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  www.abdpc.org.br AÇÃO CIVIL PÚBLICA – 20 ANOS – Novos Desafios  Eduardo Cambi Mestre e Doutor em Direito pela UFPR Professor de Direito Processual Civil da PUC-PR e dos cursos de mestrado da UNESPAR e da UNISUL Membro do Ministério Público do Estado do Paraná Sumário: 1. Introdução; 2. Retrocessos na ação civil pública; 3. Inquérito civil e poderes investigatórios do Ministério Público; 3.1. Aperfeiçoamento no Projeto Original; 3.2. Conceito e finalidade; 3.3. Objeto dos poderes de investigação na esfera civil; 3.4. Instauração do inquérito civil; 3.5. Competência funcional e territorial para instaurar o inquérito; 3.6. Controle da instauração do inquérito; 3.7. Poderes investigatórios no curso do inquérito civil; 3.8. Observância do contraditório e publicidade indevida; 3.9. Valoração dos elementos de prova colhidos no inquérito civil; 3.10. Arquivamento; 3.11. Rejeição do arquivamento pelo Conselho Superior; 3.12. Ausência de controle judicial no arquivamento; 3.13. Reabertura do inquérito por novas provas; 3.14. Conclusão; 4. Compromisso de ajustamento de conduta; 5. Aprimoramentos na LACP; 5.1. Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América; 5.2. Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos; Conclusão; Bibliografia. 1. Introdução A Lei 7.347 (LACP), de 24 de julho de 1985, que está preste a completar 20 (vinte) anos, revolucionou o processo civil brasileiro e a tutela dos direitos transindividuais e individuais homogêne os. Antes da LACP, a tutela jurisdicional dos direitos coletivos, especialmente relacionados com o meio ambiente, às relações de consumo, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, do patrimônio público e social não encontrava, no ordenamento jurídico, instrumentos processuais adequados e efetivos para a sua proteção. O Código de Processo Civil - Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – foi forjado para a tutela dos interesses individuais (direitos subjetivos), sobretudo os de caráter patrimonial. A titularidade do direito subjetivo, irradiada no ordenamento processual pelo  princípio dispositivo (pelo qual a sorte do processo está, em certa medida, entregue a vontade das partes), projetou o caráter eminentemente individualista do CPC. Esta compreensão está

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    AO CIVIL PBLICA 20 ANOS Novos Desafios

    Eduardo Cambi Mestre e Doutor em Direito pela UFPR

    Professor de Direito Processual Civil da PUC-PR e dos cursos de mestrado da UNESPAR e da UNISUL

    Membro do Ministrio Pblico do Estado do Paran

    Sumrio: 1. Introduo; 2. Retrocessos na ao civil pblica; 3. Inqurito civil e poderes investigatrios do Ministrio Pblico; 3.1. Aperfeioamento no Projeto Original; 3.2. Conceito e finalidade; 3.3. Objeto dos poderes de investigao na esfera civil; 3.4. Instaurao do inqurito civil; 3.5. Competncia funcional e territorial para instaurar o inqurito; 3.6. Controle da instaurao do inqurito; 3.7. Poderes investigatrios no curso do inqurito civil; 3.8. Observncia do contraditrio e publicidade indevida; 3.9. Valorao dos elementos de prova colhidos no inqurito civil; 3.10. Arquivamento; 3.11. Rejeio do arquivamento pelo Conselho Superior; 3.12. Ausncia de controle judicial no arquivamento; 3.13. Reabertura do inqurito por novas provas; 3.14. Concluso; 4. Compromisso de ajustamento de conduta; 5. Aprimoramentos na LACP; 5.1. Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica; 5.2. Anteprojeto de Cdigo Brasileiro de Processos Coletivos; Concluso; Bibliografia.

    1. Introduo

    A Lei 7.347 (LACP), de 24 de julho de 1985, que est preste a completar 20 (vinte) anos, revolucionou o processo civil brasileiro e a tutela dos direitos transindividuais e individuais homogneos.

    Antes da LACP, a tutela jurisdicional dos direitos coletivos, especialmente relacionados com o meio ambiente, s relaes de consumo, bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico, turstico e paisagstico, do patrimnio pblico e social no encontrava, no ordenamento jurdico, instrumentos processuais adequados e efetivos para a sua proteo.

    O Cdigo de Processo Civil - Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 foi forjado para a tutela dos interesses individuais (direitos subjetivos), sobretudo os de carter patrimonial. A titularidade do direito subjetivo, irradiada no ordenamento processual pelo princpio dispositivo (pelo qual a sorte do processo est, em certa medida, entregue a vontade das partes), projetou o carter eminentemente individualista do CPC. Esta compreenso est

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    expresso em regras como as dos artigos 6 (sobre a legitimao ordinria) e 472 (sobre os limites subjetivos da coisa julgada material), cabendo ao titular do direito subjetivo o poder de fruir ou no dele, ou dele desistir, transacionar etc, no podendo os efeitos da deciso ultrapassar a pessoa dos litigantes1.

    Assim, institutos como o da legitimidade ad causam, a prova, a sentena e a coisa julgada, porque moldados sob o paradigma do Estado Liberal Clssico, impossibilitavam que a sociedade civil organizada e os rgos pblicos de defesa dos interesses coletivos pudessem levar e ver tutelados pelo Judicirio tais direitos de carter transindividual2. Com efeito, esses institutos no acompanharam a passagem do Estado Liberal para o de Bem-Estar Social.

    Trs fatores acentuaram uma nova era de direitos, a partir de meados do sculo passado3: i) aumentaram os bens merecedores de tutela (as meras liberdades negativas, de religio, opinio, imprensa etc, deram lugar aos direitos sociais e econmicos, a exigir uma interveno positiva do Estado); ii) surgiram outros sujeitos de direitos, alm do indivduo (singular), como a famlia, as minorias tnicas e religiosas e toda a humanidade em seu conjunto; iii) o prprio homem deixou de ser considerado em abstrato, para ser visto na concretude das relaes sociais, com base em diferentes critrios de diferenciao (sexo, idade, condies fsicas etc), passando a tratado especificamente como homem, mulher, homossexual, criana, idoso, deficiente fsico etc.

    Mais bens, sujeitos e status aos indivduos, associados aos novos problemas decorrentes do capitalismo moderno e da vida em uma sociedade urbana de massas (poluio, produo em srie, crescimento desenfreado das cidades etc) demandaram outros mecanismos de tutela mais adequados a sua efetivao. Logo, a partir da categorizao dos

    1 Cfr. Arruda Alvim. Ao civil pblica sua evoluo normativa significou crescimento em prol da proteo s

    situaes coletivas. In: Ao civil pblica aps 20 anos: efetividade e desafios. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2005. Pg. 76; Ronaldo Porto Macedo Jnior. Ao civil pblica, o direito social e os princpios. In: Ao civil pblica aps 20 anos: efetividade e desafios. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2005. Pg. 560. 2 Nas palavras de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a concepo tradicional do processo civil no deixa

    espao para a proteo dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava soluo de uma controvrsia entre essas mesmas partes a respeito de seus prprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao pblico em geral ou a um segmento do pblico no se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuao dos juzes no eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares (Acesso justia. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. Pg. 50). 3 Cfr. Norberto Bobbio. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

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    direitos ou interesses transindividuais, os clssicos instrumentos processuais, pensados para a proteo dos direitos subjetivos, precisaram ser repensados.

    Nesse contexto, a ao civil pblica nasce da percepo dos escopos social e poltico do processo civil. A tcnica processual, mais do que buscar a atuao da vontade concreta da lei (Chiovenda) ou a justa composio da lide (Carnelutti), deve estar voltada realizao dos valores e direitos fundamentais descritos na Constituio. Cabe ao processo civil estabelecer instrumentos cleres, adequados e efetivos para a concretizao da cidadania, da dignidade da pessoa humana, da construo de uma sociedade livre, justa e solidria, bem como da erradicao da pobreza e a reduo das desigualdades econmico-sociais.

    Ao longo dos ltimos vinte anos, paulatinamente, a LACP ajudou a criar uma nova cultura jurdica de defesa dos direitos coletivos, possibilitando o acesso coletivo Justia.

    Tal forma de pensar o direito contribui significativamente com a agilizao da prestao jurisdicional, na medida em que tais interesses so resolvidos em uma s demanda e em um nico processo, evitando centenas ou milhares de aes individuais que emperrariam o funcionamento do Judicirio.

    O Ministrio Pblico, transformado pela Constituio de 1988, como um verdadeiro agente poltico de transformao social, foi indispensvel nessa mudana cultural. Estatsticas apontam que, apesar do artigo 5 da LACP prever outros legitimados ativos, cerca de 95% (noventa e cinco por cento) das aes civis pblicas, no Brasil, foram propostas pelo Ministrio Pblico4.

    2. Retrocessos na ao civil pblica

    Ao longo destes vinte anos, o Ministrio Pblico no s tem procurado se adequar s novas atribuies que lhe so impostas (p. ex., com o advento do Cdigo de Defesa do Consumidor, do Estatuto da Criana e do Adolescente, da Lei de Improbidade

    4 Cfr. RT informa, n. 37, junho de 2005, pg. 5.

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    Administrativa, do Estatuto do Idoso etc), como defender a ordem jurdica, o regime democrtico e os interesses sociais e individuais indisponveis (art. 127, caput, da CF), contra as investidas freqentes de inescrupulosos detentores dos poderes poltico e/ou econmico.

    Com efeito, parcelas da sociedade e do governo se sentiram ameaadas com as aes civis pblicas que, durante esses vinte anos, sofreram inmeros retrocessos ou tentativas de retrocessos, tais como os a seguir salientados.

    i) A reduo do objeto da ao civil pblica, pela Medida Provisria n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001 (ao introduzir o pargrafo nico no artigo 1 da LACP), pela qual no podem ser objeto de ao civil pblica as pretenses que envolvam tributos5, contribuies previdencirias, o Fundo de Garantia do Tempo de Servio FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficirios podem ser individualmente determinados.

    Tais restries tiveram o intuito de evitar que interesses governamentais venham a ser contrariados judicialmente, fazendo com que argumentos de terror econmico (como o da quebra da Previdncia) imperem sobre direitos e garantias fundamentais.

    ii) A restrio imposta s entidades associativas, quando ajuizarem aes coletivas contra o Poder Pblico, que devem instruir a petio inicial, obrigatoriamente, com a ata da assemblia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relao nominal dos seus associados e a indicao dos respectivos endereos (art. 2-A da Lei 9.494/97, implementado pela Medida Provisria 2.180-35, de 24.08.2001).

    As mencionadas disposies criam obstculos flagrantemente inconstitucionais ao acesso justia coletiva, alm de contrariarem os institutos da legitimao para agir e a

    5 Inviabilizando a tutela coletiva em relao ao recebimento do emprstimo compulsrio sobre combustveis,

    cedendo as presses do governo para no pagar, rapidamente, o que deve, o STF negou a legitimidade da Associao Paranaense de Defesa do Consumidor: Agravo regimental em Agravo de Instrumento. 2. Recurso Extraordinrio. Ao Rescisria. 3. Ilegitimidade ativa da associao de defesa do consumidor para propor Ao Civil Pblica na defesa de interesses individuais homogneos. Matria devidamente prequestionada. Questo relativa s condies da ao no pode ser conhecida de ofcio. 4. Emprstimo compulsrio sobre a aquisio de combustveis. Qualificao dos substitudos como contribuintes. 5. Inexistncia de relao de consumo entre o sujeito ativo (poder pblico) e o sujeito passivo (contribuinte). 6. Precedentes do STF no sentido de que o Ministrio Pblico no possui legitimidade para propor ao civil pblica com o objetivo de impugnar a cobrana de tributos. 7. Da mesma forma, a associao de defesa do consumidor no tem legitimidade para propor ao civil pblica na defesa dos contribuintes. 8. Agravo regimental provido e, desde

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    substituio processual reconhecida, constitucionalmente (art. 5, XXI, da CF)6, s entidades associativas e, ainda, os limites subjetivos da coisa julgada das aes coletivas7.

    Felizmente, os Tribunais Superiores vm considerando tais restries inconstitucionais.

    iii) A submisso da eficcia erga omnes da coisa julgada, aos limites da competncia territorial do rgo prolator da deciso, com a alterao do artigo 16 da LACP, pela Lei 9.494, de 10 de setembro de 1997, com manifesto propsito de fracionar o alcance das aes coletivas, exigindo o ajuizamento de outras aes coletivas no abrangidas pela competncia territorial do rgo julgador8.

    Entretanto, tal tentativa de reduo do alcance da ao coletiva frustrado, em sua essncia, quando se trata de interesses difusos e coletivos, cujo objeto indivisvel, no

    logo, provido o recurso extraordinrio para julgar procedente a ao rescisria (AI 382.298-Ag. / RS 2 T. - rel. Min. Gilmar Mendes j. 04.05.2004 pub. DJ 28.05.2004, pg. 53). 6 as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, tm legitimidade para representar seus filiados

    judicial ou extrajudicialmente. 7 Corretamente, o STF considerou inconstitucional a necessidade de expressa autorizao dos associados para a

    propositura da ao civil pblica e a execuo do julgado, considerando que, em face da tutela de direitos individuais homogneos, os beneficirios da sentena genrica obtida Associao dos Poupadores do Paran (APADECO) tinham legitimidade para executar o ttulo executivo judicial, sem tal exigncia: 1. Recurso extraordinrio: descabimento: precluso do fundamento infraconstitucional limites subjetivos da coisa julgada suficiente manuteno do acrdo recorrido: incidncia, mutatis mutandis, do princpio da Smula 283. 2. Substituio processual: assente a jurisprudncia do STF no sentido de que no se exige, em caso de substituio processual, a autorizao expressa a que se refere o artigo 5, XXI, da CF/88 expressa para a propositura da ao, no h que se fazer a exigncia para a respectiva execuo de sentena, bastando que a pretenso do exeqente se compreenda no mbito da eficcia subjetiva do ttulo judicial executado (RE 436.047-PR 2 T. rel. Min. Seplveda da Pertence j. 26.04.2005 pub. DJU 13.05.2005, pg. 18). Nesse sentido, tambm julgou o STJ: Para a comprovao da legitimidade ativa de credor-poupador que prope ao de execuo com lastro no ttulo executivo judicial exarado na ao civil pblica, despicienda se mostra a comprovao de vnculo com a associao proponente da ao ou a apresentao de relao nominal e de endereo dos associados. Precedentes (AgRg no REsp. 653.510-PR 3 T. rel. Mina. Ftima Andrighi j. 28.10.2004 pub. DJU 13.12.2004, pg. 359). Verificar, contudo, a nota seguinte. 8 O STJ, em deciso equivocada, reduziu o contedo da tutela coletiva dos direitos individuais homogneos,

    contribuindo para a maior morosidade da justia: Processual civil. Ao civil pblica. APADECO. Emprstimo Compulsrio de Combustveis (DL 2.288/86). Execuo de sentena. Eficcia da sentena delimitada ao Estado do Paran. Violao do art. 2-A da Lei n. 9.494/97. Ilegitimidade das partes exeqentes. 1. Impossibilidade de ajuizamento de ao de execuo em outros estados da Federao com base na sentena prolatada pela Juzo Federal do Paran nos autos da Ao Civil Pblica n. 93.0013933-9 pleiteando a restituio de valores recolhidos a ttulo de emprstimo compulsrio cobrado sobre a aquisio de lcool e gasolina no perodo de jul/87 a out/88, em razo de que em seu dispositivo se encontra expressa a delimitao territorial adrede mencionada. 2. A abrangncia da ao de execuo se restringe a pessoas domiciliadas no Estado do Paran, caso contrrio geraria violao do art. 2-A da Lei n. 9.494/97, litteris: A sentena civil prolatada em ao de carter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abranger apenas os substitudos que tenham,na data da propositura da ao, domiclio no mbito da competncia territorial do rgo prolator (AgRg nos EDcl no REsp. 639.158-SC 1 T. rel. Min. Jos Delgado j. 22.03.2005 pub. DJU 02.05.2005, pg. 187).

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    permitindo fracionamento. Por outro lado, interpretar tal dispositivo no sentido de afirmar que a deciso, quanto aos interesses individuais homogneos vale apenas dentro dos limites territoriais em que foi proferida, uma forma de reduo do acesso justia coletiva, j que exigiria que a mesma demanda fosse proposta em diversos lugares para que todos fossem dela beneficiados, o que contraria flagrantemente o direito fundamental tempestividade da tutela jurisdicional (art. 5, inc. LXXVIII, da CF), alm de contrariar a prpria noo ampliativa da coisa julgada erga omnes, voltada tutela mais efetiva de leses a interesses individuais de origem comum.

    Alis, por isto, o artigo 33, par. 5, do Cdigo Modelo afirma que a competncia territorial do rgo julgador no representar limitao para a coisa julgada erga omnes.

    Esta linha de argumentao, todavia, no tem prevalecido nos Tribunais Superiores.

    iv) A tentativa de extenso, inicialmente pela nova redao ao artigo 84 do CPP9, de prever o foro por prerrogativa de funo para atos de improbidade administrativa, inclusive aps a cessao do exerccio do cargo (repristinao da Smla 394/STF)10, alm da excluso dos agentes polticos da Lei de Improbidade11, que ficariam sujeitos s leis especficas (Lei 1.079/50 e Dec.-lei 201/67), sujeitando-se ao julgamento somente pelos

    9 Tal artigo foi introduzido, pela Lei 10.628/2002, com a seguinte redao: A competncia pela prerrogativa de

    funo do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justia, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justia dos Estados e do Distrito Federal, relativamente s pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. Par. 1 A competncia especial por prerrogativa de funo, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inqurito ou a ao judicial sejam iniciados aps a cessao do exerccio da funo pblica. Par. 2 A ao de improbidade, de que trata a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, ser proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionrio ou autoridade na hiptese de prerrogativa de foro em razo do exerccio de funo pblica, observado o par. 1. Este artigo foi objeto da ADIn 2797, ajuizada pela Associao Nacional dos Membros do Ministrio Pblico (CONAMP), sob o fundamento de que somente a Constituio poderia estatuir foro por prerrogativa de funo, mas a liminar foi negada pelo ento Presidente da Corte, Min. Ilmar Galvo. Alm disto, h Proposta de Emenda Constitucional (PEC 358/05, substitutivo da Reforma do Poder Judicirio) para transformar o referido dispositivo infra-legal em constitucional. 10

    Esta Smula, cancelada em 25.08.1999, assegurava a subsistncia do foro privilegiado para os crimes comuns mesmo aps a cessao do exerccio do cargo. Na questo de ordem no Inqurito n. 2.010/SP (Rel. Min. Marco Aurlio), o STF discute a constitucionalidade do par. 1, do art. 84, do CPP, o qual estende ao ex-agente a competncia especial por prerrogativa de funo. O Relator declarou a inconstitucionalidade do referido preceito, sendo acompanhado pelo Ministro Seplveda Pertence, mas o feito, at o momento, encontra-se paralisado com pedido de vista formulado pelo Ministro Eros Grau. 11

    Cfr. Reclamao 2.138-DF rel. Min. Nelson Jobim j. 11.09.2002.

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    crimes de responsabilidade, perante a Cmara de Vereadores, a Assemblia Legislativa ou o Senado Federal.

    Quanto ao primeiro aspecto, a conseqncia prtica da manuteno do foro por prerrogativa de funo ser, em um primeiro momento, transferir aos Procuradores Gerais de Justia a competncia para promover os inquritos civis e as aes civis pblicas na medida em que compete a ele oficiar nos processos da competncia originria do Tribunal de Justia12. Com efeito, isto retirar dos promotores de justia o poder de fiscalizar acontecimentos locais, envolvendo prefeitos, tornando mais difcil a apurao dos fatos. Por outro lado, todas as aes civis pblicas, bem como as aes cautelares (que se fizerem necessrias durante o andamento do inqurito civil), em curso, seriam remitidas ao Tribunal de Justia, criando um entrave ao regular funcionamento do Poder Judicirio. O excessivo nmero de demandas desvirtuaria a funo precpua dos Tribunais de rgo revisor para serem transformados em rgos de primeiro grau.

    Por isto, mesmo que o contedo do atual artigo 84 do CPP seja inserido em Emenda Constitucional, conforme pretende a PEC 358/05, isto no evitar a sua inconstitucionalidade material (violao das clusulas ptreas art. 60, par. 4, CF referentes separao dos Poderes e dos direitos e garantias individuais)13. O envio de centenas de aes civis pblicas ao Tribunal de Justia inviabilizar a sua funo precpua de rgo revisional, para transform-lo em rgo decisrio em uma dimenso para a qual no foi concebida pelo Poder Constituinte Originrio. Retirar-se-o do promotor de justia e do juiz de primeiro grau, que esto mais prximos dos acontecimentos, as melhores possibilidades de apurao dos fatos e da fiscalizao da lei. Por isto, o artigo 84 do CPP ou qualquer emenda constitucional que visse, nos mesmos moldes, contemplar o foro por prerrogativa de funo no so razoveis, ferindo a garantia do devido processo legal em sentido substantivo14.

    12 Cfr. Ao civil pblica e a tutela da probidade administrativa. In: Ao civil pblica aps 20 anos: efetividade

    e desafios. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2005. Pg. 180-1. 13

    Idem. Pg. 181-3. 14

    A essncia do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades de pessoas contra qualquer modalidade de legislao que se revele opressiva ou destituda do necessrio coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extenso da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este no dispe da competncia para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsvel, gerando, com o seu comportamento institucional, situaes normativas de absoluta distoro e, at mesmo, de subverso dos fins que regem o desempenho da funo estatal (STF

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    Quanto ao segundo aspecto, sobre a duplicidade de sistemas punitivos (envolvendo os agentes polticos), o crime de responsabilidade e o ato de improbidade administrativa so ilcitos diversos que possuem mecanismos e princpios prprios (arts. 37, par. 4, e 52, par. n., da CF), ainda que, em determinado caso, possam ter sanes idnticas (perda da funo pblica e suspenso dos direitos polticos)15. Alis, o artigo 37, par. 4, da CF expresso ao mencionar que os atos de improbidade administrativa importaro a suspenso dos direitos polticos, a perda da funo pblica, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do errio, na forma e gradao previstas em lei, sem prejuzo da ao penal cabvel. No h sistema punitivo duplo, porque, no sendo o ato de improbidade de natureza penal, e podendo a ao penal, por crime de responsabilidade, conforme o caso, conduzir a suspenso dos direitos polticos, conforme o artigo 15, inciso III, da CF, os ilcitos tm natureza jurdica diversa, ainda que as sanes possam ser equivalentes. Ademais, o crime de responsabilidade, tem sofre grande valorao poltica, sobretudo quando julgado por rgo no jurisdicional, o que no ocorre com o ato de improbidade administrativa.

    Resultado destas controvrsia a suspenso de inmeros processos, por fora do artigo 265, inc. IV, a, do CPC, at o julgamento da Reclamao n. 2.138-6-DF, protelando decises importantes que ou agravam o sentimento de impunidade ou a honra do agente pblico inocente16.

    ADIn-MC 1.063-DF Tribunal Pleno rel. Min. Celso de Mello j. 18.05.1994 pub. DJU 27.04.2001, pg. 57). 15

    Idem. Pg. 178-9. 16

    Nesse sentido, vale mencionar o seguinte precedente: Administrativo e processual civil. Ao de improbidade administrativa. Ex-prefeito. Suspenso do processo. Prejudicialidade externa. Reclamao n. 2.138-DF e Questo de Ordem no Inqurito n. 2.010-SP em trmite no STF. I Trata-se de ao civil pblica, na qual se busca a condenao de ex-prefeito por atos de improbidade administrativa praticados durante sua gesto, a teor do art. 12, inciso II, da Lei 8.429/92. II Correto o entendimento do Tribunal a quo no sentido da suspenso do processo em apenso, a teor do artigo 265, inciso IV, aliena a, do CPC, at o julgamento final da Reclamao n. 2.138-9 e da Questo de Ordem suscitada no Inqurito n. 2.010-SP, em curso perante o STF, em face da relevncia de tais julgados ao presente pleito. III Na RCL n. 2.138-6/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, discute-se qual o regime da responsabilidade imposto aos agentes polticos, caminhando o julgamento, com cinco votos pela procedncia da reclamao, com a tese de que os agentes polticos, por estarem regidos por norma especial, no respondem por improbidade administrativa, mas sim por crime de responsabilidade. Assim, a manter-se tal entendimento, a ao de improbidade discutida no Tribunal a quo restaria extinta. IV Na questo de ordem no Inqurito n. 2.010/SP, Rel. Min. Marco Aurlio, o Excelso Pretrio discute a constitucionalidade do par. 1, do art. 84, do CPP, o qual estende ao ex-agente a competncia especial por prerrogativa de funo. O Ministro Relator declarou a inconstitucionalidade do referido normativo, sendo acompanhado pelo Ministro Seplveda Pertence, estando o feito paralisado com pedido de vista formulado pelo Ministro Eros Grau. Vingando a tese, tambm ressair prejudicada a ao em tela, tendo em vista ser direcionada a ex-prefeito (REsp. n. 662.050-SP 1 T. rel. Min. Francisco Falco j. 26.04.2005 pub. DJU 30.05.2005, pg. 239)..

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    v) as tentativas freqentes de reduo dos poderes (investigatrios) do Ministrio Pblico, com vistas a amedrontar a sua atuao em defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis17.

    3. Inqurito civil e poderes investigatrios do Ministrio Pblico

    3.1. Aperfeioamento no Projeto Original

    A LACP resultou de anteprojeto apresentado pelos Professores Cndido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira, levado ao Congresso Nacional pelo Deputado Federal Flvio Bierrembach, onde se transformou no Projeto de Lei n. 3.034. Tal iniciativa legislativa se restringia tutela jurisdicional do meio ambiente.

    Posteriormente, os promotores de justia de So Paulo Antonio Augusto de Mello de Camargo Ferraz, Edis Milar e Nelson Nery Jnior apresentaram, em um seminrio promovido pelo Ministrio Pblico paulista sugestes ao projeto original, onde no s ampliaram o objeto da tutela jurisdicional, como tambm previram o inqurito civil.

    Depois da LACP, a prpria Constituio Federal (art. 129, inc. III) e outras leis subseqentes passaram a fazer meno ao inqurito civil (como a Lei 7.853/1989, que trata da proteo das pessoas portadoras de deficincia; o Estatuto da Criana e do Adolescente; o Cdigo de Defesa do Consumidor; a Lei Orgnica Nacional do Ministrio Pblico e a Lei Orgnica do Ministrio Pblico da Unio).

    A propsito, s o Ministrio Pblico est autorizado a instaurar o inqurito civil. Os demais legitimados ativos para a propositura da ao civil pblica ou requerem a

    17 Segundo matria publicada no O Estado de So Paulo, de 12.04.1999, p. A-6, o Ministrio Pblico no

    desperta a ira dos mais poderosos do Senado, mas tem inimigos na Cmara, onde se discute a reforma do Judicirio. A tucana Zulai Cobra (SP) est entre as mais empenhadas em reduzir o poder dos procuradores e promotores. Em solenidade com prefeitos realizada na semana passada no Palcio dos Bandeirantes, ela discursou: O Ministrio Pblico est acabando com as prefeituras; vamos agora acabar com ele. Foi aplaudidssima. Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O inqurito civil e o poder investigatrio do Ministrio Pblico. In: Ao civil pblica aps 20 anos: efetividade e desafios. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2005. Pg. 234.

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    abertura de inqurito civil ou devem juntar os elementos de convico necessrios para o ajuizamento da demanda.

    3.2. Conceito e finalidade

    O inqurito civil um procedimento administrativo investigatrio, de carter inquisitivo e informativo18, instaurado e presidido pelo Ministrio Pblico19.

    O inqurito civil se destina a colher elementos de convico para que o Ministrio Pblico verifique se caso ou no de no s promover a ao civil pblica, mas tambm de exercer atividades subsidirias como a tomada de compromissos de ajustamento, a realizao de audincias pblicas, a emisso de relatrios e recomendaes. Alm disto, as informaes colhidas no inqurito civil podem redundar na apurao da autoria e da materialidade de ilcitos penais, servindo de base para uma eventual denncia, uma vez que o inqurito penal no indispensvel propositura da ao penal pblica20.

    Para bem desempenhar as suas funes o Ministrio Pblico precisa ter meios prprios de investigao (incluindo a presena de pessoal especializado, como tcnicos em contabilidade, meio ambiente, sade pblica etc) para poder apurar fatos que possam mostrar-se lesivos ao patrimnio pblico, ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimnio cultural ou a outros interesses difusos, coletivos ou individuais homogneos.

    No entanto, o inqurito civil pode ser dispensvel quando existam elementos de convico suficientes provenientes de outras fontes (documentos provenientes de Comisses

    18 O inqurito civil pblico procedimento informativo, destinado a opinio actio do Ministrio Pblico.

    Constitui meio destinado a colher provas e outros elementos de convico, tendo natureza inquisitiva (STJ REsp. 644.944-MG 2 T. rel. Min. Joo Octvio de Noronha j. 17.02.2005 pub. DJU 21.03.2005, pg. 336). 19

    Conforme j reconheceu o STJ: O inqurito civil um instrumento de coleta de informaes de forma a aclarar, determinar e precisar os fatos denunciados, para que se possa verificar a necessidade ou no de ajuizamento de ao civil pblica (REsp. 262.185-MT 2 T. rel. Min. Castro Meira j. 05.04.2005 pub. DJU 23.05.2005, pg. 188). 20

    Com apoio no art. 129 e incisos, da Constituio Federal, o Ministrio Pblico poder proceder de forma ampla, na averiguao dos fatos e na promoo imediata da ao penal pblica, sempre que assim entender configurado ilcito. Dispondo o promotor de elementos para o oferecimento da denncia, poder prescindir do inqurito policial, haja vista que o inqurito procedimento meramente informativo, no submetido ao crivo do contraditrio e no qual no se garante o exerccio da ampla defesa (STF - HC 77.770-SC 2 T. rel. Min. Nri da Silveira j. 07.12.1998 pub. DJU 03.03.2000, pg. 62).

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    Parlamentares de Inqurito, extrados de outros autos de processo judicial ou administrativo, peas recebidas do Tribunal de Contas etc).

    3.3. Objeto dos poderes de investigao na esfera civil

    O inqurito civil, tal como reconhece o artigo 6 da Lei Orgnica do Ministrio Pblico da Unio, que se aplica subsidiariamente aos Ministrios Pblicos Estaduais, um instrumento de atuao ministerial e, em sendo assim, deve ser utilizado no somente para apurar leses a direitos transindividuais, mas para a defesa de todo interesse, mesmo que individual indisponvel, afeto s atribuies do Ministrio Pblico (como, por exemplo, aes para a destituio do poder familiar, nulidade de casamento, interdio etc)21.

    Contudo, quando se tratar de interesses coletivos ou individuais homogneos, apesar do artigo 90 do CDC se estender LACP, Hugo Nigro Mazzilli22 adverte que o Ministrio Pblico s deve agir quando haja concreta convenincia social em sua atuao, afervel a partir de critrios objetivos, tais como: i) a natureza do dano (p. ex., sade, segurana e educao pblicas); ii) a disperso dos lesados (a abrangncia social do dano, ou seja, a quantidade dos lesados); iii) o interesse social no funcionamento de um sistema econmico, social ou jurdico (previdncia social, captao de poupana popular etc).

    Quanto s decises da Administrao, no campo da discricionariedade administrativa, o Ministrio Pblico deve ter presente que possvel investigar o mrito do ato administrativo discricionrio, no que concerne aos motivos ou aos fins, quando tenha havido suspeita de imoralidade, desvio de poder ou de finalidade, ou quando o administrador no tenha observado o princpio da eficincia, da proporcionalidade ou da razoabilidade23. Por exemplo, diante da falta de vagas para crianas nas creches ou escolas pblicas, da inexistncia de leitos suficientes para o atendimento dos necessitados na rea da sade pblica, da falta de condies de saneamento bsico, da superpopulao carcerria etc, pode o agente ministerial controlar a aplicao do oramento pblico, pois, se certo que o Poder Executivo pode efetuar despesas ou remanejar verbas dentro da lei, caso o faa fora dos

    21 Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O inqurito civil e o poder investigatrio do Ministrio Pblico. Cit. Pg. 223.

    22 Idem. Pg. 223.

    23 Idem. Pg. 226.

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    parmetros constitucionais (art. 167/CF), poder estar causando prejuzo ao patrimnio pblico e at crime, o que d ensejo investigao pelo Ministrio Pblico.

    No entanto, no cabe ao Ministrio Pblico, por meio do inqurito civil, do compromisso de ajustamento de conduta ou da ao civil pblica, pretender impor ao administrador critrios discricionrios do promotor de justia, no tocante utilizao do oramento, nem querer usurpar do administrador o poder de decidir quais as despesas, investimentos ou opes so melhores para a coletividade, porque, para tais decises, o administrador pblico foi investido, eletivamente, pela soberania popular e no o promotor de justia ou o juiz24.

    Ainda quanto ao objeto do inqurito civil, uma vez que o artigo 4 da LACP admite a propositura da ao civil pblica para evitar danos (tutela inibitria coletiva), possvel investigar, mediante inqurito civil, meras atividades perigosas ou potencialmente ilcitas. Assim, por exemplo, no setor de preveno de acidentes do trabalho, cabvel investigar condies laborativas em situaes de sabido risco25. Os elementos de convico apurados, neste inqurito, podem servir de base para se tomar compromisso de ajustamento de conduta do causador do dano ou at para propor as aes inibitrias, voltadas a evitar a ilicitude e, conseqentemente, os danos26.

    3.4. Instaurao do inqurito civil

    O inqurito civil instaurado, geralmente, mediante portaria, mas pode se dar por despacho em documento (ofcio, requerimento ou representao), encaminhado ao Ministrio Pblico.

    Quando da instaurao do inqurito civil, na medida do possvel, deve-se descrever os elementos bsicos que integrem o fato ilcito objeto da investigao. Assim, por exemplo, ao se apurar um caso de poluio de um rio, deve estar descrita a poluio, os seus

    24 Cfr. Celso Antnio Bandeira de Mello. Discricionariedade e controle judicial. So Paulo: Malheiros, 1996.

    25 Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O inqurito civil e o poder investigatrio do Ministrio Pblico. Cit. Pg. 228.

    26 Cfr. Luiz Guilherme Marinoni. Tutela inibitria. So Paulo: RT, 1998.

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    efeitos e o nexo causal, mas pouco importa os nomes dos funcionrios da empresa que foram autores da ao fsica ilcita, porque s os fatos principais se submetem ao nus da prova27.

    Alm disto, o inqurito civil tem natureza de mero procedimento, no de processo. Por esta razo, nele no se pode impor sanes (limitaes, restries ou cassaes de direitos), sob pena de violao da clusula constitucional do devido processo legal (art. 5, inc. LIV), pela qual ningum pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Desta forma, o inqurito civil no se destina a coagir a imposio de sanes legais, sendo, contudo, facultado ao agente causador dos danos submeter-se, voluntariamente, ao compromisso de ajustamento de conduta ou, se preferir, responder em juzo eventual ao civil pblica.

    A instaurao pode ser de ofcio ou a requerimento de qualquer pessoa. As denncias ainda que annimas reportagens de jornais e revistas podem servir para embasar pedido de instaurao de inqurito civil, desde que possuam elementos mnimos de convico28. Por exemplo, uma carta annima, no sentido de que uma autoridade corrupta, muito vaga para servir de supedneo para um inqurito civil, mas uma notcia de que uma determinada autoridade recebeu propina para fazer uma ato, acompanhada de cpia dos documentos que comprovam a denncia, j contm elementos suficientes para abrir uma investigao29. Com efeito, a avaliao depende da prudente avaliao do promotor de justia no caso concreto.

    3.5. Competncia funcional e territorial para instaurar o inqurito

    Se a autoridade a ser investigada for o Governador do Estado, o Presidente da Assemblia Legislativa ou o presidente do Tribunal, caber ao procurador-geral da justia, pelo artigo 29, inc. VIII, da Lei 8.625/93, a competncia funcional para instaurar o inqurito.

    27 Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. Pontos controvertidos sobre o inqurito civil. In: Ao civil pblica. Lei 7.347/1985

    15 anos. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2002. Pg. 318-320. 28

    O Ato Normativo n. 02/2004, da Procuradoria-Geral de Justia do Estado do Paran, que pretende regulamentar o inqurito civil (ainda no est em vigor), trata da questo no artigo 2, par. n., e no artigo 4, pargrafos 1 e 2, da seguinte forma: i) a instaurao do inqurito civil, de ofcio, compreende qualquer meio, ainda que informal, pelo qual o rgo do Ministrio Pblico venha a tomar conhecimento dos fatos; ii) diante da insuficincia de elementos que permitam a imediata instaurao do inqurito civil, o membro do Ministrio Pblico poder realizar diligncias, no prazo de 90 (noventa) dias, prorrogveis mediante deciso fundamentada; iii) nesta ltima hiptese, o Promotor de Justia determinar a autuao do protocolado, sob a denominao provisria de procedimento investigatria preliminar.

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    No entanto, como regra geral, o inqurito civil dever ser instaurado pelo promotor de justia do local em que o dano ocorrer ou deva ocorrer (art. 2/LACP), salvo em caso de leso ou ameaa de leso a interesses transindividuais de crianas e adolescentes, cuja competncia ser fixada no pelo local do dano, mas pelo lugar da ao (art. 209/ECA), ressalvada a competncia da Justia Federal.

    3.6. Controle da instaurao do inqurito

    A LACP previu um nico sistema de controle do arquivamento do inqurito civil, a ser efetuado pelo Conselho Superior do Ministrio Pblico (arts. 8 e 9).

    Em alguns estados, como o de So Paulo, em sua Lei Orgnica do Ministrio Pblico, criou-se um sistema recursal prprio. Contudo, esta regulamentao fere o mbito normativo reservado pela Constituio Federal s Leis de Organizao do Ministrio Pblico (art. 128, par. 5, CF), na medida em que quebra o modelo federal da LACP que j traou o regime jurdico integral do inqurito civil30.

    Portanto, no caso de inqurito civil instaurado sem justa causa, o controle deve ser judicial, cabendo mandado de segurana para obter o seu trancamento31.

    Por outro lado, quando a notcia do fato imprecisa, no havendo elementos suficientes para instaurar o inqurito civil, comum a realizao de uma averiguao rpida. Contudo, a LACP no prev um procedimento preparatrio ao inqurito civil, para se saber se deve ou no investigar, equiparando, nos artigos 8 e 9, o inqurito civil s peas de informao, com o intuito de evitar que o membro do Ministrio Pblico arquive sem qualquer controle procedimentos instaurados sob qualquer outro nome que no o de inqurito civil32.

    29 Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. Pontos controvertidos sobre o inqurito civil. Cit. Pg. 320.

    30 Cfr. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. Cdigo de Processo Civil comentado. 6 ed. So Paulo:

    RT, 2002. Pg. 1350. 31

    O STJ j decidiu que a Associao dos Delegados do Estado do Rio de Janeiro (DEPOL) no tem legitimidade para impetrar mandado de segurana coletivo para impedir que alguns Delegados sejam submetidos a inqurito civil pblico, pois a legitimidade extraordinria (substituio processual) no existe quando h interesses divergentes na mesma instituio, havendo parte da categoria que pretende a investigao (RMS 15.703-RJ 2 T. rel. Min. Eliana Calmon j. 18.03.2003 pub. DJU 21.03.2005, pg. 296). 32

    Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O inqurito civil e o poder investigatrio do Ministrio Pblico. Cit. Pg. 236.

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    A instaurao irregular de procedimento preparatrio, ao invs de inqurito civil, pode ter a grave conseqncia de no obstar o curso da decadncia, em favor do consumidor, j que, pelo artigo 26, par. 2, inc. III, do CDC, s com a instaurao do inqurito civil que se suspende o prazo decadencial33.

    Ao arquivar tanto o inqurito civil quanto s peas informativas caber ao agente ministerial faz-lo fundamentadamente e submeter tal promoo de arquivamento homologao do Conselho Superior do Ministrio Pblico34.

    3.7. Poderes investigatrios no curso do inqurito civil

    Durante o inqurito civil, cabe ao agente ministerial expedir requisies e notificaes, bem como determinar a conduo coercitiva em caso de desatendimento s notificaes para comparecimento ou requisitar os servios policiais para assegurar o cumprimento de suas determinaes (art. 129, inc. VI, CF; art. 26, inc. I, da Lei 8.625/93 e art. 8, da Lei Complementar 75/1993), observando sempre as prerrogativas legais (como a fixao de prazo razovel para atendimento ou o direito de certas autoridades de marcar dia e hora para comparecimento, nos termos da lei processual arts. 411/CPC e 221/CPP -, aplicvel analogamente).

    Todavia, a recusa, o retardamento ou a omisso de dados tcnicos indispensveis propositura da ao civil, quando requisitados pelo Ministrio Pblico, constitui crime tipificado no artigo 10 da LACP.

    Por outro lado, a determinao irregular de conduo coercitiva, requisies ilcitas ou quebra ilegal de sigilo de informaes podem acarretar a impetrao de mandado de segurana contra o promotor de justia junto ao Tribunal de Justia35.

    H determinadas matrias em que impera a clusula constitucional de reserva de jurisdio como a busca domiciliar (art. 5, inc. XI, CF), a interceptao telefnica (art.

    33 Idem. Pg. 236.

    34 Conforme a Smula 29 do Conselho Superior do Ministrio Pblico de So Paulo: Sujeita-se homologao

    do Conselho Superior qualquer promoo de arquivamento de inqurito civil ou de peas de informao alusivos defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogneos.

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    5, inc. XII, CF) e a decretao de priso de qualquer pessoa, ressalvada a hiptese de flagrncia (art. 5, inc. LXI, CF). Nestes temas especficos, cabe ao Poder Judicirio no apenas proferir a ltima palavra, mas a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira, excluindo, por fora expressa da Constituio, os iguais poderes ao Ministrio Pblico ou de qualquer autoridade no exerccio de investigaes que lhe so prprias36.

    Apesar de haver divergncia, alguns precedentes exigem que o Ministrio Pblico pea autorizao judicial para solicitar a quebra dos sigilos bancrio e fiscal37. Este, contudo, no o melhor entendimento, porque o artigo 129, inciso VI, da CF afirma ser funo institucional do Ministrio Pblico expedir notificaes nos procedimentos administrativos de sua competncia, requisitando informaes e documentos para instru-los, na forma da lei complementar respectiva. Com efeito, como a quebra do sigilo bancrio e fiscal est includa nos poderes de investigao previstos no artigo 129 da CF, afora as hipteses em que exista clusula constitucional de reserva de jurisdio, somente a Lei Complementar pode restringir a atuao do Ministrio Pblico para requisitar documentos e informaes38.

    A Lei Complementar 75, de 20.05.1993 - que dispe sobre a organizao, as atribuies e o Estatuto do Ministrio Pblico Federal, e que, por fora do artigo 80 da Lei

    35 Cfr. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. Cdigo de Processo Civil comentado. 6 ed. Cit. Pg.

    1631. 36

    Cfr. STF MS 23.452-RJ Tribunal Pleno rel. Min. Celso de Mello j. 16.09.1999 pub. DJU 12.05.2000, pg. 20. 37

    Constitucional. Ministrio Pblico. Sigilo bancrio: Quebra. C.F., art. 129, inc. VIII. I. A norma inscrita no inc. VIII, do art. 129, da C.F., no autoriza o Ministrio Pblico, sem interferncia da autoridade judiciria, quebrar sigilo bancrio de algum. Se se tem presente que o sigilo bancrio espcie de direito privacidade, que a C.F. consagra, art. 5, X, somente autorizao expressa da Constituio legitimaria o Ministrio Pblico a promover, diretamente e sem a interveno da autoridade judiciria, a quebra de sigilo bancrio de qualquer pessoa (STF RE 215.301-CE rel. Min. Carlos Velloso j. 13.04.1999 pub. DJU 28.05.1999, pg. 24). Entretanto, em caso anterior, o STF (MS 21.729-DF Tribunal Pleno Min. Marco Aurlio j. 05.10.1995 pub. DJU 19.10.2001, pg. 33) havia considerado legtima a quebra do sigilo bancrio sem autorizao judicial, justificando que ao Ministrio Pblico so conferidos amplos poderes de investigao artigos 128, inciso VI e VIII, da CF e 8, inc. II e IV, e par. 2, da Lei Complementar 75/1993. Tais poderes investigatrios visam coibir atividades afrontosas ordem jurdica e a garantia do sigilo bancrio no se estende s atividades ilcitas. Portanto, o STF indeferiu o mandado de segurana impetrado pelo Banco do Brasil contra ato da Procuradoria-Geral da Repblica para que a instituio financeira fornecesse a lista das empresas beneficirias de emprstimos, subsidiados pelo Tesouro Nacional, ao setor sucro-alcooleiro, alm de eventuais dbitos para com o banco. E, ainda, que o sigilo das informaes bancrias previsto no artigo 38 da Lei n. 4.595/64 no autorizava o Banco do Brasil a negar, ao Ministrio Pblico, os nomes dos beneficirios dos emprstimos, devendo imperar o princpio constitucional da publicidade dos atos administrativos (art. 37, caput, CF) e as regras que autorizam a requisio de informaes e documentos para instruir procedimento administrativo em defesa do patrimnio pblico. Verifique, ainda, na nota 17 (abaixo) entendimento anlogo, em relao aos poderes investigatrios conferidos s Comisses Parlamentares de Inqurito. 38

    Cfr. Alexandre de Moraes. Direito constitucional. 10 ed. So Paulo: Atlas, 2001. Pg. 92-4.

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    8.625/93 se aplica subsidiariamente aos Ministrios Pblicos Estaduais regulamenta a questo no artigo 8, incisos II, IV, VII39 e no pargrafo 2, o qual, por sua vez, explicita:

    Nenhuma autoridade poder opor ao Ministrio Pblico, sob qualquer pretexto, a exceo de sigilo, sem prejuzo da subsistncia do carter sigiloso da informao, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.

    O mesmo entendimento, em relao desnecessidade de autorizao judicial para a obteno de informaes ou documentos gravados pelos sigilos bancrios e fiscal, deve ser estendida ao sigilo telefnico, quando este incide apenas sobre dados ou registros telefnicos (p. ex., quais nmeros foram discados ou recebidos pelo telefone da pessoa investigada), no recaindo sobre o teor das conversas (inviolabilidade das comunicaes telefnicas). Nestas hipteses, os poderes investigatrios do Ministrio Pblico, destarte, no podem ceder ao direito da privacidade ou da intimidade da pessoa investigada40.

    Convm, ainda, ressaltar, com o intuito de evitar arbitrariedades, que, para que o Ministrio Pblico, decrete, por autoridade prpria, a quebra do sigilo bancrio, fiscal e/ou telefnico, em relao s pessoas investigadas, deve existir indcios que justifiquem a existncia concreta de causa provvel que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade/privacidade de quem est sob investigao), no contexto da investigao ampla dos fatos que ensejaram o inqurito civil41.

    Tambm, conquanto tal deciso implica restrio de direitos da pessoa investigada, deve ser, adequadamente, motivada, expondo-se as razes de fato e de direito que

    39 Nestes incisos esto explicitados: Para o exerccio de suas atribuies, o Ministrio Pblico da Unio

    poder, nos procedimentos da sua competncia: II requisitar informaes, exames, percias e documentos de autoridades da Administrao Pblica direta e indireta; IV requisitar informaes e diligncias investigatrias; VII ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de carter pblico ou relativo a servio de relevncia pblica. 40

    Em caso anlogo, com fundamento na existncia de poderes investigatrios, previstos pela Constituio Federal, s Comisses Parlamentares de Inqurito, o STF decidiu: O sigilo bancrio, o sigilo fiscal e o sigilo telefnico (sigilo este que incide sobre os dados/registros telefnicos e que no se identifica com a inviolabilidade das comunicaes telefnicas) ainda que representem projees especficas do direito intimidade, fundado no art. 5, X, da Carta Poltica no se revelam oponveis, em nosso sistema jurdico, s Comisses Parlamentares de Inqurito, eis que o ato que lhes decreta a quebra traduz natural derivao dos poderes de investigao que foram conferidos, pela Constituio da Repblica, aos rgos de investigao parlamentar (MS 23.452-RJ Tribunal Pleno rel. Min. Celso de Mello j. 16.09.1999 pub. DJU 12.05.2000, pg. 20). 41

    Cfr., mutatis mutandis, MS 23.452-RJ Tribunal Pleno rel. Min. Celso de Mello j. 16.09.1999 pub. DJU 12.05.2000, pg. 20.

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    justificam o ato decisrio42. Afinal, pela motivao que se permite verificar, a qualquer momento, a legalidade do ato43, o qual est sujeito a posterior controle jurisdicional (art. 5, inc. XXXV, CF). A motivao do ato pelo rgo do Ministrio Pblico permitir que o juiz verifique se houve transgresso ao regime das liberdades pblicas (ofensa aos direitos e garantias fundamentais), em razo de eventuais excessos cometidos, pelo parquet, no exerccio de sua competncia investigatria.

    Portanto, os artigos 129, incisos III, VI e VIII, da CF conferem, ao Ministrio Pblico, plenos poderes de requisio e de investigao, no se lhe opondo o sigilo legal, salvo quando a Constituio imponha a clusula de reserva de jurisdio (art. 5, incs. XI, XII e LXI, CF).

    guisa de ilustrao, o STJ - aplicando a Lei 8.825/93 (art. 26, inc. II), a LACP (art. 8) e o referido artigo 129 da CF que concede ao Ministrio Pblico autorizao para a requisio de informaes a entidades pblicas e privadas, visando instaurao de procedimentos judiciais ou administrativos - considerou que o parquet poderia requisitar os documentos inerentes transferncia do controle acionrio da empresa de telefonia celular OI, com dvidas na ordem de R$ 4.760.000.000,00 (quatro bilhes, setecentos e sessenta milhes de reais) por apenas R$ 1,00 (um real), com intuito de investigar a legalidade da operao44. Acrescentou, ainda, que - como o artigo 155, par. 1, da Lei das Sociedades Annimas (Lei 6.404/76, art. 155, par. 1), ao apontar como sigilosas informaes que ainda no foram divulgadas para o mercado, no se dirigiu ao Ministrio Pblico, havendo superposio da Lei Orgnica Nacional do Ministrio Pblico (art. 26, inc. II, Lei 8.825/93) o Ministrio Pblico poderia requisitar tais informaes por no haver sigilo em relao queles dados.

    Ademais, enquanto tramita o inqurito, todos os co-legitimados ou, ainda, qualquer pessoa pode oferecer subsdios para a instruo do inqurito civil. Trata-se de decorrncia do amplo direito constitucional de petio (art. 5, inc. XXXIV, letra a, CF45),

    42 Segundo a referida deciso do STF, no MS 23.452-RJ, nenhuma medida restritiva de direitos pode ser

    adotada pelo Poder Pblico, sem que o ato que a decrete seja adequadamente fundamentado pela autoridade estatal. 43

    Cfr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito administrativo. 14 ed. So Paulo: Atlas, 2002. Pg. 202-3. 44

    Cfr. REsp. 657.037-RJ 1 T. rel. Min. Francisco Falco j. 02.12.2004 pub. DJU 28.03.2005, pg. 214. 45

    so a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petio aos Poderes Pblicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

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    dando-se alcance ampliado ao artigo 9o, par. 2o, da Lei 7.347/85, que somente faz meno apresentao de razes ou documentos por parte das associaes legitimadas.

    Por fim, o rgo do Ministrio Pblico pode, no curso do inqurito civil, realizar audincias pblicas, com a finalidade de defender a obedincia, pelos poderes pblicos e pelos servios de relevncia pblica e social, dos direitos e garantias constitucionais46.

    3.8. Observncia do contraditrio e publicidade indevida

    O inqurito civil, como acima salientado, um mero procedimento, no um processo, no estando submetido exigncia do contraditrio e da ampla defesa.

    Porm, nada impede que o promotor de justia oua o investigado, o que poder inclusive servir para elucidar os fatos, obter documentos ou descobrir outras pessoas que conheam dos fatos, a fim de que o agente ministerial se convena se caso de propositura da ao civil pblica ou de arquivamento.

    Nesta hiptese, na notificao do investigado, deve constar a advertncia de que lhe facultado o acompanhamento por advogado. Tambm deve ser-lhe assegurado o direito de requerer a produo de contraprovas, como a juntada de documentos ou de outras diligncias, cuja convenincia e oportunidade ser analisada pelo rgo do Ministrio Pblico que presidir o inqurito civil.

    Entretanto, pode o presidente do inqurito procurar surpreender o agente (p.ex., que lana poluentes na atmosfera, tem depsito de lixo clandestino etc). Nestes casos, quando se impe o interesse da sociedade, fazendo-se analogia com o artigo 20 do CPP, admite-se a imposio de sigilo47.

    Portanto, como regra, pelo artigo 37, caput, da CF, o inqurito civil est submetido ao princpio da publicidade, podendo os interessados (inclusive o investigado e seu advogado) ter acesso ao procedimento, salvo quando for recomendvel o sigilo (aplicao

    46 Cfr. Art. 21 do Ato Normativo 02/04 da PGJ-PR.

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    anloga do artigo 20 do CPP) ou quando ele decorrer de imposio legal (p. ex., art. 8, da Lei 9.296/96, em relao interceptao telefnica).

    Nestes casos, quando se confere a indevida publicidade a informaes e/ou documentos, sobre os quais incide a clusula da reserva legal, o rgo do Ministrio Pblico pode estar cometendo conduta altamente censurvel - com, inclusive, conseqncias penais (p.ex., violao de sigilo funcional, profissional, bancrio, fiscal etc).

    As divulgaes de tais informaes revestida do absoluto grau de excepcionalidade, devendo existir justa causa para a revelao dos dados sigilosos, em razo da apurao ou da efetivao da responsabilidade penal, civil ou administrativa dos infratores (p. ex., a propositura da ao civil pblica; o oferecimento de denncia; a solicitao de abertura de inqurito policial; a remessa das informaes Corregedoria da Polcia Civil ou Militar, quando h o envolvimento de agentes policiais ou Corregedoria do Poder Judicirio ou do Ministrio Pblico, quando haja a participao suspeita de promotores ou de juzes etc).

    Nestas situaes excepcionais, a divulgao das informaes sigilosas justificada pelo relevante interesse social e, portanto, no gera ilegalidade48.

    3.9. Valorao dos elementos de prova colhidos no inqurito civil

    47 Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. Pontos controvertidos sobre o inqurito civil. Cit. Pg. 324.

    48 O STF, em relao s Comisses Parlamentares de Inqurito (que tm poderes investigatrios similares ao do

    Ministrio Pblico), decidiu: A Comisso Parlamentar de Inqurito, embora disponha, ex prpria auctoritate, de competncia para ter acesso a dados reservados, no pode, agindo arbitrariamente, conferir indevida publicidade a registros sobre os quais incide a clusula de reserva derivada do sigilo bancrio, do sigilo fiscal e do sigilo telefnico. Com a transmisso de informaes pertinentes aos dados reservados, transmite-se Comisso Parlamentar de Inqurito enquanto depositria desses elementos informativos -, a nota de confidencialidade relativa aos registros sigilosos. Constitui conduta altamente censurvel com todas as conseqncias jurdicas (inclusive aquelas de ordem penal) que dela possam resultar a transgresso, por qualquer membro de uma Comisso Parlamentar de Inqurito, do dever jurdico de respeitar e de preservar o sigilo concernente aos dados a ela transmitidos. Havendo justa causa e achando-se configurada a necessidade de revelar os dados sigilosos, seja no relatrio final dos trabalhos da Comisso Parlamentar de Inqurito (com razo justificadora da adoo de medidas a serem implementadas pelo Poder Pblico), seja para efeito das comunicaes destinadas ao Ministrio Pblico ou a outros rgos do Poder Pblico, para os fins a que se refere o art. 58, par. 3, da Constituio, seja, ainda, por razes imperiosas ditadas pelo interesse social a divulgao do segredo, precisamente porque legitimada pelos fins que a motivaram, no configura situao de ilicitude, muito embora traduza providncia revestida de absoluto grau de excepcionalidade (MS 23.452-RJ Tribunal Pleno rel. Min. Celso de Mello j. 16.09.1999 pub. DJU 12.05.2000, pg. 20).

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    Os elementos de convencimento colhidos, durante o inqurito civil, por no estarem sujeitos ao crivo do contraditrio, perante o juiz (terceiro-imparcial), tm valor relativo, devendo ser submetidos ao princpio do livre convencimento judicial (art. 131/CPC).

    Logo, como nosso ordenamento jurdico no adotou o sistema do tarifamento da prova, pode-se afirmar que o juiz tem liberdade para valorar os documentos e as informaes contidas no inqurito civil, as quais devem ceder s provas, colhidas sob o crivo do contraditrio49, quando estas se mostrem mais convincentes ou, quando menos, servem como indcios a serem considerados pelo magistrado durante a instruo probatria.

    Neste sentido, o artigo 19, pargrafo nico, da Lei 9.605/98, ao dispor sobre as sanes penais e administrativas derivadas de condutas ou atividades lesivas ao meio ambiente, afirma que a percia produzida no inqurito civil ou no juzo cvel poder ser aproveitada no processo penal, instaurando-se o contraditrio.

    Este posicionamento se justifica na medida em que o promotor de justia, freqentemente, vale-se de laudos, relatrios e pareceres provenientes de rgos pblicos especializados. So documentos pblicos que se revestem de presuno de legitimidade, uma vez que toda a atuao da Administrao deve se pautar pela legalidade. Verifica-se, pois, uma presuno relativa (iuris tantum) de validade, autenticidade e veracidade, conforme prev o artigo 364 do CPC, cabendo parte contrria impugnar esses atributos de legitimidade (arts. 387 e 390 do CPC)50.

    Ademais, historicamente, admite-se, na fase extraprocessual (durante o inqurito policial), a produo de percia, com a sua aceitao em juzo como prova pericial, sem contestao da sua validade ou com a exigncia de nova percia, o que, alis, em grande parte dos casos, seria invivel em razo do desaparecimento dos vestgios. Mutatis mutandis, o mesmo entendimento deve ser estendido ao inqurito civil (p. ex., quando j houver

    49 Vale ressaltar dois posicionamentos do STJ: i) As provas colhidas no inqurito [civil] tm valor probatrio

    relativo, porque colhidas sem a observncia do contraditrio, mas s podem ser desconsideradas quando h contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzidas sob a vigilncia do contraditrio (REsp. n. 476.660-MG rel. Mina. Eliana Calmon pub. DJU 04.08.2003); ii) As provas colhidas no inqurito civil, uma vez que instruem a pea vestibular, incorporam-se ao processo, devendo ser analisadas e devidamente valoradas pelo juiz (REsp. 644.944-MG 2 T. rel. Min. Joo Octvio de Noronha j. 17.02.2005 pub. DJU 21.03.2005, pg. 336). 50

    Cfr. Hamilton Alonso Jr. A valorao probatria do inqurito civil e suas conseqncias processuais. In: Ao civil pblica. Lei 7.347/1985 15 anos. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2002. Pg. 296.

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    desaparecido a emisso de gases, as partculas, os rudos, o derramamento de leo, a mortandade de peixes etc a configurar o dano ambiental)51.

    De qualquer forma, margem da discusso sobre a valorao probatria, os elementos de prova, colhidos durante o inqurito civil, so utilizados para a embasar o termo de ajustamento de conduta, que resulta de uma transao entre as partes envolvidas, ou a propositura da ao civil pblica.

    3.10. Arquivamento

    Convencido da inexistncia de fundamento para a ao civil, o rgo do Ministrio Pblico, de forma expressa e motivada (arts. 129, inc. VIII, da CF e 43, inc. III, da Lei 8.625/93), deve promover o arquivamento do inqurito ou das peas informativas e, sob pena de incorrer em falta grave, remet-los, no prazo de 3 (trs dias), ao Conselho Superior do Ministrio Pblico, de modo a no ficar a deciso a critrio exclusivo do rgo de execuo competente (art. 9o, caput, LACP).

    A inexistncia de fundamento, para que se d o arquivamento, deve ser absoluta. A mera complexidade da questo jurdica ou o difcil prognstico quanto ao sucesso da medida judicial no podem, evidentemente, ser invocados como razes do arquivamento52.

    Ao se exigir que o promotor de justia fundamente o arquivamento, est-se vedando o arquivamento implcito do inqurito civil, deixando de submet-lo ao controle do Conselho Superior. Isto deve ser evitado quando, por exemplo, no inqurito civil se apuram duas infraes ambientais - X e Y e/ou so investigadas duas pessoas Joo e Maria,

    51 Idem. Pg. 297.

    52 Cfr. Antonio Augusto de Mello de Camargo Ferraz. Apontamentos sobre o inqurito civil. Revista Justitia,

    1992, pg. 36. J entendeu, por exemplo, o Conselho Superior do Ministrio Pblico de So Paulo (CSMPSP 29 e 27): a) que se o impacto ambiental for insignificante (i.e., a supresso da vegetao, em rea rural, atingir extenso no superior a 0,10ha), o inqurito civil deve ser arquivado (O Conselho Superior do Ministrio Pblico homologar o arquivamento de inquritos civis ou assemelhados que tenham por objeto a supresso de vegetao em rea rural praticada de forma no continuada, em extenso no superior a 0,10ha, se as circunstncias da infrao no permitirem vislumbrar, desde logo, impacto significativo ao meio ambiente); b) que se a infrao ambiental consistir somente na falta de licena ou autorizao ambiental o inqurito deve ser arquivado, j que a matria deve encontrar soluo administrativa por parte dos rgos que detm poder de polcia (Sem prejuzo da responsabilizao do agente pblico, quando o caso, e de eventuais medidas na rbita criminal, o Conselho Superior do Ministrio Pblico homologar arquivamento de inquritos civis ou assemelhados que tenham por objeto infrao ambiental consistente apenas em falta de licena ou autorizao

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    mas o promotor de justia prope a ao civil pblica apenas em relao Joo, pela infrao ambiental X. Neste caso, dever o agente ministerial, sob pena de falta grave, submeter o arquivamento do inqurito, em relao infrao Y, supostamente cometida por Maria ao Conselho Superior, enviando os documentos e expondo os fundamentos pertinentes53.

    Caso no o faa, qualquer co-legitimado para a ao civil pblica ou mesmo o juiz, ao receber a petio inicial, pode representar ao Conselho Superior do Ministrio Pblico e denunciar a existncia de um arquivamento implcito.

    Quando o promotor de justia entender que o inqurito civil deve ser remetido ao Ministrio Pblico de outro estado ou ao Ministrio Pblico Federal, deve submeter tal deciso ao Conselho Superior do Ministrio Pblico, na medida em que estar havendo arquivamento do caso na esfera local54.

    Em qualquer hiptese, concordando o Conselho Superior com o arquivamento proposto, devolvem-se os autos origem. Rejeitando-o, comunica-se o fato ao Procurador-Geral de Justia com vista designao de outro rgo do Ministrio Pblico para o ajuizamento da ao (art. 9o, par. 4o, LACP).

    O compromisso de ajustamento de conduta, quando celebrado pelo Ministrio Pblico, nos autos do inqurito civil, enseja o seu arquivamento, necessitando, para se completar e operar efeitos vlidos, do conseqente arquivamento, total ou parcial do inqurito civil, pelo Conselho Superior55.

    ambiental, j que a matria deve encontrar soluo na rea dos rgos licenciadores, que contam com poder de polcia suficiente para o equacionamento da questo). 53

    Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O inqurito civil e o poder investigatrio do Ministrio Pblico. Cit. Pg. 239. Nesse sentido, dispe a Resoluo n. 510, de 2 de maio de 2005, do Conselho Superior do Ministrio Pblico do Estado do Paran: Vistos, relatados e discutidos os autos, o Conselho, por unanimidade, resolveu que deve ser submetido ao Conselho Superior do Ministrio Pblico, alm dos documentos pertinentes, os fundamentos que sustentam a no incluso de investigado em Ao Civil Pblica, promovida em relao aos demais. 54

    Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. Inqurito civil. Boletim Informativo ESMP, n. 3, 1996, pg. 3. 55

    O Ministrio Pblico de So Paulo, no artigo 2, par. 2, do Ato 052/92 PGJ/CSMP/CGMP, de 16.07.1992, imps que do termo de ajustamento de conduta conste, obrigatoriamente, a seguinte clusula: Este acordo produzir efeitos legais depois de homologado o arquivamento do respectivo inqurito civil pelo Conselho Superior do Ministrio Pblico. Cfr. dis Milar. Ao civil pblica por dano ao ambiente. In: Ao civil pblica. Lei 7.347/1985 15 anos. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2002. Pg. 205. No Paran, o Ato Normativo n. 02/2004 (que ainda no est em vigor) prope, todavia, outra soluo no artigo 20, pargrafos 7 e 8: Par. 7: Celebrado ou aditado o compromisso de ajustamento de conduta, por ofcio, o Promotor de Justia dar cincia ao Conselho Superior do Ministrio Pblico, assim como ao Centro de Apoio respectivo; Par. 8:

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    3.11. Rejeio do arquivamento pelo Conselho Superior

    No poder o Procurador-Geral de Justia nomear o mesmo rgo do Ministrio Pblico, que promoveu o arquivamento, para ajuizar a ao civil pblica, sob pena de violar a sua independncia funcional.

    Tal membro do Ministrio Pblico se torna suspeito para se manifestar nesta ao civil pblica, mesmo na qualidade de custos legis (art. 5o, par. 1o, LACP), uma vez que as partes tm direito de receber manifestao imparcial do Ministrio Pblico sobre o mrito da demanda coletiva. Caso intervenha o Promotor de Justia que presidiu o arquivamento, a ele pode ser oposta exceo de suspeio (art. 138, par. 1o, do CPC).

    Por outro lado, o Promotor de Justia que presidiu o inqurito civil, mesmo tendo colhido provas, tomado decises e praticado atos, no suspeito ou impedido para ajuizar a ao civil pblica. Aplica-se, por analogia, a Smula 234 do STJ56, na medida em que o inqurito civil serve como preparao para o exerccio responsvel das atribuies inerentes s funes institucionais do Ministrio Pblico.

    O rgo do Ministrio Pblico incumbido de ajuizar a ao civil pblica ou de prosseguir nas diligncias exerce atribuies delegadas do Conselho Superior, no lhe restando outra atitude seno a de cumprir o que lhe foi determinado.

    3.12. Ausncia de controle judicial no arquivamento

    Diferentemente do que ocorre no inqurito penal, cujo arquivamento est submetido ao controle judicial (art. 28 do CPP), no sistema adotado pela Lei 7.347/85, o arquivamento ato do rgo do Ministrio Pblico, sem necessidade de interferncia judicial. Trata-se de matria restrita ao mbito interna corporis do Ministrio Pblico.

    3.13. Reabertura do inqurito por novas provas

    Cumpridas as disposies do compromisso de ajustamento de conduta, o Promotor de Justia promover o arquivamento do procedimento investigatrio preliminar ou do inqurito civil respectivo, remetendo-os (...) ao Conselho Superior do Ministrio Pblico. 56

    A participao de membro do Ministrio Pblico na fase investigatria criminal no acarreta o seu impedimento ou suspeio para o oferecimento da denncia.

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    O arquivamento no impede a reabertura do caso, na hiptese de surgimento de novas provas, nem a propositura da ao por parte das demais entidades legitimadas para o seu exerccio57.

    Se o Conselho Superior determinar a converso do julgamento em diligncia, surgindo novas provas, reabre-se ao promotor de justia, autor do arquivamento, a oportunidade para reapreciar o inqurito, podendo, caso convencido, propor a ao civil pblica ou, na hiptese contrria, insistir no arquivamento58.

    No se pode argir conexo, continncia, litispendncia ou coisa julgada, para conseguir o trancamento do inqurito civil, pois tais fenmenos s ocorrem entre aes e o inqurito civil mera pea investigatria, onde no h partes, causa de pedir ou pedido.

    3.14. Concluso

    As investigaes do Ministrio Pblico devem ser instauradas e presididas com elevado senso de responsabilidade, pois inquritos civis e aes civis pblicas pouco ou mal fundamentados e o exibicionismo de alguns poucos integrantes da instituio provocaram reaes polticas contrrias atuao do Ministrio Pblico59.

    Acresce-se a isto que o exerccio irregular das funes tem gerado aes de responsabilidade civil de seus membros, porque uma investigao descabida ou uma demanda mal proposta pode provocar danos de difcil mensurao para quem investigado, seja uma pessoa fsica ou jurdica.

    Por isto, a instituio como um todo deve se proteger interna e externamente. Internamente, procurando disciplinar a atuao do agente ministerial, exigindo a

    57 Nesse sentido, dispe a Smula 16 do CSMP-SP: O membro do Ministrio Pblico que promoveu o

    arquivamento de inqurito civil ou de peas de informaes no est impedido de propor a ao civil pblica, se surgirem novas provas em decorrncia da converso do julgamento em diligncia. 58

    A Smula 17 do CSMP-SP assim preceitua: Convertido o julgamento em diligncia, reabre-se ao Promotor de Justia que tinha promovido o arquivamento do inqurito civil ou das peas de informao a oportunidade de reapreciar o caso, podendo manter sua posio favorvel ao arquivamento ou propor a ao civil pblica, como lhe parea mais adequado. Neste ltimo caso, desnecessria a remessa dos autos ao Conselho Superior, bastando comunicar o ajuizamento da ao por ofcio. 59

    Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O inqurito civil e o poder investigatrio do Ministrio Pblico. Cit. Pg. 244-5.

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    fundamentao, registro e autuao dos procedimentos investigatrios60, bem como diligenciar quanto ao andamento das investigaes, de modo a conter eventuais abusos, sem ferir a independncia funcional do promotor de justia. Externamente, reagindo ao discurso opressor e as tentativas legislativas de diminuio dos poderes do Ministrio Pblico. Nacionalmente, cabe ao Ministrio Pblico desenvolver polticas de proteo funcional e, em cada Estado da Federao, cabe as Associaes de Ministrios Pblicos, a formao de conselhos de tutela funcional e a contratao de advogados especializados para a defesa judicial de seus membros.

    De outro lado, no adianta nada insistir na fortificao dos poderes investigatrios do Ministrio Pblico se no criam condies necessrias para a sua efetiva atuao. Neste sentido, urgente a reviso da regra contida no artigo 20, inciso II, letra d, da Lei Complementar 101/2000, que, dos 60% (sessenta por cento) da receita lquida do Estado a ser gasta com pessoal, reserva ao Ministrio Pblico apenas 2% (dois por cento). A conseqncia disto a falta de promotores e de pessoal especializado (contadores, auditores etc.) o que, na prtica, inviabiliza a maior efetividade das indispensveis investigaes a serem produzidas. Em um pas onde todos os dias a imprensa informa escndalos de corrupo e malversao do dinheiro pblico, no investir na implementao de mecanismos investigatrios tornar inefetiva a atuao do Ministrio Pblico e do Poder Judicirio, condenando o pas a persistir na misria, carente de polticas pblicas indispensveis promoo da educao, sade e melhor distribuio de renda.

    4. Compromisso de ajustamento de conduta

    O compromisso de ajustamento de conduta est previsto no artigo 5o, par. 6o, da Lei 7.347/85, tendo sido introduzido pelo Cdigo de Defesa do Consumidor e contando com a seguinte redao: Os rgos pblicos legitimados podero tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta s exigncias legais, mediante cominaes, que ter eficcia de ttulo executivo extrajudicial.

    60 A propsito, o artigo 26 do Ato Normativo 02/04 do CSMP-PR, que, embora ainda no esteja em vigor, prev

    no artigo 26: Cada Promotoria de Justia manter controle atualizado do andamento de seus inquritos civis e aes civis pblicas ajuizadas, inclusive das fases recursais, remetendo, anualmente, aos Centros de Apoio respectivos, para fins estatsticos e de conhecimento. Pargrafo nico. O Promotor de Justia receber, de seu

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    Quanto natureza jurdica desse compromisso de ajustamento de conduta, controverte a doutrina.

    Fernando Grella Vieira afirma se tratar de transao, pois tal compromisso se destina a prevenir o litgio (propositura da ao civil pblica) ou por-lhe fim (ao em andamento), e ainda dotar o ente legitimado de ttulo executivo extrajudicial ou judicial, tornando lquida e certa a obrigao61.

    J para Paulo Cezar Pinheiro Carneiro no existe tecnicamente uma transao, porque esta pressupe concesses mtuas (arts. 1.025/CC-1916 e 840/CC), situao esta impossvel em sede de direitos difusos e coletivos, por se tratarem de direitos indisponveis62.

    De qualquer modo, para a celebrao do compromisso, indispensvel a reparao integral do dano, por ser de natureza indisponvel o direito violado. Logo, o objeto do compromisso deve ser o mesmo da ao civil que viesse a ser ou tenha sido ajuizada63. Com efeito, a conveno vai recair apenas sobre as condies de cumprimento das obrigaes (modo, tempo, lugar etc).

    Contudo, a liberdade de escolha das condies, em cada caso concreto, no absoluta, porque a discricionariedade deve ser exercida nos limites autorizados pela lei e pelos princpios jurdicos.

    Dessa maneira, se as condies de cumprimento das obrigaes ajustadas no termo de compromisso, em determinado caso, colidirem com o princpio da razoabilidade, sero ilegtimas e comprometero a validade da transao (v.g., a pesca predatria da lagosta no pode ser reparada com a doao de cestas bsicas, mas com a cessao da atividade lesiva e com a criao da espcie em cativeiro).

    antecessor, relatrio atualizado do andamento dos inquritos civis, procedimentos investigatrios preliminares e das aes civis pblicas ajuizadas pela Promotoria de Justia. 61

    Cfr. Fernando Grella Vieira. A transao na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos: compromisso de ajustamento de conduta. In: Ao civil pblica. Lei 7.347/1985 15 anos. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2002. Pg. 267-270. 62

    Cfr. A proteo dos direitos difusos atravs do compromisso de ajustamento de conduta previsto na lei que disciplina a ao civil pblica. 9 Congresso Nacional do Ministrio Pblico 1992. Livro de Teses, pg. 400. 63

    Cfr. dis Milar. Ao civil pblica por dano ao ambiente. Cit. Pg. 202.

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    Ainda quanto ao objeto, em matria de improbidade administrativa (v.g., agente pblico que autoriza a construo de um resort em rea de proteo ambiental), a possibilidade do termo de ajustamento restrita ao ressarcimento do dano e perda em favor do Poder Pblico da vantagem ilcita obtida, jamais no que se refere s demais sanes legais do ato de improbidade (como a perda do cargo pblico ou a responsabilizao criminal do agente), as quais apenas por meio de processo judicial competente (ao civil ou penal pblica) podem ser aplicadas aos responsveis64.

    Ademais, a eficcia do compromisso, como ttulo executivo extrajudicial (art. 585, inc. II, CPC), implica previso de obrigao certa quanto aos seus elementos constitutivos subjetivos e objetivos (isto , quanto aos sujeitos ativos e passivos da relao jurdico-material; quanto natureza de seu objeto e quanto identificao e individualizao deste, quando for o caso)65. Ainda, multa pecuniria pode ser inserida, com carter cominatrio e no compensatrio, para funcionar medida de coero indireta para influenciar o cumprimento espontneo da obrigao especfica.

    O compromisso de ajustamento de conduta, enquanto instrumento de transao, meio extintivo de obrigaes e pode ser celebrado em qualquer fase da investigao (durante o inqurito civil) ou no curso de ao civil pblica j ajuizada.

    Poder ocorrer, contudo, que a situao lesiva aos interesses tutelados reclame o atendimento de outras exigncias que no foram estabelecidas no compromisso, ou, ainda, que as obrigaes impostas e as condies do seu cumprimento sejam inadequadas recomposio do interesse ofendido66.

    Na primeira hiptese (da necessidade de serem atendidas outras exigncias), a transao ser vlida quanto ao que consagra, mas no impedir o ajuizamento de ao civil pblica para exigir do autor do dano a obrigao faltante. Essa soluo decorre, basicamente, da natureza indisponvel dos interesses, consoante disposto no par. 6o do art. 5o da Lei 7.347/85.

    64 Cfr. Fernando Grella Vieira. A transao na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos: compromisso de

    ajustamento de conduta. Cit. Pg. 281. 65

    Cfr. Cndido Rangel Dinamarco. Instituies de direito processual civil. Vol. IV. So Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 210.

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    Afinal, no o compromisso de ajustamento de conduta que, por si s, implica a extino das obrigaes, mas o efetivo atendimento das exigncias legais, no que se refere completa e integral reparao, que libera o causador da ilicitude e/ou do dano, justamente por se tratar de interesses indisponveis.

    Na segunda hiptese (de serem as obrigaes impostas e as condies de seu cumprimento inadequadas), existir um vcio propriamente dito.

    irrelevante a determinao da causa geradora do vcio, bastando demonstrar a inutilidade das obrigaes pactuadas ou das condies do seu cumprimento para que se legitime a pretenso quanto a invalidao judicial do compromisso.

    Nessa situao, a ao civil pblica deve ser ajuizada, por qualquer dos co-legitimados, com o escopo de desconstituir o compromisso, decorrendo o interesse processual da no participao desses co-legitimados na transao pactuada.

    Nas duas hipteses, o compromisso poder ser ignorado, pois a ao civil pblica ou visar ao fim supletivo ou ser cumulada com o pedido de desconstituio do compromisso.

    Entretanto, pode ocorrer que o compromisso seja obtido por rgo pblico que no tenha legitimidade para o caso concreto. Nessa hiptese, a transao no ter eficcia jurdica, pois consiste em um ato juridicamente inexistente, no havendo, sequer, necessidade de sua desconstituio.

    O compromisso, quando celebrado pelo Ministrio Pblico, nos autos do inqurito civil, enseja o seu arquivamento, necessitando, para se completar e operar efeitos vlidos, do conseqente arquivamento, total ou parcial do inqurito civil, pelo Conselho Superior.

    Por outro lado, no obstante o artigo 6, par. 5, da LACP no preveja a participao do Ministrio Pblico quando a iniciativa do compromisso de outro rgo

    66 Cfr. Fernando Grella Vieira. A transao na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos: compromisso de

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    pblico, indispensvel a sua participao, j que lhe cabe, institucionalmente, por determinao constitucional (art. 127, caput), a defesa dos interesses sociais e individuais indisponveis. Alis, deve-se fazer analogia com o pargrafo 1, daquele mesmo dispositivo, que obriga a interveno do agente ministerial quando no for parte no processo; se deve atuar no processo, onde j h a necessidade de observar as garantias processuais fundamentais (do contraditrio, da ampla defesa e do devido processo legal), com maior razo, a sua participao se justifica na esfera extraprocessual. Logo, a sua no interveno, nos mesmos moldes do artigo 84 do CPC, compromete a validade do compromisso de ajustamento de conduta67.

    Ademais, incumbir ao rgo do Ministrio Pblico fiscalizar o efetivo cumprimento do acordo.

    Cumpridas as obrigaes pactuadas, sero elas consideradas extintas, desde que integralmente reparado o dano, e, destarte, desaparecendo o interesse processual (de agir) dos legitimados.

    Deste modo, os demais co-legitimados, sob pena de violar o princpio da segurana jurdica, podero ajuizar a ao civil pblica, conforme acima analisado, somente para suprir omisso da transao (p. ex., prestao necessria, no includa no compromisso) ou em razo de vcio propriamente dito (p. ex., estabelecimento de obrigaes ou condies atentatrias finalidade da lei).

    Por outro lado, no cumpridas as obrigaes avenadas, o compromisso de ajustamento tem eficcia executiva, ensejando a execuo especfica da obrigao de fazer, no fazer ou de dar coisa certa e/ou a execuo por quantia certa (p. ex., em razo do descumprimento da multa cominatria68). Consiste, pois, em ttulo executivo extrajudicial, com fundamento no artigo 585, inciso II, do CPC69.

    ajustamento de conduta. Cit. Pg. 286-9. 67

    Idem. Pg. 274-6. 68

    A multa cominatria exigvel, a partir do descumprimento do compromisso de ajustamento de conduta, e independentemente do cumprimento da obrigao principal. 69

    dispensvel o comparecimento de testemunhas a esse compromisso, sendo suficiente que dele conste as assinaturas dos interessados e da entidade legitimada para que se caracterize como ttulo executivo extrajudicial. Neste sentido, j decidiu o STJ: Os acordos feitos com o IBAMA, prevendo multa diria em casos de degradao do meio-ambiente, mesmo quando no assinados por testemunhas, so ttulos executivos extrajudiciais e podem embasar qualquer execuo. No se aplica o CPC 585, mas o CDC 113, que, por no ter

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    5. Aprimoramentos na LACP

    Com vistas a aprimorar a tutela dos bens jurdicos coletivos, os especialistas discutem a partir de duas grandes propostas legislativas, o do chamado Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica e sob o Anteprojeto de Cdigo Brasileiro de Processos Coletivos.

    5.1. Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica

    O Instituto Ibero-Americano de Direito Processual surgiu, em 1957, com o intuito de realizar jornadas de estudos para o aperfeioamento do Direito Processual.

    Nas jornadas realizadas em Caracas, em 1967, decidiu-se elaborar Cdigos Modelo de Direito Processual Civil e Penal que servissem para orientar reformas legislativas nos pases latino-americanos, com vistas a maior integrao e uniformizao das regras existentes na regio. A idia era formar uma referncia padronizada e considerada internacionalmente moderna, a fim de que cada pas pudesse adaptar tais propostas sua realidade nacional.

    Tais Cdigos Modelos foram aprovados nas jornadas realizadas, no Rio de Janeiro, em 1988. J em 1989, a estruturas e as instituies previstas no Cdigo Modelo de Direito Processual Civil foram adotadas no Cdigo General del Proceso de Uruguay. No ano seguinte, modificam-se os Cdigos de Processos Civis da Costa Rica e da Colmbia tambm seguindo solues apontadas no Cdigo Modelo70. No Brasil, vrias reformas legislativas, como a da introduo da audincia preliminar do artigo 331 do CPC, foram tambm inspiradas no Cdigo Modelo.

    A idia de um Cdigo Modelo de Processos Coletivos foi sugesto do jurista brasileiro Antnio Gidi, durante o VII Seminrio Internacional, co-organizado pela Centro di Studi Giuridici Latino Americani, da Universit degli Studi di Roma-Tor Vergata, pelo Istituto talo-Latino Americano e pela Associazione di Studi Sociali Latino-Americani, em

    sido vetado formalmente pelo Presidente da Repblica, ainda permanece vlido na legislao brasileira (REsp. 213.947-MA 4 T. rel. Min. Barros Monteiro j. 28.05.2002 pub. DJU 16.09.2002, pg. 195).

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    maio de 2002, em Roma71. Nesta oportunidade, o Instituto Ibero-americano de Direito Processual constituiu Comisso formada pelos juristas Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antnio Gidi, com o intuito de elaborar uma Anteprojeto de Cdigo Modelo de Processo Coletivo para a Ibero-America.

    Em outubro de 2002, durante as Jornadas Ibero-Americanas de Direito Processual, em Montevidu, a proposta, elaborada pelos processualistas brasileiros, foi transformada em Anteprojeto.

    Entre os dias 22 a 26 de setembro de 2003, durante jornada realizada na Cidade do Mxico, foram feitas vrias sugestes ao Anteprojeto, tendo sido submetido a uma Comisso Revisora formada por Ada Pellegrini Grinover, Aluisio G. de Castro Mendes, Anbal Quiroga Leon, Antonio Gidi, Enrique M. Falcn, Jos Luiz Vzquez Sotelo, Kazuo Watanabe, Ramiro Bejarano Guzmn, Roberto Berizonce e Sergio Artavia. A redao definitiva foi revista pelo Professor uruguaio Angel Landoni Sosa e foi ento aprovado, em setembro de 2004, na jornada ocorrida em Caracas.

    O Cdigo Modelo, na sua origem, sofreu influncia direta no Cdigo de Defesa do Consumidor brasileiro, embora tenha sido ainda mais ambicioso, pois, indo alm das relaes de consumo, pretende formatar um novo modelo legislativo para todo o processo coletivo, desvinculando-o das regras tradicionais dos Cdigos de Processo Civil, de matriz individual, bem como de estatutos especficos como o do consumidor.

    A Proposta do Cdigo Modelo est estruturada em sete captulos: I Disposies gerais; II Dos provimentos jurisdicionais; III Dos processos coletivos em geral; IV Da ao coletiva reparatria dos danos individualmente sofridos; V Da conexo, da litispendncia e da coisa julgada; VI Da ao coletiva passiva; VII Das disposies finais.

    Inmeras so as inovaes trazidas pelo Cdigo Modelo, em relao legislao brasileira, destacando-se, dentre outras, as seguintes:

    70 Cfr. El Codigo Procesal Civil Modelo para Iberoamerica. Historia-antecedentes-exposicion de motivos. 3 ed.

    Montevideo: Fundacion de Cultura Universitria, 1999. Pg. 7. 71

    Cfr. Exposio de Motivos do Projeto de Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica.

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    a) Legitimidade ativa ad causam: o Cdigo Modelo amplia o rol dos legitimados ativos, alargando o acesso justia coletiva, para admitir, inclusive, que o indivduo, pessoa natural, ajuze a ao coletiva.

    Contudo, a ampliao da legitimao ativa veio acompanhada de requisitos especficos para a propositura da demanda coletiva, visando a um controle, no caso concreto, da seriedade, viabilidade e importncia da demanda coletiva.

    Para as demandas coletivas em geral, exige-se a representatividade adequada do legitimado e a relevncia social da tutela coletiva. Quanto tutela dos interesses individuais homogneos, necessrio auferir a predominncia das questes comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela coletiva no caso especfico.

    A preocupao com a representatividade adequada deriva da construo do direito norte-americano, onde a adequacy of representation um pressuposto de admissibilidade de toda class action. Cuida-se de uma forma de controle judicial das qualidades do autor da ao civil pblica, visando evitar que, pela propositura dessa ao por pessoa desqualificada, o bem jurdico coletivo no seja tutelado adequadamente, j que a coisa julgada salvo na improcedncia por falta de provas erga omnes ou ultra partes.

    Mais do que esta explicao processual, a representatividade adequada tem preocupaes democrticas. Quando grupos ou instituies sociais associaes civis, Ministrio Pblico etc atuam, em nome do cidado, a participao deste se d de forma indireta, devendo aquelas instituies bem representar o conjunto dos anseios populacionais na proteo do meio ambiente, patrimnio pblico, consumidor etc, enfim, do bem jurdico coletivo, objeto de tutela.

    Como o termo representatividade adequada um conceito jurdico indeterminado, o Cdigo Modelo procurou trazer alguns critrios para que o juiz examine tal representao, em relao ao representante e ao advogado, como (art. 2, par. 2): i) a competncia, honestidade, capacidade, prestgio e experincia; ii) o histrico na proteo judicial e extrajudicial dos interesses de grupo; iii) a conduta e participao no processo coletivo e em outros processos anteriores; iv) a coincidncia entre os interesses dos membros

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    do grupo, categoria ou classe e o objeto da demanda; v) o tempo de instituio e o grau de representatividade perante o grupo.

    Da forma como o dispositivo est redigido, os critrios de controle da representatividade adequada, pelo juiz, so exemplificativos. No entanto, os poderes do juiz devem ser adequadamente utilizados, sob pena de se criarem exigncias personalssimas que tornem difcil ou impossvel a propositura da ao coletiva, por determinado legitimado, ou, o que seria ainda mais grave, a formao de uma corrente jurisprudencial que, legitimando tais atuaes judiciais, reduzisse significativamente o acesso justia coletiva, valendo-se, por exemplo, de argumentos genricos como o da existncia de um acmulo de demandas que emperram o funcionamento do Poder Judicirio72.

    J o exame da relevncia social levar em considerao a natureza do bem jurdico, as caractersticas da leso e o nmero de pessoas atingidas.

    Ainda, no que concerne tutela dos interesses individuais homogneos, a exemplo do que ocorre nas class actions do direito norte-americano (de plena aplicao ao civil pblica reparatria dos danos individualmente sofridos73), o Cdigo Modelo exige, ainda, que exista a predominncia das questes comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela dos interesses individuais homogneos, no caso especfico74. Estes requisitos devem ser

    72 Cfr. lvaro Luiz Valery Mirra. Ao civil pblica em defesa do meio ambiente: a representao adequada dos

    entes intermedirios legitimados para a causa. In: Ao civil pblica aps 20 anos: efetividade e desafios. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2005. Pg. 55. 73

    A referida ao est regulamentada nos artigos 91 a 100 do CDC, tambm denominada de ao de classe brasileira, foi inspirada nas class actions for damages do direito norte-americano (rule 23 da Federal Rule of Civil Procedure de 1966), da onde se importam os requisitos da preponderncia e da utilidade. 74

    Exemplos retirados da jurisprudncia norte-americana: 1) Caso Cimino (Claude Cimino et alii v. Raymark Industries Inc. et alii; j. 21.09.1998): objetivando a reparao de danos provocados pelo asbesto, produto causador de uma srie de enfermidades como mesotelioma, cncer de pulmo, asbestose, enfermidades da pleura. Entendeu-se que as questes individuais predominavam sobre as comuns, porque as conseqncias variavam de acordo com cada litigante (tempo de exposio, intensidade do produto, enfermidade causada etc). O argumento contra a utilidade foi os problemas que surgiam quanto eficincia e justia da deciso, por haver uma