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O duelo era mesmo de gigantes. De um lado, Nikola Tesla. Sérvio, tinha como pai um reverendo e uma mãe inventora, e era um dos cinco filhos do casal. Avançou nos estudos de engenharia elétrica em uma escola politécnica na Áustria, graduando-se posteriormente na Universidade de Praga. Passou por Budapeste, em que desenvolveu atividades como engenheiro eletricista na National Telephone Company e por Paris, na Continental Edison Company, trabalhando no aperfeiçoamento de equipamentos elétricos. Já de olho nos estudos sobre corrente elétrica, Tesla arrumou as malas, emigrou-se para os Estados Unidos e se tornou assistente de quem iria travar, mais tarde, uma pequena guerra, o famoso cientista da época, Thomas Alva Edison. Do outro lado, um tanto mais experiente e trazendo na bagagem a invenção da lâmpada elétrica incandescente, o gramofone, o cinetoscópio, entre outros grandes inventos, Edison guerra das correntes Duelo de titãs 30-31 Por Hanny Guimarães Discussões sobre o uso das correntes alternada e contínua mantêm acesa a histórica rivalidade entre dois grandes inventores: Thomas Edison e Nikola Tesla

Duelo de titas

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Discussões sobre o uso das correntes alternada e contínua mantêmacesa a histórica rivalidade entre dois grandes inventores:Thomas Edison e Nikola Tesla

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O duelo era mesmo de gigantes. De um lado, Nikola Tesla. Sérvio, tinha como pai um reverendo e uma mãe inventora, e era um dos cinco filhos do casal. Avançou nos estudos de engenharia elétrica em uma escola politécnica na Áustria, graduando-se posteriormente na Universidade de Praga. Passou por Budapeste, em que desenvolveu atividades como engenheiro eletricista na National Telephone Company e por Paris, na Continental Edison Company, trabalhando no aperfeiçoamento de equipamentos elétricos. Já de olho nos estudos sobre corrente elétrica, Tesla arrumou as malas, emigrou-se para os Estados Unidos e se tornou assistente de quem iria travar, mais tarde, uma pequena guerra, o famoso cientista da época, Thomas Alva Edison. Do outro lado, um tanto mais experiente e trazendo na bagagem a invenção da lâmpada elétrica incandescente, o gramofone, o cinetoscópio, entre outros grandes inventos, Edison

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Discussões sobre o uso das correntes alternada e contínua mantêm acesa a histórica rivalidade entre dois grandes inventores:

Thomas Edison e Nikola Tesla

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era o mais novo de sete irmãos. Garoto problema na escola, um de seus professores chegou a dizer que ele tinha o diabo no corpo. A inquietação o levou a estudar com a mãe. Logo, o menino estaria apaixonado pelas ciências, fazendo tremer a casa em que morava, em Michigan, com os experimentos realizados no laboratório de química instalado no sótão. Trabalhou por toda parte vendendo jornais e doces até tornar-se telegrafista e, após várias tentativas e experiências, inventar equipamentos de real valor que o permitiram se estabelecer em Nova York. Reconhecido pelas suas invenções, motivou a construção de um centro de pesquisas em Menlo Park, Nova Jersey, chegando a patentear em um período de quatro anos, cerca de 300 criações.

Rivalidade O quase parque industrial – o centro possuía laboratórios, oficinas, inúmeros técnicos e assistentes – foi a arena dos dois inventores. Jovens, ambiciosos e inteligentes, os dois cientistas trabalharam juntos em muitos projetos, sendo até algumas das patentes de Edison de autoria de Tesla. Embora devotados a um tema em comum, a energia elétrica, divergiam sobre as suas ramificações. Tais discordâncias lhes renderam a qualidade de inimigos e o início de uma guerra, a chamada “Guerra das correntes”. Tesla defendia o uso da corrente alternada (CA) em todos os processos de transmissão da energia elétrica, já Edison acreditava cegamente que a corrente contínua (CC)

abasteceria ruas, casas e empresas de todo o mundo. Um engano, a segunda tinha limitações que só Tesla conseguia enxergar e ir além. Para somar à birra com Edison, Tesla não recebeu qualquer pagamento por algumas de suas descobertas, que havia sido prometido por seu superior. Com relações cortadas, o assistente perdeu o emprego e teve de segurar as despesas com trabalho braçal. Longe da Edison General Electric, que, como o nome já sugere, era a empresa de Edison, buscou abrigo como inventor na concorrência, para a sorte de George Westinghouse, dono da Westinghouse Electric Company, empresário e também engenheiro americano que injetou altas cifras no estudo e no desenvolvimento da corrente alternada. Com os conhecimentos de Tesla ao seu lado, Westinghouse estaria armado para liderar as inovações no setor, que até então estavam a cargo de Edison. Tesla tinha a seu favor as ciências exatas e melhor formação matemática. Já Edison possuía baixa escolaridade, mas dominava o conhecimento empírico e foram as experiências realizadas que levaram sua corrente contínua a ser padrão nos Estados Unidos logo no início do fornecimento de eletricidade. No campo de batalha, havia duas grandes idéias que buscavam apresentar a forma mais apropriada de gerar e transmitir energia elétrica. Se, por um lado, a corrente contínua se mostrava eficiente diante das exigências da época e graças a ela – e ao dinheiro e tempo investidos – Edison já

Se durante muito tempo, a corrente alternada de Tesla reinou absoluta, atualmente, a corrente contínua mostra-se mais poderosa que a rival e mais eficiente.

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produzia geradores, motores e lâmpadas em seu negócio, por outro, chegava imponente, ainda que complexa, a promissora corrente alternada proposta por Tesla, que pretendia superar as limitações da corrente elétrica oponente.

Alternada ou contínua? A solução de Tesla mostrava-se mais atraente diante das limitações da corrente contínua de Edison, a qual tinha dificuldades para elevar a tensão de trabalho e se fazer chegar ao consumidor. Pelas vantagens da corrente alternada, a idéia de Tesla, vendida pela Westinhghouse, era a melhor opção. Edison, empenhado em arrefecer o rival para não perder a chance de ter seu sistema comercializado, travou uma campanha com o intuito de abalar a corrente alternada, desencorajando seu uso. A intenção era provar que todo o processo de transmissão por CA era mais perigoso que por CC, podendo ocorrer até acidentes fatais. O inventor da lâmpada se armou de todas as formas para derrubar o injustiçado ex-companheiro, inclusive filmando, publicamente, execuções de animais sob CA para divulgar à população os riscos da corrente. A princípio, cachorros, gatos e cavalos renegados fugiam das garras do cientista, mas foi a cruel eletrocussão do elefante Topsy que ficou marcada na memória da época. O ato de desespero de Edison veio quando, mesmo contra a pena de morte, o cientista criou a cadeira elétrica, promovendo a idéia de que a corrente alternada era mais mortal do que a contínua. Não teve jeito. Entre os gladiadores, venceu a Westinghouse, utilizando o sistema de Tesla, quando uma comissão anunciou as propostas para aparelhar as Cataratas do Niágara a fim de produzir eletricidade, gerando energia suficiente para

abastecer a indústria de Buffalo, em Nova York. As obras começaram com muita desconfiança dos oponentes em 1893, para três anos depois ser enviada à Buffalo a partir de geradores construídos também pela Westinghouse, instalados na estação hidrelétrica, usando o sistema de corrente alternada. A General Electric de Edison, ressentida, ficou com o contrato das linhas de transmissão que levariam energia até Buffalo. O sistema de corrente alternada é utilizado até os dias de hoje.

A vingança de EdisonAo que parece, com a história a favor de Tesla, Edison soa como o gênio malévolo que levou a rivalidade com o ex-assistente até as últimas conseqüências. Mas, como em toda guerra, é ingenuidade pensar que a competição era apenas de idéias virtuosas. Todo o processo envolvia altas cifras e royalties de patentes, além de quase levar tanto a Westinghouse quanto a General Electric à falência. Se durante muito tempo a corrente alternada de Tesla reinou absoluta, atualmente, a corrente contínua mostra-se mais poderosa que a rival e, ainda, mais eficiente. O engenheiro e diretor geral do Instituto Nacional de Eficiência Energética (INEE), Jayme Buarque de Hollanda, brinca dizendo que esta pode ser a vingança de Edison e acredita que, no futuro, a corrente contínua será uma solução mais inteligente. “Amanhã a companhia elétrica é que será chamada de alternativa, mas no sentido certo, sendo uma alternativa ao sistema de geração distribuída. Se a energia acumulada em uma bateria faltar ou, em caso de alguma emergência, o usuário pode conectar a tomada do aparelho na energia elétrica que antes era a convencional – CA – e utilizar o equipamento”, prevê. Na época, era fato que o uso da corrente alternada era

CURIOSIDADES

AC/DC – Não é por menos que a lendária banda australiana de heavy metal estampa como logomarca um pequeno raio e se você acha que o significado está no som eletrizante que sai das guitarras dos irmãos Young está enganado. Na verdade, a sigla quer dizer Alternating Current/Direct Current, que no português é traduzido para Corrente Alternada/Corrente Contínua, batismo dado pela irmã dos integrantes, Margaret Young, que viu o nome em uma placa, atrás de uma máquina de costura.

Topsy, o elefante – Thomas Edison, para provar que a corrente alternada era mais perigosa que a corrente contínua, fez vários testes com animais, inclusive com um elefante. O inventor não ficou imune aos vídeos disponibilizados na internet e seu filme sobre o teste com Topsy pode ser visto neste endereço virtual: http://br.youtube.com/watch?v=RkBU3aYsf0Q

Cadeira elétrica – Mais um vídeo macabro dos testes de Edison. Desta vez, a execução do preso condenado Leon Frank Czolgosz, em 1901. A filmagem, de acordo com o cientista, seria “como uma herança para a posteridade”. Veja neste endereço eletrônico: http://memory.loc.gov/mbrs/lcmp001/m1b38298.mpg

Rivalidades produtivas – O jornalista Michael White descreveu no livro Rivalidades Produtivas como a competição de idéias pode estimular novas descobertas científicas. A desavença entre Edison e Tesla está devidamente contada em um dos capítulos.

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Criada pelo Comitê Bicentenário Iugoslavo-Americano, a placa em homenagem a Nikola Tesla ilustra as paredes do Hotel New Yorker, em Manhattan, N.Y.

mais viável geograficamente e financeiramente que a corrente contínua. E, ainda naquele período, os equipamentos dos consumidores eram apropriados para o sistema de Tesla. Todas as cargas estavam sendo produzidas para suportar corrente alternada. Entretanto, com as inovações tecnológicas a partir da década de 1980, Edison se tornaria o grande vencedor, ainda que postumamente – o inventor faleceu em 1931. A proposta da corrente contínua não tinha morrido com seu criador, mas ficava cada vez mais presente na vida das pessoas do final do século XX em diante. Com o aumento da digitalização, a proporção de cargas em CC vem crescendo rapidamente. Equipamentos que funcionam a pilha e a bateria, como rádios, computadores, celulares, câmeras fotográficas, entre outros, já fazem parte do dia-a-dia da sociedade. Além disso, criações como os carros elétricos, os painéis fotovoltaicos e os geradores eólicos – que utilizam CC – são reflexos da uma consciência ambiental manifestada em tempos de preservação de fontes naturais. Preocupação mundial que também força empresas de todos os setores a se adaptar, principalmente as do setor energético. No processo de transmissão de eletricidade por corrente alternada, as perdas de energia são maiores que em corrente contínua. Para que a energia percorra longas distâncias, é preciso que as tensões sejam elevadas. Neste movimento, Hollanda explica que os elétrons se chocam com átomos, perdendo energia em forma de calor à medida que viajam pelos fios. As perdas podem chegar a até 10%. Os problemas não param, pois os retificadores – dispositivos que permitem que uma tensão alternada seja transformada em contínua – pioram a qualidade da energia que alimenta um equipamento, criando o que os engenheiros chamam

de “correntes alternadas parasitas”. Em casos extremos, equipamentos mais sensíveis podem sofrer danos em seus sistemas devido a essa operação precária. O contrário acontece com a corrente contínua, já que a energia por esse sistema deve ser produzida o mais próximo de onde ela é consumida. A corrente alternada foi legitimada durante muito tempo como única forma adequada para gerar e comercializar energia, mas como toda máxima científica, as necessidades que contextualizam o momento fazem tal verdade estremecer. Jayme Buarque acrescenta que, na verdade, uma corrente não exclui a outra. Há espaço para os dois gênios na história, mas “a tendência é que os consumidores busquem fontes de energia menos agressivas ao meio ambiente”, ressalta. A Geração Distribuída (GD) significa a geração elétrica realizada junto ou próxima de onde ela será consumida, conceito que vale também para a corrente contínua. A geração pode ser obtida por painéis fotovoltaicos que armazenam energia solar em baterias ou por co-geradores que utilizam resíduos combustíveis de processo, gerando eletricidade e calor para a residência. Uma das evoluções nesse sentido são os carros movidos a motor elétrico, que já representam 2,5% dos novos carros americanos. No Brasil, o governo tem tomado algumas medidas para garantir que as inovações no setor energético evoluam na mesma proporção que as necessidades naturais, mas o processo caminha na velocidade abaixo do esperado. A primeira providência foi a Lei 10.848, de 2004, em que figura a legislação sobre GD. Caso as previsões sobre o uso de novas formas de geração de energia se concretizem, certamente teremos dois heróis nesta história, claro, em momentos diferentes. Tesla e Edison que tratem de fazer as pazes e comemorar dupla vitória onde quer que estejam.

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