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Design e Artesanato: uma alternativa para o designer pernambucano

Design e Artesanato - O Imaginário · § O Artesanato Solidário e a valorização da ... O design surgiu ... infreqüente até o início do século XIX, quando surgem

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Design e Artesanato: uma alternativa para o designer pernambucano

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Universidade Federal de Pernambuco Centro de Artes e comunicação Departamento dDesign Projeto do Produto

Quesia da Costa Pereira

Design e Artesanato: uma alternativa para o designer pernambucano

Monografia apresentada à disciplina de Projeto de Graduação 2 como requisito parcial à conclusão do curso de Design, Departamento de design da Universidade Federal de Pernambuco.

Orientadoras Ana Andrade Virginia Cavalcanti

Recife, 2004

3

Agradecimentos

A Deus.

A meus pais pela compreensão.

Aos velhos, novos e grandes amigos pelo apoio.

A minhas orientadoras pela amizade.

Agradeço a todos que de alguma forma me

construíram nos últimos anos. A todos que

reconhecem alguma razão para minha gratidão.

Muito obrigada.

4

Monografia defendida em ____ de Setembro de 2004, e aprovada em ___ pela banca examinadora, constituída pelos professores, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Desenho Industrial/Projeto do Produto da Universidade Federal de Pernambuco.

Examinador externo

Examinador interno

Orientador

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Design e Artesanato: uma alternativa para o designer pernambucano

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0| Introdução

1| Design: significados, formas de atuação e

perspectivas

§ O Design e seu significado

§ O Design na contemporaneidade

§ O Design em Pernambuco

2| Algumas definições para compreender modelos

de intervenção

§ Design, artesanato e produção artesanal

§ Artesanato e Arte Popular

3| Intervenção de Design no Artesanato Brasileiro

§ O Artesanato Solidário e a valorização da

tradição

§ Janete Costa e a promoção do artesanato

§ Mão Gaúcha e o enfoque na comercialização

§ Mãos de Minas : suporte burocrático e promoção

de vendas

§ Programa Sebrae de Artesanato e a legitimação

do suporte técnico

4| O modelo de intervenção do Imaginário

Pernambucano

§ O projeto referência: Conceição das Crioulas

§ Experimentos da metodologia de Intervenção:

Comunidades não-tradicionais

§ Modelo de Intervenção do Imaginário

Pernambucano

5| Artesanato: uma alternativa para o design[er]

6

67

pernambucano

| Ilustrações

7

0| Introdução

Das corriqueiras discussões do meio acadêmico de

design, o campo de atuação é a mais recorrente.

Apesar de ser uma preocupação comum a todas as

áreas profissionais, existe para o designer a

necessidade não apenas de garantir o seu espaço,

mas também, esclarecer sobre a sua forma de

atuação.

Sobre a produção literária na área; Niemeyer

posiciona que “a maioria dos trabalhos sobre design

se inicia pela conceituação da profissão. Talvez esse

tipo de ocorrência não se dê em outras áreas, mesmo

mais novas, como a informática e o marketing.

Acreditamos que esta recorrência advenha do fato de

que cada autor precise, de início, explicitar a sua

concepção da profissão e descrever os compromissos

que estão implícitos na sua prática profissional. Até

mesmo estudantes e docentes de design têm tido

dificuldade para identificar uma definição da

profissão”... (Niemeyer,1998:23)

Neste sentido, é que o trabalho proposto não

pretende encerrar uma definição para design, mas

principalmente contribuir para ampliação da discussão

sobre suas formas de atuação no mercado

profissional.

O título desta pesquisa, Design e Artesanato: uma

alternativa para o designer pernambucano, encerra

dois questionamentos. Um, aparentemente mais forte

pode ser apontado na seguinte pergunta: qual a razão

de, numa monografia de graduação se pesquisar

sobre alternativas para o exercício do design em

Pernambuco? E, outro; por que focar a produção

artesanal como alternativa para tal?

8

É provável que um designer pernambucano ou

nordestino, e talvez brasileiro compreenda facilmente

o raciocínio que envolve a primeira questão colocada.

É lugar-comum que a Revolução Industrial

acompanhada da evolução mecânica e tecnológica são

reconhecidos marcos da história do design, pois

contribuíram ricamente para a formação da maioria

dos fundamentos conceituais tradicionais na profissão.

Dessa forma, caminhando na direção da difusão de

produtos industriais, nos países de industrialização

tardia; como é o caso do Brasil, o processo de

reconhecimento desse profissional deu-se ou tem se

dado de forma mais lenta e pode-se dizer que ainda

está caminhando nesse sentido.

Tratando-se do Nordeste, numa visão ainda mais

específica, e sabendo que a evolução da indústria de

bens de consumo nesta região tem ocorrido de forma

cronologicamente diferente de outras regiões do país;

entende-se porque o designer pernambucano enfrenta

ainda, no século 21, a dificuldade de esclarecer;

demonstrar e estabelecer seu campo de atuação

profissional.

A conjectura de que a produção artesanal é um

caminho adequado à expansão da atividade do

designer em Pernambuco parte, primeiramente, da

observação da vocação natural e tradicional do povo

pernambucano em preservar suas raízes culturais

através do fazer artesanal.

Assim, a pesquisa tem por objetivo apresentar

modelos de intervenção de design no artesanato local

como alternativa para a inserção do designer

pernambucano no mercado de trabalho, ao mesmo

9

tempo em que valoriza a cultura da região e

potencializa o produto do artesanato.

Esta pesquisa não apresenta o design preso ao

conceito de consumo desenfreado de produtos e

tendências; ou o designer, cativo de um contexto

neoliberal industrial para exercício de sua profissão.

Estando em um espaço que não favoreça o

desenvolvimento da sua atividade no setor industrial,

o designer pode intervir na cultura material por meio

da produção artesanal, criando e transformando, sem

que haja descaracterização da profissão.

A apresentação do segmento artesanal como campo

para atuação não advém, entretanto, apenas da

riqueza do artesanato local. A expansão do setor no

mercado internacional tem se alimentado no

sentimento de introspecção que vive, pessoal e

coletivamente, o indivíduo contemporâneo. Ao

transformar o planeta num espaço tão comum, tão

pequeno – antes a imensa Terra, hoje, a ‘aldeia’ ; a

globalização levou o sujeito contemporâneo de volta

à suas raízes. Diferenciar-se no mundo da

padronização tornou-se questão de sobrevivência

psicológica, social e econômica. Assim, pode-se

compreender facilmente, o porquê da produção

artesanal como proposta.

Partindo dessas observações esta pesquisa, tem a

intenção de buscar na valorização da cultura

nordestina, preservada através do fazer artesanal, um

caminho para a consolidação de um produto

competitivamente forte e caracteristicamente

pernambucano. E a partir dessa consolidação

construir um nicho de mercado para artesãos,

garantindo a colocação profissional do designer em

10

Pernambuco.

Para tal, o método de abordagem comparativo é

utilizado como base para a estruturação da

fundamentação teórica, bem como para a análise de

programas e projetos que fazem uso de ferramentas

do design para auxiliar a produção artesanal no Brasil

atualmente; “considerando que o estudo das

semelhanças e diferenças entre diversos tipos de

grupos, sociedades ou povos contribui para uma

melhor compreensão do comportamento humano,

este método realiza comparações com a finalidade de

verificar similitudes e explicar divergências”.

(Lakatos,1991:82)

Segundo o método de estudo de caso, busca-se

através da referência ao Projeto Imaginário

Pernambucano, justificar a proposta feita de união

entre design e produção artesanal em Pernambuco.

Yin assinala que “o Estudo de Caso contribui de forma

inigualável, para a compreensão que temos dos

fenômenos individuais, organizacionais, sociais e

políticos. Não surpreendentemente, o estudo de caso

vem sendo uma estratégia comum de pesquisa na

psicologia, na sociologia, na ciência política, na

administração, no trabalho social e no

planejamento”.(Yin apud Yin, 2001:21).

Há interesse na metodologia de Estudo de Caso

porque “permite uma investigação para se preservar

as características holísticas e significativas dos

eventos da vida real – tais como ciclos de vida

individuais, processos organizacionais e

administrativos, mudanças ocorridas em regiões

urbanas, relações internacionais e a maturação de

setores”. (Yin,2001:21)

11

O Estudo de Caso é adequado quando se quer

“explicar vínculos causais em intervenções da vida

real que são complexas demais para as estratégias

experimentais ou aquelas utilizadas em

levantamentos”. (U.S. General Accounting Office,

apud Yin, 2001). Ou ainda, “quando deliberadamente

quisesse lidar com condições contextuais –

acreditando que elas poderiam ser altamente

pertinentes ao seu fenômeno de estudo, descrever

uma intervenção e o contexto da vida real em que ela

ocorre, ou explorar aquelas situações nas quais a

intervenção que está sendo avaliada não apresenta

um conjunto simples e claro de resultados”.

(Yin,2001:34)

A proposta está baseada na análise da experiência do

trabalho em conjunto de designers e artesãos em

casos de intervenções de design junto à produção

artesanal.

A discussão em torno dos casos estudados é

enriquecida e alimentada a partir do levantamento

bibliográfico de conceitos relevantes ao estudo.

Sugere-se aqui, então, o aproveitamento de uma

característica genuína de Pernambuco para um

problema estrutural e histórico do profissional de

design no Estado.

Atente-se, porém, que não se pretende apontar esta

proposta como original ou única. A intenção principal

é de alertar ou destacar inúmeras parcerias bem-

sucedidas entre artesãos e designers no país;

atestando como um caminho válido para o problema

apresentado.

12

1|Design:significados, formas de atuação e perspectivas O Design e seu significado O Design e seu significado O Design em Pernambuco

13

1|Design: significados,formas de atuação e perspectivas

Ao levantar uma discussão sobre o campo de atuação

do designer pernambucano é necessário observar o

contexto histórico que proporcionou a formação da

atual conjuntura. Não apenas no que diz respeito ao

desenvolvimento da profissão no Estado, mas ainda

com relação à própria história do design.

Três questões serão levantadas para abordar a

situação atual do mercado profissional de Design de

Produto em Pernambuco.

O modo como se deu o surgimento e estabelecimento

da profissão durante os séculos 18 e 19 é considerado

essencial para a compreensão do contexto estudado.

Também a instituição do termo Desenho Industrial

para designar a profissão durante o período de

pré-estabelecimento dos primeiros cursos no Brasil. E

por fim, o desenvolvimento tardio da indústria de

bens de consumo no Estado e no país.

14

1|Design: significados, formas de atuação e perspectivas

O Design e seu significado

Quem se propõe a contar a história do design esbarra

na curiosa situação de continuar uma narrativa que

não possui um único e determinado começo; “advogar

uma história para o design não significa imaginá-lo

como produto de uma seqüência harmônica e linear

de fatos e ocorrências. Ao contrário, coerente com o

seu tempo e sua história, ele é não linear e

contraditório”. (Souza,2000:12) O design surgiu

dentre vários acontecimentos decorrentes de um

período de reflexões e descobertas.

Com relação a isto, Cardoso afirma que “a principal

dificuldade para aplicação do modelo tradicional que

define o design, como ‘a elaboração de projetos para

a produção em série de objetos por meios mecânicos’,

reside no fato de que a transição para este tipo de

fabricação não ocorreu de forma simples ou uniforme.

Diferentes tipos de artefatos e diferentes regiões

geográficas passaram por esse processo em

momentos muito díspares.”. (Cardoso, 2004:15)

A atividade em si já existia, entre artistas e artesãos;

o que data do período compreendido como Revolução

Industrial é a instituição do design como profissão, e

o aparecimento da figura do designer; neste momento

inicial definido exatamente como idealizador de

objetos para a produção da indústria, assim, um

desenhista, um projetista da indústria, ou industrial

designer.

Niemeyer (1998) esboça uma seqüência iniciada a

partir da constituição do sistema de fábrica com a

divisão de tarefas e a definição de papéis durante o

século 19. Cita as grandes exposições, dentre elas a

de 1851 seguindo com a reação ao evento; o

15

conhecido Movimento Artes e Ofícios. Posteriormente

a isto, destaca o movimento moderno Art Noveau.

Conclui com o estabelecimento das escolas alemãs de

design; um rápido e interessante meio de desenhar

um perfil para o nascimento do design.

Cardoso coloca que “se é difícil precisar a data em que

teve início a separação entre projeto e execução, é

bem mais fácil determinar a época em que o termo

designer passou a ser de uso corrente como apelação

profissional. O emprego da palavra permaneceu

infreqüente até o início do século XIX, quando surgem

primeiramente na Inglaterra e logo depois em outros

países europeus um número considerável de

trabalhadores que já se intitulavam designers, ligados

principalmente mas não exclusivamente a confecção

de padrões ornamentais na industria têxtil . Esse

período corresponde à generalização da divisão

intensiva do trabalho, que é uma das características

mais importantes da primeira Revolução Industrial,

sugerindo que a necessidade de estabelecer o design

como uma etapa especifica do processo produtivo e

de encarregá-la a um trabalhador especializado faz

parte da implantação de qualquer sistema industrial

de fabricação. Tanto do ponto de vista lógico quanto

do empírico, não resta dúvida de que a existência de

atividades ligadas ao design antecede a aparição da

figura do designer”. (2004:16)

A partir da Revolução Industrial é que a atividade

projetual dedicada à produção em série ficou definida

como necessidade de sentido profissional e

especializado para a civilização industrial de consumo;

assim, o estabelecimento da profissão durante o

período da Revolução Industrial, com ocorrência dos

“primeiros” designers nas indústrias criou uma relação

16

circunstancial restrita entre a profissão e o campo de

atuação a ela “inerente”.

Entretanto, é possível se desvencilhar da idéia de que

a atuação do designer é plena apenas no contexto

industrial; essa conclusão não só amplia o campo de

atuação do designer, mas especificamente legitima a

atividade profissionalmente onde não existe uma

tradição industrial.

17

1|Design: significados, formas de atuação e perspectivas

O Design na contemporaneidade

Quando se fala em sobrepujar a idéia da redução ao

contexto industrial visando a ampliação do campo de

trabalho do designer não se propõe inovação alguma;

fala-se na verdade de uma característica tão certa do

design quanto projetar; a multiplicidade.

Segundo Cardoso, “a marca registrada da pós-

modernidade é o pluralismo, ou seja, a abertura para

posturas novas e a tolerância para posições

divergentes. Na época pós-moderna, já não existe

mais a pretensão de encontrar uma única forma

correta de fazer as coisas, uma única solução que

resolva todos os problemas, uma única narrativa que

amarre todas as pontas. Talvez pela primeira vez

desde o início da industrialização, a sociedade

ocidental esteja se dispondo a conviver com a

complexidade em vez de combatê-la” (2004:206).

Trata-se aqui de um profissional que se tornou

versátil em decorrência da evolução e das

circunstâncias sociais e econômicas ao longo do

tempo. Cardoso ainda afirma que “para o design mais

especificamente, a condição pós-moderna exacerba

uma série de questionamentos e contradições que

sempre estiveram latentes, mas que a resolução

antes era menos premente” (2004:207). O que se

enfatiza é a postura de se extrapolar o conceito de

‘designer para configurar objetos para a produção

industrial ponto’.

O trabalho de incessante procura de soluções gerou

um profissional constantemente atento a diversas

questões, tais como: social, econômica, psicológica,

ambiental, mercadológica, tecnológica, a produção, a

criação. Fez-se desenvolver um olhar perspicaz ao

18

designer que o permite dialogar com áreas diversas,

participar de forma adequada e contribuir com

soluções, muitas vezes, bem sucedidas.

Com relação a esse campo de trabalho Cardoso diz

que “o design é uma profissão ainda incipiente e o seu

destino, bastante imprevisível. No Brasil pelo menos

não há base empírica para se falar do recuo ou

encolhimento do campo. Ao contrário, os últimos dez

anos têm testemunhado uma nítida diversificação das

possibilidades de trabalho para o designer e uma

multiplicação correspondente de instâncias de atuação

profissional. O designer brasileiro passou na década

de 90, de uma atividade restrita tradicionalmente a

meia dúzia de praticantes bem sucedidos, para um

patamar inédito de produção sobre um leque amplo

de frentes de trabalho.” (2004:221)

A grande sacada para o designer é reconhecer em sua

volta, o campo e a forma de atuação mais favoráveis

para seu desenvolvimento e estabelecimento,

considerando sempre o seu papel social.

Com relação ao uso do termo Desenho Industrial para

denominar a profissão há uma discussão que vem se

encerrando com a substituição da expressão pela

terminologia já consagrada; Design. Niemeyer afirma

que “o emprego da palavra design tende a se ampliar

para designer a profissão, apesar de alguma reação

contrária, sob as alegações de se tratar de uma

palavra estrangeira e de a expressão desenho

industrial já ter anos de uso”.(1998:28) O fato é que,

a adoção da denominação Desenho Industrial no

Brasil trouxe conseqüências para a profissão no país.

As discussões em torno de como se faria a tradução

19

do Industrial Design para português com a

instauração do curso no Brasil são claramente

explicadas por Niemeyer; “a palavra do idioma inglês

design, é de origem latina, de designo, -as,-are,-avi, -

atum, com os sentidos de designar, indicar,

representar, marcar, ordenar, dispor, regular

(Queiroz,1961). Design significa projeto,configuração,

se distinguindo da palavra drawing – desenho,

representação de formas por meio de linhas e

sombras. Estas distinções estão presentes também no

idioma espanhol: diseño para a atividade projetual e

dibujo para a realização manual. A palavra design foi

assimilada internacionalmente, sendo de uso corrente

em Portugal.” (Niemeyer,1998:26)

E continua; “na década de 50, quando a atividade de

industrial design passou a ser referida no país, foi

empregada a expressão desenho industrial. Essa

tradução foi inadequada,pois contrariou o significado

original de design, e fez prevalecer para o desenho

industrial a conotação de habilidade de representar

graficamente à de projetar.” (1998:26)

A pesquisa de Niemeyer apresenta trechos de

documentos da época que demonstram a inquietação

em esclarecer as ambigüidades que a tradução

inadequada poderia causar. “Oberg (1962) expressou

que a tradução da expressão industrial design,

internacionalmente consagrada, por desenho

industrial, é infeliz e imprópria (...) na ocasião fiz todo

o possível para persuadir a Comissão de Estudos [o

Grupo criado pela secretaria de Educação para

estudar a implantação do curso de design do Estado]

que a denominação era imprópria e iria fatalmente

estabelecer dúvidas, e em conseqüência, prejudicar a

divulgação da futura escola.(...) Em português melhor

20

seria se traduzíssemos Industrial Design por Projetos

para a indústria ou adotássemos definitivamente a

expressão já consagrada internacionalmente”.

(Niemeyer,1998:26)

“O esclarecimento que se pretendeu fazer na época

não foi suficiente para evitar equívocos subseqüentes,

que permanecem até hoje”, posiciona a autora. “A

palavra design permaneceu sem uma denotação

especifica no Brasil, não particularizando a profissão

ou o seu conceito”. (Niemeyer,1998:27)

De qualquer forma, tanto a expressão Desenho

Industrial, quanto a redução do papel do designer à

posição de projetar produtos unicamente para a

indústria estão em processo de desuso. Na

contemporaneidade a adoção do termo design e a

compreensão de competências diversificadas ao

designer têm se estabelecido no senso comum.

Enxergar que existe a possibilidade de sobrevivência

econômica sem priorizar unicamente o

desenvolvimento industrial é de extrema importância

para países de industrialização tardia não apenas pela

dificuldade de investimento neste setor (que segundo

o avanço tecnológico atual significa grandes

montantes financeiros no contexto nacional), mas

também por consideração às características da

população que não será obrigatoriamente vocacionada

ao operariado.

21

1|Design: significados, formas de atuação e perspectivas

O Design em Pernambuco

Com a instituição da profissão de design dentro das

primeiras indústrias, o desenvolvimento industrial

como meio de propagação da atividade torna-se um

entrave de caráter histórico ao reconhecimento deste

profissional no Brasil, especificamente no Nordeste e

em Pernambuco.

Niemeyer aponta que “as atividades manufatureiras

foram geralmente cerceadas para manter o Brasil na

condição de consumidor compulsório dos produtos

oferecidos através do mercantilismo

colonial”.(1998:48) “a coação à aquisição de bens de

consumo de origem européia, sobretudo inglês, era

exercida pela coroa portuguesa, limitando a produção

manufatureira no Brasil aos gêneros cuja importação

não fosse compensadora. O impedimento colonial à

industrialização e à imprensa fez com que a nossa

produção material fosse, em geral, grosseira e de

padrão rudimentar.”(1998:49)

O desenvolvimento da indústria açucareira em

Pernambuco desde o período colonial, a indústria do

ferro com a exploração de minérios em Minas Gerais,

a força da cafeicultura na economia brasileira até o

início do século 19; são marcos históricos da

industrialização brasileira que demonstram o atraso

com que a fabricação de bens se instalou aqui.

Na segunda metade da década de cinqüenta, os

esforços do presidente Kubitschek refletiam não

apenas um entusiasmo político, mas também a

pressão conseqüente de um momento.

“No Recife, Aloísio Magalhães, Gastão de Holanda

(1919-1997), José Laurênio de Melo e Orlando Costa

22

Ferreira deram origem à sociedade O Gráfico Amador,

grupo que, no período entre 1954 e 1961, fez ricas

experiências em design gráfico na publicação de cerca

de trinta livros e vários folhetos chamados ‘volantes’.”

(Niemeyer,1998:73) Estas evoluções em design

gráfico em Pernambuco, foram significativas para a

área no Estado e no país. Entretanto não se viu em

Pernambuco desenvolvimento semelhante ao da

indústria tipográfica, na indústria de produtos.

O setor moveleiro traz um legado bastante rico em

casos como Estilo Pernambucano desenvolvido na

manufatura dos Beranger1 durante o século 19, ou

ainda com o exemplo da Casa Hollanda. Infelizmente

estes casos que identificam uma história para a área

de produtos em Pernambuco não se converteram em

realidade para o período atual, mas figuram hoje

como parte da história de decadência desta indústria

no Estado.

O design gráfico pernambucano continua sendo

referência no país, no entanto, o Estado ainda não

possui um parque industrial com espaço para a

absorção dos designers de produto. Isto porque a

maioria das indústrias aqui instaladas produz objetos

desenvolvidos em outros Estados, fora do Brasil, ou

continuam repetindo formas e modelos de gosto

duvidoso.

Entretanto Pernambuco conta com uma produção

artesanal tradicionalmente forte, e conforme Cardoso,

“costuma-se dizer que das crises nascem

oportunidades e não resta dúvida de que a total falta

de certezas do momento histórico presente oferece

uma grande oportunidade para que os designers

1 Julião e Cláudio Manoel Berenger até 1858

23

apresentem projetos de futuro e lancem novas bases

para o exercício da profissão no século 21.”

(2004:208)

Esta característica local associada à ampliação do

conceito de design, pode contribuir para a proposta de

uma alternativa de atuação para o profissional de

design de produtos pernambucano junto à produção

artesanal.

24

2|Algumas definições para se compreender modelos de intervenção Design, Artesanato e produção artesanal Artesanato e Arte Popular

25

2|Algumas definições para se compreender modelos de intervenção

Uma discussão consciente a respeito de qualquer

tema deve ser clara quanto aos termos dos quais faz

uso. Seja para munir o leitor que é introduzido ao

assunto, seja para posicionar o leitor que já dispõe de

opinião a respeito, é preciso explicitar objetivamente

os pontos abordados.

A questão do artesanato requer algumas pausas para

se delimitar áreas de conhecimento tangentes; às

vezes quase confusas entre si.

É necessário esclarecer o que se está tomando por

artesanato e o porquê.

Não só o Artesanato, como a Arte Popular, o Design, o

Design com produção Artesanal e o Design com

Intervenção no Artesanato; são terminologias

imprescindíveis para se estabelecer uma discussão

coerente no presente estudo. Pequenos detalhes e

características próprias compõem uma delicada

membrana conferindo-lhes identidade e legitimando a

razão de sua existência.

26

2|Algumas definições para se compreender modelos de intervenção

Design, artesanato e produção artesanal

“Segundo a conceituação tradicional, a diferença entre design e artesanato reside justamente no fato de que o designer se limita a projetar o objeto para ser fabricado por outras mãos ou, de preferência, por meios mecânicos.” Cardoso

As similitudes entre design e artesanato são

remanescentes de um momento anterior à instituição

do próprio designer. Cardoso diz que “hoje, quando o

design já atingiu uma certa maturidade institucional,

muitos designers começam a perceber o valor de

resgatar antigas relações com o fazer manual”.

Entretanto, explica que “historicamente, porém, a

passagem de um tipo de fabricação, em que o

mesmo indivíduo concebe e executa o artefato, para

um outro, em que existe uma separação nítida entre

projetar e fabricar, constitui um dos marcos

fundamentais para a caracterização do design.”

(2004:15)

Como afirma o autor, a figura do artesão contribuiu

para a configuração do conceito tradicional de design.

Entretanto, o distanciamento do artesão se fez

necessário durante o processo de instituição do

designer enquanto profissional.

No momento em que a atividade de projetação de

objetos foi oficializada como uma atividade de apelo

profissional a partir do estabelecimento do sistema de

fábrica e da divisão de tarefas; o espaço da indústria

foi um dos caminhos para explicar a nova profissão, e

se tornou fundamento básico das primeiras escolas.

Fica claro que, apesar das semelhanças existentes

entre as atribuições das atividades, uma diferenciação

clássica entre o processo de design e o fazer artesanal

pode ser esclarecedora.

Tanto designer quanto artesão objetivam a

materialização, venda e uso do objeto; ambos reúnem

para isso elementos que dizem respeito à produção e

27

à matéria-prima empregada.

O processo de design utiliza ferramentas projetuais de

prospecção de mercado para o desenvolvimento do

produto com a finalidade de que seja factível na

produção, que atenda ao usuário, e seja vendável.

Por outro lado, a atividade artesanal apresenta

espontaneidade na maneira de criar; na forma de

pensar o produto e de se difundir o conhecimento da

técnica, transmitindo de geração a geração os saberes

sem que haja uma sistematização dos processos.

Quando Cardoso expõe que hoje muitos designers

valorizam o resgate da relação com o fazer manual,

aponta para a tendência vigente de reconhecimento à

forma característica do artesanato de conservar os

valores culturais.

Na contemporaneidade, é possível visualizar no Brasil,

formatos diferentes de relacionamentos entre o

design e o artesanato. Dentre estas, o Design com

Produção Artesanal e o Design com Intervenção no

Artesanato.

O Design com Produção Artesanal pode ser

caracterizado por um projeto de design que utilizará

produção ou técnicas artesanais para ser executado.

No caso da utilização dos objetos que são produzidos,

a valorização do artesanato pode ser exemplificada

com um balaio2 de fibra que é adicionado como parte

da estrutura de uma mesa de canto, ou um cesto que

é utilizado como cúpula de uma luminária.

Com relação ao uso de técnicas de artesanato, o

2 Cesto de palha ou cipó, de forma arredondada.

28

designer desenvolve um projeto e faz uso da mão-de-

obra de um artesão ou comunidade para a execução

do objeto. Dessa forma, há uma valorização do fazer

manual e da técnica em questão.

No Design com Produção Artesanal; o conceito, o

repertório, os códigos, são utilizados com plena

liberdade pelo designer. Muitas vezes, é um projeto

que poderia ser posto em uma linha de produção

industrial sem maiores perdas. A produção artesanal é

uma escolha e não uma imposição.

É beneficiada a produção artesanal neste modelo uma

vez que, irá assumir forma em objetos que

ultrapassam o contexto em que foram produzidos ou

não fazem parte do repertório do artesão que

produziu; alargando o leque de produtos, público e

funções que poderá assim atingir. O objeto exposto

em ambientes diferenciados, torna-se acessível a

pessoas que compreendem e valorizam as peças.

No Design com Intervenção no Artesanato, a ênfase

está no artesanato. A relação é bilateral e a troca de

conhecimentos é a base da ação. O papel do designer

não é mais o de simplesmente projetar, mas de munir

o artesão de ferramentas que possibilitem a melhor

colocação de seu produto no mercado.

A visão universal de que dispõe o designer deve ser

utilizada para instrumentalizar a originalidade e a

espontaneidade do artesão. No modelo de Referência

Do Programa Sebrae Nacional, o texto esclarece que

“o argumento em defesa da não intervenção do

design nestes processos de criação e de produção

artesanal é o temor da possibilidade de

descaracterização dos produtos originais, podendo

29

provocar o desaparecimento de certas tipologias,

padrões e outros elementos de reconhecimento

identificação cultural de uma determinada região ou

grupo social.” (SEBRAE, 2004:19)

Como expõe também o SEBRAE, “o distanciamento

das referências autênticas pode levar a um processo

de descaracterização dos produtos, de tal forma que

com o passar dos anos a produção de determinados

objetos pode ser uma deformação daquilo que já

foram.” (2004:19)

A cautela que esta ação exige está na constante

lembrança de que gerar renda para o artesão não

justifica a perda de sua essência. Além de prudência,

requer habilidade e precisão para determinar o limite

da intervenção, e até onde ela é benéfica.

Isto porque, o designer possui as competências

necessárias para contribuir com o desenvolvimento

desse Artesanato de Referência Cultural possibilitando

a aplicação de elementos para qualificação e

valorização do produto frente ao mercado sem

comprometer as particularidades que devem ser

preservadas. “São produtos cuja característica é a

incorporação de elementos culturais tradicionais da

região onde são produzidos. São, em geral,

resultantes de uma intervenção planejada de artistas

e designers, em parceria com os artesãos, com o

objetivo de diversificar os produtos, porém

preservando seus traços culturais mais

representativos”, defende o Programa Sebrae de

Artesanato. (SEBRAE, 2004:23)

Por outro lado, o artesão depende financeiramente da

venda de suas peças para viver e está submetido a

30

uma competitividade que tem exigido de seus

produtos uma inovação que ele nem sempre sabe

como fazer, ou pelo menos, não de forma sistemática.

Sujeitos à competitividade instaurada no mercado de

bens de consumo, os produtos de artesanato tem sido

submetidos a modificações em busca dos desejos do

consumidor.

Estas alterações, quando executadas pelos próprios

artesãos e não assistidas com um suporte profissional

de orientação mercadológica, têm gerado peças

diferentes das originalmente produzidas; e estes

novos produtos, nem sempre, preservam as

características fundamentais do trabalho.

Assim, o Design com Intervenção no Artesanato se

estabelece a partir da idéia de que, se a modificação é

um fato, deve ser feita com a atenção que requer.

“Este é um dos segmentos mais promissores para o

incremento competitivo do artesanato brasileiro, pois

trata-se de produtos concebidos dentro de uma lógica

de mercado, orientados para a demanda,

acompanhados por designers, tendo como referência

os elementos mais expressivos e significativos da

cultura regional. Além disso, é o que mais favorece a

ampliação de novos postos de trabalho”, confirma o

modelo de Referência do Sebrae. (SEBRAE, 2004:59)

Tocar a questão da intervenção implica na

compreensão dos diferentes tipos de artesanato.

Destes, é importante entender as diferenças entre

artesanato de raiz e artesanato não tradicional. Sua

principal distinção se dá pela história do fazer dentro

da comunidade e pela tradição como comunidade

produtora.

31

Comunidades tradicionais carregam naturalmente

valores que remetem mais facilmente ao veio

histórico de seu povo. Por outro lado, há comunidades

onde se identifica mais rapidamente uma

heterogeneidade cultural, com uma pluralidade de

linguagens. Resultantes do relacionamento com

culturas diferentes os valores encontram-se nestas

comunidades, de certa forma, confundidos,

misturados entre modificações e influências de vários

níveis.

A questão não é pensar que tipo de comunidade tem

mais valores a preservar, mas observar que nas

comunidades tradicionais os valores são mais

facilmente identificados, estão mais explícitos no

cotidiano das pessoas e nas peças geradas, talvez

mais frescos na forma primitiva de enxergar.

Nas comunidades não tradicionais existe uma

quantidade maior de códigos a ser decifrada ou

interpretada que resultam numa dificuldade maior em

identificar seus valores identitários.

32

2|Algumas definições para se compreender modelos de intervenção

Artesanato e Arte Popular

“defini-se como artesanato toda atividade produtiva que resulte em objetos e artefatos acaba3dos, feitos manualmente ou com a utilização de meios tradicionais ou rudimentares, com habilidades, destreza, qualidade e criatividade.” ³

Com relação à Arte Popular, há uma confusão

compreensível porque é uma forma de expressão

artística muito peculiar cujas características, por

vezes, se assemelham ao artesanato. Para distingui-

los, apresenta-se dois aspectos: a exclusividade e a

função.

“Os limites entre artesanato e arte popular são difíceis

de definir”, coloca Ferreira Gullar, “especialmente

porque seus autores, atuando à margem da cultura

urbana predominante, quer sejam considerados

artesãos, quer sejam considerados artistas, ignoram

as concepções estéticas ditas cultas e por isso

mesmo, estabelecem com o que criam uma relação

simples e despretensiosa. Se é verdade que isso não

os impede de manifestar sua criatividade, sua fantasia

e seus sentimentos, as injunções do mercado – já que

aquele é seu ganha-pão- os obrigam com freqüência à

repetição de uns mesmos modelos de maior aceitação

pelo comprador”. (2000:20)

A reprodução espontânea de peças é sem dúvida uma

propriedade da arte popular e do artesanato que

contribui para o equívoco. Um exemplo claro é o Alto

do Moura em Caruaru, reconhecido pela Unesco como

maior centro de arte figurativa da América Latina, tem

suas peças intituladas muitas vezes como artesanato,

embora possua também arte popular.

Não é raro encontrar artistas populares entre

comunidades de artesãos, entretanto uma diferença

óbvia entre um e outro é a assinatura. Esta marca

depende de um reconhecimento referente ao artista.

3 Conselho Mundial de Artesanato in Termo de Referência do Programa Sebrae de Artesanato

33

Ela confere um valor a suas peças que ultrapassa os

valores de matéria-prima, mão-de-obra e de lucro

praticados.

Gullar aponta outra coerência entre o objeto artístico

e o artesanal; “o artesanato está entre as primeiras

formas de ação do homem sobre o meio ambiente e

sobre si mesmo. É com as mãos que ele começa

também a se construir e a se inventar como ser

humano. Isso, porque, por incrível que pareça - o

homem não nasce humano, ele se torna humano, pelo

trabalho, pela inteligência”. (2000:18) Tanto a arte

como o artesanato se concretizam em atribuir ou

demonstrar esta “humanidade” à população da qual

são criações. São as impressões materiais que

possibilitam maior facilidade em identificar os valores

imateriais do povo que os criou.

O artesanato se diferencia, porém, da arte popular e

da arte no conceito geral em relação a sua função,

estabelece um valor utilitário e não apenas

contemplativo.

Seguindo as transformações através dos movimentos

artístico-filosóficos pelos quais a humanidade passou,

e continua passando, a atividade artística cercou-se

de subjetividade e assumiu múltiplas definições.

Desde a técnica da Idade Média ao reconhecimento da

arte primitiva; da imposição de modelos clássicos à

arte abstrata, o conceito do objeto de arte ampliou-

se. Seqüencialmente e o acesso a ela também; em

sua abrangência tornou-se mais próxima da

população de modo geral, através inclusive dos meios

de comunicação de massa. A presença cotidiana das

formas mais variadas de arte abriram espaço para

discussões sobre o objeto de arte.

34

O artesanato é, e deve ser entendido como uma

atividade de cunho artístico, mas não confundido com

arte. Apesar de beberem no mesmo universo e

criarem muitas vezes sob a inspiração de um mesmo

imaginário; artista popular e artesão diferem-se pela

razão de existir de sua obra.

O artesão é um produtor de artefatos que visa o

comércio para sustento seu e de sua família, a

questão utilitária em suas peças é muito mais forte do

que no objeto artístico. Isto não quer dizer que a arte

não tenha função; existe uma função em comover,

em sensibilizar o observador, ou em simplesmente

expressar a visão de mundo do artista. Entretanto o

objeto artístico não está preso às mesmas questões

de uso de um produto de consumo que deve atender

a fatores como manutenção, limpeza, manuseio, entre

outros.

35

3|Intervenções de Design no Artesanato Brasileiro Artesanato Solidário a valorização da tradição Janete Costa e a promoção do artesanato Mão Gaúcha e o enfoque na comercialização Mãos de Minas: suporte burocrático e promoção de vendas Programa Sebrae de Artesanato e a legitimação do suporte técnico

36

3|Intervenções de Design no Artesanato Brasileiro

O crescimento do setor artesanal, a partir da

valorização do produto de artesanato nos mercados

local e global, passou a gerar conseqüências

preocupantes em relação à preservação da atividade

em suas características essenciais. A alta exposição à

competitividade na comercialização despertou nos

artesãos uma necessidade de alterar seu produto para

adequá-lo aos desejos dos usuários. Querendo

garantir sua sobrevivência no mercado é preciso

atender agora a fatores que assegurem a preferência

e a fidelidade do consumidor.

Entretanto, as modificações às quais os produtos

estavam sendo submetidos provocaram preocupação

em profissionais de áreas diversas com interesse no

artesanato. Partindo desta inquietação, juntamente

com o reconhecimento da importância do setor

artesanal como atividade capaz de gerar renda sem

altos custos de investimento “nos últimos anos começam

a surgir intervenções cada vez mais freqüentes e sistemáticas

na produção artesanal, promovidas por diversos organismos

da esfera pública e privada, em quase todos os países da

América Latina, cuja principal motivação e justificativa tem

sido a necessidade de integrar à vida econômica destes países

uma atividade que durante muito tempo foi marginalizada e

tratada apenas dentro da ótica da assistência social.”

(Barroso,1991)

No Brasil, diversas ações vêm sendo desenvolvidas

neste sentido. Com enfoques e direcionamentos

variados, torna-se válido apontar dentre algumas

delas, pontos característicos que possibilitem uma

noção de como este suporte tem sido sistematizado

no país.

37

3|Intervenções de Design no Artesanato Brasileiro

Artesanato Solidário e a valorização da tradição

Iniciado em 1998 como projeto e elevado

posteriormente à categoria de programa, o Artesanato

Solidário foca suas ações em comunidades

tradicionais de artesãos.

Surgiu com a intenção de promover a atividade

econômica em comunidades carentes atingidas pelo

problema da seca da região Nordeste e também no

norte de minas Gerais.

A expressão da arquiteta Janete Costa “interferir sem

ferir” precisa a grande preocupação do ArteSol. A

filosofia do Programa baseia-se na ação perceptível,

mas invisível. Valorizar fazeres, técnicas e produtos

tradicionais na comunidade onde se executa o

trabalho é o caminho adotado para preservação da

referida tradição.

A intenção do Artesanato Solidário é promover a

geração de emprego e renda a partir da solidificação

de costumes inerentes à identidade cultural do grupo

produtor de artesanato.

Atua hoje em 13 estados a partir de 66 núcleos

contando com uma equipe composta por 10 gerentes

regionais e 20 agentes locais, atendendo assim 2.400

artesãos diretamente e aproximadamente 10.000

pessoas indiretamente.

Focando sempre a cultura tradicional popular, o

programa tem seu modelo de atuação definido a

partir de diálogos, baseado no seguinte tripé:

38

Com relação ao diálogo entre os artesãos; o

Artesanato Solidário incentiva o trabalho coletivo e

articulação da comunidade através da formação de

associações e cooperativas.

No diálogo incentivado entre artesãos e produtos há

uma postura bem definida para a preferência na

utilização de tipologias tradicionais à criação de novas

propostas de produtos. Não há credibilidade por parte

do Artesanato Solidário na presença do designer no

processo como instrumento para resultado positivo no

contexto da filosofia defendida; “o campo do

artesanato tradicional não é o espaço para o

designer”.(Sampaio,2003:47)

Para a orientação do diálogo entre artesão e mercado

especificamente são apresentados três níveis. Os dois

primeiros tratam do controle da qualidade de

acabamentos, aquisição e beneficiamento das

matérias-primas; e padronização de peças como

facilitador para a comercialização. O terceiro nível

trata da relação entre os produtos e o mercado no

que toca a questão de criação. Neste nível, da mesma

forma que no diálogo entre o artesão e o produto é

priorizada a “criação de produtos similares aos

existentes”.(Sampaio,2003:48)

O Artesanato Solidário define como formato a

preservação do repertório material e da história das

comunidades em que atua.

39

3|Intervenções de Design no Artesanato Brasileiro

Janete Costa e a promoção do Artesanato

Natural de Garanhuns, cidade localizada na zona da

mata sul de Pernambuco, a arquiteta Janete Costa

atribui sua ligação com o artesanato a imagens,

sensações e vivências da infância. Ela comenta que

“passava sempre pela feira de Caruaru e os meus

primeiros brinquedos foram bruxas e cerâmicas do

Vitalino. Então, a minha relação com o artesanato é

tão antiga que ficou impressa, está dentro, está nas

minhas mãos, na minha cabeça.(...) depois de crescer

no meu trabalho e ir me resolvendo, vi que com uma

parcela mínima da minha experiência profissional, eu

podia devolver todos aqueles brinquedos, toda aquela

infância que eu tive, água de pote, brinquedo de

Vitalino, bruxa de pano.” (Costa, 2002:13)

O contato direto com as comunidades de artesãos é o

grande direcionador de sua forma e pensamento de

atuação. O que impulsiona e orienta seu trabalho é o

empenho em gerar renda para os artesãos que tem

conhecido a partir de suas vivências diretas no

campo; “minha preocupação permanente é com a

sobrevivência dos artesãos e é urgente que tenhamos

uma atuação.(...) sou arquiteta, ensino as pessoas a

consumir, eles compram coisas que estão na moda,

compram muito, e quero que os artesãos vendam por

um preço justo”. (Costa, 2002:44)

Apesar do viés assumidamente mercadológico em

termos de objetivos no trabalho de Janete Costa, é

nítido nos resultados o respeito à origem da tipologia

do artesanato utilizado. Não há transgressões à

produção, a partir da peça produzida é que ocorre a

interferência, ela afirma que “jamais passaria pela

[minha] cabeça uma interferência que tirasse

qualquer objeto da própria tradição... não existe isso,

40

a introdução de uma técnica diferente”. (2002,46)

A utilização de personalidades de destaque nacional e

internacional em programas que trabalham com

artesanato no Brasil hoje reforça o próprio discurso da

arquiteta quando chama a sociedade ao

compromisso: “minha preocupação é com a

sobrevivência, porque é urgente que nós, arquitetos,

designers, antropólogas, sociólogas, ou o que formos,

que todos possamos atuar dentro dessa classe social

que está tão desclassificada e vive numa situação tão

difícil”. (Costa, 2002:43)

Assume a defesa de sua postura enquanto profissional

de uma área que é formadora de opinião e acredita

ter um número ainda reduzido de pessoas para

atuarem no mesmo sentido; “tem um buraco, um

vazio enorme de pessoas, de um gosto, não somente

de bom gosto, mas de um gosto que conhece o gosto

internacional, o gosto do universo, o gosto do que se

usa”. (Costa, 2002:44)

Dessa maneira tem reunido profissionais de design,

de arquitetura e de outras áreas para trabalharem no

sentido de partilhar o conhecimento que detêm,

contribuindo para uma condição mais digna para o

artesão; econômica e socialmente a partir da

valorização de seu trabalho.

A interferência é feita a partir de peças tradicionais.

Algumas vezes são feitas pequenas alterações que,

em regra, não modificam a natureza do objeto ou da

técnica; comumente outras formas de acabamento ou

recombinação de elementos. Outras vezes é dado

novo uso, novas aplicações, sempre partindo de um

produto preexistente que poderá ser enxergado

41

instantaneamente ou através da decomposição do

produto final.

Os resultados de seu trabalho podem ser conferidos

nos depoimentos que ela mesma coleta em campo,

mas provavelmente a grande contribuição é a

inserção de objetos do artesanato em ambientes

diferenciados. A aceitação e consumo do artesanato

por públicos que estão dispostos a pagar o preço

justo, acabam convergindo não apenas para o

objetivo inicial de geração de renda, mas também

contribuindo para a perpetuação do fazer; e

obviamente, para a valorização das identidades dos

grupos produtores.

42

ilustração 1

3|Intervenções de Design no Artesanato Brasileiro

Mão Gaúcha e o enfoque na comercialização

O Programa Mão Gaúcha partiu da idéia de

desenvolver uma marca que contribuísse para o

fortalecimento da imagem e da comercialização do

artesanato riograndense.

Os artesãos do Rio Grande já contavam desde a

década de 80 com a COOPARIGS, Cooperativa dos

artesãos do Rio Grande do Sul. Entre 1996 e 1997, o

Sebrae desenvolveu oficinas de suporte técnico aos

integrantes da cooperativa.

Com o apoio do Programa Sebrae de Artesanato a

marca Mão Gaúcha foi criada em setembro de 1998.

Em novembro do mesmo ano foi inaugurada a

primeira central de comercialização do Programa

Mão Gaúcha. A parceria com a COOPARIGS é uma

das características do Mão Gaúcha, que trabalha

exclusivamente com artesãos associados.

O objetivo do Programa é transformar “o artesanato

em atividade economicamente viável; proporcionar

uma melhoria na condição de vida dos artesãos

gaúchos e suas famílias, aumentar a renda e a

ocupação, qualificar e valorizar sua produção no

âmbito da economia regional, nacional e

internacional”. (Mão Gaúcha)

Uma particularidade da Mão Gaúcha é a importância

dada à questão da comerc ialização. O fato de ter

inaugurado sua primeira central de vendas logo após

o início do Programa aponta para um dos motivos do

sucesso da proposta.

Em 2002, além da inauguração da nova central de

43

ilustração 2

comercialização foi aberta também uma loja para

exposição permanente e venda de produtos.

Atualmente, “o processo de profissionalização da

comercialização da marca Mão Gaúcha está

consolidado, ou seja, gera renda para os artesãos

associados à Cooparigs e o pleno funcionamento da

Central do Artesanato. O projeto está num estágio

de maturação e estruturação de sua gestão

profissional por parte da Cooperativa, que está

buscando sua auto-sustentabilidade”. (Mão Gaúcha)

Nas consultorias são enfatizadas questões relativas a

design, qualidade, finanças, gestão e marketing.

Hoje, o Programa atua em 26 municípios atingindo

aproximadamente 300 artesãos, e contando com

110 clientes varejistas e uma rede de lojas.

Observa-se na experiência riograndense, que além

de trabalhar a melhoria do produto, desenvolver

uma marca que certifique qualidade e valorizar a

cultura regional através das peças; é imprescindível

focar esforços no setor de comercialização -

garantindo assim que o artesão possa perceber em

números, de forma mais rápida, o resultados da

ação.

44

3|Intervenções de Design no Artesanato Brasileiro

Mãos de Minas: suporte burocrático e promoção de vendas

O Projeto Mãos de Minas, hoje uma organização

autônoma sem fins lucrativos, nasceu como um

projeto do governo de Minas Gerais em 1983. O

objetivo inicial de apoiar o artesão e produtor informal

mineiro em relação à comercialização e à legalização

das vendas foi mantido mesmo após o desligamento

do governo em 1988. Atuou como órgão de apoio a

cooperativas e em 1999, passou a ser chamado como

Central Mãos de Minas.

A Central Mãos de Minas dá suporte a artesãos e

produtores informais quanto à legalização de vendas,

fornecendo notas fiscais e garantindo a idoneidade

das negociações para compradores e associados.

Também auxilia os associados na aquisição de

insumos, possibilitando maior poder de barganha

junto a fornecedores, com a intenção de que tenham

oportunidade de competir de maneira igualitária com

empresas de maior porte.

A Mãos de Minas ainda intermedeia vendas entre

artesãos e lojistas, e presta assessoria nas

exportações, providenciando documentações

necessárias às realizações dos negócios.

O crescimento do setor artesanal no mercado requer

esse tipo de suporte, uma vez que o artesão tem mais

experiência em pequenas vendas, geralmente

realizadas diretamente ao consumidor final.

Assim, o caso mineiro contribui para uma

profissionalização na comercialização do artesanato,

45

não apenas para que não seja o artesão lesado na

negociação de seu produto, mas também para

garantir privilégios como o acesso seguro a mercados

internacionais. “O artesão não é o principal ator da

comercialização, porém ele deve ter noções de todo o

processo, visto que isto irá gerar impacto na

produção”. (SEBRAE,2004:55)

Há uma preocupação com a qualidade do produto que

é oferecido; além de serem ministrados treinamentos

para os associados com referência às vendas, também

são tratadas as questões de produção, da qualidade

dos produtos e da valorização à referência cultural

presente nas peças.

Ainda assim, a peculiaridade de maior destaque no

trabalho executado pela Central é a realização da

Feira Mãos de Minas. O evento é atualmente uma das

maiores vitrines do artesanato nacional,

potencializando vendas, valorizando os diversos

produtos expostos e principalmente contribuindo para

a promoção do artesanato de qualidade com

representações de todos os estados brasileiros.

46

3|Intervenções de Design no Artesanato Brasileiro

Programa Sebrae de Artesanato e a legitimação do suporte técnico

Ao iniciar a seqüência de exemplos de ações que são

feitas hoje no Brasil para o desenvolvimento do

artesanato com o modelo do Programa Artesanato

Solidário foi colocada uma questão que permeia

todas as discussões a respeito da presença do

designer junto à produção artesanal. A intervenção

ou interferência de design no artesanato; sua

presença ou seu grau de intensidade tem se

apresentado como o grande ponto de tensão entre

os programas e projetos, e neste momento, motivo

de diferenciação entre as propostas.

O Programa Sebrae de Artesanato é de ext rema

relevância para um panorama geral das ações

realizadas no setor do artesanato atualmente no

país. Participa como parceiro da maioria dos

programas e projetos apresentados e naturalmente

pela sua abrangência fornece uma noção clara dos

pontos de convergências possíveis. Em seu modelo

de referência confirma a missão do Sebrae de

“promover a competitividade e o desenvolvimento

sustentável das micro e pequenas empresas.” E

sobre o direcionamento ao setor artesanal considera

que “apesar da falta de dados consistentes sobre o

setor, existem evidências de que corresponde ao PIB

da moda e da indústria automotiva”.(SEBRAE,

2004:13).

Teve início em 1999, com a intenção de ser “um

programa de apoio e promoção do artesanato que se

propõe a contribuir efetivamente para uma mudança

sustentada das condições de trabalho dos artesãos

que deve obedecer a uma lógica sistêmica,

contemplando ações que venham ao encontro da

47

ilustração 2

ilustração 3

solução dos principais problemas em toda a cadeia

de produção e comercialização”.(SEBRAE, 2004:32).

O Programa atua dando suporte a programas e

projetos regionais segundo a perspectiva de traçar

diretrizes consideradas básicas à realização das

ações; auxiliando no cumprimento destas e apoiando

as ações subseqüentes. Em seu termo de referência

explica que “um artesão é, acima de tudo, um

fabricante de artefatos e, portanto,sujeito às regras

de mercado. O artesanato, enquanto produto com

valor de troca, obedece às leis universais da oferta e

da procura. E o mercado rejeita aquilo que não

corresponde às suas expectativas de

consumo”.(SEBRAE, 2004:19).

O Programa esclarece sua postura quando afirma; “a

questão que se coloca não é mais se devemos ou

não intervir, mas como intervir sem descaracterizar,

valorizando e reforçando as tradições regionais, a

habilidade dos artesãos e a relação existente no

interior dos grupos trabalhados”. (SEBRAE,

2004:19).

As consultorias são feitas por técnicos do Sebrae ou

profissionais terceirizados. Nestas, são priorizadas

orientações quanto à organização e gestão dos

grupos; melhoria, inovação ou adequação dos

produtos; promoção, divulgação; e à

comercialização. O objetivo da ação simultânea em

todos esses níveis visa o desenvolvimento

socioeconômico sustentável das comunidades

trabalhadas.

Em cinco anos de atuação o Programa gerou

resultados, frutos de parcerias construtivas em todo

o país. O respeito às diferentes tipologias de

48

artesanato tem orientado os técnicos envolvidos no

Programa para a realização de ações sérias,

comprometidas com a geração de renda para as

comunidades produtoras de artesanato, e com a

conservação dos valores culturais do povo brasileiro

através da valorização do produto de artesanato

nacional em várias frentes.

49

4|O modelo do Imaginário Pernambucano O projeto de referência: Conceição das Crioulas Experimentos da metodologia em comunidades não tradicionais O modelo do Imaginário Pernambucano

50

4|O Modelo de intervenção do

Imaginário Pernambucano

Os projetos e programas já apresentados permitem

uma noção de tipologias de ações que têm sido

implementadas em várias regiões do país.

No cenário do artesanato brasileiro, Pernambuco

figura como uma importante peça do desenho da

produção artesanal nacional e da produção cultural

como um todo. A riqueza histórica, a diversidade da

cultura popular e a vocação do fazer artesanal

constroem um tripé de destaque para o Estado.

Cientes deste contexto e envolvidos nele, três alunos

e uma professora do departamento de design da UFPE

deram início ao Projeto Imaginário Pernambucano.

Projeto de extensão da universidade, o Imaginário

Pernambucano atuou em diversas comunidades, tais

como: Rio Formoso, Tacaratu, Gravatá, entre outras.

Executando nestes lugares ações pontuais durante os

anos de 1999 e 2000. A partir das experiências

vivenciadas, a equipe percebeu a necessidade de um

trabalho contínuo para a obtenção de melhores

resultados.

Em 2001, a equipe do Projeto Imaginário

Pernambucano passou a desenvolver o modelo de

ação no qual acreditava; neste momento, na

comunidade de Conceição das Crioulas.

51

4|O Modelo de intervenção do Imaginário Pernambucano

O projeto de referência: Conceição das Crioulas

ilustração 5

Conceição das Crioulas pertence ao município de

Salgueiro, comunidade localizada no sertão central

de Pernambuco a aproximadamente 550 km de

Recife.

Marcada por uma história de força e resistência, é

dentre as 2000 comunidades remanescentes de

quilombos do país, uma das mais expressivas. Conta

a lenda de Conceição que seis negras libertas

compraram do imperador as terras com cerca de 17

mil hectares que abrigam hoje aproximadamente

4000 quilombolas. A forte presença do elemento

feminino é percebida na história do lugar e no

próprio nome da comunidade, em homenagem a

nossa senhora da Conceição.

O desafio de trabalhar numa comunidade tradicional

direcionou a cautela nas ações. Um dos fundamentos

do Imaginário Pernambucano se estabeleceu neste

momento, com a agregação de outras pessoas ao

trabalho, formando uma equipe multidisciplinar. Os

designers buscaram apoio de assistentes sociais,

músicos, historiadores; além de estabelecerem

parcerias entre o Projeto e instituições que

pudessem dar suporte técnico com antropólogos e

estudiosos do comportamento em grupos

tradicionais.

O objetivo de melhorar a qualidade de vida das

pessoas daquela comunidade extrapolou uma ação

direcionada especificamente a produtos e orientou

trabalhos para elevar a auto-estima, valorizar a

cultura e gerar renda.

52

ilustração 6

ilustração 7

O contexto de formação histórica e cultural da

comunidade promoveu o desenvolvimento e

manutenção de técnicas artesanais para a produção

de utensílios domésticos. Técnicas de cerâmica,

beneficiamento de fibras naturais da região e

trançados com características muito peculiares foram

alguns dos traços identificados pela equipe no

momento do diagnóstico.

A partir da experiência direta em campo com uma

equipe multidisciplinar foi possível conhecer as

particularidades da comunidade e assim traçar o

caminho da ação.

Com relação à produção e matéria-prima três

formatos foram experimentados:

A manutenção dos produtos de uso da comunidade

Na cerâmica, feita com técnica muito peculiar, sem

qualquer auxilio de torno ou moldes não foi feita

nenhuma alteração nos objetos. Foram realizados

estudos da composição da argila e definidos alguns

padrões de tamanho para as peças de uso corrente

na comunidade. As formas simples que remetem ao

caráter espontaneamente utilitário foram

plenamente mantidas.

Os estudos na matéria-prima , a argila, apontaram

para a melhoria da qualidade, estabelecendo um

padrão. Algumas peças, ao queimar, não mantinham

a tonalidade avermelhada do barro, ficavam mais

claras. Foi identificado o local exato de extração

deste tipo de argila e dominado o padrão das linhas

de cerâmica vermelha e branca.

A valorização da matéria-prima

A fibra do caroá, bromeliácea muito comum no

53

ilustração 8

ilustração 9

ilustração 10

Agreste e no Sertão nordestinos, já era utilizada na

confecção de bornal (bolsa utilizada pela comunidade

no trabalho) e do caçuá (cesta para transporte de

mercadorias em animais).

O caroá tem uma forte representatividade pela sua

abundância, resistência e flexibilidade. Durante a

década de 70, a produção de cordas com a fibra era

fonte de trabalho e renda para municípios inteiros. À

importância do caroá deve-se, por exemplo, os

nomes da cidade de Caruaru no Agreste e da

comunidade de Caroalina pertencente a Sertânia no

Sertão de Pernambuco.

Para valorização da matéria-prima e da tradição de

seu beneficiamento, foram desenvolvidos novos

produtos com aplicação da fibra de caroá. Neste

caso, realmente produtos novos que não integravam

o cotidiano da comunidade como bolsas, jogos

americanos e painéis. A produção de jogos

americanos e painéis, com a intenção de valorizar o

material utilizado e seu processamento, visava

também a valorização do trançado conhecido como

ponto fichú, utilizado na confecção de mantas de

algodão.

O tingimento da fibra com corantes naturais rendeu

ótimos resultados e tanto as bolsas, bonitas e

resistentes, quanto os outros produtos ganharam

novo valor. Apesar de não serem tradicionais em

Conceição, os elementos da cultura material da

comunidade são tão fortes nos produtos, que foram

incorporados.

No caso das artesãs que produzem as bolsas, não é

preciso venda externa para manter uma renda

mensal fixa.

54

ilustração 11

ilustração 12

O destaque para o elemento referencial de força da

comunidade

Ainda a partir da fibra de Caroá foram desenvolvidas

bonecas, que são hoje o produto de maior

comercialização do grupo de artesanato. As bonecas

de caroá não eram tradicionais em Conceição, mas

partem do princípio de valorizar a história da

comunidade e a força do elemento feminino. A elas

foram atribuídos nomes de figuras femininas de

importância histórica e representativa na

comunidade, conferindo assim, alma a cada uma das

bonecas.

Hoje são em 10 modelos que recebem o nome e

contam brevemente nas embalagens a história da

mulher que simbolizam. Os elementos de

composição como penteados, modelos de roupa,

acessórios e cores são os mesmos utilizados pelas

figuras femininas.

Nestes três casos houve um trabalho de parceira

entre a equipe e os artesãos com acordo em todos

os pontos. As contribuições recíprocas entre

artesãos, estudantes e profissionais permitiram a

apropriação do processo de criação pelo grupo, de

forma que os produtos não são reconhecidos como

novos elementos, mas como integrantes de um novo

momento da cultura material de Conceição das

Crioulas.

O modelo de atuação multidisciplinar permitiu a

minimização da falhas no processo de intervenção,

potencializando o sucesso da ação.

O desenvolvimento de marca, material gráfico com

etiquetas, folders, embalagens exclusivas e do site

55

de Conceição das Crioulas ocorreu com aprovação do

grupo e possibilitou a valorização dos produtos

comercializados.

O enfoque na autonomia, organização do grupo e

redes de articulação viabilizou a formação da AQCC,

Associação Quilombola de Conceição das Crioulas,

que não é formada apenas pelo grupo de artesanato.

A AQCC integra várias frentes que objetivam a

melhoria das condições de vida em Conceição e a

luta pelos direitos dos quilombolas em geral. Possui

lideranças articuladas que participam de fóruns e

eventos de interesse da comunidade e conta hoje

com a parceria de órgãos internacionais, inclusive

para a confecção do jornal Crioula de tiragem

trimestral.

O caso Conceição das Crioulas tornou-se referência

devido às características de seu povo e ao respeito e

incentivo considerados no trabalho realizado junto à

comunidade.

56

4|O Modelo de intervenção do Imaginário Pernambucano

Experimentos da metodologia em comunidades não tradicionais

ilustração 43

ilustração 14

Apesar de realizar atividades de apoio ao artesanato

de forma pontual desde 1999, a oportunidade de

desenvolver ações de caráter contínuo tal qual o

trabalho feito em Conceição das Crioulas em outras

comunidades surgiu em 2003.

A metodologia empregada no projeto de referência

seria agora aplicada em sete comunidades distintas

entre tradicionais e não tradicionais. Alto do Moura,

Cabo de Santo Agostinho e Tracunhaém com a

produção em barro; Goiana com a técnica de

cestaria em cana-brava; Jataúba com o artesanato

em renda renascença; Lagoa do Carro com

tapeçaria; e Kambiwá, comunidade com técnicas

diversificadas na produção de artesanato indígena.

A equipe foi ampliada, ainda contando com alunos,

docentes e profissionais ligados à Universidade

Federal de Pernambuco. O grande desafio era a

aplicação do modelo desenvolvido em Conceição das

Crioulas em comunidades não tradicionais.

Dentre os municípios em questão, um caso

particular chama a atenção, é o de Goiana.

Localizada no Litoral Norte de Pernambuco, a

comunidade presente na praia de Ponta de Pedras

possui um trabalho em cestaria de atribuição

original indígena. Utilizado para a confecção de

covos, armadilhas para pesca artesanal, o trançado

é feito a partir da fibra de cana-brava, espécie de

gramínea próxima às bambusáceas abundante nas

regiões de mangue do lugarejo.

Os covos surgiram, na atividade da pesca, de uma

57

ilustração 15

ilustração 16

ilustração 17

necessidade básica do povo indígena que habitou a

região. A aplicação da técnica em cestaria teve

origem a partir de uma demanda de mercado; um,

de dois irmãos artesãos conta que um veranista

pediu que ele executasse uma cesta a partir do

trançado. A c estaria passou a servir como meio de

sobrevivência para eles, tendo posteriormente

desenvolvido peças de formas variadas.

Apesar da tradição da técnica nacomunidade e da

forte ligação com a história e atividade pesqueira, a

continuidade da aplicação do trançado em cana-

brava em peças de uso doméstico esteve ameaçada.

Apenas estes dois irmãos exerciam a atividade

artesanal com caráter profissional, e continuavam a

produção de cestas a partir da técnica.

Havia a necessidade de garantir a sobrevivência do

fazer artesanal próprio àquele lugar, não do fazer

cestas, mas de manter vivo o trançado que era base

do artesanato daquele local.

A proposta inicial foi formar um grupo de pessoas da

comunidade interessado em aprender o ofício para

perpetuar aquele fazer. Apesar de existir uma

tradição na técnica, o fato de se tratar de um grupo

totalmente novo e que não detinha a técnica poderia

ser visto como um obstáculo.

Os dois artesãos mestres se propuseram a repassar

seus conhecimentos a um grupo de 15 mulheres do

local. Em sua maioria, esposas ou filhas de

pescadores, elas conheciam a pesca com covos mas

não sabiam trançar a fibra para produzir objetos.

Dessa forma, o trabalho inicial seria replicar a

técnica de cestaria para que todos no grupo fossem

capazes de continuar aquela produção e obterem

58

ilustração 18

ilustração 19

ilustração 50

renda a partir dela.

A presença constante da equipe do Projeto

Imaginário com alunos e professores de design

gráfico e de produto, história, comunicação, e

assistentes sociais, deu suporte na formação do

novo grupo.

Com uma ação de campo, durante três meses, o

grupo final contava com dez pessoas; duas delas

faziam o beneficiamento da fibra tornando-a apta ao

trançado e todas eram capazes de trançar uma

cesta. Neste caso, alguns aspectos foram

intensivamente trabalhados nos produtos.

Acabamento

Um novo tipo de acabamento de borda e base para

as cestas foi inserido, esteticamente mais simples

também facilitava o trabalho dos aprendizes.

A borda feita anteriormente não proporcionava um

bom acabamento para o trançado de cana-brava. A

base que era antes executada implicava no

ensinamento de outro trançado que teve rejeição

pelo grupo, pela incidência de quebra da fibra

durante a execução. A proposta do novo

acabamento solucionou estas dificuldades

encontradas na finalização das peças.

O verniz, antes utilizado, foi substituído pelo

acabamento natural e pelo tingimento das peças.

Testes com diferentes corantes foram feitos; o

tingimento com corante artificial e cozimento

garantiu mais resistência à peça e um resultado

estética e funcionalmente mais agradável. Foi

trabalhada com o grupo, a questão da preferência

de usuários por acabamentos de efeito mais natural

ao uso de vernizes. Dessa forma, foi acordado o

novo padrão de acabamentos das peças.

59

ilustração 21

ilustração 22

Novos Produtos

Além das modificações no padrão das cestas, foram

propostas outras aplicações para a cestaria de Ponta

de Pedras. Em utilidades domésticas foram feitos

jogos americanos e porta-guardanapo, pensados

como objetos para produção mais rápida e com

maior disseminação, proporcionavam facilidade de

execução por parte dos aprendizes.

Aproveitando a rapidez que a técnica oferece foram

pensadas embalagens para vinhos e artigos de

banho, com uma cestinha mais alongada para

acondicionar garrafas e um baú feito a partir de

placas da trama.

Tomando partido da característica do trançado e tipo

de ponto, foram desenvolvidos objetos para

iluminar. Isto porque, uma dificuldade encontrada

na comercialização das cestas em cana-brava com o

trançado em questão era a abertura do ponto.

Mesmo nas menores malhas, o ponto resultante

desta técnica é muito aberto e, às vezes, por isso

encontra rejeição. A idéia das luminárias tinha a

intenção de valorizar esta característica do trançado.

O efeito da luz ultrapassando os pontos causa a

impressão de um rendado onde é refletido.

A aplicação em formas cilíndricas e retas criou uma

nova referência; de que é possível fugir à forma da

tradicional cestinha sem se perder a identidade do

trançado característico de Pontas de Pedra.

Qualidade

O incessante trabalho de conscientização para o

controle da qualidade nas peças produzidas alertou

o grupo para a necessidade de continuar o processo

de aperfeiçoamento de acabamentos. O foco da

60

ação continuou em peças de fácil execução por parte

de iniciantes. Com a saída dos mestres artesãos do

grupo, foi instituído um novo instrutor com a

intenção de continuar o trabalho monitorado de

aprimoramento dos aprendizes.

O desenvolvimento da marca para o grupo de

Cestaria de Cana-Brava, juntamente com material

gráfico facilitou o discurso da equipe do Projeto pela

insistência no padrão de qualidade atrelado à marca,

e à imagem do grupo. O suporte de assistentes

sociais, trabalhado em oficinas, forneceu noções

iniciais sobre o trabalho em grupo, associativismo e

cooperativismo.

Já o incentivo à articulação enquanto grupo resultou

na parceria com a prefeitura de Goiana. Além de

ceder um casarão pertencente ao órgão para uso do

grupo como local de trabalho; forneceu também a

verba inicial para aquisição de matéria-prima. O

casarão localizado na avenida beira mar de Pontas

de Pedra foi ainda utilizado pelo grupo como local

para armazenamento do material produzido e como

ponto de vendas durante o período de veraneio

entre dezembro e fevereiro de 2004.

O trabalho focado no produto e na comunidade

produtora do artesanato, com o apoio de

profissionais e estudantes de áreas diferentes,

assegurou um resultado surpreendente para o

período de duração da ação.

A intervenção realizada buscou, a partir do

diagnóstico feito, garantir a manutenção do traço

primordial do artesanato do local; e, através da

inserção de novos objetos, possibilitou uma

promessa de renda para as pessoas envolvidas.

61

A aprovação do modelo de ação que propõe

inovações para potencializar a melhoria nas

condições de comercialização; agregando valor aos

produtos, sem contudo descaracterizar o artesanato

da comunidade envolvida; foi possível tanto no caso

citado de Pontas de Pedra em Goiana, quanto nas

outras comunidades referidas anteriormente.

Os resultados atingidos pelo empenho da equipe e

dos grupos trabalhados permitiram a continuidade

das ações previstas para o ano de 2004; e dessa

forma, a consolidação do modelo de intervenção do

Projeto Imaginário Pernambucano.

62

4|O Modelo de intervenção do Imaginário Pernambucano

Modelo de intervenção do Imaginário Pernambucano

A partir do uso do modelo desenvolvido em Conceição

das Crioulas em outras comunidades, inclusive não

tradicionais, o Imaginário Pernambucano passou por

uma avaliação. Equipe, parceiros e Comunidades

analisaram o trabalho realizado; pontos positivos e

deficiências.

Estes pontos, fatores que se desenvolveram e

consolidaram durante a atuação, foram tomados

como fundamentos característicos do Projeto

Imaginário Pernambucano.

A associação das análises e críticas permitiu a

definição de um desenho do Projeto, contendo sua

filosofia e servindo como guia para a prática.

O enfoque do Projeto Imaginário continuou

direcionado à comunidade e ao produto; mantendo-se

a presença da equipe em campo como fundamental.

Um dos fatores apontados como potencializadores

para o sucesso das ações foi a parceria firmada entre

equipe e os grupos trabalhados. A troca de

informações entre universidade e comunidades;

ocorrida de maneira orientada ou natural; fortalecia

as relações de confiança entre artesãos, profissionais

63

e estudantes, e permitia uma apropriação recíproca

de conhecimentos que fundamentaram os resultados

obtidos.

Tanto o processo de criação levado às comunidades

quanto a absorção dos “traquejos” das técnicas de

população pelos designers, facilitaram o fluxo de

idéias e soluções durante o projeto.

As relações estabelecidas foram importantes também

pelo contato direto com os costumes, a cultura

material, enfim; o repertório, os códigos visuais das

comunidades representadas por meio de marcas e

produtos.

Por tudo isso, os eixos de base da ação se mantêm

em Gestão, Design, Produção e Comercialização.

No que toca a Gestão, todas as ações devem ser

estabelecidas através de acordos. As diretrizes para

funcionamento de cada grupo são discutidas e

acordadas coletivamente. A postura não torna os

acordos firmados cristalizados ou intocáveis, mas

intenciona a conscientização do grupo de suas

responsabilidades e de sua autonomia. A autonomia

do grupo é também potencializada através do

incentivo à formação de lideranças dentro da

comunidade, compartilhar desejos e assumir

responsabilidades.

Com relação ao eixo Design, a configuração dos

objetos frutos da intervenção (tanto aqueles que são

criados, como os que sofrem pequenas alterações)

tem como base e objetivo o reconhecimento dos

valores culturais da comunidade. Em produtos ou no

material gráfico produzido, é necessário que o grupo

em questão se enxergue e concorde com tudo o que é

64

desenvolvido.

Os métodos de desenvolvimento de produtos de que

dispõe o designer, direcionando as soluções para o

suprimento de necessidades e sonhos do usuário não

são ensinados, mas despertados nos artesãos a partir

do próprio conceito que eles têm de mercado

consumidor.

O processo projetual de design de produto ou design

gráfico, recebe suporte com a pesquisa de

levantamento da história oral das comunidades. A

equipe de história e comunicação atua conjuntamente

na elaboração dos textos produzidos para

comunicação interna e externa e tem apoio, quando

se faz necessário, de outros profissionais das ciências

sociais.

O eixo de Produção otimiza técnicas e processos,

permitindo um melhor aproveitamento dos materiais e

buscando a diminuição do custo humano.

Design e produção trabalham articulados para

viabilizar idéias ou abandoná-las; segundo os

benefícios ou desvantagens que acarretem ao

processo produtivo.

E finalmente o eixo Comercialização; apontado como

o grande desafio para o projeto em 2004. A

deficiência percebida e levantada à discussão pela

própria equipe gerou um empenho maior e mais

sistêmico do eixo. Foi adicionado à equipe do

Imaginário um consultor de mercado e vendas,

coordenando um grupo integrado por pessoas com

competências afins nesta área: assessoria de

imprensa, comunicação, design e marketing. O

65

fortalecimento do eixo de comercialização tem a

intenção de gerenciar orientações do marketing

proporcionando uma maior regularidade na geração

de renda para as comunidades envolvidas.

No esquema apresentado, as questões de qualidade

nos produtos e serviços, a busca e o incentivo ao

estabelecimento de parcerias, a comunicação entre

eixos norteadores e entre as pessoas, e enfim; a

atribuição de um padrão cíclico para sustentabilidade

de todo o conjunto de ações; tangenciam o modelo

que já vem sendo aplicado em campo pelo Projeto

Imaginário Pernambucano.

66

5|Artesanato:uma alternativa para o designer pernambucano

67

5|Artesanato: uma alternativa para o design[er] pernambucano

Paralelamente à introdução de uma nova forma de

economia, surgia uma nova forma de comunicação;

integrantes da onda globalizante do final do século

XX. A comunicação intercontinental possibilitou a

união e o crescimento de novos mercados e a

evolução vertiginosa dos meios de comunicação.

A partir de então se dá a ascensão da cultura

universal, manifestando-se como elemento incidente

para o consumo mundial. Os produtos industriais no

mercado global, esvaziaram-se do elemento

individualista para atender a uma estética conceitual

generalizada. Simultaneamente, esta postura pela

padronização trouxe à tona o discurso em defesa da

identidade cultural dos povos. O desenvolvimento de

técnicas para aumentar a interatividade e

personalização de serviços e produtos, juntamente à

valorização de manifestações culturais de caráter

tradicional, apontam para o suscitar de uma

individualização em meio à padronização; a

valorização do local frente ao global.

Esta conjuntura estimulou um retorno à valorização

dos produtos de artesanato. A identidade que esses

objetos carregam é resultado do cotidiano histórico de

um povo reside em suas evidências sociais e

científicas e na conservação identitária dos grupos.

Assim, o aumento da procura por estes produtos

alavancou o mercado de artesanato, e a produção

artesanal passou a atingir públicos maiores e mais

exigentes.

O reconhecimento e crescimento do setor do

artesanato no Brasil, e especificamente em

68

Pernambuco, são elementos componentes do cenário

que possibilitam a possível atuação e contribuição do

designer contemporâneo.

Sujeitos à competitividade do mercado global, os

produtos artesanais começam a sofrer alterações para

atender aos requisitos do mercado. Uma das

características dos produtos artesanais é a liberdade

que o artesão tem de alterar forma e função conforme

sua conveniência.

Entretanto, estas alterações como a aplicação de

vernizes para forjar um acabamento melhor, a

implementação de materiais diferentes da matéria-

prima originalmente trabalhada, a modificação de

motivos ornamentais e formais; descaracterizavam o

produto original.

As discussões sobre a legitimidade em se alterar um

produto de artesanato tornaram-se então cada vez

mais freqüentes. A partir dessa situação, inúmeras

ações promovidas por instituições públicas e privadas

foram implementadas com o objetivo de preservar e

valorizar as produções artesanais.

As competências do designer passam a ser utilizadas

agora para instrumentalizar artesãos na intenção de

elevar peculiaridades competitivas dos produtos sem

descaracterizar o artesanato original. Abordado em

seu sentido mais amplo, o designer é tomado não

mais apenas como projetista para a indústria, mas

como um profissional que dispõe da capacidade de

contemplar concomitantemente visão de mercado e

preservação de elementos essenciais dos produtos.

A ampliação do significado do design no decorrer de

69

sua história, desde sua instituição nas primeiras

indústrias até a contemporaneidade, quando trabalho

intelectual e trabalho manual vão gradativamente se

distanciando, permite considerar sua atuação junto à

produção manual.

A estratégia de ação do designer de incorporar a

produção artesanal como alternativa para sua área de

atuação em Pernambuco é uma saída para superar

deficiências do setor industrial do Estado, que tem sua

história econômica vinculada a industria do açúcar.

Com relação à indústria que se desenvolveu em

Pernambuco, posteriormente, segundo o modelo de

industrialização implementado em todo o país,

Cardoso explica que “no Brasil, onde boa parte da

produção industrial fica a cargo de empresas

multinacionais, tem existido desde muito uma nítida

insatisfação da parte da comunidade dos designers

com a política da maioria das empresas de importar

projetos diretamente da matriz

estrangeira”.(2004:191)

Apesar de atualmente contar com um número maior

de fábricas, Pernambuco ainda não detém uma

quantidade suficiente de matrizes em seu parque

industrial, nem possui uma tradição em design de

produto, “a relativa falta de influência do design como

campo profissional no Brasil constitui-se em um

problema concreto e seria menos do que honesto

descartar essa questão sem a devida análise

histórica”. (Cardoso,2004: 197)

Por outro lado, o Estado possui tradição e vocação à

produção artesanal, reconhecidas por meio dos pólos

de produção artesanal espalhados pelo Estado, tais

como o município de Cachoeirinha e a tradição do

70

trabalho em couro e aço, ou os municípios do Cabo de

Santo Agostinho, Caruaru e Tracunhaém que se

destacam na produção de peças em barro.

Uma vez tomada como autêntica a atuação do

designer junto à produção manual, abre-se um vasto

campo para contribuições dos conhecimentos e

competências do design pernambucano para a cultura

material e para o desenvolvimento de um setor

importante para a economia do Estado, o de

artesanato.

Sendo o artesanato um setor promissor, nada mais

justo que o designer se associe a ele, tanto para

melhorar a qualidade do artesanato quanto para se

apropriar de técnicas artesanais para desenvolver o

design. Isto implica num cuidado na sua forma de

atuação, “uma ação séria e conseqüente deve saber

diferenciar a arte popular do artesanato e dentro

deste as diferentes categorias existentes, cujas

particularidades irão orientar o nível de profundidade

das intervenções de modo a diminuir a possibilidade

de desvirtuamento do valor de cada um destes

produtos.” (SEBRAE,2004:19)

A discussão firmada aqui entende esta relação entre

design e artesanato como um caminho válido e

positivo para os dois lados. A partir da referência a

casos de intervenções no artesanato desenvolvidos

por todo o Brasil; observando características, posturas

e resultados, procurou-se demonstrar os diversos

meios para se estabelecer um diálogo de respeito com

as atribuições e papéis definidos entre designers e

artesãos.

As ações desenvolvidas em Pernambuco são

71

exemplificadas a partir do detalhamento do modelo do

Projeto Imaginário Pernambucano, projeto de

extensão da UFPE, que tem em suas características

primordiais a presença de alunos, professores e

profissionais ligados à Universidade, na formação da

equipe de trabalho.

A atuação de Projeto Imaginário desde o ano de 2001

possibilitou uma aproximação positiva entre

Universidade e comunidades artesanais de todo o

Estado com a troca de experiências e conhecimentos;

alcançando também resultados interessantes no

incentivo à auto-estima e geração de trabalho e renda

para as comunidades.

O crescimento da equipe pode ser apresentado como

um argumento a favor da capacidade de absorção da

demanda de designers de produto em Pernambuco

por parte do setor de artesanato.

Esta experiência reforçou a valorização da cultura

local e consolidou uma área de investigação dentro do

curso de design na UFPE. Partindo do interesse de

alunos e professores em reconhecer a capacidade de

contribuição recíproca entre academia e criação

espontânea, entre conhecimento cientifico e

conhecimento popular; disciplinas e projetos de

extensão com direcionamento ao campo artesanal

passaram a ser desenvolvidos com maior freqüência e

gerando bons resultados para o aprendizado.

Desta forma, este estudo propõe um aprofundamento

na discussão sobre o campo de atuação do designer,

e uma ampliação na visão dos profissionais da área,

mesmo porque “apesar das dificuldades crescentes

enfrentadas por novos profissionais que chegam ao

72

campo com perspectivas extremamente incertas,

parece existir cada vez menos pessoas com disposição

e fôlego para tratar dessas questões de fundamental

importância”.(Cardoso, 2004:189)

Esta pesquisa convida os designers a admitir a

flexibilização de posturas tradicionalmente

sustentadas, hoje já não cabíveis; e principalmente

admitir os desafios que se apresentam urgentes no

entorno social, com as competências e habilidades

deste profissional a serviço da sociedade.

73

|Ilustrações

Aberturas de capítulos

1|Design Industrial de A a Z. TASCHEN,2001.

2| Arc Design. n.30, 2003.

3| Edder Chiodetto. Mestres Artesãos,2000.

4| Edder Chiodetto. Mestres Artesãos,2000.

5| Edder Chiodetto. Mestres Artesãos,2000.

Referências de imagens utilizadas

1- www.maogaucha.com.br

2- www.maogaucha.com.br

3- SEBRAE,Termo de Referência do Programa

Sebrae de Artesanato

4- SEBRAE,Termo de Referência do Programa

Sebrae de Artesanato

5- Flávio Costa

6- Flávio Costa

7- Flávio Costa

8- Eupídio Suassuna

9- Flávio Costa

10- Flávio Costa

11- Flávio Costa

12- Flávio Costa

13- Vinicius Lobambo

14- Imaginário Pernambucano

15- Vinicius Lobambo

16- Vinicius Lobambo

17- Vinicius Lobambo

18- Imaginário Pernambucano

19- Imaginário Pernambucano

20- Imaginário Pernambucano

21- Imaginário Pernambucano

22- Imaginário Pernambucano

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