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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O PENSAMENTO PEDAGÓGICO DO BRASIL COLONIAL Por: Diogo Luís Nascimento Agostinho Orientador Professora Mary Sue Pereira Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O PENSAMENTO PEDAGÓGICO DO BRASIL COLONIAL

Por: Diogo Luís Nascimento Agostinho

Orientador

Professora Mary Sue Pereira

Rio de Janeiro

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O PENSAMENTO PEDAGÓGICO DO BRASIL COLONIAL

Trabalho de conclusão do curso de Pós-

Graduação Lato Sensu apresentado à

AVM Faculdade Integrada, como requisito

parcial para a obtenção do título de Pós-

Graduado.

Rio de Janeiro

2013

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DEDICATÓRIA

A Deus, a Pai Carreiro, a Seu Boiadeiro,

ao Caboclo da Mata Virgem e a todas as

entidades e espíritos de luz do centro

espírita Casa de Pai Mujongo da Bahia.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Seu Indelécio. Você é um verdadeiro pai

para mim, me deu forças e me levantou quando mais precisei: este trabalho

também é seu!

Agradeço a Marcela Monteiro por ter me incentivado a fazer a Pós,

quando muitos eram contrários a isso; agradeço, também, por ter caminhado

comigo e por ter me ajudado inúmeras vezes.

Agradeço a minha mãe, Sandra Agostinho (minha maior e melhor amiga);

minha irmã, Mariana Agostinho (a mala que eu aturo há 25 anos); minha avó,

Norma (minha conselheira sentimental) e a meu pai (por ter me obrigado a ser

botafoguense).

Agradeço a meu grande amigo Juninho (que mesmo com a distância de

Paty do Alferes não reduziu nossa amizade), a meu primo Pedro e a todos os

meus familiares, e a meu amigo, parceiro e colega de escritório Valdeck Soares

(e a toda a sua linda família: dona Nair, Márcia, Fátima, Yuri e Letícia).

Agradeço à orientadora Mary Sue pela compreensão nos momentos

difíceis que passei durante a elaboração deste trabalho.

Agradeço, por fim, a todos os meus amigos da Pós: Camila, Cesar (“Alô,

Nilópolis!”), Debora (muito obrigado pelo bombom!), Elizabeth, Luiz, Mariana

Amorim (a gente boa), Mariana Rangel (a leonina), Margareth (tia Margareth),

Sergio, Simone Ghelli, Suzy e Vania (a Diego Augustinho). Agradeço por terem

me recebido, por terem me aturado, por terem me ajudado, por terem

compartilhado (comigo) experiências e conhecimentos, por terem me feito rir

inúmeras vezes e por terem feito da Pós um ambiente sensacional e

maravilhoso (que, em mim, deixará muitas saudades).

Muito obrigado!!!

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RESUMO

AGOSTINHO, Diogo Luís Nascimento. O pensamento pedagógico do Brasil colonial. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-Graduação em Administração e Supervisão Escolar) – AVM Faculdade Integrada, Rio de Janeiro, 2013.

O presente trabalho se destina a estudar qual seria, de fato, o pensamento pedagógico do Brasil colonial. Para tanto, além de conceituar o que seria pensamento pedagógico, o presente trabalho relata, ainda, como era o contexto histórico, político, econômico e social (brasileiro e mundial) entre os anos de 1530 e 1822. Tudo isto para analisar como tais contextos interferiram no pensamento pedagógico do Brasil colonial e como o próprio pensamento pedagógico do Brasil colonial continua a interferir no sistema educacional brasileiro do século XXI.

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METODOLOGIA

Para a elaboração do presente trabalho, foram utilizados textos

contemporâneos que traçavam paralelos entre o pensamento pedagógico do

Brasil colonial e o modelo educacional que existe (atualmente) no Brasil, bem

como textos contemporâneos que versavam sobre as semelhanças e

similitudes entre um pensamento e outro. Além disso, foram usados (também)

textos históricos como forma de entender o que se passava no mundo, em

Portugal e no próprio Brasil entre os anos de 1530 e 1822; textos pedagógicos

que elucidaram o que seria um pensamento pedagógico e informações oficiais

contidas em portais eletrônicos governamentais.

Resta, assim, agradecer as bibliotecas da Faculdade de Educação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Faculdade de Educação da

Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da Cândido Mendes – Unidade

Méier –, pela disponibilização (sem intercorrências) do seu acervo para a

concretização desta pesquisa.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

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CAPÍTULO I

O BRASIL COLONIAL

12

CAPÍTULO II

O QUE SERIA O PENSAMENTO PEDAGÓGICO?

34

CAPÍTULO III

O PENSAMENTO PEDAGÓGICO DO BRASIL COLONIAL

45

CONCLUSÃO

66

BIBLIOGRAFIA

73

ÍNDICE

78

FOLHA DE AVALIAÇÃO 79

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INTRODUÇÃO

Tendo como objetivo específico evidenciar qual seria (de fato) o

pensamento pedagógico brasileiro durante o período do Brasil colonial, o

presente trabalho de conclusão do curso de Administração e Supervisão

Escolar da AVM Faculdade Integrada – intitulado “O pensamento pedagógico

do Brasil colonial” – parte da hipótese de que a estrutura educacional do Brasil

colônia encontrava-se fortemente marcada pelos dogmas da Igreja Católica

para, enfim, evidenciar de que forma a educação (em âmbito colonial) era vista

e pensada pela metrópole portuguesa, à época de tal dominação.

Neste sentido (e acreditando, piamente, que o estudo do pensamento

pedagógico brasileiro é de extrema importância para que o leitor perceba e

compreenda como um pensamento pedagógico tão ultrapassado ainda

continua a influir no modelo educacional brasileiro contemporâneo), o referido

trabalho se estrutura em 03 (três) capítulos, respectivamente denominados

como: a) O Brasil colonial; b) O pensamento pedagógico; c) O pensamento

pedagógico do Brasil colonial.

Com isso, fato é que o primeiro capítulo (denominado “O Brasil colonial”)

cumpre o papel de introduzir o leitor no mundo de seus antepassados e o de

conscientizá-lo acerca de como as especificidades daquela época interferiram

direta ou indiretamente nos rumos do Brasil colonial.

Para tanto, inicialmente, traz a conceituação do que seria o Brasil

colonial (período que se estende desde o ano de 1530 até o dia da

proclamação de nossa independência, por Dom Pedro I, em 07/09/1822) e,

posteriormente, busca inserir aquele leitor no contexto histórico, político,

econômico, social e religioso brasileiro, português e mundial dos séculos XVI a

XIX, através da análise minuciosa de toda a pesquisa documental e

bibliográfica feita em momento pretérito ao da própria elaboração deste

trabalho.

O segundo capítulo se inicia com a conceituação do que seria o

pensamento pedagógico (em si) – e assim o faz partindo da premissa de que

seria impossível traçar qualquer análise acerca do pensamento pedagógico do

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Brasil colonial se, anteriormente, não fosse explicitado ao leitor o que, de fato,

é um pensamento pedagógico.

Com esta missão em mente, o segundo capítulo (denominado “O

pensamento pedagógico”) determina, através da utilização de doutrina

abalizada que verse a respeito do tema, o que é um pensamento pedagógico;

quais as tendências do pensamento pedagógico; bem como enumera quais as

tendências que existiam (no Brasil e no mundo) até o ano de nossa

independência – apontando, inclusive, as características próprias de cada

tendência e o porquê de seu surgimento no “mundo” educacional.

Posteriormente, compreendida toda a evolução histórica, econômica,

social, política, cultural e religiosa entre os séculos XVI e XIX e conceituado

detalhadamente o que seria o pensamento pedagógico, parte, então, o referido

trabalho para esmiuçar o pensamento pedagógico do Brasil colonial – o que faz

em seu terceiro e último capítulo.

E assim o faz, sob a lógica de que o próprio pensamento do Brasil

colonial nada mais era do que um pensamento pedagógico imposto pela

metrópole (de cima para baixo) à colônia brasileira – um pensamento

pedagógico que, em sua essência pouco variava, mas que sofria (mesmo em

cada particular variação) os efeitos das circunstâncias e alterações históricas,

políticas, econômicas, sociais, culturais e religiosas pelas quais passou o reino

português ao longo dos 292 (duzentos e noventa e dois) de seu domínio

colonial.

Aliás, de outra forma não deveria ser: afinal, se a educação sempre foi

um ato político (parafraseando Paulo Freire) e se os eventos e fatos (inclusive,

os educacionais ou pedagógicos) não se explicam por si mesmos, então, pode-

se afirmar que (também) o pensamento pedagógico colonial encontrava-se

enquadrado numa estrutura mais ampla, amplamente destacada pelo primeiro

capítulo.

Feita esta constatação, o segundo capítulo (denominado “O pensamento

pedagógico do Brasil colonial”) traz a análise detalhada do relato de inúmeros

doutrinadores, educadores, pedagogos e historiadores a respeito de como eles

entendem ser o pensamento pedagógico do Brasil colonial.

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Indo além, acosta, também, a evolução histórica do modelo educacional

brasileiro tendo como referência espaço-temporal o próprio Brasil colonial

(abordando, com isso, desde a origem da educação brasileira até a situação

em que ela se encontrava quando da proclamação da independência brasileira

no ano de 1822) e relatos da época sobre como era a sociedade brasileira

colonial ou sobre como era a educação ofertada aos residentes em solo

brasileiro.

E, por fim – já na etapa de conclusão – o presente trabalho se destina a

responder as seguintes questões: será que o pensamento pedagógico do Brasil

colonial continua a influir no modelo educacional brasileiro contemporâneo? E

de que forma, positiva ou negativamente?

Para tanto, se valerá tanto de textos contemporâneos que tracem

paralelos entre o pensamento pedagógico do Brasil colonial e o modelo

educacional que existe (atualmente) no Brasil, como de textos contemporâneos

que versem sobre as semelhanças e similitudes entre um pensamento e outro

modelo – destacando, inclusive, o quão é prejudicial se adotar, em pleno

século XXI, técnicas e métodos de ensino/aprendizagem tão ultrapassadas

como as adotadas em nossa era colonial.

Desta forma, o presente trabalho espera, ao final, contribuir para que o

leitor entenda um pouco mais a história do país em que vive e a própria

realidade em que se encontra inserido; ao mesmo tempo em que espera

contribuir para a sociedade brasileira atual e para a posteridade com uma

publicação, que tenta (através de uma escrita fácil e agradável) conclamar a

todos tanto para que participem mais dos processos decisórios oficiais a

respeito de questões educacionais, como para que se preocupem mais com a

própria educação que deve ser ofertada em nosso país.

Afinal, se a Constituição brasileira de 1988 afirma que a República

Federativa do Brasil tem como princípio fundamental a dignidade da pessoa

humana e se ela afirma que a República Federativa do Brasil visa, como

objetivo fundamental, construir uma sociedade livre, justa e solidária, em que

se garanta o desenvolvimento nacional, se erradique a pobreza e se promova o

bem de todos (sem qualquer tipo de discriminação), tanto é direito fundamental

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da pessoa humana o seu acesso a uma educação (pública ou particular) de

qualidade, como é dever do Estado garantir que tal educação seja prestada

(por ele ou por terceiros) de forma efetiva e qualitativa. Só assim se cumprirão

os objetivos expostos em nossa Constituição.

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CAPÍTULO I

O BRASIL COLONIAL

“Para se compreender um fato histórico, é necessário relacioná-lo a outros com os quais forma uma unidade

temporal bem definida” (Luiz Koshiba)

O termo Brasil colonial ou Brasil colônia corresponde ao período

histórico em que a nação que hoje se conhece como República Federativa do

Brasil (termo estabelecido pela Constituição de 1988) nada mais era do que

uma das muitas colônias do Império Ultramarino Português. Este período,

segundo os historiadores Luiz Koshiba e Denise Manzi Frayze Ferreira, se

inicia no ano de 1530 (fim do chamado período pré-colonial brasileiro) e se

estende até o dia 07 de setembro de 1822 (data da proclamação da

Independência do Brasil).

E pode-se afirmar com exatidão que, durante os quase 300 (trezentos

anos) que esteve em vigor, o supracitado sistema colonial se traduziu como um

conjunto de relações entre a metrópole portuguesa e o Brasil colônia.

Aliás, por conta deste modelo, a colônia brasileira se apresentava para a

metrópole portuguesa como um grande mercado de consumo dos produtos

lusitanos e, ao mesmo tempo, como a maior fornecedora de matéria-prima para

o desenvolvimento econômico-produtivo da Coroa: a colônia brasileira existia,

portanto, para estimular, desenvolver e garantir o acúmulo de capital da

metrópole.

Mas porque, de fato, o Império Ultramarino Português resolveu (a partir

de 1530) colonizar o Brasil?

Pesquisadores relatam que o fim do feudalismo e a centralização do

poder pela figura do rei português, a ascensão do poderio econômico da classe

burguesa portuguesa, a descoberta de ouro e prata no México e no Peru, a

crise no comércio ultramarino indiano (deflagrada pelo aumento abusivo das

especiarias locais), o surgimento de novos mercados e a possibilidade de

fortalecimento de novas potências ultramarinas mundiais foram os principais

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fatores econômicos, sociais e políticos para que Portugal estendesse os seus

domínios em direção aos povos do Novo Mundo.

Neste contexto, no ano de 1532, Martin Afonso recebeu uma carta do

rei português anunciando que iria implantar na colônia brasileira um sistema de

povoamento que já havia sido utilizado com bastante êxito em Açores, Cabo

Verde, na Ilha da Madeira e em São Tomé – qual seja: o do povoamento pela

concessão de capitanias hereditárias.

O território brasileiro foi, então, dividido em 14 capitanias hereditárias

destinadas a 12 donatários (já que Pero Lopes de Sousa era donatário de 03

capitanias: a de Itamaracá, a de Santo Amaro e a de Santana) – todos não

pertencentes à alta nobreza ou à grande burguesia de Portugal, o que

demonstrava que, àquela época, a exploração das capitanias hereditárias

brasileiras era um negócio de grande risco e de pouco (ou quase nenhum)

atrativo econômico.

Até por isso, o sistema de povoamento que havia tido um grande êxito

nas ilhas portuguesas do Atlântico não obteve o mesmo sucesso no Brasil. A

falta de recursos atrelada ao tamanho das capitanias hereditárias brasileiras; a

enorme distância que separava a colônia brasileira de sua metrópole; o enorme

risco que envolvia o negócio e o medo dos donatários em habitar lugares

inóspitos foram motivos que fizeram com que o planejamento do Império

Ultramarino Português fracassasse.

Diante do retumbante fracasso das capitanias hereditárias brasileiras, o

Império português decidiu, em 1548, tomar medidas concretas para viabilizar a

colonização/povoamento de nosso país – sendo, a principal delas, a criação do

Governo-Geral em terras brasileiras (criação que se deu através do Regimento

de Tomé de Sousa). A instalação do Governo-Geral, aliás, foi o primeiro e mais

importante passo para a transformação das capitanias hereditárias em

capitanias reais e, com isso, para a efetiva consagração do processo de

povoamento do solo nacional.

Com o objetivo de fortalecer as capitanias reais contra condições

adversas acima apontadas, já em 1551 (ou seja: menos de três anos depois da

criação do Governo-Geral), Tomé de Sousa (primeiro Governador-Geral da

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colônia brasileira) criou na cidade de Salvador o primeiro bispado do Brasil e, a

partir disso, autorizou o início da obra evangelizadora dos povos indígenas

(evangelização que, como se percebe pela simples análise do contexto

histórico daquela época, surgiu com o propósito único de conter as lutas dos

indígenas contra os portugueses que aqui se encontravam, através do ensino e

da prática da religião católica).

Ou seja: pode-se afirmar que o início do processo de evangelização dos

povos indígenas encontra-se fortemente atrelado à defesa, pela Coroa

portuguesa, de seus interesses econômicos e comerciais em terras brasileiras.

Em virtude das lutas indígenas pela terra, aliás, destacam inúmeros

historiadores que a capitania de Pernambuco derrotou e dizimou, militarmente,

todos os índios que se encontravam dentro do território real. Já a capitania real

da Bahia (liderada por Tomé de Sousa), declarou guerra aos índios tupinambás

e, ao mesmo tempo, firmou um sólido e mui eficaz acordo com os índios

tupiniquins – uma política de governo que, separando os índios aliados dos

índios inimigos, beneficiou-se de um forte e resistente cinturão de proteção

tupiniquim para a consecução de seus interesses de proteção da terra.

Agindo desta forma, Tomé de Sousa não só conseguiu aniquilar os

índios tupinambás mais hostis, como conseguiu, também, reduzir

drasticamente e rapidamente controlar a população de índios tupiniquins,

aumentando a quantidade de mão-de-obra disponível para a produção agrícola

baiana – o que, obviamente, fez com que nosso primeiro Governador-Geral

conseguisse alcançar resultados expressivos na produção de alimentos da

capital da colônia brasileira.

Esta aliança política perdurou até meados do segundo Governo-Geral

sendo extinta pelo então segundo Governador-Geral, Duarte da Costa. Todavia,

historiadores destacam que a decisiva vitória territorial da Coroa Portuguesa se

deu com Mem de Sá, quando este conseguiu vencer os temíveis índios tapuias,

de Paraguaçu.

E tal batalha se traduziu como épica, para os índios e portugueses,

porque, além de ter sido (evidentemente) uma expressiva vitória territorial

portuguesa, o feito de Mem de Sá se traduziu (também), para ambos os lados

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do conflito, como uma importante vitória psicológica, tendo em vista que,

àquela época, até mesmo os índios de tribos diferentes acreditavam ser

impossível que os portugueses derrotassem os tapuias (índios que, por sua

força e pelo seu modo de combate únicos, eram conhecidos como as “tribos

guerreiras do sertão”).

Estimulado pela vitória e buscando a expansão do poderio da Coroa

Portuguesa em terras brasileiras, Mem de Sá (após enfrentar em 1560 cerca

de cento e vinte franceses e cem mil índios tamoios) concedeu a seu sobrinho,

Estácio de Sá, o direito de realizar o povoamento da cidade de São Sebastião

do Rio de Janeiro – fato que teve a finalidade de consolidar, em linha reta e

contínua, o controle territorial da costa litorânea (por meio das capitanias reais

de São Vicente, de Pernambuco e do Rio de Janeiro).

Já no ano de 1586, o Governo-Geral de Manuel Teles Barreto, após

adotar fórmula idêntica à adotada por Tomé de Sousa na Bahia, aproveitou-se

da inimizade entre os índios tabajaras e potiguaras para, definitivamente,

instalar o domínio português sobre as terras situadas na parte norte da colônia

brasileira – e, uma vez abarcando para si o controle territorial das terras do

norte, as autoridades decidiram expandir o domínio da Coroa Portuguesa para

o que hoje é o Estado do Rio Grande do Norte.

Com este objetivo em mente (alcançado apenas em 1599), intentava

Teles Barreto estabilizar o controle total do território brasileiro desde o Rio de

Janeiro até as terras recém conquistadas. A partir deste momento, as

capitanias reais se tornavam, pois, uma faixa litorânea compacta e quase

intransponível a ataques, internacionais ou indígenas (uma vez que muitas

tribos já se encontravam dizimadas, outras catequizadas, outras escravizadas

e os que ousavam resistir encontravam-se dispostos totalmente na defensiva).

À medida que se expandia o território colonial português, a população indígena original, que segundo Ribeiro (1996), só no litoral estava estimada em torno de um milhão de habitantes, sofria um processo de extermínio, enquanto diferentes grupos étnicos se estabeleciam. Isso levou a um aumento da população brasileira, que chegou a contar com aproximadamente quatro milhões de habitantes no ano de 1822, época da independência (KOSHIBA, 1997).

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Aliás, cumpre salientar que o controle territorial (e compacto) do solo

brasileiro era um fato de extrema importância para a Coroa portuguesa, porque

ela, no Brasil, ao contrário do que fazia a Coroa espanhola em outros países do

dito “Novo Mundo”, não teve a sorte de encontrar (desde o início da

colonização brasileira) uma colônia abastecida com minas de metais preciosos.

Ou seja: ou a Coroa portuguesa optava por uma colonização de base

agrícola (e, para isso, precisaria obter para si não só o domínio seguro do solo

brasileiro, como também uma grande quantidade de mão-de-obra subserviente

e não-hostil, os índios), ou teria “em suas mãos” um enorme punhado de terra

que pouco produzia e que, desta forma, com quase nada contribuiria para a

acumulação do capital na metrópole portuguesa.

Com isso, sob a ótica do pensamento econômico lusitano, fato é que

agiu Portugal como dele se esperava que agisse: propiciando a uma colônia de

dimensões continentais o controle territorial compacto e uma maior segurança

a fim de atrair investidores portugueses para a exploração agrícola do solo

brasileiro, bem como a fim de incentivar o próprio aumento do investimento na

exploração agrícola brasileira pelos portugueses que aqui já se encontravam.

E agindo desta forma a Coroa garantia (também), aos nobres e à alta

burguesia da corte portuguesa, o acúmulo de bens e riquezas, mantendo (em

pé) o, à época, robusto Império Ultramarino português.

Constata-se, assim, que a relação comercial existente entre o Brasil

colônia e a metrópole portuguesa sempre foi regulamentada pela lógica do

capitalismo mercantilista. Tanto que, notadamente, a mais importante das

medidas adotadas por aquela Coroa foi o exclusivismo metropolitano – pelo

qual a colônia brasileira se obrigava a realizar suas transações comerciais

somente com Portugal (um exclusivismo mercadológico que se traduzia como a

própria expressão da época colonial).

Privado, assim, da liberdade comercial, os senhores do engenho eram forçados a vender a sua produção açucareira aos comerciantes portugueses e a comprar deles, com exclusividade, as suas manufaturas. A principal consequência disso foi que a burguesia metropolitana tinha condições de impor tanto o preço de

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compra do açúcar, quanto o de venda de seus produtos manufaturados. Desse modo, ocorria uma dupla exploração colonial: a burguesia metropolitana comprava o açúcar a preço abaixo do mercado e vendia os seus produtos a preço acima do mercado. Por fim, esse mesmo açúcar era revendido tanto em Portugal quanto na Europa a preço de mercado, elevando ainda mais o lucro dos comerciantes portugueses. (NOVAIS, 1974)

Em 1624, após 44 (quarenta e quatro anos) da tomada da Coroa

portuguesa pelo rei espanhol Filipe II (um monarca absolutista e

fervorosamente católico), houve a primeira tentativa de conquista, pelos

holandeses (inimigos declarados da União Ibérica), da capital da colônia

brasileira, a cidade de Salvador. Essa primeira tentativa, apesar de ter sido

fortemente combatida pelos próprios colonos brasileiros (mobilizados pelo

bispo Dom Marcos Teixeira através do apelo religioso de defesa dos preceitos

católicos contra os malefícios do calvinismo protestante) e apesar de ter durado

apenas 01 (um) ano, foi o indício de que novas investidas holandesas

aconteceriam.

E, de fato, aconteceram!

No ano de 1630, uma segunda tentativa de conquista de parte do

território brasileiro – esta bem sucedida – foi realizada pelos holandeses, desta

vez nas cidades de Pernambuco e Olinda.

Após a conquista de Pernambuco e Olinda, os holandeses (contando

com a ajuda de Domingos Fernandes Calabar, um profundo conhecedor da

região pernambucana) expandiram o seu domínio territorial no nordeste

brasileiro, conquistando o Rio Grande do Norte e a Paraíba, em 1635; por volta

de 1641, expandiram o seu domínio até o Maranhão (época na qual, das 14

capitanias reais, 07 estavam sob o domínio holandês).

Com o intuito de organizar o domínio holandês em território nacional,

João Maurício de Nassau-Siegen foi enviado a Pernambuco em 1637 e lá foi

nomeado governador-geral da Nova Holanda (outro dos inúmeros

empreendimentos comerciais que, à época, possuía a Companhia das Índias

Ocidentais), permanecendo no Brasil, portanto, até o ano de 1644. Neste

ínterim, a cidade de Recife foi completamente remodelada; artistas, cientistas,

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escritores e teólogos foram trazidos pelos holandeses para registrar a fauna e a

flora local ou para identificar as origens e os motivos das doenças tropicais.

Contudo, conforme destaca PEREIRA (1997), por mais que Nassau

tenha se esforçado em cativar os colonos brasileiros, ele “não conseguiu

impedir que o domínio holandês mergulhasse em contradições insolúveis”. Isto

porque, além da própria Companhia das Índias Ocidentais que, à época,

encontrava-se extremamente deficitária (por conta dos altos custos de

manutenção da Nova Holanda), o sistema de colonização holandesa no

território brasileiro foi se tornando, cada vez mais, polarizado entre a zona rural

e a zona urbana. Ou seja: a relação interpessoal entre holandeses e luso-

brasileiros que, desde o início do processo de colonização holandesa, já não

era a das mais amistosas, com o passar do tempo (e com o gradual e

constante processo de endividamento dos produtores luso-brasileiros de

açúcar) foi se intensificando, a ponto de se tornarem bastante ruidosas e

conflituosas.

Aliás, não só a crescente tensão social (em solo pátrio) entre

holandeses e luso-brasileiros, como a própria ascensão de Dom João IV ao

trono português (fato histórico que pôs fim à União Ibérica e deu início à

Dinastia de Bragança) fizeram com que Portugal – que retomara o controle

territorial de 07 (sete) capitanias reais no Brasil, em 1640, propusesse à

Holanda um período de trégua de 10 (dez) anos.

Uma vez aceita a trégua proposta por D. João IV, a capital holandesa,

primeiramente, passou a reduzir os seus efetivos militares em solo nacional

(medida tomada para conter os gastos militares holandeses com a Nova

Holanda). Posteriormente, já em 1644, visando também reduzir os seus gastos

administrativos, a capital holandesa decidiu substituir Nassau por um Conselho

Supremo (composto por três membros) que, ao contrário de seu antecessor, se

notabilizou por praticar uma administração extremamente severa e punitiva

“particularmente em relação às dívidas dos senhores de engenho luso-

brasileiros e aos prazos para saldá-las” (GUEDES & RIBEIRO, 1964).

Por conta da postura austera do Conselho Supremo, as propriedades

dos produtores luso-brasileiros começaram a ser, de uma hora para outra,

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confiscadas para sanarem suas dívidas com a metrópole holandesa; ao mesmo

tempo, a tolerância religiosa (que antes era apregoada por Nassau) não mais

se observava em solo nacional.

Tais atitudes extremistas desencadearam a Insurreição Pernambucana

que, iniciada em 1645, se estendeu até 1654, ano em que os portugueses

retomaram (para si) o domínio territorial de todo o solo nacional. Com o Brasil

em mãos, a Coroa lusitana recuperava (enfim) a exclusividade territorial de sua

possessão mais valiosa.

Contudo, apesar de novamente contar com o monopólio da produção

açucareira de todo o território nacional, a Coroa portuguesa via a única e mais

valiosa especiaria brasileira perder sua força econômica no mercado

consumidor internacional, ao passo que as Antilhas holandesas se tornavam o

maior produtor e exportador açucareiro do mundo. “Bastante debilitado, não

restou a Portugal outra saída que não a de aplicar com toda rigidez a política

mercantilista, objetivando uma eficaz exploração comercial” (idem): iniciou-se,

então, o “círculo de ferro da opressão colonial” portuguesa (PRADO JR., 1967).

Desta forma, “a nova política colonial portuguesa começou a caminhar

no sentido da maior restrição” (KOSHIBA, 1997) – sendo que: a) no ano de

1661, foi proibido o comércio da colônia brasileira com navios estrangeiros; b)

inspiradas no modelo holandês, foram criadas a partir da década de 1670,

companhias de comércio portuguesas em solo nacional; c) no ano de 1684, foi

proibido que navios brasileiros aportassem em solo estrangeiro (solos

diferentes do solo da Coroa portuguesa).

Não fosse isso o bastante, o “círculo de ferro da opressão colonial

portuguesa” fez com que se reinstalasse, na colônia brasileira, o sistema de

exclusivismo metropolitano já praticado por Portugal (em solo nacional) ao final

do século XVI – modelo comercial pelo qual Portugal, através das supracitadas

Companhias portuguesas (que eram as únicas agentes oficiais reguladoras do

mercado, da oferta e da procura), voltava a impor (à colônia brasileira) preços

altos na venda de produtos portugueses e preços baixos na compra dos

produtos coloniais.

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Aliás, esta foi uma das duas alternativas econômicas encontradas por

Portugal para compensar a crise pela qual passava a monocultura açucareira

brasileira (que, como o acima exposto, se via suplantada, no preço e nas

técnicas, pelo açúcar produzido nas Antilhas holandesas): uma crise que, cada

vez, se agravava mais.

Outra (das duas alternativas) era o incentivo português à descoberta de

metais preciosos em solo nacional – algo que, para muitos lusitanos, era tido e

visto como um tiro no escuro, já que conforme dizia o próprio padre Manuel da

Nóbrega em carta a Tomé de Sousa redigida no meado do século XVII sobre a

colonização brasileira, a intenção de D. João III de colonizar o Brasil não era a

de povoar “por esperar da terra nem ouro nem prata que não os tem”

(KOSHIBA, 1997, p. 29).

Assim, correndo riscos e indo na direção contrária ao entendimento de

muitos nobres da metrópole, a Coroa passou a estimular a descoberta de

metais preciosos, através do apoio aos colonos brasileiros (principalmente, os

paulistas, que conheciam bem o sertão) para que se abrisse caminho rumo ao

Brasil central.

Em 1698, após a primeira expedição comandada por Fernão Dias Pais,

o bandeirante Antônio Dias de Oliveira foi responsável pela primeira grande

descoberta de uma mina de ouro em solo brasileiro (no local onde hoje se situa

a cidade mineira de Ouro Preto). A notícia que se espalhou pela colônia como

um vírus, obviamente, chegou a Portugal (através das correspondências dos

governadores-reais) e logo recebeu o status de salvadora da grave crise

econômica pela qual se encontrava o país.

A situação em si era tão grave e preocupante que relatos do jesuíta

português Antonil davam conta de que tanto os mineiros, como os que iam

para a região das minas em busca do eldorado tropical, acabavam morrendo à

míngua, sem terem qualquer outro tipo de sustento, com uma espiga de milho

na mão e nada na outra para se alimentar.

Além disso, a enorme migração em um curtíssimo espaço de tempo, fez

com que surgissem, nas regiões das minas, graves tensões sociais entre os

colonos desbravadores (paulistas: mamelucos e índios) e os forasteiros luso-

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brasileiros (chamados de emboabas) – que controlavam o comércio de

abastecimento das minas e, por isso, auferiam (para si) enormes lucros numa

região que, em 1698, era completamente inóspita, desabitada e, por isso,

carente de qualquer tipo de comércio.

O resultado destas tensões foi a Guerra dos Emboabas, que expulsou

os paulistas das regiões das minas (dizimando inúmeros índios) e solidificou o

poder dos luso-brasileiros no incerto paraíso do ouro de aluvião.

Tal circunstância ajudou a corroborar algo que já era visto como um

reflexo econômico-social da descoberta da região das minas para a colônia

brasileira: a ampliação do número de lavouras; o aumento da importação de

mão-de-obra escrava; o deslocamento do eixo do poder econômico do

nordeste brasileiro para o sudeste brasileiro; a migração de paulistas para a

região sul do país onde criavam animais de carga e de transporte; o aumento

da importação de gado da região platina (composta pelo que hoje se denomina

de Uruguai, Argentina e Rio Grande do Sul); a expansão da pecuária baiana,

através do rio São Francisco, em direção à região das minas.

Além disso, o Caminho Novo, estrada que já em 1707 ligava a cidade do

Rio à região das minas, passou a se traduzir como o trajeto mais curto entre as

lavouras de mineração e a costa litorânea brasileira, fato que o transformou na

principal rota do escoamento do ouro e que transformou a cidade fluminense

na principal fornecedora de bens e produtos para os povos mineiros – algo que,

economicamente, era muito relevante àquela época, uma vez que o modelo de

mineração luso-brasileira do final do século XVII e início do século XVIII

dependia completamente do abastecimento externo de alimentos, gado,

animais de carga e de transporte, escravos, roupas e objetos artesanais.

Aliás, também pode ser atribuída à mineração a incorporação do que

hoje se conhece como o estado do Rio Grande do Sul ao território da Coroa

portuguesa (tal incorporação ocorreu por motivos econômicos – em virtude da

necessidade constante e crescente da região das minas de contar com um

rebanho, cada vez maior, de gado muar – e político – já que a pequena

“produção” de gado muar da Argentina e do Uruguai abastecia, quase em sua

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totalidade, as minas peruanas, claras concorrentes do processo de mineração

luso-brasileiro).

Percebe-se, pois, que a mineração luso-brasileira se tornou a principal

responsável pela articulação e pela evolução político-econômica da colônia

brasileira no final do século XVII e início do século XVIII, contribuindo (também)

para a formação de um mercado de consumo interno completamente articulado.

Neste contexto, a Coroa portuguesa (que se encontrava em crise

econômica) continuava mantendo o exclusivismo metropolitano, procurando

(obviamente) extrair o máximo de recursos financeiros possível de sua colônia,

seja através da cobrança de taxas de pedágio para a passagem do ouro luso-

brasileiro pelos rios e pelas estradas nacionais, seja através da cobrança de

impostos: a) sobre o ouro, nas alfândegas portuguesas e nas alfândegas

brasileiras; b) sobre a comercialização de escravos; c) sobre as lojas

vendedoras de ouro; d) sobre as vendas de ouro.

Aliás, além destas práticas tributárias extremamente severas, Portugal

que precisava do ouro extraído no Brasil para soerguer a economia da

metrópole, adotava, também, medidas que visavam evitar a sonegação de

impostos e o contrabando (interno e externo) do ouro, bem como que

incentivavam a urbanização das regiões mineradoras brasileiras

(principalmente, nos arraias de Vila Rica de Ouro Preto – hoje conhecida como

a cidade de Ouro Preto –; de Sabará e de Ribeirão do Carmo – hoje conhecida

como a cidade de Mariana – que, rapidamente, se tornaram grandes centros

urbanos).

Mas os avanços políticos, econômicos, urbanísticos e territoriais também

vieram acompanhados de graves problemas sociais.

Além da situação de fome e miséria relatada pelo jesuíta Antonil (vista

acima), fato é que o aumento do número de lavouras fez com que se

aumentasse a demanda de mão-de-obra escrava na região das minas e, por

conseguinte, com que se aumentasse (consideravelmente) e se intensificasse

a importação de escravos africanos. “A intensificação do tráfico teve efeitos

internos importantes. Na Bahia e em Pernambuco ocorreu a expansão da

cultura do tabaco” (KOSHIBA, 1997) – já que o fumo, à época, era utilizado

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como a mais tradicional moeda de compra de escravos – e no Rio de Janeiro,

ocorreu a expansão da cultura da aguardente (principalmente, na cidade de

Parati) – uma vez que os mercadores de escravos da cidade fluminense se

utilizavam da aguardente e até do ouro como moeda para a compra de mão-

de-obra escrava africana.

(...) Tal como nos centros açucareiros, a desigualdade foi reproduzida com a mesma intensidade e a pobreza contrastava com a opulência de uma minoria. Ao contrário do que se acreditava, a mineração não foi mais democrática. E mais: as grandes fortunas não tiveram origem na atividade mineradora, mas no comércio (KOSHIBA, 1997).

Por outro lado (mas não menos grave), os colonos brasileiros

começaram a sofrer com os perniciosos efeitos da cultura do contrabando e do

suborno que se alastrava pelo país: autoridades coloniais portuguesas

auxiliavam no contrabando (ou, ao menos, eram cúmplices desta atividade)

direto de produtos ingleses para o Brasil, ao mesmo tempo em que claramente

não se opunham à entrada ilegal de produtos holandeses e franceses em

nosso país (que ocorria por intermédio dos navios negreiros vindos da África);

além disso, aceitavam subornos dos exploradores das regiões das minas para

fazer “vista grossa” à quantidade de impostos e taxas recolhidos a menor em

benefício da Coroa portuguesa.

Tentando combater tal quadro e tentando salvar a atividade mineradora

brasileira do processo de declínio em que se encontrava, o rei português Dom

José I nomeou (em 1750) como seu ministro Sebastião José de Carvalho, o

Marquês de Pombal, e, agindo em conformidade com as necessidades

econômicas, políticas, sociais e culturais de sua época, juntos se tornaram os

representantes do despotismo esclarecido em Portugal.

O período pombalino se caracterizou, pois, como uma tentativa real,

imposta de cima para baixo, de modernizar o reino e as suas colônias – a fim

de fortalecer o poderio da Coroa e de garantir a autonomia econômica da Corte

portuguesa: tudo isso através da transferência do máximo de riqueza possível,

do Brasil para Portugal.

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Assim (com tais objetivos em mente), enquanto em solo português,

Pombal diminuiu a influência da nobreza portuguesa e dos próprios jesuítas

sobre as escolhas políticas da Coroa a respeito da exploração mercantilista de

suas colônias, em solo brasileiro, Pombal reorganizou a administração colonial;

em 1759, expulsou os jesuítas de todas as colônias portuguesas (inclusive, do

Brasil); em 1763, transferiu a capital da colônia brasileira para a cidade do Rio

de Janeiro (como uma tentativa de reestimular a atividade mineradora e, ao

mesmo tempo, fazer com que a estrutura de controle da administração colonial

estivesse mais próxima à região das minas), extinguiu o regime de capitania

real e intensificou o exclusivismo metropolitano (através da criação de um

sistema conjugado de captação dos tributos advindos da exploração do ouro

brasileiro).

A opressão colonial, que já havia se intensificado consideravelmente

com a chegada de Pombal ao poder, se tornou ainda mais avassaladora com a

criação do Distrito Diamantino e com a instalação (a partir do ano de 1771) da

Real Extração naquele Distrito – fato que fez com que a Coroa portuguesa

passasse a ter o monopólio (a exclusividade) da extração de diamantes no

Brasil.

E tais políticas se mantiveram as mesmas desde 1750 até o final da

década de 1770, quando a mineração brasileira passou a apresentar um

quadro de acentuadíssimo declínio até a sua derrocada ao término do século

XVIII – a qual, obviamente, gerou reflexos sociais, econômicos, políticos e

fiscais, tanto para a colônia, quanto para a metrópole.

Sem maiores alternativas para resolver toda a crise por que passava, a

metrópole resolveu, então, novamente fazer o que já havia feito em meados do

século XVI: incentivar a produção agrícola pelos colonos brasileiros. Neste

contexto, a agricultura de exportação voltava a ocupar posição de destaque no

cenário econômico colonial (tanto que esta etapa da colonização é chamada

pelo professor Caio Prado Jr. de “renascimento da agricultura”).

Aliás, cumpre salientar que a metrópole portuguesa tomava esta decisão

(de incentivar a produção agrícola brasileira) em virtude do próprio cenário

econômico europeu do começo do século XIX: um cenário marcado pela

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existência de um mercado de consumo em constante expansão, mas (ainda)

extremamente carente do abastecimento de produtos agrícolas primários – e

isto se deu muito em função da Revolução Industrial (que alterou a ordem

social inglesa, trazendo para a cidade o homem do campo e o transformando

na mão-de-obra barata dos grandes centros industriais) e da Revolução

Francesa de 1789 (que derrubou o regime monárquico absolutista francês e

solidificou o consumo e o poderio econômico da burguesia francesa).

Assim, percebe-se que tanto a Revolução Industrial, como a Revolução

Francesa, além de terem influenciado a alteração econômico-social do

continente europeu do início do século XIX, ainda ajudaram a promover,

naquela mesma época, a mudança de todo o panorama político mundial – o

que também fez com que a Europa (como um todo) necessitasse,

constantemente, de produtos agrícolas que pudessem, ao mesmo tempo,

alimentar um continente em constante crescimento populacional e abastecer os

exércitos envolvidos nas guerras napoleônicas.

Neste sentido, pode-se afirmar que, com a decadência da mineração, a

partir do ano de 1781, se estimulou a produção algodoeira visando suprir as

necessidades dos ingleses que, além de não mais poderem contar com o

fornecimento de algodão pelas colônias situadas ao sul do que hoje se

conhece como Estados Unidos da América, viam a Índia não conseguir suprir

satisfatoriamente a crescente demanda das indústrias britânicas (que, a cada

vez mais, precisava do algodão).

Por outro lado, a produção açucareira brasileira, até então deixada de

lado por conta da mineração, retomou o seu ritmo acelerado de produção,

expandindo-se a partir do início da Revolução Francesa (época na qual os

burgueses franceses estimularam as rebeliões coloniais das Antilhas francesas

e, deste modo, acabaram por desorganizar toda a produção açucareira

antilhana – fato que beneficiou, em muito, o fortalecimento do açúcar brasileiro

no mercado de consumo internacional).

Ademais, o plantio de arroz começou a ser desenvolvido no estado do

Maranhão e no estado do Rio de Janeiro (em local onde hoje se encontra a

cidade de Cabo Frio); o charque começou a ser produzido nas colônias do sul

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do Brasil e as “drogas do sertão” começaram a ser exploradas na região

amazônica.

Ou seja: a produção agrícola que, até o início da mineração se baseava

em um sistema de monocultura açucareira, ao final da atividade mineradora,

ressurgiu com grande força em nosso país e influenciada pela conjuntura

política, social e econômica internacional, acabou por se transformar em uma

atividade agropecuária que contava com uma produção diversificada de

produtos agrícolas.

Todavia, fato é que nem mesmo as mais opressoras de todas as

inúmeras políticas pombalinas conseguiram ter o poder de evitar que a luta

contra a metrópole passasse a tomar força, corpo e voz.

Dentro deste contexto (que envolvia, ao mesmo tempo, a decadência da

mineração brasileira e a manutenção da opressiva política fiscal portuguesa),

surgiu no ano de 1789 a Inconfidência Mineira: a primeira revolução

emancipacionista ocorrida em solo colonial.

Os inconfidentes (grupo heterogêneo, mas que, em sua maioria, era

composto pelos membros da elite mineira) objetivavam, pois, dentre outras

coisas: a) o estabelecimento da capital da nova república mineira em São João

Del Rei; b) a abolição das restrições legislativas que pesavam sobre o antigo

Distrito Diamantino; c) a fundação da Universidade de Vila Rica; d) a criação de

parlamentos locais e de um parlamento centralizado; e) o perdão das dívidas

(relativas à derrama) a todos os cidadãos da nova república; f) a criação de

uma casa da moeda e uma nova regulamentação cambial.

A primeira revolução emancipacionista ocorrida em solo colonial durou,

aproximadamente, 04 (quatro) anos e foi marcada por traições, prisões,

confiscos e pela cruel execução de Joaquim José da Silva Xavier, sabidamente

o mais humilde (em termos sociais) dos Inconfidentes – notável cidadão

brasileiro cuja sua honra e dignidade, a Coroa portuguesa, fez de tudo para

macular:

Portanto, condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas Gerais a que, com baraço e pregação, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela

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morra morte natural para sempre e que, depois de morto, lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde, em o lugar mais público dela, será pregada em poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregado em postes, pelo caminho de Minas, no sítio das Varginha e Cebolas, aonde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações, até que o tempo os consuma; declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu.

Já no ano de 1798 (poucos anos após o término da Inconfidência

Mineira), a metrópole portuguesa sofre com outra tentativa de insurreição

colonial, agora na cidade baiana de Salvador.

A Conjuração Baiana se apresentava, pois, também se declarando como

um movimento emancipacionista (contrário à manutenção do imperialismo

português) e também se opondo à intensa opressão fiscal portuguesa. Mas isto

não era tudo! Por combater (de forma veemente) a escravidão e o tráfico de

negros africanos, fato é que tal Conjuração passou a ser vista pela própria

população local como uma revolução social.

Mulatos, escravos, forros, soldados, artesãos, alfaiates, negros, brancos

– em sua maioria, igualmente pobres – faziam parte dos que ousavam se

contrapor ao modelo de Estado até então vigente. E, assim como na

Inconfidência Mineira, os poucos membros da elite baiana que participaram da

Conjuração nada sofreram, ao contrário dos réus das camadas mais populares.

Contudo, mesmo diante deste quadro de condenações distintas

(determinadas pelo poderio sócio-econômico dos réus), pode-se afirmar que a

Conjuração Baiana serviu (sim) para que a camada mais pobre da população

começasse a ter ciência da enorme exploração colonial por que passava, uma

vez que, até hoje, inúmeros historiadores ainda atribuem a tal movimento o

título de “mais popular das revoluções brasileiras”.

Com a ascensão de Napoleão ao poder e o decreto do bloqueio

continental pelo governo francês (em 1806), todo o continente europeu foi (à

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época) fechado ao comércio com a Inglaterra a fim de se criar ao país-sede da

Primeira Revolução Industrial toda gama de dificuldades econômico-financeiras

que pudessem desorganizar o sistema econômico, político e social inglês.

E como a economia portuguesa da época encontrava-se fortemente

atrelada à manutenção das relações comerciais com a Inglaterra, Portugal,

inicialmente, relutou muito em cumprir as determinações do governo francês –

fato que fez com que Napoleão ordenasse a invasão imediata do solo

português pelas tropas do temido exército francês.

Sabendo não ter a mínima possibilidade de resistir a tal invasão,

Portugal se viu, pois, diante de uma situação inusitada e, certamente, de difícil

solução. Afinal, deveria Portugal ficar e se subordinar integralmente ao governo

francês cortando toda e qualquer relação comercial com a Inglaterra – decisão

que, por óbvio, abalaria o sistema econômico, financeiro, social e político

português? Deveria Portugal ficar e resistir à invasão francesa, mesmo ciente

de que não possuía um exército preparado e mesmo ciente de que era um

pequeno país cujas suas diminutas proporções acabavam por facilitar a própria

invasão militar francesa? Ou deveria a Corte portuguesa migrar para o Brasil,

respeitando as relações comerciais que o país há muito tinha com a Inglaterra

e, assim, mantendo todo o sistema político, econômico, financeiro e social à

época vigente em Portugal?

“Sem chances de resistir ao ataque, a família real transferiu-se para o

Brasil em 1808, sob proteção inglesa. Começou então, no Brasil, o processo

que iria desembocar, finalmente, na sua emancipação política” (KOSHIBA,

1997).

E, em aqui chegando, D. João VI decretou a abertura dos portos

brasileiros a todas as nações amigas da Corte portuguesa (pondo fim,

obviamente, ao exclusivo metropolitano que restringia as relações comerciais

da colônia brasileira – antiga reivindicação dos grandes proprietários

escravistas brasileiros) – circunstância que acabou por alterar os próprios

padrões de consumo brasileiros.

Contudo, ao mesmo tempo em que uma enormidade de produtos

ingleses (uns úteis outros não, como vimos acima) adentravam em solo

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brasileiro, fato é que as exportações de produtos brasileiros para as nações

amigas (principalmente, para a Inglaterra) não cresciam na mesma proporção,

o que gerou, de imediato, um enorme déficit em nossa balança comercial.

A Corte, então, que havia se transferido para a colônia brasileira visando

preservar todo o seu sistema político, econômico, financeiro e social, acabou

repetindo (agora em solo brasileiro) a postura que já adotava de longe: a de

ignorar os interesses brasileiros em detrimento da manutenção da nobreza (até

certo ponto) parasitária portuguesa.

Aliás, fato é que não foi só esta circunstância que foi mantida pela Corte

portuguesa quando em nosso solo nacional.

Como forma de combater os enormes gastos gerados pelas

multiplicações das repartições públicas da Corte portuguesa na colônia

brasileira, bem como forma de preservar o luxuoso padrão de vida da nobreza

portuguesa, a opressão fiscal (antigo instrumento de política fiscal português)

foi mantida por D. João VI quando de sua chegada ao Brasil. Desta forma,

tributos já existentes foram fortemente aumentados e outros foram criados.

Além disso, o Banco do Brasil foi concebido e constituído para, emitindo papel-

moeda, conseguir cobrir (ou, ao menos, reduzir) os volumosos déficits

financeiros gerados pelo Estado.

Nada disso eliminou o déficit. E como os impostos, apesar de elevados, não cobriam os gastos, os funcionários viviam com os salários atrasados, às vezes, até um ano. Isso estimulou a prática da corrupção generalizada entre os funcionários públicos, que cobravam dos interessados uma certa quantia para trocar os despachos, processos e concessões. Mas não eram apenas os pequenos. Os altos funcionários, não raro, estavam associados a contrabandistas, favorecendo operações ilícitas (KOSHIBA, 1997).

Contra a opressão fiscal e o colonialismo, uma vez mais, agora em 1817,

eclodiu a Revolução Pernambucana de 1817 – uma revolução de caráter

eminentemente anticolonial e separatista cuja principal característica era a de

ser o primeiro movimento revolucionário brasileiro que conseguiu reunir, em

uma só causa, os grandes (em poderio, não em quantidade) senhores rurais

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escravistas e toda a enorme massa (em quantidade, não em poderio) de

homens livres (mas não proprietários).

Assim, enquanto os senhores rurais aspiravam tomar o poder para si (ou

seja: enxergavam a Revolução sob um olhar político-econômico), a grande

massa de homens livres (e não proprietários) lutava por sua própria

sobrevivência, já que tanto a opressão fiscal, como o colonialismo em si, eram

fatores que ajudavam a encarecer os gêneros alimentícios de primeira

necessidade, dos quais os homens livres precisavam para sobreviver. Desta

forma, percebe-se que, ao menos para os homens livres, a Revolução

Pernambucana de 1817 tinha um caráter político-econômico, mas, acima de

tudo, tinha um notável e marcante viés social – se constituindo em uma luta

pela igualdade.

Os ideais desta revolução pernambucana espalharam-se pelas demais

regiões do país e a própria Revolução acabou por expandir-se para a Paraíba,

para o Rio Grande do Norte, para o Ceará e para a Bahia, até ser totalmente

controlada e definitivamente extinta em 19 de maio de 1817 pelas tropas do

exército português.

Pressionada por brasileiros e portugueses, (sem qualquer alternativa

possível diante do contexto histórico da época – fim do regime napoleônico e

ascensão inglesa ao posto de potência mundial) a Corte portuguesa retornou

ao solo português em 07 de março de 1821, deixando claro, porém, que seu

objetivo em relação à colônia brasileira era de recolonizá-la. Ou seja: partia D.

João VI para Portugal levando consigo a vontade de revigorar o antigo

exclusivo metropolitano, o fim da abertura dos portos e a volta de um modelo

mais essencialmente colonial.

Tal fator, aliás, contribuiu (em muito) para que o próprio cenário político

da colônia brasileira permanecesse indefinido por quase todo o ano de 1821 –

apenas se alterando a partir da publicação dos decretos (vindos da metrópole)

de 09 de dezembro daquele mesmo ano.

Isto porque, os decretos supracitados (que ordenavam a abolição da

regência, o imediato retorno a Portugal de D. Pedro I, a obediência do Brasil a

Portugal e a extinção dos tribunais do Rio de Janeiro) tiveram o “poder” de

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gerar uma enorme onda de inquietação que abarcou toda a sociedade colonial

brasileira – desde os grandes proprietários rurais (que não desejavam o fim do

livre comércio decretado por D. João VI), passando pelos funcionários públicos

da colônia brasileira (que temiam perder os seus empregos com o fim das

repartições em que trabalhavam), pelas elites brasileiras (que ambicionavam a

tomada do poder), até chegar à população em si (que não pretendia mais ser

alvo dos mandos e desmandos portugueses, nem suportava a elevadíssima

carga tributária fixada pela Corte portuguesa).

A aristocracia rural do sudeste, de longe a mais poderosa, era conservadora e lutava pela independência defendendo ao mesmo tempo a unidade territorial, a escravidão e seus privilégios de classe.

Os liberais radicais queriam não apenas a independência, mas também a democratização da sociedade brasileira. Porém, seus principais líderes, Joaquim Gonçalves Ledo (funcionário público) e José Clemente Pereira (juiz e presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro), permaneceram atrelados à aristocracia rural e não revelaram nenhuma vocação genuinamente revolucionária.

Quanto à aristocracia rural do norte e do nordeste, enfrentava a forte resistência dos comerciantes e militares portugueses, que eram particularmente fortes no Pará, Maranhão e Bahia (KOSHIBA, 1997).

Junto com o “diga ao povo que fico” (oficialmente pronunciado em 08 de

janeiro de 1822), a cisão entre D. Pedro e a metrópole portuguesa aprofundou-

se ainda mais quando o então regente determinou que qualquer determinação

das Cortes de Lisboa só poderia ser executada em solo brasileiro se autorizada

por D. Pedro. O “Cumpra-se”, pois, além de extremar a já conturbada relação

Brasil-Portugal, serviu, na prática, para conferir uma quase plena soberania à

colônia brasileira (já que D. Pedro, então regente, parecia se alinhar ao

movimento anti-recolonização).

Em 07 de setembro de 1822, impelido pelas circunstâncias econômicas,

políticas, sociais e financeiras, D. Pedro decretou a independência brasileira e

o completo fim do exclusivo metropolitano português (que volta e meia

ameaçava retornar).

Contudo, como observam os professores:

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A transferência da Corte portuguesa para o Brasil conferiu à nossa independência política uma característica singular. Enquanto a América espanhola obteve a independência por meio de lutas mais ou menos sangrentas, a presença da Corte no Brasil favoreceu a ruptura colonial sem grandes convulsões sociais e, também, preservando a unidade territorial (RAMOS, 2013).

A emancipação política do Brasil não trouxe nenhuma alteração na secular estrutura social. A enorme população de escravos e de homens livres não proprietários, dispersa pelo Brasil e distante dos principais centros, permaneceu absolutamente indiferente à independência (...), nos centros urbanos, em especial no Rio de Janeiro, a massa popular aderiu, em várias ocasiões, aos impulsos revolucionários, mas foi prontamente esmagada por José Bonifácio (KOSHIBA, 1997).

Feita tal observação, torna-se imperioso destacar que o conjunto de

todas estas circunstâncias (sociais, históricas, políticas, econômicas,

comerciais, financeiras) aliado ao caráter absolutista de D. Pedro e ao desejo

conservador da aristocracia rural (financiada pelos desejos do capitalismo

inglês) é que faz com que o professor Caio Prado Jr. afirme que a

independência do Brasil nada mais foi do que um “arranjo político”.

Isto porque, para aquele professor, embora na independência brasileira

várias camadas sociais tenham disputado entre si a tomada do poder (tentando

conferir ao movimento libertador a direção que melhor se alinhasse a

consecução de seus interesses), verdade é que nenhuma delas trouxe consigo

(nem sequer acampou) os anseios e clamores do povo.

Pelo contrário!

Todas tentaram afastar qualquer aspecto minimamente revolucionário

que pudesse interferir no seu desejo de independência – tanto que a própria

aristocracia rural (vinculada aos grandes proprietários escravistas), elite

vencedora no processo emancipacionista de 07 de setembro de 1822, utilizou-

se do partido brasileiro para reprimir ideais revolucionários e conferir à busca

pela independência um caráter pacifista que deveria ser seguido pelo povo:

reagir contra a metrópole sim; se rebelar jamais. O mesmo partido brasileiro,

pois, que defendia a emancipação (e, por isso, arregimentava a reação) se

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demonstrava completamente contrário à eclosão de uma revolução (PRADO

JR., 1693).

Tal prática (aliás) que, infelizmente, continua a ser vastamente utilizada

ainda nos dias de hoje, foi, em 1822, empregada para (verdadeiramente) retirar

do povo o direito de lutar contra uma gama de situações extremamente

desfavoráveis a sua própria vida em território nacional.

Percebe-se, então, que embora passados mais de 190 (cento e noventa

anos) do fim da existência do Brasil enquanto colônia brasileira, o passado de

nosso país continua a interferir claramente nos paradigmas de nosso presente

e, quiçá, nos trajetos de nosso futuro.

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CAPÍTULO II

O QUE SERIA O PENSAMENTO PEDAGÓGICO?

“(...) a escola não é uma instituição meramente transmissora de conhecimentos, mas um espaço em que se trabalham os

saberes, os afetos, os valores, as normas, os modelos culturais e os direitos. É também na escola que se constroem modelos de

sociedade” (Benedito Rodrigues dos Santos)

Uma vez entendido como o Brasil se constituía política, econômica e

socialmente durante o seu período colonial (ou seja: entre 1530 e 1822), para

que este trabalho possa elucidar como se dava o pensamento pedagógico do

Brasil colonial, faz-se necessário apontar, inicialmente, o que de fato seria o

pensamento pedagógico.

Afinal, como compreender a pequena parte de um grande todo (o

pensamento pedagógico do Brasil colonial) se fosse refutada ou afastada deste

trabalho a própria conceituação daquele mesmo grande todo (o conceito amplo

de pensamento pedagógico)?

O resultado, a nosso ver, nada mais seria do que uma compreensão

capenga e parcial, uma concepção de pensamento pedagógico que (inclusive)

afastaria o leitor da exata noção de que o tema central de nosso estudo é

apenas uma das variadas manifestações de pensamento pedagógico

existentes no decorrer da história.

Ou seja: entender o pensamento pedagógico do Brasil colonial sem

entender que tal pensamento é apenas uma das variadas manifestações do

pensamento pedagógico na história brasileira e mundial seria, para nós, o

mesmo que um estudante que entender perfeitamente o que seria uma

molécula, sem saber que ela também é parte integrante do complexo corpo

humano. Até por isso, o presente capítulo abordará as mais importantes formas

de pensamento pedagógico desde os primórdios de nossa civilização até o ano

de 1822 (ano de proclamação da independência do Brasil).

Dito isto, cumpre salientar, inicialmente, que destaca GADOTTI (2005)

que o pensamento pedagógico, em si, vincula-se à necessidade de se pensar a

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prática educacional, uma necessidade que é fortemente influenciada pelos

anseios de sistematização do próprio ato de educar e é também fortemente

influenciada pela orientação da educação para o atingimento de determinados

fins e objetivos (inclusive, sociais).

Até por isso, relata aquele mesmo professor que o pensamento

pedagógico, desde a sua concepção original, se afastava (e continua a se

afastar) do entendimento que envolvia o ideal de educação primitiva – uma

educação considerada espontânea, natural, não-intencional, marcada por

rituais de iniciação e de passagem, que se dava de forma difusa e

indiferenciada, que exaltava o espírito e refutava o corpo, e que se baseava na

imitação e na oralidade.

E isto se dá, porque:

No contexto dessas sociedades primitivas a educação coincidia com a própria vida, sendo, pois, uma ação espontânea, não diferenciada das outras formas de ação desenvolvidas pelo homem (...). Com efeito, a ação educativa era exercida pelo ambiente, pelo meio, pelas relações e ações vitais desenvolvidas pela comunidade com a participação direta das novas gerações, as quais, por essa forma, se educavam. Os adultos educavam, então, de forma indireta, isto é, por meio de uma vigilância discreta, protegendo e orientando as crianças pelo exemplo e, eventualmente, por palavras; em suma, supervisionando-as, já que, de acordo com Kieffer, “a supervisão deve aparecer aos olhos dos alunos como uma simples ajuda às suas fraquezas” (SAVIANI, 1999).

Assim, apresenta-se o taoísmo (para a corrente majoritária) como a

primeira doutrina pedagógica aplicada de forma a moldar a prática educacional

de sua época, embora tal doutrina ainda possuísse fortes tendências religiosas

em seu âmago e em seu âmbito de atuação (o que se comprova pelo simples

fato de que nela existiam princípios diversos que recomendavam que as

pessoas vivessem de forma tranqüila, sossegada e sem maiores distúrbios ou

perturbações).

Posteriormente, já na épica sociedade grega, o pensamento pedagógico

que direcionava o modelo de educação daquele país exigia que o ensino

estimulasse a competição e as virtudes guerreiras em seus alunos. Isto porque

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somente tal estudo seria capaz de garantir, segundo aquela própria sociedade

grega, a superioridade de seus cidadãos sobre todos os escravos, bem como a

superioridade do Estado grego sobre todas as nações por ele conquistadas.

A educação grega se apresentava, portanto, como uma educação de

caráter extremamente classicista (estratificada) já que, para os gregos daquela

época, o ideal de homem extremamente bem-educado representava o homem

capaz de mandar e de se fazer obedecer. Desta forma (e até por isso), fato é

que poucos eram os homens educados, já que poucos deveriam ser ensinados

a governar. A Paidéia era, pois, um modelo educacional de eficiência

estritamente individual em que “ao pedagogo, que supervisionava a educação

(� reco� a) das crianças da classe dominante correspondia o capataz que supervisionava a educação (duléia) dos trabalhadores, isto é, dos escravos”

(SAVIANI, 1999).

O ato de ensinar da Grécia antiga era, assim, dividido em escolas

primárias (onde o aluno aprendia a ler, a escrever e a contar), em estudos

secundários (que abarcavam para si a educação física, artística, além de

estudos literários e científicos) e em ensino superior (o qual se subdividia em

retórica e filosofia). Além disso, tal modelo educacional deixava de ser um ato

de caráter não-intencional (como o da educação primitiva) e passava a ser um

ato de caráter totalitário. Totalitário, porém diferenciador, já que, conforme

aponta Dermeval Saviani em seu artigo A supervisão educacional em

perspectiva histórica: da função à profissão pela mediação da idéia .

Com a fixação do homem à terra surge a propriedade privada e, com a propriedade privada, a divisão dos homens em classes. Assim é que, na Antiguidade, com o advento da propriedade privada da terra constitui-se a classe dos proprietários contrapondo-se à dos não-proprietários. Embora a essência humana se defina pelo trabalho, o que implica que o homem, enquanto espécie, não possa viver sem trabalhar, a condição de proprietários dá, a essa classe, a possibilidade de viver sem trabalhar. Sua vida, por ser humana, continua a depender do trabalho; não, porém, do próprio trabalho, mas do trabalho alheio, isto é, dos não-proprietários, predominantemente escravos, que são obrigados a assumir o encargo de manter a si próprios e também aos seus senhores. Estes passam, então, a dispor de ócio, de tempo livre.

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Se antes, no comunismo primitivo, a educação coincidia inteiramente com o processo de trabalho sendo comum a todos os membros da comunidade, com a divisão dos homens em classes a educação também resulta dividida, diferenciando-se a educação destinada à classe dominante daquela a que se tem acesso a classe dominada. E é aí que se localiza a origem da escola. A palavra “escola”, como se sabe, se deriva do grego e significa, etimologicamente, o lugar do ócio. A educação dos membros da classe que dispõe de ócio, de lazer, de tempo livre passa a se organizar na forma escolar, contrapondo-se à educação da maioria que continua a coincidir com o processo de trabalho.

Desta forma, percebe-se que o modelo educacional

totalitário/diferenciador persistiu durante toda a sociedade antiga e chegou até

ao feudalismo, tendo em vista que, também na sociedade feudal, a educação

dos proprietários de terra (os senhores feudais e seus aparentados) era

completamente diferente da destinada à maioria da população (constituída por

servos ou escravos), a qual se baseava especificamente em uma relação de

confiança pré-existente entre o mestre e seus discípulos.

Aliás, tanto assim era que aquele mesmo professor Dermeval Saviani

relata em outro texto de sua produção (intitulado A Nova Lei da Educação:

Trajetória, Limites e Perspectivas) que, assim como no artesanato (em que o

artesão realiza o trabalho por completo, desde a sua concepção até o resultado

final), o mestre, na sociedade feudal, realizava por inteiro o trabalho da

formação educacional de seus discípulos.

Outra característica marcante do pensamento pedagógico durante todo

o transcurso da idade medieval era a de que o ato de educar sempre tinha

como seu ponto de partida “a vontade revelada por Deus”. Assim, Deus e Suas

vontades passavam a nortear ou, até mesmo, a ser o centro dos estudos

realizados pela população em geral. E isto se dava porque explicações

“carregadas de religiosidade satisfaziam os homens da Idade Média cujas

estruturas ideológicas estavam dominadas pela Igreja” (AQUINO, 2009).

Contudo, apesar de ser Deus e Suas vontades o centro e o norte do

modelo educacional, fato é que, logo de início, houve a separação do que (de

fato) povo e clero poderiam aprender nas escolas medievais: a educação

popular tinha, notadamente, como seu objetivo único a catequização das

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massas para que estas aceitassem, de forma pacífica e ordeira, a ordem social

na qual se encontravam inseridas; já a educação monástica (destinada ao clero

nos conventos e monastérios) e a educação superior (destinada aos nobres e

aos funcionários do Império) tinham como foco a formação do cavaleiro ideal.

A forte re-aproximação do Estado com a Igreja católica, característica

típica da era medieval, e o próprio modelo de constituição da sociedade feudal

foram, pois, circunstâncias históricas, sociais, econômicas e políticas para que

tanto a fé cristã, quanto a estratificação social feudal fossem mantidas por

intermédio do pensamento pedagógico católico medieval. Entretanto, apesar de

ser a mais poderosa proprietária de terras de toda a Idade Média, fato é que a

Igreja Católica, com sua absurda e inimaginável riqueza, conseguiu fazer

(proporcionalmente) muito menos do que os já poucos feitos da improdutiva

nobreza da época.

Neste contexto, o desenvolvimento de novas tecnologias (as quais

possibilitaram o surgimento das grandes navegações, bem como a descoberta

do “novo mundo”), o humanismo e o período renascentista, a reforma

protestante, a Peste Negra, a Guerra dos Cem Anos, a fome, a ascensão

econômica da burguesia, o desenvolvimento do comércio, o fortalecimento da

economia monetária e das transações financeiras, começaram a se contrapor

(fortemente) a todo fé cristã apregoada pelas escolas medievais. A Igreja, por

outro lado, ao condenar veementemente a cobiça, condenava também

(sabendo ou não) a mesma mola propulsora de um comércio que começava a

se expandir e a se desenvolver em escala global

A nascente classe média sentia, assim, que havia um obstáculo no caminho de seu desenvolvimento: o ultrapassado sistema feudal. A classe média compreendia que seu progresso estava bloqueado pela Igreja Católica, que era a fortaleza de tal sistema. A Igreja defendia a ordem feudal e foi em si mesma uma parte poderosa da estrutura do feudalismo (...). Antes que a classe média pudesse apagar o feudalismo em cada país, tinha de atacar a organização central – a Igreja (HUBERMAN, 1981).

Diante deste cenário de contradições, miséria, calamidades e obstáculos,

os humanistas se propuseram, pois, a solucionar o conflito entre o sagrado e o

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profano através de uma nova apresentação das Escrituras e da introdução dos

métodos críticos, tanto nos temas religiosos, como no próprio ato educacional –

o que fez com que os humanistas afastassem-se, assim, da noção medieval de

que todos os problemas sociais eram castigos divinos que deviam ser

enfrentados, sem maiores reclamações, pela nação a fim de que esta

conseguisse dirimir os seus pecados ou se preparar para a evolução.

Dentro deste ambiente extremamente propício ao ato de pensar (que foi,

inicialmente, criado pelos humanistas), o movimento renascentista passou a

retomar e revalidar o pensamento � reco-romano que fora deixado de lado, durante quase toda a extensão da Idade Média, pela Igreja Católica. Além

disso, seguindo a orientação da época, fato é que os renascentistas

influenciaram, também, uma mudança bastante substancial em parte do

modelo educacional. Isto porque, através da adoção da concepção humanística

e renascentista, as escolas mais ligadas aos ideais humanísticos passaram,

então, a adquirir uma modelagem mais funcional em seu ato de educar,

voltando-se para o homem, para o corpo, para o raciocínio e para a valorização

do estudo das ciências.

Este pensamento pedagógico moderno que vigorou entre os séculos XVI

a XVIII (até a Primeira Revolução Industrial) caracterizava-se pela exaltação do

realismo: a pedagogia era tida como uma ciência e a própria educação deixava

de lado o seu caráter religioso para se tornar um ato essencialmente científico.

Além disso, o mundo exterior passava a ter mais relevância para o modelo

educacional realista do que o próprio mundo interior (fato que fazia com que o

pensamento pedagógico moderno também se afastasse de dogmas religiosos,

mitológicos ou de análises intimistas do ser e se voltasse para o estudo

científico da natureza e para a racionalização do Universo: assim, tudo deveria

ser entendido de forma racional).

Até por conta disto, o conhecimento deixava de se atrelar à essência da

vida e deixava de estimular a competição e as virtudes guerreiras das pessoas

para começar a se destinar ao preparo do indivíduo para a própria vida: o

homem bem-educado era, agora, aquele que utilizava o seu vasto

conhecimento na tomada de suas decisões.

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Esta, contudo, era apenas uma das manifestações do pensamento

pedagógico daquela época...

O enorme e preocupante avanço do protestantismo por todo o território

europeu levou também a Igreja Católica a se reorganizar e a combater a

Reforma Protestante (que se apresentava como uma ameaça ao poderia papal)

por intermédio do Concílio de Trento (1545-1563) – o qual: a) confirmou a

supremacia do Papa; b) manteve o celibato do clero; c) manteve a hierarquia

eclesiástica; d) determinou a criação de seminários; e) manteve os Sete

Sacramentos; f) manteve o culto aos santos e à Virgem Maria; g) reafirmou que

as crenças católicas se fundamentavam nas Sagradas Escrituras, sendo a

Igreja Católica a única detentora do poder divino de interpretar a Bíblia.

Assim, como forma de combate ao protestantismo, a Igreja Católica

(através da Contra-Reforma) fez com que inúmeras ordens religiosas – sendo a

mais marcante delas a Companhia de Jesus (criada por Inácio de Loiola em

1534) – fossem reorganizadas ou fundadas. Além disso:

Dotados de rígida disciplina e sólida formação religiosa e cultural, os jesuítas lançaram-se à intensa atividade, envolvendo o ensino, a catequese, a política. A ação dos jesuítas não se limitou à Europa, pois seus missionários dirigiram-se à América, África e Ásia, convertendo populações locais ao catolicismo (AQUINO, 2009).

Coube à Espanha e a Portugal (as duas principais hegemonias do

século XV e XVI), pois, desempenhar o papel pioneiro de propagação da fé

católica e de combate a judeus, cristãos-novos e mouros – inclusive, através

dos mecanismos assustadores da Santa Inquisição.

Com isso, pode-se observar que enquanto os jesuítas difundiam como

instrumento de propagação da fé cristã, inclusive no Brasil (entre o ano de

1551 até o ano de 1759), um pensamento pedagógico medieval cujo objetivo

simplista era o da catequização/dominação dos povos nativos através da

educação jesuítica, grande parte da Europa clamava por uma mudança não só

no próprio pensar educacional, como (também) do ato de educar. Uma ampla

mudança no modelo educacional que pudesse contemplar e difundir novos

valores e ideologias; uma educação que se afastasse dos pecados, medos e

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castigos concebidos pela Igreja Católica, e se aproximasse da ciência, do

raciocínio e das conquistas da burguesia ascendente.

Neste sentido, Jan Amos Komenský (grande referência da pedagogia

moderna) defendia, já no século XVII, a idéia de articulação do ensino, pela

qual o conhecimento (e, por que não dizer, a própria educação?) se

sistematizava em conceitos, regras, princípios e, a partir disto, se articulava

com outras ciências já existentes àquela época. Além disso, Komenský

também entendia que todos os homens tinham um igual direito ao saber.

Isto se deu, porque, já no século XVII, a atividade científica deixou de

ser um simples ato de observar e classificar os fenômenos sob a influência do

que afirmavam os princípios divinos eternos e passou a ser um ato constante

de procurar, pesquisar, descobrir e explorar os fenômenos e as leis que

constituíam a natureza. A ciência experimental se auto-afirmava, assim como

também se auto-afirmavam as explicações racionais do Universo (que, a partir

do século XVII, passava a estar submetido a leis físicas, naturais, e não mais a

princípios metafísicos ou divinos).

Assim, no século XVII, se sistematizou a interpretação física do Universo

através da Teoria da Gravitação Universal; se elaborou os conceitos de massa,

força, inércia, movimento, tempo; se realizou pesquisas sobre a luz (análise

espectral); se estudou os fenômenos elétricos; se descobriu as propriedades

do imã; pela primeira vez tentou se calcular a exata velocidade da luz; se

desenvolveu a teoria ondulatória da luz; se revelou a existência da pressão

atmosférica; se criou o barômetro; telescópios foram construídos; os anéis de

Saturno foram descobertos; se definiu o conceito de movimento de rotação e

translação; se descobriu que os planetas realizam órbitas elípticas; se

desenvolveu o cálculo das probabilidades (com Pascal); se desenvolveu a

geometria analítica (com Pierre de Fermat e Descartes); se iniciou o estudo da

Química Orgânica; se criou os conceitos de ácidos, álcalis, sais; a estrutura

molecular das plantas foi descrita por Robert Hooke; a sexualidade das plantas

foi demonstrada por Marcello Malpighi e os espermatozóides foram

descobertos por Antonie van Leeuivenhoek.

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Os Filósofos se erigiram como preceptores do gênero humano. Liberdade de pensar, eis seu brado, e este brado se propagou de uma extremidade a outra do mundo. Com uma das mãos, tentaram abalar o Trono; com a outra, quiseram derrubar os Altares. Sua finalidade era modificar nas consciências as instituições civis e religiosas e, por assim dizer, a revolução se processou (DUPAQUIER, 1970).

Aliás, ainda no século XVII, mas já a partir da influência do pensamento

pedagógico de Jean Jacques Rousseau (filósofo de origem mais humilde e ar

mais revolucionário), a criança deixava de ser vista como um adulto em

miniatura e não só passava a ser parte integrante do processo de ensino-

aprendizagem, como era elevada por Rousseau ao status de centro do modelo

de sistema educacional idealizado por aquele pensador. Aliás, até por conta

desta evolução, a autora Maria Lucia de Arruda Aranha compara a concepção

pedagógica de Rousseau ao ousadíssimo heliocentrismo de Copérnico.

Isto porque, segundo ARANHA (1993), Rousseau provocou uma

“revolução copernicana” na educação a partir do momento em que, tal como

Copérnico (que ao propor a teoria heliocêntrica inverteu o centro do sistema

astronômico), inverteu o centro de seu sistema educacional: o mestre deixava

de se encontrar no centro do processo educativo rousseauísta e tal lugar

passava a ser ocupado pela criança.

Ademais, pode-se afirmar que a educação, ao menos para Jean

Jacques Rousseau, tinha como objetivo a reconstrução do homem a fim de que

tal sujeito não fosse educado para Deus, muito menos para a vida social, mas

para ele mesmo – uma educação que transformasse o ser humano em um

participante ativo da sociedade racional em que ele se encontrava – e se

dividia em 03 (três) etapas distintas: a) a idade da natureza (infância); b) a

idade da força (adolescência); c) a idade da sabedoria (maturidade).

Tal concepção de educação se aliava, aliás, à defendida pelo filósofo e

iluminista inglês John Locke – para quem o ensino deveria ser público,

igualitário e (acima de tudo) completamente dissociado da Igreja – e pelo

pedagogo e educador suíço Johann Heinrich Pestalozzi, que defendia a

mudança social através da educação e, até por isso, concebeu e criou um

instituto para órfãos.

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Enquanto Pestalozzi introduzia tantas reformas educacionais, a Igreja, que controlava a maioria das escolas na época, não se preocupava em melhorar o seu padrão de qualidade. A situação que reinava era a seguinte: dava-se à memória um enorme valor, os professores não possuíam habilitação, as classes privilegiadas desprezavam o povo; os prédios escolares eram pouquíssimos.

A prática pedagógica de Pestalozzi sempre valorizou o ideal do educador, isto é, a educação poderia mudar a terrível condição de vida do povo (NASCIMENTO, 2013).

Nesta mesma linha de raciocínio – de uma educação mais acessível à

grande parte da população (que perdurou durante boa parte do século XVIII) –

pode-se destacar, ainda, que o educador alemão Friedrich Froebel foi o

primeiro a defender um ensino sem maiores obrigações; a defender as

brincadeiras como um importante recurso de aprendizagem; a criar os jardins

de infância; a defender a liberdade notabilizada pela valorização dos sentidos e

pelo ideal de educação espontânea (o “aprender a aprender”) e a combater o

excesso de abstração da educação.

Diante deste cenário, percebe-se que a “visão de mundo determinada na

Idade Média pela relação Deus-Homem estava sendo substituída pela relação

Homem-Natureza. Era a passagem do teocentrismo para o antropocentrismo”

(AQUINO, 2009). O ser humano passava, então, a ver a natureza como um

objeto de sua ação humana e de seu próprio conhecimento.

Já ao final do século XVIII e início do século XIX, a consolidação da

burguesia no poder (tendo como marcos desta nova era a primeira Revolução

Industrial e, principalmente, a Revolução Francesa de 1789) representava,

enfim, não só a mudança completa da maior parte do modelo educacional

europeu, como também a alteração de grande parte do próprio pensamento

pedagógico daquela época:

As explicações teleológicas e metafísicas não mais satisfaziam o homem moderno, cioso de uma objetividade que o levasse à compreensão dos fenômenos e leis que constituíam a natureza. Para atingir tal objetivo era necessário um “método para bem conduzir a razão e procurar a verdade nas ciências”. Para Descartes, por exemplo, tudo era duvidoso, nada podia ser considerado como certo, a não ser “penso,

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logo existo”, idéia central da dúvida metódica, que leva a aceitar apenas aquilo que a razão possa compreender e que possa ser demonstrado.

(...). Somente a razão poderia encontrar os meios de explicar

os principais fenômenos da natureza que a Escolástica, associando a fé e a razão através de uma lógica aristotélica, não podia explicar.

(...). A ruptura foi profunda... e significou perceber o mundo

em constante movimento e não mais como o mundo ordenado, limitado e imóvel de Aristóteles.

Conceber a natureza em constante movimento implicava perceber, também, as instituições sociais como suscetíveis de mudanças... (IDEM).

A ênfase que se dava à ciência acabou, pois, por impulsionar a própria

ciência da educação a patamares nunca antes concebidos (e, por isso, nunca

antes vistos). E tal fato prolongou-se até o final do século XIX, já que a

burguesia, nesta época, representava (em síntese) a própria força de

transformação do Estado outrora medieval.

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CAPÍTULO III

O PENSAMENTO PEDAGÓGICO DO BRASIL COLONIAL

“A chave do poder, portanto, é a capacidade de julgar quem é o mais capaz de favorecer os seus interesses

em todas as situações” (Robert Greene)

Como visto ao longo do primeiro capítulo deste trabalho, fato é que o

período histórico denominado “Brasil colonial” estende-se desde o ano de 1530

até o dia 07 de setembro de 1822 (data da proclamação da Independência de

nosso país) e que, a partir do ano de 1551, Tomé de Souza (na qualidade de

primeiro ocupante do cargo de Governador-Geral da colônia) autorizou o início

da obra evangelizadora dos povos indígenas, a ser realizada pelos jesuítas por

intermédio da Companhia de Jesus.

E a chegada dos jesuítas ao Brasil no ano de 1551, foi um fato histórico

que, conforme aponta o professor Fernando Azevedo em sua obra A Cultura

Brasileira, serviu para caracterizar o primeiro ciclo do pensamento pedagógico

colonial brasileiro e, por conseguinte, o início da história da educação oficial de

nosso país – a qual, naquele primeiro momento, submeteu-se estritamente ao

pensamento pedagógico jesuítico medieval que objetivava não só a

catequização, como a dominação dos povos nativos através da educação

jesuítica.

Tais objetivos, aliás, dentro do contexto histórico mundial do século XVI,

encontravam-se filiados tanto ao desejo católico de propagação da fé cristã

(uma tentativa de evitar o alastramento, pelos povos do novo mundo, dos

ideais difundidos pela Reforma Protestante), como ao desejo da Coroa

portuguesa de se domesticar os índios brasileiros e, assim, conter as lutas dos

indígenas contra os portugueses que aqui se encontravam.

Desta forma, pode-se afirmar que o primeiro modelo educacional

adotado no Brasil colônia pelo Estado português (ou seja: a primeira forma de

pensamento pedagógico adotada pelo Brasil colonial) encontrava-se, na

verdade, fortemente atrelada à defesa, tanto pela Coroa portuguesa, como pela

Igreja Católica, de seus interesses econômicos, políticos, sociais e comerciais

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em terras brasileiras. Aliás, pode-se apontar (também) que, em virtude de tais

interesses, inicialmente, uma linha missionária especial foi desenvolvida para

os índios, pela Companhia de Jesus, completamente diversa da desenvolvida e

aplicada por aquela mesma Companhia para os filhos das elites européias.

Até por conta disto, destaca FARIAS (2013) que no “início da

colonização, os jesuítas atuaram sobre a população indígena infantil, os

curumins”. E isto se deu, porque os curumins, sob a ótica (um tanto quanto

torpe e elitista) dos jesuítas, eram considerados os alvos ideais para a

inauguração da “intervenção pedagógico-doutrinária” (IDEM) luso-cristã. Afinal,

os pequenos curumins não eram “compreendidos como sujeitos

intelectualmente capazes de construir conhecimento, mas, sim, como “massas

moldáveis” ou “papéis em branco”, intermediários na tentativa de domesticação

dos índios adultos (IBIDEM)”.

Ou seja: através das crianças, os jesuítas ambicionavam difundir seus

ideais de fé e os portugueses, sua dominação territorial.

Mas por que justamente através dos pequenos curumins?

Conforme visto no capítulo segundo deste trabalho, fato é que o

pensamento pedagógico jesuíta medieval possuía concepções metodológicas

próprias e completamente diferentes das propagadas por outros pensamentos

pedagógicos daquela época – sendo que, neste sentido, uma das principais

características do modelo educacional jesuíta era a de conceber a infância

como uma fase pura, santa, imaculada.

Ora, se a infância era vista como uma fase pura (santa) a alma infantil

era, também, uma alma pura (santa): uma alma que ainda não havia sido

maculada pelas adversidades da vida. Assim, a criança era vista pelos jesuítas

como uma terra virgem que precisava ser trabalhada para gerar bons frutos ou

como um papel em branco que precisava ser escrito apenas com boas histórias.

Neste sentido, não só era dever da Igreja garantir a perpetuação da pureza

daquela criança até sua vida adulta (o que garantiria a própria pureza da

sociedade), como era dever, também, garantir que aquela criança conservasse,

no futuro, a sua moral e os seus bons costumes (o que também influenciaria na

vida em sociedade). Ensinar através da fé, assim, seria ensinar “a ter uma vida

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com normas e, e obediência a um superior, sob as coordenadas do trabalho”

(NAGEL, 1996, p. 36).

A infância passava a ser segundo o pensamento pedagógico jesuíta

medieval, pois, a etapa ideal (e, em até certo ponto, principal) do processo de

aculturação efetivada por meio da catequese infantil e muito disso se dava

porque também a família poderia ser alcançada, a longa manus, por intermédio

daquele processo. Logo, se tal concepção era utilizada em larga escala nos

estabelecimentos de ensino católicos europeus, por que não a adotar no Brasil

colonial?

E fato é que tal metodologia de ensino não só foi adotada no Brasil

colonial, como o foi de forma mais severa que a habitualmente utilizada por

outros jesuítas da época. Isto porque, acreditava os jesuítas instalados em

território nacional que a catequização dos pequenos curumins representaria, na

verdade, “o momento visceral de renúncia da cultura autóctone das crianças

indígenas, uma vez que certas práticas e valores ainda não tinham se

sedimentado” (PRIORE, 1995).

Ou seja: para o primeiro pensamento pedagógico jesuítico adotado no

Brasil colonial, mais do que nunca, valia a lógica do quanto mais cedo se

doutrinasse, melhor.

Até por isso, a partir do ano de 1551, uma série de colônias rurais de

ensino jesuítico começou a ser instalada nas capitanias de Salvador, São

Vicente, Rio de Janeiro, Pernambuco e Pará. Tudo para assegurar que a fé

católica fosse propagada aos povos do novo mundo e que a ocupação do solo

nacional pela Corte portuguesa se desse sem maiores percalços. Com estes

objetivos em mente:

(...) a pedagogia jesuítica revelava pontos comuns com a severa pedagogia de Santo Agostinho, principalmente no que diz respeito à disciplina e ao castigo. A disciplina, a autoflagelação e o medo eram as características principais dos jesuítas (FARIAS, 2013).

Assim, a doutrina pedagógica de propagação do medo (utilizada como

forma de manutenção da subserviência cristã), o incentivo ao decorar e à

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repetição (utilizada como um modelo ritualístico de aprendizagem), a aplicação

de severas penalidades (utilizada como forma de preservar a alma infantil das

impurezas da vida) e o forte culto à disciplina e à competição eram métodos

pedagógicos utilizados pelos jesuítas brasileiros como forma de aculturar os

curumins – os quais, antes de 1551, encontravam-se inseridos em uma

realidade de ensino-aprendizagem completamente diversa da aplicada pelo

então ensino jesuítico: uma realidade em que a própria aprendizagem infantil

se dava pela imitação e pela constante participação das crianças indígenas nas

atividades cotidianas dos índios adultos.

O temor a Deus era estimulado como meio de controlar as mentes

criativas dos curumins; os pecados surgiam como forma de se castrar as

vontades, os desejos e os sonhos daqueles pequenos brasileiros; a repetição

(em si) era utilizada para fixar, nos nativos, os novos dogmas e paradigmas

vindos do estrangeiro; o forte culto à disciplina se justificava para manter a

ordem (inclusive, a ordem nacional); a competição, desde criança, entre

curumins da mesma tribo (algo que, até então, era inconcebível para índios de

uma mesma aldeia) era concebida para que já, desde pequeno, se afastasse

dos índios a noção indígena de que o todo era mais forte (e importante) do que

o indivíduo. Ou seja: tudo tinha um porquê no primeiro modelo pedagógico

adotado pela Coroa portuguesa para o Brasil colonial.

Tanto isto é verdade (aliás) que, desde cedo, os curumins aprendiam à

força a não discordar dos controversos métodos jesuíticos de ensino-

aprendizagem. Afinal, como visto acima, fato é que severíssimas eram as

penalidades aplicadas aos índios que, inclusive no âmbito educacional,

ousavam combater a dominação luso-cristã que a eles eram impostas por

conta da propagação da fé: “a fala dos jesuítas sobre educação e disciplina

tinha gosto de sangue” (AZEVEDO, 1996).

Seguindo esta lógica, já no ano de 1554, o padre Manoel da Nóbrega

fundou a Confraria do Menino Jesus que, à época, se caracterizava por ser o

primeiro colégio de catecúmenos do Brasil colonial. Tal Confraria – que reunia

como seus alunos tanto os curumins (chamados de autóctones), como os

órfãos de portugueses trazidos de Portugal ou pequenos delinqüentes

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portugueses condenados pelas cortes a cumprirem as penas de seus delitos no

Brasil – se notabilizou por servir de modelo para que tantos outros

estabelecimentos de ensino jesuítico passassem a se difundir em solo colonial

(como, por exemplo, as Casas dos Muchachos).

Nos estabelecimentos de ensino jesuítico do Brasil colonial da segunda

metade do século XVI, os alunos aprendiam (com os padres) a escrita manual

e os dogmas da fé cristã. Ladainhas eram aprendidas e recitadas

exaustivamente pelos curumins, que também eram obrigados a entoar (a

plenos pulmões) o cântico católico Salve Rainha. Não fosse isto o suficiente, os

alunos “às sextas-feiras, saíam em procissão, disciplinando-se com devoção

até sangrarem” (PRIORE, 1995).

No ano de 1599, o modelo educacional jesuítico global passou a ser

orientado pelo Ratio Studiorum. O Ratio (como era chamado pela sociedade da

época) se caracterizava, assim, por ser uma espécie de coletânea que relatava

todas as experiências vividas pelos jesuítas docentes dentro do Colégio

Romano a partir de seu surgimento (em Roma, aos pés do Capitólio) no ano de

1551 – além de outras ocorridas experiências acadêmicas relevantes ocorridas

nos demais colégios europeus daquela época – e seu objetivo central era o de

unificar a prática pedagógica de todos os estabelecimentos de ensino jesuítico

espalhados ao redor do planeta Terra.

E isto, de fato, ocorreu!

Contendo 600 regras (que abarcavam todas as atividades dos mais

diversos tipos de práticas e de agentes de ensino presentes nos

estabelecimentos de ensino jesuítico), o Ratio Studiorum recomendava ao

docente jesuíta que nunca se afastasse da filosofia de Aristóteles e da teologia

de São Tomás de Aquino. Além disso, orientava a promoção dos cursos

elementares e propunha a criação e a realização de mais dois cursos dentro de

seus estabelecimentos: o de Letras, Filosofia e Ciências, e o de Teologia e

Ciências Sagradas (tendo este o caráter de curso de nível superior e se

destinando apenas à formação de futuros sacerdotes); o ato de ensinar era

planejado por meio de metas a serem cumpridas e foram instituídas as

avaliações constantes do conhecimento.

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No Brasil de 1600, o Ratio Studiorum (sem por fim à educação dos

curumins) trouxe como inovação a instalação de colégios para a formação dos

filhos das elites brasileiras. Nessas escolas elementares, conforme destaca o

professor Fernando Azevedo em sua obra A Cultura Brasileira (1996),

“repousavam a base de todo o sistema colonial de ensino, ainda em formação”.

Com isso, pode-se afirmar que a publicação do Ratio Studiorum ajudou a

institucionalizar, no Brasil colonial do início do século XVII, uma prática que,

infelizmente, até hoje se perpetua em grande parte de nosso sistema

educacional: a da diferenciação entre a educação das massas e a educação

das elites.

Mas por que um mesmo sistema de ensino que, em sua essência,

utilizava-se das mesmas técnicas pedagógicas, proveria uma educação tão

diferente, uma educação tão estratificada?

Analisando a conjuntura econômica, social, política e história do mundo

e do Brasil colonial do início do século XVII, pode-se apontar que a resposta à

questão acima levantada possuía uma forte ligação com o próprio objetivo que

o ato de educar tinha para cada uma das classes sociais que (àquela época)

compunham a colônia brasileira.

Ora, é evidente que a Igreja Católica utilizava-se do ensino jesuítico para

propagar a fé cristã e é evidente que a propagação da fé cristã se dirigia tanto

para os nativos do novo mundo (como uma forma de angariar novos fiéis),

como para os egressos de Portugal (como uma forma de afastá-los das

tentações do protestantismo e dos pecados da vida pagã). Contudo, é evidente

(também) que a Corte Portuguesa utilizava-se do ensino jesuítico para,

segundo OSTETTO (1995), legitimar a supremacia de sua cultura frente às

seculares tradições indígenas e para perpetuá-la nos portugueses que aqui se

encontravam.

Assim, enquanto a educação de curumins, conforme afirma WEREBE

(1997), se destinava mais à catequização do que propriamente à instrução – se

traduzindo, pois, como uma clara tentativa de tornar os índios brasileiros mais

hospitaleiros e menos agressivos e, assim, de tornar o próprio Brasil, a partir de

1551, um local menos inóspito e mais atrativo à vinda de investidores

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portugueses (o que, obviamente, em muito ajudaria o processo de povoamento

do solo nacional) –, a educação dos filhos das elites coloniais brasileiras se

destinava a criar a miniatura de um adulto precoce, ou seja, se destinava a

manter sob o domínio da metrópole o futuro daquela nação.

Tais afirmações, aliás, podem ser facilmente observadas nas citações

abaixo transcritas, que demonstram como se dava cada um dos modelos

educacionais presentes a partir do início do século XVII no Brasil colonial:

A preocupação dos jesuítas era a catequese dos índios (...). A despreocupação com a escola se devia ao fato de ser uma colônia rural em que se dependia apenas da força braçal. A escolarização era vista como algo desnecessária, pois as atividades eram eminentemente braçais, para as quais o saber ler e escrever consistia em um luxo, pois, pensava-se: para que um trabalhador da roça precisa saber ler e escrever, se seu serviço é lavrar o chão (CARNEIRO, 2013).

A partir dos 6 anos iniciava-se, para o menino branco, o aprendizado do latim, da gramática e das boas maneiras, nos colégios religiosos. A vara de marmelo e a palmatória se incumbiam de transformar o antigo “anjinho” numa miniatura de adulto precoce (...). “Aos sete anos o jovem brasileiro já possui a gravidade de um adulto; ele passeia majestosamente, uma bengala na mão, orgulhoso de um vestuário que faz com que se pareça mais com as marionetes de nossas feiras que com um ser humano” (PARDAL, 2013).

Assim, ao mesmo tempo em que os filhos das elites aprendiam a

gramática, a filosofia, as artes e humanidades, e estudavam cânones e a

teologia; os filhos das classes populares deviam apenas saber ler, escrever e

contar; já aos curumins era ensinado, precariamente, “o catecismo preparatório

para o batismo, para a vida cristã, além de ofícios e tarefas servis que, naquele

tempo, por serem consideradas desonrosas, não podiam ser executadas pelos

brancos” (CASIMIRO, 2009).

Contudo, conforme se destaca no capítulo primeiro deste trabalho, à

medida que se domesticava ou se aniquilava a população indígena original (a

opção adotada pela Coroa variava de acordo com a receptividade e a

hospitalidade da tribo), o domínio territorial português se dilatava

constantemente até o ponto em que, também no ano de 1599 (mesmo ano da

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publicação do Ratio Studiorum), Teles Barreto conseguiu estabilizar o controle

total do território brasileiro.

A partir deste momento (em que as capitanias reais se tornaram uma

faixa litorânea compacta e quase intransponível a ataques, internacionais ou

indígenas), Portugal garantiu a segurança que faltava para a exploração

agrícola do solo brasileiro pelos portugueses, o que acabou por atrair inúmeros

investidores e, junto com eles, ações mais afirmativas de administração de

recursos e de contenção de despesas.

Assim, a escassez da mão-de-obra indígena aliada à concepção

(daquela época) de que os negros possuíam uma maior resistência física às

epidemias e um maior conhecimento em trabalhos artesanais e agrícolas, fez

com que o tráfico negreiro se intensificasse a partir de meados do século XVII

(apesar da escravidão, em si, ter sido regulamentada e autorizada desde o ano

de 1559, através do Alvará de 29 de março de 1559 – pelo qual Dona Catarina

de Áustria, regente de Portugal, autorizava cada senhor de engenho do Brasil a

importar até 120 escravos negros da África).

Essa intensificação trouxe consigo uma maior quantidade de negros

africanos para as terras brasileiras, fato que fez com que a própria estrutura

étnica da sociedade brasileira colonial se alterasse completamente já a partir

de meados do século XVII. E tal mudança trouxe consequências (também)

para o sistema educacional do Brasil colonial.

Isto porque, embora, obviamente, não se possa afirmar que os jesuítas

tenham deixado de prestar os seus serviços educacionais em solo nacional

desde o ano de 1551 até o ano de 1759 (aliás, nem mesmo cogita-se a idéia de

que outro modelo de educação tenha sido utilizado pela Corte no Brasil colonial,

que não o do ensino jesuítico), pode-se afirmar que, com a intensificação da

chegada dos negros africanos ao Brasil, a partir de meados do século XVII, o

pensamento pedagógico jesuítico brasileiro teve de ser, em parte, readaptado

para que se adequasse às mudanças sociais trazidas pelo boom da

monocultura agrícola: ao mesmo tempo em que os índios não impunham mais

tanto medo à Coroa portuguesa, esta via crescer o número de famílias e de

negros nos interiores dos engenhos brasileiros.

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Neste contexto, a importância da catequização dos curumins diminuía e,

em seu lugar, ganhava força (cada vez mais) a educação dos filhos das elites

coloniais... Mas o pensamento pedagógico jesuítico medieval vigorava e

continuava a tocar, com plenos pulmões, os rumos da educação do Brasil

colonial. Até por isso, a educação brasileira de meados do século XVII se

caracterizava por repelir dos bancos escolares os negros e as mulheres,

perpetuando, em parâmetros educacionais, os dogmas católicos de que o

negro africano, por ser pagão ou sarraceno (muçulmano), devia ser reduzido à

servidão para que, pela sua submissão, se redimisse de seus pecados –

entendimento previsto na Bula Romanus Pontifex de 1455 – e de que a mulher,

por dever ser uma boa mãe cristã e por ser a coroa de seu marido (Provérbio,

Capítulo 12, Versículo 4, da Bíblia), devia se ater a realizar os seus afazeres

domésticos.

Tanto que aponta Mabel Farias em seu artigo Infância e educação no

Brasil nascente:

Apartados da educação jesuítica encontravam-se (...) os negros e as mulheres, que não tinham acesso às escolas. Somente os mulatos, a partir do século XVI, por autorização do rei de Portugal, poderiam ter direito à educação escolar. Já a educação da mulher restringia-se à aprendizagem de boas maneiras e prendas domésticas; elas deviam aprender a ser boas mães e boas esposas. Mesmo as oriundas das famílias mais abastadas não tinham assegurado o acesso à instrução escolarizada (FARIAS, 2013).

Aliás, a estratificação da educação colonial se dava (também) pelo fato

de que muitos dos filhos das classes menos favorecidas se encontravam

completamente apartados de todo o processo educacional e os poucos que

conseguiam nele se inserir tinham que se contentar a aprender a ler, a

escrever e a calcular, enquanto que, aos filhos (homens) das elites coloniais, a

educação jesuítica continuava sendo realizada da mesma forma que a

concebida pela Corte e aplicada pela Igreja católica a partir da publicação do

Ratio Studiorum. Ou seja: uma educação formal preparatória ou para o poder,

ou para a vida eclesiástica.

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Até por conta destas características, afirma-se que o pensamento

pedagógico do Brasil colonial de meados do século XVII, embora readaptado,

continuava a se embasar no fato de que a educação, em si, dependia (quase

que exclusivamente) da condição social do aluno e do lugar onde ele se

encontrava. Um conceito de educação completamente discriminatório que

entendia que a prática do ato educacional devia, pois, preparar o aluno para a

vida que a ele caberia viver (SOUZA, 2009).

Com essa castração do desejo, da vontade e dos sonhos, a Coroa

portuguesa, que já tinha adquirido o domínio territorial do solo brasileiro,

continuava, também, a disseminar e a perpetuar (agora, através da educação)

a supremacia de sua própria cultura, aqui, em solo colonial – uma supremacia

que tinha como base o nefasto modelo de exclusivismo metropolitano que tanto

mal fez aos cofres e aos rumos do Brasil colonial: as elites coloniais

precisavam dos escravos e dos filhos das classes menos favorecidas para a

realização do trabalho braçal (tão desprestigiado àquela época), já Portugal

precisava “dos letrados e dos colégios para se manter tal qual era” (DE PAIVA,

1999).

Contudo, embora a ascensão de alguns senhores de engenho tenha

sido responsável por, momentaneamente, alavancar a economia brasileira em

parte do século XVII, ela também foi responsável por evidenciar às elites

açucareiras coloniais que, por mais que o ensino jesuítico adotasse como

molde um sistema de educação diferenciada, tal educação, muitas das vezes,

não era a mais adequada para áreas como a medicina ou o direito, por

exemplo. Tal percepção, então, fez com que o século XVII se caracterizasse

(também) pelo início do processo de “fuga” dos filhos dos senhores de engenho

mais abastados para a Europa – ainda que este processo tenha se dado de

forma muito mais intensa ao final do século XVIII e início do século XIX.

Assim, a intervenção pedagógica jesuítica começava a ser (ainda que

timidamente) confrontada pelas elites coloniais brasileiras. Isto porque, ao

mesmo tempo em que os membros das elites coloniais “consideravam

negativas as influências dos padres sobre suas famílias e seus subordinados”

(FARIAS, 2013), eles também entendiam que o modelo educacional jesuítico,

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como se encontrava disposto no início do século XVIII, já não mais se

demonstrava capaz de atender as necessidades educacionais dos filhos das

classes mais abastadas.

Por outro lado, a educação ofertada pelos jesuítas no Brasil pré-

pombalino também era fortemente contestada pelos filhos das elites coloniais

que saíam para estudar fora do Brasil (os “estrangeirados”). Isto porque, a

partir do momento em que eles entravam em contato com a efervescência

cultural europeia e com os ideais iluministas do século XVII, eles percebiam o

quanto os brasileiros (do século XVIII) estavam atrasados em relação aos

europeus. Até por isso, destaca a professora Mayra Guapindaia em seu artigo

Relações de Gênero, Pensamento Pedagógico e Reforma Política na Ilustração

Portuguesa (2010) que “os estrangeirados apontavam, já na primeira metade

dos setecentos, a necessidade de se adotar uma reforma geral nos estudos

para a recuperação política do reino”. Contudo, a reforma educacional proposta

pelos “estrangeirados” não combatia o ideário da época que apresentava a

educação como algo estratificado – o que fazia com que aqueles

“estrangeirados” destinassem seus esforços intelectuais a pensar apenas a

educação dos filhos das elites coloniais.

Assim, a partir do momento em que os “estrangeirados” entendiam (já no

início do século XVIII) que a educação destinada aos filhos das classes mais

abastadas da sociedade brasileira colonial deveria ser uma educação “voltada

especificamente para a formação do homem público” (GUAPINDAIA, 2010),

eles afirmavam que “as matérias ministradas deveriam ter utilidade para a vida

política e administrativa, e não deveriam seguir as regras da educação jesuítica,

voltada demasiadamente para assuntos que, muitas das vezes, não tinham

aplicação direta na realidade” (IDEM).

Alie-se tudo isto à crise da monocultura açucareira brasileira e à crise

econômica portuguesa (que, como visto no primeiro capítulo, acabaram por

fazer com que a Coroa incentivasse a mineração e investisse seus esforços,

inclusive econômicos, na busca pelo ouro), à descoberta de metais preciosos

na região das Gerais em 1699 e à intensificação da atividade mineradora em

solo nacional a partir do início do século XVIII, e estava instaurado um

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ambiente propício para que mudanças drásticas ocorressem em futuro bem

próximo.

Afinal:

Em Portugal, o declínio da Companhia de Jesus já se processava. Uma das principais críticas feitas à Companhia, naquele contexto, voltava-se contra a sua obra educacional, considerada obsoleta e obscurantista. Criticada por fundamentar seu plano de estudos em uma formação literária, a educação jesuítica se opunha, de acordo com o Marquês de Pombal, a uma formação científica. Esse movimento contra a Companhia de Jesus culminou com a sua expulsão da Metrópole e das colônias portuguesas – medida oficializada pelo Alvará de 28 de junho de 1759 (FARIAS, 2013).

Com isso, o pensamento pedagógico brasileiro/jesuítico colonial que já

no início do século XVIII sofria a repulsa dos setores mais importantes da

sociedade (lusitana e brasileira) em 1759 sofreu uma importante alteração.

Contudo, tal alteração se deu no pensamento pedagógico brasileiro, porque o

próprio modelo educacional do Brasil colonial de meados do século XVIII (até o

ano de 1822) não mudou muito com a expulsão dos jesuítas ocorrida em 1759.

Ou seja: a educação brasileira continuou a ser extremamente estratificada e

diferenciada; os negros e as mulheres continuaram quase que totalmente

afastados do processo educacional e os filhos das classes populares

continuaram tendo que se contentar a aprender apenas a ler, a escrever e a

calcular.

Em palavras mais claras: a expulsão dos jesuítas por Pombal não

representou uma alteração do pensamento pedagógico brasileiro, porque (na

prática) o pensamento pedagógico brasileiro pouco mudou: com Pombal, os

jesuítas deixaram verdadeiramente de pensar a educação do Brasil colonial,

mas, a partir de 1759, tal incumbência passou a caber ao Estado português – a

quem também interessava manter a estratificação da sociedade colonial

brasileira e o exclusivismo metropolitano como já se encontravam desde o

início do processo de colonização.

Desta forma, o que mudou, em síntese, do pensamento pedagógico

jesuítico colonial para o pensamento pedagógico pombalino (que orientou a

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educação brasileira a partir de 1759) foi que as idéias escolásticas a respeito

do ato de educar, aos poucos, acabaram sendo substituídas por noções

iluministas de educação – o que representava, no fundo, um simples reflexo do

contexto histórico da época, o qual fazia com que Portugal, em crise econômica

e política, se visse bafejado por ventos iluministas de renovação (os mesmos

ventos, aliás, que influenciaram a decisão de Pombal de expulsar os jesuítas

de todo o Império Português).

Nesse contexto de adoção de alguns ideais iluministas para a educação

(inclusive, a prestada no Brasil colônia em meados do século XVIII), há de se

destacar que o Alvará Régio de 28 de junho de 1759 (oficialmente chamado de

Alvará de Regulamento dos Estudos Menores) “criou o cargo de diretor geral

dos estudos, instituiu a prestação de exames para professores e nomeou

comissários destinados a fiscalizar o ensino” (CASIMIRO, 2009). Em 1772, ao

perceber que a educação brasileira se encontrava completamente estagnada,

ciou o subsídio literário, um tributo que incidia sobre o vinho, a aguardente, o

vinagre e a carne verde e que se destinava a prover recursos para a

manutenção dos ensinos primário e médio. Além disso, criou as aulas régias de

latim, de grego e de retórica (disciplinas autônomas e isoladas, que não se

articulavam com as demais). Tudo para que a formação educacional dos

nobres portugueses ou dos filhos das elites coloniais pudesse, no futuro,

auxiliar a Corte a resolver as questões do além-mar.

Mas por que isto era (de fato) necessário?

Tentando salvar a atividade mineradora brasileira do processo de

intenso declínio (no qual ela já se encontrava em meados do século XVIII) e,

por conseguinte, tentando salvar a própria economia da metrópole portuguesa

(que, àquela época, era completamente dependente do exclusivismo

metropolitano, o que garantida a configuração da sociedade lusitana

setecentista), Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal, agia em

conformidade com as necessidades econômicas, políticas, sociais e culturais

de sua época. Afinal, ou o rei português se aproximava de sua colônia

brasileira (possibilitando a máxima transferência de riqueza do Brasil para

Portugal) e assim fortalecia a sua própria hierarquia política; ou mantinha a

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extrema influência da nobreza e da Igreja católica em suas decisões (inclusive,

educacionais) e assim corria o imenso risco de ver sua economia sucumbir ao

peso daquele Estado inchado (fato que, obviamente, repercutiria em algum

momento no reino português).

Assim, pode-se afirmar que:

Os jesuítas foram expulsos das colônias por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777, em função de radicais diferenças de objetivos. Enquanto os jesuítas preocupavam-se com o proselitismo e o noviciado, Pombal pensava em reerguer Portugal da decadência que se encontrava diante de outras potências européias da época. A educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal. Ou seja, se as escolas da Companhia de Jesus tinham por objetivo servir aos interesses da fé, Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado (PILETTI, 1996).

Ou seja, o rei português optou por fazer o que de um rei se esperava

que se fizesse: manter-se no poder. E, para manter-se no poder em tempos de

iluminismo, utilizou-se de seu fiel escudeiro (o Marquês de Pombal) para

expulsar os jesuítas, diminuir a influência da nobreza e reduzir o tamanho do

Estado português – cumprindo, pois, fidedignamente a cartilha iluminista que

alertava para os riscos da monarquia absolutista e apontava o despotismo

esclarecido como solução.

Contudo, como o visto acima, fato é que a expulsão dos jesuítas não

representou uma alteração do pensamento pedagógico brasileiro colonial, já

que tal fato histórico não teve o poder de modificar a forma como se concebia o

ensino colonial brasileiro de meados do século XVIII. E, além de não ter

representado uma verdadeira alteração do pensamento pedagógico brasileiro

colonial, a substituição abrupta dos educadores jesuítas acabou por trazer

imensas dificuldades ao já precário modelo de ensino do Brasil colonial, uma

vez que, com tal expulsão, restou-se completamente desmantelada toda a

estrutura de ensino jesuítico que por mais de 02 (dois) séculos vigorou em

nosso país – sendo que nenhuma outra foi organizada para dar continuidade

àquele trabalho de educação.

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Até por conta disso, aponta PILETTI (1996) que com a adoção do

pensamento pedagógico pombalino no Brasil colonial setecentista, inúmeras

escolas jesuíticas foram fechadas e poucas foram criadas para substituí-las o

que acabou por contribuir para que se mantivesse (e, até mesmo) se

aumentasse, em nosso país, a grande distância que já à época existia entre a

pequena quantidade de letrados e a grande massa de analfabetos.

Outra constatação que se faz a respeito do pensamento pedagógico

pombalino adotado em nosso país é que ele, assim como o seu antecessor, se

embasava no entendimento de que a educação deveria variar “de acordo com

as particularidades de gênero atribuídas aos indivíduos” (GUAPINDAIA, 2010).

Assim é que, mesmo tendo havido a reforma educacional pombalina:

(...) enquanto se pensava a educação de homens como de grande importância para a formação dos futuros administradores do Estado, a educação de mulheres era refletida em termos de sua contribuição para a primeira educação desses futuros homens públicos, bem como para o cuidado do lar e da economia doméstica (IDEM).

Por outro lado (mas não menos discriminatório que a falta de

importância dada à educação feminina), deve-se recordar que a sociedade

colonial setecentista ofertava à criança negra um tratamento totalmente

diferenciado do ofertado à criança branca abastada – e este fato também

reverberava na educação. Desta forma, enquanto a criança da casa-grande

frequentava as melhores escolas da colônia e recebia, em casa, instrução

complementar ofertada por professores particulares (responsáveis pela função

de instruir e de disciplinar), a criança negra logo que nascia não tinha direito ao

leite, nem aos cuidados maternos. Ademais:

Dos 3 aos 7 anos, a criança escrava passava por um período de iniciação aos comportamentos sociais, que a identificava e lhe fazia reconhecer a sua condição social. A partir dos 7 anos, a criança negra deixava a infância para ter a sua força de trabalho explorada ao máximo. O sistema escravocrata também se encarregava de não permitir que a “família negra” se constituísse, fragmentando o elo parental básico, distanciando os filhos dos pais (FARIAS, 2013).

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Não fossem todas as discriminações supracitadas já suficientes para

apontar a falência do modelo educacional do Brasil colonial no final do século

XVIII, ressalte-se, ainda, que os professores das escolas brasileiras pós-

jesuítas eram (geralmente) mal preparados para o exercício de sua função,

muitas vezes exerciam a docência para suprir um caráter emergencial

governamental (sendo, por isso, indicados por governantes para lecionar) e,

assim como hoje, quase sempre eram extremamente mal remunerados – isto

quando eles não ficavam muito tempo sem receber seus proventos e tinham de

aguardar uma solução vinda de Portugal para tal impasse (algo que, registre-se,

era muito comum de ocorrer, já que o subsídio literário quase sempre não era

cobrado com regularidade) –. Um cenário de trevas descrito por Nelson Piletti

em seu livro História da Educação no Brasil que conseguiu reduzir a educação

brasileira a praticamente nada, um triste panorama que somente sofreu alguma

alteração com a chegada da família real ao Brasil em 1808.

Neste contexto de penúria e impasse, destaca NETO (2008) que:

O primeiro ato de Dom João - que aportara na Bahia, no dia 22 de janeiro de 1808 - relacionado à educação em terras brasileiras é a Carta Régia de 18 de fevereiro pela qual “O Príncipe Regente, anuindo à proposta que lhe fez o doutor José Corrêa Picanço, cirurgião mor do reino e do seu Conselho, sobre a necessidade que havia de uma Escola de cirurgia no Hospital real desta cidade, para instrução dos que se destinam ao exercício desta arte, tem cometido ao referido cirurgiãomór a escolha dos professores, que não só ensinam a cirurgia propriamente, mas a anatomia, como bem essencial dela, e a arte obstetrícia tão útil como necessária. O que participo a V. Exª. por ordem do mesmo Senhor, para que assim o tenha entendido e contribua para tudo o que for promover este importante estabelecimento”.

Ademais, a vinda de todos os arquivos portugueses e de mais de 70.000

(setenta mil) obras literárias fez com que se inaugurasse, no Brasil oitocentista,

a primeira biblioteca pública de todo o Brasil colonial. Isto, segundo o professor

Fábio Pestana Ramos “foi um passo importante rumo a algumas melhorias no

sistema educacional”, já que, antes de 1808, aqui imperava a total carência de

livros – livro, aliás, era um artigo de luxo cujo acesso era restrito a

pouquíssimos privilegiados.

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Entretanto, mesmo com a criação, no Brasil, da primeira biblioteca

pública e da primeira Escola de cirurgia para os médicos da colônia, o cenário

encontrado pela corte não era o mais propício à instalação de um reino

europeu. Até porque, apesar da cidade do Rio de Janeiro já ser a capital do

Brasil em 1808, fato é que (mesmo com as reformas implementadas pelo

Marquês do Lavradio) aquela cidade não tinha a menor condição de, uma hora

para outra, tornar-se a capital de todo o Império português.

Aliás, tamanha era a carência de recursos e a precariedade do aparato

colonial na cidade do Rio de Janeiro que afirma o professor Pestana Ramos

(2011) que antes de implementar as grandes mudanças que pretendia, Dom

João VI teve de calçar as principais ruas da cidade carioca e criar uma rede de

iluminação pública (já que tanto a iluminação pública, como o calçamento de

ruas, eram serviços até então inexistentes): obras que seriam supérfluas para

qualquer cidade européia, mas que se perfaziam como extremamente

necessárias em solo tupiniquim.

O rei constatava, então, que teria de investir (e muito!) no Brasil

oitocentista e tal constatação esbarrava na qualidade da educação que aqui

era prestada.

Contudo, a constatação do reino português de que teria de investir na

educação brasileira evidenciava não uma eminente preocupação pedagógica,

mas a própria (e extrema) necessidade que Dom João VI possuía de

disponibilizar a todos os que começavam a se instalar no Brasil após a fuga de

Portugal – inclusive, a ele mesmo – um padrão de vida que, ao mesmo tempo,

fosse minimamente condizente com o dos áureos tempos dos castelos

portugueses (afinal, como diz o provérbio, “quem é rei, nunca perde a

majestade”) e que (acima de tudo) pudesse garantir a sobrevivência das elites

portuguesas em solo brasileiro.

Isto porque, com a chegada de Dom João VI e de quase toda a corte

portuguesa no Brasil de 1808, era latente e gritante a precariedade dos

serviços públicos brasileiros – desde os mais básicos, até os mais essenciais.

Hospitais e serviços de saúde, laboratoriais, agrônomos, de defesa do território

e administrativos se demonstravam aos olhos portugueses como nunca dantes

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haviam se demonstrado. E, infelizmente, toda essa precariedade perpassava

pela educação – que, em alguns rincões do país, chegava até a inexistir!

Acostumados, então, com a qualidade do ensino, com os

estabelecimentos públicos e com os serviços prestados pela metrópole

portuguesa, os egressos de Portugal ao se depararem com as escolas do

Brasil colonial do início século XIX e com a falta de recursos (físicos,

financeiros, materiais) destinados à educação nacional enfim vivenciaram, na

prática, as perniciosas consequências que o exclusivismo metropolitano havia

causado não só no sistema educacional nacional, mas (de forma muito mais

grave) no próprio aparato público colonial.

E espantados com o estado lastimável em que se encontrava a situação

brasileira em 1808, os egressos de Portugal não só passaram a apontar

diversas soluções para melhorar aquele triste quadro, como passaram

(também) a acusar a colônia de ser um lugar de extrema incivilidade e de

pouca higiene, em que pairava a ignorância geral sobre a história e a geografia

dos outros povos, onde faltavam livros e as poucas obras que aqui existiam já

se encontravam há muito defasadas: a colônia era vista pelos membros da

corte recém-aportada, pois, como um local onde imperava a ausência de

cultura, a sujeira, a ignorância e a pouca inteligência.

Ou seja: aos olhos do povo, a corte afastava de si a responsabilidade

pela precariedade do aparato colonial, bem como afastava de sua

responsabilidade o péssimo modelo de ensino prestado durante os 257

(duzentos e cinquenta e sete) de educação no Brasil colonial.

Assim, para que a empreitada em solo brasileiro desse certo, Dom João

VI sabia que teria de reconstruir o Brasil colonial e que teria de reconstruí-lo

como uma espécie de réplica do tradicional império português. Era isso ou o

nada.

Neste contexto, em 1810, foi criada a Escola Superior de Medicina (além

de outra vinculada a técnicas agrícolas) e os cursos de Cirurgia e Economia,

oque fez com que o Brasil colonial passasse a ter, enfim, escolas de nível

superior; em 1812, foi criado o curso de Agricultura e a Academia Real Militar

cujas funções incluíam, dentre outras, a de prestação do ensino de Engenharia

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Civil e Mineração; em 1817, foi criado o curso de Química; em 1818, foi criado

o curso de Desenho Técnico; posteriormente, foi criada a Biblioteca Nacional, o

Museu Nacional, o Jardim Botânico e o Real Teatro de São João. Além disso,

em 10 de setembro de 1808 foi publicada a primeira edição de um jornal em

terras nacionais (denominado Gazeta do Rio de Janeiro) que só divulgava

notícias favoráveis à corte portuguesa a ponto de fazer com que o Brasil

colonial parecesse um paraíso terrestre, conforme relata o historiador John

Armitage em seu livro História do Brasil.

Assim:

Enquanto mandava abrir estradas, D. João também se dedicava ao que o historiador Jurandir Malerba chamou de “empreendimentos civilizatórios”. Nesse caso, a meta era promover as artes, a cultura, e tentar infundir algum traço de refinamento e bom gosto nos hábitos atrasados da colônia (GOMES, 2007).

E fato é que os empreendimentos civilizatórios de Dom João VI

passavam, também, pelo estímulo real à realização (pelos filhos das elites

coloniais e dos membros da coroa portuguesa) de ensino superior – o qual,

conforme o entendimento daquele monarca, seria a única modalidade de

ensino responsável pela formação de um quadro de profissionais da Corte

verdadeiramente competentes em solo colonial.

Contudo, a partir do momento em que o pensamento pedagógico joanino

se destinava (quase que exclusivamente) à formação dos quadros

administrativos da Corte, tal pensamento pedagógico (em sua aplicação prática)

pouco havia mudado com relação ao jesuítico medieval, já que continuava a se

embasar na concepção de que a educação deveria se direcionar não de acordo

com os ideais de totalidade e acessibilidade, mas de acordo com os papéis

sociais que cada sexo ou que cada classe social deveria representar.

Tanto que aponta o professor Francisco José da Silveira Lobo Neto

(2008) que as deliberações de Dom João VI com relação à educação prestada

em solo brasileiro diziam “respeito ao atendimento dos interesses da

aristocracia cortesã e da elite burguesa recentemente chegada” ou se referiam

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“à necessidade de formação de quadros para administração da ‘máquina

governamental’ em terras brasileiras”.

Ou seja: tanto a educação proposta pelos jesuítas em meados do século

XVI, quanto a readaptação do pensamento pedagógico jesuítico colonial de

meados do século XVII, bem como o pensamento pedagógico pombalino de

meados do século XVIII ou, ainda, o pensamento pedagógico joanino (posto

em prática a partir do ano de 1808) não se traduziam como pensamentos

pedagógicos igualitários, ma sim diferenciadores (estratificados), uma vez que

o próprio modelo de educação concebido por todos aqueles pensamentos

pedagógicos se baseava, sempre, em teorias que garantiam a diferenciação na

qualidade da prestação dos serviços educacionais de acordo com os papéis de

gênero ou com as classes sociais envolvidas no processo de ensino-

aprendizagem. Tudo isso para que fosse preservada a ordem econômica,

política e social daquela época.

Foi buscando a preservação da ordem, aliás, que o pensamento

pedagógico concebido por Pombal e o concebido por Dom João VI, continuava

realizando o que já fazia (com excelência) a educação jesuítica: castrando o

desejo, a vontade e os sonhos dos alunos; estimulando o forte culto à disciplina

e à ordem; incentivando a competição entre alunos; e utilizando-se de um

método de fixação no processo de ensino-aprendizagem.

Assim, apesar da mudança na cabeça pensante do pensamento

pedagógico do Brasil colonial, a expulsão dos jesuítas não teve o condão de

alterar os fins da educação do Brasil colônia, nem mesmo retirou do imaginário

da Corte a noção de que o homem só poderia fugir de uma vida de vícios e

defeitos se ele buscasse, através do conhecimento e da educação, uma vida

virtuosa. Tanto que assim dizia o nobre COUTINHO (1798):

Se o homem desde os seus primeiros anos, não tem o trabalho de cultivar a terra do seu coração, isto é, de arrancar as ervas venenosas dos vícios, más inclinações e apetites desordenados, e de lançar as sementes das virtudes, nunca virá a colher os saudáveis frutos das boas obras, pelas quais unicamente se faz digno da sociedade dos justos, e da felicidade eterna.

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Assim, pode-se concluir, conforme as palavras de GUAPINDAIA (2010),

que a educação brasileira, durante todo o transcurso do Brasil colonial,

encontrava-se diretamente ligada ao exercício do poder político e ao papel

social que cada pessoa e que cada classe social deveria ocupar. Afinal,

consoante também destaca aquela autora, mesmo após a expulsão dos

jesuítas ou “mesmo após o final da atuação de Pombal, houve coerência e

continuidade em relação ao pensamento ilustrado e às reformas no governo

posterior” (IDEM). A educação continuava sendo prestada de acordo com os

papéis sociais que cada sexo e que cada grupo étnico deveria representar.

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CONCLUSÃO

“Eu vejo o futuro repetir o passado” (Cazuza)

Uma vez demonstrado todo o contexto histórico, econômico, social e

político do Brasil colonial no Capítulo I e uma vez conceituado o que seria o

pensamento pedagógico (bem como destacadas as principais vertentes do

pensamento pedagógico que existiram no mundo desde as sociedades

primitivas até o ano de 1822, ano da proclamação de nossa independência) no

Capítulo II, esta pesquisa pôde, enfim, apontar como verdadeiramente era o

pensamento pedagógico do Brasil colonial: um pensamento pedagógico

diferenciador e estratificado.

Isto porque, embora o papel de cabeça pensante do pensamento

pedagógico colonial tenha se alterado por 03 (três) vezes durante os 292

(duzentos e noventa e dois) anos de nossa colonização – jesuítas, Pombal,

Dom João VI –, fato é que o modelo educacional do Brasil colônia (em si) em

quase nada se alterou.

Ou seja: mesmo passados quase três séculos entre o começo de nossa

colonização (em 1530) e a proclamação de nossa independência (em 1822), a

Coroa portuguesa, no decurso destes 292 anos, utilizou-se do pensamento

pedagógico do Brasil colonial tanto para legitimar a supremacia de sua cultura,

quanto para defender os seus interesses econômicos, políticos, sociais e

comerciais.

E assim o fez seja embasando o pensamento pedagógico do Brasil

colonial no pensamento pedagógico jesuítico medieval (primeiro momento: de

1551 a 1759), seja atrelando o pensamento pedagógico do Brasil colonial aos

ideais iluministas pombalinos (segundo momento: de 1759 a 1808), seja

utilizando-se dos anseios de europeização da corte de dom João VI (terceiro

momento: de 1808 a 1822).

Assim, como forma de defender os seus interesses, destacou-se (aqui)

que a Coroa portuguesa se utilizou de um modelo educacional diferenciador

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onde a educação dos filhos (homens) das elites possuía um caráter

eminentemente preparatório (seja para o poder, seja para a vida eclesiástica),

enquanto que a educação dos filhos (homens) das classes populares era

responsável por prepará-los para a vida que deveriam viver (uma vida

destinada à realização do trabalho braçal, sempre tão desprestigiado). Um

modelo educacional em que a educação dependia (quase que exclusivamente)

da condição social do aluno e do lugar onde ele se encontrava, e que se

baseava em uma concepção de educação completamente discriminatória,

diferenciadora e estratificada em que os filhos (homens) das classes populares

tinham que se contentar em aprender a ler, a escrever e a calcular, ao passo

que os filhos (homens) das elites coloniais aprendiam disciplinas complexas

como latim, a filosofia, as artes e humanidades, por exemplo; já negros e

mulheres eram apartados do processo educacional.

Por outro lado, apontou-se (também) que, como forma de legitimar a

supremacia de sua cultura, a Coroa portuguesa, em um primeiro momento,

utilizou-se da propagação da fé cristã (ou seja: do pensamento pedagógico

jesuítico medieval) para catequizar, doutrinar e dominar (não para instruir) as

populações indígenas brasileiras a fim de fazer com que nossos nativos,

afastados (cada vez mais) de suas seculares tradições, fossem mais

hospitaleiros e menos agressivos – o que, obviamente, tornaria o próprio Brasil

um local menos inóspito e mais atrativo à vinda de investidores portugueses (o

que, obviamente, em muito ajudaria o processo de povoamento do solo

nacional).

Neste contexto, demonstrou-se que os curumins passaram a ser os

alunos ideais do processo de aculturação efetivada pelo ensino jesuíticos e que

muito disso se deu porque também a família indígena poderia ser alcançada, a

longa manus, por intermédio daquele processo de renúncia da cultura

autóctone. Ressaltou-se que o temor a Deus passou a ser estimulado como

meio de controlar as mentes criativas dos curumins; os pecados surgiram como

forma de se castrar as vontades, os desejos e os sonhos daqueles pequenos

brasileiros; a repetição (em si) começou a ser utilizada como método de fixação,

nos nativos, dos novos dogmas e paradigmas vindos do estrangeiro; o forte

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culto à disciplina se justificou para manter a ordem (inclusive, a ordem nacional)

e, por fim, a competição entre curumins da mesma tribo (algo que, até então,

era inconcebível para índios de uma mesma aldeia) foi concebida para que já,

desde pequeno, se afastasse dos índios a noção indígena de que o todo era

mais forte (e importante) do que o indivíduo.

Aliás, foi visto também que a própria castração do desejo, da vontade e

dos sonhos, bem como o próprio temor reverencial a Deus, ou o forte culto à

disciplina e à ordem, ou o estímulo à competição e a aplicação do método de

fixação foram fatores que continuaram existindo mesmo com o processo de

readaptação do pensamento pedagógico jesuítico; e que isto se deu, porque a

Coroa portuguesa, (embora já tivesse adquirido o domínio territorial do solo

brasileiro em meados do século XVII), como toda boa metrópole, precisava

manter, consolidar e perpetuar a sua supremacia político-intelectual sobre os

povos de sua colônia brasileira. Afinal, dela dependia o êxito do nefasto

exclusivismo metropolitano que tanto mal fez aos cofres e aos rumos do Brasil

colonial: se as elites coloniais dependiam dos escravos e dos filhos das classes

menos favorecidas para a realização do trabalho braçal, Portugal também

dependia. Se as elites coloniais queriam a melhor educação para os seus filhos

homens, Portugal precisava “dos letrados e dos colégios para se manter tal

qual era” (DE PAIVA, 1999).

Indo além, destacou-se que a castração do desejo, da vontade e dos

sonhos, o forte culto à disciplina e à ordem, o estímulo à competição e a

aplicação do método de fixação persistiram no pensamento pedagógico

colonial pós-jesuítico – mesmo tendo o modelo educacional daquela época

sofrido interferências das ideias iluministas de Pombal ou dos desejos de

europeização de Dom João VI. E tudo isso porque, como visto neste trabalho, a

educação brasileira, durante todo o transcurso do Brasil colonial, encontrava-se

diretamente ligada ao exercício do poder político e ao papel social que cada

pessoa e que cada classe social deveria ocupar (um modelo educacional que

se desenvolvia de acordo com os papéis de gênero ou com as classes sociais

envolvidas no processo de ensino-aprendizagem).

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Mas será que o pensamento pedagógico do Brasil colonial continua a

influir no modelo educacional brasileiro contemporâneo? E, se continua, o faz

de que forma: positiva ou negativamente?

Vera Maria Ramos de Vasconcellos assevera em sua obra Educação da

infância: história e política (2013) que o simples estudo da história da educação

no Brasil é capaz de evidenciar que o abandono no qual foi deixada a

educação básica tem referência direta com o próprio pensamento pedagógico

do Brasil colonial.

Isto porque, diz aquela professora, a partir do momento em que o

pensamento pedagógico do Brasil colonial se utilizou da educação para

doutrinar curumins e dominar as populações indígenas ou, ainda, a partir do

momento em que o pensamento pedagógico do Brasil colonial se utilizou da

educação para transformar o filho das elites em uma miniatura de adulto, o

próprio ato de educar (de instruir as crianças) foi subjugado à necessidade

estatal de controlar – o que, por óbvio, acabou por retirar da educação infantil,

durante séculos, a enorme importância que ela tem de formar seres pensantes,

críticos, questionadores; e não seres repetidores, omissos e meros

decoradores de conteúdos.

Por outro lado, salienta aquela mesma professora Vera Maria Ramos de

Vasconcellos que, a partir do momento em que o pensamento pedagógico do

Brasil colonial apartou do processo de ensino-aprendizagem as meninas e os

filhos dos escravos e limitou o conhecimento ofertado aos filhos das classes

populares, tais circunstâncias acabaram por comprometer a própria

universalização da educação básica e o desenvolvimento pleno dos demais

níveis de ensino ao longo do século XIX, XX e início do século XXI.

Isto porque, em decorrência deste processo de afastamento, a educação,

durante muito tempo, foi vista no Brasil pós-independência pelos negros e

pelas pessoas da mais baixa renda como um artigo de luxo destinado aos

filhos das elites: o pobre não tinha direito a sonhar com um futuro melhor, já

que sonhar era coisa de rico; o pobre tinha que trabalhar por um futuro melhor.

Já aqueles que tinham filhas mulheres viam, durante muito tempo, a educação

de suas filhas como algo supérfluo e (até mesmo) desnecessário – afinal, a

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mulher deveria servir fielmente ao homem (não deveria infestar sua cabeça

com algo que fosse diferente disso, desse senso comum).

Todo este quadro, conforme aponta o Mapa do Analfabetismo no Brasil

(elaborado pelo Ministério da Educação em parceria com o Instituto Nacional

de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – o INEP), foi o

responsável por fazer com que, no início do século XXI, 13,6% de toda a nossa

população, algo em torno de 16 milhões e 300 mil pessoas, fosse analfabeta e

que (o que é mais grave) 25% de todos os analfabetos do país fossem crianças

negras ou filhas das classes mais populares (algo em torno de 4 milhões e 200

mil crianças).

Aliás, todo aquele quadro que acima foi citado também é o responsável

por inacreditavelmente fazer com que o povo brasileiro, já no ano de 2013 (em

pleno século XXI), ainda se depare com a constatação feita pela Organização

Internacional do Trabalho (OIT) de que 93% (noventa e três por cento) das

crianças e adolescentes envolvidos com atividades domésticas no Brasil de

2013 são meninas e mais da metade daquele grupo (exatamente 67%) são

meninas negras.

Por conta disto, VASCONCELLOS (2013) afirma que:

O embate, que mobiliza não só os pesquisadores de campo como, também, os pais e os mais diversos profissionais envolvidos com a educação dos pequenos, se constitui, nos dias de hoje, em romper com os resquícios histórico-sociais e com as práticas que mantêm viva a discriminação do atendimento qualitativo, por região ou classe social, ofertando, para alguns, a qualidade e, para outros, uma quantidade “consoladora”.

Isto porque:

Independentemente de classe social, etnia ou gênero, todos os sujeitos em desenvolvimento são portadores de direitos alienáveis e intransferíveis. Direitos que devem, democraticamente, ser legitimados, nos diferentes contextos, por meio da sua plena concretização (IDEM).

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Mesmo assim, cumpre salientar que os reflexos do pensamento

pedagógico do Brasil colonial vão muito além da problemática que envolve a

universalização da educação básica, já que, como visto acima, eles chegam a

comprometer o pleno desenvolvimento dos demais níveis de ensino no Brasil

do século XXI.

Isso porque, o ensino livresco, memorístico e repetitivo, que estimulava

a competição e aplicava castigos, concebido e implementado pelos jesuítas em

meados do século XVI e mantido por Pombal e Dom João VI, acabou por

incutir e difundir nas classes populares a subserviência a Deus ou às elites,

além da dependência e do paternalismo. E conforme as palavras de GADOTTI

(2003) essas características continuam presentes em nossa cultura até hoje –

em pleno século XXI.

Isto sem falar que o pensamento pedagógico do Brasil colonial ainda

repercute fortemente em nosso atual sistema educacional toda vez em que as

escolas brasileiras são tratadas como “única agência de transmissão do saber”

(LIBÂNEO, 2002) e não como um “espaço de síntese e integração” (IDEM) –

um espaço de síntese entre a cultura da comunidade, da cidade, da rua, da

família, do trabalho, dos meios de comunicação e da cultura formal que a

escola representa; e um espaço de integração que possibilite ao aluno

desenvolver suas capacidades de receber a informação provinda da escola e

de integrá-la com os conhecimentos que ele mesmo já possui, advindos de sua

cultura cotidiana.

Tal tratamento é extremamente prejudicial à educação brasileira como

um todo, porque, além de fazer com que nossas escolas não consigam atender

as exigências do mundo atual, faz (também) com que nossas escolas se

transformem em um espaço que pouco dialoga com a cultura de referência de

seus alunos (os quais, por isso, enxergam a escola como um lugar

desinteressante e muito distante da realidade em que eles estão inseridos). E

isto gera “um país em que as escolas são do século XIX, com professores do

século XX e alunos do século XXI” (CAVALCANTI, 2012) – ou seja: um país,

que mesmo em plena era digital e virtual, ainda possui o seu modelo

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educacional fortemente arreigado no pensamento pedagógico do Brasil colonial

(em seus métodos e em seus critérios).

Desta forma, o presente trabalho conclui que o pensamento pedagógico

do Brasil colonial continua a interferir no sistema educacional adotado pela

sociedade brasileira contemporânea e que o faz de forma extremamente

negativa, perpetuando (em pleno século XXI) os aspectos mais nefastos da

educação jesuítica, pombalina ou joanina – as quais, já àquela época, eram

concebidas, sistematizadas e aplicadas para reproduzir “uma sociedade

perversa, dividida entre analfabetos e sabichões, os ‘doutores’” (GADOTTI,

2003).

Por fim, este trabalho espera (e humildemente propõe) que os erros

cometidos e instituídos nas práticas e nas políticas públicas voltadas para a

educação do Brasil colonial não sejam repetidos no presente, nem sejam

repetidos no futuro – sob pena de nunca alçarmos a sociedade justa que tanto

almejamos.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO

02

DEDICATÓRIA

03

AGRADECIMENTOS

04

RESUMO

05

METODOLOGIA

06

SUMÁRIO

07

INTRODUÇÃO

08

CAPÍTULO I

O BRASIL COLONIAL

12

CAPÍTULO II

O QUE SERIA O PENSAMENTO PEDAGÓGICO?

34

CAPÍTULO III

O PENSAMENTO PEDAGÓGICO DO BRASIL COLONIAL

45

CONCLUSÃO

66

BIBLIOGRAFIA

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O PENSAMENTO PEDAGÓGICO DO BRASIL COLONIAL

Trabalho de conclusão do curso de Pós-

Graduação Lato Sensu apresentado à

AVM Faculdade Integrada, como requisito

parcial para a obtenção do título de Pós-

Graduado.

Data de aprovação: ___/___/____

Banca Examinadora:

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Conceito final: _______________________