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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
O LÚDICO NA ARTETERAPIA
Por: Eliane da Costa
Orientador
Prof.ª Maria da Conceição Maggione Poppe
Niterói
2007
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
O LÚDICO NA ARTETERAPIA
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós-graduação “Lato
Sensu” em Arteterapia em Educação e Saúde.
Por: Eliane da Costa
3
AGRADECIMENTOS
A Deus pela graça da vida, pois foi Ele quem
me deu forças nos momentos de incertezas
durante esta caminhada.
À minha filha Rayanne e ao meu marido
Jorge, fundamentais em minha vida.
Às minha amigas Rosane e Jaqueline, que
tornaram possível a realização deste sonho
sempre me apoiando e incentivando de forma
afetuosa.
4
DEDICATÓRIA
Dedico a Deus por ter me dado força e saúde
para enfrentar todos os desafios. Ao meu
marido Jorge pela cumplicidade, ajuda e
incentivo. As amigas Jaqueline e Rosane pela
força e a minha filha pela paciência da minha
ausência.
5
RESUMO
A proposta desta monografia é suscitar um questionamento sobre o
papel da arteterapia no resgate do potencial criativo do homem com fins à
busca da psique saudável. Atualmente é comum que as pessoas passem, com
freqüência, dez a doze horas de trabalho em seu local de trabalho sob forte
estresse emocional, decorrente de várias origens. O mesmo processo ocorre
com a criança que, por sua fragilidade no convívio com o outro, apresenta
sintomas parecidos com os do adulto, sem saber como livrar-se das amarras
do mal estar causado pelo estresse oriundo de diferentes situações a que
estão submetidas. Por seu caráter profilático, com a conseqüente diminuição
do estresse, a Arteterapia é uma das atividades alternativas bastante utilizadas
nas empresas, nos consultórios ou nas escolas cujo objetivo é desenvolver a
criatividade, aumentar a auto-estima, ter um espaço para catarse/ canalização
da agressividade, bem como a expectativa de promover o auto-conhecimento,
além de propiciar o controle de fobias, a busca do bem estar, trabalhar a
comunicação/ melhorar relacionamentos, a descoberta do potencial de cada
um, e assim a melhoria na qualidade de vida. A busca do desenvolvimento do
ser de melhor qualidade, que saiba conviver e, conseqüentemente, tornar-se
produtivo, conduz ao processo com a criança pois, através do lúdico, mais
cedo obteremos seres humanos integrados, por se sentirem mais saudáveis
física e emocionalmente, mais equilibrados e felizes.
Palavras chave: Arteterapia, lúdico, simbólico, criatividade, brinquedoteca,
jogos.
6
METODOLOGIA
Enfocando a vasta experiência de professora da Rede Municipal de
Teresópolis-RJ, em especial, com turmas de alunos de educação infantil,
vislumbrou-se a interessante pesquisa sobre o aspecto lúdico da
aprendizagem, especialmente no que concerne à arteterapia.
A pesquisa baseou-se na leitura de livros referentes ao assunto, de
autores amplamente citados por sua trajetória como educadores, especialistas
da área de Psicologia Clínica, filósofos que contribuíram para as mais novas
tendências mundiais e estudiosos no assunto. A bibliografia acrescenta o
pensamento de Carl G.Jung, Jean Piaget, Vygotsky, Paulo Freire, bem como
de outros autores mencionados por sua colaboração em preciosas pesquisas,
amplamente divulgadas em bibliotecas virtuais, como Portal Scielo, além de
periódicos especializados.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I.
A INTERAÇÃO DA CRIANÇA COM O LÚDICO E A EXPRESSÃO CRIATIVA
COMO MODALIDADE TERAPÊUTICA NO BRASIL 11
CAPÍTULO II
A ATIVIDADE LÚDICA COMO PROCESSO REVELADOR DA EMOÇÃO 25
CAPÍTULO III
O JOGO DE AREIA E A ARTETERAPIA NO DESENVOLVIMENTO
DO SER 35
CONCLUSÃO 41
INDICE 48
8
INTRODUÇÃO
A realização desta pesquisa justificou-se pelo fato de, apesar das várias
propostas e ações existentes no âmbito da Educação, como projetos
educacionais, simpósios, seminários, programas de governo, percebe-se que
os resultados continuam insatisfatórios, o que demonstra a necessidade de
mudanças no contexto educacional. Sendo assim, o professor torna-se um dos
principais, senão o mais importante protagonista dessa mudança. Portanto sua
formação e sua prática têm sido motivos de estudos.
O lúdico apresenta valores específicos para todas as fases da vida
humana. Assim, na idade infantil e na adolescência, a finalidade é
essencialmente pedagógica. A criança e mesmo o jovem opõem uma
resistência à escola e ao ensino, porque acima de tudo ela não é lúdica, não é
prazerosa.
Estudos demonstram que através de atividades lúdicas, o educando
explora muito mais sua criatividade, melhora sua conduta no processo de
ensino-aprendizagem e sua auto-estima. O indivíduo criativo é um elemento
importante para o funcionamento efetivo da sociedade, pois é ele quem faz
descoberta, inventa e promove mudanças. A função da pedagogia dos
conteúdos é dar um passo à frente no papel transformador da escola, mas a
partir de condições existentes. Assim, a condição para que a escola sirva aos
interesses populares é garantir a todos um bom ensino, isto é, a apropriação
dos conteúdos escolares que tenham ressonância na vida dos alunos.
A escola passou a difundir um ensino enciclopédico, imaginando quanto
mais conteúdos passassem, mais os alunos se desenvolveriam, o que não é
verdade. Para serem assimiladas, as informações devem fazer sentidos. Isso
se dá quando elas incidem, no que se denominou zona de desenvolvimento
proximal, a distância entre aquilo que a criança sabe fazer sozinha (o
9 desenvolvimento real) e o que é capaz de realizar com ajuda de alguém mais
experiente (o desenvolvimento potencial). Desta forma,, o bom ensino é o que
incide na zona proximal.
No entanto, o sentido verdadeiro da educação lúdica, só estará
garantido se o professor estiver preparado para realizá-lo e ter um profundo
conhecimento sobre os fundamentos da mesma.
Em decorrência, podemos perceber que o lúdico apresenta uma
concepção teórica profunda e concepções práticas, atuantes e concretas.
Não podemos desconhecer as relações existentes entre o lazer, a
escola e o processo educativo, eles são pares ou encadeados. A versatilidade
do lúdico, isto é, a possibilidade de variar de acordo com os momentos, facilita
uma participação ativa e tranqüila das crianças. No Brasil, tem sido pouco
explorado como forma de ensino na Educação Infantil, mas a exigência deste
trabalho é necessária para inovação e o crescimento da educação.
Esta pesquisa objetiva despertar o desejo pelo ensinar com consciência,
pois ensinar exige organização e dedicação. O educador está sempre dando o
primeiro passo e é ele que irá servir de facilitador do aprendizado ao despertar
o interesse da criança pelo conhecimento. No entanto, ainda hoje, na visão do
educador, a brincadeira e o estudo ocupam momentos distintos na vida das
crianças. O recreio foi feito para brincar e a sala de aula para estudar. Cabe a
outro profissional o papel de interagir com o aluno em uma brinquedoteca, e o
parque; é apenas um momento de descanso dos afazeres escolares ou para
distrair a turma, muitas vezes, com brinquedos inadequados para a idade ou
longe do alcance das crianças.
O lúdico perde, com isso, seus referenciais e seu real significado,
acompanhando as exigências de uma sociedade tecnológica, que exige um
homem cada vez mais capaz de responder ao mercado de trabalho, onde a
10 competitividade é a realidade, cada vez mais cedo, e um indivíduo produtivo é
o que se espera.
O Capítulo I apresenta a interação da criança com o lúdico e a
expressão criativa como modalidade terapêutica no Brasil, visto as mais
recentes pesquisas assinalarem para essa direção.
Atendendo à seqüência, o capítulo II aprecia a atividade lúdica como
processo revelador da emoção, já que quando brinca, a criança elabora
hipóteses para a resolução de seus problemas além de buscar alternativas
para transformar a realidade.
Também se apresentou, como complementação, o Capítulo III cujo tema
é o jogo de areia e a arteterapia no desenvolvimento do ser, na busca de
associar-se o método psicoterapêutico à arte como ciência afim.
11
CAPÍTULO I
A INTERAÇÃO DA CRIANÇA COM O LÚDICO E A
EXPRESSÃO CRIATIVA COMO MODALIDADE
TERAPÊUTICA NO BRASIL
O lúdico refere-se a qualquer atividade que executemos e nos dê prazer,
envolva a espontaneidade em executá-la. Diz respeito tanto à criança quanto
ao adulto, já que envolve a percepção da possibilidade, da facilidade de se
aprender. Na atividade lúdica como na vida, há um grande número de fins
definidos e parciais, que são importantes e sérios; consegui-los é necessário
ao sucesso e, conseqüentemente, essencial à satisfação que o ser humano
procura, oculta, no caso, o aprender.
A recreação ou o lúdico é uma ocorrência de todos os tempos, é parte
integrante da vida de todo o ser humano, mas também deve ser estudado e
orientado com seriedade, como um dos aspectos fundamentais da estrutura
social. Se pesquisarmos sobre as manifestações da vida humana através dos
tempos, encontramos jogos e danças fazendo parte integrante de cerimônias
guerreiras, religiosas, cívicas e afetivas.
É tudo quanto diverte e entretém o ser humano e envolve uma ativa
participação. Uma atividade de trabalho pode tornar-se lúdica uma vez que a
atitude de quem a exerce esteja caracterizada pelo prazer, espontaneidade,
liberdade e fim intrínseco. O mesmo pode acontecer em relação ao estudo,
tanto mais proveitoso quanto mais o jogo dele fizer parte. Processa-se tanto em
torno do grupo como das necessidades individuais.
Recrear é educar, pois permite criar a satisfazer o espírito estético do
ser humano já que oferece ricas possibilidades culturais. Orientar através do
12 lúdico é suscitar prazer por atividades recreativas, de forma que o ser humano
possa desenvolver ao máximo o potencial que traz ao nascer, por isso o lúdico
pode e deve ser trabalhado na escola em todos os seus níveis
Na fase do pré-escolar, as atividades de brincar se confundem com as
aprendizagens da vida. As instalações e professores devem propiciar às
crianças um meio acolhedor e natural, ou seja, é necessária uma rede de
ensino que vise o bem estar da criança. Além disso, o professor e os pais
desses alunos devem manter contato, no sentido de que as observações de
uns e outros se completem para um desenvolvimento sadio da criança.
É evidente que a Escola não pode ignorar ou manter-se à parte da
recreação dos alunos, qualquer que seja o nível escolar. Em aula, o professor
deve promover uma atmosfera de prazer, atitude esta que se verifica quando
fazemos algo porque queremos fazê-lo, assim facilitando a aquisição de
conhecimento sistematizado. A Escola não tem a única finalidade de fornecer,
em cada grau, os conhecimentos básicos que constituem seus objetivos
específicos, mas promover o desenvolvimento da personalidade plena,
integrada no meio social. É fato que, desta maneira, a escola facilita a
convivência entre alunos, e entre professores e alunos.
Numa atividade espontânea, encontram também os professores
excelentes ocasiões para observar as reações de seus alunos e conhecê-los
mais intimamente. Enquanto a criança e o jovem, pela prática adquirem
habilidades e criam atitudes de bem recrear-se em grupo, as Escolas
funcionam como orientadora pré - vocacional das atividades que constituem a
ludicidade na fase adulta (MARCELINO, 1987)
Na pré-escola, a idade não deve ser vista como marco de referência,
pois o processo de desenvolvimento é contínuo e sempre influenciado pelas
ocorrências do meio. A capacidade de estabelecer relações com os outros
13 varia conforme a natureza de cada criança, as condições do ambiente em que
vive e as experiências no meio familiar, bem como entre os companheiros de
brincadeiras, e na escola.
Na faixa de 4 a 6 anos o crescimento da criança é relativamente rápido,
tanto físico como em sua coordenação. A habilidade manual da criança está
em desenvolvimento e concorre para a aquisição de conhecimento. Como,
nesta fase, sua imaginação é viva e é freqüente a confusão entre a fantasia e a
realidade, evitamos assim que fiquem fabulando, dando-lhe oportunidade de
encontrar os meios indicados para constituir, isto é, para expressar seu modo
imaginário, transportá-lo a condições visíveis e concretas, que ela mesma
possa reconsiderar e modificar.(SANTINI, 1998)
Apreciam muito ouvir histórias, desejando que se repita, diversas vezes,
a mesma sem modificá-la em nada. A linguagem do contador deve ser simples
e animada, e as histórias, com diálogos que se repetem, de ação continuada e
cumulativa, com rapidez de ação, apresentando frases rimadas e ritmadas. As
cantigas ouvidas e repetidas constituem prazer para esta idade, assim como as
canções religiosas e as de festas de São João.
As atividades que forem de maior interesse aos pequeninos do jardim,
devem ser estimuladas pela professora como oportunidade de exercício de
desprendimento do eu e união com o todo, atividades como as brincadeiras de
roda, ou aquelas que deixem duas crianças em destaque exibindo-se ou
comandando as demais. As atividades com materiais sonoros (cornetas, apitos,
flautinha) são brinquedos que prendem a atenção das crianças. Podem
também ser trabalhados teatros com histórias até mesmo do cotidiano da
criança. Isto tudo deve envolver a música, que deixa o clima muito mais
animado para as crianças.
Os jogos coletivos também ajudam no desenvolvimento da consciência
do ser social, irá estimulá-los a aprenderem a se organizar e a cooperar.
14 Devem –se evitar os jogos que eliminam os jogadores quando erram, para que
não se sintam rejeitados e expulsos da brincadeira. Através destas atividades,
pouco a pouco, as crianças vão se concentrando mais na atividade,
aguardando sua vez de agir e reconhecendo a vez dos outros, chegando a ser
capaz de auxiliar o próximo se houver necessidade.
Se o adulto souber brincar com as crianças, aceitando as situações que
o jogo lhe impõe, como se fosse uma criança mais experimentada, assim sua
presença será desejada pelos pequeninos e facilitará a ação do conjunto. O
adulto deve procurar compreender cada criança e promover oportunidades
para que cada uma encontre um motivo de alegria. Também o professor deve
ser afável, alegre, bem humorado e ter iniciativa suficiente para infundir-lhes
confiança e o verdadeiro respeito. Preencher o tempo livre da criança com
brincadeiras assume um papel muito importante para o futuro delas, é a forma
da qual as crianças se utilizam para lidar com o mundo das fantasias.
Percebemos, dessa maneira, que a vida da criança deve ser uma vida lúdica.
Temos que o brinquedo é a mais refinada forma de educação, pois é
através deles que nos tornamos aptos a viver em sociedade e num mundo
culturalmente simbólico. Hoje percebemos que o tempo livre da criança é
preenchido com intermináveis deveres de casa, atividades programadas
promovidas pelos pais ou pelos colégios.
Como educadores, devemos saber o grande valor das organizações
sociais de recreação e a importância que atividades recreativas bem orientadas
têm na vida da criança e fazer da aula uma boa hora de convivência. À escola
cabe favorecer o desenvolvimento de várias atividades criadoras,
desenvolvendo na criança sua capacidade de auto–expressão, tais como:
música, artes manuais, educação física, clubes literários, de teatro e outros. As
instituições devem também funcionar, fora dos horários escolares, como um
verdadeiro centro recreativo.
15 Alegamos, em certos momentos, a dúvida sobre a maneira de brincar
com as nossas crianças e, às vezes, deixamos de brincar, devido à falta de
segurança para orientar sobre os brinquedos tão bem quanto orientamos os
materiais de estudo. Aos pouco perceberemos que não é tão difícil e até nosso
conhecimento pode ir-se enriquecendo com esta forma de
aprendizado.(MALUF, 2004)
Afirmar que não podemos propiciar atividades lúdicas é errôneo, pois a
criatividade do professor deve ser a base de tudo. Podem ser ocupados todos
os espaços das instituições e material (sucata) acessível que estiver ao nosso
alcance, não só em instituições públicas como também nas particulares. O
aluno pode se utilizar papel, lápis, giz de cera, fichas de cantos folclóricos
regionais, e assim valorizar a cultura da criança. As brincadeiras como
esconde-esconde, pega-pega, corrida do saco e brincadeiras de roda também
são de grande valor, assim como, trabalhar a argila e fazer com que as
crianças confeccionem seus próprios brinquedos.
Com os variados eletrônicos, as coisas simples tornam-se um grande
encantamento para as crianças. Os pais e familiares deverão se ver envolvidos
com as atividades da criança à medida que eles forem fazendo parte da
confecção de seus brinquedos.
Nos tempos atuais, as propostas de educação infantil dividem-se entre
as que reproduzem a escola elementar com ênfase na alfabetização e números
(escolarização) e as que introduzem a brincadeira valorizando a socialização e
a re-criação de experiências.
No Brasil, grande parte dos sistemas pré-escolares tende para o ensino
de letras e números excluindo elementos folclóricos da cultura brasileira como
conteúdos de seu projeto pedagógico. As raras propostas de socialização que
surgem desde a implantação nos primeiros anos escolares acabam
incorporando ideologias hegemônicas presentes no contexto histórico-cultural.
16
Fatores de ordem social, econômica, cultural e política são responsáveis
pelo tipo de escola predominante. Desde tempos passados, a educação reflete
a transmissão da cultura, o acervo de conhecimentos, competências, valores e
símbolos. Não se pode dizer que a escola transmita o patrimônio simbólico
unitário da cultura entendido na acepção de sociólogos e etnólogos, como o
conjunto de modos de vida característicos de cada grupo humano, em certo
período histórico (FORQUIN,1996).
O repertório cultural de um país, repleto de contradições, constitui a
base sob a qual a cultura escolar é selecionada. Ideologias hegemônicas, fruto
de condições sociais, culturais e econômicas tendem a pressionar a escola
pela reprodução de valores nelas incluídas moldando o tipo de instituição. Os
conteúdos e atividades escolares que daí decorrem resultam no perfil da escola
e , no caso brasileiro, geram especialmente pré-escolas destinadas à clientela
de 4 a 6 anos dentro do modelo escolarizado.
Refletindo sobre isto, consideramos que o brincar oferece-nos a
possibilidade de tornarmos-nos mais humanos, abrindo uma porta para sermos
nós mesmos, poder expressar-nos, transformar-nos, curar, aprender, crescer.
O brincar surge como oportunidade para o resgate dos nossos valores mais
essenciais enquanto seres humanos; como potencial na cura psíquica e física;
como forma de comunicação entre iguais e entre as várias gerações; como
instrumento de desenvolvimento e ponte para a aprendizagem; como
possibilidade de resgatar o patrimônio lúdico-cultural nos diferentes contextos
sócio-econômicos. O brincar como desafio deste novo século no uso do tempo
livre; o brincar como possibilidade criativa.
Além das pesquisas realizadas sobre o brincar voltado para as áreas da
saúde e da educação, surge, por um lado, no mundo todo, uma preocupação
com o resgate do brincar, nas diferentes regiões do mundo, enquanto
patrimônio lúdico-cultural. Esta tendência leva a um movimento de valorização
17 de brincadeiras tradicionais regionais, contextualizadas nas diversas culturas e
épocas, afirmando-se o brincar como um fenômeno universal de grande
relevância para a caracterização e conhecimento dos grupos sociais e
diversidades culturais dos vários povos do mundo. Por outro lado, inicia-se um
debate sobre o uso do tempo livre, e o brincar começa a ocupar posição de
destaque. Preocupa, não somente o tempo livre das crianças e a subseqüente
criação de espaços e tempos para o brincar; como também o tempo livre dos
adolescentes, pensando no uso saudável e produtivo das energias que surgem
neste período; no tempo livre do adulto, cujo tempo de ócio vem aumentando, o
que gera ansiedade e uma crise de valores; e o tempo livre da terceira idade, já
que a longevidade tem aumentado e o mercado de trabalho oferece poucas
oportunidades de colocação neste período de vida. O brincar tem aparecido e
sido estimulado, a partir de variadas propostas e exemplos, potenciais
multiplicadores:
• jornadas de jogos e brincadeiras;
• ruas de lazer: brincadeiras de rua estimulando a participação de várias
gerações;
• brinquedotecas;
• ônibus itinerantes;
• malas de brincadeiras;
• oficinas de criatividade: modelagem, tecelagem, bricolagem, pintura,
expressão corporal, musicalização, origami, confecção de livros, marcenaria,
construção de brinquedos com sucata e outros materiais, confecção de
bonecas, entre outros;
• contadores de histórias;
• teatro;
• na área de informática, estímulo e incremento dos jogos eletrônicos;
• concursos;
• aumento do leque de ofertas de recreação em clubes, hotéis e áreas ligadas
ao turismo;
• exposições de brinquedos artesanais/ populares;
• feiras de brinquedos;
18 • museus de brinquedos;
• jornadas de audiovisuais;
• exposições itinerantes;
• incremento de pesquisas, registros, coletâneas e publicações sobre o brincar;
• cursos, seminários, workshops, oficinas e palestras, visando a formação de
profissionais especialistas nas áreas de lazer, recreação, educação, saúde
mental e turismo (SANTINI, 1998)
Parece-nos fundamental nos determos na importância do brincar para a
educação do ser humano. Tomando por base os quatro pilares da Educação
propostos por Jacques Delors para a UNESCO (Comissão Internacional para a
Educação no século XXI), vejamos qual é a contribuição que o brincar pode dar
para o desenvolvimento dos mesmos:
• APRENDER A CONHECER - Nesta proposta o brincar tem se mostrado
um instrumento extremamente eficiente desde as metodologias propostas por
educadores como Decroly, Montessori, Piaget que usaram o recurso do lúdico
para estimular a aprendizagem; até os especialistas em jogo contemporâneos,
inúmeros no mundo todo e no Brasil, que levaram para a escola variadas
propostas para utilização do brincar dentro e fora da sala de aula, com o intuito
de estimular o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças.
• APRENDER A FAZER - Há uma tendência no mundo todo, a tornar mais
próximas a área de educação para o trabalho e a área de economia. 0
desenvolvimento da economia depende da força dos trabalhadores que
dependem, por sua vez, do investimento e preocupação dos governos com a
educação e formação dos seus cidadãos. No âmbito da profissionalização, o
brincar tem se constituído em um recurso motivacional muito interessante,
utilizado tanto nos cursos técnicos e acadêmicos, quanto dentro das próprias
empresas e instituições. 0 fazer, em qualquer âmbito das nossas vidas, e
sobretudo no trabalho, deveria ter como ingrediente principal o prazer. E
brincar e prazer integram a mesma categoria.
19
• APRENDER A CONVIVER - Os jogos e brincadeiras são exemplos de
vivências muito eficientes para facilitar e formar nos indivíduos valores de
cooperação, trabalho em equipe, respeito pelas diferenças individuais e
desenvolvimento de projetos. Há inúmeras propostas para se trabalhar estes
conceitos, sobretudo a nova tendência dos Jogos Cooperativos, criada no
Canadá e na Bélgica e começando a ser difundida no Brasil, cujo intuito é o de
estimular a cooperação contrapondo-a à acirrada competição em que tem se
transformado o cotidiano na vida do ser humano.
• APRENDER A SER - O brincar constitui-se na linguagem por excelência
das crianças, através da qual eles podem expressar-se e comunicar-se com o
outro. Através do brincar a criança expressa seu ser integral colocando corpo,
mente, sentimentos e espírito em evidência. O brincar constitui um excelente
canal e oportunidade para o ser humano expressar e comunicar, de forma
espontânea, as suas crenças, atitudes, criatividade e valores. Nesse sentido
ele deve ser incentivado nos diferentes grupos.
Habitualmente, o brinquedo é visto como uma forma de atividade
espontânea, que tem função autônoma. Não é fácil englobar, em uma única
forma a essência do brinquedo. Segundo o estudioso holandês Johan
HUIZINGA (1971), não se brinca a não ser por iniciativa própria ou por livre
adesão. Um brinquedo obrigatório perde o caráter de brinquedo; é,
evidentemente, outra coisa qualquer. O brinquedo é definido pelo próprio
participante como fictício, como não real, como estranho à vida efetiva (é de
brincadeira, não é a sério); todavia, é capaz de absorver inteiramente o
indivíduo, que se afasta da realidade. Mesmo sendo uma atividade
espontânea, o brinquedo desenvolve-se dentro de limites e de lugar
estabelecido e, sobretudo segundo normas próprias. Não há um brinquedo sem
as regras do jogo. HUIZINGA (1971) menciona, por fim, um último caráter que
se refere à sociabilidade da atividade lúdica. A maior parte dos brinquedos tem
20 caráter coletivo e a participação coletiva em um brinquedo cria determinadas
ligações afetivas que são típicas e importantes.
Os bons brinquedos são geralmente aqueles que a criança pode usar de
várias maneiras. Os brinquedos que mais ajudam as crianças a se
desenvolverem, são aqueles adequados aos seus interesses e às suas
necessidades de aprendizagem. À medida que a criança vai se desenvolvendo
física e mentalmente, a margem de escolha de brinquedos aumenta. Aos
poucos ela começa a manifestar preferências por brinquedos socialmente
considerados como mais adequados para seu sexo (classificação imposta
pelos adultos). Muitas crianças se apegam a algum brinquedo, que passa a
ocupar um lugar especial em sua vida e em seu desenvolvimento. Os
brinquedos podem suscitar na criança longos momentos de contemplação e
êxtase.
Acreditamos que os brinquedos representam um mundo imenso, infinito,
cheio de promessas, surpresas. São as riquezas do imaginário infantil, através
deles as crianças liberam os seus sentidos, em todos os sentidos.
Brincar não é coisa apenas de crianças pequenas, erra a escola ao
subsidiar sua ação, dividindo o mundo em lados opostos: de um lado o jogo da
brincadeira, do sonho, da fantasia e do outro: o mundo sério do trabalho e do
estudo. Independente do tipo de vida que se leve, todos adultos, jovens e
crianças precisam da brincadeira e de alguma forma de jogo, sonho e fantasia
para viver.
A capacidade de brincar abre para todos: crianças, jovens e adultos,
uma possibilidade de decifrar enigmas que os rodeiam. A brincadeira é o
momento sobre si mesmo e sobre o mundo, dentro de um contexto de faz-de-
conta. A brincadeira é o momento sobre si mesmo e sobre o mundo, dentro de
um contexto de faz-de-conta.
21
É através das brincadeiras que a criança representa o discurso externo e
o interioriza, construindo seu próprio pensamento. O adulto transmite à criança
uma certa forma de ver as coisas. Quando apresentamos várias coisas ao
mesmo tempo, ou então por tempo insuficiente ou excessivo, estamos
desestimulando o estabelecimento de uma atitude de observação.
Se quisermos que a criança aprenda a observar, se quisermos que ela
realmente veja o que olha, temos que escolher o momento certo para
apresentar-lhe o objeto, motivá-la e dar-lhe tempo suficiente para que sua
percepção penetre no objeto. Teremos também que respeitar o seu interesse.
Insistir quando a criança já está cansada é propiciar o aparecimento de certas
reações negativas. Aprender a ver é o primeiro passo para o processo de
descoberta. É o adulto quem proporciona oportunidades para à criança ver
coisas interessantes, mas é indispensável que respeitemos o momento de
descoberta da criança para que ela possa desenvolver a capacidade de
concentração.
Assim como a criatividade da pessoa interage com à criança poderá
torná-la criativa, a paciência e a serenidade do adulto influenciarão também o
desenvolvimento da capacidade de observar e de concentrar a atenção.
Brincar juntos reforça laços afetivos. É uma maneira de manifestar nosso amor
à criança. Todas as crianças gostam de brincar com os professores, pais,
irmãos, e avós. A participação do adulto na brincadeira com a criança eleva o
nível de interesse pelo enriquecimento que proporciona, pode também
contribuir para o esclarecimento de dúvidas referentes às regras das
brincadeiras. A criança sente-se ao mesmo tempo prestigiada e desafiada
quando o parceiro da brincadeira é um adulto. Este, por sua vez pode levar a
criança a fazer descobertas e a viver experiências que tornam o brincar mais
estimulante e mais rico em aprendizado. (MALUF, 2004)
22 A brinquedoteca é um espaço que visa estimular crianças e jovens a
brincarem livremente, pondo em prática sua própria criatividade e aprendendo
a valorizar as atividades lúdicas.
De acordo com RODARI (1982), por meio das brinquedotecas,
avaliamos nas crianças o seu desenvolvimento, através do acompanhamento,
da observação diária, no que se refere a socialização, a iniciativa, a linguagem,
ao desenvolvimento motriz e buscamos através das atividades lúdicas o
desenvolvimento das suas potencialidades.
Santa Marli Pires Dos SANTOS (1997), relata que uma brinquedoteca
não significa apenas uma sala com brinquedos, mas em primeiro lugar, uma
mudança de postura frente à educação. É mudar nossos padrões de conduta
em relação a criança. É abandonar métodos e técnicas tradicionais; é buscar o
novo, não pelo modernismo, mas pela convicção do que este novo representa;
é acreditar no lúdico como estratégia do desenvolvimento infantil.
A brinquedoteca tem como proposta o brinquedo, o objeto, sua
necessidade é de ampliar e preservar as possibilidades de vivência do lúdico.
Uma brinquedoteca pode ter diferentes finalidades no âmbito lúdico,
como por exemplo: brinquedotecas especializadas em atendimento a crianças
da primeira infância, outras somente para empréstimos de brinquedos.
Podemos dizer que é uma oficina de criação lúdica, onde crianças e jovens
experimentam, conhecem, exploram e manipulam diversos brinquedos,
construindo assim seu próprio conhecimento, desenvolvendo autonomia,
criatividade e liberando suas fantasias.
O mundo de brinquedos é a primeira idéia que surge para quem entra na
brinquedoteca. Lá existem brinquedos variados, novos, usados, brinquedos de
madeira, plástico, metal, pano, aquele da propaganda, um que nossos pais
brincavam, ou aquele tão desejado. Brinquedos que vão realizar sonhos,
23 desmistificar fantasias ou simplesmente estimular a criança a brincar
livremente. Quando uma criança entra na brinquedoteca, deve ser tocada pela
expressividade da decoração, pela alegria e a magia do espaço. Sendo um
ambiente para estimular a criatividade, deve ser preparado de forma criativa,
com espaços que incentivem a brincadeira de “faz de conta”, a construção de
brinquedos e a socialização.
O que não podemos esquecer é que qualquer que seja o tipo de
brinquedoteca, os acervos de brinquedos, as brincadeiras, vão proporcionar à
criança e ao jovem, momentos criativos, alegres, com muito prazer e
aprendizado.(GOUVEA,1969)
A relação da brincadeira e o desenvolvimento da criança permitem que
se conheça com mais clareza importantes funções mentais, com o
desenvolvimento do raciocínio da linguagem.
VYGOTSKY (1999) revela como o jogo infantil aproxima-se da arte,
tendo em vista necessidade da criança criar para si o mundo às avessas para
melhor compreendê-lo, atitude que também define a atividade artística.
Sendo a brincadeira resultado de aprendizagem, e dependendo de uma
ação educacional voltada para o sujeito social criança, devemos acreditar que
adotar jogos e brincadeiras, como metodologia curricular, possibilita à criança
base para subjetividade e compreensão da realidade concreta.
É preciso que os professores se coloquem como participantes,
acompanhando todo o processo da atividade, mediando os conhecimentos
através da brincadeira e do jogo, afim de que estes possam ser reelaborados
de forma rica e prazerosa. Se os estímulos estiverem adequados ao estágio de
desenvolvimento em que a criança se encontra, as experiências vividas
constituir-se-ão em aprendizagens ricas e duradouras.
24 No contexto escolar, propor brincadeiras como aprendizagem, aproxima-
se do trabalho. Evidencia-se que o brincar transformado em instrumento
pedagógico na Educação, vai favorecer a formação da criança para cumprir
seu papel social, e mais tarde de adulto.
25
CAPÍTULO II
A ATIVIDADE LÚDICA
COMO PROCESSO REVELADOR DA EMOÇÃO
No presente capítulo estaremos usando a expressão faz-de-conta com o
seguinte sentido: uma conduta lúdica da criança que usa a representação
dramática sem as preocupações que a palavra representar tem no seu
sentido usual, ou seja, para um público, para ser apreciada por observadores.
É uma atividade psicológica de grande complexidade, é uma atividade
lúdica que desencadeia o uso da imaginação criadora pela impossibilidade de
satisfação imediata de desejos por parte da criança. Essa atividade enriquece a
identidade da criança, porque ela experimenta outra forma de ser e de pensar;
amplia suas concepções sobre as coisas e as pessoas, porque a faz
desempenhar vários papéis sociais ao representar diferentes personagens.
Quando brinca, a criança elabora hipóteses para a resolução de seus
problemas e toma atitudes além do comportamento habitual de sua idade, pois
busca alternativas para transformar a realidade. Os seus sonhos e desejos, na
brincadeira podem ser realizados facilmente, quantas vezes o desejar, criando
e recriando as situações que ajudam a satisfazer alguma necessidade presente
em seu interior. Vygotsky (1984) assinalou que uma das funções básicas do
brincar é permitir que a criança aprenda a elaborar/ resolver situações
conflitantes que vivencia no seu dia a dia.E para isso, usará capacidades como
a observação, a imitação e a imaginação.Essas representações que de início
podem ser "simples", de acordo com a idade da criança, darão lugar a um faz
de conta mais elaborado, que além de ajudá-la a compreender situações
conflitantes ajuda a entender e assimilar os papéis sociais que fazem parte de
nossa cultura (o que é ser pai, mãe, filho, professor, médico, ...). Através desta
26 imitação representativa a criança vai também aprendendo a lidar com regras e
normas sociais. Desenvolve a capacidade de interação e aprende a lidar com o
limite e para tanto, os jogos com regras são fundamentais, principalmente a
partir dos 06 anos aproximadamente.
Quando Vygotsky (1984) discute o papel do brinquedo, refere-se
especificamente à brincadeira de "faz-de-conta", como brincar de casinha,
brincar de escolinha, brincar com um cabo de vassoura como se fosse um
cavalo. Faz referência a outros tipos de brinquedo, mas a brincadeira "faz-de-
conta" é privilegiada em sua discussão sobre o papel do brinquedo no
desenvolvimento.
As crianças evoluem por intermédio de suas próprias brincadeiras e das
invenções das brincadeiras feitas por outras crianças e adultos. Nesse
processo, ampliam gradualmente sua capacidade de visualizar a riqueza do
mundo externamente real, e , no plano simbólico procuram entender o mundo
dos adultos, pois ainda que com conteúdos diferentes, estas brincadeiras,
possuem uma característica comum: a atividade do homem e suas relações
sociais e de trabalho. Deste modo, elas desenvolvem a linguagem e a narrativa
e nesse processo vão adquirindo uma melhor compreensão de si próprias e do
outro, pela contraposição com coisas e pessoas que fazem parte de seu meio,
e, que são portanto, culturalmente definidas também.
Para Vygotsky (1984) , ao reproduzir o comportamento social do adulto
em seus jogos, a criança está combinando situações reais com elementos de
sua ação fantasiosa. Esta fantasia surge da necessidade da criança, como já
dissemos, em reproduzir o cotidiano da vida do adulto da qual ela ainda não
pode participar ativamente. Porém, essa reprodução necessita de
conhecimentos prévios da realidade exterior, deste modo, quanto mais rica for
a experiência humana, maior será o material disponível para as imaginações
que irão se materializar em seus jogos.
27 A construção do real parte então do social (da interação com outros),
quando a criança imita o adulto e é orientada por ele, e paulatinamente é
internalizada pela criança. Ela começa com uma situação imaginária, que é
uma reprodução da situação real, sendo que a brincadeira é muito mais a
lembrança de alguma coisa que de fato aconteceu, do que uma situação
imaginária totalmente nova. Conforme a brincadeira vai se desenvolvendo
acontece uma aproximação com a realização consciente do seu propósito.
Vygotsky (1984) coloca que o comportamento das crianças em
situações do dia a dia é, em relação aos seus fundamentos, o contrário
daquele apresentado nas situações de brincadeira. A brincadeira cria zona de
desenvolvimento proximal da criança que nela se comporta além do
comportamento habitual para sua idade, o que vem criar uma estrutura básica
para as mudanças da necessidade e da consciência, originando um novo tipo
de atitude em relação ao real. Na brincadeira, aparecem tanto a ação na esfera
imaginativa numa situação de faz-de-conta, como a criação das intenções
voluntárias e as formações dos planos da vida real, constituindo-se assim, no
mais alto nível do desenvolvimento pré-escolar.(VYGOTSKY,1984).
Outro aspecto importante colocado por Vygotsky (1984) é que, no jogo
de faz-de-conta, a criança passa a dirigir seu comportamento pelo mundo
imaginário, isto é, o pensamento está separado dos objetos e a ação surge das
idéias. Assim, do ponto de vista do desenvolvimento, o jogo de faz-de-conta
pode ser considerado um meio para desenvolver o pensamento abstrato.
A interpretação de Vygotsky atribui ao jogo imaginário uma dupla
tendência com ações subordinadas ao real, pelos seus vínculos com
acontecimentos e regras daquilo que é vivenciado, e com a transformação do
real, pelas possibilidades de recombinação criativa das experiências, conforme
salienta ROCHA (1994). No entanto, segundo a mesma autora, a primeira
tendência foi enfatizada por outros autores da abordagem histórico-cultural,
tendo sido subestimado aquilo que o teórico esboçou como processo de
28 criação imaginativa. Tanto a atividade lúdica quanto a atividade criativa surgem
marcadas pela cultura e mediadas pelos sujeitos com que elas se relacionam.
Mas além de ser uma situação imaginária, o brinquedo é também uma
atividade regida por regras. Mesmo no universo do "faz-de-conta" há regras
que devem ser seguidas. Ao brincar de ônibus, por exemplo, exerce o papel de
motorista. Para isso tem que tomar como modelo os motoristas reais que
conhece e extrair deles um significado mais geral e abstrato para a categoria
"motorista". Para brincar conforme as regras, tem que esforçar-se para exibir
um comportamento ao do motorista, o que a impulsiona para além de seu
comportamento como criança. Tanto pela criação da situação imaginária, como
pela definição de regras específicas, o brinquedo cria uma zona de
desenvolvimento proximal na criança. No brinquedo, a criança comporta-se de
forma mais avançada do que nas atividades da vida real e também aprende a
separar objeto/significado.
Vygotsky (1984) vem quebrar a dicotomia de mundo-adulto-sério-real e
mundo-infantil-lúdico-fantasioso. Fantasia e realidade se realimentam e
possibilitam que a criança - assim como os adultos - estabeleça conceitos e
relações; insira-se enquanto sujeito social que é. Ele sinaliza que, ao brincar, a
criança não está só fantasiando, mas fazendo uma ordenação do real; tendo a
possibilidade de ressignificar suas diversas experiências cotidianas. Não
podemos nos esquecer de que para ele, a imitação, o faz-de-conta, permite a
reconstrução interna daquilo que é observado externamente e, portanto,
através da imitação são capazes de realizar ações que ultrapassam o limite de
suas capacidades.
Se através da imitação (no sentido atribuído por Vygotsky, um
instrumento de reconstrução), a criança aprende, nada mais positivo que a
escola promova situações que possibilitem a imitação, a observação e a
reprodução de modelos. Logicamente o sentido de imitação explícito nas idéias
no autor, não pode ser confundido com o que podemos constatar ainda em
29 tantas escolas: proposição de atividades que visam tão somente à reprodução,
descontextualizadas, imitações mecânicas de modelos fornecidos pelos
professores, as "famosas cópias" de desenhos fornecidos pelos docentes ou
retirados de alguma cartilha. As situações de imitação precisam intervir e
desencadear um processo de aprendizagem.
A promoção de atividades que favoreçam o envolvimento em
brincadeiras, principalmente aquelas que promovem a criação de situações
imaginárias, têm nítida função pedagógica. A escola e, particularmente a pré-
escola, poderiam a partir desse tipo de situações, atuar no processo de
desenvolvimento das crianças. Principalmente na pré-escola, a brincadeira não
deveria ser considerada uma atividade de passatempo, sem outra finalidade
que a diversão.
Para tanto, é preciso, inicialmente, considerar as brincadeiras que as
crianças trazem de casa ou da rua e que organizam independentemente do
adulto, como um diagnóstico daquilo que já conhecem, tanto no diz respeito ao
mundo físico ou social, bem como do afetivo e, é necessário que a escola
possibilite o espaço, o tempo e um educador que seja o elemento mediador
das interações das crianças com os objetos de conhecimento.
Há muitos modos de se classificar os brinquedos, os jogos, de acordo
com a área de estudo, como por exemplo a Antropologia, a História, a
Pedagogia ou a Psicologia. Há, ainda, diferenças e semelhanças com relação a
se chamar o brinquedo de jogo, e o brinquedo de brincadeira.
O brinquedo é uma atividade simbólica, que funciona como motor do
desenvolvimento infantil, tanto cognitiva, emocional, como socialmente. Ele
permite à criança circular livremente pelo mundo da fantasia e, a partir daí,
elaborar conflitos internos, compensar situações internas, lidar com o
interindividual e construir sua inteligência.
30 Através do lúdico a criança constrói sua inteligência e antecipa as
funções sociais, realizando num campo proximal, potencialmente, o que não
seria ainda capaz de realizar na realidade. Por exemplo, uma criança de 4 anos
é capaz de, brincando, proceder corretamente numa situação de cuidados
pessoais ou cuidados de higiene com outra pessoa, lavando todas as partes do
corpo da boneca, penteando seus cabelos. Na sua vida fora do brinquedo,
sabe-se, esta criança ainda não é capaz de fazê-lo, necessitando do auxílio e
supervisão do adulto para que possa cuidar-se.
Para efeito didático, será utilizada a classificação dos jogos de Piaget,
para quem “a função é que vai diferenciar esses jogos, que não têm outra
finalidade a não ser o próprio prazer do funcionamento” (PIAGET, 1978). No
entanto, será priorizado o referencial teórico de Vygotsky (1989) que remete
ao papel do brinquedo enquanto formador da mente e do desenvolvimento
humano de um modo geral. Para este último autor (VYGOTSKY, 1989), todo
brinquedo é simbólico, inclusive os jogos que envolvem regras, como o jogo de
damas. Em toda regra há símbolos, assim como em todo jogo simbólico há
regras. Os jogos ou brinquedos, didaticamente, portanto, podem ser
classificados em:
- Jogos de exercício
- Jogos simbólicos
- Jogos de regra
- Jogos de construção
O jogo de exercício é um jogo sensório-motor. A inteligência sensório-
motora se determina em presença do objeto, das situações, das pessoas e tem
como instrumento a percepção. Ela elabora subestruturas cognitivas da
inteligência ulterior. É a inteligência prática, que tem início com o exercício dos
reflexos. Por exemplo, quando o bebê bate no palhacinho do berço pelo
simples prazer de tocá-lo. Em crianças maiores, quando se pula um córrego
pelo simples prazer de saltar e tornar a pular. Andar pulando, alternando os pés
no paralelepípedo. Esse jogo de simples exercício, sem a intervenção de
31 símbolos mais elaborados ou ficções, nem de regras, caracteriza as condutas
animais. O gato correndo atrás de um novelo de lã é um exemplo disso.
Na criança, o jogo de exercício é o primeiro a aparecer e caracteriza as
primeiras fases do desenvolvimento pré-verbal (antes da linguagem). O jogo de
exercício pode também desenvolver as funções superiores, como por exemplo,
aquele brinquedo em que a criança faz perguntas pelo prazer de perguntar,
sem o interesse real pela resposta ou pelo problema. O jogo de exercício não
supõe o pensamento nem qualquer estrutura representativa especificamente
lúdica, no entanto, é um jogo inicial, motor, que é fundamental à própria
formação, ao aparecimento do símbolo na criança
O jogo simbólico tem início quando a criança entra no período simbólico
ou semiótico,o que ocorre por volta dos 2 anos de idade. A criança passa do
jogo simbólico individual para o coletivo, onde, em grupo, participa de
dramatizações sobre a família, com papéis específicos e respeitando a
presença do outro grupo. Esta é uma etapa importante para a socialização e a
aprendizagem de regras de convívio social. Através deste tipo de jogo a
criança tem oportunidade de trazer para a fantasia, a realidade a qual está
exposta, representando-a, elaborando-a, preparando-se para assumir no futuro
os papéis que um dia terá que desempenhar. São muitas as formas de se
trabalhar com o jogo simbólico. Todas as atividades de imaginação são
simbólicas, portanto, brincar de médico, de casinha, imitar animais,
são exemplos de jogos simbólicos.
O jogo de regras resulta da organização coletiva das atividades lúdicas.
Aos jogos simbólicos sobrepõem-se no curso do desenvolvimento, esta terceira
grande categoria, o jogo de regras. E, neste momento, a regra supõe,
necessariamente, relações sociais ou interindividuais. A regra é uma
regularidade imposta pelo grupo e de tal sorte que a sua violação representa
uma falta. Também o jogo de regras inclui elementos sensório-motores e a
32 imaginação simbólica. São exemplos de jogo de regras: o jogo de bola de
gude, charadinhas, “A Linda Rosa Juvenil”, jogos de mesa como xadrez,
damas, torrinha ou ludo, jogo da velha, entre tantos outros.
Assim ocorre com os jogos de papéis, de dramatizações, de teatro. Sai-
se do jogo na direção da imitação e do trabalho. Os jogos de construção não
definem uma fase entre outras, mas ocupam principalmente no jogo simbólico
e de regras, uma posição situada a meio caminho entre o jogo e o trabalho
inteligente, ou entre o jogo e a imitação.
Para nossa criança, o trabalho com jogos é essencial. Através do jogo
deve ser o principal instrumento de aprendizagem. Em Língua Portuguesa,
brincar de teatro, utilizar os diversos jogos de regras a disposição para se
trabalhar com a leitura e a escrita, e aprender a escrever e ler textos que
podem servir para representar, poderá ser útil e gostoso. Deve-se aprender a
trabalhar com os jogos, ou seja, com o brinquedo, para ajudar a criança a se
desenvolver.
O pedagogo, tanto quanto o terapeuta infantil, deve estar preocupado e,
intencionalmente, deve incluir o brinquedo em seu dia-a-dia. Para crianças
menores, por exemplo, os jogos de exercício e simbólicos são os essenciais.
Os jogos de regra devem ser muito simples, como pular amarelinha, pular
corda, lotos grandes e também muito simples, e outros, que não exijam da
criança um tempo grande de concentração sentada. A criança de 4 anos ainda
não deve ser exigida com jogos de regras muito elaborados.
A criança de mais de 4 anos deve trabalhar com jogos sensório-motores
e os simbólicos, e também já é capaz de aprender jogos de regras como o jogo
da velha, o dominó, lotos, entre outros. Esta criança também necessita estar
brincando livremente em alguns momentos, e brincando de forma mais
estruturada, mais direcionada, com o simbólico, como por exemplo em
dramatizações de médicos, de casinha, de histórias contadas pelo pedagogo
33 ou terapeuta. O tempo de brinquedo livre é fundamental na vida de toda
criança. E brincar de forma direcionada não significa interferir no brinquedo ou
na fantasia da criança, mas possibilitar o brinquedo.As crianças maiores devem
continuar experimentando todos os tipos de brinquedos, com a intencionalidade
no planejamento do professor, do terapeuta. E os jogos de regras e de
construção devem atingir um patamar de maior complexidade, sem, no entanto,
exigir mais do que a criança pode dar. A criança de pré-escola já é capaz de
aprender jogos tão complexos quanto o de xadrez.
O lúdico e o imaginário exerceram papel fundamental na evolução da
sociedade, da civilização. Tudo aquilo que é descoberto, inusitado, grande ou
pequeno, antes de realizar-se na prática e se consolidar, estava na
imaginação. O que é inventado, criado, “descoberto” por um gênio (que é um
sintetizador da fantasia coletiva), provavelmente esteve na mente do coletivo
antes. Criar é estabelecer combinações e correlações novas, a partir do que já
está lá. O que é descoberto são fantasias cristalizadas, vividas coletivamente
antes de sua forma final de descoberta. E o jogo, o brinquedo, é o elemento
básico da criação.
É necessário ainda lembrar que a atividade imaginativa é decorrente da
realidade em função da experiência prévia que se tem; do fato da fantasia, que
é sempre construída a partir de elementos do mundo real, se apóia na
memória; que a passagem do produto final da imaginação está vinculada ao
social e a outros fenômenos da realidade. No entanto, a imaginação não se
limita a reproduzir a realidade, as experiências anteriores, mas, a partir dela, é
possível criar combinações completamente novas dentro da realidade. E que
há a influência de fatores emocionais, da linguagem interior, dos sentimentos.
Imaginação e emoção estão interligadas, pois todas as formas de manifestação
criadora trazem elementos afetivos.
34 Portanto, o faz-de-conta, o lúdico, o imaginário, exercem papel
fundamental na evolução da sociedade, da civilização, pois é na imaginação
que são geradas as grandes idéias, as grandes descobertas humanas.
Temos acompanhado de perto, através do olhar de nossos alunos e do
contato com instituições de educação, especialmente de educação infantil
(creches e pré-escolas) a dificuldade dos educadores em acessar e utilizar o
brinquedo como instrumento pedagógico em sua prática, mesmo neste nível de
ensino. Algumas instituições guardam os brinquedos em prateleiras, em salas
fechadas, e as crianças só têm acesso a eles através do contato visual – e
provavelmente de seu desejo. “Brinquedos são para serem usados, são para
brincar!” É o grito que fica contido na garganta dos alunos.
35
CAPÍTULO III
O JOGO DE AREIA E A ARTETERAPIA NO
DESENVOLVIMENTO DO SER
O Jogo de Areia, como "método psicoterapêutico", foi idealizado por
Dora Maria Kalff, analista junguiana suíça, a partir de técnica psicológica criada
por Margaret Lowenfeld, pediatra inglesa que contemporaneamente à Melanie
Klein introduziu o brinquedo na relação analítica com crianças (THOMPSON,
1981 apud BRADWAY, 1997). Este trabalho apresenta e discute o Jogo de
Areia, método de psicoterapia junguiano, conforme concebido por sua autora
(KALFF, 1980 apud AMMANN, 2002), enfocando aspectos do seu estágio atual
de desenvolvimento no contexto de pesquisa em psicologia clínica e sugerindo
possibilidades de expansão a outras áreas.
Consideram-se alguns dos estudos que validam sua aplicação em
serviços públicos de saúde, assim como com pacientes com câncer, vítimas de
abusos e outros casos clínicos. A expansão clínica do Jogo de Areia como um
método psicoterapêutico não verbal é também discutida. Considera-se e
justifica-se, ainda, a necessidade do uso do Jogo de Areia como objeto de
pesquisa. Também são apresentadas algumas possibilidades de ampliação do
Jogo de Areia como um instrumento de pesquisa acadêmica na Arteterapia.
O procedimento criado por KALFF (1980 apud AMMANN, 2002) entre
1954 e 1956, consiste na utilização de duas caixas preenchidas com areia e
uma ampla coleção de miniaturas representativas de todo o universo (animais,
pessoas, moradias, meios de transportes, vegetação, figuras mitológicas,
religiosas etc.). O cliente, criança ou adulto, é convidado a escolher uma das
caixas na qual deverá construir, com miniaturas à sua escolha, um cenário. A
diferença entre as caixas é que, em uma delas, o cliente poderá acrescentar
água à vontade, trabalhando de forma mais lúdica, emocionalmente mais
36 regredida e com mais plasticidade. Pela padronização proposta por sua
criadora ((KALFF, 1980 apud AMMANN, 2002), é essencial que seja dada ao
cliente a opção de duas caixas, especialmente porque a inclusão ou não de
água na elaboração do cenário poderá ter características simbólicas
importantes no processo. KALFF ((KALFF, 1980 apud AMMANN 2002)
assumiu que a areia, de forma geral, por si só já é lúdica e convidaria à
modelagem de formas ou cenas.
37 O terapeuta observará a criação do cliente, mas não intervirá. Segundo KALFF
(KALFF, 1980 apud AMMANN, 2002) e WEINRIB (WEINRIB, 1983 apud
BRADWAY, 1997), decidiu adaptar à sua criação o procedimento junguiano
para interpretação de sonhos, o que significaria adiar, no processo de
execução, as interpretações dos cenários.
Alguns admitem, apenas circunstancialmente, a possibilidade de
interpretações ao reverem as fotos (WEINRIB, 1983, apud BRADWAY, 1997);
outros, ao contrário, consideram que permitir que o cliente saia da sessão sem
uma interpretação imediata poderá representar um risco (RYCE-MENUHIN,
1992, apud BRADWAY, 1997); há, ainda, aqueles que advoguem a tese de que
os insights do cliente serão sempre mais importantes e deverão se sobrepor,
tornando desnecessária qualquer interpretação do terapeuta (BRADWAY,
1997).
A opinião de que o Jogo de Areia dispensaria qualquer interpretação
baseia-se na existência de um suposto malefício representado pela interrupção
do processo criativo, pressupondo que este seria terapêutico por si só: "É a
vivência do processo, e não sua interpretação teórica, que cura" (BRADWAY,
1997, p. 46).
Alguns aspectos da situação psíquica poderiam ser projetados na caixa
e vistos numa representação tridimensional. Essa transposição de conflitos do
mundo interior para o mundo exterior os tornaria visíveis, e eles seriam, então,
elaborados - pelo criador dos cenários - de maneira espontânea e evolutiva.
(KALFF, 1980 apud AMMANN, 2002)
O método de Kalff foi desenvolvido apoiando-se no pressuposto de que,
quando o cliente começa a brincar ou construir cenários em intervalos
regulares, poder-se-ia observar, também, o início de um processo de
desenvolvimento psicológico, guiado por uma totalidade inconsciente. JUNG
(1991) reconheceu a existência desta totalidade inconsciente que, como um
princípio de auto-regulação, tenderia a conduzir à união de aspectos
contraditórios da personalidade que impedem o equilíbrio e o bem-estar
38 psíquico. A expressão e a visualização, na caixa, dos aspectos conflituosos e
de fontes de angústia levariam a psique, então, a acionar este princípio, que a
orientaria na direção de um rearranjo mais harmonioso. A singularidade do
Jogo de Areia seria, portanto, segundo sua autora, a de ser ele, por si mesmo,
um mediador entre polaridades visíveis e invisíveis, conscientes e
inconscientes (KALFF, 1980 apud AMMANN, 2002)
Com características e objetivos bastante específicos, o uso da caixa de
areia nestes estudos difere daquele proposto por Kalff (KALFF, 1980 apud
AMMANN, 2002) como método psicoterapêutico, mas amplia o âmbito de
atuação do Jogo de Areia. VIEIRA (1998) utiliza-se da caixa de areia como
material lúdico em estudo sobre a capacidade da criança em expressar sua
subjetividade. Já ZIMMERMANN (1996) apresentou, a caixa de areia como
técnica facilitadora de integração de processos simbólicos e como instrumento
facilitador para a orientação profissional.
Também na abordagem junguiana e em outras psicoterapias
psicodinâmicas, o trabalho clínico integra-se ao trabalho investigativo. Ou seja,
a execução de cenários na caixa de areia pode ser vista, ao mesmo tempo,
como um procedimento psicoterapêutico e investigativo.
A qualidade dos sentimentos (tristeza, alegria, raiva, hostilidade,
insegurança etc.), as principais defesas (negação, sublimação, regressão etc.),
as tendências dos impulsos (obsessão, perfeccionismo, excitação,
espontaneidade, contenção etc.), os diferentes aspectos de desenvolvimento
intelectivo (falta de concentração, limitação, alta elaboração, abstração etc.), as
funções psicomotoras (uso do espaço, esquema corporal, lateralidade,
equilíbrio, coordenação viso-motora etc.) e mesmo os indícios de
comprometimentos neurológicos podem ser perceptíveis por meio dos gestos,
da manipulação das miniaturas, da elaboração das cenas e da relação destes -
gestos, miniaturas e cenas - com o espaço das caixas. Aponta-se, aqui, a
inexistência de pesquisas nessa área, as quais, por exemplo, poderiam
fornecer material para compreensão de alguns distúrbios psiconeurológicos,
39 ainda hoje de difícil avaliação (por exemplo, toda a complexidade das
gagueiras e das afasias).
Entende-se que o Jogo de Areia, na qualidade de um jogo simbólico ou
como técnica de investigação clínica, possa ser considerado um poderoso
instrumento projetivo, que possibilita a conscientização e interpretação de
conteúdos que ainda não podem ser totalmente expressos em palavras e que,
em muitos casos, dificultam o diagnóstico ou o direcionamento de um
tratamento multidisciplinar. A atividade lúdica, aparentemente desvinculada da
queixa, pode diminuir a ansiedade do cliente, que se sente menos ameaçado
para se expressar de forma que parece ser controlada apenas por ele próprio.
Desde os seus primórdios, o Jogo de Areia já se caracterizava como um
meio através do qual a vida emocional e mental das crianças era comunicada
numa forma que poderia ser objetivamente registrada e analisada.
Embora o Jogo de Areia possa ser usado como instrumento de
psicodiagnóstico, não é assim que é visto pela comunidade internacional
usuária do método: "Não é um diagnóstico nem um teste psicológico,
principalmente por ser encarado como um método que se desenvolve num
processo psicodinâmico de inter-relação do paciente e terapeuta, ao longo do
tempo, meses ou anos" (AMMANN, 2002). , o Jogo de Areia possibilitaria o
"levantamento de hipóteses sobre as capacidades defensivas e criativas,
operantes e potenciais do cliente".afirmou que a psique contém informações às
quais o consciente não tem acesso, mas que podem aparecer em sonhos e/ou
em cenários na caixa de areia, revelando registros de doenças orgânicas e
também dos símbolos que poderiam indicar elementos faltantes para o
paciente ampliar a consciência de si mesmo e até mesmo curar-se.
Partindo dos relatos sobre a eficiência do Jogo de Areia no contexto das
psicoterapias, pode-se dizer que ele vem se afirmando como um método
psicoterapêutico, desenvolvido com um instrumental clínico junguiano singular.
40 Reconhece-se a necessidade de ampliação do conhecimento existente
sobre o Jogo de Areia, supondo-se que, através dele, estendam-se suas
aplicações a outras atividades terapêuticas, como a Arteterapia, definida por
possibilitar a emergência de uma imagem imaginada transposta em imagem
criada, a partir da utilização de materiais que propiciam a expressão ou a
comunicação de representações como as fantasias e sentimentos.
41
CONCLUSÃO
O jogo é tão antigo quanto a cultura, pois é parte dela. E é neste
contexto que os jogos florescem como uma ampla rede de significados. Assim
sendo, o jogo se constitui como forma de linguagens, produção simbólica,
produção estética.
Abordando a arte na perspectiva infanto-juvenil, necessariamente temos
que nos remeter ao lúdico , ou seja ao jogo. porque tais manifestações se
encontram profundamente entrelaçadas.
No séc. XVIII, a presença do lúdico na vida do homem que, ao mesmo
tempo, o condicionava à postura estética. Já se propugna a existência de um
impulso natural humano de origem no sensível, que é o jogo. Além do caráter
sensível e estético do jogo, conseguia-se divisar uma face poética do jogo:
suprimir o tempo no tempo. Conjuga-se no lúdico o impulso sensível e o formal,
à medida que isto simula e ocupa o tempo.
Pode-se erigir um paradigma do humano ao afirmar que o homem só é
pleno quando joga. Assim preferimos tratar a arte infantil ou como processo
criador - na expressão – ou como jogo - comportamento também criador e
estético.
Note-se que, com o lúdico, começam a aparecer as primeiras produções
criadoras da infância, em que o lúdico e a criação se interconectam. Por outro
lado, tanto um como o outro têm características semelhantes. São ações, têm
espontaneidade, são prazerosos e se estruturam através da forma. Todavia, se
tais manifestações se entrecortam, as mesmas suscitam indagações entre os
educadores e adultos quanto a sua eficácia, se é que assim poderíamos dizer.
Daí advêm indagações do tipo: O jogo é bom para a criança? A arte é boa
42 para a criança? E dentro de um espírito utilitarista indaga-se: Para que serve o
jogo e a arte? O que a criança ganha com isto?
A arte e o jogo, ficam assim, colocados como adorno ou alegoria, e nada
mais, como se quem os elaboram estivesse sob os efeitos de um piloto
automático acionado, e que, desacionado, não se memorizam, não se
resgatam, não se processam na mente. Ao mesmo tempo, a arte passa a ser
vista apenas como algo a ser contemplado, fruído no outro - na obra do outro -
sem admitir que não se vê o outro senão pela experiência que realizamos,
colhemos e processamos. Julgamos também que se menospreza a capacidade
conceitual ou racional que se aplica na elaboração técnica das artes ou dos
jogos. Mas, sem reduzir ao caráter do conceitual ou racional em que se
revestem os processos de produção da arte, poderíamos também indagar:
onde fica a estética, que também perpassa os discursos conceituais na
educação?
Parece-nos que há um preconceito quanto às considerações do estético,
quando se sabe que todas as ações humanas estão permeadas por essa
forma, ou seja, em outras áreas do conhecimento se releva o valor da estética,
como no ensino da língua, da geografia e outras tantas ciências. Por que então
se perguntar do valor da arte?
No entanto, não há uma falsa compreensão do que seja o estético em
geral, pois admitir essa pergunta seria o mesmo que se interrogar para que
serve o conhecimento. Ocorre que, numa sociedade de extremado culto ao
valor utilitário e imediatista do saber, a educação estética fica desarticulada
face aos maiores interesses pelo conhecimento e criação que objetivem a
produção econômica.
Por outro lado, não se destaca, nas diversas disciplinas escolares, o
estético ali contido. Não se ressalta a estética criadora da literatura, não se
propugna por um ensino criador literário, não se sublinha a estética do desenho
43 geométrico, da expressão cênica, da apreciação estética dos relevos
geográficos, e assim por diante. O estético, na verdade, parece ficar locado
apenas nas obras de arte, no seu conjunto histórico, o que fica distante do
aluno. Talvez estas indagações é que tenham levado o nosso sistema
educacional a não o considerar de forma equilibrada e séria dentro do currículo
escolar, tanto quanto sua experiência em arte e no seu próprio jogo.
Ao mesmo tempo, é necessário que se reconheça que a educação por
essência tem como preocupação a criação de novos saberes e assim de novas
formas. No sentido primitivo, a palavra educação tem suas origens nos verbos
latinos ‘educare’ (alimentar, amamentar, criar), com significado de algo que se
dá a alguém, e ‘educere’, que expressa a idéia de conduzir para fora, fazer sair,
tirar de. Nesta acepção, educação representa um ato a desenvolver, de dentro
para fora, algo que está no indivíduo. O sentido ‘educere’ sugere a libertação
de forças latentes e que dependem de estimulação para virem à tona.
Estes dois sentidos têm marcado as teorias e práticas pedagógicas de
tal forma, que podemos afirmar, sem medo de incorrer em imprecisões, que os
conceitos de educação tradicional e de educação nova, estão fortemente
impregnados desta ambigüidade semântica.
Com efeito podemos observar que a educação tradicional tem entre
seus componentes mais importantes, o fato de que os grandes problemas
estão voltados para o professor, para o programa, para a disciplina, enfim, para
algo que é exterior ao educando. A educação nova se identifica , pois, mais
diretamente com o sentido de ‘educere’, uma vez que os limites da ação
educativa representam algo eminentemente pessoal e dependem das
possibilidades de cada um, conforme os estímulos adequados que receba.
Isso nos leva a entender que a expressão artística reside na concepção
de ”educere”, sem que com isso não se encontre dentro de “educare” outros
parâmetros da educação estética, como aqueles valores já consagrados pela
44 história da arte, e que assim estabelecidos, passam a constituir algo já
externado e que poderá se consubstanciar em conteúdos de um “educare”.
Além do que, educar além de comportar o formar e informar , também
compreende criar.
Esta pesquisa possibilitou verificar a distância que existe entre o
discurso e a prática concreta em sala de aula. Vale ressaltar que, se não
houver uma continuidade nos estudos, não haverá uma contínua construção do
conhecimento.
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48
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO............................................................................................ 2
AGRADECIMENTOS.......................................................................................... 3
DEDICATÓRIA................................................................................................... 4
RESUMO............................................................................................................ 5
METODOLOGIA................................................................................................. 6
SUMÁRIO........................................................................................................... 7
INTRODUÇÃO.................................................................................................... 8
CAPÍTULO I
A INTERAÇÃO DA CRIANÇA COM O LÚDICO E A EXPRESSÃO CRIATIVA
COMO MODALIDADE TERAPÊUTICA NO BRASIL........................................ 11
CAPÍTULO II
A ATIVIDADE LÚDICA COMO PROCESSO REVELADOR DA EMOÇÃO..... 25
CAPÍTULO III
O JOGO DE AREIA E A ARTETERAPIA NO DESENVOLVIMENTO DO
SER................................................................................................................... 35
CONCLUSÃO................................................................................................... 41
BIBLIOGRAFIA................................................................................................. 45
ÍNDICE.............................................................................................................. 48