Design e o Uso Dos Materiais Sob Uma Visão Ecologica

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Design e o Uso Dos Materiais

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  • Andra Franco Pereira,Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design e

    Ergonomia - CPqD, ESAP/UEMG, Designer eRestauradora

    The environment issue is very connected withindustrial production. In this way, the industry and

    the designer carry out an important role searching theenvironment improvement. As a possibility to obtain

    the eco-design it had an analysis concerning to thematerial use, in accordance with a research that gives

    concept about what are ecological products. Estudos em Design - Design Articles Anais P&D Design 96 13-21

    O Design e o uso dos materiais sob uma viso ecolgica

    Introduo A preocupao com o meio-ambiente tornou-se um tema da maior atualidade. Para que seja mantida ou para que haja melhoria da qualidade de vida no planeta, maior nfase deve ser dada diminuio das agresses ambientais e ao uso excessivo dos recursos naturais, assunto ligado, intimamente, produo industrial. O conhecimento e julgamento destas questes por parte dos agentes da produo industrial, em particular o designer, fundamental para o alcance desses objetivos. Com mais conheci-mento o designer pode criar o hbito de perguntar a si mesmo qual o impacto que seus trabalhos causaro ao mundo (DORMER, 1990). Esse conhecimento, e portanto, essa conscincia, segundo MANZINI (1991) dever ser alcanada por meio de uma mudana cultural, que depender no somente dos designers mas tambm dos industriais e dos consumidores. Todos envolvidos na promoo do lanamento denovas idias mais ecolgicas, social e culturalmente aceitveis. possvel se chegar melhoria do meio-ambiente partindo de estudos e diretrizes que definem o que seja um objeto ecologicamente produzido, como demonstram DEFORGE

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  • (1994), em uma abordagem ideolgica, e WALKER (1995) que analisa o aspecto esttico do produto. A questo levantada referente ao uso dos materiais. Particularmente, os materiais encontrados no mercado, pr-industrializados (i.e., que j tenhan sido beneficiados), como uma alternativa para a obteno de produtos mais ecolgicos. levada em considerao, sobretudo, a economia de energia e de gasto dos recursos naturais alcanada com o uso desses materiais, j que a fabricao fica basicamente restrita ao processo de montagem. Transformao ecolgica No Scandinavian Design de 1990, Ezio MANZINI (1992) abordava a necessidade de novas ferramentas culturais e uma mudana que partisse da estrutura mais elementar de nossa cultura, e tambm da cultura do design, de maneira a considerar as limitaes do ambiente. Em outro texto apresentado no Seminrio Projeto, Produto, Ambiente, em Curitiba, 1991, MANZINI(1991) esclarece a importncia do papel do design nessa busca:

    "Em termos gerais, o design um instru-mento para a conexo do que tecnica-mente possvel no campo das tecnologias limpas com aquilo que culturalmente desejvel no campo da crescente

    preocupao com o meio ambiente. Com a capacidade de perceber e interpretar potenciais tcnicos e expectetivas sociais e projet-los em novas solues, o design pode, por conseguinte, acelerar positivamente a mudana nos processos de produo e consumo."

    O conceito de consumo , portanto, deve ser submetido a uma reavaliao: produtos descar-tveis e excessos de consumo geram mais lixo e mais matria-prima ser usada, o que leva a um maior gasto de energia. So necessrias solues mais abrangentes e estratgicas, que estejam voltadas para o ciclo de produo dos materiais, da sua extrao, passando pelo seu uso e envelhecimento at a sua inutilizao. Com o conceito "o cotidiano humano como metabolismo ecolgico", a exposio "Design e Meio-Ambiente - Perspectivas para um futuro ecolgico"' mostrou situaes de realizao de pesquisas cientficas e novos processos e tecnologias desenvolvidas para se chegar a inovaes que no comprometam o meio-ambiente. Estudos como o de espumas expandidas com gua, reaproveitamento de

    1 Exposio realizada pelo Goethe-Institut de Munique no Foyer do Grande Teatro do Palcio das Artes de 27/02 a 26/03/96 em Belo Horizonte, MG. Essa exposio j foi apresentada em Berlim no IDZ (Centro Internacional de Design de Berlim - 04/95) e em So Paulo no MAM (Museu de Arte Moderna).

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  • peas de automveis velhos em novos, caixas de comprimidos que minimizam a utilizao de matria-prima e a reutilizao do couro (tingido com pigmentos sem metais pesados) como adubo depois do seu descarte, so algumas das possibilidades colocadas como perspectiva inteligente para o eco-design por empresas como a Braun, Dalmer-Benz Industry, Bayer, European Car Sharing entre outras. Diretrizes para o eco-design Em busca do desenvolvimento dessas novas configuraes, alguns conceitos so apontatos a fim de direcionar, com mais preciso, a elaborao de tais produtos ecolgicos. Yves DEFORGE, em seu artigo "Por um design ideolgico" publicado em 1994, conclui que o funcionamento de um sistema de produo deve estar fundamentado em uma ideologia. Ideologia que, para ele, sofreu um enfraquecimento pelo excesso de racionalismo e pela tecnocracia. Mas que, no entanto, pode ser alcanada novamente desde que se examinem trs condies: a reconquista de uma margem de liberdade projetual (oprimida pelo determinismo) a fim de produzir o signo; a formao dos designers no sentido de conciliar saberes e atitudes e a opo por uma ideolgica forte. Ideologia forte para DEFORGE (1994) significa eco-design. A passagem da civilizao dodesperdcio para a civilizao de penria deve

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    ser dada na prtica com o mnimo de custos. Essa ideologia se traduz nos seguintes princpios: Princpio da parcimnia - produtos que

    economizem ao mximo o uso de gua, ar, espao, energia e outros recursos no-renovveis ou que se renovam menos rapidamente que o consumo;

    Princpio da infrafuncionalidade - produtos que sejam reutilizveis, de que seja possvel um novo uso quando ele for descartado e que j possua deliberadamente funes secundrias sob a funo principal desde a criao;

    Princpio de "faa-voc-mesmo" - produtos combinados atravs de mdulos que permitam ao usurio criar novos produtos sua convenincia;

    Princpio de perenidade - produtos durveis em oposio a descartveis, biodegradveis ou reciclveis e que tenham uma manuteno facilitada;

    Princpio de limpeza - produtos no-poluentes e no agressivos, evitando qualquer tipo de poluio que atinja a natureza e o homem (poluio visual, auditiva, infor-mativa).

    Por outro lado, no artigo "The Environment, Product Aesthetics and Surfaces" (1995), Stuart WALKER considera que os problemas relativos ao meio-ambiente permeam os

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  • processos do design de produto, que os danos ambientais so causados pelo insustentvel conceito de crescimento da produo, consumo, uso e descarte dos produtos ("...unsustainable concept of constantly increasing production, consuption, use, and disposal of produtcts..."). Mas , sobretudo, a relao entre a esttica do produto e o meioambiente, e em particular a questo da superfcie, que ele considera da maior importncia na busca por uma significativa mudana na aquisio dos produtos industrializados. Primordialmente, WALKER (1995) define que o aspecto esttico deve ser observado alm do significado de aparncia ou styling do produto. A experincia esttica, segundo ele, uma interligao inseparvel entre a percepo sensorial ("sensory response") e a experincia contemplativa ("contemplative experience"). A percepo sensorial diz respeito a combinao das qualidades como forma, cor e textura. Por outro, lado a experincia contemplativa referente a observao valorativa do objeto, seu significado, que est em acordo com o conhecimento e entedimento individual do mundo. H um julgamento discriminatrio que a base do gosto. Esse julgamento no esttico, ele muda e desenvolve-se com o tempo. A experincia esttica e o julgamento esto ligados pela forma e contudo. A relao entre o aspecto esttico e o empenho em evitar os efeitos negativos causados pela produo dos produtos, uso e descarte, sero

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    observadas nas prioridades estabelecidas por WALKER. Ser visto a importncia de se tomar decises em design ainda na fase de pr-produoe o efeito dessas sobre as qualidades estticas do produto: Durabilidade do produto (durable) -

    depende da qualidade interna e externa do material usado. Interna: determinar a resistncia ao esforos fsicos e mecnicos. Externa: gera a satisfao ou o descon-tentamento com o uso do produto condi-cionando seu desuso ou no;

    Longevidade do produto (long life) -

    influenciada pela durabilidade das partes componentes do produto, suas capacidades de manuteno e reposio e seus aspectos estticos. Simplificao dos produtos. Produtos esteticamente extravagantes tornam-se enfadonhos;

    Facilidade de manuteno, reparo e

    atualizao - (easily maintained, repaired and upgraded) - leva a reduo e simpli-ficao do produto, minimizando o uso de materiais e energia e evitando o uso de materiais ambientalmente prejudiciais. A compreenso visual um importante aspecto facilitador do uso e o menor uso de detalhes suprfluos leva manunteno de menor nmero de peas;

    Reutilizao dos componentes j usados

    (product or components used can be reused) - reduo e simplificao do processamento de materiais e eliminao

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  • dos aspectos suprfluos dos produtos. O uso dos recursos locais tambm leva a benefcios tais como reduo de energia e poluio que so associadas ao transporte em longas distncias. A reutilizao dos componentes durveis, a reciclagem e o reprocessamento de material j usado contribui significativamente para a minimizao do uso de energia e materiais.

    Materiais pr-industrializados Alm do incremento tecnolgico no uso de materiais menos poluentes e a reduo dos gastos dos recursos no-renovveis, o desen-volvimento de produtos mais ecolgicos pode ser atingido se for dada maior ateno na utilizao dos materiais j encontrados no mercado - pr-industrializados. Como materiais pr-industrializados so compreendidos todas as matrias-primas, j beneficiadas (por processo de fundio, extruso, injeo, etc), encontradas no mercado: Metal - chapas, perfis, tubos, tarugos; Madeira - compensados, aglomerados,

    laminados, folheados, tarugos, tbuas, ripas;

    Borracha - folhas, mangueiras, ponteiras, vivos, etc;

    Elsticos; Vidro - placas, blocos, tarugos;

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    Plstico - folhas, placas, blocos, tarugos, tubos;

    Elemento de encaixe - parafusos, arruelas, porcas, pinos, pregos, conexes metlicas e plsticas;

    Produtos j fabricados aos quais possam ser atribudas outra funo.

    Em uma abordagem mais simplificada e pragmtica, o uso maximizado desses materias pode vir a ser uma soluo alternativa para a obteno de produtos ecolgicos. Sero analizados os princpios citados no item anterior para que sejam comprovados os benefcios que podem ser alcaados com esse procedimento. Princpio da parcimnia (Deforge)/facilidade

    de manuteno e reparos (Walker).

    Uma vez que a produo se restringe fase de montagem, h uma economia de energia e matria-prima, e uma reduo na produo de novos refugos e poluio atmosfrica. Ocorre economia, tambm, com a facilidade de manuteno e reparos, j que as peas so encontradas no mercado. Princpio da infrafuncionalidade (Deforge)/

    reutilizao dos componentes (Walker). A utilizao de materiais que servem para outros fins garante a reduo do uso de mat-ria-prima e a diminuio de produo de lixo,

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  • j que esses materiais podem ser reutilizados mais facilmente do que aqueles produzidos exclusivamente para um produto especfico.

    Princpio de perenidade (Deforge)/dura-bilidade e longevidade (Walker).

    Utilizando-se os materiais pr-industrializados possvel alcanar a resistncia, facilidade de manunteno e a simplicidade formal do produto (ausncia de elementos suprfluos), fatores que conduzem durabilidade e longevidade do produto.

    Princpio de "faa-voc-mesmo" (Deforge). Os materiais pr-industrializados tambm possuem a caractristica de modularidade, que pode submeter o produto novas concepes. A modularidade uma forma de reduo de matria-prima.

    Princpio de limpeza (Deforge). Utilizando-se os materiais pr-industrializados obtem-se uma diminuio na produo de novos refugos e poluio atmosfrica pelo fato de se eliminar uma das fases do processo de fabricao. Alguns objetos podem ser citados como exemplos de produtos fabricados com materiais existentes no mercado. Nesses produtos sero observados os aspectos relacionados com o assunto em discusso, sem nenhuma preteno de levantar questes de carter esttico/crtico.

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    Um exemplo o da "Luminria Ralador" (FIG.1), de autoria de Paulo Alves da Silva Filho, que fabricada com um ralador de milho fixo uma base de madeira. Esse objeto demonstra o uso de um produto, j industrializado, em uma outra funo. Pode-se citar tambm, os produtos desenvolvidos pelos irmos Campana, que com seu design radical, fazem uso dos mais variados materiais pr-industrializados, tornando-os absolutamente coerentes com as proposies de eco-design, como o caso do sof (FIG.2), em que o encosto e o assento so feitos em papelo ondulado. Outro exemplo o produto "bengala em PVC para cegos" (FIG.3) de minha autoria. A bengala composta por cinco gomos de tubo de PVC 15mm. O encaixe dos gomos so feitos por uma luva externa de cobre e uma pea interna de tubo de alumnio 3/8", que so coladas em uma das extremidades de cada gomo. Os gomos so conectados atravs da fora exercida por um elstico, introduzido consecutivamente nos tubos, que permite tambm que o produto seja dobrvel. Nesse produto observa-se a possibilidade de utili-zao de materiais que, originalmente, so dirigidos para outros fins. H neste exemplo uma reduo de produo de lixo, j que as luvas de cobre podem ser reaproveitadas e os outros materiais so reciclveis. O uso desses materiais, na medida que utiliza uma tecnologia j desenvolvida e aplicada, proporciona tambm economia de custos com o no desenvolvimento e adaptaes de

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  • maquinrio para fabricao de novos com-ponentes. A contribuio do design no desenvolvimento de projetos ecolgicos est na observao de outros fatores alm daqueles que dizem respeito utilizao de madeiras de reflorestamento, materiais biodegradveis e outros que j se tornaram a mxima do pensamento ecologicamente correto. E como cita WALKER (1995), ou mais materiais alternativos no-poluentes devem ser encon-trados, ou os designers devem usar suas habilidades para achar novas alternativas para que se obtenha sucesso nessa tarefa ("Either a more benign alternative material has to be found, or the designer must apply his or her creative skills to find an alternative way of achieving the required task."). Concluso O objetivo desse artigo foi o de abordar a utilizao dos materiais disposio no mercado sob um enfoque ecolgico. Colocar em discusso outras perspectivas para a concepo de produtos desenvolvidos com critrios ambientais. Para isso, procurou-se estabelecer uma base conceitual que permitisse uma anlise mais sistemtica do que pudesse ser denominado eco-design. Encarando o design como um agente promotor de integrao entre os objetos, necessidades e satisfaes, buscou-se esclarecer que uma postura ecolgica para o design O Design e o uso dos materiais sob uma viso ecolgica

    Fig. 1 - Luminria "Ralador". Paulo Alves da Silva Filho. Menso Honrosa VIII Prmio Museu da Casa Branca Fonte: BORGES, 1994. p.37

    Fig. 2 - Sof em papelo ondulado. Irmos Campana Fonte: ROSSI, 1996. p.10

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  • Fig. 3 - Bengala em PVC para Cegos. Instituto So Rafael, BH. Andra Franco Pereira e Fernando Pazzini.

    leva indiscutivelmente uma reviso das concepes estticas, uma vez que este fator interdependente de outros para o atendimento das premissas referentes ao meio-ambiente. Naturalmente, a possibilidade de descartar por completo a fabricao de novos objetos utilizando processos de beneficiamento como fundio e injeo no foi considerada. Apenas se props um novo foco de observao de modo a flexibilizar os pontos de vista e promover discusses que produzam novas maneiras de encarar a dinmica projetual do design, a fim de se chegar t r a n s f o r m a o e c o l g i c a . Resumo A questo ambiental est, intimamente, ligada produo industrial. Portanto, a indstria e tambm o designer cumprem papel importante na busca da melhoria do meio-ambiente. Como alternativa para a obteno de produtos mais ecolgicos feita uma anlise do uso dos materiais encontrados no mercado j beneficiados, partindo-se de estudos que definem o que seja um objeto ecologicamente produzido.

    Palavras-chave: design, materiais, ecologia

    Bibliografia 1- BORGES, Adlia. Prmio MCB - Os resultados da 8

    edio do Prmio Design Museu da Casa Brasileira. Rev. Design & Interiores, So Paulo, n.44, p.34-38, dez. 1994.

    2- DEFORGE, Yves. Por um Design Ideolgico. Trad. Estola Santos Abreu. Rev. Estudos em Design, So Paulo, v.2, n.l, p.15-22, jul. 1994.

    3- DORMER, Peter. The Meanings of Modern Design -Towards the twenty-first century. London: Thames and Hudson, 1990.

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  • 4- MANZINI, Ezio. Limites e possibilidades do ecodesign. Trad. Anita Regina di Marco (Seminrio Projeto, Produto, Ambiente - Curitiba, 1990) Rev. Design & Interiores, So Paulo, n.22, p.90-93, jan.1991. 5- MANZINI, Ezio. As ferramentas culturais para uma ecologia do ambiente artificial. Trad. Mary Lou Paris (palestra do Scandinavian Design, 1990). Rev. Design & Interiores, So Paulo, n.31, p.79-81, set./ out. 1992. 6- ROSSI, Paulo. Irmos Campana, a criao radical. Estado de Minas, Belo Horizonte, 17 mar. 1996, cad. Feminino, p.10. 7- WALKER, Stuart. The Environment, Product

    Aesthetics and Surface. Rev. Design Issues, Cambridge, Massachusetts, v.11, n.3, p.15-27, Autumn 1995.

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