sujeito nulo indeterminado canônico 7 15,22%
Sujeito nulo indeterminado não canônico zero zero
SE
(DP
mínimo)
Construções com se indefinido 10 21,74%
Construções com se genérico 29 63, 04%
Total: 46 100%
Ilustração 9: Dados dos tipos de construção do Memorial que compõem o corpus.
Sujeito: Tipos de construção: Ocorrência: Porcentagem:
pro Sujeito nulo indeterminado canônico 6 10,17%
Sujeito nulo indeterminado não canônico 38 64,40%
SE
(DP mínimo)
Construções com se indefinido zero zero
Construções com se genérico 15 25,43%
Total: 59 100%
64
A primeira observação que fazemos dos dados é em relação às construções com se
indefinido e genérico. No Diário, escrito no século XVIII, elas são predominantes e
correspondem a 84,78% das construções. Por outro lado, nos dados do Memorial, escrito no
século XIX, não há sequer dados de construções com se indefinido e pouco mais de 25% de
construções com se genérico. De imediato, vemos tratar-se de duas gramáticas distintas. Essa
primeira observação nos remete à argumentação de Galves (2001) em relação à gramática do
PB.
O elemento de concordância da terceira pessoa não é mais suficiente
para atribuir referência determinada ao sujeito nulo. Na ausência de
sintagma nominal na sentença que possa servir de antecedente, usa-se
preferencialmente o pronome lexical ele, que deixa visíveis os traços
pronominais que a flexão não tem mais e chega a desempenhar o
próprio papel de concordância, ao ser empregado junto com o SN
lexical sujeito (...). Na ausência de um pronome ou de algum
antecedente possível, a interpretação do sujeito nulo de um verbo na
terceira pessoa é de indeterminação. O se indeterminado não tem mais
razão de ser. (GALVES, 2001, p. 53).
No Diário, nenhuma das construções com se apresenta discordância entre o argumento
interno e o verbo em termos dos traços flexionais de número e pessoa. Dessa forma, em todas
as construções com se em que o DP argumento interno está no plural, o DP tem os traços de
concordância valorados, conforme em (22).
(22) a. e se tirarão muntas arrobas de Ouro
b. e no mesmo perigo se vem os Reais Quintos de sua Magestade quando todos os
anos sam conduzidos da Intendência de Sam Felis para os Cofres de Villa Boa
c. outros produtos maravilhozos se tem visto neste terreno, que tem menos de hum
outavo de legoa
d.Pellas Arvores da vezinhança do Povo, se ouviam continuadas vozes dos meninos
Viva sua Excellencia
e. fóy fundado no anno de 1737,, andando-se sucavando o seu Ribeyram na deligencia
de ouro, achando-se munto se effectuaram muntas Minas
f. onde lhe fés o Rdo
. Vigro. as cerimonias, q se particam
g. Enformado S. Exa. m
to. antes, e vendo ali ocularm
te. o facil modo com q. se podião
fazer extravios de ouro
h. e naquellas eminencias se admirarão as muntas cachoeiras de christalizanas aguas
65
i. Mandou lançar hum bando com circunstancias taes q. por elle se evitaram os vadios
desta capitania
j. as novas Bandeiras, q se estam apromptando pª. novos Descubertos de ouro
Considerando o padrão de concordância do PE para as construções com se, apenas
uma construção com se genérico do Memorial poderia ter apresentado verbo no plural por
causa do DP argumento interno pluralizado. Contudo, o verbo aparece no singular, ou seja,
sem marca de concordância explícita com o DP argumento interno – em oposição aos dados
encontrados no Diário e exemplificados em (22):
(23) a. Dia 10 depois do cazam.to
dansou-se 2 quadrilha.
Os dados do Memorial de construções com se, que não exibem construções com se
indefinido, evidenciam a gramática do PB, enquanto os dados do Diário em (22) mostram
uma gramática mais próxima do PE, sendo passíveis de serem analisadas, por exemplo, de
acordo com a proposta de Raposa e Uriagereka (1996).
A ocorrência de construções com se genérico no Memorial apresenta uma
característica interessante e que fornece pistas para explicar a mudança no padrão de
concordância das construções com se no PB: das 15 ocorrências, seis delas, isto é, 40%
apresentam objeto nulo. Reproduzimo-las a seguir.
(24) a. Hoje comprarão-me um bilhete de loteria (da corte (hoje q‟mandou)-se
b. Dia 28 denoite nós todos fomos em caza do Cap.m
Florambel, assistir o entremez
depois finalizou-se com baile, esteve mto
bom
c. Dia 23 as 3 horas da manhã Manoel daqui morreu as 2 oras enterrou-se
d. Dia 19 Maria Altina f.a do Snr.‟ Luiz Jardim morreu. enterrou-se
e. Dia 31Cazou-se a f.a do Cap.
m Jorge (Honorina com o S.
r Toto Veiga fui ver do
Liceu p.q.‟ o casaz.to
Sahio da caza do Sr. Joaq.
m Gustavo, e celebrou-se na Boa
Morte.
f. Dia 28 depois a Comedia em 1º de Abril Comedia Composta p.lo
S.r Raphael Torres.
findou-se a ½ noite. Toto fez parte da Comedia.
Somente uma construção com se apresentou objeto nulo nos dados do Diário.
66
(25) a. e [sua Exª.] tomou quartel no Córrego do Refresco, que pelo munto que alî mandou
o Doutor Ouvidor, de frutas, e ortalice assim se chamou.
De acordo com a análise de Raposo e Uriagereka (1996) para as construções com se, o
clítico é um DP mínimo que ocupa a posição de sujeito, mas não possui traços de número
plural. Assim, os autores assumem que, nas construções com se indefinido, o DP argumento
interno estabelece a concordância no plural em SpecF, enquanto o DP mínimo se estabelece a
concordância das construções com se genérico no singular, presentes tanto no português
europeu quanto no português brasileiro. Inferimos disso que uma das razões de se poder
apagar o objeto das construções com se genérico é o fato de, tanto para o PB quanto para o PE
(apesar da maior ocorrência de dados em nosso corpus no PB), o argumento interno de
construções com se genérico não estabelecer a concordância com o verbo.
Observamos, também, que o número de ocorrências de construções com sujeito nulo
indeterminado canônico é quase o mesmo nos dois documentos. Sugerimos que ambas as
línguas possuem a indeterminação com verbo no plural como característica de língua de
sujeito nulo, quer seja sujeito nulo consistente, quer seja sujeito nulo parcial. Em (34),
transcrevemos os dados do Memorial de construções com sujeito nulo indeterminado
canônico.
(26) a. Dia 6 as 3 horas estávamos jantando, q.do
vierão chamar D.r Azeredo p.
a ir vêr o S.
r
Ant.o Alves q‟ tinha tido u[m] ataque, q.
do o Azeredo chegou em caza de Tiasenhora, já
o achou morto
b. Dia 23 Hoje comprarão-me um bilhete de loteria (da corte
c. Dia 19 Chegou aqui, O C.el Gama; e foi recebido com muzicas – menores e do
batalhão – vimos a Chegada, apiou em caza de D. Leonôr q.‟ foi alugada pa elle depois
vierão me chamar p.a a caza de D.
r Paês Leme q.‟ a minha afilhada Januaria – tinha
falecido; eu fui p.a lá visita-la. vim as 6 oras da noite.
d. Dia 7 houve Tedeum, depois guarda de honra, no largo do Pal.o denoite Baile q‟
offerecerão ao Viceprezidente: Felicissimo
e. [Dia] 24 Eu e Nhola fomos ao Baile q‟ offerecerão a D.r Delegado em despedida.
f. [Dia] 2 Mariq.a estava aqui q.
do vierão Chamar q.‟ a viúva do João Netto estava lá
67
O resultado que mais nos chama a atenção é a altíssima porcentagem de construções
com sujeito nulo indeterminado não canônico presentes no Memorial: 63%. No Diário, não
houve ocorrência desse tipo de construção. São essas evidências que sustentam nossa
hipótese: no século XIX, o português brasileiro em Goiás já apresentava uma das
propriedades gramaticais de uma língua de sujeito nulo parcial: o licenciamento de sujeito
nulo indeterminado na terceira pessoa do singular. Vejamos alguns dados.
(27) a. Dia 30 Baptizou á f.a do Snr‟ M.
el Thomaz, forão os pad.
ros Ritinha f.
a do Ant.
o
Pinto, e o Jozino f.o do Angelo Gusmão. Denoite hove baile em caza do Baptizado
b. Dia 17 Faleceu o Cadête Candido Gonsaga, e enterrou dia 18
c. Dia 8 Domingo. dedarte hove Missão no S. Francisco. q.‟ nesse dia enficou o Cruz.o
d. Dia 18 Faleceu a filha do Snr‟ Paulo Marques. Dia 18 as 8 horas da manhã enterro-
a.
e. Dia 15 depois da novena alevantou mastro de N. S. do Carmo
f. Dia 4 Faleceu a D. Lin...] m.er
do Cap.m
João Berquó p.a
amanhecer. Faleceu a S.ra
Ninica derepente, nesse dia enterrou ambas 1 demanhã a outra de detarde.
g. [Dia] 16 Derubou a 2ª parede da escola de Lili
h. [Dia] 20 Arrancou as partileira da venda, detarde Silvia veio
i. Dia 4 Nos todos fomos a missa as 8 oras da manhã Falacerão P.e José Iria e o C.
ol
Constacio Rib.o da Maia este sepultou detarde e aquelle foi depositado na Bôa morte
p.a outro dia
j. Dia 20 Derubou a frente do Carmo (outubro de 1898)
k. Dia 29 Eu Maria e Annica Macedo fomos no Theatro reprezentava (Direito por
linhas torta)
l. Dia 14 principiou fazer estuqui aqui na Sala
m. Dia 19 Pintou o estuque da sala
n. Dia 23 esteve aqui trabalhando fazendo soalho Nessa noite Nhola foi conversar com
Silvina Sobre o Leilão de N. S. do Carmo.
o. Dia 19 Pôz punho na rede.
p. Dia 2 acabou de fazer o vestido amarelo q.‟ Toto me deo dia 29 de Jan.o
q. Dia 8 Limpou o pôsso da Escola de Nhola
r. Dia 18 pôs remendo no Sofa da varanda
s. Dia 15 apartou a escola de Lili, p.a dar outro lanço p.
a João Athanazio
68
As construções do Memorial revelam a gramática de uma língua de sujeito nulo
parcial, especificamente por sua possibilidade de licenciar sujeito nulo de referência
indeterminada com verbo terceira pessoa do singular. Em suma, o Memorial de lembrança de
Anna Joaquina da Silva Marques (1881-1930) exibe-nos a emergência da gramática do
português brasileiro em Goiás, enquanto o Diário de viagem do Barão de Mossâmedes (1771-
1773) exibe-nos a vertente europeia da língua portuguesa chegada em Goiás.
3.3 Sujeito nulo indeterminado no português brasileiro: aspectos sintáticos e semânticos
Apesar de licenciadas pelo parâmetro do sujeito parcial, construções com sujeito nulo
indeterminado na terceira pessoa do singular são, segundo Pilati e Naves (2013) e Naves et al.
(2013), favorecidas por determinados contextos sintáticos no PB. As autoras defendem que,
no PB, um elemento dêitico com leitura locativa ou temporal licencia sujeito nulo
indeterminado na terceira pessoa do singular, como na sentença seguir.
(28) a. Aqui vende fruta. (NAVES et al., 2013)
b. Hoje vende fruta. Amanhã vai vender verdura. (NAVES et al., 2013)
As autoras relacionam a gramaticalidade dessas construções às condições que determinam a
possibilidade restrita da ordem VS no PB, que também é licenciada sob o requerimento de
uma relação dêitica com o tempo da fala (cf. PILATI, 2006). Assim, construções como (29)
só são produzidas em contextos restritos: (29a) somente é proferida no momento em se
dá/recebe a notícia de que Pavarotti morreu, enquanto (29b) somente é dita simultaneamente
ao término de um jogo.
(29) a. Morreu Pavarotti. (PILATI, 2006, apud NAVES et al., 2013)
b. Ergue o braço o juiz. (PILATI, 2006, apud NAVES et al., 2013)
As autoras mencionam que construções com sujeito nulo indeterminado na terceira
pessoa do singular não estão restritas a orações simples ou principais, mas também podem
ocorrer em orações encaixadas, como em (30a).
69
(30) a. Maria disse que aqui e*i/arb vende frutas. (NAVES et al., 2013)
b. Mariai disse que ei/ *j vende frutas. (NAVES et al., 2013)
Naves et al. (2013) observam que caso não houvesse um elemento de leitura locativa
em (30a), a única leitura possível para a construção seria a de que o pronome nulo fosse
referente de Maria, como em (30b). Na proposta de Pilati e Naves (2013), a presença de um
elemento dêitico de leitura locativa ou temporal é condição para satisfazer o traço EPP de T
em construções com sujeito nulo indeterminado na terceira pessoa do singular, afinal, como a
leitura referencial de terceira pessoa no PB é bastante restrita, construções como (28) passam
a não mais conter um elemento nominal com traço D capaz de satisfazer EPP.
De acordo Naves et al. (2013), em construções como (28), o elemento
locativo/temporal deve ser gramaticalmente interpretado como um pronome adverbial que
satisfaz o EPP (nos casos em que há um elemento pré-verbal expresso, como em (28)) ou
como um expletivo nulo (nos casos em que não há um elemento pré-verbal manifesto (como
em (29)). Essa explicação, que pressupõe uma cisão na categoria pronominal e uma divisão
no sistema flexional do PB, também busca responder não só o licenciamento de construções
com sujeito nulo indeterminado, mas também construções com tópico-sujeito, construções de
ordem VS e do sujeito de construções com verbo de tempo. Naves et al. (2013) propõem
ainda uma distinção formal da terceira pessoa nas línguas de sujeito nulo consistente, como o
PE, e nas línguas de sujeito nulo parcial, como o PB: em línguas de sujeito nulo consistente, a
terceira pessoa apresenta traços + definido, + referencial e + pessoal, enquanto em línguas de
sujeito nulo parcial a terceira pessoa apresenta esses traços subespecificados.
Uma característica do Memorial de lembrança de Anna Joaquina da Silva Marques,
que possivelmente contribuiu para a ocorrência dos dados de sujeito nulo indeterminado na
terceira pessoa, é o uso de elementos dêiticos temporais, quer seja com advérbios, quer seja
com a forma de anunciar, à mão, os acontecimentos do dia: Dia “tal”. As sentenças a seguir,
retiradas do Memorial, corroboram a hipótese apresentada por Pilati e Naves (2013) e Naves
et al. (2013), pois apresentam um elemento dêitico de referência temporal em posição pré-
verbal:
(31) a. [Dia] 1º Segunda-feira Houve instalação do Congresso q‟ passou pacificamente.
nesse dia desmanchou a ponte do Carmo.
70
b. Dia 8 Limpou o pôsso da Escola de Nhola
c. Dia 18 pôs remendo no Sofa da varanda
d. Dia 15 apartou a escola de Lili, p.a dar outro lanço p.
a João Athanazio
O Memorial registra ainda outra característica da gramática do PB que o caracteriza
como língua de sujeito nulo parcial – nos termos de Pilati e Naves (2013) e Naves et al.
(2013): construções com ordem VS em contexto dêitico:
(32) a. Dia 16 Faleceu o Jovem Sebastião da Cunha Moraês.
b. Dia 4 morreu um[a] criança perdida no mato.
Para finalizar esta seção, fazemos menção a um importante aspecto das línguas de
sujeito nulo parcial, que diz respeito à leitura das construções com sujeito nulo indeterminado
na terceira pessoa do singular. Com base especialmente em dados do finlandês, Roberts e
Holmberg (2010) e Holmberg e Sheehan (2010) afirmam que o sujeito dessas construções
possui especificamente leitura genérica, na qual falante e ouvinte estão inclusos no evento
expresso pelo verbo. Pilati e Coutinho Vieira (2013), no entanto, demonstram que essas
construções no PB também apresentam leitura arbitrária, na qual falante e ouvinte estão
excluídos do evento, contrariando o argumento de Roberts e Holmberg (2010) e Holmberg e
Sheehan (2010) sobre a exclusiva leitura genérica do sujeito nulo indeterminado na terceira
pessoa do singular nas línguas de sujeito nulo parcial. Uma construção fornecida pelas autoras
para demonstrar, por exemplo, a leitura arbitrária das construções com sujeito nulo
indeterminado e verbo na terceira pessoa do singular no PB está em (33a), na qual a semântica
do elemento dêitico de referência locativa (lá na padaria) parece restringir a leitura do sujeito
a uma leitura arbitrária, excluindo o falante e o ouvinte do evento descrito pelo verbo – no
Memorial, construções com sujeito nulo indeterminado na terceira pessoa do singular também
apresentam leitura arbitrária, conforme podemos ver em (33b) e (33c).30
(33) a. Lá na padaria não vende fruta. (PILATI E COUTINHO VIEIRA, 2013)
b. Dia 8 Domingo. dedarte hove Missão no S. Francisco. q.‟ nesse dia enficou o Cruzo.
c. Dia 15 depois da novena alevantou mastro de N. S. do Carmo.
30
Em sua dissertação (em elaboração), Coutinho Vieira (2014) apresenta as divergências e convergências na
literatura gerativista a respeito das propriedades da morfologia de pessoa no PB. A autora pretende apresentar
dados não analisados pela literatura, a fim de incrementar o debate em torno, especialmente, do comportamento
da morfologia de terceira pessoa do singular no PB e sua caracterização como língua de sujeito nulo parcial.
71
3.4 Síntese do capítulo
Neste capítulo, explicamos porque, no âmbito da Teoria Gerativa, o PB é considerado
uma língua de sujeito nulo parcial. Vimos que a reorganização do quadro pronominal e do
paradigma verbal do PB está relacionada à sua mudança de marcação paramétrica.
Apresentamos a proposta de Raposa e Uriagereka (1996) paras as construções com se no PE,
a partir da qual pudemos mostrar que o PB não apresenta construções com se indefinido, isto
é, construções em que o argumento interno estabelece a concordância com o verbo, como em
“Vendem-se estas casas”. Analisamos os dados de nosso corpus de pesquisa de modo a
evidenciar que, desde o século XIX, o PB em Goiás apresentava produtivamente construções
com sujeito nulo indeterminado na terceira pessoa do singular, uma das propriedades de
línguas de sujeito nulo parcial. Por fim, apresentamos o tratamento de base minimalista dado
por Pilati e Naves (2013) e por Naves et al. (2013) às características sintático-semânticas das
construções com sujeito nulo indeterminado na terceira pessoa do singular no PB, na qual se
confere a um elemento dêitico locativo ou temporal o licenciamento desse tipo de construção
– os dados do Memorial corroboram essa análise, uma vez que as ocorrências de sujeito nulo
indeterminado não canônico estão ancoradas temporalmente na especificação da data em que
os eventos aconteceram, ou seja, configura-se uma dêixis temporal, que licencia a ocorrência
de dados com leitura indeterminada da 3ª pessoa do singular sem se.
72
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Utilizando o arcabouço teórico da Linguística Histórica e da Teoria Gerativa, esta
dissertação buscou explicar como e porque a mudança sintática na expressão do sujeito
ocorreu no português brasileiro. Para isso, articulamos os conceitos de língua e tempo de
modo a correlacionar a evidenciada mudança paramétrica na expressão do sujeito com
aspectos sócio-históricos da formação do português brasileiro, especificamente os aspectos
políticos e populacionais que determinaram a língua portuguesa como língua predominante no
território colonial que viria a ser o Brasil.
Pesquisas gerativistas têm constatado que o português brasileiro apresenta
propriedades de uma língua de sujeito nulo parcial, em oposição ao português europeu, que é
uma língua de sujeito nulo consistente. Sabemos que, no âmbito da Teoria Gerativa, o
pesquisador não pode estabelecer um elo entre a evidência transmitida e a gramática adquirida
durante o processo de aquisição de língua (KROCH, 2001). O que se pode constatar é a
mudança. Desse modo, buscamos explicar como se deu a mudança na expressão paramétrica
do sujeito no PB em Goiás em termos de aquisição, associando a mudança ao contexto sócio-
histórico. Sugerimos que a aquisição da língua portuguesa no Goiás colonial se deu em dois
momentos: num primeiro momento, houve a aquisição do português europeu por ameríndios e
africanos; num segundo momento, a aquisição do português adquirido como L2 por
ameríndios e africanos a seus filhos, a maioria mestiços.
Vimos que o processo colonizador europeu, sustentado pelo tráfico negreiro, propiciou
a interação entre povos e a formação de línguas resultantes do contato linguístico na América
portuguesa, como a língua geral paulista, na região mais costeira, o nheengatu, na região
amazônica, e o guarani criollo, nas adjacências da região sul. Apesar de resultar na formação
de línguas, a colonização portuguesa foi acima de tudo um processo imperioso que silenciou
quase 90% das línguas ameríndias que existiam na América portuguesa e deixou apenas
resquícios lexicais de algumas das várias línguas africanas transplantadas nos navios
negreiros.
A colonização resultou ainda num outro complexo processo na América portuguesa: a
mestiçagem. O Brasil é o único país do comércio tripartite do tráfico negreiro que a população
majoritariamente se miscigenou. Atualmente, a maioria da população brasileira é negra,
73
categoria na qual se inclui pretos e pardos, e possui os menores índices de escolaridade e de
renda do país. Os indígenas hoje sequer chegam a um milhão de habitantes. Ou foram mortos
ou se miscigenaram. É durante esse complexo e violento processo de mestiçagem que
argumentamos ter emergido a gramática do português brasileiro em Goiás. Isso faz-nos supor
que, em Goiás, foram as crianças de origem mestiça que provocaram a mudança paramétrica
na língua durante o processo de aquisição de língua.
A partir disso, inferimos que a constatada mudança deveria se revelar em manuscritos
datados do século XIX, período em que a mestiçagem já era um fator indubitável da
constituição da sociedade brasileira e a língua portuguesa dominante. Evidentemente, devido
à imensidão de seu território, cada região do país teve suas idiossincrasias em relação aos
aspectos sócio-históricos da constituição do português brasileiro. Por isso, limitamos nosso
escopo de investigação ao Brasil Central, especificamente na região de Goiás, na qual desde
sua ocupação, no século XVIII, houve a preocupação de se estabelecer o português como
língua da região e a mestiçagem foi um mecanismo de sobrevivência para índios, africanos e
seus descendentes.
Nossa pesquisa em manuscritos goianos corroborou nossa hipótese de investigação: no
século XIX, o PB já se caracterizara como uma língua de sujeito nulo parcial. Analisamos
dois manuscritos datados, respectivamente, do século XVIII e XIX. Observamos que a
gramática apresentada em cada manuscrito difere entre si: no Diário de viagem do Barão de
Mossâmedes (1771-1773), vimos uma gramática semelhante à gramática portuguesa; no
Memorial de lembrança de Anna Joaquina da Silva Marques (1881-1930), vimos uma
gramática semelhante à gramática do português brasileiro contemporâneo. Vale ressaltar que,
em relação ao Diário, selecionamos apenas dados de sua segunda parte, escrita em 1773 e
denominada Diário 2º da Marcha no frontispício do manuscrito, e, em relação ao Memorial,
utilizamos apenas dados registrados entre os anos de 1881 e 1889 (século XIX).
Os tipos de construções sintáticas que estudamos nos manuscritos foram construções
com sujeito nulo indeterminado com verbo na terceira pessoa do singular e também do plural,
construções com se indefinido e construções com se genérico. Os aspectos gramaticais
caracterizadores da gramática do português brasileiro encontrados no manuscrito do século
XIX, em comparação com o manuscrito do século XVIII, foram: (i) a ausência de construções
com se indefinido, nas quais o argumento interno estabelece concordância com o verbo; (ii) a
ocorrência de construções com se genérico com objeto nulo; e (iii) a predominância de
sujeitos nulos indeterminados na terceira pessoa do singular, propriedade constitutiva das
74
línguas de sujeito nulo parcial (cf. ROBERTS E HOLMBERG, 2010; HOLMBERG E
SHEEHAN, 2010).
Não intentamos em nossa pesquisa fornecer uma explicação formal para o
licenciamento de construções com sujeito nulo indeterminado na terceira pessoa do singular
no português brasileiro, por isso, expusemos os trabalhos de Pilati e Naves (2013) e Naves et
al. (2013), os quais procuram dar um tratamento formal para essas construções. Nosso intento
foi, sobretudo, ampliar o escopo do estudo da constituição da gramática do português do
Centro-Oeste brasileiro no âmbito da Teoria Gerativa, alargando as agendas de pesquisa e
mostrando que não há como contar a história interna e externa de uma língua a partir de um
único locus e de uma única perspectiva.
75
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81
APÊNDICE
Corpus da Pesquisa de Mestrado Sujeito nulo indeterminado no
português brasileiro: uma investigação diacrônica em Goiás
A seguir, apresentamos a transcrição do corpus utilizado para análise na pesquisa de
mestrado Sujeito nulo indeterminado no português brasileiro: uma investigação diacrônica
em Goiás, desenvolvida no âmbito do projeto de pesquisa Estudos sobre a constituição do
português brasileiro, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da
Universidade de Brasília, sob a orientação da Profa. Dra. Rozana Reigota Naves. Os
manuscritos que compõem este corpus são: Diário de viagem do Barão de Mossâmedes
(1771-1773), edição fac-símile editada por Pinheiro e Coelho (2006), e o Memorial de
lembrança de Anna Joaquina da Silva Marques (1881-1930), documento em transcrição pelo
Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central (IPEHBC). Os autores do Diário
foram o geógrafo português Tomás de Souza Villa Real e um escriba anônimo, enquanto a
autora do memorial foi a goiana Anna Joaquina da Silva Marques. Transcrevemos dados da
segunda parte do Diário, escrita em 1773 e intitulada Diario 2º da Marcha em seu
frontispício, e dados dos anos de 1881 a 1899 do Memorial.
Os dados de nossa pesquisa referem-se às seguintes construções sintáticas: construções
com se indefinido e genérico e construções com sujeito nulo indeterminado e verbo na
terceira pessoa do singular ou plural. Faz-se necessário ressaltar que transcrevemos os dados
adicionando-lhes os seguintes acréscimos: informamos os contextos em que o sujeito das
sentenças são nulos indeterminados com a notação sujeitoØ; realçamos os verbos das
construções com fonte em negrito – incluindo o clítico se; apresentamos entre colchetes o
sujeitos nulos referenciais de verbos na terceira pessoa do singular, a fim de que não se possa
interpretá-los como sujeito nulo indeterminado; e, nos dados do Diário, apresentamos a
referência da edição fac-símile após a transcrição de cada dado, enquanto, nos dados do
Memorial, informamos, entre parênteses e no final de cada dado, o mês e o ano em que os
dados foram escritos pela autora. A numeração dos dados de cada documento foi apresentada
entre parênteses no início de cada dado.
82
1. DIÁRIO DE VIAGEM DO BARÃO DE MOSSÂMEDES (1771-1773):
(1) Para seguir-se methodo mais fundado e noticiozo, se deve prenotar: que esta villa, fóy a
primeira Povoaçam desta cappitania (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 75)
(2) em tempo que mais cazo se fazia destas prezas... (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 75)
(3) do que do rico metal porque hoje tanto se trabalha. (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 75)
(4) com esta noticia concurreo munta gente a este lugar, que não cabendo no seu pequeno
âmbito, se estenderam por toda esta Cappitania onde fundaram varios Arrayaes, como se verá
no decursso desta Historia (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 75 e 77)
(5) e toda a mais gente necessaria para a conduçam do seu trem, que se conduzio em dezaseis
bestas, e marchando seis legoas [sua Exª.] pouzou no Engenho de Alexandre Afonço
(Pinheiro e Coelho, 2006, p. 79)
(6) Adverte-se, que por todo daquelle terreno, que nada havia que averiguar (Pinheiro e
Coelho, 2006, p. 79)
(7) e [sua Exª.] tomou quartel no Córrego do Refresco, que pelo munto que alî mandou o
Doutor Ouvidor, de frutas, e ortalice assim se chamou (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 81)
(8) que ali tinha entrado o Senhor João Manoel de Mello the aquella hora, nam se tinha alî
visto homem tamanho. (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 83)
(9) mandou abrir hum caminho quase em linha recta deste Arrayal para a villa, no qual se
julga ser mais breve [ 31
] legoas. (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 85)
(10) lhe declararam os ditos que ali havia munto ouro (...) Deu-se ao manifesto, (11) e se
tirarão muntas arrobas de Ouro (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 85)
31
O escriba deixou um pequeno trecho em branco, onde, possivelmente, colocaria o valor exato de léguas, mas,
provavelmente, esqueceu-se de fazê-lo.
83
(12) e no mesmo perigo se vem os Reais Quintos de sua Magestade quando todos os anos sam
conduzidos da Intendência de Sam Felis para os Cofres de Villa Boa (Pinheiro e Coelho,
2006, p. 89)
(13) Este Arrayal foý no seu Descuberto, tam abundante de folhetas de ouro, que no anno de
1737,, se achou huma de quarenta e seis libras (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 89)
(14) outros produtos maravilhozos se tem visto neste terreno, que tem menos de hum outavo
de legoa (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 91)
(15) Pellas Arvores da vezinhança do Povo, se ouviam continuadas vozes dos meninos Viva
sua Excellencia (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 91)
(16) fóy fundado no anno de 1737,, andando-se sucavando o seu Ribeyram na deligencia de
ouro, achando-se munto se effectuaram muntas Minas (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 95)
(17) Os do Julgado sujeitoØ o vierão buscar ao principio da principal Rua (Pinheiro e Coelho,
2006, p. 105)
(18) e o sujeitoØ conduzirão de baixo do Palio a Igra.. Matris (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 105)
(19) onde lhe fés o Rdo
. Vigro. as cerimonias, q se particam (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 105)
(20) Mandou S. Exa. medir o Rio pello Ajud
te. Das Ordens com huma prancheta q. se
agetivou de huma meza piquena, de q. S. Exaa. se servia na sua viagem p
a. a escripta
com
outros instrumtos
. q. o do. Ajudante levou (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 109)
(21) foi o angulo inacesivel mais agudo do que se pertendia (Pinheiro e Coelho, 2006, p.
109)
(22) no q. se pode admitir algum piqueno defeito (...) (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 109)
84
(23) achouse ter o do. Rio de largo, neste lugar chamado o Porto, 472 braças. (Pinheiro e
Coelho, 2006, p. 109)
(24) elle passou varias ordens pª. q. tudo se regesse na fra
. do milhor methodo (Pinheiro e
Coelho, 2006, p. 113)
(25) (...) do milhor methodo com q. se administra a Justiça nesta bem governada Capitania.
(Pinheiro e Coelho, 2006, p. 113)
(26) Foi S. Exa. recebido neste Arrayal com húa ostentação igual a Sua piquenhés, mas como
o seu animo hé todo cheio de atençoens, agradeceo mto
. todo o cortejo que lhe sujeitoØ fizerão.
(Pinheiro e Coelho, 2006, p. 117)
(27) thé quase a noite, se trabalhou em passar as cargas (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 117)
(28) Neste Julgado sujeitoØ receberam a S. Exa. com pouca mais pompa (Pinheiro e Coelho,
2006, p. 119)
(29) Enformado S. Exa. m
to. antes, e vendo ali ocularm
te. o facil modo com q. se podião fazer
extravios de ouro (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 121)
(30) ouve hum pouzo, onde se padeceo munta cede (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 123)
(31) estabelecer a sociede da grande lavra da pedreira, que se tinha deixado por inimizades
dos sócios (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 127)
(32) e naquellas eminencias se admirarão as muntas cachoeiras de christalizanas aguas
(Pinheiro e Coelho, 2006, p. 129)
(33) Deste lugar passou à pra. Serra q se descobrio, (34) q. se lhe pós o nome = Serra do
General = (35) e se julgou ter marchado naquelle dia, (36) q. se chamou de falha 7 legoas.
(Pinheiro e Coelho, 2006, p. 132 e 133)
85
(37) Ainda q. neste Arrayal já sujeitoØ tinhão recebido a S. Exa. quando veio do Rio de Janr
o.
pa. Vª. Boa; (38) comtudo igual aplauzo lhes sujeitoØ fizerão neste dia; (39) sujeitoØ
receberam-no debaixo do Palio (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 135)
(40) S. Exa. deo vários methodos p
a. procurarem novos averes na sua vezinhança, em q. se não
tem alargado com medo do gentio caiapo. (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 135)
(41) convidou alguns homens desocupados pa. hirem reforçar a bandeira q. se estava
apromptando em Sta. Luzia (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 137 e 139)
(42) Mandou lançar hum bando com circunstancias taes q. por elle se evitaram os vadios
desta capitania (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 139)
(43) as novas Bandeiras, q se estam apromptando pª. novos Descubertos de ouro (Pinheiro e
Coelho, 2006, p. 139)
(44) Este Arrayal foi fundº. Logo depois q. se fundou a Povoação (Pinheiro e Coelho, 2006,
p. 139)
(45) chamasse da Meýa Ponte; por q. está junto a hum Rio deste nome, o qual não se vé do
Arrayal. (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 139 e 141)
(46) pellas nove horas da manhaâ entrou na villa com mta. Chuva; Razão porq. não se pode
fazer solemne a entrada de S. Exª. (Pinheiro e Coelho, 2006, p. 141 e 143)
86
Quadro dos itens verbais que compõem os dados do corpus do Diário.
Construções
com sujeito
nulo
indeterminado
canônico:
Ocorrências: Construções
com se
genérico:
Ocorrências: Construções
com se
indefinido:
Ocorrências:
vir 1 dever 1 tirar 1
conduzir 1 fazer 1 ver 1
fazer 2 trabalhar 2 ter 1
receber 2 ver 2 ouvir 1
ter 1 conduzir 1 efetuar 1
advertir 1 praticar 1
chamar 2 poder 1
ter 3 admirar 1
julgar 2 evitar 1
dar 1 estar 1
achar 2
adjetivar 1
pretender 1
poder 2
reger 1
administrar 1
padecer 1
descobrir 1
pôr 1
estar 1
fundar 1
Total de ocorrências:
7 Total de ocorrências:
29 Total de ocorrências:
10
Total de verbos:
5 Total de verbos:
21 Total de verbos:
10
87
2. MEMORIAL DE LEMBRANÇA DE ANNA JOAQUINA DA SILVA MARQUES
(1881-1930):
(1) Dia 6 as 3 horas estávamos jantando, q.do
sujeitoØ vierão chamar D.r Azeredo p.
a ir vêr o S.
r
Ant.o
Alves q‟ tinha tido u[m] ataque, q.do
o Azeredo chegou em caza de Tiasenhora, já o
achou morto (janeiro de 1881)
(2) Dia 21 Nhola teve uma cólica q‟ durou 3 oras depois chamou-se Dr Azeredo, q
do sahiu era
½ noite (maio de 1881)
(3) Dia 23 Hoje sujeitoØ comprarão-me um bilhete de loteria (da corte (4) (hoje q‟mandou)-se
(maio de 1881)
(5) Dia 28 denoite nós todos fomos em caza do Cap.m
Florambel, assistir o entremez depois
finalizou-se com baile, esteve mto
bom (junho de 1881)
(6) Dia 30 sujeitoØ Baptizou á f.a do Snr‟ M.
el Thomaz, forão os pad.
ros Ritinha f.
a do Ant.
o
Pinto, e o Jozino f.o do Angelo Gusmão. Denoite hove baile em caza do Baptizado (julho de
1881)
(7) Dia 17 Faleceu o Cadête Candido Gonsaga, e sujeitoØ enterrou dia 18 (janeiro de 1882)
(8) Dia 28 foi Domingo do Espirito Santo a procição do Divino passou aqui, qdo
sujeitoØ lêu a
Sorte Manoel Antonio foi o Imperador do Anno Seguinte (maio de 1882)
(9) Dia 8 Domingo. dedarte hove Missão no S. Francisco. q.‟ nesse dia sujeitoØ enficou o
Cruz.o (outubro de 1882)
(10) Dia 12 foi Domingo sujeitoØ Baptizou o matadouro (novembro de 1882)
(11) Dia 23 as 3 horas da manhã Manoel daqui morreu as 2 oras enterrou-se (março de 1883)
88
(12) Dia 18 Faleceu a filha do Snr‟ Paulo Marques (17 de julho de 1883). as 8 horas da manhã
sujeitoØ enterro-a. (julho de 1883)
(13) Dia 19 Maria Altina f.a do Snr.‟ Luiz Jardim morreu (18 de setembro de 1883).
enterrou-se (setembro de 1883)
(14) Dia 14 as 5 oras da manhã falecêu o Conego Pio. a tarde foi Sepultado. nessa mesma
tarde Falecêu Pedro cunhado do Antonio M.el sujeitoØ sepultou no dia seguinte. (novembro de
1883)
(15) Dia 21 nesse dia desapareceu o Snr‟ Felippe de Moraês Preto (ignora-se a razão, desta
innesperada fuga. (março de 1884)
(16) Dia 15 depois da novena sujeitoØ alevantou mastro de N. S. do Carmo (julho de 1884)
(17) Dia 4 Faleceu a D. Lin...] m.er
do Cap.m
João Berquó p.a amanhecer (3 de março de 1885).
Faleceu a S.ra
Ninica derepente, nesse dia sujeitoØ enterrou ambas 1 demanhã a outra de
detarde (março de 1885)
(18) Dia 22 nessa tarde sujeitoØ enterrou o Deco f.o
do P.r David (abril de 1885)
(19) Dia 18 nessa tarde sujeitoØ enterrou Alffs Parrela q‟ morreu dia 17 a noite (setembro de
1885)
(20) Dia 31Cazou-se a f.a do Cap.
m Jorge (Honorina com o S.
r Toto Veiga fui ver do Liceu
p.q.‟ o casaz.to
Sahio da caza do Sr. Joaq.
m Gustavo, e celebrou-se na Boa Morte. (outubro de
1885)
(21) Dia 19 Chegou aqui, O C.el Gama; e foi recebido com muzicas – menores e do batalhão –
vimos a Chegada, apiou em caza de D. Leonôr q.‟ foi alugada pa elle depois sujeitoØ vierão me
chamar p.a a caza de D.
r Paês Leme q.‟ a minha afilhada Januaria – tinha falecido; eu fui p.
a lá
visita-la. vim as 6 oras da noite. (maio de 1886)
89
(22) Dia 16 sujeitoØ Sepultou a m.er
do Alffs Thomaz da Fonseca (agosto de 1886)
(23) 1º de junho Faleceu o S.r João Baptista Carneiro. sujeitoØ Sepultou na mesma tarde.
(junho de 1887)
(24) Dia 4 nessa tarde faleceu o Sobr.o de Turinha José Thomaz (3 de julho de 1887). sujeitoØ
Sepultou de tarde (julho de 1887)
(25) Dia 24 Faleceu o S.r Miranda a tarde sujeitoØ enterro-o (julho de 1887)
(26) Dia 12 Faleceu Candida m.er
do Alffs Franc.
o M.
el de Velasco (11 de agosto de 1887). as
5 oras da tarde sujeitoØ sepultou-a com toda soled.e de padres (agosto de 1887)
(27) Dia 18 Domingo hôve Concerto no Theatro 5 môssas Cantarão. depois seguiu-se a
Kermesse das prendas em favor dos Captivos. (agosto de 1887)
(28) Dia 28 depois a Comedia em 1º de Abril Comedia Composta p.lo
S.r Raphael Torres.
findou-se a ½ noite. Toto fez parte da Comedia. (agosto de 1887)
(29) Dia 30 Falaceu o S.r Franklim da Rocha sujeitoØ enterrou no mesmo dia (agosto de 1887)
(30) Dia 7 houve Tedeum, depois guarda de honra, no largo do Pal.o denoite Baile q‟ sujeitoØ
offerecerão ao Viceprezidente: Felicissimo (setembro de 1887)
(31) [Dia]32
24 Eu e Nhola fomos ao Baile q‟ sujeitoØ offerecerão a D.r Delegado em
despedida. (novembro de 1887)
(32) [Dia] 2 Mariq.a estava aqui q.
do sujeitoØ vierão Chamar q.‟ a viúva do João Netto estava
lá (março de 1888)
32
Os dados em que a palavra “dia” está escrita entre colchetes foram, no manuscrito, identificados por símbolo
que representa a repetência da palavra sem sua efetiva escritura.
90
(33) [Dia] 21 Houve a prosição da Ressureição m.to
bonita e concorida logo depois missa aqui
no Carmo q‟ disse o P.e Pedro. Sigui-se a folia do Divino. (34) a tarde queimou-se o 2º Judas
na S.ta B. (abril de 1889)
(35) [Dia] 29 sujeitoØ Sepultou a m.er
do João Caiabola q‟ morreu dia 28 (maio de 1889)
(36) [Dia] 4 Realizou-se o baile, pois a noite esteve esplendida (novembro de 1889)
(37) [Dia] 16 sujeitoØ Derubou a 2ª parede da escola de Lili (dezembro de 1889)
(38) [Dia] 20 sujeitoØ Arrancou as partileira da venda, detarde Silvia veio (dezembro de 1889)
(39) [Dia] 13 Houve theatro anniversario da Libertação (...) depois seguio-se a comedia o
Escravocata (maio de 1890)
(40) [Dia] 21 Faleceu o Cap.m
Joaquim Alves de Oliveira sujeitoØ enterrou dia 22 (junho de
1890)
(41) [Dia] 1º Segunda-feira Houve instalação do Congresso q‟ passou pacificamente. nesse
dia sujeitoØ desmanchou a ponte do Carmo (junho de 1891)
(42) Dia 10 depois do cazam.to
dansou-se 2 quadrilha. (43) as 8 ½ horas da noite levou-se o
Noivado em casa (na rua da Abadia) (novembro de 1895)
(44) Dia 10 sujeitoØ fez fornalha aqui (maio de 1898)
(45) Dia 16 Fui na Missa do dia sujeitoØ baptizou o f.o de Amanda (agosto de 1898)
(46) Dia 4 Nos todos fomos a missa as 8 oras da manhã Falacerão P.e José Iria e o C.
ol
Constacio Rib.o da Maia este sujeitoØ sepultou detarde e aquelle foi depositado na Bôa morte
p.a outro dia (setembro de 1898)
(47) Dia 20 sujeitoØ Derubou a frente do Carmo (outubro de 1898)
91
(48) Dia 29 Eu Maria e Annica Macedo fomos no Theatro sujeitoØ reprezentava (Direito por
linhas torta) (outubro de 1898)
(49) Dia 14 sujeitoØ principiou fazer estuqui aqui na Sala (dezembro de 1898)
(50) Dia 19 sujeitoØ Pintou o estuque da sala (dezembro de 1898)
(51) Dia 23 sujeitoØ esteve aqui trabalhando fazendo soalho Nessa noite Nhola foi conversar
com Silvina Sobre o Leilão de N. S. do Carmo. (dezembro de 1898)
(52) Dia 25 Eu e Nhola fomos ver na caza de Mariq.a p.
a ver o retrato do S.
r Virgilio q.‟sujeitoØ
reproduzio (março de 1899)
(53) Dia 27 Faleceu Annibal Brandão (26 de abril de 1899). sujeitoØ Enterrou (abril de 1899)
(54) Dia 19 sujeitoØ Pôz punho na rede (agosto de 1899)
(55) Dia 2 sujeitoØ acabou de fazer o vestido amarelo q.‟ Toto me deo dia 29 de Jan.o
(setembro de 1899)
(56) Dia 16 Izidora morreu e sujeitoØ Sepultou Detarde (outubro de 1899)
(57) Dia 8 sujeitoØ Limpou o pôsso da Escola de Nhola (novembro de 1899)
(58) Dia 18 sujeitoØ pôs remendo no Sofa da varanda (novembro de 1899)
(59) Dia 15sujeitoØ apartou a escola de Lili, p.a dar outro lanço p.
a João Athanazio (dezembro
de 1899)
92
Quadro dos itens verbais que compõem os dados do corpus do Memorial.
Construções
com sujeito
nulo
indeterminado
canônico:
Ocorrências: Construções
com sujeito
nulo
indeterminado
não canônico:
Ocorrências: Construções
com se
genérico:
Ocorrências:
vir 3 enterrar 9 enterrar 2
comprar 1 sepultar 8 seguir 3
oferecer 2 batizar 3 chamar 1
derrubar 2 mandar 1
ler 1 finalizar 1
enfincar 1 ignorar 1
arrancar 1 celebrar 1
alevantar 1 findar 1
desmanchar 1 queimar 1
fazer 1 realizar 1
representar 1 dançar 1
principiar 1 levar 1
pintar 1
estar
(trabalhando)
1
reproduzir 1
acabar 1
limpar 1
apartar 1
pôr 2
Total de ocorrências:
6
Total de ocorrências:
38
Total de ocorrências:
15
Total de verbos:
3
Total de verbos:
19
Total de verbos:
12
93
ANEXOS
ANEXO 1: Mapa das capitanias hereditárias na América
portuguesa.
Autoria: Luiz Teixeira (1574). Depósito legal: Biblioteca da Ajuda, Lisboa, Portugal.
95
ANEXO 3: Mapa etnográfico da capitania de Goiás.
Fonte: Nimuendaju, 1981 apud Ataídes, 2006, p. 61.
96
ANEXO 4: Mapa da província de Goiás.
Fonte: http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/pop72/. Acesso em 18/02/2014.
98
ANEXO 6: Fotocópia da edição fac-símile do Diário de viagem do
Barão de Mossâmedes (1771-1773).
Fonte: Pinheiro e Coelho (2006). Depósito legal do manuscrito original: Instituto de Pesquisas
e Estudos Históricos do Brasil Central, Goiânia, Goiás.