101
FEMPAR - FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA POR UM DIREITO PENAL MÍNIMO” CURITIBA 2008

DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

  • Upload
    dinhdat

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

FEMPAR - FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ

DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA

“A BUSCA POR UM DIREITO PENAL MÍNIMO”

CURITIBA 2008

Page 2: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

ii

SILVIO PEREIRA DA MATA

DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA

“A BUSCA POR UM DIREITO PENAL MÍNIMO”

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Ministério Público – Estado Democrático de Direito, na área de concentração em Direito Penal, Fundação Escola do Ministério Público do Paraná – FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil - UniBrasil. Orientador: Sylvio Lourenço da Silveira Filho

CURITIBA 2008

Page 3: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

iii

TERMO DE APROVAÇÃO

SILVIO PEREIRA DA MATA

DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA POR UM DIREITO PENAL MÍNIMO”

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista no

curso de Pós-graduação em Ministério Público – Estado Democrático de Direito,

Fundação Escola do Ministério Público do Paraná – FEMPAR, Faculdades Integradas do

Brasil – UniBrasil, examinada pelo Professor Orientador Sylvio Lourenço da Silveira

Filho.

________________________________________________________________

PROF. SYLVIO LOURENÇO DA SILVEIRA FILHO

ORIENTADOR

Curitiba, 12 de janeiro de 2009.

Page 4: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

iv

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter estado a meu

lado em todos os momentos da minha vida.

Aos meus pais, Manoel e Maria, a quem

tudo devo e sei que jamais conseguirei

retribuir na mesma proporção.

A minha esposa Rosane, que com amor,

compreensão e estímulo, aceitou a minha

ausência, para que assim, eu pudesse me

dedicar em mais esta empreitada do Direito.

Agradeço em especial, ao professor e

orientador Sylvio Lourenço da Silveira Filho,

que mesmo não tendo sido meu professor,

disponibilizou seu tempo e seus elevados

conhecimentos na orientação deste trabalho.

Page 5: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

v

“O cárcere deve ser a última das soluções: quanto maior tempo for a prisão, mais insolvente para a vida extra murus se tornará o apenado.”

Louk Hulsman.

“Do rio que tudo arrasta se diz que é

violento. Mas ninguém diz como são violentas as

margens que o reprimem.”

Bertold Brecht.

“A melhor reforma do direito penal não

consiste em sua substituição por um direito penal melhor, mas sua substituição por uma coisa melhor que o direito penal.”

G. Radbruch.

Page 6: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

vi

SUMÁRIO

TERMO DE PROVAÇÃO...................................................................................... AGRADECIMENTOS............................................................................................. EPÍGRAFE............................................................................................................... RESUMO.................................................................................................................. 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 2. FORMAÇÃO DO ESTADO................................................................................ 2.1 Teoria organicista................................................................................................. 2.2 Teoria Contratualista............................................................................................ 3. O PODER PUNITIVO DO ESTADO................................................................. 3.1 Evolução histórica do ‘poder punitivo’ estatal..................................................... 4. TEORIAS DA PENA............................................................................................ 4.1. Teorias Jurídicas: discurso oficial....................................................................... 4.1.1. Teorias Absolutas: pena como retribuição....................................................... 4.1.2. Teorias Relativas: pena como prevenção.......................................................... 4.1.2.1. Da prevenção geral........................................................................................ 4.1.2.2. Da prevenção especial................................................................................... 4.1.3. Teorias Mistas, Unificadoras ou Combinatórias.............................................. 4.2. Teorias Críticas: discurso criminológico............................................................. 4.2.1. Teoria negativa/agnóstica da pena.................................................................... 4.2.2. Teoria da retribuição equivalente..................................................................... 5. TEORIAS E MOVIMENTOS DA POLITICA CRIMINAL MODERNA..... 5.1. O neo-retribucionismo e o movimento da “lei e ordem”..................................... 5.2. Direito penal do inimigo...................................................................................... 5.2.1. Críticas ao direito penal do inimigo.................................................................. 5.3. O Estado de tolerância zero................................................................................. 5.4. O abolicionismo radical....................................................................................... 5.5. O Direito Penal mínimo....................................................................................... 5.5.1. Princípio da intervenção mínima...................................................................... 5.5.2. Objetivos do Direito Penal mínimo.................................................................. 5.5.2.1. Descriminalização.......................................................................................... 5.5.2.2. Descarcerização............................................................................................. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... REFERÊNCIAS........................................................................................................

iii iv v

vii 01 03 05 07 11 13 21 21 25 29 30 33 36 38 42 44 47 48 51 55 57 62 66 68 72 73 75 82 84

Page 7: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

vii

RESUMO

Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito

Penal como meio utilizado para garantir o poder punitivo estatal deve ser usado apenas e

tão-somente quando este for a ‘ultima ratio’. Acontece que tal pensamento não esta sendo

observado, haja vista, que a população ao se deparar com o aumento constante da

criminalidade, vem clamando por penas mais severas e inflexíveis. E o legislador pátrio,

na ânsia de dar uma resposta rápida aos anseios da população, ou de livrar-se do

problema, sem ao menos pensar nas conseqüências dessa inflação legislativa, faz do

Direito Penal a ‘panacéia para todos os males’. Isso demonstra que o Brasil ainda guarda

resquícios do modelo autoritarista da ‘lei e ordem’, que muito se fez presente no regime

militar, e que fazia da pena uma forma de vingança estatal para com aqueles que

infringissem suas regras. Tudo isso, nos faz crer que a pena tem apenas e tão somente o

condão de conferir ao apenado, o caráter retributivo do mal por ele causado,

inviabilizando assim, o alcance de uma finalidade maior que é a sua reintegração na

sociedade. Contudo, a política criminal moderna nos tem demonstrado que o uso

excessivo de leis penais, e seu agravamento, tal qual a aplicação irrestrita das penas de

prisão, em nada contribuem para a redução da criminalidade, pois o caos em que o

sistema prisional brasileiro vive, é a prova concreta de que o cárcere não ressocializa, ao

contrario dissocializa, haja vista que o convívio de pessoas, com os mais variados níveis

de periculosidade faz com que a cada dia formem-se novos bacharéis do crime.

Page 8: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

1. INTRODUÇÃO

Mesmo com a existência e a proliferação de diversos modelos de política

criminal em todo mundo, pode-se verificar que o Brasil ainda guarda resquícios

do modelo autoritarista da ‘Lei e ordem’ que muito se fez presente no regime

militar e que fazia da pena uma forma de vingança estatal para com aqueles que

infringiam suas regras.

Portanto, através de um estudo bibliográfico, a presente monografia

buscará, de certa forma, discorrer sobre alguns modelos de política criminal

existentes, bem como quais os métodos a serem empregadas pelo Estado para

garantir que as sanções penais por ele impostas, venham a cumprir a real

finalidade da pena que é a reintegração do indivíduo na sociedade.

Sendo assim, o trabalho se iniciará com a apresentação das teorias

‘Organicista’ e ‘Contratualista’. Tais teorias tentam demonstrar as formas de

convivência dos indivíduos na sociedade e, as diretrizes da formação,

funcionamento e existência do Estado.

Num segundo momento, será feito um levantamento histórico a respeito

do ‘Poder punitivo do Estado’, que vai desde os tempos primitivos, até os dias

atuais, no qual tem-se observado uma sensível diminuição da intervenção do

Estado, bem como, dos meios punitivos e repressivos por ele empregados no

combate aos desajustes sociais, apesar de ainda termos alguns movimentos que

pregam uma maior aplicação do ‘poder punitivo’ estatal.

No segundo capítulo, será feito um breve relato a respeito das teorias da

pena, na visão de alguns exímios doutrinadores. Todavia, o estudo será

direcionado da seguinte maneira: Primeiramente, serão estudadas as Teorias

Jurídicas do discurso oficial, dentre as quais podemos relacionar as teorias

absolutas (pena como retribuição); teorias relativas (pena como prevenção geral e

especial) e teorias mistas ou unificadoras. Em um segundo momento serão

analisadas as teorias críticas do chamado discurso criminológico, que vão desde a

teoria norte americana do etiquetamento social (labelling approach), passando

pela criminologia critica de Alessandro BARATTA, até chegar na proposta

Page 9: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

2

defendida por Eugenio Raúl ZAFFARONI de uma teoria negativa/agnóstica da

pena e, por conseguinte, será apresentada a teoria da pena como retribuição

equivalente do crime, defendida pelo professor Juarez CIRINO DOS SANTOS,

no qual sintetizará estudos feitos por autores como PASUKANIS,

RUSCHE/KIRCHHEIMER e MELOSSI/PAVARINI.

Posteriormente, o terceiro capítulo será utilizado para demonstrar as

principais teorias e modelos de política criminal que foram surgindo ao longo dos

tempos, e ver-se-á que existem teorias que pregam um maior controle e uma

maior aplicabilidade do sistema punitivo do Estado, dentre os quais fazem parte o

neo-retribucionismo, o direito penal do inimigo e o Estado de tolerância zero,

bem como, há aquelas que pregam a eliminação total ou pelo menos parcial do

sistema penal, dentre os quais o movimento conhecido como abolicionismo

radical e o Direito Penal mínimo são os protagonistas.

Por fim, esta pesquisa tentará demonstrar os objetivos do direito penal

mínimo, bem como, que somente através de uma intervenção estatal mínima,

regrada por penas alternativas é que se poderá chegar a real reintegração dos

apenados, haja vista, que a crise do sistema prisional brasileiro já demonstrou

que o cárcere não melhora ninguém e muito menos garante que o egresso será

novamente reintegrado no convívio da sociedade após de ter cumprido a sua

pena.

Page 10: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

3

2. FORMAÇÃO DO ESTADO

A vida em sociedade, durante toda a história da humanidade trouxe

diversos benefícios ao homem. Todavia, deve-se destacar que em determinados

momentos e lugares diversos, propiciou também a criação de uma série de

limitações que acabaram por afetar seriamente a liberdade humana.1 Mesmo

assim, o homem desde os tempos primitivos até os dias atuais, sempre tendeu a

criação e ao desenvolvimento de formas de vida e de organização societária que

por sua vez resultaram na formação de um ente superior chamado Estado.2

Pode-se destacar que o conceito de Estado (a polis dos gregos ou a civitas

e a res publica dos romanos)3 remonta as antigas cidades-estado que teriam

surgido em razão da evolução natural (paulatina) das sociedades humanas

primitivas. 4

A quem diga que o Estado traduz uma forma perfeita e complexa de

organização (política e social), juridicamente voltada para o controle e bem estar

da sociedade. Ou seja, o Estado pode ser compreendido como um órgão

responsável pela manutenção da ordem pública, do bem estar, do consenso e da

justiça social. 5

Todavia, o emprego moderno do termo Estado vem sendo utilizado desde

a célebre frase de Nicolau MAQUIAVEL em sua obra ‘O Príncipe’, no qual

descreve: “Todos os Estados, todos os domínios que têm tido ou têm império

sobre os homens são Estados, e são repúblicas ou principados.” 6

Sendo assim, pode-se dizer que inicialmente, as atitudes humanas eram

voltadas apenas para o domínio da natureza, e no princípio o que prevalecia era a

vontade do mais forte sobre o mais fraco. Porém, o desenvolvimento do homem

precisou estender-se a um novo plano, o da convivência social, pois as

1 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 9. 2 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 2ª ed. rev., e ampl. São Paulo: RT, 1995. p. 61. 3 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 65. 4 BERLOFFA, Ricardo Ribas da Costa. Introdução ao curso de teoria geral do Estado e ciências políticas. Campinas: Bookseller, 2004. p. 69. 5 WOLKMER, Antonio Carlos. Op. cit., p. 62. 6 BERLOFFA, Op. cit., p.66.

Page 11: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

4

necessidades humanas, sempre crescentes, exigiam cada vez mais que houvessem

relacionamentos com outros indivíduos sob a forma de cooperação, garantindo

assim a sobrevivência da espécie humana.7

Daí restou que os indivíduos, por vontade própria, uniram-se mediante um

contrato do qual os fez sair de um ‘status naturalis’, para um ‘status civilis’, e

dessa mudança deu-se início a vida em sociedade.8

Usando as palavras de Orlando SECCO:

A vida social, assim entendida como sendo os seres humanos dispostos em estado gregário, passou a exigir normas a serem obedecidas por todos, normas comuns especialmente criadas e a serem seguidas por vontade própria, ou mesmo involuntariamente, por cada membro componente da coletividade. Daí resultam então diversos procedimentos, amoldando cada indivíduo ao interesse do grupo, aparando as arestas da personalidade, do temperamento, do modo de agir de cada um em proveito de todos (...)9

Reconhece-se que para a determinação e existência de uma sociedade, foi

necessária a criação de uma nova e superior unidade, um ente soberano, dotado

de personalidade jurídica, capaz de fazer com que os interesses da coletividade se

sobressaíssem a eventuais interesses individuais. A este ente dotado de existência

superior, deu-se o nome de Estado.10

Sendo assim, com o intuito de justificar a existência do convívio dos

indivíduos em sociedade, alguns autores desenvolveram teorias que tentam

explicar a origem e manutenção do Estado. Dessa forma temos tanto os adeptos

da Teoria Organicista ou ‘Orgânica’, que vislumbra a idéia de uma sociedade

natural, advinda da própria natureza humana11, quanto aqueles que sustentam que

a sociedade surgiu de um ato de escolha dos indivíduos, também conhecida de

Teoria Contratualista ou do ‘Contrato Social’.12

7 SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao estudo do Direito. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2001. p. 10-11. 8 WOLKMER, Antonio Carlos. Op. cit., p. 63. 9 SECCO, Op. cit., p. 11. 10 BERLOFFA, Op. cit., p.33. 11 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 9. 12 BERLOFFA, Op. cit., p. 34.

Page 12: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

5

Portanto, o estudo dessas duas teorias, demonstrará as formas de

convivência dos indivíduos na sociedade, bem como, as diretrizes da formação,

funcionamento e existência do Estado.

2.1. TEORIA ORGANICISTA

A teoria organicista por muito tempo dominou o pensamento filosófico da

antiguidade13, pois os organicistas procedem do tronco milenar da filosofia

grega14, e grandes filósofos daquela época (século IV a.C.), dentre eles podemos

destacar Aristóteles, consideravam o Estado como sendo uma “comunidade

perfeita, formada pela pluralidade de grupos comuns, comunidade que, de certo

modo, logrou o fim de inteira suficiência e surgiu mercê da vida, e, mercê da

vida, em seu conjunto se mantém.”15 Aristóteles ainda afirmava que o homem é

naturalmente um ser sociável16, e que a natureza o fez um “ser político”, que não

pode viver fora da Sociedade17 e, que somente um indivíduo de natureza

desprezível ou superior aos demais homens, tentaria viver no completo

isolamento.18

Nesse sentido, Paulo BONAVIDES ao citar Del VECCHIO descreve o

organicismo como sendo: “Reunião de várias partes, que preenchem funções

distintas e que, por sua ação combinada, concorrem para manter a vida do todo.”

E ainda, destaca que uma sociedade fundada nos moldes do organicismo se dá

13 Com base nos ensinamentos de ZAFFARONI e PIERANGELI, podemos verificar que o organicismo social surgiu amparado de “finas e elaboradas teorias filosóficas e nutriu-se dos mais profundos pensadores idealistas de seu tempo.” (ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: Parte Geral. vol. I, 7ª ed. rev., atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 246.) 14 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 58. 15 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 26. Apud Aristóteles. Política. Livro I, Capitulo 2. 16 Nesse sentido, DALLARI descreve que Cícero em sua época (século I a.C.), por influência de Aristóteles afirmava que a causa primeira dos homens se agregarem a outros homens, é mais em relação ao instinto de sociabilidade neles inato, do que uma possível debilidade, haja vista, que a espécie humana mesmo tendo bens em abundância, não nasceu para o isolamento, muito menos para uma vida sem rumo, e por isso procura apoio em seus semelhantes. (DALLARI, Op. cit., p. 10) 17 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política... p. 58. 18 DALLARI, Op. cit., p. 10

Page 13: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

6

em razão de um “conjunto de relações mediante as quais vários indivíduos vivem

e atuam solidariamente em ordem a formar uma entidade nova e superior.”19

No mesmo sentido, Dalmo DALLARI ao citar RANELLETTI, nos ensina

que somente com a convivência e cooperação dos seus semelhantes, é que o

homem pode alcançar os meios necessários para satisfazer as suas necessidades.

Ou seja, somente através dos conhecimentos e das experiências dos demais seres

humanos, é que o homem pode desenvolver e aperfeiçoar todo o seu potencial

técnico, intelectual e moral, e conseqüentemente garantiu a sua existência.20

Acredita-se, portanto, que na teoria organicista os indivíduos que fazem

parte de uma determinada sociedade, a exemplo dos órgãos que fazem parte do

corpo humano, têm uma função específica a qual devem realizar com presteza e

eficácia, para o bem do todo. Sendo assim, tal qual a falha de um dos órgãos,

pode vir a trazer conseqüências maléficas para todo o organismo, o indivíduo que

não cumpre com as funções a ele designadas, poderá trazer conseqüências

desastrosas para toda a sociedade.21

Miguel REALE assim descreve em seus ensinamentos:

O que dá ao organicismo visos de verdade é exatamente o fato de pôr em evidência o caráter especialíssimo da unidade social, pois a sociedade não constitui um ser substancialmente diverso de seus elementos componentes, que mantêm sempre inatingível a própria individualidade, mas representa uma realidade que se não confunde com as partes que as compõem; daí a teoria que, acertadamente, vê na sociedade uma ‘unidade de ordem’ e não uma ‘unidade substancial’.22

O objetivo social, ou seja, o fim pelo qual a sociedade foi criada deve estar

acima dos objetivos particulares das pessoas que a integram. E é através da

concepção de organismo, que consiste a idéia de que os indivíduos agem em

função do Estado, e não este em função daqueles, pois a sociedade é produto da

associação natural e da cooperação mútua dos indivíduos que a compõem.23

Com base nos ensinamentos de ZAFFARONI, pode-se dizer que a forma

de controle penal exercido pelo Estado nas sociedades primitivas era feito da

19 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 57-58. 20 DALLARI, Op. cit., 11. Apud. Oreste Ranelletti, Intituzioni di Diritto Pubblico, Parte Geral, p. 3. 21 BERLOFFA, Op. cit., p. 39. 22 REALE, Miguel. Teoria do Direto e do Estado. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 51. 23 DALLARI, Op. cit., 12.

Page 14: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

7

seguinte forma: “o velho organicismo (positivista) acreditava que solucionava as

“células infecciosas” e as eliminava (em lugar de “penas”, impunha “medidas

eliminatórias”: morte, afastamento) ou neutralizava-as com medidas de

“reeducação”, enquanto que o “novo organicismo” não se preocupa por

selecionar todas as “células infecciosas” - nem o pretende - mas somente as que

lhe convenham (“infecciosas” ou não) para convencer o organismo de que tudo

está em ordem: o “velho organicismo” pretendia operar sobre o “organicismo

social” fisicamente; já o “novo” deseja fazê-lo pela insinuação (ou astúcia).” 24

Por fim, com o desenvolver da sociedade, novas teorias a respeito do

controle estatal começaram a ser discutidas, e o modelo social ‘natural’ de

organismo (organicista), foi sendo substituído pelo modelo ‘artificial’ do contrato

(contratualista)25, que será estudado a seguir.

2.2. TEORIA CONTRATUALISTA

Contrapondo-se aos adeptos da teoria organicista, na qual pregava que a

sociedade é fruto da cooperação e associação natural dos indivíduos, temos a

teoria contratualista, a qual define que a sociedade é apenas e tão somente um

contrato hipotético, ou seja, um acordo de vontades, firmado pelos homens,

quando estes resolveram ceder parte da sua liberdade, para um ente soberano

(Estado), afim de que este viesse a garantir a paz e a defesa comuns.26

E é na obra de Thomas HOBBES, mais precisamente no ‘Leviatã’,

publicado em 1651, que o contratualismo é claramente proposto. Para HOBBES,

antes da formação do Estado, o homem vivia em um ‘estado de natureza’, no

qual sua liberdade era ilimitada. Ao gozar dessa liberdade, o homem era movido

exclusivamente por suas paixões, sendo na maioria das vezes individualista e

agressivo. Ou seja, ao agir dessa maneira, o homem era uma ameaça constante

24 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução: Vânia Romano Pedrosa, Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 211. 25 ZAFFARONI, Eugênio Raúl, et al. Direito Penal Brasileiro – Teoria Geral do Direito Penal. vol. I., 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 518. 26 DALLARI, Op. cit., 12.

Page 15: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

8

aos outros homens, pois este cuidava apenas da sua própria conservação, sem se

preocupar com os demais, o que o fazia viver em constante estado de guerra.27

Nesse ideário, Isaac SABBÁ ao citar a obra ‘A paz perpétua’ de KANT,

assim descreve: “O estado de paz entre os homens que vivem juntos não é um

status naturalis, o qual é antes um estado de guerra, isto é, um estado em que,

embora não exista sempre uma explosão das hostilidades, há sempre, no entanto,

uma ameaça constante.”28

Ainda nessa mesma concepção, Isaac SABBÁ citando trecho da obra de

BECCARIA, descreve que os homens: “Cansados de só viver no meio de

temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que a

incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para gozar do

resto com mais segurança.”29

Desta forma, deu-se início à vida em sociedade, pois, os homens cansados

de viver nesse constante estado de guerra, gozando de uma liberdade, cujo ‘status

naturalis’ colocava em risco outros direitos, resolveram por bem firmar um

pacto, no qual passaram a chamar de ‘contrato social’.

Na visão de HOBBES, o pacto firmava os dizeres de um homem aos

demais homens: “Cedo e transfiro meu direito de governar a mim mesmo a este

homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de que transfiras a ele

teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.”30

Já Jean-Jacques ROUSSEAU, considerado um dos mentores do

contratualismo, especialmente pela publicação do livro ‘O Contrato Social’ em

1762, e cujos pensamentos exerceram influência direta e imediata sobre a

Revolução Francesa, e após esta, nos diversos movimentos tendentes a defender

os direitos da pessoa humana, apoiava-se nos seguintes termos: “Suponho os

homens terem chegado a um ponto em que os obstáculos que atentam à sua

27 DALLARI, Op. cit., 12-13. Apud. HOBBES, Thomas. Leviatã, Parte I, Cap. XVIII. 28 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Dogmática penal e poder punitivo – novos rumos e redefinições. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2001. p. 21. Apud. KANT. “A paz perpétua”, In A paz perpétua e outros opúsculos, trad. Arthur Morão, Textos Filosóficos, Edições 70, p. 145. 29 GUIMARÃES, Op. cit., p. 22. Apud. BECCARIA. Dos delitos e das penas. São Paulo: Atena, 1956, p.32. 30 HOBBES, Thomas. Leviatã: Ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 130-131.

Page 16: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

9

conservação no estado natural excedem, pela sua resistência, as forças que cada

indivíduo pode empregar para manter-se nesse estado. Então este estado

primitivo não pode subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse de

modo de ser.”31

Neste contexto, ROUSSEAU admite que a adesão ao contrato social fez

com que: “Cada um, enfim, dando-se a todos, a ninguém se dá, e como em todo o

sócio adquiro o mesmo direito, que sobre mim lhe cedi, ganho o equivalente de

tudo quanto perco e mais forças para conservar o que tenho.”32 Observando

ademais que: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob

a suprema direção da vontade geral, e recebemos enquanto corpo cada membro

como parte indivisível do todo.”33

Nesse sentido, de acordo o proferido por Ricardo MARQUES DIP, o

Estado, como soberano de todas as leis dos homens, encaminhou-se a seus

súditos dizendo:

Vós, Homens – assim vos designo com agá maiúsculo -, cujos ancestrais, em estado de natureza, viviam acaso felizes – esses bons selvagens de que falou nosso mestre Rousseau -, ou acaso em guerra permanente – como preferia nosso mestre Hobbes -; Vós, cujos antepassados celebraram um pacto de associação, entregando à comunidade, por si e por seus sucessores, todos seus direitos; a Vós prometo que, detendo em minhas mãos a soberania, cuja origem está no povo – sois como deuses (ouviram-se aplausos): o poder vem de vós -, somente punirei de acordo com a fé que temos na Constituição – a cujo nome devemos dobrar os joelhos - e de conformidade com as leis que, formalmente regulares, se ajustarem aos interesses do Estado, que são iguais forçosamente aos vossos, pois que represento a vontade geral”. Após um breve silêncio, prossegue: “Prometo-vos, em resumo, que só vos punirei de acordo com a minha vontade que exercito por e na forma da lei. Peço-vos que tenhais fé em todas essas afirmações, mas, em todo caso, eu sou o garante de vossa liberdade abstrata, e, pois, como ensinou nosso mestre Kant, sois livres para pensar o que quiserdes, contanto que obedeçais. Meu nome é Lei.34

Conclui-se, que uma vez firmado o ‘contrato social’, todos os homens

unidos passaram a integrar uma só pessoa chamada Estado. O titular dessa pessoa

é denominado ‘soberano’, e todos aqueles que o cercam são chamados de

31 DALLARI, Op. cit., p. 17-18. 32 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 32. 33 ROUSSEAU, Op. cit., p. 32. 34 MARQUES DIP, Ricardo Henry. Princípio da legalidade penal: realidade ou mito (uma perspectiva jusnaturalista). In Justiça Penal 7: críticas e sugestões: justiça criminal moderna / coordenador Jaques de Camargo Penteado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 82-83.

Page 17: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

10

‘súditos’. Ou seja, no momento da formação desse pacto social, os indivíduos

livres concederam a este ente estatal o poder legítimo do uso da força, e é este

poder que mantém os homens dentro dos limites consentidos e, os obriga por

temor a uma sanção, a cumprir com os seus compromissos e a observar as leis

previamente estabelecidas35. A propósito, é exatamente nesse uso legítimo da

força que é fundada a essência do Estado para HOBBES: “Uma grande multidão

institui a uma pessoa, mediante pactos recíprocos uns com os outros, para em

nome de cada um como autora, poder usar a força e os recursos de todos, da

maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.”36

De tal sorte, o Estado firmado a partir da noção de ‘pacto social’, só deve

privar seus cidadãos (súditos) do exercício de seus direitos, quando estes

violarem de forma intencional ou por negligência, qualquer das cláusulas do

‘contrato social’. Quando isso acontecer, ao Estado será garantido o uso legitimo

da força e o poder de punir, todo aquele que infringir as suas leis.

Nesse sentido descreve Cesare BONESSANA, Marquês de Beccaria:

Desse modo, somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o que era necessário para empenhar os outros em mantê-lo na posse do restante. A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que deste fundamento se afastar constitui abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; constitui usurpação e jamais um poder legítimo.37

Seguindo, ainda, as lições de Salo de Carvalho38, pode-se verificar que o

modelo penalógico de BECCARIA:

Sustenta que somente a necessidade de ruptura com o antigo estado de coisas constrangeu os homens a se sujeitarem às penas e, mesmo assim, a cada um somente seria exigível ceder ao depósito comum (Estado) a menor porção possível do bem jurídico liberdade. A intervenção penal representa uma necessidade, uma (pré) condição de vida em sociedade.

35 DALLARI, Op. cit., 14. 36 HOBBES, Op. cit., p. 131. 37 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2006. p 19. 38 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3ª ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 122.

Page 18: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

11

Portanto, a soma de todas as parcelas de liberdade que foram cedidas para

satisfazer o interesse da coletividade formou o poder político do Estado, poder

político este caracterizado pela seção de liberdades individuais daqueles que o

compõem, tornando-o um ente capaz de garantir a ‘paz social’.

Simultaneamente, os indivíduos ao cederem parte de sua liberdade ao

Estado atribuíram a este ente estatal o monopólio do uso legítimo da força e o

poder de punir. Convém, no entanto asseverar que o uso dessa força só é

permitido àquele indivíduo que não cumprir com seu papel social, ou melhor,

com as regras previamente pactuadas.

3. O PODER PUNITIVO DO ESTADO

Conforme já fora dito anteriormente, o poder de punir teve origem no

poder-dever do Estado em garantir que nas relações humanas, reina-se a paz

social e o interesse da coletividade. Para isso foram criadas regras comuns de

convivência e a conseqüente punição daqueles que viessem a infringir tais regras.

A punição tinha o intuito exclusivo de castigar o infrator e vingar o mal por ele

praticado.

HOBBES, em seus ensinamentos pregava que somente através de uma

certa autoridade seria possível frear os impulsos violentos, egoístas e insaciáveis

do homem no seu estado de natureza, e para isso, era preciso que fosse criada

uma organização política capaz de dar segurança e bem estar a toda a sociedade.39

Então, somente com o advento da criação do Estado, e de sua imposição

como fenômeno unitário e singular que deve ser obedecido afim de que seja

garantida a ‘paz social’, é que seus súditos passaram a submeter-se a este, não

apenas de forma voluntária, mas também pelo dever natural de curvar-se ao

poder legítimo e soberano deste Estado.40

Sobre este aspecto, o professor DALLA-ROSA ao citar a obra de

DREIFUSS, descreve que o poder político do Estado faz dele o único agente 39 WOLKMER, Op. cit., p. 63. 40 DALLA-ROSA, Luiz Virgilio. O direito como garantia: pressupostos de uma teoria constitucional. p. 54-55.

Page 19: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

12

capaz de deter o monopólio do uso da força e também o torna uma “empresa

institucional de caráter político, onde o aparelho administrativo leva avante, em

certa medida e com êxito, a pretensão do monopólio da legítima coerção física,

com vistas ao cumprimento das leis.”41

Também nos dizeres do mestre italiano Norberto BOBBIO:

O que caracteriza o poder político é a exclusividade do uso da força em relação á totalidade dos grupos que atuam num determinado contexto social, exclusividade que é o resultado de um processo que se desenvolve em toda sociedade organizada, no sentido da monopolização da posse e uso dos meios com que se pode exercer a coação física. Este processo de monopolização acompanha pari passu o processo de incriminação e punição de todos os atos de violência que não sejam executados por pessoas autorizadas pelos detentores e beneficiários de tal monopólio.42 [grifo do autor]

Pelos fundamentos anteriormente relatados, verifica-se que o Estado

detém com exclusividade o monopólio do uso da força, e dessa forma faz valer as

regras de conduta por ele estipuladas. Tais regras agem sobre os indivíduos de

forma a condicioná-los e a modelá-los, objetivando com que cada um deles seja

parte de um todo social.

De acordo com essa concepção, Alípio FILHO afirma que:

A socialização do indivíduo humano funciona como um condicionamento. O indivíduo submetido ao aprendizado da cultura instituída é levado a considerar a sua sociedade (e seu modo de vida) como único modelo de vida social, ou mesmo expressão natural da vida em comum. A sociedade, embora mascarando o fato, obtém isso por meio da imposição de normas de conduta e pela difusão de crenças segundo as quais a própria realidade imposta é vista como necessária, inevitável e imutável, como parte da natureza das coisas. Essa é a maneira pela qual o indivíduo passa a aceitar sua sociedade tal como é (ou se apresenta), sem colocá-la em questão. Os costumes, as normas e as crenças têm o poder de condicionar o modo dos indivíduos verem o mundo, determinar suas apreciações morais e os diferentes comportamentos sociais.43

41 DALLA-ROSA, Op. cit., p. 58. 42 BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. vol. 2, 10ª ed. Brasília: UnB, 1997. p. 956. 43 FILHO, Alipio de Souza. Medos, mitos e castigos: notas sobre a pena de morte. p. 19.

Page 20: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

13

Verifica-se, nas ciências humanas, que tudo que faz do indivíduo um ‘ser

social’ é produto do aprendizado que este tem ao longo de sua vida em sociedade

e na cultura.44

Nos dizeres de HOEBEL citado por FILHO, cultura é:

(...) a soma total, integrada, das características de comportamento aprendido que são manifestadas e compartilhadas pelos membros de uma sociedade. (...) é integralmente o resultado de invenção social, e pode ser considerada como herança social, pois é transmitida por ensinamento a cada geração. (...) sua continuidade é garantida pela punição dos membros da sociedade que se recusam a seguir os padrões de comportamento que lhes são determinados pela Cultura.45

Pois bem, de acordo com o que foi estudado até o momento, constata-se

que a necessidade fez com que os homens cedessem parte de sua liberdade, e a

soma de todas as parcelas de liberdade cedidas, deram ao Estado, como único e

exclusivo administrador, o poder soberano do monopólio do uso da força e do

poder de punir.

3.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PODER PUNITIVO ESTATAL

A história do Direito Penal nos mostra que este ramo do direito, por

diversos períodos da civilização foi um tanto quanto repressivo, se comparado

com a maioria dos ordenamentos juridíco-penais hoje vigentes.46

Na antiguidade, a pena imposta aos infratores da lei, geralmente, não

guardava proporção entre a pena aplicada e a conduta praticada pelo agente

delitivo, pois tais penas eram severas, cruéis e intimidativas.47

Ao estudarmos a evolução do homem, podemos constatar que desde a pré-

história, há relatos da sua convivência em sociedade, mesmo sendo este

agrupamento formado apenas por membros da mesma família.48 Também,

44 FILHO, Op. cit., p. 21. 45 FILHO, Op. cit., p. 20. Apud. HOEBEL, Adamson. “A natureza da cultura”, in SHAPIRO, Harry L. (org.). Homem, cultura e sociedade. p. 219-20. 46 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. vol. I, 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 21. 47 FILHO, Op. cit., p. 96. 48 SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal – Parte geral, arts. 1º a 120. vol. 1, 2 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Edipro, 2002. p. 21.

Page 21: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

14

observa-se que as condutas humanas eram pautadas por normas sociais

apropriadas ao momento em que estavam vivendo.49

Em rápida análise, partindo das sociedades primitivas, verifica-se que

nessas sociedades não havia um sistema normativo que regia a vida em

sociedade, nem concepções científicas centradas em princípios racionais, mas

sim um ambiente de religião e magia, o qual envolvia os grupos sociais

existentes, fazendo com que estes interpretassem os fatos de maneira

metafórica.50

Para estes grupos, os fenômenos naturais maléficos (seca, enchentes,

pestes, erupções vulcânicas) eram considerados como castigos divinos (“totem”)

por atos que teriam desagradado os deuses, e somente com a punição do infrator

era possível desagravar a divindade ofendida. Portanto, as penas aplicadas eram

cruéis, severas e desumanas, podendo chegar até mesmo ao sacrifício da vida do

transgressor.51

Nesse sentido, Alípio FILHO afirma que os castigos e as penas capitais

nas sociedades tribais ocorriam da seguinte forma: “O delito é um ato que ofende

a consciência coletiva e, por efeito oposto, gera na sociedade uma maior coesão.

A reação coletiva da sociedade implica a pena para o transgressor. Quase sempre,

a sanção penal vem cominada com o recurso ritual ás forças sobrenaturais, o que

põe em relevo o significado das crenças míticas para a manutenção da Ordem

social.”52

Posteriormente, os povos primitivos passaram a adotar como forma de

punição a ‘vingança privada’, que nada mais era que uma reação natural e

instintiva, na qual as penas adotadas guardavam certo teor de vingança pessoal, e

a reação contra um ato delituoso era feito pela própria vítima, pelos parentes, ou

por um determinado grupo social, sem que houvesse a intervenção de estranhos.

49 ZANOM, Artemio. Introdução à ciência do Direito Penal. 2 ed. rev., atual. e ampl. Florianópolis: Ed. OAB/SC, 2000. p. 101. 50 FERREIRA, Ivete Senise. Visão do Direito Penal Moderno. In Justiça Penal 7: críticas e sugestões: justiça criminal moderna / coordenador Jaques de Camargo Penteado. São Paulo: RT, 2000. p. 434-435. 51 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 21º ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 35. 52 FILHO, Op. cit., p. 91.

Page 22: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

15

O revide muitas vezes atingia não apenas o autor do delito, mas também seus

familiares ou até mesmo o grupo social a que pertencesse.53

Sobre a vingança privada, Ivete FERREIRA citando João GONZAGA

esclarece: “a vingança é muitas vezes um imperativo sagrado imposto pela moral

primitiva: a opinião pública, diz ele, constrange a vítima e os seus a reagirem

porque sentem que a impunidade do ofensor representa uma ameaça para o

equilíbrio e a paz, bem como para a integração social.”54

No momento em que grupos adversos começaram a conviver em um

mesmo território, unidos por vínculos sangüíneos, a vida em sociedade se

modificou e surgiram dois novos gêneros de sanções: a ‘perda da paz’ e a

‘vingança de sangue’.55

Se o ato delituoso fosse cometido por um membro do próprio grupo, a

sanção imposta era o banimento (perda da paz), que consistia na sua expulsão do

clã, ficando este a mercê das forças hostis da natureza e de grupos rivais, que se o

encontrassem, certamente o matariam. Já, se a violação fosse feita por um

indivíduo que não pertencesse ao grupo, a sanção seria a ‘vingança de sangue’,

que nada mais era que uma guerra sangrenta entre os grupos.56

Com o advento da evolução social, surge a ‘lei de talião’, registrada no

Código de Hamurabi, (Babilônia - 1680 a.C.), adotada pela legislação hebraica

(Êxodo) e pela Lei das XII Tábuas, (romanos), que consagrava a disciplina do

“sangue por sangue, olho por olho e dente por dente”, pois suas penas eram

avassaladoras, degradantes e públicas, e na maioria das vezes o condenado

pagava com a própria vida.57

O mesmo aconteceu no período das sociedades feudais, mas nesta fase o

Estado mostrava-se um pouco mais organizado e reconhecia-se a autoridade de

um ente soberano a quem era repassado o ‘poder de punir’ em nome dos demais

súditos. Este absolutismo monárquico era beneficiado por leis imperfeitas e

53 MIRABETE, Op. cit., p. 35-36. 54 FERREIRA, Op.cit., p. 438. Apud. GONZAGA, João Bernardino. O direito penal dos povos primitivos. Revista da Faculdade de Direito da USP, n. 68 (2), p. 191-192. 55 FERREIRA, Op.cit., p. 438. 56 BITENCOURT, Op. cit., p. 21-22. 57 BITENCOURT, Op. cit., p.22. Apud. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1985, vol. 1, p. 26.

Page 23: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

16

imprecisas, no qual predominava o arbítrio judicial do soberano, pois a justiça

penal por ele adotada era parcial, injusta e perversa. Naquela época, a tortura, a

pena de morte e o suplício do condenado eram utilizados como espetáculos

públicos, exprimindo assim, a força simbólica do castigo exemplar. O emprego

do suplício foi utilizado de forma abundante nos séculos que fizeram parte da

chamada Idade Média, como forma de espetáculo ritual. A exibição do suplício,

servia como meio de demonstrar a vitória da lei e do poder do Estado, mas o

caráter simbólico do ritual de encenação do suplício tinha o intuito de servir

como exemplo para os demais membros da sociedade.58

Neste sentido, ensina FOUCAULT:

O suplício faz parte de um ritual. É um elemento na liturgia punitiva, e que obedece a duas exigências. Em relação a vítima, ele deve ser marcante; destina-se, ou pela cicatriz que deixa no corpo, ou pela ostentação de que se acompanha, a tornar infame aquele que é sua vítima; (...) a memória dos homens, em todo caso, guardará a lembrança da exposição, da roda, da tortura ou do sofrimento devidamente constatados. E pelo lado da Justiça que impõe, o suplício deve ser ostentoso, deve ser constatado por todos, um pouco como triunfo.59 [grifo do autor]

Michel FOUCAULT ainda descreve que a população repudiava o caráter

de espetáculo e a maneira com que as penas eram aplicadas, mas participavam

por medo de serem castigadas: “...assim, não havia aceitação pública, pelo caráter

de espetáculo da execução das penas, sendo que as pessoas eram estimuladas e

compelidas a seguir o cortejo até o sacrifício, e o preso era obrigado a proclamar

sua culpa, atestar seu crime e a justiça de sua condenação.”60

No período do Tribunal da Inquisição (Igreja Católica de Roma), esse

modelo de punição se fez prevalecer de forma ainda mais cruel, pois deu a

oportunidade da igreja massacrar aqueles que ela entendesse ser hereges. No

período que vai do fim do século XIV até meados do século XVIII, a tortura

pública e a pena de morte foram praticadas de forma intensa na Europa,

58 FILHO, Op. cit., p. 96. 59 FOUCALT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1977. p. 35. 60 FOULCAULT, Op. cit., p. 35. Apud. DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 34.

Page 24: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

17

legitimados pela ideologia da caça aos pagãos, bruxas e demais indivíduos que

fossem contra as convicções da Igreja.61

Naquela época, a Igreja proclamava que a punição tinha um caráter de

castigo espiritual, pois acreditava que através dela poderia se acalmar a ira divina

e consequentemente, purificar a alma do infrator. Mas o que se via realmente era

um intenso teor vingativo, pois aos acusados eram impostas penas severas, e em

sua grande maioria estas penas eram capitais. Assim, castigos como a forca,

fogueira, açoites, guilhotina, amputação de membros e empalação, eram exibidos

á população como um mero espetáculo, que tinha um cunho de intimidar a todo

aquele que fosse contrário às concepções da Igreja.62

Portanto, chega-se a conclusão que as penas aplicadas na antiguidade,

eram usadas não como meio de se fazer justiça, mas como forma de vingança

(retribuição do mal pelo mal), pois tinham a finalidade única e exclusiva de

impor castigos e sacrifícios desumanos ao condenado. É desse período que

decorre as chamadas teorias absolutistas da pena (retribucionistas), mas iremos

tratá-las de forma mais esmiuçada no subitem referente às teorias da pena.

No decorrer do Iluminismo63, precisamente no fim do século XVIII

(Século das Luzes), deu-se início ao que os estudiosos chamam de ‘período

humanitário’, no qual importantes ícones iluministas como: ROUSSEAU,

MONTESQUIEU, e outros criaram uma nova ideologia64, um movimento de

idéias que fundava-se na razão e na humanidade e buscava a reforma das leis.65

Porém foi em 1764 o filósofo Cesare BONESSANA, Marquês de Beccaria

(1738-1774), influenciado pelos princípios de ROUSSEAU, MONTESQUIEU,

LOCKE e VOLTAIRE publicou em Milão a importante obra “Dei Delitti e delle

Pene” (Dos Delitos e das Penas), que tornou-se um marco na luta contra o

61 FILHO, Op. cit., p. 96-97. 62 FILHO, Op. cit., p. 98. 63 O Iluminismo, considerado como o “século da luzes” foi o movimento que deu ao século XVIII, a segurança e a confiança na razão, pois visava a substituição da razão da autoridade pela autoridade da razão para dirigir a vida em sociedade. O significado da palavra Iluminismo, vem da palavra alemã ‘Aufklarung’ que significa iluminação, aclaração, esclarecimento. (LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípios Políticos do Direito Penal – Série princípios fundamentais do direito penal moderno; vol. 3; 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 43). 64 MIRABETE, Op. cit., p. 38. 65 BITENCOURT, Op. cit., p. 31.

Page 25: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

18

desumano sistema penal até então vigente, pois posicionava-se de forma

contraria a pena de morte e as penas cruéis, levando em conta que as penas

deveriam ser moderadas e proporcionais aos delitos praticados.66 Nesse sentido,

BECCARIA finaliza sua obra dizendo que: “Para não ser um ato de violência

contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária,

a menor das penas aplicáveis nas circunstancias dadas, proporcionada ao delito e

determinada pela lei.”67

Destacou-se ainda, que o autor acima referido pregava a necessidade de

serem criadas leis mais claras, simples e de fácil compreensão e que viessem a

favorecer não só uma pequena minoria, mas todos os cidadãos, e que as penas

deveriam ser utilizadas como profilaxia social, não só para intimidar os cidadãos,

mas também, que buscassem recuperar o delinqüente.68

Aníbal BRUNO ao analisar o pensamento de BECCARIA assim assevera:

O que pretendeu Beccaria não foi certamente fazer obra de ciência, mas de humanidade e justiça, e, assim, ela resultou num gesto eloqüente de revolta contra a iniqüidade, que teve, na época, o poder de sedução suficiente para conquistar a consciência universal. (...) falou claro diante dos poderosos, em um tempo de absolutismo, de soberania de origem divina, de confusão das normas penais com religião, moral, superstições, ousando construir um Direito Penal sobre bases humanas, traçar fronteiras à autoridade do príncipe e limitar a pena à necessidade da segurança social. Defendeu, assim, o homem contra a tirania, e com isso encerrou um período de nefanda (perversa) memória na história do Direito Penal.69

Ainda no período humanitário, John HOWARD (xerife de Bedford e

posteriormente alcaide desse condado) iniciou um movimento de reforma das

prisões (corrente penitenciarista), pois não aceitava as condições lamentáveis em

que se encontravam as prisões inglesas. Por isso, HOWARD insistia na

necessidade de se construir estabelecimentos carcerários adequados ao

cumprimento da pena privativa de liberdade, destacando sempre que estes locais

deveriam proporcionar aos apenados condições dignas de higiene, alimentação e

66 BITENCOURT, Op. cit., p. 32-33. 67 BECCARIA, Op. cit., p.107. 68 MIRABETE, Op. cit., p. 39. 69 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Tomo I. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 82-83.

Page 26: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

19

saúde.70 Foi através de John HOWARD que se iniciou a luta pela humanização

das prisões e a ressocialização dos condenados.71

Outro ícone do período humanitário a ser lembrado foi o inglês Jeremias

BENTHAM72 que com sua obra ‘Teoria da Penas e das Recompensas’ publicada

em 1818, descreveu que a pena era necessária à prevenção geral do delito e a

ressocialização do agente delitivo. Porém, a sanção a ser imposta ao agente

delitivo não deverá exceder o limite do necessário para alcançar o fim

pretendido. Ou seja, para os teóricos do período humanitário, a pena era um mal

necessário, que se justificava por sua utilidade, haja vista que previne que o

criminoso cometa novos crimes que poderão causar danos a sociedade.73

Pode-se dizer então, que o movimento humanitário pregava, sobretudo, o

respeito a dignidade humana e, visava a proteção da liberdade individual do

apenado frente ao arbítrio do poder do Estado, bem como buscava abolir para

sempre a pena de morte e de tortura fundando-se em um sentimento de piedade e

compaixão para com aqueles que fossem submetidos ao regime penal e

carcerário então vigentes.74

Ao findar-se o período humanitário, sob a influência do pensamento

positivista (século XIX), o homem delinqüente e a explicação causal do delito,

passaram a ser objeto de estudos daqueles que pretendiam descobrir a origem e o

porquê do crime, deu-se então início ao período criminológico.75

Nesse período criminológico do Direito Penal destaca-se os estudos do

médico italiano César LOMBROSO, que em 1875 publicou o livro ‘L’Uomo

Delinquente’ (O Homem Delinqüente). Com seus estudos, LOMBROSO criou a

Antropologia Criminal e, inserido nessa ciência criou também a figura do

criminoso nato76, haja vista que para este autor o estudo do crime parte de um

70 BITENCOURT, Op. cit., p. 36. 71 SILVA, C. D. M. Op. cit., p. 25. 72 Outra obra de Jeremias Bentham foi o “panótico”, obra esta que descrevia como deveria ser a arquitetura de uma prisão, e seus respectivos sistemas de segurança. (SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal... p. 25). 73 SILVA, C. D. M. Op. cit., p. 26. 74 CANTO, Dilton Ávila. Regime inicial de cumprimento da pena reclusiva ao reincidente. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1099> Acesso em 23 de janeiro de 2008. 75 SILVA, C. D. M. Op. cit., p. 27. 76 MIRABETE, Op. cit., p. 40.

Page 27: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

20

fenômeno biológico, ligado essencialmente ao agente que o praticou. Sob esse

enfoque, César Dario da SILVA descreve que na concepção de LOMBROSO, “o

homem já nasceria predestinado ao crime e teria características físicas e

morfológicas específicas, como assimetria craniana, fronte fugidia, orelhas de

abano, cabelos abundantes e barba escassa, dentição anormal olhos defeituosos,

tatuagens, irregularidades nos dedos e nos mamilos, etc.”77

Dentre os autores que discordam da teoria de LAMBROSO pode-se

destacar Enrique FERRI considerado o criador da ‘Sociologia Criminal’(1880) e

Rafael GAROFALO, autor do livro ‘Criminologia’ (1885). FERRI ao estudar o

crime sob um aspecto sociológico concluiu que o homem só é criminoso porque

ele convive em sociedade. Sendo assim, a responsabilidade seria social e haveria

a possibilidade de ressocialização do agente delitivo. Já GARAFALO,

considerado o iniciador da fase jurídica do positivismo, sustentava que o homem

tem dois sentimentos básicos: a piedade e a probidade (justiça), e que o crime é a

violação desses sentimentos.78

De acordo com os ensinamentos de César SILVA, os principais

fundadores da Escola Positiva são seguramente LOMBROSO, FERRI e

GARAFALO e, suas teorias contribuíram para o desenvolvimento científico do

Direito Penal, dentre os quais podemos citar:

a) o estudo cientifico do direito com o implemento de novas experiências com o criminoso; b) o nascimento da criminologia, que passou a estudar o criminoso e o crime por ele praticado; c) a preocupação com a vítima, que daria impulso para o aparecimento da vitimologia; d) o estudo cientifico da aplicação das penas fazendo surgir a idéia das medidas de segurança, suspensão condicional da pena e livramento condicional.79

A história mais recente nos mostra que na grande maioria dos

ordenamentos jurídicos vigentes, a exemplo do ordenamento brasileiro, o Direito

Penal tornou-se um importante instrumento de manutenção da ordem social, e

não apenas e tão somente, um meio pelo qual Estado concebe o ‘monopólio do

77 SILVA, C. D. M. Op. cit., p. 28. 78 MIRABETE, Op. cit., p. 39- 40. 79 SILVA, C. D. M. Op. cit., p. 29.

Page 28: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

21

uso da força e o direito-dever de punir’, haja vista, que tais legislações estão

baseadas na valorização da pessoa humana, ainda que apenas formalmente.

4. TEORIAS DA PENA

4.1. TEORIAS JURÍDICAS DA PENA: DISCURSO OFICIAL

Antes de iniciarmos o estudo das teorias da pena, se faz necessário à

distinção entre o ‘conceito’ de pena e a sua ‘função’ propriamente dita.

Francisco Vani BENFICA citando Heleno FRAGOSO, define a pena

como sendo a perda de um bem jurídico imposta ao autor de um delito, ou seja,

um castigo aplicado ao agente delitivo, em decorrência do seu comportamento

antijurídico.80 De acordo com os ensinamentos de Sebastian SOLER, “a pena é

uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, através da ação penal, ao autor de uma

infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de

um bem jurídico e cujo fim é evitar novos delitos.”81

Por sua vez, Fernando CAPEZ82 conceitua a pena como:

Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinqüente, promover a sua reeducação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida a coletividade.

São diversas as discussões em torno das funções da pena, pois embora esta

tenha um caráter aflitivo, sua real finalidade é a prevenção (geral e especial). Na

prevenção geral, a pena é dirigida a todos os indivíduos da sociedade, pois

procura impedir que estes venham a praticar delitos. Na prevenção especial, a

pena é dirigida ao autor da infração penal, e tem o intuito de tirá-lo do convívio

80 BEMFICA, Francisco Vani. Programa de direito penal: Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 198. 81 MIRABETE, Op. cit., p. 246. Apud. SOLER, Sebastian. Derecho penal argentino. vol. II. Buenos Aires: Tipografia Editora Argentina. 1970. p. 342. 82 CAPEZ, Op. cit., p. 332.

Page 29: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

22

com a sociedade, impedindo-o de delinqüir e procurando corrigi-lo, para que este

não mais viole as leis.83

Nesse contexto, o Código Penal brasileiro, com a reforma de 1984, passou

a adotar uma natureza mista, isto é, retributiva e preventiva, pois através de seu

art. 59, caput, informa que as penas devem ser necessárias e suficientes à

‘reprovação’ e ‘prevenção’ dos crimes. Nesse caso, de acordo com a legislação

penal brasileira, a pena deverá reprovar o mal produzido pela conduta delitiva do

agente, bem como prevenir que novas infrações penais aconteçam.84

Como já fora dito anteriormente, o Estado é o detentor do ‘poder

punitivo’, e por essa razão, é dele a responsabilidade da aplicação da lei penal.

Sendo assim, na ciência do Direito Penal, a maioria dos doutrinadores

acredita que a pena justifica-se por sua necessidade85, pois trata-se de uma

conseqüência jurídica, uma resposta estatal imposta a todo aquele que praticou

um delito.86

BITENCOURT citando GIMBERNAT ORDEIG descreve que a pena

nada mais é do que um recurso básico, pelo qual o Estado se ocupa, quando

alguém infringe determinada norma jurídica. Ao contar com esse recurso, o

Estado tenta garantir a convivência pacífica entre os membros da sociedade.87

Destarte, que esse direito-dever do Estado em punir todo aquele que descumpre

as suas regras, não é ilimitado88, devendo ser utilizado somente em casos de

‘ultima ratio’.89

83 BEMFICA, Op. cit., p. 199. 84 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 4ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Impetus, 2004. p. 536-537.. 85 BITENCOURT, Op. cit., p. 65. 86 SILVA, Op. cit., p. 158. 87 BITENCOURT, Op. cit., p. 65. Apud. Gimbernat Ordeig. Tiene um futuro la dogmática de la culpabilidad ? p. 115. 88 NORONHA, Edgar de Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 26ª ed. atualizada. por Adalberto José Q.T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 3. 89 Ver natureza subsidiária do Direito Penal. In GRECO, Rogério. Direito Penal do equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2005. p. 83.

Page 30: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

23

Segundo Damásio de JESUS90, Francisco Vani BENFICA91 e César

SILVA92, devem existir nas penas algumas características básicas, quais sejam:

legalidade, proporcionalidade, personalidade e inderrogabilidade.

O princípio da legalidade penal está disposto no art. 5º, XXXIX da

Constituição Federal e no art. 1º do Código Penal brasileiro. Estes dispositivos

legais descrevem que não haverá crime sem uma lei anterior que o defina, e

somente poderá ser aplicada uma pena se houver uma prévia cominação legal

(nulla poena sine lege).93 Para Francisco de Assis TOLEDO, “O princípio da

legalidade, segundo o qual nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma

pena criminal pode ser aplicada, sem que antes desse mesmo fato tenham sido

instituídos por lei o tipo delitivo e a pena respectiva, constitui uma real limitação

ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais.”94 Ainda que

um ato praticado seja danoso e imoral para a sociedade, a este não poderá ser

aplicado nenhuma sanção, se não houver uma lei anterior que o preveja como

crime.

A característica da proporcionalidade define que a cada delito praticado

pelo criminoso deverá ser imposta uma sanção proporcional ao mal por ele

causado.95

BECCARIA, assim se manifestou acerca da proporcionalidade das penas:

O interesse geral não é apenas que se cometam poucos crimes, mas ainda que os crimes mais prejudiciais à sociedade sejam os menos comuns. Os meios de que se utiliza a legislação para impedir os crimes devem, portanto, ser mais fortes à proporção que o crime é mais contrário ao bem jurídico e pode tornar-se mais freqüente. Deve portanto, haver uma proporção entre os crimes e as penas. (...) Bastará, pois, que o legislador sábio estabeleça divisões principais na distribuição das penas proporcionadas aos crimes e que, principalmente, não aplique os menores castigos aos maiores delitos.96

90 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: Parte geral. vol. I, 25ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 520. 91 BEMFICA, Op. cit., p. 199. 92 SILVA, Op. cit., p. 158-159. 93 SILVA, Op. cit., p. 158. 94 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.21. 95 SILVA, Op. cit., p. 159. 96 BECCARIA, Op. cit., p. 68-70.

Page 31: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

24

Pois bem, para que a pena seja proporcional ao mal causado pelo agente

delitivo, o magistrado deverá seguir os ditames do art.5º da Constituição Federal

e do art. 59 do Código penal brasileiro, que delimitam as circunstâncias judiciais

a serem observadas no momento da fixação da sanção penal. Há que se ressaltar,

diversos julgados acerca do tema em nossos tribunais.97

Destarte, que dessa característica decorre que a pena não poderá ser

aplicada com excesso, muito menos poderá ser demasiadamente branda, mas

para ser proporcional ao mal causado, a sanção penal deverá ser aplicada de

forma apropriada, confiável e justa, buscando sempre promover a tutela

jurisdicional buscada pela sociedade e também reprimir a prática de novos

delitos.98

Nesse contexto, merecem destaque os ensinamentos de BATISTA,

ZAFFARONI, ALAGIA e SLOKAR:

Já que é impossível demonstrar a racionalidade da pena, as agências jurídicas devem, pelo menos, demonstrar que o custo em direitos da suspensão do conflito mantém uma proporcionalidade mínima com o grau da lesão que tenha provocado. Temos aí o princípio da proporcionalidade mínima da pena com a magnitude da lesão. Com esse princípio não se legitima a pena com retribuição, pois continua sendo uma intervenção seletiva do poder que se limita a suspender o conflito sem resolvê-lo e, por conseguinte, conserva intacta sua irracionalidade. Simplesmente se afirma que o direito penal deve escolher entre irracionalidades, deixando passar as de menor conteúdo; o que ele não pode é admitir que a essa natureza irracional do exercício do poder punitivo se agregue um dado de máxima irracionalidade, por meio do qual sejam afetados bens jurídicos de uma pessoa em desproporção grosseira com a lesão que ela causou.99 [grifos do autor]

Também, a pena deve ser personalíssima, ou seja, deve afetar apenas o

autor do delito. A Constituição Federal (art. 5º, inciso XLV, primeira parte)

determina que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado...” Por esta

razão, a imposição de uma pena não poderá estender-se a terceiros que não

tenham contribuído para com o delito.100

97 TACRSP: “A eficácia da pena aplicada esta diretamente ligada ao princípio da proporcionalidade, a fim de assegurar a individualização, pois quanto mais o Juiz se aproximar das condições que envolvem o fato, da pessoa do acusado, possibilitando aplicação da sanção mais adequada, tanto mais terá contribuído para a eficácia da punição” (RJDTACRIM 29/152). 98 GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: Uma visão minimalista do Direito Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2005. p. 109-110. 99 ZAFFARONI, et al p.230-231. 100 BEMFICA, Op. cit., p. 199.

Page 32: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

25

Por fim, descreve-se que a pena deverá ser inderrogável, ou seja, deverá

haver certeza na sua aplicação e no seu cumprimento. Cesare BECCARIA ao

discorrer sobre o assunto assevera:

O rigor do suplício não é o que previne os delitos com maior segurança, porém a certeza da punição, o zelo vigilante do juiz e essa severidade inalterável que só é uma virtude no magistrado quando as leis são brandas. A perspectiva de um castigo moderado, porém inflexível, provocará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício horrendo, em relação ao qual aparece alguma esperança de impunidade.101

Nesse caso, pode-se dizer que no momento em que o agente delitivo

comete uma infração penal, o Estado tem o dever de impor-lhe uma sanção.

Porém, haverá situações em que a pena poderá ser abrandada, como nos casos de

extinção da punibilidade, perdão judicial, etc.

Ante ao exposto, verifica-se que conceitualmente, a pena seria um

‘castigo’ imposto ao agente delitivo. Todavia, isso não quer dizer que a pena tem

apenas e tão somente uma função retributiva102, pois, de acordo com o que foi

proposto nesse capítulo, verifica-se que existem diversas teorias que tentam

justificar a finalidade das penas. Sinteticamente falando, podemos dividi-las em

teorias absolutas ou retributivas, teorias relativas ou preventivas (prevenção geral

e prevenção especial) e as teorias mistas, também conhecidas por ecléticas ou

unificadoras103. Dito isto, passaremos ao exame e as críticas a cada uma dessas

teorias.

4.1.1. TEORIAS ABSOLUTAS: PENA COMO RETRIBUIÇÃO

As teorias absolutas tiveram origem a partir da idéia do Talião104 (olho por

olho, dente por dente), pois partem da concepção de igualdade da reprimenda em

relação ao mal causado pelo crime. Ou seja, na reprovação do crime existe um

caráter retributivo, onde a pena nada mais é que um mal justo utilizado para punir

101 BECCARIA, Op. cit., p. 64. 102 BITENCOURT, Op. cit., p. 66 103 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direto Penal: Coleção elementos do direito. São Paulo: Siciliano Jurídico, 2003. p. 103. 104 JUNQUEIRA, Op. cit., p. 103

Page 33: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

26

um mal injusto praticado pelo agente delitivo (punitur quia peccatum est).105

Assim, segundo o entendimento do professor italiano Luigi FERRAJOLI, “são

teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como fim em si

própria, ou seja, como “castigo”, “reação”, “reparação” ou, ainda, “retribuição”

do crime, justificada por seu, intrínseco valor axiológico, vale dizer, não por

meio, e tampouco um custo, mas, sim, um dever ser metajurídico que possui em

si seu próprio fundamento.”106

Ademais, de acordo com os precisos ensinamentos de ROXIN107:

A teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente útil, senão em que mediante a imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e espia a culpabilidade do autor do fato pelo cometido. Se fala aqui de uma teoria ‘absoluta’ porque para ela o fim da pena é independente, ‘desvinculado’ de seu efeito social. A concepção da pena como retribuição compensatória realmente já é conhecida desde a antiguidade e permanece viva na consciência dos profanos com uma certa naturalidade: a pena deve ser justa e isso pressupõe que se corresponda em sua duração e intensidade com a gravidade do delito, que o compense. Detrás da teoria da retribuição se encontra o velho princípio do Talião.

Entre os defensores da teoria absolutista ou retribucionista da pena estão

dois dos maiores pensadores do idealismo alemão: Immanuel KANT, cujas idéias

acerca do referido tema estão demonstradas na obra ‘A metafísica dos costumes’,

e Friedrich HEGEL, que também trata do assunto exposto em seus ‘Princípios da

Filosofia do Direito.’108 Todavia, há uma diferença significativa entre ambos os

enunciados, haja vista, que enquanto em KANT a fundamentação tem um caráter

ético, em HEGEL a fundamentação é de cunho jurídico.109 Para estes dois

autores, a pena nada mais é que uma conseqüência justa e necessária, que tem

como fim punir um delito praticado, entendida segundo KANT, como sendo uma

necessidade ética, onde a pena é um imperativo categórico exigido pela razão e

105 TASSE, Adel El. Teoria da pena: pena privativa de liberdade e medidas complementares – um estudo crítico à luz do estado democrático de direito. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2004. p. 66. 106 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.236. 107 ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General – Fundamentos. La estructura de la Teoria del Delito. Tomo I. Traducción de la 2ª edición alemana y notas por Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Diaz y Garcia Conlledo; Javier de Vicente Remesal. Madri: Thomson Civitas, 2003., p. 81-82. 108 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: RT, 1993. p. 102. 109 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 69.

Page 34: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

27

pela justiça e, de acordo com HEGEL, como uma necessidade lógica, que se

funda na negação do crime e afirmação da pena.110

Em resumo, tanto KANT quanto HEGEL atribuem um conteúdo talional à

pena. Para KANT, o delinqüente deve ser penalizado pela simples prática de um

delito, ou seja, pela simples infringência da lei penal, sem que para isto seja

necessário verificar qualquer consideração sobre a utilidade da pena aplicada ao

agente delitivo, ou aos demais membros da sociedade. Nesse caso, KANT

acredita que a pena nada mais é do que uma retribuição moral, derivada da

infringência da lei penal, ante a prática de um delito. 111 Pode-se dizer que de

acordo com os ensinamentos de KANT, somente através da pena se pode realizar

a justiça, e restabelecer a ordem jurídica quebrada.112

Nesse ideário, BITENCOURT descreve o famoso exemplo que KANT

elaborou para descrever a sua crença no império da justiça:

Se uma sociedade civil chegasse a dissolver-se, com o consentimento geral de todos os membros, como por exemplo, os habitantes de uma ilha decidissem abandoná-la e dispersar-se, o último assassino mantido na prisão deveria ser executado antes da dissolução, a fim de que cada um sofresse a pena de seu crime, e que o homicídio não recaísse sobre o povo que deixasse de impor esse castigo, pois poderia ser considerado cúmplice desta violação pura da justiça.113

Já a tese de HEGEL, pode ser resumida em sua célebre frase: “a pena é a

negação da negação do Direito.” Ou seja, HEGEL estabeleceu um método

dialético que fazia da pena, a reafirmação do direito ofendido, pois, se o delito é

a negação do direito, e, por sua vez este fere o ordenamento jurídico, a pena nada

mais é que a negação do crime, e, como a negação da negação resulta na

afirmação, a pena nada mais é que a reafirmação do direito.114

Segundo Salo de CARVALHO, para HEGEL a pena: “será justificada

pela necessidade de recompor o direito com uma violência correspondente àquela

perpetrada contra o ordenamento jurídico. O delito, percebido como lesão à

110 ALBERGARIA, Jason. Das penas e da execução penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 20-21. 111 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 73. 112 BITENCOURT, Falência da pena de prisão... p.105 e 107. 113 BITENCOURT, Falência da pena de prisão... p.105. 114 BITENCOURT, Falência da pena de prisão... p. 106-107.

Page 35: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

28

ordem jurídica, deveria neutralizado através de uma força correspondente.”115

Outrossim, para HEGEL a pena não tem o condão de fazer justiça, mas

sim esta justificada ante a necessidade de se restaurar a ordem jurídica violada

(vontade geral), que foi quebrada pela vontade do delinqüente. Portanto, para

HEGEL, a pena é a lesão imposta ao agente delitivo, que tem o intuito de

compensar o delito praticado e recuperar o equilíbrio jurídico violado116.

Nesse sentido, Paulo QUEIROZ nos ensina que: “a pena para Hegel

apresenta-se, em conclusão, como condição lógica inerente à existência mesma

do direito, que não pode permanecer sendo direito senão pela negação da vontade

particular do delinqüente, representada pelo delito, pela vontade geral (da

sociedade) representada pela lei.”117

Além de KANT e HEGEL, existem outros defensores da teoria absoluta

da pena, dentre eles podemos destacar de maneira exemplificativa: CARRARA,

MEZGER e WELZEL118.

Sendo assim, de acordo com as teorias absolutistas, todo o sentido da pena

esta centrado na retribuição (poena absoluta ab effectu)119, tal qual era na idéia do

talião, pois a culpa do autor do delito deverá ser reparada com a imposição de um

castigo, que é a pena120.

Dito isto, pode-se dizer que a teoria da retribuição deve ser repudiada, haja

vista que, nessa concepção, não interessa se a pena aplicada vai gerar algum

115 CARVALHO, Op. cit., p. 120. 116 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 72. 117 QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal. Legitimação Versus Deslegitimação Do Sistema Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 23. 118 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 74. - A concepção de Carrara aproxima-se por demais da tese de Hegel, pois descreve que “o fim primário da pena é o restabelecimento da ordem externa da sociedade”. Carrara ainda descreve que afim de que sejam evitadas novas ofensas por parte do criminoso, é preciso que a pena imposta seja capaz de “reparar este dano com o restabelecimento da ordem, que se vê alterada pela desordem do delito” (Apud. CARRARA, Francesco. Programa de Direito Criminal, vol. I, trad. Ortega Torres, Bogotá: Temis, 1971. p. 615). Segundo Mezger a pena é “a irrogação de um mal que se adapta à gravidade do fato cometido contra a ordem jurídica. É portanto, retribuição e, necessariamente, a privação de bens jurídicos”. (Apud. MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal. trad. José Arturo Rodriguez Muñoz. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1935.) Para Welzel, “a pena aparece presidida pelo postulado da retribuição justa, isto é, que cada um sofra o que os seus atos valem”. (Apud. WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. trad. Juan Bustos Ramirez e Sergio Yáñez Perez. Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1970. p.326.) 119 ALBERGARIA, Op. cit., p. 21. 120 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 68.

Page 36: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

29

benefício, como a pacificação social ou a redução da violência, mas apenas que

esta pena venha a compensar o mal praticado121.

Também, não é verdade que somente com a retribuição de um mal (pena)

poderá se fazer justiça. A pena é um dos meios, mas não é o único, como afirma

Paulo QUEIROZ:

Também a idéia de retribuição pressupõe a necessidade mesma da pena, pois fundamenta algo que já é dado, previamente, como existente e válido. Não responde à indagação sobre quais os pressupostos que devem orientar a punição de uma conduta, nada diz sobre qual deva ser seu conteúdo, e nada refere sobre quais ações passíveis de repressão, ou, ainda, sobre a melhor forma de enfrentá-las, supondo-a simplesmente como imperiosa e inevitável. Logo, tal teoria de modo algum explica porque se deva impor a pena a alguém, ao invés de, por exemplo, perdoá-lo ou simplesmente censurá-lo ou porque não se optar por um outro instrumento de controle social que não a pena, bem como sobre qual a pena aplicável em cada caso.122

Ora, uma pena meramente retributiva, esgota a sua finalidade apenas no

sofrimento que é imposto ao agente delitivo, como compensação do mal por ele

praticado, não visa qualquer tipo de socialização ou ressocialização desse

indivíduo e muito menos restaura a paz social afetada pelo crime.123

Portanto, uma pena baseada apenas na teoria da retribuição de nada serve

para conter a criminalidade, nem tampouco, se preocupa com aqueles que de

alguma forma infringiram a lei, pois uma vez jogados ao cárcere, sairão piores do

que entraram, e conseqüentemente voltarão a delinqüir.

4.1.2. TEORIAS RELATIVAS: PENA COMO PREVENÇÃO

Embora a pena tenha um caráter aflitivo, podemos verificar alguns

aspectos que nos mostram a passagem de uma finalidade meramente retributiva,

para uma preventiva.124 Nas teorias relativas, a pena não visa apenas retribuir o

crime praticado pelo delinqüente, mas sim prevenir que este venha a cometê-los

novamente. Sendo assim, nas teorias preventivas o castigo imposto ao agente

121 JUNQUEIRA, Op. cit., p.103. 122 QUEIROZ, Op. cit., p. 27. 123 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal Português: Parte Geral II - As conseqüências jurídicas do crime. Lisboa: Editorial Notícias, 1993. p. 95-96. 124 BEMFICA, Op. cit., p. 199.

Page 37: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

30

delitivo não se funda em buscar a justiça, e sim, se dá em função de tentar inibir,

tanto quanto possível, a prática de novos delitos.125 De acordo com FERRAJOLI,

são teorias ‘relativas’, “todas as doutrinas utilitaristas, que consideram e

justificam a pena enquanto meio para a realização do fim utilitário da prevenção

de futuros delitos.”126 [grifo do autor]

Nas teorias relativas, o fim da pena divide-se em duas direções: teoria da

prevenção geral e teoria da prevenção especial (individual). Foi Hans- Heinrich

JESCHECK quem desenvolveu o critério da dupla eficácia preventiva da pena,

ao proclamar que a prevenção geral aspira a prevenir os crimes em toda

sociedade, e a prevenção especial ou individual é direcionada especificamente ao

criminoso. O período que o delinqüente fica cumprindo a pena serve para afastá-

lo da sociedade, evitando assim, que este venha a praticar novos delitos, e

também que o mesmo seja readaptado (ressocializado) para voltar ao convívio da

sociedade.127

A seguir, as duas formas de prevenção serão analisadas separadamente.

4.1.2.1 DA PREVENÇÃO GERAL

Na prevenção geral, a pena é dirigida a todos os destinatários da norma

penal, e tem o cunho de tentar impedir que membros da sociedade venham a

praticar crimes, violando assim a norma penal.128 Entre os defensores dessa teoria

destacam-se: BECCARIA, BENTHAM, FEUERBACH e SCHOPENHAUER.

Mas foi Ludwig FEUERBACH o formulador da “teoria da coação psicológica”.

Esta teoria sustentava que através da ameaça de uma pena (coação psicológica), o

Direto Penal conseguiria dar cabo do problema da criminalidade.129

Nessa concepção, a partir do momento que o Direito Penal avisa aos

destinatários da norma, quais são as infrações penais a serem por ele combatidas,

125 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 75. 126 FERRAJOLI, Op. cit., p. 204. 127 ALBERGARIA, Op. cit., p. 20. 128 BEMFICA, Op. cit., p. 199. 129 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 76.

Page 38: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

31

e as respectivas sanções a serem aplicadas, caso estas sejam praticadas, a ameaça

de uma pena passa efetivamente a exercer uma coerção psicológica na mente dos

cidadãos, para que estes através do uso de sua razão, não pratiquem crimes. Ou

seja, a pena através de uma coação psicológica produz no individuo uma espécie

de motivação para que este venha a se abster de praticar delitos, substituindo

assim, o poder da coação física (poder sobre o corpo), pelo poder da coação

sobre o psique (poder sobre a alma).130

Nesse sentido, Jorge de Figueiredo DIAS ensina que,

O denominador comum das doutrinas da prevenção geral radica, como se sabe, na concepção da pena como instrumento político-criminal destinado a atuar (psiquicamente) sobre a generalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através da ameaça penal estatuída pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efetividade da sua execução.131

Em similar posicionamento acerca do tema, Damásio de JESUS descreve

que: “Na prevenção geral o fim intimidativo da pena dirige-se a todos os

destinatários da norma penal, visando impedir que os membros da sociedade

pratiquem crimes.”132

Outrossim, pode-se estudar a teoria da prevenção geral sob dois aspectos

distintos: prevenção geral positiva e prevenção geral negativa.

A prevenção geral positiva ou de ‘integração’ é vista pela maioria da

doutrina como instrumento utilizado pelo Estado para informar e reafirmar a

sociedade em geral, a necessidade de respeito e fidelidade as suas normas.133

Juarez CIRINO ao citar os ensinamentos de Günther JAKOBS, descreve que “a

aplicação/execução concreta da pena criminal cumpriria a função de estabilizar

as expectativas normativas da comunidade.”134 E ainda, para JAKOBS “a missão

da pena é a conservação da norma como modelo de orientação para os contatos

130 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 76-77. 131 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do Direito Penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 98-99. 132 JESUS, Op. cit., 519. 133 JUNQUEIRA, Op. cit., p.104. 134 SANTOS, Juarez Cirino dos. Novas hipóteses de criminalização. Disponível em: <http://www.cirino. com.br/artigos/jcs/novas_hipoteses_criminalizacao.pdf>. Acesso em 20 de agosto de 2008.

Page 39: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

32

sociais. O conteúdo de uma pena é uma réplica que tem lugar a custo do infrator,

frente ao questionamento da norma.”135

Concretamente, considera Figueiredo DIAS que pela prevenção geral

positiva ou de integração, a pena pode ser concebida:

Como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, apesar de todas as violações que tenham tido lugar.136

Já na prevenção geral negativa ou prevenção por ‘intimidação’, aplica-se a

pena ao agente delitivo, na tentativa de inibir que outros membros da sociedade

venham a delinqüir.

De acordo com Michel FOUCAULT, o povo era o principal personagem

para a realização das cerimônias dos suplícios, pois: “Um suplício que tivesse

sido conhecido, mas cujo desenrolar houvesse sido secreto, não teria sentido.

Procurava-se dar o exemplo não só suscitando a consciência de que a menor

infração corria sério risco de punição; mas provocando um efeito de terror pelo

espetáculo do poder tripudiando sobre o culpado (...) As pessoas não só têm que

saber, mas também ver com seus próprios olhos. Porque é necessário que tenham

medo; mas também porque devem ser testemunhas e garantias da punição, e

porque até certo ponto devem tomar parte dela.”137

Segundo Winfried HASSEMER, na prevenção geral negativa ou por

intimidação: “existe a esperança de que os concidadãos com inclinações para a

prática de crimes possam ser persuadidos, através da resposta sancionatória à

violação do Direito alheio, previamente anunciada, a comportarem-se em

conformidade com o Direito; esperança, enfim, de que o Direito Penal ofereça

sua contribuição para o aprimoramento da sociedade.”138

135 Assim esta disposto no texto original: “La misión de la pena es el mantenimiento de la norma como modelo de orientación para los contactos sociales. Contenido de la pena es una replica que tiene lugar a costa del infractor, frente al cuestionamiento de la norma” (JAKOBS GÜNTHER . “ Derecho Penal, Parte Genaral, Fundamentos y Teoría de la Imputación”. Editorial Marcial Pons Madrid 1995 p.14.) 136 DIAS, Questões fundamentais... p.99. 137 FOUCALT, Michel. Op. cit., p. 49. 138 GRECO, Curso de Direito Penal... p. 538.

Page 40: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

33

Conclui-se, que a prevenção geral negativa é vislumbrada como forma de

intimidação dos demais membros da sociedade, usando o apenado como

exemplo. E na prevenção geral positiva pune-se o agente que praticou o ato

delitivo, para reforçar que estas normas estão em plena vigência e que por isso

devem ser obedecidas.

4.1.2.2. DA PREVENÇÃO ESPECIAL

BITENCOURT, ao citar Hans-Heinrich JESCHECK descreve que vários

são defensores de uma postura preventivo-especial da pena. Na França, destaca-

se a teoria da ‘Nova Defesa Social’, de MARC ANCEL; na Alemanha, a teoria

da prevenção especial foi introduzida por VON LISZT; e por fim, na Espanha, a

representante da teoria da prevenção especial foi a Escola Correcionalista, de

inspiração Krausista.139

Pode-se dizer que na prevenção especial, a pena é direcionada ao autor do

delito, fazendo que este seja retirado do convívio da sociedade, ou apenas seja

advertido para que não mais volte a violar a norma penal.140

Nesta seara, Francisco MUÑOZ CONDE descreve que:

Lãs teorias de la prevención especial ven el fin de la pena en apartar al delincuente de la comisión de futuros delitos, bien a través de su corrección y educación, bien a través de su asseguramiento. Su principal representante fue Franz von List, quien consideró al delincuente como el objeto central del derecho penal y a la pena como uma institución que se dirige a su corrección o asseguramiento.141

De acordo com o jurista Nicanor PASSOS, a prevenção especial é o meio

pelo qual se é usado para retirar o agente delitivo do convívio social, pois o fato

deste ter cometido um delito, por si só já demonstra a sua periculosidade e,

consequentemente a necessidade de uma ‘reeducação’ ou ‘readaptação’, para só

então voltar a conviver em sociedade.142

139 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 80. 140 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 79. 141 MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción al Derecho Penal - Colección: Maestros del Derecho Penal, nº 3. Argentina/Buenos Aires: IbdeF, 2003. p. 72. 142 PASSOS, Nicanor Sena. Prisões. Revista Jurídica Consulex. Brasília: Editora Consulex, ano I, nº 7, jul. 1997.

Page 41: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

34

Sendo assim, pode-se dizer que a teoria da prevenção especial não visa a

intimidação de toda a sociedade, muito menos busca a retribuição do mal

causado pelo agente delitivo. Sua pretensão é em prol daquele indivíduo que já

praticou o delito, pois tenta evitar que este volte a delinqüir.143 Segundo Luigi

FERRAJOLI, a teoria da prevenção especial segue tendências, dentre as quais, as

‘teleológicas da diferenciação da pena’, pois, por mais variadas que sejam suas

matrizes ideológicas, suas orientações são voltadas não tanto em relação aos

fatos, ou ao crime em si, mas em relação a seus autores (agentes delitivos),

diferenciados pelas suas características pessoais, antes mesmo de serem

verificadas as suas infrações penais.144

Sérgio SHECAIRA e Alceu CORRÊA JUNIOR acreditam que a

prevenção especial:

Pode representar uma idéia absolutista, arbitrária, ao querer impor uma verdade única, uma determinada escala de valores e prescindir da divergência, tão cara às modernas democracias. Suas qualidades, por outro lado, são inescondíveis. Esta teoria tem um caráter humanista, pois põe um acento no indivíduo, considerando suas particularidades, permitindo uma melhor individualização do remédio penal. Além disso, sua atuação específica permite o aperfeiçoamento do trabalho de reinserção social.145

A seu turno, também, pode-se estudar a teoria da prevenção especial, sob

dois aspectos distintos, quais sejam: prevenção especial positiva e prevenção

especial negativa.

Pela prevenção especial positiva, busca-se a ressocialização do criminoso,

mediante a sua correção. Ou seja, nessa concepção a pena é direcionada ao

tratamento do próprio criminoso, com o fim de incidir sobre a sua personalidade,

e evitar a sua reincidência.146 Verifica-se, nesse contexto o caráter ressocializador

da pena, fazendo com que o criminoso venha a meditar sobre o crime que

cometeu, ponderando sobre as conseqüências, inibindo-o assim de cometer novos

143 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 81. 144 FERRAJOLI, Op. cit., p. 214. 145 SCHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Pena e Constituição. São Paulo: Ed. RT, 1995. p. 100. 146 NERY, Déa Carla Pereira. Teorias da pena e sua finalidade no direito penal brasileiro. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=2146> acesso em 20 de fevereiro de 2008.

Page 42: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

35

delitos.147 Segundo Claus ROXIN, pela prevenção especial, “a missão da pena

consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer futuros

delitos.”148 Ou seja, a finalidade preventivo-especial da pena se traduz na

‘prevenção da reincidência’.149

Por sua vez, pela prevenção especial negativa ou de ‘inocuização’, ocorre

a neutralização daquele que praticou o ato delitivo, através da sua segregação ao

cárcere. A retirada do agente delitivo do convívio com a sociedade, o impede de

cometer novos delitos. Deve-se, ressaltar, que essa neutralização do agente

delitivo ocorre somente nos casos em que a ele for aplicada uma pena privativa

de liberdade.150

De acordo com BATISTA, ZAFFARONI, ALAGIA e SLOKAR:

Para a prevenção especial negativa, a criminalização também visa a pessoa criminalizada, não para melhorá-la, mas para neutralizar os efeitos de sua inferioridade, à custa de um mal para a pessoa, que ao mesmo tempo é um bem para o corpo social. Em geral, ela não se enuncia como função manifesta exclusiva, mas sim em combinação com a anterior: quando as ideologias re fracassan ou são descartadas, apela-se para neutralização e eliminação.151

Figueiredo DIAS ensina que a prevenção especial negativa logra alcançar

um efeito de pura defesa social através da separação ou segregação do

delinqüente, pois só assim se pode atingir a necessária neutralização da sua

periculosidade social.152 Ou seja, a prevenção especial negativa visa neutralizar

uma possível reincidência, daquele que já praticou anteriormente uma infração

penal, através de sua ‘inocuização’ ou ‘intimidação’.153

Conclui-se, portanto, que a prevenção especial negativa pretende afastar o

autor de futuros delitos, do corpo social (demais membros da sociedade),

147 GRECO, Curso de Direito Penal... p. 538. 148 ROXIN, Op. cit., p.85. 149 DIAS, Questões fundamentais... p.103. 150 GRECO, Curso de Direito Penal... p. 538. 151 ZAFFARONI, et al. Direito Penal Brasileiro... p. 127. 152 DIAS, Questões fundamentais... 103. 153 NERY, Déa Carla Pereira. Teorias da pena e sua finalidade no direito penal brasileiro. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=2146> acesso em 20 de fevereiro de 2008.

Page 43: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

36

mediante a reclusão, intimidação, neutralização e eliminação desses indivíduos

infratores.

4.1.3. TEORIAS MISTAS, UNIFICADORAS OU COMBINATÓRIAS

MERKEL, no início do século, foi o primeiro doutrinador a trabalhar na

Alemanha com a idéia de uma teoria mista, e desde então, sua concepção tornou-

se quase que dominante entre as legislações.154 Inclusive, o atual Código Penal

brasileiro, após a reforma de 1984, em seu art 59, caput, passou a atribuir a pena

um caráter misto (reprovar e prevenir), pois define a pena como sendo de

natureza retributiva e preventiva.155

As teorias unificadoras ou mistas, também chamadas por ZAFFARONI de

combinatórias156, tentam mesclar em um único conceito, preceitos das teorias da

retribuição e da prevenção157, objetivando assim, superar as deficiências

individuais de cada teoria, através da fusão das funções da pena criminal no

tocante a retribuição, prevenção geral e prevenção especial.158

Nesse contexto, o professor Adel El TASSE ao citar Francisco MUÑOZ

CONDE descreve que as teorias unificadoras, baseadas na fusão das correntes

absolutas com as correntes relativas, afirmam que, “por detrás destas,

aparentemente inconciliáveis posições se defende na atualidade uma postura

intermediária que objetiva conciliar os extremos, tendo a idéia de retribuição

como base, porém lhe acrescendo também o complemento dos fins preventivos,

tanto gerais como especiais” 159, observando ainda que “as teorias unificadoras

154 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 82. 155 CÓDIGO PENAL. Assim dispõe o Art. 59, caput, do referido diploma legal: “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, os motivos, às circunstancias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível”. 156 ZAFFARONI, et al. Direito Penal Brasileiro... p. 140. 157 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 82. 158 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal: Parte Geral. 2ª ed. Curitiba: ICPC; Lúmen Júris, 2007. p. 463-464. 159 TASSE, Op. cit., p. 73. Apud. MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción al Derecho Penal - Colección: Maestros del Derecho Penal, nº 3. Argentina/Buenos Aires: IbdeF, 2003. p. 72.

Page 44: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

37

aparecem na história do direito penal como uma solução para a luta das escolas,

que dividiu os penalistas em dois grupos inconciliáveis: os partidários da

retribuição e os partidários da prevenção, geral e especial” 160. Nesse caso, a

“sanção penal deve objetivar, simultaneamente, retribuir e prevenir a infração –

punitur quia peccatum ut ne peccetur (pune-se porque pecou e para que não

peque)”. 161

Juarez CIRINO, por sua vez, descreve que a fusão das teorias isoladas da

pena resultaria na ‘retribuição’ do injusto praticado, em razão da compensação

ou expiação da culpabilidade, na ‘prevenção especial positiva’ em face da

correção do agente delitivo pela ação pedagógica da execução penal, além de

‘prevenção especial negativa’ pela neutralização do agente delitivo, em prol da

segurança social e, por fim, na ‘prevenção geral negativa’ em razão da ameaça

penal frente a criminosos potencias, bem como na ‘prevenção geral positiva’ que

reafirma para a sociedade em geral, a necessidade de respeito, fidelidade e

confiança na ordem jurídica vigente. 162

Todavia, Santiago MIR PUIG, ao discorrer sobre as teorias unificadoras,

conclui que através da fusão das teorias da retribuição, da prevenção geral e da

prevenção especial, chegar-se-á apenas a aspectos distintos de um mesmo

fenômeno complexo que é a pena.163

Nessa mesma linha de raciocínio, BITENCOURT164, citando Emilio de

TOLEDO y UBIETO descreve que as teorias unificadoras aplicam severas

críticas sobre as teorias monistas (teorias absolutas e teorias relativas), haja vista,

que a “unidimensionalidade, em um ou outro sentido, mostra-se formalista e

incapaz de abranger a complexidade dos fenômenos sociais que interessam ao

160 TASSE, Op. cit., p. 73. Apud. MUÑOZ CONDE, Op. cit., p. 73. 161 TASSE, Op. cit., p. 73. 162 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal...p. 464. 163 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 82. Apud. MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal – Parte General. Barcelona: PPU, 1998. p. 46. 164 BITENCOURT descreve que, “as teorias unificadoras aceitam a retribuição e o princípio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena como sanção jurídico-penal. A pena não pode, pois, ir além da responsabilidade decorrente do fato praticado.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal… p. 83).

Page 45: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

38

Direito Penal, com conseqüências graves para a segurança e os direitos

fundamentais do Homem.”165

Francisco Vani BENFICA, descreve que mesmo a pena tendo um caráter

aflitivo (retribuição), a sua real finalidade é a prevenção, ou seja, a pena é o meio

pelo qual se busca obter benefícios tanto para o condenado, quanto para a

coletividade.166

Ainda sobre a teoria unificadora, Claus ROXIN descreve que:

A aplicação da pena serve para a proteção subsidiária e preventiva, tanto geral, como individual, de bens jurídicos e prestações estatais, através de um processo que salvaguarda a autonomia da personalidade. Pode ver que assim se conserva o princípio da prevenção geral, reduzindo às exigências de Estado de Direito e completado com os componentes de prevenção especial da sentença.167

Sendo assim, podemos verificar que nas teorias unificadoras ou mistas, a

pena tem como função a retribuição do mal praticado pelo agente delitivo.

Contudo, a prevenção apresenta-se como função principal, até porque, o Direito

Penal é a ciência que tem como objetivo fundamental, garantir que os indivíduos

vivam em paz e harmonia na sociedade.

4.2. TEORIAS CRÍTICAS: DISCURSO CRIMINOLÓGICO

O discurso criminológico a que se pretende abordar nesse trabalho não é o

regrado na criminologia positivista de LOMBROSO, GAROFFALO e FERRI,

que baseava-se em características biológicas, psicológicas e ambientais

(criminalidade patológica) para diferenciar os indivíduos “normais” dos sujeitos

“criminosos”, mas sim em uma criminologia crítica, que ao mudar de paradigma,

deixa de estudar as causas da criminalidade para então se ater aos processos de

criminalização de determinados indivíduos na sociedade168.

165 BITENCOURT, Manual de Direito Penal... p. 82-83. Apud. TOLEDO Y UBIETO, Emilio Octavio de. Sobre el concepto de Derecho Penal. Madri: Universidade Complutense, 1981. p. 217. 166 BEMFICA, Op. cit., p. 199. 167 ALBERGARIA, Op. cit., p. 27. Apud. ROXIN, Claus. Iniciacción al derecho penal de hoy. Universidad de Sevilha, 1981, p.33. 168 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 1997. p. 29.

Page 46: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

39

Os processos de criminalização ou como definem a grande maioria dos

doutrinadores da atualidade de Criminologia Interacionista ou da Reação Social,

nada mais são do que processos de etiquetamento social, ligados intimamente a

criminologia fenomenológica americana do “Labelling Approach”, que teve

como precursores TANNEMBAUM, SUTHERLAND, CICOUREL, ERIKSON,

KITSUSE e BECKER.169

De acordo com estudos feitos pela professora Elena LARRAURI em seu

livro ‘Criminoloía y Derecho: La herencia de la criminologia crítica’, podemos

destacar que:

“Los representantes del labelling approach buscarán apoyo em outra corriente sociológica que em la década de los sesenta estaba (re) emergindo com fuerza como era el interaccionismo simbólico. Éste, desarrolhado por la Escuela de Chicago, perdió su preeminência em la década de los cuarenta y cincuenta debido al ímpetu de las teorías estructural-funcionalistas elaboradas por la Escuela de Harvard (Downes-Rock, 1988: 166-167), pero resurge em la criminología de la mano de los teóricos del etiquetamiento.” 170

Sendo assim, podemos verificar que para os teóricos do labelling

approach o crime é apenas um subproduto do controle social, e por isso

defendem que esta não é uma teoria da criminalidade de sim da criminalização,

haja vista que estes, convertem determinados indivíduos de classes subalternas

em delinqüentes, não porque eles tenham realizado uma conduta delitiva, mas

apenas e tão somente porque determinadas instituições sociais, através de um

processo seletivo e discriminatório os etiquetaram como tal.171

Maria DUARTE ao citar Howard BECKER como um dos grandes

expoentes da teoria do labelling approach, descreve que este formulou “a teoria

segundo a qual o crime não é uma qualidade do ato, mas um ato qualificado

como criminoso por agências de controle social. O delinqüente é o indivíduo no

169 DUARTE, Maria Carolina de Almeida. Política criminal, criminologia e vitimologia: caminhos para um direito penal humanista. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1236, 19 nov. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9150>. Acesso em: 19 outubro de 2008. 170 LARRAURI, Elena. Criminología y Derecho: La herencia de la criminologia crítica. 2ª edición. Madri: Siglo Veintiuno de España editores, 1992. p. 25. 171 MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de. Criminologia. Tradução: Luiz Flávio Gomes, 4ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 374.

Page 47: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

40

qual a etiqueta foi aplicada com sucesso; o comportamento delinqüente é uma

conseqüência da aplicação de regras e sanções pelos outros.”172

Para CIRINO DOS SANTOS173, a partir do labeling approach houve uma

revolução científica da teoria criminológica, haja vista que ao estudar a

criminalidade como fenômeno social produzido por normas e valores, esta

passou a definir o comportamento criminoso como “uma qualidade atribuída por

agências de controle social mediante aplicação de regras e sanções, enquanto

criminoso seria o sujeito ao qual se aplica com sucesso o rótulo de criminoso.”

Já para Alessandro BARATTA174, considerado o pai da criminologia

crítica, o sistema de justiça criminal não existe para combater o crime, como

afirmam os teóricos da criminologia tradicional, mas apenas e tão somente para

garantir um modelo de sistema social, voltado para a criminalização de um

determinado número de condutas e a estigmatização de um determinado grupo de

indivíduos na sociedade.

Michael Löwy175 nos ensina que um dos pilares fundamentais dos

processos de etiquetamento social é o preconceito. Segundo este autor, estudos

da Criminologia Interacionista revelam que o preconceito imbuído nas mentes

humanas é fonte dos estigmas e de estereótipos que transformam os indivíduos

das classes sociais subalternas (moradores de favelas; desempregados; mendigos;

prostitutas; etc...) em seres diferentes que precisam ser isolados e controlados.

Como exemplo desse tipo de estigmatização social podemos citar a obra de Loïc

WACQUANT176, intitulada ‘Punir os pobres: uma nova gestão da miséria nos

Estados Unidos’, que trata da forma como o gueto e a prisão nos Estados Unidos

da América, são instituições que muito se assemelham, pois, ambas são locais de

confinamento forçado. O gueto por ser uma forma de ‘prisão social’. Já a prisão

172 DUARTE, Maria Carolina de Almeida. Política criminal, criminologia e vitimologia: caminhos para um direito penal humanista. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1236, 19 nov. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9150>. Acesso em: 19 outubro de 2008. 173 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Novas hipóteses de criminalização. Disponível em: <http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/novas_hipoteses_ criminalizacao.pdf>. Acesso em 20 de agosto de 2008. 174 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica... p. 161. 175 LÖWY, Michael. Ideologias e Ciências Sociais: elementos para uma análise marxista. 10ª ed. São Paulo: Cortez, 1995, p. 43. 176 WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: uma nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001, p. 100.

Page 48: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

41

propriamente dita nada mais é que um ‘gueto judiciário’. Ambas tem o intuito de

confinar uma população estigmatizada (rotulada) neutralizando assim a ameaça

material ou simbólica que venham a produzir perante a sociedade sobre a qual

foram destituídas.

Todavia, CIRINO DOS SANTOS ao citar BARATTA afirma que o

movimento do labeling approach (teoria da linguagem), foi condição necessária,

mas não suficiente para a formulação da Criminologia crítica, haja vista que:

“condição necessária porque mostra o comportamento criminoso como conseqüência da aplicação de regras e sanções pelo sistema penal – e não como qualidade da ação, segundo a etiologia positivista; mas condição insuficiente, porque incapaz de indicar os mecanismos de distribuição social da criminalidade, identificáveis pela inserção do processo de criminalização no contexto das instituições fundamentais das sociedades modernas – relação capital/trabalho assalariado – suscetível de mostrar que o poder de definir crimes e de atribuir a qualidade de criminoso corresponde às desigualdades sociais em propriedade e poder das sociedades contemporâneas.”177 (grifos no original)

Sendo assim, as bases da formação da Criminologia crítica, tanto na

Europa, quanto na América Latina, se deu através da integração de processos

subjetivos de construção social da criminalidade, estudados pelo modelo do

labeling approach, com uma teoria marxista, definida por processos objetivos

estruturais e ideológicos da relação capital/trabalho assalariado178.

De fato, com bem define CIRINO DOS SANTOS, a tese fundamental da

Criminologia crítica é reconhecer que o “sistema penal constituído pela lei,

policia, justiça e prisão – é o aparelho repressivo do moderno Estado capitalista,

garantidor de relações sociais desiguais de produção/distribuição material,

responsáveis pela violência estrutural da marginalização, do desemprego, dos

baixos salários, da falta de moradia, do ensino precário, da mortalidade precoce,

do menor abandonado etc.”179

177 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Novas hipóteses de criminalização. Disponível em: <http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/novas_hipoteses_ criminalizacao.pdf>. Acesso em 20 de agosto de 2008. 178 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A criminologia crítica e a reforma da legislação penal. Disponível em: <http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/criminologia_critica_reforma_legis_ penal.pdf>. Acesso em julho de 2008. 179 179 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A criminologia crítica e a reforma da legislação penal. Disponível em: <http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/criminologia_critica_reforma_legis_ penal.pdf>. Acesso em julho de 2008.

Page 49: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

42

Segundo Alessandro BARATTA180, o Direito Penal tende a privilegiar os

interesses das classes dominantes e dirige os processos de criminalização para os

atos desviantes típicos dos indivíduos das classes subalternas, haja vista que:

As maiores chances de ser selecionado para fazer parte da “população criminosa” aparecem, de fato, concentradas nos níveis mais baixos da escala social (subproletariado e grupos marginais). A posição precária no mercado de trabalho (desocupação, subocupação, falta de qualificação profissional) e defeitos de socialização familiar e escolar, que são características dos indivíduos pertencentes aos níveis mais baixos, e que na criminologia positivista e em boa parte da criminologia liberal contemporânea são indicados como as causas da criminalidade, revelam ser, antes, conotações sobre a base das quais o status de criminoso é atribuído.

Após estudarmos as funções da pena, pelo viés do discurso defendido

pela Criminologia crítica, tomaremos agora o seguinte curso. Primeiramente, será

apreciada a proposta defendida por Eugenio Raúl ZAFFARONI181 de uma teoria

negativa/agnóstica da pena. Por conseguinte, será apresentada a teoria da pena

como retribuição equivalente do crime, defendida pelo professor Juarez CIRINO

DOS SANTOS182, no qual sintetiza estudos feitos por autores como

PASUKANIS, RUSCHE/KIRCHHEIMER e MELOSSI/PAVARINI.

4.2.1. TEORIA NEGATIVA/AGNÓSTICA DA PENA

A teoria negativa/agnóstica da pena, de acordo com os ensinamentos de

Juarez CIRINO DOS SANTOS ao citar ZAFFARONI, é fundada na

contraposição entre o Estado de Polícia e o Estado de Direito, e estes coexistem

de forma recíproca no Estado moderno, da seguinte forma:

“a) o modelo ideal de estado de policia se caracteriza pelo exercício de poder vertical e autoritário e pela distribuição de justiça substancialista de grupos ou classes sociais, expressiva de direitos meta-humanos paternalistas, que suprime os conflitos humanos mediante as funções manifestas positivas da retribuição e de prevenção da pena criminal, conforme a vontade hegemônica do grupo ou classe social no poder; b) o modelo ideal de estado de direito se caracteriza pelo exercício de poder horizontal/democrático e pela distribuição de justiça procedimental da maioria, expressiva de direitos humanos fraternos, que resolve os conflitos humanos conforme regras democráticas estabelecidas, com redução ou limitação do poder punitivo do estado de polícia.” 183 [grifos do autor]

180 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica... p. 165. 181 ZAFFARONI, et al. Direito Penal Brasileiro... p. 97-113. 182 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal... p. 470-476. 183 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal... Op. cit., p. 466-467 Apud ZAFFARONI, et al. Direito Penal Brasileiro... p. 93-100.

Page 50: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

43

Sendo assim, pode-se dizer que o Estado de Polícia é regido pelas decisões

dos governantes, ou seja, um grupo ou classe hegemônica decide sobre o que é

certo e possível e, as regras estabelecidas tornam-se lei. Já o Estado de Direito

deve ser fraterno, pois tudo que é certo e possível é decidido pela vontade da

maioria, respeitando-se ainda os direitos das minorias, mas ambos devem

submeter-se as regras anteriormente estabelecidas184.

Nesse contexto, ainda descrevem ZAFFARONI e Nilo BATISTA sobre o

Estado de Polícia e o Estado de Direito:

Para o primeiro modelo, submissão à lei é sinônimo de obediência ao governo; para o segundo, significa acatamento a regras anteriormente estabelecidas. O primeiro pressupõe que a consciência do que bom pertence à classe hegemônica e, por conseguinte, tende a uma justiça substancialista; o segundo pressupõe que pertence a todo ser humano por igual e, portanto, tende a uma justiça procedimental. A tendência substancialista do primeiro o faz pender para um direito transpersonalista (a serviço de algo meta-humano: divindade, casta, classe, estado, mercado, etc.); o procedimentalismo do segundo, para um direito personalista (para os humanos). O primeiro é paternalista: considera que deve castigar e ensinar seus súditos e, inclusive, tutelá-los ante as suas próprias ações autolesivas. O segundo deve respeitar todos os seres humanos por igual, porque todos têm uma consciência que lhes permite conhecer o bom e o possível, e, quando articular decisões de conflitos, deverá fazê-lo de modo a afetar o menos possível a existência de cada um, conforme seu próprio conhecimento: o estado de direito deve ser fraterno185.

Partindo-se de um viés científico, pode-se afirmar que a teoria

negativa/agnóstica refuta as teorias jurídicas positivas da pena criminal. Isso se

dá, em razão de no processo de desenvolvimento da teoria negativa/agnóstica,

seus autores terem se afastado das teorias positivistas, por acharem que estas

eram falsas ou não-generalizáveis e, passaram então a reconhecer funções

ocultas/latentes, que limitam a atuação do estado de policia. 186

Nesse sentido, assim descrevem ZAFFARONI e Nilo BATSITA:

(...) apelando para uma teoria negativa ou agnóstica da pena: deve-se ensaiar uma construção que surja do fracasso de todas as teorias positivas (por serem falsas ou não generalizáveis) em torno de funções manifestas. Adotando-se uma teoria negativa, é possível delimitar o horizonte do direito penal sem que seu recorte provoque a legitimação dos elementos do estado de polícia próprios do poder punitivo que lhe toca limitar. A questão é como obter um conceito de pena sem apelar para as suas funções manifestas. A este respeito não é tampouco viável a tentativa de fazê-lo através de suas funções latentes, porque estas são múltiplas e nós não as conhecemos em sua totalidade (...)187

184 ZAFFARONI, et al. Direito Penal Brasileiro... p. 93. 185 ZAFFARONI, et al. Direito Penal Brasileiro... p. 93/94. 186 ZAFFARONI, et al. Direito Penal Brasileiro... p. 98. 187 ZAFFARONI, et al. Direito Penal Brasileiro... p. 98.

Page 51: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

44

Analisando a teoria negativa/agnóstica da pena do ponto de vista político-

criminal, podemos dizer que esta tem como objetivo aumentar a segurança

jurídica para um maior número de indivíduos na sociedade, mediante aumento do

estado de direito e a conseqüente redução do estado de polícia. Nesse sentido, se

faz necessário enaltecer o brilhantismo dos mestres Eugenio Raúl ZAFFARONI

e Nilo BATISTA, haja vista que a teoria negativa/agnóstica da pena criminal, é

considerada uma teoria crítica, humanista e democrática do Direito Penal, capaz

de influenciar projetos de política criminal, assim como no tocante a prática

jurídico-penal no Brasil e em toda a América Latina. Afinal, desenvolver uma

teoria que rejeita como falsas as teorias justificadoras (manisfestas ou declaradas)

da pena criminal e, ao recuperarem um conceito de TOBIAS BARRETO para

definir a pena criminal como “ato de poder político” correspondente ao

“fundamento jurídico da guerra” significa uma ruptura radical e definitiva com o

discurso da lei e ordem tanto pregado pelos Estados. 188

Com isso, finda-se o estudo da teoria agnóstica da pena para darmos

início a análise da teoria da retribuição equivalente.

4.2.2. TEORIA DA RETRIBUIÇÃO EQUIVALENTE

O discurso da teoria materialista/dialética da pena criminal inaugurada

por PASUKANIS em sua obra “A teoria geral do direito e o marxismo (1924)”

189 e desenvolvida por Juarez CIRINO DOS SANTOS tem por objetivo

demonstrar a natureza real ou latente da retribuição penal nas sociedades

contemporâneas. A criminologia materialista/dialética traz em seu bojo uma

explicação política a cerca da retribuição equivalente, como fenômeno sócio-

estrutural típico das sociedades capitalistas, que se fundam basicamente na

relação de exploração entre capital e trabalho assalariado190.

188 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal... p. 467-468. 189 A partir dessa obra, PASUKANIS inicia a tradição do pensamento crítico em teoría jurídica e criminológica, onde passa a inserir contribuições fundamentais da teoría marxista sobre crime e controle social. (PASUKANIS, Eugeny Bronislavovic. A teoría geral do direito e o marxismo. Tradução de Soveral Martins Coimbra: Perpectiva Jurídica, 1972. p. 202.) 190 ZAFFARONI, et al. Direito Penal Brasileiro... p. 94/95.

Page 52: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

45

Com base na teoria da retribuição equivalente, podemos dizer que as

relações econômicas no capitalismo se estruturam da seguinte forma: o salário

pago ao operário é a retribuição equivalente ao trabalho prestado na produção de

bens e serviços; o preço recebido corresponde ás mercadorias vendidas ou

serviços prestados, etc. No campo jurídico, podemos dizer que há retribuição

equivalente no âmbito da responsabilidade civil, quando em face de um dano

causado ocorre uma indenização civil. Já no campo penal “a retribuição

equivalente é instituída sob a forma de pena privativa de liberdade, como valor

de troca do crime medido pelo tempo de liberdade suprimida.”191

Nesse sentido, assim nos ensina PASUKANIS:

A pena proporcionada à culpabilidade representa fundamentalmente, a mesma forma que a reparação proporcionada do dano. É a expressão aritimética que sobretudo caracteriza o rigor da sentença (...) A privação de liberdade por um tempo determinado através da sentença do tribunal é forma específica pela qual o direito penal moderno, isto é, burguês-capitalista, realiza o princípio da retribuição equivalente. Esta forma está inconscientemente, mas profundamente, ligada à representação do homem abstracto e do trabalho humano abstracto mensurável pelo tempo. Não foi por acaso que esta forma de pena foi introduzida e foi considerada como natural precisamente no século XIX, ou seja, numa época em que a burguesia pôde desenvolver e afirmar todas as suas características. As prisões e os calabouços também existiram na Antiguidade e na Idade Média ao lado de outros meios de violência física. Porém, os indivíduos estavam geralmente detidos aí até à sua morte ou até que pudessem pagar o resgate.192

Numa mesma linha de raciocínio, CIRINO DOS SANTOS cita a obra

‘Punição e estrutura social’(1939) de Georg RUSCHE e Otto KIRCHHEIMER,

onde estes dois autores da Escola de Frankfurt formulam a tese de que a

“produção tende a descobrir punições que correspondem às suas relações

produtivas”, demonstrando assim a relação mercado de trabalho/sistema de

punição: onde o trabalhador inserido no mercado de trabalho é controlado pelo

regime organizacional da fábrica e o trabalhador desempregado é controlado pelo

regime da prisão. 193

Já Dario MELOSSI e Massimo PAVARINI em sua obra ‘Cárcere e

fábrica’ (1977) definem a relação cárcere/fábrica como a pedra fundamental do

capitalismo, haja vista que as relações de trabalho nas fábricas dependiam da

191 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal... p. 473. 192 PASUKANIS, Eugeny Bronislavovic. A teoría geral do direito e o marxismo. Tradução de Soveral Martins Coimbra: Perpectiva Jurídica, 1972. p. 202. 193 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal... p. 471-472.

Page 53: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

46

disciplina e do rigor do sistema penal, sendo este a principal instituição de

controle do capitalismo, pois mantinha e reproduzia as relações sociais de

dominação/exploração das classes assalariadas. 194

Pode-se dizer que na sociedade capitalista, a pena é usada como moeda de

troca, ou seja, a pena imposta ao agente delitivo nada mais é do que a retribuição

equivalente ao crime praticado. Sendo assim, a pena equiparada a um valor de

troca, acaba por realizar o princípio jurídico da igualdade formal, haja vista que

fazendo do cárcere uma fábrica de proletários, pois oculta a submissão ao regime

carcerário, como aparelho produtor e disciplinador de indivíduos dóceis e úteis.

Todavia, o salário como retribuição equivalente do trabalho, em um mundo

capitalista, que prega a falácia da igualdade jurídica no momento da pactuação do

contrato de trabalho, “oculta a desigualdade real do processo de produção, em

que a expropriação de mais-valia significa retribuição desigual e a subordinação

do trabalhador ao capitalista significa dependência real, determinada pela coação

das necessidades econômicas, que configuram o cárcere do operário.”195

Nesse sentido assim nos ensina PASUKANIS: “Numa palavra, as relações

entre o Estado e o delinqüente situam-se inteiramente no quadro de um leal

negócio comercial.” Por isso, é muito importante para o agente delitivo, que seja

respeitado o principio da legalidade, pois: “Ele deve saber qual o quantum de

liberdade que deverá pagar em conseqüência do contrato concluído perante o

Tribunal. Ele deve conhecer antecipadamente as condições com base nas quais

deverá ser preso.” 196

Todavia, Juarez CIRINO DOS SANTOS amplia a relação pena

criminal/mercadoria na sociedade capitalista, também para a dimensão do valor

de uso, tendo em vista que este valor de uso da pena criminal consistiria nas

funções preventivas (especial e geral) medido pelo tempo de liberdade suprimida

do apenado, em razão de:

194 MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e fabrica: As origens do sistema penitenciário (séculos XVI – XIX) Rio de Janeiro: Revan, 2006. p. 211-217. 195 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal... p. 474-475. 196 PASUKANIS, Eugeny Bronislavovic. A teoría geral do direito e o marxismo. Tradução de Soveral Martins Coimbra: Perpectiva Jurídica, 1972. p. 205-206.

Page 54: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

47

a) a prevenção especial negativa de neutralização do condenado e a prevenção especial positiva de correção do condenado, vinculam a retribuição equivalente da pena criminal às funções reais/latentes de disciplina da classe trabalhadora; b) a prevenção geral negativa de intimidação de criminosos potenciais e prevenção geral positiva de integração/prevenção da pena criminal, como afirmação da validade da norma, na linha de JOKOBS, ou como afirmação dos valores comunitários, na linha de ROXIN, vinculam a retribuição equivalente da pena criminal à funções reais/latentes de preservação da ordem social fundada na relação capital/trabalho assalariado das sociedades contemporâneas.

Sendo assim, através da teoria da retribuição equivalente, podemos

verificar a universalidade da pena privativa de liberdade, pelo simples fato de que

esta teoria usa o tempo como moeda de troca do crime, e assim, consegue

abranger todos os indivíduos da sociedade, independentemente de qual classe

social eles pertençam.

5. TEORIAS E MOVIMENTOS DA POLÍTICA CRIMINAL MODERNA

As constantes reformas legislativas em matéria penal demonstram que o

Direito Penal não é alheio aos fenômenos e reformas sociais. Tais reformas são

impostas por motivos de conveniência e ordem prática, fazendo surgir novas

teorias e movimentos de Política Criminal, que podem pregar desde uma maior

rigidez no sistema penal vigente, até a sua completa extinção197.

Atualmente, com o fracasso do discurso jurídico-penal surgiram várias

tendências penais e movimentos de política criminal, que preconizam diferentes

metas para a solução do problema da criminalidade, dentre as quais podemos

destacar: o ‘neo-retribucionismo’, o ‘movimento da Lei e ordem (‘law and

order’), o ‘direito penal do inimigo’, a ‘política de “tolerância zero’, o

‘abolicionismo radical’ e o ‘direito penal mínimo’, que serão tratados a seguir198.

197 PIRES, Ariosvaldo de Campos; SALES, Sheila Jorge Selim de. Alguns Movimentos político-criminais da atualidade. In IBCCRIM, ano 11. nº 42, janeiro-março. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 295-296. 198 BIANCHINI, Alice. Os grandes movimentos de Política criminal na atualidade: movimento de lei e ordem, minimalismo penal e abolicionismo. Disponível em: <http://www.uvb.com.br/main/posgraduacao/ CienciasCriminais/AulasImpressas/PC_Aula_02.pdf>. Acesso em 29 de março de 2008.

Page 55: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

48

5.1. O NEO-RETRIBUCIONISMO E O MOVIMENTO DA “LEI E ORDEM”

O neo-retribucionismo é o sistema de Política Criminal que tem como

pilar fundamental a ideologia do movimento ‘Lei e ordem’ (Law and Order)199.

Este movimento surgiu em razão do combate ao aumento da criminalidade

ocorrido nos Estados Unidos da América, principalmente em razão dos

constantes conflitos raciais que ocorreram nos grandes guetos norte-americanos

na década de setenta. 200 Tal movimento (não se pode falar em uma doutrina

estável) de cunho altamente repressivo recomenda que para conter, ou até mesmo

diminuir a criminalidade, é preciso que sejam produzidas um maior número de

tipificações penais. 201

Nesse contexto, são os ensinamentos de Ariosvaldo PIRES e Sheila

SALES, que assim aduzem: “O movimento Law and Order defende o

enrijecimento do sistema penal, por meio do rigor da reação penal: cominação de

penas severas, aumento daquelas já previstas, endurecimento do regime de

execução da pena, ampliação das hipóteses de prisão processual, redução dos

poderes discricionais do juiz para a individualização da pena etc.”202 [sic] [grifo

do autor]

Ou seja, o neo-retribucionismo tem como objetivo principal, a utilização

do sistema penal de maneira cada vez mais intensa (endurecimento do sistema

penal), promovendo assim a criminalização, a punição, a penalização e a

prisão203. Pode-se dizer que para os adeptos do neo-retribucionismo, o fator

‘Justiça’ não é questionado, muito menos a sua adequação, pois as normas devem

ser respeitadas, independentemente da coerência social e da proporcionalidade

aplicada204.

199 O movimento da ‘law and order’ surgiu nos Estados Unidos e na Inglaterra (década de 70/80), como estratégia política para as campanhas eleitorais de Ronald Reagan e Margareth Tatcher. Seus maiores representantes foram Van den Haag, Freda Adler e Edward Benfild. (PIRES, Op. cit., p. 298-299) 200 SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Neoliberalismo, mídia e movimento da lei e da ordem: rumo ao estado de polícia. In ABPCP – Ciências Penais. ano 2. nº 2 janeiro-junho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 257. 201 PIRES, Op. cit., p. 298-299. 202 PIRES, Op. cit., p. 299. 203 MELO, Yure Gasgarin Soares de. As novas perspectivas do direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 21. 204 MELO, Op. cit., p. 21.

Page 56: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

49

No Brasil podemos constatar o aparecimento de adeptos deste sistema,

pois existem aqueles que de forma utópica acreditam que o encarceramento tem a

finalidade primordial de retribuir o mal causado pelo criminoso, fazendo com

que este seja ressocializado e, que após cumprir sua pena, tal indivíduo voltará a

viver em sociedade, sem praticar novos delitos.

E seguindo o raciocínio impróprio e inconseqüente dos teóricos da ‘lei e

ordem’, a atual sociedade brasileira (na sua grande maioria), por viver assustada

com o aumento da criminalidade clama de maneira irracional por essa ‘Justiça’

sem freios, pois acredita que um Direito Penal realmente eficaz deve ser regido

por penas rápidas e inflexíveis.

Tais medidas fazem surgir o que os estudiosos no assunto chamam de

‘inchaço legislativo’, que nada mais é do que uma medida irracional e descabida

dos legisladores brasileiros, que agem de maneira precipitada ao tentar satisfazer

os clamores da sociedade, tentando inibir e diminuir a criminalidade através da

simples edição de leis ou aumento das penas a serem aplicadas aos delinqüentes,

criando assim um ‘direito penal simbólico’205.

Todavia, este direito penal simbólico não esta surtindo o efeito esperado,

haja vista que a criminalidade no Brasil vem aumentando drasticamente a cada

dia, fazendo com que o Direito Penal caia no descrédito206. Um exemplo a ser

dado é a Lei dos crimes Hediondos (Lei 8.072/90), que desde a sua entrada em

vigor não reduziu a incidência dos crimes nelas contidos, o que é pior, contribuiu

apenas para a superlotação do sistema carcerário brasileiro207.

Desse modo, Sylvio da SILVEIRA FILHO, ao citar Aury LOPES JR, nos

ensina que com a criação da Lei dos Crimes Hediondos deu-se início a uma

política criminal do terror, visto que: “o Brasil já foi contaminado por esse

modelo repressivista há mais de 10 anos, quando a famigerada Lei dos Crimes

Hediondos (Lei 8072/90), seguida de outras na mesma linha, marcou a entrada

do sistema penal brasileiro na era da escuridão, na ideologia do repressivismo

205 VOLPE FILHO, Carlos Alberto. Quanto mais comportamentos tipificados penalmente, menor o indice de criminalidade? Jus Navigandi. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6792> Acesso em 24 de março de 2008. 206 VOLPE FILHO, Op. cit., 207 VOLPE FILHO, Op. cit.,

Page 57: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

50

saneador. A idéia de que a repressão total vai sanar o problema é totalmente

ideológica e mistificadora.” 208

Nesse contexto, Roberto Carvalho VELOSO, afirma que: “...está

comprovado estatisticamente que a Lei dos Crimes Hediondos não diminuiu o número

de delitos, (...) Ao contrário, tudo indica que uma das causas para as constantes

rebeliões seja a desesperança dos condenados que não têm direito à progressão do

regime prisional, obrigados que são a cumprir pena em regime integralmente

fechado.”209

Alberto Silva FRANCO, com bastante propriedade assim descreveu

acerca da Lei dos Crimes Hediondos:

“Na linha desse entendimento, o legislador constituinte, sob o impacto dos meios de comunicação de massa, dramatizou a realidade, esquecido de que a violência é cíclica e de que, enquanto o mundo for mundo, sempre haverá, a sacudi-lo, ondas maiores e menores, de violência. Assim, em nome do movimento da "Lei e da Ordem", além de criar uma categoria nova de delitos (os crimes hediondos), equiparou-a a outras espécies criminosas (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo), eliminou garantia processual de alta valia (fiança), vedou causas extintivas de punibilidade expressivas (anistia e graça) e, afinal, atribuiu ao legislador ordinário a incumbência de formular tipos e cominar penas, numa luta contra o crime, sem descanso, mas fadada ao insucesso, por seu irracionalismo, passionalidade e unilateralidade.”210

Ora, não é a falta de leis, muito menos o agravamento ou a aplicação

irrestrita das penas de prisão, que farão com que a criminalidade diminua em

nosso país211, ao contrário, somente através de políticas públicas voltadas a

redução das desigualdades sociais que aqui imperam por mais de 500 anos é que

poderemos almejar um dia resolver este problema.

Mas, enquanto esse dia não chega não se pode fazer do Direito Penal um

instrumento de vingança ou muito menos torná-lo a panacéia para todos os males

da sociedade.

208 SILVEIRA FILHO, Neoliberalismo, mídia e movimento da lei e da ordem... Op. cit., p. 261-262. 209 VELOSO, Roberto Carvalho. A crise do sistema penitenciário: fator de introdução, no Brasil, do modelo consensual de Justiça Penal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4088> Acesso em 22 de fevereiro de 2008. 210 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 2. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1992. p. 34. 211 VELOSO, Roberto Carvalho. A crise do sistema penitenciário: fator de introdução, no Brasil, do modelo consensual de Justiça Penal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4088> Acesso em 22 de fevereiro de 2008.

Page 58: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

51

5.2. DIREITO PENAL DO INIMIGO

No sistema conhecido como direito ‘Direito Penal do Inimigo’, Gunter

JAKOBS, um dos mais brilhantes discípulos de WELZEL, mantém a posição de

que o Direito Penal tem como função essencial a proteção da norma e somente de

forma indireta deve tutelar os bens jurídicos fundamentais212. Já Eduardo

CRESPO citando CANCIO MELIA descreve que: “O ‘Direito Penal do Inimigo’

se caracteriza, entre outras coisas, por um amplo adiantamento da punibilidade,

pela adoção de uma perspectiva fundamentalmente prospectiva, por um

incremento notável das penas e por um relaxamento ou supressão de

determinadas garantias individuais.”213

Na concepção de Gunter JAKOBS existem dois tipos de Direito Penal, um

para os cidadãos comuns (Direito Penal do cidadão), que agem de acordo com o

disposto na norma, e outro para os inimigos da sociedade (Direito Penal do

inimigo), que nada mais são que indivíduos que se afastaram do direito, e não

mais se mantém fieis ao ordenamento jurídico, pois vivem em constante

desacordo com os ditames do Estado214. Pode-se dizer então, que as regras

atinentes ao Direito Penal do cidadão serão utilizadas quando o autor do fato

delitivo, apesar de ter infringido a norma, oferecer garantias de que se portará

como um cidadão e se manterá fiel ao ordenamento jurídico. Já o Direito Penal

do inimigo deverá ser aplicado quando certos indivíduos ao se incorporarem a

determinadas organizações criminosas, não mais oferecerem garantias de que se

portarão conforme o ordenamento jurídico, pois se distanciaram do Direito de

forma duradoura e não apenas de forma incidental215.

Sendo assim, JAKOBS descreve que: “Quem por princípio se conduz de

um modo desviado não oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso

212 JAKOBS, Günter; CANCIO MELIA, Manuel. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. Org. e Trad.: André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 22. 213 CRESPO, Eduardo Demetrio. Do “Direito Penal Liberal” ao “Direito Penal do Inimigo”. In Revista da ABPCP – Ciências Penais. Ano I - nº 1, de julho-dezembro de 2004. p. 11. 214 JAKOBS, Günter; CANCIO MELIA, Manuel. Direito Penal do Inimigo... p. 37. 215 GRACIA MARTÍN, Luis. O horizonte do finalismo e o direito penal do inimigo. Tradução: Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: RT, 2007. p. 82.

Page 59: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

52

não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo.”216

Para JAKOBS os principais inimigos são: os criminosos econômicos; os autores

de crimes sexuais; os terroristas e os traficantes de substâncias tóxicas ou

entorpecentes, os traficantes de pessoas e de órgãos etc.217 Ou seja, em geral os

inimigos serão todos aqueles indivíduos que vinculados as uma organização

estruturada, se opõem ao Direito e, desenvolvem suas atividades com

habitualidade e profissionalismo, atividades estas que são típicas do chamado

crime organizado. 218

A esses indivíduos vinculados a organizações criminosas, que se afastam

do ordenamento jurídico de maneira constante e duradoura, o Direito Penal do

inimigo não os considera mais como ‘pessoas’ e sim como ‘inimigos de guerra’,

que devem ser combatidos, sem as garantias processuais do Estado de Direito,

haja vista que sem o status de cidadão ou condição de pessoa, tais indivíduos

serão considerados inimigos, não merecendo assim que o ordenamento jurídico

defenda seus interesses219.

Nesse sentido, assim nos ensina Luis GRACIA MARTÍN:

“A condição de inimigo significa privação e negação da condição de pessoa e sua consideração como não-pessoa. O Direito Penal “comum” ou do cidadão, porém dirige-se às pessoas. No Direito Penal do inimigo, por isso, não podem operar os princípios e as regras do Direito Penal das pessoas, e os inimigos, isto é, as não-pessoas, não podem invocá-los nem exigir sua observância a seu favor. Nesse sentido, tem razão Cancio quando vê esse Direito Penal do inimigo como um Direito Penal do autor.” 220

E ainda GRACIA MARTÍN citando Gunter JAKOBS assim descreve:

“A privação e a negação da condição de pessoa a determinados indivíduos, declarados

como inimigos, constituem, pois, o paradigma e o centro de gravidade em torno do qual é construído o Direito Penal do inimigo como um ordenamento punitivo diferente, excepcional e autônomo com relação ao Direito Penal comum, da normalidade ou do cidadão. “Os inimigos” – afirma sem rodeios Jakobs – “são atualmente não-pessoas (Unpersonen)”.” 221

216 JAKOBS, Günter; CANCIO MELIA, Manuel. Direito Penal do Inimigo... p. 49. 217 GOMES, Luiz Flavio. Direito Penal do inimigo (ou inimigos do Direito Penal) Disponível em: <http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_47.pdf> Acesso em 24 de março de 2008. 218 GRACIA MARTÍN, Op.cit., p. 83. 219 GRACIA MARTÍN, Op.cit., p. 98-99. 220 GRACIA MARTÍN, Op.cit., p. 132. Apud CANCIO, Derecho Penal del Enemigo?, p. 100s. 221 GRACIA MARTÍN, Op.cit., p. 133. Apud JAKOBS, In Eser/Hassemer/Burkhardt, p. 53.

Page 60: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

53

Pode-se dizer que para JAKOBS, o Direito Penal do inimigo, é um direito

penal excepcional, que contraria todos os direitos e garantias fundamentais do

indivíduo reconhecidas pela maioria das constituições e pelas declarações

internacionais de direitos humanos, haja vista que o inimigo, por não ingressar no

estado de cidadania, não pode ser considerado como pessoa (sujeito de direito) e,

por conseguinte, não é beneficiário de tais garantias e direitos. O inimigo, não

pode ser considerado como sujeito processual, sendo assim, não dispõe dos

direitos processuais, o que acarreta inclusive que este não venha a ter direito de

se comunicar com advogado constituído222.

É por isso, que Gunter JAKOBS descreve que tal criminalidade

caracteriza o poder constituído de um inimigo da sociedade, e que por assim ser,

deve ser tratado de maneira peculiar, pois não é titular de garantias e direitos

individuais223.

Nesse ideário, Cornelius PRITTWITZ224, assim assevera:

“Direito penal do inimigo é um direito penal por meio do qual o Estado confronta não os seus cidadãos, mas seus inimigos (...) Primeiramente, tomando-se a lei concretamente – o código penal e a legislação processual penal, o que se vê é que, onde se trata da punição de inimigos, se pune antes e de forma mais rígida; do ponto de vista do direito material, a liberdade do cidadão de agir (parcialmente) de pensar é restringida; ao mesmo tempo, subtraem-se direitos processuais do inimigo.”

Enfim, contra o inimigo não se justifica um procedimento penal legal, no

qual garanta o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, mais

apenas e tão somente, um procedimento de guerra, de intolerância, no qual tudo

222 JAKOBS, Günter; CANCIO MELIA, Manuel. Direito Penal do Inimigo, noções e críticas. Org. e Trad.: André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 40. 223 Com base em sua interpretação de HOBBES, o doutrinador PÉREZ DEL VALLE citado por GRACIA MARTÍN assim descreve que: “a diminuição das garantias processuais é uma conseqüência necessária da própria configuração do Direito Penal do inimigo” haja vista que “na realidade, o processo penal frente os inimigos não tem como fim a imposição de uma pena (punishment), mas a vingança (revenge), de tal modo que seria discutível que, para a vingança no estado de guerra fossem necessárias garantias.” (PÉREZ DEL VALLE, Sobre los Orígenes del “Derecho Penal del enemigo”, CPC nº 75, 2001). Apud GRACIA MARTÍN, Op.cit., p. 89-90. 224 PRITTWITZ, Cornelius. O Direito Penal entre Direito Penal do Risco e Direito Penal do Inimigo: tendências atuais em Direito Penal e Política Criminal. In IBCCRIM, ano 13. nº 47, setembro-outubro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 41-42.

Page 61: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

54

se pode contra aquele que for declarado inimigo, podendo chegar até mesmo a

coação física225.

Nesse ideário, Luis GRACIA MARTÍN ao citar PÉREZ DEL VALLE

descreve que uma característica relevante do Direito Penal do inimigo é a

diminuição ou até mesmo a total exclusão de garantias processuais, haja vista que

para os inimigos o processo não tem como finalidade a imposição de uma pena,

mas apenas e tão somente uma vingança, “e seria contraditório que para uma

vingança em estado de guerra fossem exigidas garantias226.

Pois bem, ao serem analisados os conceitos e ditames de JAKOBS a

respeito do Direito Penal do inimigo, verifica-se que após os traumas deixados

pelos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York (USA), que deixaram

cerca de 3000 mortos227 e aos recentes ataques terroristas ao sistema de

transportes urbanos de Londres em 2005, que fizeram pelo menos 50 mortos,228

nos fazem acreditar que este modelo de Política Criminal será ainda mais

difundido nos EUA e na Europa, pois deixaram o mundo em estado de alerta e

mostraram que os atos terroristas visam somente estabelecer um estado de

guerra, criando um pânico social, com o intuito de fazer valer suas ideologias,

chantageando os países através de agressões aos seus cidadãos, e que por isso

precisam ser combatidos como inimigos, pois são fonte de perigo para toda

sociedade229.

Por fim, pode-se dizer que o chamado Direito Penal do inimigo, nada mais

é que uma vertente penalística que pretende despojar da categoria de cidadãos,

determinados grupos de pessoas que na sua concepção são considerados como

fontes de perigo constante (inimigos de guerra) e, assim sendo, devem ser

225 GOMES, Luiz Flávio. Críticas à tese do direito penal do inimigo. Mundo Legal. Disponível em: <http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Artigo_Detalhar&did=15528> Acesso em 25 de março de 2008. 226 GRACIA MARTÍN, Op.cit., p. 119. 227 Wikipédia, a enciclopédia livre. Ataques de 11 de Setembro de 2001. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ataques_de_11_de_Setembro> Acesso em 21 de março de 2008. 228 Folha OnLine. Terrorismo ainda ameaça transporte britânico, diz relatório. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u90035.shtml> Acesso em: 21 de marco de 2008. 229 ROSA, Fábio Bittencourt da. Da vingança de sangue ao direito penal do inimigo. Disponível em: <http://www.derechopenalonline.com/index.php?id=15,67,0,0,1,0>. Acesso em: 21 de marco de 2008.

Page 62: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

55

neutralizados e retirados do convívio social a todo custo230, haja vista, que na

guerra contra os infratores do ‘Estado Democrático de Direito’ (indivíduos que

relutam em fazer parte de uma constituição cidadã), tudo é válido, inclusive a

supressão de direitos, pois ao inimigo não se deve dar privilégios e muito menos

garantias que são concernentes apenas aos cidadãos231 integrados aos ditames do

Estado232.

5.2.1. CRÍTICAS AO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Há também, aqueles que combatem tal concepção, pois descrevem que o

Direito Penal do inimigo, não segue um processo democrático (é claramente

inconstitucional, pois só pode haver medidas excepcionais em tempos anormais,

como o Estado de defesa e o Estado de Sítio), e sim, um procedimento de guerra

(de intolerância, de vale tudo contra o inimigo), que não obedece às regras de um

‘Estado Democrático de Direito’, pois é fruto apenas de um Direito Penal

simbólico, que tenta acalmar os ânimos da população, através de uma

antecipação de tutela penal (exagerada e desmedida) e de uma

desproporcionalidade das penas e medidas adotadas pelos legisladores e

operadores do direito, suprimindo assim, garantias penais e processuais233.

Dentre os estudiosos do direito penal que criticam este modelo de Política

Criminal temos o professor Luiz Flávio GOMES, que descreve que o Direito

Penal do inimigo tende a ser um direito autoritário, pois ao se punir a

periculosidade de um indivíduo considerado ‘inimigo’, não é observado a

proporcionalidade do delito praticado em relação aos danos por ele causados.

230 CRESPO, Op.cit., p.10-11. 231 Luiz Flavio Gomes descreve que para os adeptos do direito penal do inimigo o cidadão “é quem, mesmo depois do crime, oferece garantias de que se conduzirá como pessoa que atua com fidelidade ao Direito. Inimigo é quem não oferece essa garantia”. (GOMES, Luiz Flavio. Direito Penal do inimigo (ou inimigos do Direito Penal) Disponível em: <http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ Arquivo ID_47.pdf> Acesso em 24 de março de 2008. 232 GOMES, Luiz Flavio. Direito Penal do inimigo (ou inimigos do Direito Penal) Disponível em: <http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ ArquivoID_47.pdf> Acesso em 24 de março de 2008. 233 GOMES, Luiz Flavio. Críticas à tese do direito penal do inimigo. Mundo Legal. Disponível em: <http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Artigo_Detalhar&did=15528> Acesso em 25 de março de 2008.

Page 63: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

56

Ainda, segundo GOMES o Direito Penal do inimigo não passa de um exemplo

grotesco e retrógrado de Direito Penal de autor, no qual se pune o sujeito pelo o

que ele ‘é’, ao invés de puni-lo pelo o que ele efetivamente ‘fez’,

consubstanciado no direito penal do fato234.

Há que se falar também, das críticas ferrenhas proferidas pelo professor

alemão Cornelius PRITTWITZ, sobre a tese de um Direito Penal do inimigo no

9º Seminário Internacional do IBCCRIM, onde este declarou que: “O direito

penal como um todo está infectado pelo direito penal do inimigo (...). Deixo de

lado o fato que, de acordo com minha convicção, o conceito de “não-pessoa” não

pode mais ser usado após 1945. Mas também a idéia em si de tratar determinados

contraventores como inimigos é inaceitável do ponto de vista normativo”. 235

PRITTWITZ declara ainda que os danos que a teoria de JAKOBS trouxe para o

Direito Penal são visíveis, pois agora, muitos regimes autoritários estarão

balizados e legitimados (teoricamente) a adotar um Processo Penal e um Direito

Penal totalmente contrários ao Estado Democrático de Direito, haja vista que já

há quem fale “sobre a possibilidade de eventualmente empregar até mesmo a

tortura, em determinados casos excepcionais”. 236

Já Bernd SCHÜNEMANN citado por GRACIA MARTÍN declara que a

legitimação de um conceito doutrinário de Direito Penal do inimigo,

“possibilitaria a legitimação do restabelecimento de um Estado totalitário de uma

brutalidade e primitivismo dignos da época do Antigo Testamento”. 237

Por fim, ainda em relação ás críticas que se fazem ao ‘Direito Penal do

inimigo’, MUÑOZ CONDE indaga que não lhe parece que os terroristas,

narcotraficantes, ou membros de associações mafiosas, se sintam ameaçados por

este tipo de direito penal especial sem garantias, ou por nenhum outro tipo de

Direito Penal. O que lhe deixa claro, é que o Direito Penal do inimigo representa

234 GOMES, Luiz Flavio. Críticas à tese do direito penal do inimigo. Mundo Legal. Disponível em: <http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Artigo_Detalhar&did=15528> Acesso em 25 de março de 2008. 235 PRITTWITZ, Cornelius. O Direito Penal entre Direito Penal do Risco e Direito Penal do Inimigo: tendências atuais em Direito Penal e Política Criminal. In IBCCRIM, ano 13. nº 47, setembro-outubro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 43. 236 PRITTWITZ, Op.cit., p. 43. 237 GRACIA MARTÍN, Op.cit., p. 141. Apud SCHÜNEMANN, Bernd. Debate em torno da conferência: “La Idea de la normatización em la Dogmática jurídico penal”, do Prof. Jakobs.

Page 64: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

57

ou pode a vir representar uma ameaça para os princípios e garantias

fundamentais do Estado Democrático de Direito238.

Sendo assim, mesmo que o Direito Penal do inimigo seja proclamado por

indivíduos que tentam impor a todo custo, um Direito Penal simbólico, que em

nada contribui para uma efetiva segurança da sociedade, aceitá-lo, seria um

retrocesso de décadas de evolução do Direito Penal. Hoje, o que se deve pregar, é

por um Direito Penal consubstanciado cada vez mais na premissa de um Direito

Penal mínimo, que deve ser usado somente em caso de ‘ultima ratio’, ou seja,

somente deverá ser acionado quando todas as possibilidades de controle

extrapenais estiverem esgotadas, reservando o seu âmbito de atuação somente

para um núcleo de direitos fundamentais que precisem da sua tutela239.

5.3. O ESTADO DE TOLERÂNCIA ZERO

Em 1982, estudiosos da Política Criminal norte americana como o

psicólogo criminologista George KELLING e o cientista político James Q.

WILSON publicaram um estudo cujo título era ‘The Police and Neiborghood

Safety’ (A Polícia e a Segurança da Comunidade), no qual estabelecia uma

relação de causalidade entre a desordem e a criminalidade. Tais autores criaram a

teoria das janelas quebradas (broken windows theory) usando como exemplo a

imagem de janelas quebradas para demonstrar como a desordem e a

criminalidade andam juntas e, podem, aos poucos, infiltrar-se em uma

comunidade, fazendo com que esta entre em decadência e consequentemente

venha a perder em qualidade de vida240. Sustentavam estes autores que se a janela

de uma residência, escritório ou fábrica fosse quebrada e, não fosse consertada

imediatamente, certamente as demais janelas que ficaram intactas seriam

238 MUÑOZ CONDE, Francisco. Las reformas de la parte especial del derecho penal español en el 2003: de la "tolerancia cero" al "derecho penal del enemigo”. Disponível em: <http://www.iustel.com/v2/revistas/detalle_revista.asp?id=8&id_noticia=403856&d=1>. Acesso em 29 de março de 2008. 239 BONHO, Luciana Tramontin. Noções introdutórias sobre o direito penal do inimigo. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8439>. Acesso em 29 de março de 2008. 240 RUBIN, Daniel Sperb. Janelas quebradas, tolerância zero e criminalidade. Jus Navigand. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3730&p=2>. Acesso em 29 de março de 2008.

Page 65: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

58

quebradas. Em poucos anos ou até mesmo meses todos que por ali passassem

chegariam a conclusão que naquele local, não havia ninguém responsável em

manter a paz e a ordem, e a decadência do local estaria iniciada, fazendo com que

as pessoas de bem mudassem para outras localidades, deixando o bairro a mercê

de pessoas desocupadas, desordeiras, e até mesmo com tendências criminosas241.

Nesse sentido, WILSON e KELLING proclamavam que a criminalidade é

resultado da falta de combate aos pequenos delitos e a desordem, pois o Estado

deixa de combater a delinqüência de baixa intensidade, para priorizar o combate

a criminalidade violenta242.

Em estudo publicado na Revista Horizontes Antropológicos em Dezembro

de 2002, WENDEL e CURTIS, assim postularam: “A política de “tolerância

zero” tem raízes na “teoria das janelas quebradas” de WILSON e KELLING, a

qual argumenta que tolerância e desordem são a semente para a ocorrência de

crimes mais sérios, assim como uma janela quebrada dá a impressão de abandono

e indiferença e leva à quebra de outras.”243

Segundo os ensinamentos de Loïc Wacquant, a teoria das janelas

quebradas “postula que a repressão imediata e severa de menores infrações e

desentendimentos em via pública abarca o desencadeamento dos grandes

atentados criminais, (r) estabelecendo um clima sadio de ordem – em outras

palavras, que prender ladrões de ovos permite frear, ou mesmo simplesmente

parar, os potenciais matadores de bois, pela reafirmação da norma e dramatização

do respeito a lei.” 244

241 RUBIN, Daniel Sperb. Janelas quebradas, tolerância zero e criminalidade. Jus Navigand. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3730&p=2>. Acesso em 29 de março de 2008. 242 RUBIN, Daniel Sperb. Janelas quebradas, tolerância zero e criminalidade. Jus Navigand. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3730&p=2>. Acesso em 29 de março de 2008. 243 WENDEL, Travis; CURTIS, Ric. Tolerância zero: a má interpretação dos resultados. Horizontes Antropológicos, Dec. 2002, vol. 8, nº 18, p. 267-278. ISSN 0104-7183. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-71832002000200012&script=sci_arttext&tlng=pt> Acesso em 29 de março de 2008. 244 ROSA, Alexandre Morais da; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um Processo Penal Democrático: Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 34. Apud. WACQUANT, Loïc. Sobre a “janela quebrada” e alguns outros contos sobre segurança vindos da América. In: Revista brasileira de ciências criminais. IBCCRIM, n 46, p. 244.

Page 66: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

59

Lucas GILARDONE ao citar Loïc WACQUANT assim descreve: “Esto es precisamente lo que ocorre com lãs políticas de tolerancia cero, que

pressuponem que el combate frontal y sin contemplaciones contra expressiones “desviantes” menores, y contra delitos de poca monta y contravenciones, culminará em algún momento com la erradicación de lãs expressiones mas violentas y socialmente dañinas. Em síntesis, la intolerância y la agressividade hacia pequeños infractores logrará evitar crímenes mayores.” 245

Sendo assim, pode-se verificar que a ‘teoria das janelas quebradas’ ou

‘broken windows theory’ proclamava que pequenos delitos ou manifestações de

desordem (como vadiagem, jogar lixo nas ruas, beber em público, catar papel,

prostituição etc.) que não fossem repreendidos imediatamente, poderiam levar a

grandes delitos, e consequentemente a uma criminalidade violenta 246.

Por esse motivo, que a partir da teoria das janelas quebradas, nasceu no

início dos anos 90, mais precisamente em Nova York (EUA), a idéia do chamado

Estado de ‘tolerância zero’, quando o então Prefeito Rudolph GIULLIANI, no

exercício do seu mandato, impôs uma política de segurança pública ambiciosa e

agressiva, buscando reduzir a criminalidade na capital americana247.

O resultado da aplicação da ‘teoria das janelas quebradas’ pelo

Departamento de Polícia de Nova Iorque, deu azo ao que os americanos

batizaram de “operação tolerância zero”, e fez com que os índices de

criminalidade daquela cidade caíssem pela primeira vez em 30 anos248. Há quem

diga, que tal sucesso foi devido à tática policial de realizar busca e perseguições

aos inconvenientes sociais, retirando das ruas centrais de Nova York, “o

subproletariado que vive do mercado informal” dentre os quais podemos destacar

os mendigos, prostitutas, gigolôs, bêbados, flanelinhas, traficantes, bem como,

todo o tipo de desocupado249.

245 GILARDONE, Lucas. El retorno a la inquisición: Las políticas de tolerancia cero em el paradigma neoliberal. Córdoba: Universidad de Córdoba, 2003. p. 230. Apud. WACQUANT, Loïc. Las cárceles de la miseria. Editorial Manantial, Buenos Aires, 2000. 246 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; CARVALHO, Edward. Teoria das janelas quebradas: e se a pedra vem de dentro? In . Revista de Estudos Criminais. !TEC, n 11. p. 24. 247 RUBIN, Daniel Sperb. Janelas quebradas, tolerância zero e criminalidade. Jus Navigand. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3730&p=2>. Acesso em 29 de março de 2008. 248 RUBIN, Daniel Sperb. Janelas quebradas, tolerância zero e criminalidade. Jus Navigand. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3730&p=2>. Acesso em 29 de março de 2008. 249 REALE JÚNIOR, Miguel. Insegurança e tolerância zero. In. Revista de Estudos Criminais. !TEC, nº 9. p. 68.

Page 67: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

60

Também há aqueles que dizem que ao ser colocado um maior número de

policiais para trabalhar nas ruas centrais e nos subúrbios, fez com que houvesse

uma relação de confiança e cooperação mútua entre a polícia e os cidadãos, e tal

parceria ajudou na prevenção da criminalidade250.

Todavia, há estudos que comprovam que as políticas de tolerância zero,

implantadas em Nova York e em outras cidades americanas, diminuíram a

criminalidade momentaneamente, pois, ao longo do tempo, ficou constatado que

esta vertente não conseguiu baixar, de forma significativa, o número de infrações

penais, nem ao menos de infrações menores. O que ocorreu na verdade foi um

aumento impressionante do efetivo policial e, por conseguinte, um aumento das

atividades judiciais, que por sua vez, deram causa a milhares de processos de

condenação, que resultaram em um aumento significativo da população

carcerária, já que grande parte desses delinqüentes foram condenados a pena de

prisão251.

Outra crítica que se faz, é que com o aumento do número de policiais,

houve também um aumento no número de reclamações de pessoas vítimas de

excessos e abusos por parte desses “detentores da lei”, haja vista, que em muitos

casos, a polícia atuou de forma desproporcional, inclusive em situações onde o

suposto infrator não oferecia nenhum perigo252.

Outrossim, como conseqüência dessa política repressiva253, houve um

aumento da população carcerária norte-americana nos últimos 10 anos254, e a

250 RUBIN, Daniel Sperb. Janelas quebradas, tolerância zero e criminalidade. Jus Navigand. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3730&p=2>. Acesso em 29 de março de 2008. 251 MUÑOZ CONDE, Francisco. Las reformas de la parte especial del derecho penal español em el 2003: de la “tolerancia cero” al “derecho penal del enemigo”. Disponível em: <http://www.iustel.com/v2/revistas/detalle_revista.asp?id=8&id_noticia=403856&d=1>. Acesso em 29 de março de 2008. 252 Por exemplo, pode-se citar o ‘caso Diallo’, ocorrido em janeiro de 1999 na cidade de Nova York, onde uma patrulha composta por quatro policiais da unidade de “luta contra os delitos de rua”, ao seguirem em perseguição de um suposto agressor sexual, acabaram efetuando 41 disparos, dentre os quais 19 atingiram mortalmente um jovem imigrante guineano de 22 anos, que se encontrava parado em frente a um edifício, e nada tinha a haver com o caso. (MUÑOZ CONDE, Francisco. Op. cit.,) 253 Nessa perspectiva ressalta Jacinto COUTINHO que: “A política de Tolerância Zero, símbolo maior da Broken Windons, é marcada pelo excesso do soberano e desumanidade das penas; um funcionalismo bipolar, um tudo ou nada; culpado ou inocente; um sistema binário, muito a gosto de uma pós-modernidade reducionista e maniqueísta.” (MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Op. cit., p. 26.) 254 Em 10 (dez) anos o número de reclusos nos Estados Unidos triplicou, pois, de setecentos e quarenta mil reclusos passou para quase dois milhões. Outro dado alarmante é que a cota de reclusos por cada 100.000 habitantes em 1997 nos Estados Unidos era de 646, seis vezes superior à média da União

Page 68: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

61

grande maioria desses detentos é composta por indivíduos pertencentes a parcela

mais carente da sociedade (desempregados, principalmente negros e latinos).

Certamente, nenhuma sociedade jamais admitirá que milhares de desempregados

venham a roubar impunemente. Porém, o que fazer com estes indivíduos, se as

precárias condições de vida em que vivem (sobrevida) os levam a delinqüir? É

correto apostar em uma vertente dogmática que faz da “criminalização da

pobreza” seu estandarte para um direito penal repressivo? Ora, o problema do

desemprego, não será solucionado com o aumento da repressão penal, muito

menos com a construção de milhares de novos presídios, mas apenas e tão-

somente, com uma política social e econômica, que vise uma melhor

redistribuição de renda, e a consecução de obras sociais voltadas as populações

mais carentes255.

Nesse sentido, Jacinto COUTINHO tece as seguintes críticas a teoria das

janelas quebradas:

“A Broken Windowns Theory, assim, não prega a reforma do “desordeiro”, mas tão-só sua exclusão. Julga-o não somente por dar a ele um antecedente criminal, tampouco por condená-lo, mas por tornar o indivíduo alguém que precisa ser controlado, removido e observado. A categoria do “desordeiro” permite a Tolerância Zero, e esta o abuso do Estado e a barbárie do Soberano. A desordem do Estado, enfim, garante a ordem. A violência policial é necessária; um meio para um fim maior.” 256

Ao traçar um paralelo da teoria das janelas quebradas implantada nos

Estados Unidos, com a realidade brasileira, Jacinto COUTINHO ainda elabora a

seguinte crítica:

“Os bêbados, os catadores de papel, os flanelinhas, entre outros, são as verdadeiras ameaças, os “projetos de Fernandinho Beira-Mar” com os quais se deve dar cabo agora, antes que virem coisa pior. Acaba-se com eles e se acaba com os estupros, com os roubos, com os homicídios. O perigo de tal afirmação – não fosse a ingenuidade – é evidente, na medida em que transforma o guri da esquina (que está lá em vez de estar na escola, maldito!) em um maníaco do parque; o mendigo que dorme sob a marquise (porque quer, obviamente!) em uma ameaça para a sociedade (quem não dorme melhor quando não vê um mendigo em tais condições?!). Os pedintes, então, enojam, assustam, enchem todos de medo: fazem com que saia das ruas e se

Européia, que ultrapassa apenas a casa dos 100. Por exemplo, a média espanhola é de 113. (fontes: Bureau of Justice Statistics, Prison and Jail Inmate ad Mid-Year 1988, Washington 1999; Council of Europe Annual Statistics, Strassbourg 1997. Apud. MUÑOZ CONDE, Francisco. Op. cit.,) 255 MUÑOZ CONDE, Francisco. Las reformas de la parte especial del derecho penal español em el 2003: de la “tolerancia cero” al “derecho penal del enemigo”. Disponível em: <http://www.iustel.com/v2/revistas/detalle_revista.asp?id=8&id_noticia=403856&d=1>. Acesso em 29 de março de 2008. 256 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Op. cit., p. 27.

Page 69: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

62

fique trancado em casa. E o medo, como que numa osmose criminosa, é percebido pelos ladrões-desordeiros, que passam a roubar; um círculo vicioso do apocalipse da desordem: desordem gera medo, medo gera crime, crime gera desordem. É o reino, por evidente, da manipulação das premissas. É a filosofia Caco Antibes aplicada ao Direito!” 257

Portanto, constata-se que o Estado de tolerância zero, nasceu com o intuito

de ser um importante movimento de Política Criminal na luta contra a

criminalidade, mas o que se vê na prática, é que essa vertente dogmática tem sido

apenas um meio ainda mais cruel de segregação humana, pois age de maneira

agressiva e desproporcional, apenas com a parcela mais carente da população,

tornando-os ainda mais excluídos da sociedade.

5.4. O ABOLICIONISMO RADICAL

Não é de hoje que se sabe que o encarceramento de indivíduos, visando à

prevenção de novos delitos e a ressocialização258 destes delinqüentes, desde os

tempos mais longínquos, até os dias atuais, não obteve êxito.

Em um primeiro contato com o vocábulo “abolicionismo” pode-se

constatar que tal proposta tende a buscar não somente a supressão dos delitos,

penas e do sistema carcerário, mas sim, a total extinção do sistema penal,

substituindo-o por sistemas alternativos de solução de conflitos259.

Ora, jamais ficou constatado que alguém que foi encarcerado, após ter

cumprido a sua pena e ser posto em liberdade, saiu melhor do que quando era

livre, o que prova que o cárcere não corrige a falha cometida pelo detento, nem o

redime para um retorno à vida em sociedade, e muito menos melhora o seu

caráter, pois o isolamento social é um fator irreversível na vida de um indivíduo.

Ou seja, a prisão para os teóricos do abolicionismo radical é inútil, pois além de

257 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Op. cit., p. 27. 258 Há mais de um século que os reformadores do sistema penal vêm constatando que a prisão fracassou, quanto ao seu objetivo de reeducar e reintegrar o apenado que passou determinado tempo cumprindo pena. O que estes estudiosos percebem, é que o Estado não se interessa pela ressocialização desses indivíduos e somente exercita “uma política de condenação ágil e intensa, que difunde a crença no trancafiar e jogar as chaves fora.” (PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004. p. 27-29. 259 PIRES, Ariosvaldo de Campos; SALES, Sheila Jorge Selim de. Alguns Movimentos político-criminais da atualidade. In IBCCRIM, ano 11. nº 42, janeiro-março. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 303).

Page 70: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

63

despersonalizar o indivíduo, não o ressocializa, e faz com que este se torne ainda

mais afastado da sociedade260.

Por esta razão, existem doutrinadores261 que defendem a teoria do

‘abolicionismo radical’, sustentando que é necessário que se haja uma eliminação

total do direito penal, haja vista, que este sistema de intervenção humana, traz

mais efeitos maléficos do que benéficos. Para os adeptos do abolicionismo, a

pena de prisão deveria ser extinta e, em seu lugar deveriam ser adotados os

modelos informais de soluções de conflitos, dentre os quais podemos citar a

reparação civil, a arbitragem, os acordos, entre outros262.

Partindo dos ensinamentos de Salo de CARVALHO podemos verificar

que o abolicionismo seria uma “teoria sensibilizadora” que reúne autores que:

“Partilhando do modelo sociológico crítico das décadas de 60 e 70, comungam

propostas político-criminais estruturadas na premissa da radical

contração/substituição do sistema penal por outras instâncias resolutivas dos

conflitos sociais.” 263

A grande contribuição que esta ideologia traz a pauta seria no tocante a

humanização por ela defendida, haja vista que o ‘poder punitivo’ estatal

encontrasse falido e não é capaz de ressocializar o delinqüente, possibilitando-lhe

um cumprimento de pena de acordo com a dignidade e os direitos fundamentais

da pessoa humana.

Pode-se dizer que Louk HULSMAN264 é um dos mais significantes

defensores da ideologia abolicionista. Tanto o é, que em sua obra: “Das penas

260 MELO, Op. cit., p. 9 e 22. 261 Existem variantes no pensamento abolicionista, haja vista, que seus autores não compartilham em pé de igualdade com seus métodos e pressupostos filosóficos, para a consecução de seus objetivos. O ponto em comum do pensamento abolicionista é a extinção do sistema penal, pela sua total ineficácia na solução dos conflitos sociais. Dentre estes autores pode-se citar a preferência fenomenológica de Louk Hulsman, a marxista de Thomas Mathiesen, a estruturalista de Michel Foucault e, por fim, a fenomenológico-historicista de Nils Christie. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução: Vânia Romano Pedrosa, Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 98.) 262 MELO, Op. cit., p. 21. 263 CARVALHO, Salo de. Considerações sobre as incongruências da Justiça Penal Consensual: Retórica Garantista, Prática Abolicionista. In Diálogos sobre a Justiça Dialogal. CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre (orgs.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 263-264. 264 De acordo com o pensamento de Louk Hulsman, o sistema penal é um problema em si mesmo e, em face da sua inutilidade em resolver conflitos, é preferível que seja extinto. (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas... p. 98.). E ainda nesse sentido, afirma Hulsman que o sistema penal “se

Page 71: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

64

perdidas”, ele descreve que: “O desaparecimento do sistema penal abrirá, num

convívio mais sadio e dinâmico, os caminhos de uma nova justiça, uma vez que,

segundo D’urso, daria lugar aos ajustes espontâneos realizados pela própria

comunidade.”265

Nesse sentido, de acordo com Winfried HASSEMER e Francisco

MUÑOZ CONDE, citados por Alice BIANCHINI, o movimento em prol do

abolicionismo penal funda-se no seguinte pressuposto:

“Se o Direito penal é arbitrário, não castiga igualmente todas as infrações delitivas, independentemente do status de seus autores, e quase sempre recai sobre a parte mais débil e os extratos economicamente mais desfavorecidos, provavelmente o melhor que se pode fazer é acabar de vez por todas com este sistema de reação social frente à criminalidade, que tanto sofrimento acarreta sem produzir qualquer benefício.”266 Portanto, pode-se concluir que o abolicionismo radical é uma ideologia

não-intervencionista, totalmente contrária ao neo-retribucionismo, pois fomenta a

desinstitucionalização e descentralização, ao tentar afastar do Estado a

incumbência de solucionar os conflitos existentes, passando tal ônus para a

sociedade267.

Mas o desaparecimento do sistema penal no Brasil é criticado por diversos

doutrinadores, dentre os quais, pode-se citar Luiz Flávio D’URSO, que assim

descreve: “A eliminação do sistema penal representa algo de inimaginável para o

Brasil, embora possa até ser admitida em tese para alguns países do mundo. O

nosso sistema penal não é bom, todavia, sua eliminação traria um verdadeiro

caos que representaria anarquia global de todas as relações humanas.”268

Todavia, há aqueles que se opõem as críticas ferrenhas feitas ao modelo

abolicionista penal, dentre eles podemos destacar Salo de CARVALHO que se

manifesta no seguinte sentido: trata de uno de los raros condicionamentos sociales que podrían desaparecer sin suscitar problemas particulares, porque las organizaciones que componen este sistema no dependen en absoluto de él.” (PIRES, Ariosvaldo de Campos; SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., p. 304). 265 MELO, Op. cit., p. 22. 266 BIANCHINI, Alice. Os grandes movimentos de Política criminal na atualidade: movimento de lei e ordem, minimalismo penal e abolicionismo. Apud. HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. “Introducción a la Criminología y al derecho penal”. Valencia: Tirant lo Bianch, 2001, p.361. Disponível em: <http://www.uvb.com.br/main/posgraduacao/CienciasCriminais/AulasImpressas/PC_Aula_02.pdf>. Acesso em 29 de março de 2008. 267 MELO, Op. cit., p. 32. 268 MELO, Op. cit., p. 22. Apud. D’urso, Luiz Flávio Borges. In Consulex.

Page 72: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

65

“É mister ressaltar, desde já, que negamos terminantemente as críticas demonizadoras do modelo político-criminal abolicionismo. Entendemos que as várias matizes do abolicionismo a) são extremamente úteis e importantes para a avaliação fenomenológica da (in)eficácia do sistema penal; b) seus fundamentos teórico-doutrinários, ancorados no paradigma da reação social, são irreversíveis, do ponto de vista acadêmico, na ciência criminológica; e c) algumas de suas propostas, fundamentalmente aquelas que dizem respeito à abolição da pena privativa de liberdade cumprida em regime carcerário fechado, aos processos de descriminalização e à negativa da ideologia do tratamento são viáveis como projeto político-criminal” 269

Também nessa linha de raciocínio, o ilustre doutrinador Alessandro

BARATTA entendia que o modelo teórico abolicionista seria um:

“(...) modelo de política criminal alternativa que utiliza, como idéia reguladora ou ‘utopia concreta’, a superação do direito penal.” Pois, “nas teorias radicais de política criminal, como são as teorias abolicionistas, o critério funciona no sentido de avaliar as reformas como se estas tivessem a capacidade de superar o sistema penal tradicional, e que dita superação fosse efetivamente possível.” 270

Em seqüencia Salo de CARVALHO271 complementa o pensamento de

BARATTA dizendo: “Percebemos, assim, o abolicionismo na perspectiva de

ALESSANDRO BARATTA, ou seja, como uma utopia orientadora de extrema

importância heurística. Não há mudança sem utopia e, no momento em que o

homem renuncia à utopia, acaba por renunciar à sua própria condição humana.”

Por fim, seguindo nessa linha abolicionista do sistema penal, em prol de

uma política criminal alternativa, Alessandro BARATTA encontrou em uma

expressão de G. RADBRUCH o seguinte ensinamento: “a melhor reforma do

direito penal não consiste em sua substituição por um direito penal melhor, mas

sua substituição por uma coisa melhor que o direito penal.” 272

Assim, devemos destacar que as propostas abolicionistas devem ser vistas

de maneira reservada, principalmente em se tratando da atual realidade nos países

do ‘terceiro mundo’, pois o total desaparecimento do direito penal poderia trazer

efeitos desastrosos e de difícil reparação, podendo dar azo ao aparecimento de

outros instrumentos informais de controle social, que possivelmente seriam

269 CARVALHO, Salo de. Considerações... Op. cit., p. 273. 270 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica... p. 222. 271 CARVALHO, Salo de. Considerações... Op. cit., p. 274. 272 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica... p. 222.

Page 73: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

66

regrados por uma maior arbitrariedade, e conseqüentemente fariam que houvesse

uma maior supressão de direitos e garantias dos indivíduos273.

5.5. O DIREITO PENAL MÍNIMO

De acordo com os ideais iluministas, se o Estado é produto da razão,

jamais poderá ser considerada legítima a sanção penal que se findar, única e

exclusivamente no sentimento de vingança. É com base nesse pensamento, que

podemos afirmar que o Direito Penal, deve ser a ‘ultima ratio’, devendo ser

chamado a intervir somente quando os demais ramos do direito se mostrarem

incapazes, inaptos ou insuficientes para a tutela do bem jurídico infringido274.

Nesse contexto, assim descreve Raúl CERVINI: “...o Direito Penal

somente deve ser empregado para a proteção dos bens jurídicos em forma

subsidiária, como ultima ratio, reservando-se para aqueles casos em que seja o

único meio de evitar um mal maior.”275 [grifo meu]

Já dizia BECCARIA na conclusão de sua obra ‘Dos delitos e das penas’:

“Para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um

cidadão privado, deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima

das possíveis em dadas circunstâncias, proporcionada aos crimes, ditada pelas

leis.”276 [grifo meu]

No mesmo sentido, assim são os dizeres do mestre ZAFFARONI:

“A teoria do direito penal mínimo (ou minimalismo penal) expôs um conceito de pena de nítida inspiração liberal, no que constitui um dos mais elaborados esforços contemporâneos para proporcionar tal conceito a partir da referida inspiração. Segundo esse conceito, a intervenção penal caberia somente em conflitos muitos graves, que comprometessem interesses gerais, e naqueles em que, sem tal intervenção, surgiria o risco de uma vingança privada ilimitada.”277

273 MELO, Op. cit., p. 32. 274 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 11. 275 CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 192. 276 BECCARIA, Op. cit., p.143. 277 ZAFFARONI, et al. Teoria Geral do Direito Penal... p. 129.

Page 74: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

67

Portanto, o Direito Penal mínimo é uma espécie de Política Criminal

voltada a conter ao máximo o poder punitivo estatal, utilizando-se primeiramente

de meios jurídicos de controle que não o penal, bem como outras formas de

aplicação de pena que não apenas e tão somente a privativa de liberdade278.

Porém, o Brasil vive um momento de conflito entre duas ideologias

penais. De um lado o movimento do ‘law and order’ (lei e ordem), que acredita

que o Direito Penal ao utilizar-se da sanção penal poderá acabar com a

criminalidade. De outro, a ideologia da intervenção mínima do Estado, originário

do iluminismo, conforme anteriormente relatado.

Assim sendo, pode-se verificar que legisladores penalistas ao se deixarem

levar pela ‘emoção’ acabaram por aderir a ideologia repressiva da ‘Lei e ordem’,

fazendo com que houvesse um aumento desenfreado no número de tipificações

penais, e conseqüentemente um maior incentivo a criminalização, a penalização e

a carcerização. Mas, mesmo com essa ‘inflação legislativa’ o movimento da ‘Lei

e ordem’ não foi capaz de reduzir a criminalidade, e tão pouco prevenir os

delitos279. Por essa razão, que o pensamento doutrinário acerca de um Direito

Penal mínimo vem ganhando terreno a cada dia, pois acredita-se que esse seja o

modelo de política criminal que mais se identifica com a atual realidade penal

brasileira280.

Segundo os ditames de Luiz Flávio D’URSO: “Esse é o grande desafio do

mundo moderno, reduzir ao máximo a aplicação da pena privativa de liberdade,

somente reservando a prisão para aqueles realmente perigosos ou que não

possam permanecer em liberdade.”281

Nesse sentido, o legislador pátrio assim descreveu na exposição de

motivos da Lei 7.209 de 1984:

“Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere. Esta filosofia importa obviamente na busca de sanções outra para os delinqüentes sem periculosidade ou menos graves. Não

278 MELO, Op. cit., p. 30. 279 MELO, Op. cit., p. 33. 280 MELO, Op. cit., p. 32. 281 D’URSO, Luiz Flávio Borges. Privatizações de Presídios. In Consulex. Ano III – nº 31, de 31 de julho de 1999.

Page 75: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

68

se trata de combater ou condenar a pena privativa de liberdade como resposta penal básica ao delito. Assim, como no Brasil, a pena de prisão se encontra no âmago dos sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute é a sua limitação aos casos de reconhecida necessidade.”282

De acordo com as considerações acima relatadas, pode-se concluir que

atualmente no Brasil vem crescendo de maneira ainda tímida, uma corrente

ideológica que tem como objetivo firmar a idéia de que a intervenção estatal só

deve acontecer quando for estritamente necessária. Ou seja, devem-se reduzir os

mecanismos punitivos do Estado ao ‘mínimo necessário’, dando ensejo à

formação do chamado Direito Penal mínimo.

5.5.1. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

O princípio da intervenção mínima283 por ser originário do Iluminismo284 e

trazer consigo ideais de defesa aos bens e garantias fundamentais do cidadão, não

poderia ter posição diferente daquela que visa conter o ‘ius puniend’ do Estado,

pois deve tentar extinguir a arbitrariedade estatal, enquanto solucionador e

apaziguador dos conflitos sociais285. Sendo assim, pode-se afirmar que o princípio

da intervenção mínima surgiu para se contrapor ao absolutismo, pois, “aparece

como uma orientação político-criminal restritiva do jus puniend.”286 Constata-se

ainda, que o princípio da intervenção mínima foi positivado primeiramente na

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), mais precisamente em

seu art. 8º, que assim proclamava: “A lei só deve estabelecer penas estrita e

evidentemente necessárias, (...)” No Brasil, o princípio em análise, embora não

tenha sido previsto de maneira explicita, foi recepcionado pela Constituição 282 MARTINS, Jorge Henrique S. Penas alternativas: comentários a nova lei 9714/98. Exposição de motivos da nova parte geral do código penal, p. 33. 283 O princípio da intervenção mínima se faz presente desde a Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos de 1789, trazendo em seu art. 8º, a seguinte descrição: “A lei não deve estabelecer mais do que penas estrita e evidentemente necessárias, e ninguém pode ser castigado a não ser em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito, e legalmente aplicada.” (DDHC) 284 De acordo com a ideologia do iluminismo, o Estado é produto da razão. Sendo assim, no ideário iluminista, não há nenhuma legitimação possível que justifique a sanção penal pelo simples sentimento de vingança. (JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direto Penal: Coleção elementos do direito. São Paulo: Siciliano Jurídico, 2003. p. 25). 285 MELO, Op. cit., p. 25 e 31. 286 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípios Políticos do Direito Penal – (Série princípios fundamentais do direito penal moderno) vol. 3, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 92.

Page 76: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

69

Federal através da cláusula geral disposta no art. 5º, § 2º, que assim dispõe: “Os

direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes

do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em

que a República Federativa do Brasil seja parte.”287 Isso se dá, em decorrência

desses tratados conterem normas de direitos fundamentais que são

automaticamente incorporados ao rol do art. 5º da Constituição Federal através

da teoria da recepção288.

Portanto, na luta contra o crime, o princípio da intervenção mínima,

propõe que o direito penal seja utilizado de forma restrita289, devendo a sanção

criminal ser reservada apenas para aqueles casos em que se constituir meio

necessário para a proteção de um bem jurídico relevante.

Nesse sentido, Rogério GRECO citando Francisco MUÑOZ CONDE

descreve de forma ímpar, o caráter limitador do princípio da intervenção mínima

frente ao poder punitivo estatal: “O poder punitivo do Estado deve estar regido e

limitado pelo princípio da intervenção mínima. Com isto, quero dizer que o

Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens

jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico

são objetos de outros ramos do Direito.”290

Conforme descrevem ZAFFARONI e PIERANGELI, o poder punitivo

estatal traz consigo um certo teor de violência, e sua intervenção na maioria das

vezes se apresenta de forma irracional, a tal ponto de acrescentar ainda mais

violência à aquela em que sociedade é submetida. Estes doutrinadores descrevem

ainda, que na América Latina o princípio da intervenção mínima vem sendo

desrespeitado de maneira mais acentuada, haja vista, que nas Américas são

constantes as agressões aos Direitos Humanos, o que afeta o desenvolvimento

desses países, e consequentemente culmina em um aumento desenfreado da

criminalidade291.

287 DOTTI, Curso de direito penal: Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 67-68. 288 SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti. A Insignificância no Direito Penal Moderno. Disponível em: <http://www.praetorium.com.br/index.php?section=artigos&id=9> Acesso em: 02 de abril de 2008. 289 DOTTI, Curso de direito penal... p. 67. 290 GRECO, Direito Penal do equilíbrio... p. 52. 291 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 3ª ed. rev., atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.80-81.

Page 77: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

70

Esta crise do Direito Penal esta relacionada em partes com a utilização

desenfreada de normas incriminadoras, que muitas vezes acabam invadindo

outras esferas do direito em que o ilícito pode ser meramente civil, administrativo

ou tributário292. O arbítrio daqueles que fazem as leis é certamente uma das

causas da desordem do sistema punitivo estatal, haja vista, que o Estado esta

visando apenas a sua pretensão punitiva, sem ao menos se preocupar com

critérios de humanidade ou proporcionalidade, impondo penas severas, até

quando não é necessário293. São muitos os doutrinadores que advertem sobre o

esvaziamento da força intimidadora da pena, frente a criação excessiva e sem

critérios de tipos penais incriminadores. Francesco CARNELUTTI fala em uma

inflação legislativa, ao sustentar que “seus efeitos são análogos aos da inflação

monetária, pois desvalorizam as leis, e no concernente às leis penais aviltam a

sua eficácia preventiva.”294 Carlos Enrico PALIERO, em sua obra analisa o

fenômeno da hipertrofia do Direito Penal295, dizendo que há um crescimento

“patológico da legislação penal”. Para Luiz Flávio GOMES, “o sistema

tradicional, claramente paleorrepressivo, ao infringir a ‘Lei do Estado”, o infrator

contrai uma dívida com ele e deve pagá-lo a todo custo; e a única resposta estatal

prevista para o pagamento desta dívida é a ‘pena’, principalmente a de prisão.”296

Atualmente, nossos legisladores estão sendo levados a editarem ‘leis de

ocasião’, que nada mais são que leis editadas para responder a determinadas

situações excepcionais que estejam causando agitação na opinião pública, como

por exemplo, nos casos de homicídios qualificados e seqüestros. É nesse

momento que se percebe a função simbólica do Direito Penal, que é voltado

292 SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti. A Insignificância no Direito Penal Moderno. Disponível em: <http://www.praetorium.com.br/index.php?section=artigos&id=9> Acesso em: 02 de abril de 2008. 293 MELO, Op. cit., p. 26. 294 LUISI, Luiz. Um discurso sedicioso: a minimização do Direito Penal. In Discursos Sediciosos, ano 1, n. 2. Instituto Carioca de Criminologia. Rio de Janeiro: ICC, 1996. p. 37. Apud. FRANCESCO, Carnelutti. La crisi della legge. In “Discorsi intorno al diritto”. p. 178. 295 Em um artigo descoberto em 1898, Reinhart Frank usou pela primeira vez a expressão ‘hipertrofia penal’ salientando que “o uso da pena tem sido abusivo, e por isso perdeu parte do seu crédito, e, portanto, sua força intimidadora, já que o corpo social deixa de reagir do mesmo modo que o organismo humano não reage mais a um remédio administrado abusivamente.” (LUISI, Luiz. Um discurso sedicioso: a minimização do Direito Penal. In Discursos Sediciosos, ano 1, n. 2. Instituto Carioca de Criminologia. Rio de Janeiro: ICC, 1996. p. 37. Apud. Reinhart Frank. Dir Uberspannung Der Stattlichen Strafgewalt. In Zstw (Revista para a Ciência geral do direito penal), 1899, p. 733. 296 MELO, Op. cit., p. 26. Apud. GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal. São Paulo: RT, 1997.

Page 78: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

71

apenas e tão-somente para a criação de resultados imaginários, que ficam a

margem da consecução efetiva de resultados concretos. Esse aspecto tem se

tornado bastante preocupante, pois, nesse momento tem predominado a adoção

de uma política criminal radical (hard control), tendente a criação de novos tipos

penais, ao endurecimento das penas já existentes e ao corte de direitos e garantias

fundamentais. Como exemplo dessa tendência, podemos citar a Lei dos Crimes

Hediondos297.

Entretanto, é por esse motivo que Damásio de JESUS defende a

priorização do princípio da intervenção mínima, haja vista, que este princípio

procura “restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a

definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas ou

cruéis, a criação de tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade, só

devendo intervir o Estado, por intermédio do Direito Penal, quando os outros

ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita.”298

Por tudo isso, é que o sistema penal deve ter seu uso restringido ao

máximo, devendo ser esgotados todos os meios extra-penais de controle social,

antes de se recorrer ao direito penal299. Assim, quando outras formas de sanção ou

outros métodos de controle social (medidas civis ou administrativas) forem

suficientes para o restabelecimento da ordem jurídica violada, estas é que

deverão ser adotadas e não as criminais300.

Nesse sentido, assim descreve o insigne doutrinador Nelson Hungria:

“Somente quando a sanção civil se apresenta ineficaz para a reintegração da ordem jurídica é que surge a necessidade da enérgica sanção penal. O legislador não obedece a outra orientação. As sanções penais são o ultimo recurso para conjurar a antinomia entre a vontade individual e a vontade normativa do Estado. Se um fato ilícito, hostil a um interesse individual ou coletivo, pode ser convenientemente reprimido com sanções civis, não há motivo para reação penal.”301

Sendo assim, conclui-se que o princípio da intervenção mínima tem como

função basilar, a aplicação da pena privativa de liberdade somente em situações 297 MELO, Op. cit., p. 27-28. 298 JESUS, Op. cit., p. 10. 299 BITENCOURT, Op. cit., p. 11. 300 BITENCOURT, Op. cit., p. 11. 301 DOTTI, Curso de direito penal... p. 67. Apud. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. vol. VII. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 178.

Page 79: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

72

extremas, nas quais os fins buscados pelo poder punitivo estatal não podem ser

alcançados com medidas alternativas à prisão.

5.5.2. OBJETIVOS DO DIREITO PENAL MÍNIMO

Não é de hoje, que o Direito Penal brasileiro guarda resquícios do

movimento repressivo da ‘Lei e Ordem’, e certamente essa ideologia contribuiu

para que em nosso país fosse cada vez mais difundida a criminalização, a

punição, a penalização, e a carcerização302.

Gabriel CHALITA ao prefaciar a obra de Tailson Pires COSTA adverte:

“Não é de hoje que se discute a reeducação humana. Não é de hoje que se discute a prisão, sua eficiência, sua evolução. Não é de hoje que se discute violência, criminalidade. Eis uma temática que há muito perturba a sociedade. Eis um desafio que ainda hoje não se equacionou. É o grande dilema do direito penal! Criminaliza? Despenalizar? Humanizar? Qual a melhor alternativa para se construir um sistema perfeito de reeducação daqueles que tiveram a infelicidade de infringir o sistema penal ou o sistema jurídico?”303

Atualmente, vários são os defensores de uma política criminal voltada

para um Direito Penal mínimo, cujo lema é “mínima intervenção, com máximas

garantias”. Mas para que isso ocorra de maneira eficaz, é preciso que os três

Poderes do Estado estejam sintonizados nessa empreitada. O Executivo deve

buscar uma política de prevenção do crime, e não apenas de repressão, como é

feito atualmente. O Judiciário deve propagar que a função do Direito Penal é a de

resguardar os bens jurídicos de forma subsidiária, devendo este ser acionado

somente em casos de ‘ultima ratio’, ou seja, somente quando os outros ramos do

direito não forem suficientes ou se mostrarem inaptos ao efetivo controle social.

Também, ao Poder Judiciário caberá assegurar que os demais princípios

fundamentais do Direito Penal mínimo304, anteriormente estudados, sejam

302 MELO, Op. cit., p. 33. 303 COSTA, Tailson Pires. Penas alternativas: reeducação adequada ou estímulo a impunidade? São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 9. 304 Os princípios fundamentais do Direito Penal mínimo estudados nesse trabalho foram: princípio da legalidade, princípio da reserva legal, princípio da humanidade, princípio da culpabilidade, princípio da proporcionalidade, princípio da fragmentariedade, princípio da subsidiariedade, princípio da adequação social, princípio da insignificância e princípio da intervenção mínima.

Page 80: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

73

observados de maneira efetiva. Por fim, o Legislativo deve evitar a

criminalização de novas condutas e o aumento das penas já existentes, bem

como, deverá promover os processos de descriminalização, despenalização,

descarcerização e desinstitucionalização, haja vista, que tais processos atingem o

âmago do sistema penal brasileiro305.

Portanto, se na busca de uma política criminal voltada ao direito penal

mínimo, os três Poderes promoverem uma “deflação penal”, certamente, isto

poderá transformar o aspecto quantitativo da lei em qualitativo, e

consequentemente, a justiça criminal se tornará mais humanizada306.

5.5.2.1. DESCRIMINALIZAÇÃO

Os processos de descriminalização307 é um dos mais importantes

movimentos de política criminal na atualidade, pois preconiza que “o direito

penal só pode intervir onde se verifiquem lesões insuportáveis das condições

comunitárias essenciais de livre desenvolvimento e realização da personalidade

de cada homem.”308 René DOTTI ensina que “em sentido mais freqüente,

descriminalizar significa abandonar a incriminação de certos fatos ou fazer com

que uma infração perca o seu caráter criminal.”309 Na lição de Heleno

FRAGOSO, citado por Alice BIANCHINI, “uma política criminal moderna

orienta-se no sentido da descriminalização e da desjudicialização, ou seja, no

sentido de contrair ao máximo o sistema punitivo o Estado, dele retirando todas

305 GOMES, Luiz Flávio. Direito de apelar em liberdade; conforme a Constituição Federal e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos: doutrina e jurisprudência. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 98-106. 306 MELO, Op. cit., p. 33-34. 307 De acordo com Marc Ancel, o termo descriminalização foi divulgado pela primeira vez em 1949, em uma obra de Shedon Gluck. Porém, o próprio autor esclarece que desde 736 uma lei inglesa já trazia este conceito de forma intrínseca, ao proibir que houvessem perseguições aos acusados de cometer bruxaria. (DOTTI, René Ariel. Reforma penal brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p.24.) 308 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal Português: Parte Geral II - As conseqüências jurídicas do crime. Lisboa: Editorial Notícias, 1993. p. 65. 309 DOTTI, René Ariel. Reforma penal brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p.24.

Page 81: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

74

as condutas anti-sociais que podem ser reprimidas e controladas sem o emprego

de sanções criminais.”310

Nessa mesma linha de raciocínio, é a visão de Figueiredo DIAS, pois este

ensina que mesmo quando um ato delituoso violar um bem jurídico, deve-se

tentar acionar outros meios que não os penais, pois estes só devem ser utilizados

em ‘ultima’ ou ‘extrema ratio’311.

Sendo assim, enquanto os adeptos da despenalização buscam soluções

alternativas (penas alternativas), frente ao ‘ius puniend’ estatal, sem valorar o

caráter ilícito das condutas delituosas, a corrente que segue em prol da

descriminalização pede pela exclusão do âmbito penal, de toda e qualquer

conduta que for de pequeno potencial ofensivo. Isto é, toda conduta delituosa que

não merecer ou não necessitar de pena, devera ser descriminalizada, ou seja,

devera ser retirada do âmbito de atuação do direito penal, transformando-a em

ilícito administrativo ou civil, ou simplesmente perder o caráter de ilícito312.

De acordo com os ensinamentos de Raúl CERVINI, a descriminalização é

o meio pelo qual se retira do âmbito do Direito Penal determinadas condutas que

não são graves, e que por isso deixam de ser sancionadas penalmente313.

Já o Comitê do Conselho Europeu (1987) descreve que “se entende por

descriminalização os processos pelos quais a competência do sistema penal para

aplicar sanções como uma reação diante de certas formas de conduta é anulada a

respeito dessa conduta específica.”314

René DOTTI ao citar Louk HULSMAN descreve que entre os diversos

comportamentos que podem ser descriminalizados, destacam-se os relativos às

“normas morais (blasfêmia, infrações sexuais e aborto); às normas sociais

(vagabundagem, mendicidade, abandono da família e toxicomania) e às novas

310 BIANCHINI, Alice. Os grandes movimentos de Política criminal na atualidade: movimento de lei e ordem, minimalismo penal e abolicionismo. Disponível em: <http://www.uvb.com.br/main/posgraduacao/Ciencias Criminais/AulasImpressas/PCAula02.pdf>. Acesso em 29 de março de 2008. 311 DIAS, Questões fundamentais... p. 66. 312 GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. O Direito Penal na era da globalização – prisionização (Hipertrofia irracional do Direito Pena). In Série as Ciências Criminais no Século XXI - vol.10. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 65. 313 CERVINI, Op. cit., p. 72. 314 CERVINI, Op. cit., p. 72.

Page 82: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

75

normas ditadas pelas sociedades industrializadas. Por outro lado, pequenas

infrações contra o patrimônio (furtos menores) também podem ser excluídas da

competência do sistema penal.”315

Hoje no Brasil a mais de mil tipos penais. Uma verdadeira hipertrofia

legislativa. Muitas condutas que já deixaram de ser consideradas crimes por uma

expressiva parcela da população, continuam fazendo parte do nosso sistema

penal, apenas por pressões de grupos religiosos ou políticos316. É preciso que

nossos legisladores promovam um amplo programa de descriminalização, em

prol de uma intervenção mínima do Estado. É chegada a hora de se fazer uma

reestruturação completa do Direito Penal brasileiro, pois a maioria da infrações

penais de pequeno potencial ofensivo, já poderiam estar sendo tratadas como

ilícito administrativo ou civil, ou até quem sabe, deixarem de ser consideradas

crimes317.

5.5.2.2. DESCARCERIZAÇÃO A pena de privativa de liberdade é a intervenção mais violenta que o

direito penal pode impor ao indivíduo que cometeu um ato ilícito. Para Yure de

MELO, sua aplicação é imperfeita, haja vista, que “não repara a situação jurídica

ou fática anterior, não iguala o valor dos bens jurídicos em confronto e impõe um

novo sacrifício social”, ainda mais, não consegue alcançar o seu objetivo

principal, que é a ressocialização do apenado. Por isso, é que se deve buscar a

solução dos conflitos sociais, primeiro no âmbito administrativo e civil, e

somente em ultimo caso, deve-se recorrer a esta modalidade de sanção318.

A descarcerização é o processo pelo qual se atribui outro tipo de

penalidade aos crimes considerados de baixo potencial ofensivo319. Por esta razão

que os defensores de um direito penal mínimo defendem a descarcerização como

315 DOTTI, Reforma penal brasileira... p. 26. 316 DOTTI, Reforma penal brasileira... p. 26. 317 GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Op. cit., p. 70. 318 MELO, Op. cit., p. 37. 319 SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. As Duas Faces da Política Criminal Contemporânea. Disponível em: <http://www.jfrn.gov.br/docs/doutrina33.doc>. Acesso em 02 de abril de 2008.

Page 83: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

76

um meio pelo qual se possa conter o ‘ius puniend’ do Estado, não de maneira

total e irrestrita, mas, apenas para aqueles casos em que medidas alternativas se

mostrem suficientes para solucionar os conflitos penais320.

Na visão de Maurício Ribeiro LOPES, citado por Yure de MELO:

“Ainda que determinada conduta sujeite o seu autor à intervenção do ius puniend do Estado na generalidade dos casos, cabe o princípio da intervenção mínima identificar, também, genericamente, hipóteses em que, apesar da amoldação da conduta à norma, existe circunstância que desaconselha sua aplicação, pois se assim não o fizesse, a intervenção não seria mínima.”321 Deu-se, que durante os debates da “1ª Conferência sobre Alternativas à

Pena de Prisão”, organizada pela socióloga Julita LEMGRUBER, em outubro de

1994, no Estado do Rio de Janeiro, a inglesa Vivien STERN, Secretária Geral da

“Penal Reform Internacional” (PRI), descreveu textualmente que:

“Devemos aceitar a evidência acumulada em todo o mundo de que a prisão não cura criminosos. Há, de fato, evidências em demasia que apontam, justamente, para o contrário: a prisão torna as pessoas piores. Pode torná-las piores porque reforça suas tendências para a violência e criminalidade, e pode torná-las piores porque se deterioram de tal forma que, ao sair da prisão, o retorno ao crime é, freqüentemente, a única alternativa para conseguirem algum dinheiro.”322

De fato, o sistema carcerário, principalmente o brasileiro há muito tempo

não vem cumprindo com a sua função primordial, que é a ressocialização dos

apenados, haja vista, que na maioria dos presídios e cadeias públicas, a

superlotação de presos em celas sem as mínimas condições de higiene, em que

presos dormem uns por cima dos outros, “vegetando numa promiscuidade sem

qualquer objetivo de reabilitação,”323 contribui ainda mais para a degradação

desses indivíduos. A prisão, além de apenas retirar o criminoso do convívio

social, deveria buscar a regeneração desse indivíduo, através de processos 320 MELO, Op. cit., p. 35. 321 MELO, Op. cit., p. 35. Apud. LOPES, Mauricio Antônio Ribeiro. Princípios Políticos do Direito Penal – (Série princípios fundamentais do direito penal moderno) vol. 3, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 322 MORAES FILHO, Antonio Evaristo de. Rumos atuais do Direito Penal - Descriminalização, Despenalização e novos tipos. Disponível em: <http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/publicacoes/evaristo_moraes/em_7.html> Acesso em 29 de março de 2008. 323 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à lei de execução penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 55.

Page 84: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

77

educativos, que fossem centrados primordialmente na profissionalização e no

desenvolvimento social. Pois hoje o que se vê, é que o fator ressocializador do

sistema penitenciário brasileiro não passa de utopia, pois ao adentrar pelos

portões do cárcere, o apenado se depara com um mundo de terror, violência e

opressão, no qual os mais fortes impõem suas regras, e os mais fracos

obedecem324, pois se não o fizerem, podem acabar pagando com a própria vida325.

Na cadeia não se vive se sobrevive. E há quem diga que lá é o verdadeiro

inferno em vida, ou como bem diz René DOTTI, as cadeias desse país mais

parecem a ante-sala do inferno.

Em face da crise em que vive o sistema penitenciário brasileiro, é preciso

que se evite ao máximo o encarceramento, porque nesse momento, o poder

punitivo estatal tornou-se falho, haja vista, que ele trata com descaso a vida

humana sob sua tutela, pois priva o delinqüente do convívio social, trancando-o

em verdadeiras masmorras medievais, mas esquece que tem o dever de reeducá-

lo e ressocializá-lo, para que um dia volte a conviver com a sociedade326.

De acordo com o Comitê do Conselho da Europa, a descarcerização inclui

todas as possíveis formas de atenuação da sanção penal, bem como medidas

alternativas à prisão, dentre as quais são citadas: limitação de fim de semana,

prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, multa reparatória,

indenização à vítima, semidetenção, interdição temporária de direitos, prisão

domiciliar, inabilitação, diminuição de salário, e todas as demais medidas

alternativas e reeducativas dos sistemas penais327.

O Código Penal português, em seu art. 71, dá ao magistrado, em caso

deste poder optar entre uma pena privativa de liberdade ou uma pena alternativa,

o direito de preferência pela medida alternativa, desde que esta, seja suficiente

324 Nesse sentido, Manoel Pedro Pimentel descreve que: “Na verdade, o que a prisão fechada faz é socializar o condenado para viver adequadamente em seu mundo restrito, enquanto estiver preso e submetido às suas regras informais, que se sobrepõem, nesse mundo peculiar, às próprias regras ditadas pela Administração.” (PIMENTEL, Manoel Pedro. O drama da pena de prisão, In Reforma penal (diversos autores), Saraiva, 1985, p.55.) 325 MELO, Op. cit., p. 38. 326 COSTA, Op. cit., p. 32. 327 CERVINI, Op. cit., p. 75-76. Apud. Informe del Comite Europeu sobre problemas de la criminalidad, 1980.

Page 85: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

78

para promover a ressocialização do delinqüente, bem como, satisfaça as

exigências de prevenção e reprovação do ato delitivo328.

Essa idéia de reduzir a intervenção estatal, aplicando métodos de

descarcerização para os casos de atos lesivos de menor potencial ofensivo, já

vinha brotando a algum tempo em nosso ordenamento jurídico329, e ficou

concretizada com a implantação dos Juizados Especiais Criminais, positivados

pela Lei 9.099/95330. Com o advento da criação dos Juizados Especiais Criminais,

nasce um novo sistema de justiça penal em nosso país, sistema este, que a muito

vinha sendo aclamado pelos defensores do Direito Penal mínimo, e que se tornou

a pedra fundamental para os processos de descarcerização331.

Os processos de descarcerização que a Lei dos Juizados Especiais

Criminais propõe, são baseadas no princípio da intervenção mínima, e por isso,

abrangem medidas que afastam a incidência de uma sanção penal. Portanto, ao

buscar a conciliação entre as partes, promovendo a descarcerização, os Juizados

Especiais Criminais fundam-se nos seguintes institutos: a) da composição civil

(art. 74, parágrafo único), b) da transação penal (art. 76), c) da representação nos

delitos de lesões corporais leves e lesões culposas (Arts. 88 e 91), e d) da

suspensão condicional do processo (art. 89)332.

A composição civil é realizada entre a vítima e o autor do fato delituoso, e

pode ser conduzida por juiz togado ou conciliador. Com a composição civil, o

legislador criou a possibilidade de se resolverem ao mesmo tempo, questões que

dizem respeito às jurisdições civil e penal, que podem compreender danos

materiais e, ou danos morais decorrentes de atos ilícitos. O limite do acordo fica

a critério das partes, mas uma vez homologado, é irrecorrível e tem eficácia de

título executivo a ser interposto no juízo civil. Outrossim, o acordo também

328 ALBERGARIA, Op. cit., p. 47. 329 Inspirados na nova ideologia de um Direito Penal mínimo e na necessidade urgente de desafogar o sistema judiciário, através de medidas mais rápidas, eficazes e que proporcionassem uma maior economia processual, os constituintes de 1988 estabeleceram no art. 98, inciso I da Constituição Federal brasileira os Juizados Especiais Criminais. 330 MELO, Op. cit., p. 30. 331 MELO, Op. cit., p. 57. 332 MELO, Op. cit., p. 36.

Page 86: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

79

extingue a punibilidade de delitos de ação pública de natureza condicionada ou

privada333.

A transação penal ancora-se na idéia de um acordo de vontades entre o

titular da ação penal e o autor do delito. O representante do Ministério Público ao

verificar que estão atendidas as condições legais exigidas para a consecução da

transação penal, proporá ao autor do ato delituoso, uma pena restritiva de direitos

ou multa, que uma vez aceita gerará uma sentença homologatória de transação

penal, prevista no art. 76 da Lei dos Juizados Especiais Criminais334.

Sendo assim, de acordo com os ensinamentos de Edison Miguel da

SILVA JR. a transação penal pode ser considerada como uma alternativa ao

processo penal e a seus efeitos, pois, busca a solução dos conflitos penais, através

do consenso entre as partes envolvidas, sem que estes tenham que ingressar no

sistema penal intimatório e conflitivo335.

Com maestria SILVA JR ao citar Rogério SCHIETTI assim descreve:

“Intui-se, portanto, que ambos os protagonistas dessa transação penal buscam, com o certo de vontades, evitar o processo. O Ministério Público abdica da persecução penal, obviando a formulação de denúncia e toda a atividade processual que decorreria do exercício do ius acusationis; o Autuado também evita o processo... preferindo sujeitar-se a uma pena que, em sendo cumprida, permitirá a extinção da punibilidade.”336 [sic]

Ao aceitar a proposta do membro do ‘parquet’, o autor da infração penal

não reconhece a culpa, mas ao cumpri-la, verá extinta a sua punibilidade337.

Outrossim, de acordo com o art. 76, § 4º da Lei 9.099/95, a transação penal não

gerará reincidência, mas será registrada apenas para impossibilitar que o

individuo que dela se beneficiou, faça uso desse instituto por um prazo de 5

(cinco) anos.

É importante trazer à baila, que a sentença homologatória da transação

penal tem natureza condenatória e gera coisa julgada material e formal, por isso,

se o autor do fato delituoso descumprir o acordo firmado na sentença de 333 MELO, Op. cit., p. 58-59. 334 MELO, Op. cit., p. 36. 335 SILVA JR, Edison Miguel da. Eixo Ideológico da Lei 9.099/95: Direito Penal Mínimo. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/criminal/doutrina/id68.htm>. Acesso em 02 de abril de 2008. 336 SILVA JR, Edison Miguel da. Op. cit., Apud. SCHIETI, Rogério. (Revista do TRF - 1ª Região, vol.8, nº 2, p.30). 337 MELO, Op. cit., p. 60.

Page 87: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

80

homologação, contra ele não poderá ser instaurado nova ação penal338. Nos casos

em que o descumprimento do pactuado na homologação for referente a quantia

em dinheiro (pena de multa), o que poderá ocorrer, é a inscrição da pena não

paga em dívida ativa da União, que deverá ser cobrada através de um processo de

execução, pois tratasse de um título executivo judicial, abrangido pela legislação

processual civil339.

A suspensão condicional do processo é uma espécie de transação

processual que pode ser aplicada a todos os tipos de infrações penais, cuja pena

mínima cominada seja igual ou inferior a 1(ano)340, abrangidas ou não pelo

Código Penal, desde que o acusado esteja de acordo com os requisitos dispostos

no art. 89, ‘caput’, da Lei 9.099/95341. É um importante instituto de

despenalização utilizado pela Justiça Criminal de nosso país, haja vista, propicia

ao titular da ação (Ministério público), ao oferecer a denúncia, propor a

suspensão do processo, sem buscar a condenação do acusado, e este, sem entrar

no mérito da sua culpabilidade, submete-se a certas condições, por um tempo

determinado, que ao seu término extinguirá a sua punibilidade. Ao permitir que o

titular da ação proponha a suspensão do processo, o instituto da suspensão

condicional do processo atenuou o princípio da indisponibilidade da ação

pública, ora muito rígida342.

338 ALENCAR, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de. Natureza jurídica da transação penal e efeitos decorrentes. Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, v. 7, p. 115-132, 2005. . 339 Nesse sentido, assim dispõe o seguinte julgado: “CRIMINAL. HC. NULIDADE. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO E HOMOLOGADO EM TRANSAÇÃO PENAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. COISA JULGADA MATERIAL E FORMAL. EXECUÇÃO DA MULTA PELAS VIAS PRÓPRIAS. RECURSO PROVIDO. I - A sentença homologatória da transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, tem natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal, obstando a instauração de ação penal contra o autor do fato, se descumprido o acordo homologado. II - No caso de descumprimento da pena de multa, conjuga-se o art. 85 da Lei nº 9.099/95 e o 51 do CP, com a nova redação dada pela Lei nº 9.286/96, com a inscrição da pena não paga em dívida ativa da União para ser executada. III - Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal.” (HC 33487/SP, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 01.07.2004). Ainda nesse sentido: (HC 11111, Quinta Turma, Min. rel. Jorge Scartezzini, DJ: 18/12/2000). 340 MELO, Op. cit., p. 60. 341 O texto legal contido no artigo 89, caput, da Lei 9.099/95, assim descreve: “Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).” 342 MELO, Op. cit., p. 60.

Page 88: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

81

Por fim, com base nos arts. 88 e 91 da Lei dos Juizados Especiais

Criminais343, para que haja prosseguimento das ações penais relativas a delitos de

lesões corporais leves e lesões culposas, o exercício da ação penal pelo

representante do Ministério Público deverá estar condicionado a prévia

representação do ofendido ou de seu representante legal344. Ou seja, caso o

ofendido ou seu representante legal renuncie expressamente em audiência, o seu

direito de representação contra lesões corporais leves e lesões culposas, o

magistrado declarará em seguida, extinta a punibilidade do autor do delito345.

É por isso, que com base no que fora anteriormente relatado, hoje em dia a

descarcerização346 é o meio pelo qual o Estado busca solucionar os conflitos

ocorridos na sociedade aplicando meios alternativos contra as condutas

desviadas, sem ter que valorar o caráter ilícito dessas condutas347.

Nesse sentido, Luiz Flávio GOMES defende a necessidade de se promover

a descarcerização, proclamando que “diante da falência da ideologia do

tratamento ressocializador e das prisões, do elevadíssimo custo operacional do

sistema penal e da existência de leis penais desconexas a descarcerização se torna

necessária.”348

Portanto, ante ao exposto, sempre que houver a prática de uma infração de

menor potencial ofensivo, deve-se buscar a descarcerização, aplicando-se

medidas alternativas, que venham a divergir da pena privativa de liberdade349.

343 Os arts. 88 e 91 da Lei dos Juizados Especiais Criminais dispõem que: Art. 88 - “Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.” Art. 91 – “Nos casos em que esta Lei passe a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de 30 (trinta dias), sob pena de decadência.” 344 MELO, Op. cit., p. 33-37. 345 MELO, Op. cit., p. 59. 346 Sobre a descarcerização Yure de Melo ao citar Luiz Flávio Gomes, descreve que: “só é considerada legítima a criminalização de um fato se a mesma constitui meio necessário para a proteção de um determinado bem jurídico.” (MELO, Op. cit., p. 35. Apud. GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997). 347 MELO, Op. cit., p. 35. 348 MELO, Op. cit., p. 40. Apud. GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 349 MELO, Op. cit., p. 39.

Page 89: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

82

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ora, por tudo que foi exposto é fácil concluir que uma vez ocorrida a

violação a uma norma penal, não basta apenas e tão somente, ‘punir, encarcerar e

vigiar’ o agente que praticou o ato delituoso, muito menos não se pode aceitar o

modelos de política criminal como o autoritarista da ‘Lei e Ordem’ que muito foi

utilizado no regime militar, e que pregava um enrijecimento do sistema penal,

por meio do rigor da reação penal; ou ainda o da ‘Tolerância zero’ que nada mais

é que um meio ainda mais cruel de segregação humana, pois age de maneira

agressiva e desproporcional, apenas com a parcela mais carente da população; ou

até mesmo o modelo de ‘Direito penal do inimigo’, que não considera

determinados indivíduos como ‘pessoas’ e sim como ‘inimigos de guerra’, que

devem ser combatidos, sem as garantias processuais do Estado de Direito, haja

vista que tal aceitação acarretaria em um retrocesso histórico.

Então, deve-se reconhecer que a pena privativa de liberdade, enquanto

objeto de reeducação e ressocialização de apenados a muito tempo se tornou

ineficaz, ou melhor dizendo, nunca o foi, haja vista que o projeto prisional do

Estado se tornou um fracasso, ante as péssimas condições de vida em que vivem

os presos em todo o mundo, mas principalmente em nosso país.

Por isso, que a pena privativa de liberdade deve ficar restrita somente aos

casos de violações extremamente graves, ou seja, somente naqueles casos em

que penas e medidas alternativas não puderem ser aplicadas, pois, não será

através da implantação de modelos autoritários como o da ‘Tolerância zero’, do

‘Direito Penal do inimigo’ ou da ‘ Lei e Ordem’ que farão diminuir a

criminalidade em nosso país.

Não é possível admitir que em razão de uma mídia persuasiva, que

acredita e faz acreditar que o Direito Penal é o remédio para todos os males,

venhamos a aceitar que a edição de leis imediatistas (como é o caso da ‘Lei dos

crimes Hediondos’, lei esta que surgiu em razão do assassinato de uma atriz

global - caso Daniela Perez, e basicamente fez com que alguns crimes tivessem

penas mais severas ou talvez uma lei que venha a reduzir a imputabilidade

Page 90: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

83

penal, e mais uma vez podemos citar a repercussão que teve na mídia o caso do

menino João Helio), possam dar resultados efetivos em relação ao controle da

criminalidade.

Portanto, o Estado ao fazer uso do seu ‘ius puniend’, deve fazê-lo da

forma mais branda possível, racionalizando o poder punitivo estatal e tornando o

Direito Penal, um sistema de garantias que não apenas e tão-somente, sirva como

instrumento de vingança pública, mas sim, que garanta a dignidade e o direito de

liberdade de seus cidadãos. Visando assim, medidas que garantam que o agente

delitivo venha a pagar por seus crimes de maneira não tão rígida, mais sim, de

forma que seja proporcional a sua culpa, pode-se concluir que dentre todos os

movimentos de política criminal existentes, o que mais se enquadra na realidade

brasileira e tem como objetivo primordial garantir uma maior proteção aos

direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana é o ‘Direito Penal

mínimo’.

Nesse caso, pode-se dizer que a finalidade do Direito Penal mínimo é a de

evitar que o Direito Penal seja aplicado como a panacéia para todos os males,

deixando assim, seqüelas que jamais serão apagadas. Como exemplo disso,

podemos citar o que ocorre com os egressos do sistema penal, que mesmo depois

de terem cumprido a sua pena, continuam vivendo sobre o olhar reprovador da

sociedade, ficando eternamente rotulados como marginais.

Esta pesquisa tentou demonstrar que a intervenção estatal só deve

acontecer quando for estritamente necessária, ou seja, quando esta for a ‘ultima

ratio’ e que é preciso que se reduzam os mecanismos punitivos do Estado, dando

assim, condições para a formação do chamado ‘Direito Penal mínimo’.

Assim, constata-se que o Direito Penal mínimo está intimamente ligado a

idéia de um exercício racional e limitado do poder do Estado, e que de certa

forma esta condicionado a obedecer de forma ilimitada as garantias e direitos

fundamentais do cidadão, historicamente constitucionalizados em nossa

Constituição Federal.

Page 91: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

84

REFERÊNCIAS

ALBERGARIA, Jason. Das penas e da execução penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. ALENCAR, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de. Natureza jurídica da transação penal e efeitos decorrentes. Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, v. 7, p. 115-132, 2005. ALMEIDA, André Vinícius de. Direito de punir e poder de punir: uma análise a partir da doutrina dos direitos subjetivos. In ABPCP – Ciências Penais. ano 2. nº 2 janeiro-junho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 1997. __________. Defesa dos Direitos humanos e Política Criminal. Relatório apresentado no III Congresso Nacional do Movimento do Ministério Público Democrático, ocorrido de 18 a 21 de março. Foz do Iguaçu-Paraná, 1997. __________. Política Criminal y el Derecho Penal de la Constitución: nuevas reflexiones sobre el modelo integrado de lãs ciencias penales. In IBCCRIM, ano XX. nº 29, setembro-outubro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Vicente Sabino Júnior. São Paulo: CD, 2002. BEMFICA, Francisco Vani. Programa de direito penal: Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001. BERLOFFA, Ricardo Ribas da Costa. Introdução ao curso de teoria geral do Estado e ciências políticas. Campinas: Bookseller, 2004. BIANCHINI, Alice. Os grandes movimentos de Política criminal na atualidade: movimento de lei e ordem, minimalismo penal e abolicionismo. Disponível em: <http://www.uvb.com.br/main/posgraduacao/CienciasCriminais/AulasImpressas/PC_Aula_02.pdf> Acesso em 29 de março de 2008. BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: RT, 1993. __________. Manual de Direito Penal: Parte Geral. vol.1, 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

Page 92: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

85

__________. Lições de direito penal: Parte geral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. vol. 2, 10ª ed. Brasília: UnB, 1997. BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1995. __________. Ciência Política. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. BONHO, Luciana Tramontin. Noções introdutórias sobre o direito penal do inimigo. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8439>. Acesso em 29 de março de 2008. BOZZA, Fábio da Silva. Finalidades e fundamentos do direito de punir: do discurso jurídico à crítica criminológica. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/bitstream/1884/2918/1/FINALIDADES%20E%20FUNDAMENTOS%20DO%20DIREITO%20DE%20PUNIR.pdf> Acesso em agosto 26 de agosto de 2008. BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral - Tomo I. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. CALLEGARI, André Luiz. O princípio da intervenção mínima no direito penal. In BOLETIN IBCCRIM, nº 70, Edição Especial do IV Seminário Internacional do IBCCRIM, julho-setembro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. CANTO, Dilton Ávila. Regime inicial de cumprimento da pena reclusiva ao reincidente. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1099> Acesso em 23 de agosto de 2008. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte geral. vol.1, 6ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3ª ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. __________. Considerações sobre as Incongruências da Justiça Penal Consensual: Retórica Garantista, Prática Abolicionista. In Diálogos sobre a Justiça Dialogal. CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre (orgs.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 263-283. CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

Page 93: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

86

CORACINI, Celso Eduardo Faria. Os movimentos de descriminalização: em busca de uma racionalização para a intervenção jurídico-penal. In IBCCRIM, ano 12. nº 50, setembro-outubro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. CODIGO PENAL BRASILEIRO. Obra coletiva de autoria da editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. 18º ed. São Paulo: Saraiva, 2003. CONSTITUIÇAO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. COSTA, Tailson Pires. Penas alternativas: reeducação adequada ou estímulo a impunidade? São Paulo: Max Limonad, 1999. CRESPO, Eduardo Demetrio. “Do Direito Penal liberal” ao “Direito Penal do inimigo”. In ABPCP – Ciências Penais. ano I. nº1, julho-dezembro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. DALLA-ROSA, Luiz Virgilio. O direito como garantia: pressupostos de uma teoria constitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal Português: Parte Geral II - As conseqüências jurídicas do crime. Lisboa: Editorial Notícias, 1993. __________. Direito Penal: Parte Geral – Tomo I – Questões fundamentais a doutrina geral do crime. Coimbra, Coimbra Editora, 2004. __________. Questões fundamentais do Direito Penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. __________. Curso de direito penal: Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. __________. Reforma penal brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1988. DUARTE, Maria Carolina de Almeida. Política criminal, criminologia e vitimologia: caminhos para um direito penal humanista. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1236, 19 nov. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9150>. Acesso em: 19 outubro de 2008.

Page 94: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

87

D’URSO, Luiz Flávio Borges. Privatizações de Presídios. In Consulex. ano 3, nº 31, de 31 de julho de 1999. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. FERREIRA, Ivete Senise. Visão do Direito Penal Moderno. In Justiça Penal 7: críticas e sugestões: justiça criminal moderna / coordenador Jaques de Camargo Penteado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. FILHO, Alipio de Souza. Medos, mitos e castigos: notas sobre a pena de morte. São Paulo: Cortez, 2001. Folha OnLine. Terrorismo ainda ameaça transporte britânico, diz relatório. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u90035.shtml> Acesso em: 21 de marco de 2008. FOUCALT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 2004. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2004. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 2. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1992. GILARDONE, Lucas. El retorno a la inquisición: Las políticas de tolerancia cero em el paradigma neoliberal. Córdoba: Universidad de Córdoba, 2003. GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. O Direito Penal na era da globalização: prisionização (o choque da explosão carcerária mundial). In Série as Ciências Criminais no Século XXI - vol.10. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. GOMES, Luiz Flávio. Direito de apelar em liberdade; conforme a Constituição Federal e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos: doutrina e jurisprudência. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 98-106. __________. Direito penal mínimo: Lineamentos das suas metas. In Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ano I, vol. 5, Brasília, 1995, p. 71-92. __________. Funções da pena no Direito Penal brasileiro. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8334> Acesso em 24 de abril de 2008.

Page 95: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

88

__________. Direito Penal do inimigo (ou inimigos do Direito Penal). Disponível em: <http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ ArquivoID_47.pdf> Acesso em 24 de março de 2008. __________. Críticas à tese do direito penal do inimigo. Mundo Legal. Disponível em: <http://www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Artigo_Detalhar &did=15528> Acesso em 25 de março de 2008. GRACIA MARTÍN, Luis. O horizonte do finalismo e o direito penal do inimigo. Tradução: Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: RT, 2007. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte geral. 4ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Impetus, 2004. __________. Direito Penal do equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2005. GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Dogmática penal e poder punitivo: novos rumos e redefinições. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2001. __________. A intervenção mínima para um direito penal eficaz. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2954&p=2> Acesso em 22 de junho de 2006. HASSEMER, Windfried. Fundamentos del Derecho Penal. Traducción y notas de Francisco Muñoz Conde y Luiz Arroyo Zapatero. Barcelona: Bosh, 1984. HOBBES, Thomas. Leviatã: Ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução: Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2005. JAKOBS, Günter; CANCIO MELIA, Manuel. Direito Penal do Inimigo, noções e críticas. Org. e Trad.: André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal: Parte General. 5º ed. ren. y ampl. Traducción de Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Editorial Comares, 2002. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: Parte geral. vol. I, 25ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direto Penal: Coleção elementos do direito. São Paulo: Siciliano Jurídico, 2003. KARAM, Maria Lúcia. Utopia transformadora e abolição do sistema penal. In Conversações abolicionistas: uma critica do sistema penal e da sociedade punitiva. São Paulo: IBCCRIM, 1997.

Page 96: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

89

LARRAURI, Elena. Criminología y Derecho: La herencia de la criminologia crítica. 2ª edición. Madri: Siglo Veintiuno de España editores, 1992. LEITE, Eduardo de Oliveira. A monografia Jurídica. 5ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. LOPES, Mauricio Antônio Ribeiro. Princípios Políticos do Direito Penal: Série princípios fundamentais do direito penal moderno. vol. 3, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. LÖWY, Michael. Ideologias e Ciências Sociais: elementos para uma análise marxista. 10ª ed. São Paulo: Cortez, 1995, p. 43. LUISI, Luiz. Um discurso sedicioso: a minimização do Direito Penal. In Discursos Sediciosos, ano 1, n. 2. Instituto Carioca de Criminologia. Rio de Janeiro: ICC, 1996. __________. Dos delitos e das penas na obra de Gaetano Filangieri. In ABPCP – Ciências Penais. ano 2. nº 2 janeiro-junho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. MAMEDE, Gladston. O trabalho Acadêmico no Direito: monografias, dissertações e teses. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. MARCÃO, Renato; MARCON, Bruno. Rediscutindo os fins da pena. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2661> Acesso em: 09 de julho de 2008. MARQUES DIP, Ricardo Henry. Princípio da legalidade penal: realidade ou mito (uma perspectiva jusnaturalista). In Justiça Penal 7: críticas e sugestões: justiça criminal moderna / coordenador Jaques de Camargo Penteado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. MARTINS, Jorge Henrique S. Penas alternativas: comentários a nova lei 9714/98. Exposição de motivos da nova parte geral do código penal. Curitiba: Juruá, 1999. MELO, Yure Gasgarin Soares de. As novas perspectivas do direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e fábrica: As origens do sistema penitenciário (séculos XVI – XIX) Rio de Janeiro: Revan, 2006.

Page 97: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

90

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral, arts. 1º a 120 do CP. 21ª ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2004. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; CARVALHO, Edward. Teoria das janelas quebradas: e se a pedra vem de dentro? In. Revista de Estudos Criminais. !TEC, nº 11. MIR PUIG, Santiago. La Teoria Del Delito. In IBCCRIM, ano 11. nº 42, janeiro-março. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. __________. Introdución a las bases del Derecho Penal. Barcelona: Bosh, 1976. MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de. Criminologia. Tradução: Luiz Flávio Gomes, 4ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. MORAES FILHO, Antonio Evaristo de. Rumos atuais do Direito Penal - Descriminalização, Despenalização e novos tipos. Disponível em: <http://www2.uerj.br/~direito/publicacoes/publicacoes/evaristo_moraes/em_7.html> Acesso em 29 de março de 2008. MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción al Derecho Penal. Colección: Maestros del Derecho Penal, nº 3. Buenos Aires: Mac Tomas, 2003. __________. Las reformas de la parte especial del derecho penal español em el 2003: de la “tolerancia cero” al “derecho penal del enemigo”. Disponível em: <http://www.iustel.com/v2/revistas/detalle_revista.asp?id=8&id_noticia=403856&d=1> Acesso em 29 de março de 2008. NERY, Déa Carla Pereira. Teorias da pena e sua finalidade no direito penal brasileiro. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=2146> acesso em 20 de fevereiro de 2008. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à lei de execução penal. São Paulo: Saraiva, 1994. NORONHA, Edgar de Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 26ª ed. atualizada por Adalberto José Q.T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 1998. OLIVEIRA, Edmundo. Política Criminal e Alternativas á prisão. Rio de Janeiro: Forense, 1997. __________. Origem e evolução histórica da prisão. In Prática Jurídica. ano 1, nº 1, p. 55- 61, de 30 de abril de 2002.

Page 98: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

91

PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004. PASSOS, Nicanor Sena. Prisões. Revista Jurídica Consulex, Brasília: Editora Consulex, ano I, nº 7, de 31 de julho de 1997. PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. PIRES, Ariosvaldo de Campos; SALES, Sheila Jorge Selim de. Alguns Movimentos político-criminais da atualidade. In IBCCRIM, ano 11. nº 42, janeiro-março. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. PRITTWITZ, Cornelius. O Direito Penal entre Direito Penal do Risco e Direito Penal do Inimigo: tendências atuais em Direito Penal e Política Criminal. In IBCCRIM, ano 13. nº 47, setembro-outubro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal. Legitimação Versus Deslegitimação Do Sistema Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. REALE, Miguel. Teoria do Direto e do Estado. São Paulo: Saraiva, 1984. REALE JÚNIOR, Miguel. Insegurança e tolerância zero. In. Revista de Estudos Criminais. !TEC, nº 9. ROSA, Alexandre Morais da; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um Processo Penal Democrático: Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. ROSA, Fábio Bittencourt da. Da vingança de sangue ao direito penal do inimigo. Disponível em: <http://www.derechopenalonline.com/index.php?id=15,67,0,0,1,0>. Acesso em: 21 de março de 2008. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004. ROXIN, Claus. Política Criminal e sistema jurídico-penal. Tradução: Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. __________. Problemas Fundamentais de Direito Penal. 3ª ed. Tradução: Ana Paula S. L. Natscheradetz. Lisboa: Veja, 1998. __________. Derecho Penal: Parte General – Fundamentos. La estructura de la Teoria del Delito. Tomo I. Traducción de la 2ª edición alemana y notas por

Page 99: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

92

Diego-Manuel Luzón Pena; Miguel Diaz y Garcia Conlledo; Javier de Vicente Remesal. Madri: Thomson Civitas, 2003. RUBIN, Daniel Sperb. Janelas quebradas, tolerância zero e criminalidade. Jus Navigand. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3730&p=2> Acesso em 29 de março de 2008. RUSCHE, George; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. Tradução: Gislene Neder. In Coleção Pensamento Criminológico, nº.3. Instituto Carioca de Criminologia. Rio de Janeiro: Revan, 2004. SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. __________. Direito Penal: Parte Geral. 2ª ed. Curitiba: ICPC; Lúmen Júris, 2007. __________. A criminologia radical. Rio de Janeiro: Forense, 1981. __________. Novas hipóteses de criminalização. Disponível em: <http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/novas_hipoteses_criminalizacao.pdf>. Acesso em 20 de agosto de 2008. __________. A criminologia crítica e a reforma da legislação penal. Disponível em: <http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/criminologia_critica_reforma_legis_ penal.pdf>. Acesso em julho de 2008. SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. As Duas Faces da Política Criminal Contemporânea. Disponível em: <http://www.jfrn.gov.br/docs/ doutrina33.doc>. Acesso em 02 de abril de 2008. SCHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Pena e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao estudo do Direito. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2001. SILVA, César Dario Mariano da. Manual de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120. vol. I, 2ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Edipro, 2002. SILVA JR, Edison Miguel da. Eixo Ideológico da Lei 9.099/95: Direito Penal Mínimo. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/criminal/doutrina/id68.htm> Acesso em 02 de abril de 2008.

Page 100: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

93

SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Neoliberalismo, mídia e movimento da lei e da ordem: rumo ao estado de polícia. In ABPCP – Ciências Penais. ano 2. nº 2 janeiro-junho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti. A Insignificância no Direito Penal Moderno. Disponível em: <http://www.praetorium.com.br/index.php?section= artigos&id=9> Acesso em: 02 de abril 2008. SYKES, Gresham M. Crime e Sociedade. Trad. Walter Pinto. Rio de Janeiro: Block Editores, 1969. TASSE, Adel El. Teoria da pena: pena privativa de liberdade e medidas complementares – um estudo crítico à luz do estado democrático de direito. 1ª ed., 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2004. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. VELOSO, Roberto Carvalho. A crise do sistema penitenciário: fator de introdução, no Brasil, do modelo consensual de Justiça Penal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4088> Acesso em 22 de fevereiro de 2008. VOLPE FILHO, Carlos Alberto. Quanto mais comportamentos tipificados penalmente, menor o indice de criminalidade? Jus Navigandi. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6792> Acesso em 24 de março de 2008. WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. __________. Punir os pobres: uma nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. WENDEL, Travis; CURTIS, Ric. Tolerância zero: a má interpretação dos resultados. Horizontes Antropológicos, Dec. 2002, vol. 8, nº 18, p. 267-278. ISSN 0104-7183. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-71832002000200012&script=sci_arttext&tlng=pt> Acesso em 29 de março de 2008. Wikipédia, a enciclopédia livre. Ataques de 11 de Setembro de 2001. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ataques_de_11_de_Setembro> Acesso em 21 de março de 2008. WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 2ª ed. rev., e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

Page 101: DOUTRINAS, IDEOLOGIAS E TEORIAS DA PENA “A BUSCA … PEREIRA... · Já esta consolidado na doutrina e na jurisprudência de nosso país, que o Direito Penal como meio utilizado

94

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. et al. Teoria Geral do Direito Penal. vol. I., 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. __________. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução: Vânia Romano Pedrosa, Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991. __________. & PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: Parte Geral. vol. I, 7ª ed. rev., atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. ZANOM, Artemio. Introdução à ciência do Direito Penal. 2ª ed. rev., atual. e ampl. Florianópolis: Ed. OAB/SC, 2000.