Determina a Manutenção Do Novo Banco Na Esfera Pública (...)

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Projecto de Resolução apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP) que determina a nacionalização do Novo Banco

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  • PARTIDO COMUNISTA PORTUGUS

    Grupo Parlamentar

    Projeto de Resoluo n /XIII-1

    Determina a manuteno do Novo Banco na esfera pblica,

    assegurando a sua propriedade e gesto pblicas ao servio dos interesses

    do povo e do pas.

    I

    Desde a crise econmica e financeira de 2007/2008 que se tornou evidente que, por todo o mundo, instituies financeiras reconhecidas por todas as autoridades como slidas e robustas, tm vindo sistematicamente a ruir. As prticas de apropriao de mais-valia do trabalho atravs da especulao imobiliria, bolsista e em torno de instrumentos de dvida, traduziram-se em gigantescos passivos sem cobertura nos balanos das instituies, por fora da sobreavaliao ou da falsificao dos correspondentes ativos.

    Essa crise demonstrou a fragilidade do sistema financeiro nas mos do grande capital e evidenciou a forma como os grupos monopolistas utilizam o sector nica e exclusivamente em funo dos seus objetivos de acumulao e concentrao. No s extraem colossais lucros, como condicionam as direes e sentidos dos fluxos de crdito, ao mesmo tempo que condicionam e selecionam as atividades a desenvolver, independentemente das necessidades de cada economia.

    A situao atual do setor bancrio marcada por um peso crescente, seno mesmo dominante, do capital transnacional, agravando o trespasse de riqueza para o estrangeiro e a perda de capacidade de interveno e de soberania do pas. A experincia tem mostrado que o controlo pblico da banca a nica forma de conservar o sistema bancrio nacional. A privatizao das instituies financeiras conduz, mais cedo ou mais tarde, sua aquisio ou domnio, devidamente expurgadas dos ativos txicos e recapitalizadas nomeadamente com fundos pblicos, por parte dos megabancos europeus, como confirmou recentemente a entrega do Banif ao Santander.

    Em Portugal, desde a interveno estatal no Banco Portugus de Negcios, S.A., (BPN) vrias foram j as instituies financeiras suportadas pelos recursos pblicos, com os Governos PS e PSD/CDS a utilizarem o Estado e a Lei para salvar os banqueiros, a pretexto dos depositantes e da estabilidade do sistema financeiro. O colapso do BPN e os sucessivos problemas detetados na restante banca comercial, com destaque para o que se passou no Banco Esprito Santo e no Banif, so elementos suficientes para ilustrar a irrazoabilidade de permitir que o sistema financeiro se mantenha gerido,

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    detido e ao servio dos grandes grupos econmicos, com a evidente exceo da Caixa Geral de Depsitos:

    Pela importncia do sistema financeiro no funcionamento da economia e pela necessidade de um controlo pblico e democrtico sobre as opes financeiras, nomeadamente sobre a utilizao do crdito como bem pblico;

    Pelos custos que a banca tem representado para os trabalhadores portugueses que so forados a despender cada vez mais esforo para garantir a liquidez e a solvabilidade de instituies financeiras que so descapitalizadas pelos seus prprios acionistas;

    Exige-se que se faam opes para impedir que os trabalhadores e o povo portugus tenham de suportar mais custos com a m poltica de crdito e com o desvio de recursos dos bancos para a satisfao dos interesses de banqueiros ou dos grupos econmicos que integram.

    II

    A regulao e superviso da atividade financeira, particularmente tendo em conta a complexidade do mercado que interliga o crdito, as participaes sociais e os produtos financeiros compostos, no passam de um gigantesco embuste. Na verdade, a atividade das instituies financeiras regulada apenas na medida dos interesses dos prprios grupos econmicos que as comandam e mantm cativos os reguladores e supervisores.

    Desde o controlo interno, regulao pelos bancos centrais, passando pelas auditorias externas, todo o sistema de controlo da banca no passa de uma encenao com vista a iludir as populaes e a forjar a confiabilidade das instituies. Ao longo dos anos em Portugal, tal tem sido particularmente claro na forma como o Banco de Portugal que cada vez mais tem vindo a reduzir-se como um mero brao administrativo do BCE em caso nenhum evitou um colapso bancrio ou uma necessidade de capital, mas em todos os casos negou at ao ltimo momento a existncia de problemas. A julgar pelas intervenes pblicas do Banco de Portugal, o BES no tinha problemas semanas antes de falir e o BPN no estava sinalizado como problemtico. O emprstimo ao Banif era mesmo um bom negcio para o Estado com possibilidade de render 19% de juros. Essas intervenes pblicas mostram que o Banco de Portugal no a mo dos portugueses junto da banca, mas tem funcionado como o rosto dos banqueiros junto dos portugueses. O Banco de Portugal o selo de qualidade num produto contaminado num mercado em que o principal fator a confiana. Ou seja, o regulador funciona apenas como o branqueador dos problemas da banca perante o povo.

    A incapacidade do Banco de Portugal no se deve, contudo, apenas inpcia, ao comprometimento poltico e ideolgico dos seus responsveis ou ao funcionamento do sistema capitalista. Deve-se especialmente sua arquitetura e ao seu enquadramento num sistema financeiro que resulta em grande parte j da fuso entre capital bancrio e capital produtivo, concentrando assim o centro de decises estratgicas dos grandes grupos econmicos e subordinando a deciso poltica sua vontade. essa matriz

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    corrupta, de subordinao mais ou menos legal do poder poltico ao poder dos grandes grupos econmicos, que define o prprio funcionamento do sistema financeiro no contexto do capitalismo.

    O regulador no regula margem desse sistema, antes parte dele. Sendo sempre possvel introduzir medidas que contrariem ou limitem que seja esse o papel da regulao uma iluso pensar que sem alterar a sua natureza se pode alterar o papel que a regulao cumpre. Acrescentar camadas de legislao e regulamentao sobre os mecanismos de interveno do Banco de Portugal sem questionar a essncia poltica do controlo que o Banco de Portugal exerce sobre a banca acabar por se traduzir apenas no melhoramento da qualidade da encenao. Os portugueses no deixariam de ser enganados pelos bancos e pelos grupos monopolistas e o Estado no deixaria de ser fiador e pagador de ltimo recurso das aventuras dos banqueiros, mas tudo isso seria escondido dos portugueses com mais eficcia.

    III

    A nacionalizao, o controlo acionista pblico atravs do Estado, que o Partido Comunista Portugus vem defendendo para instituies do Sistema Financeiro Portugus, no se relaciona em aspeto algum com o conceito de nacionalizao que os governos de PS, PSD e CDS defenderam e colocaram em prtica em outras situaes nos ltimos anos.

    A forma como os recursos pblicos so utilizados para adquirir ativos desvalorizados e limpar balanos de bancos, para tornar a entregar a atividade dos bancos j expurgada de ativos problemticos e passivo, quer seja atravs de garantias pessoais do Estado, quer seja atravs de capitalizaes ou resolues, representa em todo o caso a assuno pelo Estado do risco associado a uma instituio bancria, com custos tremendos no Oramento do Estado e com profundos reflexos na dvida pblica e nos juros que sobre essa dvida incidem. A aquisio do capital de uma instituio bancria pelo Estado numa perspetiva transitria, como fizeram, em todos os casos ocorridos nos ltimos anos, os governos de PS, PSD e CDS, no pode ser confundida de nenhuma forma com a nacionalizao que o PCP tem vindo a propor para a utilizao do recurso em favor do prprio interesse coletivo.

    Ou seja, o que o PCP prope e defende que ao capital pblico corresponda a utilizao da instituio ao servio do interesse pblico e no a sua preparao para a entrega a novos ou velhos grupos econmicos ou financeiros a preo de saldo. A nacionalizao, entendida pelos governos de PS, PSD e CDS at aqui, tem significado apenas a nacionalizao transitria da atividade da instituio e a nacionalizao permanente do seu prejuzo. Essa nacionalizao corresponde a uma instrumentalizao total do Estado, da lei, contra os trabalhadores, determinando a extorso da riqueza nacional e do produto do trabalho para a sua afetao a operaes de financiamento a grandes grupos econmicos.

    A nacionalizao de instituies bancrias, independentemente da sua dimenso, ao contrrio da doutrina da classe dominante, no lesou as instituies em momento

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    algum. Na verdade, durante o perodo entre 1975 e 1992 em que a banca esteve sob controlo pblico poltico e acionista , os bancos cresceram, mantiveram uma atividade concorrencial e o financiamento economia nacional pblica e privada. O BESCL, depois BES, por exemplo, viu os seus ativos mais do que duplicarem durante o perodo em que foi estritamente pblico. Sobre a sua importncia no apoio economia, j em 1980, cinco anos aps a nacionalizao, o relatrio e contas indicava que o total de crdito concedido ascendia a 94 715 milhes de contos, ou seja, a mais de 60% do total de activos. Ao mesmo tempo, os trabalhadores da banca, viram os seus direitos laborais ampliados e participaram como nunca na gesto das instituies.

    IV

    O caso do BES / Novo Banco no formalmente diferente do que se verificou com os restantes bancos falidos ou intervencionados. Contudo, qualitativa e quantitativamente diferente em aspetos que lhe atribuem especial relevo na poltica nacional e na poltica para o sector financeiro. Sendo o sector financeiro um sector to determinante para a concretizao de uma poltica de desenvolvimento econmico e social, e at mesmo determinante para a concretizao de estratgias pblicas oramentais, econmicas ou financeiras, no aceitvel que permanea completamente alheio ao interesse pblico. Alis, na verdade, no s no influenciado pelo interesse pblico como o limita e condiciona.

    O Novo Banco uma instituio importante no contexto nacional, com uma quota de mercado ainda prxima dos 17%, apesar da perda gerada pela aplicao do mecanismo de resoluo, pela estratgia de venda que tem sido seguida e pela quebra de confiana dos depositantes. Ao mesmo tempo, continua a ser a mais importante instituio no mbito das pequenas e mdias empresas, com uma presena fortssima em todo o territrio nacional, mesmo fsica, atravs de uma rede de balces muito dispersa.

    O balano do Novo Banco agora integralmente conhecido, tendo em conta a sua deteno pela entidade pblica Fundo de Resoluo, na dependncia do Governo e do Banco de Portugal, apesar de poder conter ainda ativos de difcil avaliao e riscos associados a futuros e presentes atos de contencioso que possam resultar da ao do Banco de Portugal.

    Qualquer venda do Novo Banco a uma entidade privada, independentemente da oferta, significar, do ponto de vista poltico, a entrega a uma entidade alheia ao interesse nacional de uma instituio que pode ter um importante papel no sistema pblico bancrio e na concretizao de alteraes polticas e econmicas fundamentais para fazer frente s adversidades com que o pas continua confrontado. Mais, significar igualmente a diminuio da capacidade de resposta pblica a eventuais turbulncias no sistema financeiro nacional, na medida em que o Estado dispor de menos um instrumento, apesar de ter suportado o seu custo.

    O Fundo de Resoluo uma entidade pblica financiada por impostos consignados devidos pelas instituies financeiras, fixados como parte da contribuio sobre

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    entidades bancrias. O Fundo de Resoluo detm atualmente a totalidade do capital social do Novo Banco e a aquisio desse capital, bem como a capitalizao do Banco, foram conseguidas - no que ao Fundo de Resoluo diz respeito - atravs do emprstimo de 3,9 mil milhes de euros pelo Tesouro e pela antecipao de pagamentos pelas instituies bancrias, entre as quais o banco pblico, das contribuies sob a forma de emprstimo concedido pelos bancos a remunerar pelo Fundo. Neste contexto, o Fundo remunera o Estado pagando o capital e os juros respeitantes ao emprstimo de 3,9 mil milhes e assume os encargos com esses juros. Tendo em conta a titularidade do Fundo, tal operao neutra contabilisticamente porque o Estado est a pagar juros a si mesmo.

    Ora, mesmo a parcela de 700 milhes de euros de emprstimo bancrio e de cerca de 300 milhes que j se encontravam no Fundo, como resultado da vigncia da Contribuio sobre o Sector Bancrio, tem titularidade integralmente pblica na medida em que corresponde estritamente a um imposto liquidado e a um emprstimo que , na prtica, uma antecipao do imposto de anos vindouros, descontada de juros. Isso significa que em qualquer caso, independentemente da origem do imposto pago, ser o Estado a funcionar, no apenas como fiador da dvida, mas como seu pagador. Para todos os efeitos, o capital do Novo Banco atualmente exclusivamente pblico e uma operao de assuno poltica da sua direo poderia enquadrar-se nos gastos pblicos j assumidos.

    A manuteno do Novo Banco na esfera pblica representa igualmente uma oportunidade para defender a dimenso da sua rede de agncias, bem como os postos de trabalho, as remuneraes, as condies de trabalho e os direitos dos funcionrios do banco. Para no destruir a vantagem herdada do seu antecessor, a proximidade e a confiana de numerosas pequenas e mdias empresas e de outros clientes da banca comercial. Para no desarticular a unidade, a funcionalidade, a utilidade, a relevncia e a viabilidade do banco, com uma venda s fatias ou ento por inteiro com a subsequente partio, e eventual extino, de importantes reas de negcios.

    V

    O sistema financeiro nacional tem profundas carncias de capital e detm ainda um valor indeterminado de perdas por imparidades que agravaro essas carncias. A deteno do capital de bancos pelo Estado responsabiliza diretamente o Estado pelas necessidades de capital das instituies, bem como pela sua liquidez. Contudo, tal responsabilidade j existe, como financiador de ltimo recurso num contexto em que o Estado est impedido de controlar politicamente as instituies de crdito e fortemente limitado pelas regras impostas pela Autoridade da Concorrncia da Comisso Europeia e pelos constrangimentos de poltica monetria da Unio Europeia. S superando a contradio entre essas imposies supranacionais e o interesse coletivo e nacional a favor deste ltimo ser possvel criar uma resposta que no se restrinja a colocar o Estado como a rede de segurana de banqueiros mas antes a colocar o Estado como rede de segurana dos cidados e do sistema financeiro detido

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    por si prprio, assim assumindo o Estado uma responsabilidade decisiva na determinao das perdas eventuais do Novo Banco mas tambm por todos os ganhos, incluindo os passveis de recuperao no seguimento da aplicao da medida de resoluo ao Banco Esprito Santo.

    Assim, ao abrigo das disposies regimentais e constitucionais aplicveis, a Assembleia da Repblica resolve:

    1. Afirmar a necessidade urgente de assegurar a direo pblica do Novo Banco, fazendo corresponder os objetivos da gesto manuteno do Banco como instituio pblica ao servio de uma poltica econmica assente no investimento pblico e privado com vista ao desenvolvimento econmico e elevao da qualidade de vida e do bem-estar dos portugueses;

    2. Recomendar ao Governo que adote as medidas legislativas e regulamentares necessrias concretizao da nacionalizao em definitivo do Novo Banco, adquirindo ao Fundo de Resoluo a totalidade do capital do Novo Banco, com a respetiva remunerao dos emprstimos concedidos e manuteno das garantias pessoais do Estado atribudas atualmente ao Novo Banco, ponderando para esse efeito as opes de aquisio e gesto do balano do Novo Banco, dos seus ativos, passivos e ativos desvalorizados ou txicos que melhor correspondam defesa do interesse pblico e sem abdicar de nenhum mecanismo legal ao alcance do Estado no mbito do Regime Jurdico das Instituies de Crdito e Sociedades Financeiras;

    3. Recomendar ao Governo a nomeao dos rgos sociais do Novo Banco, enquanto instituio bancria autnoma, aps nacionalizao e transformao em sociedade annima de capitais pblicos e a orientao da gesto do Banco para o reforo do sistema pblico bancrio e para a colocao das suas opes de crdito ao servio das necessidades de financiamento da economia nacional, numa perspetiva de progresso e desenvolvimento social;

    4. Recomendar ao Governo a elaborao de um plano estratgico para a banca pblica que estabelea os objetivos materiais e temporais para a concretizao de uma poltica de crdito ao servio do povo e do pas.

    Assembleia da Repblica, 23 de fevereiro de 2016

    Os Deputados,

    MIGUEL TIAGO; PAULO S; JOO OLIVEIRA; BRUNO DIAS; ANA MESQUITA; DIANA FERREIRA; FRANCISCO LOPES; CARLA CRUZ; RITA RATO; JOO RAMOS; PAULA

    SANTOS; ANA MESQUITA; JORGE MACHADO