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XVI Seminário Temático
Provas e Exames e a escrita da história da educação matemática
Boa Vista – Roraima, 11 de abril a 13 de abril de 2018
Universidade Federal de Roraima ISSN: 2357-9889
Anais do XVI Seminário Temático – ISSN 2357-9889
ELEMENTOS DO SABER PROFISSIONAL DO PROFESSOR QUE
ENSINA MATEMÁTICA: entre provas e manuais pedagógicos
Viviane Barros Maciel1
RESUMO
Este texto integra um projeto maior que tem por temática o saber profissional do professor que
ensina matemática nos primeiros anos escolares. O texto visa contribuir com as análises da tese de
doutoramento, em desenvolvimento, na elaboração histórica de uma multiplicação para ensinar nos
manuais pedagógicos, no período entre 1880 e 1920. Busca-se responder à seguinte questão: que
elementos do saber profissional podem ser extraídos de provas e qual a relação entre estes e a
matemática para ensinar nos manuais pedagógicos? Para respondê-la, o texto se referencia em
autores que tomam os saberes objetivados como tema central do ensino e da formação docente. Os
resultados mostram mudanças nos elementos relativos ao método, graduação e processos de ensino
extraídos das provas de Aritmética. Estes elementos indicaram a passagem de uma multiplicação
para ensinar abstrata e propedêutica para uma intuitiva e utilitária, tendo em vista a multiplicação
para ensinar nos manuais pedagógicos. Do mesmo modo, elementos extraídos das provas de
Pedagogia articulados com a aritmética intuitiva a ensinar, averiguada no período, pode se inferir a
constituição de uma matemática para ensinar intuitiva, analítica e graduada.
Palavras-chave: Saber profissional. Matemática para ensinar. Formação de professor de
matemática.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
No cerne das discussões sobre as profissões do ensino e formação, o GHEMAT –
Grupo de Pesquisa em História da Educação do Brasil tem tomado como pivô central de
suas pesquisas o saber profissional do professor que ensina matemática nos primeiros anos
escolares. A pesquisa de doutoramento, em desenvolvimento, se vincula a esta temática, e
busca realizar uma análise histórica da multiplicação para ensinar nos manuais
pedagógicos (1880 – 1920).
1 Doutoranda da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Campus Guarulhos. E-mail:
XVI Seminário Temático
Provas e Exames e a escrita da história da educação matemática
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A multiplicação compõe a matemática para ensinar no ensino primário, em sentido
mais amplo, os saberes para ensinar. Os saberes para ensinar articulados aos saberes a
ensinar, definição dada pelos suíços, Hofstetter e Schneuwly (2009), têm contribuído na
compreensão de uma matemática para ensinar, tendo em conta uma matemática a ensinar.
De acordo com Bertini et al. (2017), a matemática para ensinar está ligada à matemática
como referência disciplinar, aos saberes científicos, aos saberes a ensinar e a matemática
para ensinar, aos saberes para o exercício profissão docente, saberes pedagógicos, que tem
na formação de professores lugar privilegiado para seu estudo, aos saberes para ensinar.
Para o estudo da matemática para ensinar, documentos como manuais pedagógicos,
livros didáticos, programas de ensino, revistas pedagógicas, cadernos, provas e exames,
constituem lugar privilegiado para estudo do saber profissional do professor que ensina
matemática, de uma parte, por serem elementos da cultura escolar, de outra parte, por
estarem carregados de saberes objetivados “representando herança sedimentada de saberes
comunicáveis passíveis de apropriação” (VALENTE, 2018, p.11, no prelo), os quais serão
considerados nesta pesquisa.
Assim, para este simpósio temático, que prioriza provas e exames na escrita da história
da educação matemática, buscar-se-á por respostas à seguinte questão: Que elementos
constituintes do saber profissional do professor de matemática podem ser extraídos de
provas e exames do final do século XIX e primeiras décadas do século XX ? Qual a
relação entre estes elementos e a matemática para ensinar nos manuais pedagógicos?
Objetiva-se, assim, articular a produção de elementos constituintes de uma aritmética
para ensinar, no curso primário, nos manuais pedagógicos, entre 1880 a 1920, bem como
verificar relações, potencialidades e contribuição de provas e exames na constituição destes
elementos.
ELEMENTOS DO SABER PROFISSIONAL DO PROFESSOR QUE ENSINA
MATEMÁTICA NOS MANUAIS
Na pesquisa de doutorado em desenvolvimento, à qual este texto se liga, se tem
tentado “decantar” uma aritmética para ensinar nas análises dos saberes nos manuais
pedagógicos. A metáfora da “decantação” se deve pelo fato desta aritmética não estar
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explícita nas páginas dos manuais e por este processo de busca e extração de saberes se dar
por etapas de modo a tentar “capturar métodos, didáticas, orientações pedagógicas que vão
se transformando em saberes objetivados conduzindo a um movimento de
institucionalização de saberes para ensinar referenciados em saberes a ensinar” (BERTINI
ET AL., 2017, p. 25). Assim, se espera que, ao final, processos de objetivação se
„sedimente‟ a essência destes saberes a fim de que se desvelem elementos do saber
profissional. Para Valente (2018)
Estes processos resultam na constituição dos saberes objetivados.
Envolvem tempo relativamente longo, situações de decantação, de
estabilização, de consensos sobre determinados saberes que vão
ganhando formas sistematizadas para se tornarem referência à formação
de professores, em termos da constituição de matérias de ensino, de
disciplinas escolares e científicas. Ter em conta processos de objetivação
leva-nos a considerar saberes “ainda não objetivados”,por exemplo,
saberes da ação. Mais precisamente, coloca-nos o desafio de estudar
historicamente como se articulam, ao longo do tempo, esses dois saberes:
objetivados, representando herança sedimentada de saberes comunicáveis
passíveis de apropriação; e saberes da ação, evidenciados na prática
pedagógica dos professores numa dada época histórica, transcritos sob
formas diversas, chegando até a atualidade por meio de transcrições de
relatos de experiências de práticas, de memórias da docência, de
anotações em cadernos de classe e de alunos etc.
(VALENTE, p. 11, grifos do autor, no prelo)
Um primeiro processo de objetivação foi o de elaborar questões aos manuais
relativas às orientações pedagógicas sobre o ensino da multiplicação, se mostrando um
tema fecundo para a visibilidade dos saberes para ensinar, uma vez que, conta com
variados processos, procedimentos, métodos e dispositivos didáticos etc. As questões se
ligaram às formas de introduzir, explicar, graduar, articular, generalizar um saber e
verificar o ensino do mesmo. Estas questões foram feitas aos manuais pedagógicos
indicados aos alunos da Escola Normal ou ao ensino no curso primário, entre 1880 e 1920.
Como resultado do primeiro processo de objetivação constatou-se que
transformações relativas aos métodos, processos, procedimentos, dispositivos didáticos,
finalidades etc., que até então prevaleciam, se encontravam articuladas à entrada de uma
aritmética intuitiva a ensinar, conforme Oliveira (2017). Dito de outro modo,
transformações nos saberes para ensinar que “tratam principalmente de saberes sobre “o
objeto” do trabalho de ensino e de formação [...], sobre as práticas pedagógicas [...] e sobre
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a instituição que define o seu campo de atividade profissional [...]” (HOFSTETTER E
SCHNEUWLY, 2017, p. 134), que parecem enunciar uma aritmética para ensinar no
período.
Pode-se, também, afirmar que, num primeiro processo desta objetivação, as análises
mostram uma multiplicação para ensinar muito próxima à multiplicação a ensinar. A
hipótese é que análises realizadas em diferentes escalas sejam capazes de determinar outros
níveis de objetivação, de forma que se sedimente uma multiplicação para ensinar um pouco
mais definida, objetivada.
Dentre as principais transformações que se nota, referente à introdução, é que de
uma introdução descritiva, esta passa a contar com o aparato de imagens, exemplos da vida
prática e até mesmo de problemas (a resolver ou resolvidos), uma introdução mais
intuitiva.
Em termos de explicação da multiplicação, novos dispositivos são acrescentados
ao ensino dos casos da multiplicação2, visando, especialmente, facilitar a memorização
pelo aluno do primeiro caso: a Tabuada de Pitágoras3, como é o caso do manual de
Monteiro de Souza (1910)4 a seguir (figura 1).
Figura 1: Tabuada de Pitágoras usada na explicação do primeiro caso da multiplicação
2 Os três casos da multiplicação, presente nos manuais do final do século XIX e início do século XX,
referiam-se à multiplicação entre dois números simples (de um só algarismo), primeiro caso; entre um
número simples e um número composto (mais de um algarismo),segundo caso, e entre dois números
compostos, este último, representando o terceiro caso. 3 O produto entre um algarismo da coluna da extrema esquerda (vertical) e um algarismo da linha da extrema
superior (horizontal) pode ser obtido tomando o algarismo que se encontra no cruzamento da linha pela
coluna nas quais estes algarismos se localizam, respectivamente. Valente e Pinheiro (2015) escrevem um
artigo em que mostram a permanência da cultura da memorização e a emergência de novos paradigmas para
o ensino da tabuada com o abandono do ensino conjunto das quatro operações fundamentais da Aritmética. 4 Disponível em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/159291.
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Fonte: Manual Monteiro de Souza, 1910, p.21.
Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/159291
Quanto à graduação ou progressão de ensino da multiplicação, a orientação para
ensinar a multiplicação é que a introdução seja seguida da explicação dos casos e que após
cada caso seja dada a regra geral. Neste ponto, as transformações que ocorrem é uma
simplificação das explicações dentro de cada caso, e a generalização que se dava logo após
a explicação de cada caso, vai sendo, aos poucos, substituída pelos princípios
multiplicativos, com exemplos e demonstrações.
A partir da explicação dos casos é que se passava aos exercícios e ou problemas
que, pouco a pouco, vão sendo usados como instrumentos de verificação do ensino de
multiplicação. De exemplos resolvidos ao final de cada caso de multiplicação, os
exercícios passavam a se estender no final da explicação da operação.
Para validar a operação de multiplicação, é mais comum nos manuais o dispositivo
conhecido como „prova dos noves‟, vindo logo após a explicação dos casos da
multiplicação. A prova dos noves vai aos poucos dando lugar à prova dada pelo produto da
inversão de multiplicando e multiplicado (fatores) até deixar de vez o tema multiplicação.
A validação ressurge no final do ensino da divisão, denominada de prova real, representada
pela operação inversa. Ou seja, o produto dividido por um dos fatores deverá ter como
quociente o outro fator, assim se tira a prova.
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Todas estas transformações ocorrem atreladas a uma aritmética intuitiva a ensinar.
De acordo com Oliveira (2017), a transição de uma aritmética antes propedêutica e abstrata
(na visão racionalista do filósofo francês Condorcet) para uma aritmética utilitarista e
intuitiva (na visão empirista do pedagogo suíço Pestalozzi), vai levar o saber de elementar,
a elementar científico, e depois para elementar psicológico5.
Neste período, de acordo com Valente (2017) „o saber para ensinar constitui-se
como ciência de formas intuitivas para a docência dos primeiros passos da aritmética e da
geometria‟ (p. 216). Segundo o autor:
Tal saber para ensinar penetra na cultura escolar e deixa-nos marcas até
hoje presente nas escolas. “Eu trabalho primeiro no concreto” é a
expressão comumente utilizada pelos professores que indica a filiação
longínqua que esse saber traz desde os tempos em que se afirma a
chamada vaga intuitiva na pedagogia”.
(VALENTE, 2017, p. 216, grifos do autor)
Desse modo, uma aritmética para ensinar vai se constituindo articulada a uma
aritmética intuitiva a ensinar, constatada neste período.
CONTRIBUIÇÕES DE PROVAS E EXAMES NA CONSTITUIÇÃO DE UMA
MATEMÁTICA PARA ENSINAR
O que se pode dizer com relação às provas e exames e a objetivação de saberes para
ensinar? Provas e exames é um tipo de documentação que dá visibilidade a estes saberes.
A prática de avaliar representa uma prática pedagógica: a de verificar o que foi ensinado.
Além disso, provas e exames integram um dos elementos constituintes de uma disciplina
escolar, segundo Chervel (1990): o aparelho docimológico. As avaliações, a exposição do
conteúdo, os exercícios, as práticas de motivação e incitação são quatro elementos
constituintes de uma disciplina segundo conforme este autor.
No Brasil, foram os exames finais impostos pelo regime de preparatórios – uma
exigência para entrada no secundário – que cederam espaço a outros instrumentos
avaliativos, como as provas parciais, segundo Valente (2008, p. 36). Especialmente, a
5 A tese de doutoramento de Pinheiro (2017) constata a existência de uma aritmética sob medida a ensinar
entre 1920 e 1950.
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partir de 1930, as salas de aula, divididas em níveis (seriação), e a ampliação do número de
alunos que frequentavam a escola, motivaram novas formas de avaliação. De acordo com
este autor, “esse tipo de avaliação, agora como instrumento de trabalho pedagógico do
professor – por ele elaborado, por ele aplicado e corrigido – sofre muitos questionamentos
inicialmente e deve ficar sujeito a um conjunto grande de normalizações para ser utilizado
pelos mestres” (VALENTE, 2008, p. 37). De acordo com este autor,
Os exames e provas escolares são documentos valiosos para, por
exemplo, estudo da apropriação realizada pelo cotidiano escolar das
reformas educacionais. Essa documentação cria a possibilidade, dentre
tantas outras coisas, de análise dos conteúdos selecionados pelos
professores como mais significativos de seu trabalho pedagógico com os
alunos; os exames e provas podem revelar também a concepção de
avaliação dominante num determinado contexto histórico; podem ainda,
através da análise dos enunciados dos exercícios e questões, possibilitar a
leitura que o cotidiano escolar realiza de uma determinada época
histórica; de parte dos alunos, as provas são instrumentos importantes
para análise de processos de resolução de exercícios e questões de um
determinado conteúdo escolar, além de possibilitar, através de inventário
das notas obtidas pelos alunos, o estudo do desempenho dos alunos de
diferentes épocas escolares, numa dada disciplina. (VALENTE, 2005,
p.179-180)
A análise desta citação mostra que as provas estão carregadas de saberes. Os
conteúdos compõem saberes, selecionados e priorizados, ensinados. Estes saberes,
ensinados, carregam em si, saberes para ensinar articulados aos conteúdos. Pode-se,
também, extrair das provas e exames, processos e procedimentos na resolução de uma
questão, aspectos ligados ao método, bem como dispositivos que foram ensinados. Além
disso, há questões nas provas que até podem indicam o manual utilizado, com uma
descrição idêntica ao modo que se apresentam nos manuais (MACIEL, 2012, p. 142-143).
Assim, um primeiro movimento de pesquisa foi procurar por provas6 nas quais os
saberes para ensinar pudessem se tornar mais visíveis. Os principais tipos de provas
presentes no RI-UFSC, neste período, são provas de concurso do ensino primário do final
do século XIX (a maioria de Sergipe); provas para provimento de cargos públicos (como
tabelião); provas de Pedagogia de alunos da Escola Normal etc.. Foram escolhidas duas
6 Deve-se aqui chamar a atenção para a dificuldade de se encontrar provas, mesmo com o projeto de
digitalização de fontes primárias do Ghemat. Todas as provas e exames aqui utilizados foram extraídos do
RI-UFSC, disponíveis em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/179772
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provas de Aritmética7 (1893 e 1915) e um grupo de provas de Pedagogia
8 (1906). Optou-se
por provas deste período, 1880 a 1920, a fim de possibilitar uma articulação entre a
aritmética intuitiva a ensinar averiguada pela pesquisa de Oliveira (2017) com os saberes
para ensinar extraídos destas.
Provas de Aritmética
As provas para cargos públicos geralmente eram realizadas após a conclusão do
secundário, porém, mesmo assim, havia provas em que pontos (temas) do ensino primário
eram cobrados, como é o caso da Prova de Aritmética para o cargo de „1º Tabelião da
Capital‟, do ex-aluno do Liceu de Goiás, João César Caldas, de acordo com Maciel (2012).
Além do Termo de Exame, se tem, também, a prova. Esta prova é datada de 29 de maio de
1893. Nela havia três questões, uma sobre multiplicação, outra sobre divisão seguida da
prova para validação da operação e, em terceiro lugar, uma que pedia a demonstração de
um teorema, referente aos princípios multiplicativos.
1º. Multiplicar um número composto 6739854 por 4637”;
2º. Dividir os dois números 278964 a 5370 e tirar a prova desta
divisão.
3º. Demonstrar o seguinte teorema, o produto de uma soma por
qualquer número é igual a soma dos produtos de cada parcela por
esse número.
(MACIEL, 2012, p.106)
As soluções a estas questões se deram de modo descritivo, em conformidade com
os manuais do final do século XIX: uma longa explicação e um exemplo, que segundo
Oliveira, isto caracterizava um ensino em que prevalecia a divisão científica do conteúdo,
uma marcha sintética, das partes para o todo, prevalecendo um ensino propedêutico.
Assim, como resposta à primeira questão o aluno diz que:
Multiplicar um número composto por outro é repetir o multiplicando
tantas vezes quantos são os algarismos do multiplicador. Ora, sendo o
multiplicando 6739854 um número composto e 4637 outro de igual
natureza, é claro que temos de repetir 6739854 sucessivamente pelos
algarismos 7,3,6,4, isto é, da direita para esquerda, achando o resultado
de cada multiplicação debaixo de algarismo pelo qual se opera, e assim
7 Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/179772 .
8 Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/179772 .
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procede-se até final; traça-se um risco orisontal [sic] por baixo desses
algarismos e soma-se -as, encontra-se, então, um todo que toma o nome
de produto ou resultado” (MACIEL, 2012, p.107).
O algoritmo da multiplicação se dava logo após a explicação da operação. A
segunda questão versava sobre a divisão. Dividir os dous numeros 278964 e 5370 e tirar a
prova dessa divizão [sic].. O aluno então respondeu que bastava para isso colocar o
número que se quisesse dividir à esquerda do divisor e procedia com a operação. Do
mesmo modo, ele trazia então a divisão e toda a explicação da prova com a solução.
(MACIEL, 2012, p.108).
No caso da terceira questão, o princípio multiplicativo questionado era um
desdobramento de que a inversão dos fatores de uma multiplicação conserva o produto. No
entanto, a demonstração numa prova infere aproximação com uma matemática anterior à
matemática intuitiva a ensinar averiguada por Oliveira (2017). O aluno, João Cézar
Caldas, apresenta um exemplo, no lugar de demonstrar: “Suppondo que sejam (2 + 5) × 8.
Esta multiplicação indica que (2 + 5) × 8 dá o mesmo resultado que se multiplicar-se 2
por 8 e 5 por 8, e somando-se essas duas parcelas, o que quer de uma de outra maneira
sempre dará 56. E assim fica demonstrado o theorema” (MACIEL, 2012, p. 108). A prova
contou com a assinatura de Arthur Napoleão, indicado como examinador de Aritmética e
Manoel Caiado professor de Língua Portuguesa, e a assinatura de Souza Morais, terceiro
examinador, que o julgaram “plenamente aprovado” para assumir o cargo público.
Também se tomou para análise uma prova de Aritmética para Concurso do Ensino
Primário, aplicada em Aracaju, Sergipe. Nela, há apenas a demonstração dos cálculos, sem
a descrição da mesma. Do mesmo modo, a prova consta de assinatura da banca, do
instrutor público e da aluna, Ilda Walois Galvão. A primeira questão é sobre adição e
subtração em um mesmo problema. A 2ª Questão da prova trata-se de um problema sobre
multiplicação. O problema diz: “comprei 186 metros de fazenda a 15$000 quanto paguei
ao negociante?” O aluno dá a solução logo após os três problemas: 186 x 15$000 = 2790 (o
aluno não coloca o „$000‟ ao final). Assim, uma multiplicação para ensinar entre dois
números compostos. No entanto, o aluno não coloca o multiplicador sobre o multiplicando
para resolvê-la como os manuais ensinam, fazendo uso do algoritmo da multiplicação, e
sim, em uma única linha. Como se fizesse uso do cálculo mental. Já a terceira questão
mescla multiplicação e subtração.
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Figura 3. Prova de Aritmética de Ilda Walois Galvão, Sergipe, 1915
Fonte: Provas e Exames - RI- UFSC
Nestes exemplos, tanto nos manuais, quanto nas provas, os saberes vão sofrendo
transformações, tais problemas resolvidos assim, se pode inferir que o cálculo mental
começa a ser cobrado também nas provas no final deste período. São mudanças que o saber
elementar a ensinar sofre para „saber elementar psicológico‟, conforme Oliveira (2017)
citado nas páginas iniciais. De acordo com Oliveira (2017), o manual de Arthur Thiré9
(1914) prioriza o cálculo mental como sendo um facilitador de aprendizagem. (THIRÉ,
1914, p.111) enunciando uma nova forma de ensino intuitivo da aritmética que, segundo
ele,
com vistas a ajustarem-se à finalidade de ensinar psicologicamente à Aritmética
do projeto alfabetizante da escola primária. Nesse projeto, os saberes escolares se
identificavam mais com a finalidade rudimentar que com a ideia de fundamentos
de um estudo mais avançado.
(OLIVEIRA, 2017, p.43)
Percebe-se, na prova de 1893, a ocorrência de um ensino abstrato e propedêutico e
a presença das explicações, geralmente, repetindo todo o procedimento usado nas
explicações aos casos, nos manuais pedagógicos, num momento que antecede à aritmética
intuitiva a ensinar, constatada por Oliveira (2017). Na prova de 1915, diferentemente, não
há uso da retórica para explicação dos cálculos. O aluno resolve a multiplicação fazendo
uso de uma sentença, em uma só linha: operação seguida da solução. O que enuncia
mudança nas finalidades de ensino da multiplicação: era preciso multiplicar “de cabeça”,
9 Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/96572 .
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de memória10
, fazendo uso do cálculo mental em problemas da vida prática. Problemas
para o ensino das operações. O ensino prático indica um ensino baseado em rudimentos
(VALENTE, 2016), ensinando-se o que é útil e não, com o objetivo de continuar ou
aprofundar um saber.
Provas de Pedagogia
A escolha pela Prova de Pedagogia para análise dos saberes se deu, especialmente,
a partir da leitura do trecho de Lussi Borer (2009) sobre os saberes de referência para
formar o professor primário. De acordo a autora, as escolas normais ofereciam uma
formação geral e uma profissional sob o controle da administração, geralmente o diretor. A
autora afirma que as escolas normais tinham pouca relação com as ciências da educação e
que quando se fazia a articulação era via direção da escola, que muitas vezes era o
professor da disciplina de Pedagogia. (LUSSI BORER, 2017, p. 178).
Também ao ler que os saberes para ensinar se evoluem. Segundo Lussi Borer
Tanto na formação para o ensino primário quanto para o secundário, os saberes
para ensinar evoluem: constituídos inicialmente por saberes teóricos em
pedagogia ou ciência da educação, estes pouco a pouco sofrem a concorrência
dos saberes metodológico-didáticos e psicológicos em um segundo momento,
seguidos pelos exercícios práticos ou estágios, que se tornam obrigatórios no
final do período.
(LUSSI BORER, 2017, p. 188)
Assim, provas de Pedagogia11
poderiam ser indicativas de saberes para ensinar.
Assim, nas provas analisadas, datadas de 17 dezembro de 1906, de alunos do quarto ano da
Escola Normal, anexa ao Liceu de Goiás12
, foram identificados saberes ligados à
metodologia.
10
De acordo com Oliveira (2017) em se tratando de Aritmética, a progressão psicológica do cálculo colocaria
em movimento a memória e outras faculdades através do chamado cálculo mental. 11
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/179772 . 12
A Escola Normal, anexa ao Liceu funcionava na Cidade de Goiás, Estado de Goiás. Grande parte da
documentação do Liceu está depositada no Centro de Referência do Estado de Goiás, na Cidade de Goiás. Há
também documentos no Museu das Bandeiras, na mesma cidade e documentos da Instrução Pública, nível
primário e secundário, no Arquivo Histórico Estadual de Goiás, em Goiânia, atual capital do Estado. Para
referências desta documentação, especialmente referente ao ensino secundário, consulte a dissertação de
Maciel (2012) presente no tópico “teses e dissertações” do Repositório Institucional (RI)- UFSC, Disponível
em https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1791
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A disciplina Pedagogia e Metodologia, de acordo com o Relatório de Instrução13
,
de José Xavier de Almeida, de 13 de maio de 1905 (p.21), estava presente no quarto ano da
Escola Normal:
primeiro ano, português, francês e geografia; segundo ano, português,
francês e geografia, compreendendo cosmografia e aritmética; terceiro
ano, português, aritmética, geometria e história universal; quarto ano,
história universal, pedagogia e metodologia e prática escolar.
(GOYAZ, RELATÓRIO DE INSTRUÇÃO -
1905, p.21, grifo nosso)
No início da prova constavam assinaturas do chefe da instrução pública, João Alves
de Castro, e dos professores que constituíam a banca examinadora, Gastão de Deus,
Aloízio Morais e A. Péricles. No final da prova escrita constavam as assinaturas da banca
com dando sua concordância (“concordo”), com as notas parciais, da prova escrita e oral, e
então a nota final com a aprovação, assinada pelo professor da disciplina de Pedagogia,
Joviano de Castro.
Na Prova de Pedagogia se cobrava como principal conteúdo, os princípios
didáticos. Os princípios didáticos nas respostas das alunas estavam em conformidade com
os princípios que se apresentam na segunda lição do manual de Helvécio de Andrade
(1913)14
, Curso de Pedagogia. Neste manual, a segunda parte „metodologia‟, é composta
primeiramente pelos métodos, seguido dos princípios didáticos e, por último, modos,
formas e processos de ensino. Antes de enunciar os princípios, o autor explica que a
didática é a parte da metodologia responsável por formular as principais regras no ensino e
que os princípios se dividem em três partes: uma relativa ao ensino, outra ao aluno e outra
ao mestre. Por se tratar dos mesmos princípios das provas encontradas, neste texto a
análise partirá dos manuais para as provas, nos princípios que possuem mais relações com
a aritmética intuitiva a ensinar averiguada.
13
Disponível em : http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u196/ . 14
Segundo o autor a obra dele tem a vantagem de oferecer um plano de estudos “methódico e coordenado”,
das matérias que constituem a pedagogia. Seu manual traz elementos de psicologia, pedologia, metodologia e
higiene escolar, elementos estes, segundo o autor, adquiridos pela observação ou pelos mestres das
respectivas cadeiras do curso normal. O autor ainda disse que suas lições são mais sintéticas que analíticas,
segundo a forma (itálico) das lições de Welch, claras e concisas. O autor afirma ser a pedagogia a ciência de
instruir e educar a criança, afirmando que ao mesmo tempo ela é uma arte. Que a psicologia é a base da
pedagogia, esta a parte prática, a psicologia a teórica, “completando-se”. (ANDRADE, 1913, prefácio).
Manual disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/133883 .
XVI Seminário Temático
Provas e Exames e a escrita da história da educação matemática
Boa Vista – Roraima, 11 de abril a 13 de abril de 2018
Universidade Federal de Roraima ISSN: 2357-9889
Anais do XVI Seminário Temático – ISSN 2357-9889
Nos princípios relativos ao ensino, este deveria ser: racional (leis da lógica e
faculdades mentais); intuitivo (instigando os sentidos, mostrando objetos); simples na
forma e elementar; o ensino deve ser analítico e depois sintético (pelas recapitulações),
prático (praticar para saber, baseado na vida prática); ensino moral, religioso e cívico;
matérias de ensino com conhecimentos simples passando para os complexos. Quanto aos
princípios, referentes aos alunos, este era enunciado em um só: o aluno deverá ser
convencido pelo mestre sobre a necessidade de aprender, de ter boa vontade para com a
escola despertando a curiosidade e o interesse, de modo a desenvolver a autonomia. Com
relação ao professor, tornar o ensino atraente, animado e variado, pondo em prática
diferentes métodos; ministrar lições de forma gradativa das muito fáceis às mais difíceis;
preservar a saúde do aluno e desenvolver as forças físicas através dos jogos e exercícios,
instruir os alunos na moral e religião. (ANDRADE, 1913, p. 86 – 88)
Figura: Prova de Pedagogia Oldrília Augusta d‟Ávila – Escola Normal – Goyaz - 1906
Fonte: Provas e Exames RI-UFSC
Os princípios didáticos são, na formação das normalistas, princípios para ensinar
uma matemática intuitiva a ensinar que vigorava no período, decantando, deste modo, uma
matemática para ensinar intuitiva, analítica e graduada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em conta uma aritmética intuitiva a ensinar neste período, averiguada pela
tese de doutorado de Oliveira (2017), as análises dos manuais pedagógicos, num primeiro
processo de objetivação, indicaram transformações que enunciam uma aritmética intuitiva
XVI Seminário Temático
Provas e Exames e a escrita da história da educação matemática
Boa Vista – Roraima, 11 de abril a 13 de abril de 2018
Universidade Federal de Roraima ISSN: 2357-9889
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para ensinar conformada com a aritmética a ensinar. Isto também foi evidenciado nas
análises de provas.
Ao se fazer o exercício de extração e análise de saberes para ensinar em provas de
Aritmética e de Pedagogia, elementos relativos aos métodos, processos e à graduação de
ensino emergiram. A Prova de Aritmética analisada, de 1893, mostrou uma aritmética
propedêutica e abstrata15
, enquanto que a de 1915 trazia uma aritmética com novos
elementos pedagógicos e métodos, o uso de problemas da vida prática para ensinar
multiplicação e o cálculo mental para resolvê-los, uma aritmética para ensinar intuitiva,
prática e utilitária, ambas em conformidade com os resultados apresentados por Oliveira
(2017). Na análise das provas de Pedagogia, os princípios didáticos cobrados dos
normalistas, se mostraram articulados a uma aritmética a ensinar do período. Desta
articulação pode se inferir que uma aritmética para ensinar se dá de forma intuitiva,
analítica e graduada.
As análises colaboraram com a extração de elementos dos saberes para ensinar e
para o delineamento de uma multiplicação para ensinar a partir de manuais pedagógicos e
de provas. Espera-se, continuando a pesquisa de doutorado a que este texto se vincula,
captar períodos em que estes elementos do saber profissional se estabilizem, possibilitando
o processo de objetivação e sistematização dos mesmos, e se tornando referência na
formação de professores que ensinam matemática.
REFERÊNCIAS
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matemática para ensinar: novos estudos sobre a formação de professores. São Paulo:
Editora Livraria da Física, 2017.
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Boeck Université. 7-40, 2009.
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ensino e da formação. In: HOFSTETTER, R. e VALENTE, W. R. Saberes em
(trans)formação: um tema central para a formação de professores. São Paulo: Editora
Livraria da Física, 2017.
15
Isto pode ser verificado em outros conteúdos e com outras provas do final do século XIX, no RI-UFSC.
XVI Seminário Temático
Provas e Exames e a escrita da história da educação matemática
Boa Vista – Roraima, 11 de abril a 13 de abril de 2018
Universidade Federal de Roraima ISSN: 2357-9889
Anais do XVI Seminário Temático – ISSN 2357-9889
LUSSI BORER, V. Saberes: uma questão crucial para a institucionalização da formação de
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tema central para a formação de professores. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2017.
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Colégio Pedro II: dinâmicas de circulação e apropriação da matemática escolar no Brasil
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