Émile Bréhier - O Antigo Estoicismo

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    O Antigo Estoicismopor mile Brhier

    Traduo de Miguel Ducls

    Fonte: www.consciencia.org

    Foram utilizadas as seguintes edies para o estabelecimento desse texto:

    Histoire de la Philosophie - Tome Premier, L'Antiquit et le Moyen Age - 2 - PriodeHellnistique et Romaine, Presses Universitaires de France, Paris, 1948.

    Historia de la Filosofa, 1vol., Traduccin por Demetrio Nez, Buenos Aires, EditorialSudamericana, 1948.

    E para cotejamento e comparao: Histria da Filosofa- Tomo Primeiro - A Antiguidade e aIdade Mdia - II - Perodo Helenstico e Romano, Traduo de Eduardo Sucupira Filho. EditoraMestre Jou, So Paulo, 1978.

    Chama-se poca helenstica o perodo de tempo durante o qual a cultura gregapassa a ser o bem comum de todos os pases mediterrneos, impondo-se, desde a mortede Alexandre at os dias das grandes conquistas romanas, do Egito a Sria at Roma eEspanha, nos meios judeus mdio instrudos como na nobreza romana. A lngua grega,na forma de dialeto comum (koin) o instrumento desta cultura.

    Em alguns aspectos este perodo um dos mais importantes da histria da

    civilizao ocidental. Assim como as influncias gregas chegam ao Extremo Oriente, demodo inverso, a partir das expedies de Alexandre vemos o Ocidente grego aberto sinfluncias do Oriente e do Extremo Oriente. Assim seguimos, em sua maturidade e emseu declnio brilhante, para uma filosofia que, longe das preocupaes polticas, aspiradescobrir as regras universais da conduta humana e conduzir as conscincias.Assistimos, durante este declnio, asceno gradual das religies orientais e docristianismo. Depois vem a invaso dos brbaros, a decomposio do imprio e o longorecolhimento silencioso que prepara a cultura moderna.

    I - Os Esticos e o Helenismo

    O grande sculo filosfico de Atenas, o sculo IV a.C., representa um magnficoimpulso idealista, que impregna de pensamento filosfico toda a civilizao, mas quelogo se detm e morre em dogmas cristalizados; um voltar-se para si dos homens querenega a cultura para no buscar apoio seno em si mesmo, na sua vontade tensa peloesforo, ou no gozo imediato de suas impresses. A partir do sculo IV a.C., as cincias,expulsas da filosofia, continuaro sua vida com autonomia, e o sculo III a.C. o sculode Euclides (330-270), de Arquimdes (287-212) e de Apolnio (260-240), um grandesculo para as matemticas e para a astronomia, enquanto que, no Museu de Alexandria,

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    cujo bibliotecrio o gegrafo Erasttenes (275-194), as cincias de observao e acrtica filolgica se desenvolvem paralelamente.

    Quanto filosofia, evidente que toma uma forma completamente nova e nocontinua nenhuma das direes que at ento tinha tomado. Os grandes dogmatismosque vemos nascer ento - estoicismo e e epicurismo - em nada se parecem ao que lhes

    precede; ainda que sejam muitos os pontos de contato com seus antecessores, seu

    esprito completamente novo. Este caracterizado por dois traos brilhantes: oprimeiro que impossvel ao homem encontrar regras de conduta ou alcanar afelicidade sem apoiar-se em uma concepo do universo determinada pela razo; ainvestigao acerca da natureza das coisas no tem um fim em si mesma, na satisfaoda curiosidade intelectual, mas exigem tambm a prtica. O segundo trao, mais oumenos manifesto, a tendncia disciplina de escola, segundo o qual o novo filsofono tem que buscar o que j foi encontrado antes e a razo e o raciocnio s servem paraconsolidar nele os dogmas da escola e dar-lhes uma segurana inabalvel; mas nestasescolas no se trata, muito menos, da investigao livre, desinteressada e ilimitada daverdade, mas de se assimilar uma verdade j encontrada.

    Atravs da primeira destas caractersticas, os novos dogmatismos rompiam coma incultura dos socrticos e devolviam filosofia a preocupao com o conhecimento

    racional; pela segunda, rompiam com o esprito platnico, ao no serem afeioados coma investigao independente, como o Plato socrtico, nem autoritrios e inquisidores,como o autor do livro X das Leis. Racionalismo, se se quer, mas racionalismodoutrinrio que encerra as questes, e no, como em Plato, raciocnio de mtodo queabre as questes.

    Tantos traos novos no foram aceitos sem resistncia, e j veremos quecontinua, no sculo III, por debaixo dos grandes dogmatismos, a tradio dos socrticos.

    Para compreender bem o alcance e o valor destes dois traos, convm perguntarquem eram os homens que introduziram estas novidades e como reagiram ante as novascircustncias histricas criadas pela hegemonia macednica.

    Atenas continua sendo o centro da filosofia, mas nenhum dos novos filsofos ateniense, nem mesmo grego continental. Todos os esticos conhecidos do sculo III

    so metecos vindos de pases que esto s margens do helenismo, da grande tradiocvica e pan-helnica, influenciados por muitas outras correntes que no a helnica, emespecial a dos povos vinhos da raa semita. Uma cidade de Chipre, Citio, deunascimento a Zeno, o fundador do estoicismo, e a seu discpulo Perseo; o segundofundador da escola, Crisipo, Antipater e Arquedemo tambm so de Tarso. De pases

    propriamente semitas vem Herilo de Cartago, discpulo de Zeno, e Boeto de Sidn,discpulo de Crisipo. Os procedentes das comarcas mais prximas so Cleantos deAssos (costa elia) e outros dois discpulos de Zeno, Estero de Bsforo e Dionsio deHeraclea, em Bitinia, sobre o Ponto Euxino. Na gerao que se segue de Crisipo,Digenes da Babilnia e Apolodoro de Selucia vem da remota Caldia.

    A maior parte destas cidades no tinha atrs de si, como as cidades da Grciacontinental, longas tradies de independncia nacional, e seus habitantes estavamacostumados a viajar at os mais longnquos pases por motivos comerciais. Se diz queo pai de Zeno de Ctio era um comerciante chipriota que, quando vinha a Atenas paraseus negcios, comprava livros dos socrticos, cuja leitura inspirou no filho o desejo deescutar tais mestres.[1]

    Mas estes semi brbaros se mantinham totalmente indiferentes poltica localdas cidades gregas. Assim o comprova a atitude poltica dos protagonistas da escoladurante o sculo que vai desde a morte de Alexandre (323) at a interveno dosromanos nos assuntos gregos, em 205.

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    Conhecemos as grandes linhas da histria poltica da Grcia nesta poca; umcampo fechado em que se enfrentam os sucessores de Alexandre, principalmente os reisda Macednia e os Ptolemeus. As cidades, ou ligas de cidades, no sabem fazer mais doque apoiar-se em uma das duas potncias para evitar serem dominadas pela outra. Aconstituio das cidades muda pela vontade dos senhores do momento que, conforme ocaso, se apiam no partido oligrquico ou democrtico. Atenas, em especial, nada faz

    seno sofrer passivamente os resultados de uma conflagrao que se estende por todo oOriente. Depois de uma v tentativa para recuperar sua independncia, Atenas seentrega, pela paz de Demades (322), ao macednico Antipater, que estabelece ali o seugoverno aristocrtico e torna-se dono de toda a Grcia. H um momento em que oregente da Macednia que o sucede, Polispercn, restabelece a democracia em Atenas,

    para assegurar uma aliana (319); mas Cassandro, o filho de Antipater, expulsa aPolispercn, restabelece o governo aristocrtico em Atenas, sob a presidncia deDemetrio Falreo, e se mantm na Grcia apesar dos esforos dos outros didocos,Antgono da sia e Ptolemeu, que se apiam na liga das cidades elias contra ele. Em307 verifica-se nova mudana. Demetrio Falreo expulso de Atenas pelo filho deAntgono da sia, Demetrio Poliorcetes, que devolve a Atenas sua liberdade,desempossa o macednio da Grcia inteira e se proclama seu libertador. Os atenienses,

    abandonados por ele, so bastante fortes para deter, com o auxlio da liga etlia, aCassandro da Macednia, que passa as Termpilas em 300 e derrotado em Elateia.Alguns anos (295) depois da morte de Cassandro, Demetrio Poliorcetes toma o trono daMacednia, que seus descendentes conservaro. A partir desse momento, a influnciamacednica predomina em Atenas quase sem oposio; apenas em 263, no reinado deAntgono Gonatas, filho de Demetrio, Ptolemeu Evergetes se declara protetor de Atenase do Peloponeso e Atenas, sustentada por ele e pela Lacedemnia, faz um ltimo e voesforo para recuperar sua independncia (Guerra de Cremnides). Desde ento, noencontra mais sucesso. Contudo, a resistncia aos macednicos ainda est viva noPeloponeso, onde a Macednia planeja apoiar sua influncia nos tiranetes das cidades.Em 251, Arato de Sicione estabelece a democracia em sua ptria, e depois, tomando a

    presidncia da liga aquia, expulsa os macednicos de quase todo o Peloponeso e

    reconquista Corinto. Mas, apesar de seus esforos, e ainda que planeje corromper comdinheiro o governador macednico da tica, no pode fazer entrar na liga os ateniensese busca apoio em Ptolemeu. conhecido o triste fim deste ltimo esforo da Grcia pelasua independncia; Arato encontra ante si um inimigo grego, Clemenes, rei deEsparta, renovador da antiga constituio espartana e aspirante a exercer de novo ahegemonia no Peloponeso. Contra tal inimigo, Arato chama como aliado os reis daMacednia, que, desde a morte de Policrates, eram tradicionais inimigos das liberdadesgregas. Antgono Doson e seu sucessor, Felipe V, o ajudam, efetivamente, a derrotarClemenes, mas voltam a se apoderar da Grcia at Corinto. Arato vtima de seu

    protetor, que o envenena, bem como a dois oradores atenienses que gostavam do povoem demasia. Por fim, os romanos, no ano 200, livram os atenienses do jugomacednico, mas no para lhes dar a independncia.

    Este o quadro em que se desenrola a histria do Antigo Estoicismo, presididapor seus trs grandes escolarcas: Zeno de Ctio (324-264), Cleanto (264-232) e Crisipo(232-204). Esta breve recapitulao histrica foi necessria para se compreender aatitude poltica estica, que perfeitamente clara. Entre as cidades gregas que fazem osltimos esforos para conservar suas antigas liberdades e os didocos, que fundamextensos estados, estes filsofos no duvidam: toda a sua simpatia para os didocos e,

    particularmente, para os reis da Macednia. Continuam assim a tradio dos cnicos,admiradores de Alexandre e Ciro. Zeno e Cleanto jamais pediram o direito de

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    cidadania ateniense, e Zeno, segundo relatos, se vangloriava do ttulo de Cidado deCtio[2] . Os reis concendiam-lhes ddivas e lisonjas, pois compreenderam que haviaem tais escolas uma fora moral que no podia se desprezar. Principalmente AntgonoGonatas um grande admirador de Zeno, escuta suas lies quando vai a Atenas,assim como depois as de Cleanto, e envia um e a outro subsdios. Quando morre Zeno,ele quem toma a iniciativa de pedir cidade de Atenas que erga um monumento sua

    honra no bairro de Cermico. Era umpersonagemsuficientemente importante para queno deixassem de visit-lo os embaixadores que Ptolemeu enviava a Atenas. [3]Antgono gostava de rodear-se de filsofos; tinha um na sua corte, Arato de Soles, autorde Fenmenos, onde se encontra exposta a astronomia de Eudoxio; quis levar consigoZeno, como conselheiro e diretor de conscincia; este, j ancio, recusou, mas lheenviou dois de seus discpulos: Filnides de Tebas e Perseu, jovem de Ctio que haviasido seu servidor e cuja educao filosfica havia orientado. Perseu se converteu numcorteso, e sua influncia era intensa o bastante para receber as adulaes do esticoAristn, se dermos crdito ao poema satrico de Tmon. Muitos anos depois, em 243, oencontramos como chefe da guarnio macednica de Acrocorinto no momento em quea cidade sitiada por Arato de Sicione, e parece que perdeu a vida defendendo a causamacednica contra as liberdades da Grcia.Ns o vemos intervir nas negociaes que

    um outro filsofo megrico, Menedemo de Eretria, poltico importante de sua cidadenatal, tinha entabulado com Antgono para livrar a Eretria dos tiranos e estabelecer nelaa democracia. E Perseu, ao que parece, serviu somente poltica macednica,sustentada por toda a parte pelos tiranos, quando procura impedir que Antgonosatisfaa as peties de Menesdemo.[4]

    Assim como Zeno envia a Perseu Antgono, Cleanto envia Esfero PtolemeuEvergetes. Este Esfero era o mestre estico que havia ensinado filosofia em Esparta,onde contava entre seus alunos Clemenes, [5] que restabeleceu em Esparta aconstituio de Licurgo e se inspirou, talvez, no estoicismo para suas reformas polticas;mas na realidade, carecia do esprito helnico que animava seu inimigo, o chefe da LigaAquea, Arato de Sicione.

    O universo poltico do esticos , pois, muito distinto do de Plato. Se

    conservam na cidade de Atenas postos de considerao, no so nela conselheirospolticos; Digenes Larcio (VII, 10) nos transmitiu os decretos pelo qual o povoateniense concedia a Zeno uma coroa de ouro e uma sepultura de no cermico. E ali sedizia: "Zeno de Ctio, filho de Mnseas, ensinou filosofia durante anos em nossacidade, era um homem de bem, aconselhava a virtude e a temperana aos jovens que o

    procuravam, os punha no bom caminho e oferecia a todos, como exemplo, sua prpriavida, que estava de acordo com as teorias que predicava". H a maior admirao porsuas qualidades morais, mas nenhum vestgio de seu papel poltico.

    II - Como Conhecemos o Antigo Estoicismo

    No temos seno um conhecimento indireto dos ensinamentos de Zeno e deCrisipo. Dos numerosos tratados de Zeno e dos setecentos e cinco de Crisipo no restamais do que uma parte dos ttulos, conservados por Digenes Larcio, e alguns brevesfragmentos. As nicas obras esticas que possumos, as de Seneca, Epicteto e MarcoAurlio so da poca imperial, quatro sculos depois da fundao do estoicismo.Buscando as caractersticas que o antigo estoicismo deixou nos seus prprios escritoresou em outros, se pode reconstituir seus ensinamentos, ainda que com grandedificuldade, porque nossas principais fontes so de poca muito posterior. Umas

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    procedem dos eclticos, como Ccero, cujos escritos filosficos so de meados dosculo I. a.C, ou como Flon de Alexandria (incio da nossa era); outras, de adversrios,como Plutarco, que, no final do sculo I escreveu as obras Contra os Esticos eContradies dos Esticos, ou o ctico Sexto Emprico, do final do sculo II da nossaera, ou do mdico Galeno, que na mesma poca escreveu contra Crisipo; e finalmente os

    padres da Igreja, e em particular Orgenes, no sculo III. Essas exposies, parciais ou

    adversrias, tudo o que resta ao todo, se deixarmos de lado a principal fonteconstituda pelo compndio de lgica estica que Digenes Larcio no seu livro VII,retirou do Resumo de Filsofos de Diocles Magnsio, um cnico amigo de Meleagro deGadara, que vivia no comeo do primeiro sculo antes da nossa era. Salvo essa exceo,toda essa literatura nasceu de conflitos que existiram desde o sculo II d.C., entre odogmatismo estico e a Academia dos cticos. Assim, a principal fonte acerca dadoutrina estica do conhecimento est nos Acadmicos de Ccero, que foi escritaexpressamente para combat-la. Este esprito polmico desfavorecia uma exposioserena e exata, e Plutarco, principalmente, deturpa muitas vezes o pensamento dosesticos para melhor coloc-los em contradio consigo mesmos. Ademais, estesescritos so de poca tardias e, a menos que os autores destas doutrinas sejamdesignados pelos seus nomes, muitas vezes fica difcil fazer uma separao entre as

    opinies dos esticos antigos, os do sculo III a. C, e as opinies dos esticos mdios,os do sculo II e I a.C. H tambm no desenvolvimento do Antigo Estoicismodivergncias que diminuem a concordncia geral. No se deve, pois, disfarar o carteralgo artificial de uma exposio panormica do estoicismo, j que feita com to

    poucos dados. Partindo da doutrina de Zeno, indicaremos aproximadamente o que seussucessores Cleanto, ou Crisipo, modificaram nela.

    III - As Origens do Estoicismo

    Zeno de Ctio foi aluno de Crates, o cnico, de Estilpn, o megrico, deXencrates e de Polmon, dirigentes da Academia. Estava em frequente relao com

    Diodoro Cronos e seu discpulo Flon, o dialtico. A est um grupo de influncias bemvariadas. Zeno se vangloriava de "ler os antigos" e sua doutrina se considera em certosaspectos como uma renovao do heraclitismo. Mas estas influncias assinaladas peloshistoriadores antigos (em particular Apollonius de Tyr, em seu livro Sobre Zeno)[6]continuam deixando enigmtica a ecloso do estoicismo. Sem dvida, pegou dosmegricos o gosto por esta dialtica seca e abstrata que caracteriza o ensino doestoicismo antigo. Ademais, aquele que mais frequentou, Estlpon, passa por haver tidoo mesmo desdm que os cnicos tinham pelos preconceitos e por haver posto o bemsoberano na alma impassvel[7] . O acadmico Xencrates exagerava, de sua parte, o

    papel da virtude, que tinha como condio para a felicidade [8] . Polemon aceitava,como os cnicos, o valor superior da ascese sobre a educao meramente dialtica, edefinia a vida perfeita como uma vida de acordo com a natureza. Espeusipo, de sua

    parte, no havia se levantado contra o prazer quase com tanta violncia quantoAnttenes? Todo esse movimento, rigorista e naturalista, generalizado nas escolas napoca de Alexandre, contriburam para afirmar e reforar a influncia do cnico Crates,mais moderado, entretanto, pelas doutrinas menos exaltadas da Academia.

    Mas h ainda grande distncia entre estas influncias gerais e a doutrina estica,que no se reduz a uma pedagogia moral, mas uma ampla viso do universo que irdominar o pensamento filosfico e religioso durante a toda antiguidade e parte dos

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    tempos modernos. H no estoicismo algo como um novo zarpar e no a continuao dasagonizantes escolas socrticas.

    Devemos procurar suas origens no solo grego? Provavelmente sim, pelo menosem parte. O pensamento do sculo IV no se esgota nem no conceitualismo deAristteles e de Plato e nem nos ensinamentos dos socrticos, mas se mostra muitomais diversificado. As escolas mdicas eram prsperas, e se ocupavam cuidadosamente

    das questes da natureza da alma e da estrutura do universo. Recordemos as inesperadasaparies da medicina no Fedro e, sobretudo, no Timeu de Plato.Em seu livro Contra Juliano, o mdico Galeno, uma das melhores fontes para a

    histria do estoicismo, nos ensina que Zeno, Crisipo e outros esticos escreveramamplamente sobre as doenas; que, de resto, uma escola mdica, a escola metdica, sedizia inspirada por Zeno, e finalmente, que as teorias mdicas dos esticos eram asmesmas de Aristteles e de Plato. Ele as resume assim: H no corpo vivo quatroqualidade opostas, duas a duas: o quente e o frio, o seco e o mido; estas qualidades temcomo suporte quatro humores: blis e atrablis, o fleuma cido e o fleuma salgado; asade se deve mistura acertada destas quatro qualidades, e a doena (ao menos adoena de regime) se deve ao excesso ou carncia de uma destas qualidades, ainda queoutras enfermidades se originem na ruptura da continuidade das partes do corpo.

    Acontece tambm que estas e outras opinies fsicas dos esticos (sobre o assento daalma no corao, sobre a digesto, sobre a durao da gravidez), so afastadas por Flonde Alexandria[9] como opinies tomadas dos mdicos pelos filsofos da natureza.

    Se pode precisar o alcance destes exames graas aos fragmentos que restam daobra de Diokles de Karystos, um mdico do sculo IV citado por Aristteles. Segundoesta doutrina fisolgica atribuda aos esticos, Diokles pensava que todos os fenmenosda vida dos animais so governadas pelo quente e o frio, o seco e o mido, e que h emcada corpo vivo um calor inato que, ao alterar os alimentos ingeridos, produz os quatrohumores: o sangue, a blis e os dois fleumas, cujas propores explicam a sade e adoena. Mas, por outro lado, vemo-os admitir que o ar externo, atrado at o corao

    pela laringe, o esfago e os poros, se converte dentro do corao no sopro psiqico emque reside a inteligncia, d temperatura e sustenta o corpo, se estendendo por todo ele,

    e origina os movimentos voluntrios. "Os corpos vivos, diz Diokles, so assimcompostos de duas coisas, o que conduz e o que conduzido. O que conduz a

    potncia, o que levado ao corpo". Muitas doenas devem-se obstruo destapotncia, idntica ao sopro, quando impedida de circular pelos vasos por causa daacumulao de humores.

    Anlogas so as teorias dos esticos sobre o ser vivo, mas a explicao para elesse generaliza e todo corpo, animado ou inanimado, concebido maneira de um servivo. H nele um sopro (pneuma) cuja tenso sustenta as partes. As diversas gradaesde tenso explicam a dureza do ferro assim como a solidez da pedra. O universo todo(como no Timeu, to impregnado de idias mdicas) tambm um ser vivo cuja alma,sopro gneo estendido atravs de todas as coisas, sustenta as partes.

    Idias mdicas procedentes da filosofia pr-socrtica e que sistematizam denovo em uma fsica e uma cosmologia, parecem ser a origem da imagem estica douniverso. Por outro lado, os esticos no so os primeiros que, nesta poca, a partir deteorias mdicas, instituram uma cosmologia vitalista. Tambm existiram pitagricosna segunda metade do sculo IV. Aristxeno de Tarento, discpulo de Aristteles econhecido por defender que a alma era a harmonia do corpo, havia escutado aqueles

    pitagricos e nos deixou o nome de quatro deles[10] . Alexandre Polihstor, polgrafodo sculo I a.C., nos deixou um resumo da cosmologia pitagrica, retirado das NotasPitagricas. Esta cosmologia concorda em detalhes com as opinies dos jnicos do

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    ltimo perodo (Alcmon e Digenes) e com as dos mdicos do sculo IV: teoria dospares de fora, quente e frio, seco e mido, cuja distribuio desigual produz asdiferentes estaes no mundo e as doenas no corpo; carter divino do calor, causa davida, cujos raios emanados do sol produzem a vida das coisas; a alma, fragmento de terquente mesclado ao frio e imortal como o ser de onde procede, alimentada de efluviosde sangue; a razo, de onde emanam as sensaes; e outras tantas caractersticas que

    no necessrio explicar - como se tem feito - como uma influncia tardia dos esticossobre os neopitagricos II ou I sculo, j que todos coicidem numa poca anterior aoestoicismo. Desde logo, alguns, como a trplice diviso da alma em razo (frnes),inteligncia (nous) e corao (thymn) tm, segundo a expresso de que servem, umaspecto muito antiquado. Este pitagorismo, impregnado de idias fsicas e mdicas,ento precedeu o estoicismo. No mais, observamos que a teoria da alma-harmonia deAristxenes de Tarento est em estreita ligao com as idias mdicas; o carter musicalda metfora quase desaparece quando essa harmonia se compara saude do corpo,

    baseada na participao igual dos quatro elementos [11] . Tem como compensao ateoria mdica da vida e a teoria cosmolgica dos pitagricos que nos d AlexandrePolihstor.

    Assim se reconstitua o vitalismo mdico, que difere to fortemente do

    mecanismo matemtico para o qual tendia Plato. E o mundo animado dos esticosvem evidentemente de uma tradio jnica, visvel, por outro lado, at no mundomatematizado de Plato, considerado no Timeu como um ser vivo. Mas, ainda queadmitidas estas influncias, o principal continua sem se explicar. No lugar que osesticos do a Deus, na maneira como concebem a relaao de Deus com o homem ecom o universo, h traos novos que jamais havamos encontrado entre os gregos. ODeus helnico, o do mito popular, igual ao bem de Plato ou o pensamento deAristteles, um ser que tem, por assim dizer, sua vida a parte e que, em sua existncia

    perfeita, ignora as agitaes e os males da humanidade, bem como as vicissitudes domundo; o ideal do homem e do universo, mas no atua sobre ele a no ser pela atraode sua beleza; sua vontade nada tem a ver com eles e Plato condena os que crem quese pode comov-lo com preces. Tambm havia condenado Plato, por certo, as velhas

    crenas que admitiam um deus cioso de suas prerrogativas; mas a bondade que eleopunha a este zelo uma perfeio intelectual que nada tem de bondade moral, e a cujorespeito a ordem do mundo como uma irradiao sua. Sem dvida tambm, ao ladodestes Olmpicos, os gregos reconheciam em Dionisos um deus, cujas mortes erenascimentos peridicos davam um ritmo vida dos seus fiis; a f se associa ao dramadivino; sofrendo e gozando de algum modo a paixo de deus, se identifica com elemediante a orgia mstica; tampouco no culto bquico o deus desce at o homem, masdeixa que o homem se eleve at ele.

    Mas o deus dos esticos no um olmpico nem um Dionisos, um deus quevive em sociedade com os homens, com os seres racionais, e que dispe todas as coisasdo universo em favor deles. Sua potncia penetra todas as coisas e nenhum detalhe, pornfimo que seja, escapa sua providncia. uma maneira completamente nova deconceber a relao divina com o homem e com o universo. J no aquele solitrioestranho ao mundo que atrai por sua beleza, ele o autor mesmo do mundo, cujo planoconcebeu em seu pensamento. A virtude do sbio no nem a assimilao de Deus quesonhava Plato, nem a simples virtude cvica e poltica que pintava Aristteles; ela aaceitao da obra divina e a colaborao desta obra graas inteligncia do sbio. Estaqui a idia semtica do Deus todo-poderoso que governa o destino dos homens e dascoisas, to diferente da concepo helnica. Zeno, o fencio, vai dar o tom aohelenismo. Certamente, esta no uma importao brusca dentro do pensamento grego:

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    o Deus de Plato, no Timeu, um demiurgo, o das Leis se ocupa dos homens e dirige oUniverso em todos os detalhes, e o deus de Scrates e de Xenofonte, que deu aoshomens seus sentidos, inclinaes e inteligncia, os guia tambm mediante os orculose a adivinhao. Anunciava-se assim o tema demirgico e providencialista que comZeno se converte na chave da filosofia. Veremos, na continuao desta histria, comoestas duas concepes - semita e helnica - fundem-se e s vezes se enfrentam com

    pleno conhecimento de suas divergncias, e talvez encontraremos nas diversas formasque seu conflito toma, at a poca contempornea, uma das mais profundas oposiesda natureza humana.

    IV - O Racionalismo Estico

    A este tema fundamental se subordina o resto da doutrina. Zeno , sobretudo, oprofeta do logos, e a filosofia nada mais do que a conscincia que se toma de que nadaexiste parte dele. "cincia das coisas humanas e divinas", isto , de tudo o que racional, ou seja, de todas as coisas, visto que a natureza mesma se considera absorvidanas coisas divinas. Sua tarefa est, desde logo, totalmente determinada, e, quer ela trate

    da lgica e da teoria do conhecimento ou da moral da fsica ou da psicologia, emqualquer caso, h que se eliminar o irracional e crer que apenas a pura razo atua tantona natureza como na conduta. Mas este racionalismo no deve iludir-nos. No , demodo algum, o sucessor do racionalismo da inteligncia ou do intelectualismo deScrates, Plato, Aristteles. Este racionalismo baseava toda a sua realidade em ummtodo dialtico que permitira ultrapassar os dados do sentido e alcanar formas

    brilhantes ou essncias inteligveis. No se v nenhum procedimento deste gnero nodogmatismo estico. Aqui no se trata de ultrapassar os dados imediatos e sensveis.Mas, pelo contrrio de procurar que a razo tome corpo neles, e no h nenhum

    progresso entre o sensvel e o racional, porque no se v diferenas entre eles. Ali ondePlato acumula as diferenas, para fazer-nois sair da caverna, o estico no v senoidentidades. Como nos mitos gregos, as lendas de deuses permanecem margem das

    histrias dos homens, enquanto que, na Bblia, a histria humana por si mesma umdrama divino; assim, no platonismo, o inteligvel est margem do sensvel, enquantoque, para o estoicismo, precisamente nas coisas sensveis que a razo adquire a

    plenitude de sua realidade.Da a solidariedade necessria das trs partes da filosofia: lgica, fsica e tica,

    nas quais, como os platnicos, distribuem os esticos os problemas filosficos. Longedeles est que cada uma destas trs partes pode guardar, graas diversidade de seuobjeto, uma certa autonomia (apesar de que a moral, por exemplo, em Aristteles, podedegenerar em uma espcie de descrio de caracteres, independente do resto dafilosofia.) Ao contrrio, tais partes esto indissoluvelmente unidas, posto que somenteuma e a mesma razo que, na dialtica, encadeia as proposies consequentes nasantecendentes; na natureza, une todas as causas; e na conduta estabelece entre os atosacordo perfeito. impossvel que o homem de bem no seja o fsico e o dialtico; impossvel realizar a racionalidade nestes trs domnios e captar, por exemplo,inteiramente a razo da marcha dos acontecimentos do universo, sem realizar, aomesmo tempo, a razo de sua prpria conduta. Esta espcie de filosofia-bloco, queimpem ao homem de bem uma determinada concepo da natureza e do conhecimentosem possibilidade de progresso nem de melhora, uma das coisas mais novas que seapresentam na Grcia e que lembram as crenas macias das regies orientais.

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    Da tambm vem a dificuldade de comear e a indeciso quanto a disposiodas partes, cuja hierarquia no fcil descobrir; j que no so captadas ao mesmotempo; se se comea pela lgica, a fsica ter o segundo lugar, porque contm aconcepo da natureza de onde deriva a moral, ou o terceiro, porque tem comocoroamento uma teologia que, segundo um texto formal de Crisipo, o mistrio quedeve iniciar-nos na filosofia [12] . Se v, pois, o estoicismo fundamentar-se algumas

    vezes na prtica moral, outras no conhecimento de Deus, hesitao cujo alcance esentido veremos mais adiante.

    V - Lgica do Antigo Estoicismo

    A teoria do conhecimento consiste precisamente em fazer entrar no sensvel odomnio da certeza e da cincia que havia sido cuidadosamente afastado por Plato. Averdade e a certeza esto entre as percepes mais comuns e no exigem nenhumaqualidade que no supere s que pertencem a todo homem, mesmo os mais ignorantes; acincia - verdade - no pertence seno ao sbio, mas no por isso que sai do sensvel,

    pois continua ligada a estas percepes comuns cuja sistematizao constitui a sua

    essncia.O conhecimento parte, com efeito, da representao ou imagem (phantasia) que

    a impresso que um objeto real faz na alma, impresso anloga, para Zeno, de umselo sobre a cera ou, para Crisipo, alterao que produz no ar uma cor ou um som.Esta representao tambm, se quisermos, como um primeiro juzo sobre as coisas(isto , branco ou negro) que se propem alma e qual a alma pode dar ou negar seuassentimento voluntariamente (sigkatathesis). Se se equivoca, ela cai num erro e temuma falsa opinio; se acerta, tem ento a compreeso da percepo (catalepsis) doobjeto correspondente representao; e h que se notar que, neste caso, a alma no secontenta em ter a imagem do objeto, mas em captar imediatamente e com perfeitaconvico, pois capta no as imagens, mas as coisas. Tal , no sentido prprio da

    palavra, a sensao, ato do esprito muito diferente da imagem.

    Mas, para que o assentimento no seja errneo e conduza percepo, precisoque a prpria imagem seja fiel; esta imagem fiel, que constitui desde logo, o critrio ouum dos critrios da verdade, a famosa representao compreensiva (phantasiakataleptike), compreensiva dizer, incapaz por si mesma de compreender ou perceber(o que no teria nenhum sentido, j que a representao pura passividade, e noatuao); mas capaz de produzir o assentimento verdadeiro e a percepo. A palavracompreensiva indica, portanto, a funo e no a natureza desta imagem; e quando Zenoa define "uma representao impressa na alma, procedente de um objeto real,condizente com este objeto, e tal que no existiria se no viesse de um objeto real", nofaz mais do que precisar seu papel sem dizer o que . A representao compreensiva aquela que permite a percepo verdadeira e ainda a que produz, com a mesmanecessidade, com que um peso faz baixar o prato de uma balana. Mas que o que adistingue de uma imagem no compreensiva? Aqui est uma questo que, segundo osacadmicos, jamais responderam os esticos e, efetivamente, difcil encontrar umaresposta para ela. Sem dvida h que dizer que, posto que a representao compreensivanos permite no confundir um objeto com outro, aquela pode onde passa a qualidadeintrnseca e de algum modo pessoal que, segundo os esticos, distingue sempre umobjeto de todos os demais. Segundo Sexto Emprico, possui um carter prprio (idioma)que a distingue de qualquer outra, ou, segundo Ccero, a que manifesta uma maneira

    particular das coisas que representa.

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    A representao compreensiva, comum ao sbio e ao ignorante, nos ofereceassim um primeiro grau de certeza. A cincia, prpria do sbio, no mais do queacrscimo desta certeza, que no muda de domnio, mas completamente slida. Acincia a "percepo slida, estvel, inabalvel pela razo"[13] . Parece que a solidezda cincia devida a que, no sbio, as preocupaes se confirmam e se apiam entre side maneira que pode ver-se nelas o acordo racional. A arte, intermediria entre a

    percepo comum e a cincia , para os esticos, um "sistema de percepes reunidaspela experincia, que tencionam a um fim particular til vida". Se v assim a razoagrupar e reforar umas com as outras as certezas isoladas e momentneas da

    percepo. A cincia a percepo segura, porque total, o que equivale a dizer que sistemtica e racional.

    Zeno resumia de uma maneira pitoresca toda esta teoria da certeza. Mostravasua mo aberta com os dedos estendidos e dizia: "Tal a representao"; depois,dobrando ligeiramente os dedos: "Eis o assentimento"; a seguir, cerrava o punho e diziaque era a percepo, e, finalmente, cobrindo com sua mo esquerda o punho direitodizia: "E aqui a cincia, exclusiva do sbio"[14] . Isto , a representao, compreensivaou no - lendo bem esta passagem de Ccero -, no capta nada, que o assentimento

    prepara a percepo e, finalmente, que s a percepo capta o objeto, o que faz ainda

    melhor a cincia.Se v em que sentido fortemente restrito os esticos podem ser chamados de

    sensualistas; eles no admitem mais conhecimento que o da realidade sensvel, isto certo, mas este conhecimento est, desde o seu comeo, penetrado de razo e totalmentedisposto a se atenuar diante do trabalho sistemtico da razo. As noes comuns ouinatas, tais como as do bem, do justo, dos deuses, noes formadas em todos os homenscom a idade de quatorze anos, no so de maneira alguma derivadas, apesar daaparncia, de uma fonte de conhecimento distinta dos sentidos; todas estas noesderivam de raciocnios espontneos, precedentes da percepo das coisas; a noo de

    bem, por exemplo, procede de uma comparao, feita pela razo, das coisas percebidasimediatamente como boas [15] . A noo dos deuses precede, por conseguinte, doespetculo da beleza das coisas; somente estes raciocnios so espontneos e comuns a

    todos os homens.Disto resulta que os diversos esticos podiam, sem contradizer-se, escolher

    critrios de verdade fortemente diferentes: a representao compreensiva, como Crisipo,a inteligncia, a sensao e a cincia, como Boeto, ou ainda como Crisipo, a sensao ea pr-noo ou noo comum; todos estes critrios, no fundo, se correspondem, seencadeiam, ou se equivalem, j que necessariamente se trata ou da imagem quenecessariamente resulta na percepo, ou da percepo e de sua ligao com outras. Aatividade intelectual no pode consentir mais que no ato de captar o objeto sensvel; nose pode seno abstrair, ajuntar, compor, transpor sem jamais sair dos dados sensveis[16] .

    Ao lado das coisas sensveis, existe o que pode ser dito, o que pode se expressarpela linguagem, em uma palavra, o exprmivel (lektn); a representao de uma coisa produzida na alma pela coisa mesma, mas o que dela se pode dizer que a alma serepresenta naquele momento de tal coisa, e no mais que a coisa de produz na alma.[17] H aqui uma distino de importncia capital para compreender o alcance dadialtica entre os esticos. Porque a dialtica se aplica no sobre as coisas, mas sobre osenunciados verdadeiros ou falsos relativos s coisas. Os mais simples destes juzosverdadeiros ou falsos, ou juzos (aximata), so compostos de um sujeito, expressado

    por seu substantivo ou um prenome e um atributo, expressado por um verbo. O atributo(kategrema) , por si s, uma expresso incompleta (por exemplo, se passeia), que

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    demanda um sujeito. O conjunto de sujeito e atributo: Scrates passeia forma umaexpresso completa (autoteles), ou juzo simples[18] .

    O tipo de proposio empregada pelos esticos no tem nada em comum com ada lgica platnico-aristotlica; no expressa a relao entre conceitos; seu sujeito sempre singular, seja definido (este), indefinido (algum) ou semi-definido (Scrates).Seu atributo sempre um verbo, ou seja, alguma coisa que sucede o sujeito. A lgica

    estica escapa, assim, a todas as dificuldades que apresentavam sofistas e socrticossobre a possibilidade de afirmar uma coisa de outra, e ignora, com a compreenso eextenso dos conceitos, a convertibilidade de proposies, ele deixa tombar omecanismo complicado da silogstica aristotlica. O objeto da dialtica so os fatosenunciados dos sujeitos singulares.

    Isto no quer dizer que no guardem, eles tambm, o silogismo. Mas a razo daconcluso no mais uma relao de incluso de conceitos expressa por um juzocategrico, mas uma relao entre fatos, cada um dos quais expresso por uma

    proposio simples (amanheceu, dia), cuja relao se expresa por um juzo composto(ouk apl aximata), tal como, se amanheceu, dia. Os esticos conheciam cincoclasses de juzos compostos: o hipottico (synemmnon), que expressa uma relaoentre um antecedente e um consequente, tal como o que acabamos de citar; o

    conjuntivo, que une os fatos: j amanheceu, j de dia; o disjuntivo, que os separa detal forma que um ou outro verdadeiro: ou de dia ou de noite; o causal, que une osfatos pela conjuno porque: porque amanheceu, de dia; o aumentativo ou diminutivo,como: mais de dia (ou menos) do que de noite.

    A premissa maior de um silogismo sempre proposio composta deste gnero,por exemplo: se de dia, amanheceu, na qual a menor enuncia a verdade doconsequente: de dia, e a concluso tira dele a verdade do antecedente: logoamanheceu; est aqui ao menos o primeiro dos cinco modos ou figuras de silogismoirredutveis ou indemonstrveis, que reconhecia Crisipo, segundo Dicles [19] . Osegundo tem como premissa maior uma hipottica: se de dia, amanheceu; como

    premissa menor, o contrrio do consequente: ora, de noite, e como concluso, anegao do antecedente: logo, no de dia. O terceiro tem por premissa maior a

    negao de um juzo conjuntivo: no verdade que Plato morreu e vive. Comopremissa menor, a verdade de um dos fatos: E Plato morreu; e como concluso, anegao do outro: logo, Plato no vive. O quarto tem como premissa maior umdisjuntivo: ou de dia ou de noite; por premissa menor, a afirmao de um dosmembros: de dia; e, por concluso, o contrrio de outro: logo, no de noite.Inversamente, o quinto - que parte tambm de um disjuntivo - nega um dos membros da

    premissa menor: no de noite; e conclue o outro: logo de dia. A estes modosindemonstrveis se juntam modos compostos ou temas (thmata), que derivam deles.Assim, o raciocnio composto: se A , B ; se B , C ; e resulta que C , logo A .

    Facilmente se v o arbitrrio destas duas classificaes de juzo e de silogismos,fundados ambas ma linguagem. Assim, Crinis, aluno de Crisipo, admite seus espciesde juzos compostos no lugar de cinco; enquanto Dicles noz diz que Crisipo reconheciacinco silogismos indemonstrveis, Galeno no lhe atribuia seno trs.

    Realmente, o interesse desta dialtica no est neste mecanismo. Est nanatureza da premissa maior, que expressa sempre uma liga de fatos, por exemplo,unio entre um antecedente e um consequente. Mas em que condies um juzohipottico vlido ou so (ygls)? Assinalamos que um juzo semelhante jamais aconcluso de uma demonstrao - j que a concluso sempre um juzo simples -, ouseja, que no pode ser demonstrada. Por outro lado, o aspecto exterior de semelhantes

    proposies: se tal fato , tal outro , lhes d certa semelhana com essas proposies

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    que os mdicos ou astrlogos, profundos observadores de sintomas ou de sinais,estabeleciam mediante a experincia para diagnosticar as enfermidades ou predizer odestino. uma linguagem de lgicos indutivos que nos conduz viso de um mundoconstrudo por fatos encadeados entre si, muito diferentes do mundo de Aristteles. Osesticos mesmo no viram na demonstrao seno uma espcie de signo.

    Portanto, da forma exterior da proposio, h que separar a maneira mediante a

    qual seu valor estabelecido, em cujo caso no encontraremos nada nesta lgica que, deperte ou de longe, se parea a uma prova por induo. Com efeito, se considermos ocontedos dos juzos que apresentam como exemplo, veremos que no so necessrios,

    j que o consequente est sempre unido por um lao lgico ao antecedente. A nicajustificativa apresentvel de um juzo hipottico: se de dia, amanheceu, aconteceporque o contrrio do consequente, ou seja, no amanheceu, contradiz ao antecedente. Eno prprio signo, ou seja, num juzo como se tem uma cicatriz, porque foi ferido, osesticos pretendem encontrar de novo uma unio da mesma espcie, j que o signo uneno uma realidade presente com uma realidade passada, mas dois enunciados que esto,ambos, presentes, e presentes somente na inteligncia (noet) e que, no fundo, sologicamente idnticos.[20]

    Em resumo, se a ligao lgica se expressa sempre por uma ligao entre os

    fatos constatados pelo sentido e enunciados pela linguagem, esta ligao no tem valorseno graas razo lgica que os une, e o juzo hipottico tem, portanto, mais valor

    porque se aproxima mais a aquele pelo qual se passa de um idntico a outro: "Si lucet,lucet" (se amanhece, amanhece).[21]

    A dialtica dos esticos tem, portanto, o mesmo ideal que a teoria doconhecimento: a penetrao completa do fato pela razo. E veremos logo como a

    proposio hipottica, que nela orgo, tem especial aptido para expressar sua visodas coisas, ainda que a lgica no seja, para eles, como era para Aristteles, um simplesorgo, mas uma parte ou espcie de filosofia.

    VI - Fsica do Antigo Estoicismo

    A fsica estica tem a preocupao de nos fazer representar, pela imaginao, ummundo totalmente dominado pela razo, sem nenhum resduo irracional; nada dependedo azar ou da desordem, como em Aristteles ou em Plato, tudo est includo na ordemuniversal. O movimento, a mudana, o tempo, no so o ndice da imperfeio e do serinacabado, como para o gemetra Plato ou o bilogo Aristteles; o mundo sempre emmudana e movimento tem, a cada instante, a plenitude de sua perfeio. "O movimento, em cada um de seus instantes, um ato, e no uma passagem ao ato"[22] , e o tempo ,como o espao, um incorpreo sem substncia nem realidade, j que um ser muda ou

    permanece somente porque, graas sua fora interna, agente ou paciente. No h,consequentemente, tendncia alguma - como em Aristteles e nos sucessores de Plato -a proclamar eterno o mundo para salvar sua perfeio. O mundo estico um mundoque nasce e se dissolve sem que sua perfeio seja atingida. A racionalidade do mundo

    j no consiste na imagem de uma ordem imutvel que se reflita nele tanto quanto amatria permite, mas na atividade de uma razo que tudo submete a seu poder.

    Atividade da razo que deve ao mesmo tempo ser imaginada como umaatividade fsica e corporal. Com efeito, para o estico, como para os filhos da terra quePlato condenava no Sofista, s existem os corpos existentes, porque s o que existe oque capaz de agir ou reagir, e somente os corpos tem essa capacidade. Os"incorpreos", que so chamados tambm inteligveis so ou meio totalmente inativos e

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    impassveis, como o lugar, o espao, o vazio, ou bem estes exprimveis enunciado porum verbo, que so os acontecimentos ou aspectos exteriores da atividade de um ser, ou,em uma palavra, tudo o que se passa com respeito s coisas, mas no so as coisas.

    A razo, posto que age, um corpo; e a coisa que sofre sua ao, ou que padece, tambm um corpo e se chama matria[23] . Um agente, razo ou Deus, um paciente,matria sem qualidade que se presta com completa docilidade ao divina; ou seja, um

    corpo ativo que age sempre sem ser jamais passivo, e uma matria que sempre padecesem atuar jamais, tais so os princpios admitidos pela fsica. O uno causa, a nicacausa a qual todas as outras se referem, atuante pela sua mobilidade, a outra o querecebe sem resistncia a ao desta causa.

    Esta dinmica que, por um de seus princpios (o de uma ao que se exerce semreao) continua aristotlica, mas que, por outro (o de um primeiro motor mvel e deuma matria-coisa feita de um corpo concreto) completamente contrria a deAristteles, no pode ter pleno sentido seno graas a um dogma dos mais estranhos eindispensveis do estoicismo: o da mistura total, dois corpos podem se unir e mesclar

    por justaposio, como se pode misturar sementes de espcies diferentes, ouconfundirem-se em um, como em uma liga de metal; mas eles podem tambm semisturar numa mistura total, ou seja, estendendo-se um atravs do outro, sem perder

    nada de sua substncia e propriedades, de tal forma que encontremos ao mesmo tempoestes dois corpos, em qualquer poro de seu espao comum. E assim que o incenso seexpande atravs do ar, o vinho atravs da massa de agua com a qual se mistura, aindaque fosse do mar inteiro.[24] tambm desta maneira que o corpo agente se estendeatravs do paciente, a razo atravs da matria e a alma atravs do corpo. A ao fsicano pode conceber-se seno graas negao formal da impenetrabilidade, a ao deum corpo que por si s penetra em outro e se encontra em todas as partes dele. Isto oque d ao materialismo estico este carter to particular que lhe aproxima doespiritualismo. O sopro material (pneuma), que atravessa a matria para anim-la, estdisposto a converter-se em esprito puro.

    A cosmologia grega sempre esteve dominada pela imagem de um perodo ougrande ano em cujo trmino as coisas voltam ao seu ponto de partida, e recomeam seu

    novo ciclo at o infinito. Pois isto vlido em particular para os esticos. A histria domundo feita de perodos alternados, em um dos quais Zeus, o deus supremo,identificado a um fogo ou fora ativa, absorveu e reduziu a si mesmo todas as coisas,enquanto que, no outro, anima e governa um mundo ordenado (diaksmesis). O mundo,tal como conhecemos, terminar em uma conflagrao que o far reentrar na substnciadivina; para depois recomear, exatamente idntico ao que era, com os mesmos

    personagens e os mesmos acontecimentos; eterno retorno rigoroso, que no deixa lugara inveno alguma[25] .

    A fsica ou cosmologia no seno detalhe desta histria. Do fogo primitivo(que deve ser imaginado no como o fogo destruidor que utilizamos na Terra, mas comoo brilho luminoso do cu) nasceu, por uma espcie de transmutao nos quatroelementos: uma parte do fogo se transforma em ar, uma parte do ar em gua, uma parteda gua em terra; e depois, nasce o mundo ao penetrar no mido, o pneuma divino. Demaneira que os textos no explicam bem, procedem desta ao todos os seresindividuais unidos em um s mundo, cada um com sua qualidade prpria (idios pion),com uma individualidade irredutvel que dura tanto quanto ele. Parece que estasindividualidades no so seno fragmentos do pneuma primitivo, j que a gerao denovos seres, pela terra ou pela gua, depende, seja da quantidade de pneuma guardadoquando as coisas se formaram, seja, quem sabe no caso do homem, de uma fagulhavinda do cu a formar sua alma.

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    Pela ao concordante destes indivduos se forma o sistema do mundo que nsvemos, limitado pela esfera dos fixos, com os planetas que circulam com movimentovoluntrio e livre no espao, com o ar povoado de seres invisveis ou demnios e a terrafixa no centro. Mas este sistema geocntrico no semelhante mais que na aparnciaaos que j conhecemos. Para comear, as razes da unidade do mundo no so mais asmesmas: "Plato, diz Proclo, estabelece a unidade do mundo sobre a unidade de seu

    modelo; Aristteles sobre a unidade da matria e a determinao dos lugares naturais;os esticos, sobre a existncia de uma fora unificadora da substncia corprea[26] . Seo mundo uno, porque o sopro ou a alma que o penetra retm as partes, porque possuiuma tenso (tnos), anloga a que possui, em menor escala, todo o ser vivo e mesmotodo ser independente, para impedir a disperso de suas partes. Esta tenso oumovimento de vai-vem do centro periferia e da periferia ao centro o que faz o serexistir. Da a inutilidade do exemplo platnico e do lugar natural de Aristteles. Pelafora que tem em si mesmo, que ao mesmo tempo pensamento e razo, Deus contm omundo. Resulta disto que o mundo pode existir no seio de um vazio infinito sem otemor de dissipar-se e que, em troca, no tem em si vazio algum, porque no h lugarmais natural que aquele em que a fora se escolhe. Ademais, "se o mundo est contido

    por uma alma nica, necessrio que haja simpatia entre suas partes componentes, pois

    cada animal tem, efetivamente, tal simpatia consigo que pode conhecer claramente adisposio de algumas de suas partes pela disposio de outras. Sendo assim, osmovimentos podem transmitir sua ao apesar das distncias, j que h uma direo,dos agentes aos pacientes"[27] . Esta simpatia universal de um mundo em que "tudoatua com o mesmo fim" distingue radicalmente o mundo hierarquizado de Aristtelesdos esticos; h nele como um crculo universal. A Terra e seus habitantes recebem asinfluncias celestes, no limitadas por efeitos das estaes, mas estendendo-se at odestino individual de cada um, segundo a astrologia, cuja difuso, a partir do sculo III enorme, e os esticos a aceitam por completo. Alm disso, pela transmutao inversaa que produziu os elementos, as emanaes secas procedentes da terra e as midas

    procedentes dos rios e mares, produzem os diversos meteoros, e servem de alimentosaos astros. A astronomia dos esticos ganha assim uma marca particular:

    completamente indiferente astronomia matemtica, deixam tombar as esferas ouepiciclos, imaginados para no ter que admitir no cu seno movimentos circularesuniformes; daqui para diante cada planeta, feito de um fogo condensado, segue seucurso, livre e independente sob a direo de sua prpria alma, e descreve no cumovimentos no-uniformes, seu movimento circular e variado a prova mesma de suaanimao [28] . Por outro lado, a posio da Terra no centro se reduz por razesdinmicas: A Terra est pressionada por todos os lados pelo ar, como um gro de milhocolocado em uma bexiga, que permanece invisvel no centro quando esta se infla,

    porque a massa da Terra, por pequena que seja, equivale ao resto do mundo e oequilibra[29] .

    Assim esse geocentrismo, to diferente do de Plato, totalmente disposto a seadmitir apenas como uma hiptese matemtica, ao passo que o dos esticos umdogma, ligado solidamente s suas crenas. Cleanto no pensava que os gregosdevessem julgar Aristarco de Samos, acusado de crime de impiedade, que admitira omovimento da Terra [30] ? Em uma palavra, o mundo um sistema divino no qualtodas as partes so distribudas divinamente. " um corpo perfeito, mas suas partes noso perfeitas, porque elas tem uma certa relao com o todo e no existem por elasmesmas"[31] . Tudo, no mundo, produto do mundo.

    Esta ordem das coisas no eterna: contra os peripatticos que sustentavam aeternidade do mundo, Zeno faz valer as observaes geolgicas que mostram o solo se

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    nivelando constantemente e o mar se retirando. Se o mundo fosse eterno, a Terradeveria ser totalmente plana e o mar teria desaperecido. Alm disso, ns vemos as

    partes do universo se corrompendo, sem excetuar o fogo celeste, que tem necessidadede se repor alimentando. Como seu conjunto no seria destrudo? Vemos, enfim, que araa humana no pode ser muito antiga, j que muitas das ares que lhe soindispensveis, e que no podiam nascer seno ao mesmo tempo que ela, esto ainda em

    seu incio[32] .Ns vimos como foi o nascimento do mundo, seu fim, ao cabo do grando ano,determinado pelo retorno do planeta sua posio inicial, consiste na conflagraoinicial ou a reabsoro de todas as coisas pelo fogo. Zeno e Crisipo chamam a essaconflagrao de purificao do mundo, deixando assim a entender que, maneira dosdilvios ou das tempestades de fogo, que trazem os velhos mitos semticos, se trata aquide uma restituio ao estado perfeito. Crisipo de preocupa de mostrar que estaconflagrao no a morte do mundo, porque a morte a separao do corpo e da alma,e aqui a "alma do mundo no se separa de seu corpo, mas aumenta continuamente acusta dele, at que tenha absorvido toda a sua matria". uma troca conforme anatureza, e no uma revoluo violenta.

    No total, o universo no a realizao mais ou menos imperfeita, contingente e

    instvel de uma ordem matemtica; o efeito de uma causa que atua conforme uma leinecessria, se bem que impossvel que nenhum acontecimento se realize de mododistinto ao que se sucede efetivamente. Deus, a alma de Zeus, a Razo, a necessidadedas coisas, a lei divina e o destino, tudo um e o mesmo para Zeno[33] . A teoria dodestino (eimarmne) no mais do que uma expresso desse racionalismo integral quevemos nos esticos. O destino, que foi, no princpio do pensamento grego, a foratotalmente irracional que distribuir aos homens a sua sorte, agora a universal "razosegundo a qual vem ocorrendo os eventos passados, sucedem os presentes e sucederoos futuros". Razo universal, inteligncia ou vontade de Deus, que dirige tanto os fatosque chamamos anti-naturais - como as enfermidades ou muitilaes -, quanto os fatosque chamamos naturais, como a sade. Tudo o que acontece est de acordo com anatureza universal, e falamos das coisas contrrias natureza somente relativas a um ser

    particular separado do conjunto.Mas no se deve confundir o destino com o nosso determinismo cientfico. No

    se produziu com os esticos nada que se parea com nossa cincia de leis, cuja idia seencontra, pelo contrrio, em doutrinas muito diferentes, como a dos cticos. Anecessidade causal, tal como a concebemos, uma relao, e uma relao no determinade modo algum o nmero de fenmenos que podem se submeter; ao contrrio, o destinodo universo como o destino de uma pessoa, e aplicado a um ser individual, ouniverso, que tem um comeo e um fim; como diz o autor estico de um tratatoatribudo a Plutarco: "Nem lei, nem razo, nem nada a parte do divino pode ser infinito[34] ". Esta concepo apia, com sua autoridade, no s as cincias verdadeiras como aastronomia ou a medicina, mas todos os modos de adivinhao do futuro, a astrologia,adivinhao pelos sonhos, etc., pelos quais os esticos eram apaixonados, e sobre osquais Crisipo e Digenes da Babilnia escreveram compactas colees e observaes,das quais Ccero nos conserva qualquer coisa em seu Tratado Sobre a Adivinhao.

    Em uma palavra, o destino no de forma alguma o encadeamento da causas edos efeitos, mas muito mais a causa nica que ao mesmo tempo a unio das causas,em que se compreende na sua unidade todas as razes seminais em que se desenvolvemcada ser particular. Este mundo unido, feito de logos ou razes, constitui uma espcie deuniverso de foras ou, se se quiser, de pensamentos divinos ativos que ocupam o lugardo mundo platnico das idias. Os princpios deste logos, os que presidem os

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    fenmenos da terra e do mar, so divindades populares conhecidas pelos mitos, Hstiaou Posidon, e os esticos se preocupam muito em explicar o menor detalhe dos mitos

    populares como alegorias de fatos fsicos, segundo vemos em uma interpretao que desua doutrina conservou Cornuto, um estico da poca de Augusto[35] .

    O fatalismo reencontra, portanto, no interior mesmo do sistema, umadificuldade, posto que precisa negar a crena da liberdade humana. Ccero nos conserva

    algo da difcil argumentao mediante a qual se esforava Crisipo em pr ambas ascoisas de acordo[36] . Como o ato livre pode ser ao mesmo tempo determinado pelodestino, tal a verdadeira posio da questo, j que no se trata em caso algum de sesubtrair algo do destino. Crisipo se livra disso distinguindo vrios gneros de causas.Assim, o movimento de rotao de um cilindro se explica no somente por um impulsoexterior, que se chama causa antecendente, mas pela forma de cilindro, que a causa

    principal. Analogamente, um ato livre, como assentimento, se explica no pelarepresentao compreensiva que a causa antecedente, mas pela iniciativa do espritoque a recebe. Tudo parece portanto se passar nesta soluo, como se a potncia dodestino no se estendesse seno s circunstncias externas ou s causas ocacionais denossos atos.

    VII - A Teologia Estica

    O ritmo alternado do mundo necessrio para apreciar o alcance da teologiaestica, que tem sido designada como algo que detm a imanncia e mesmo o

    pantesmo. Os escritores cristos no deixaram de rir deste Deus presente nas partesmais ntimas do universo, e tambm da verdade de que o mundo feito da substncia deDeus e nele h de se reabsorver. Mas no se deve abusar de uma idia justa; a verdade que h no estoicismo grmen de uma noo de transcendncia divina, mas estatranscendncia de uma natureza totalmente diferente da do Deus de Plato ou deAristteles. Observamos, com efeito, que a transcendncia de Deus, para Aristteles ouos platnicos, no existe sem a afirmao da eternidade do mundo. Os platnicos nos

    repetem at a fartura que Deus no pode ser concebido sem a produo eterna domundo, e que a existncia atual do mundo um dos aspectos ou condies da perfeiodivina. De maneira muito diferente tudo isto, segundo os esticos: graas conflagrao, seu Zeus, Deus Supremo, tem a vida em certa medida independente domundo; quando a "natureza deixar de existir, Deus repousar em si, entregue a seus

    prprios pensamentos" [37] . Por outro lado, se Deus imaginado como uma forainterna das coisas, como um "fogo artista que procede metodicamente produo dascoisas", ou como "um mel que flui atravs dos favos", o estico se dirige a ele, poroutro lado, como a um ser providencial, pai dos homens, e que regula tudo no mundoem proveito do ser racional, ao "ser todo poderoso, chefe da natureza, que governa ascoisas com a lei e a quem obedece todo esse mundo que gira ao redor da Terra, vendoaonde leva e deixando-se voluntariamente dominar por ele"[38] . Os escritores cristostem assinalado esta espcie de conflito interno na noo de Deus dos esticos: "Bemque dizem - objeta Orgenes - [39] que o ser providencial da mesma substncia que oser que dirige, no dizem que perfeito, diferente do que dirige".

    Se ento o Deus de Aristteles e dis platnicos o deus transcendente de umateologia sbia, o dos esticos objeto de uma piedade mais humana. Por acaso noadmitiu, com o fim de aprov-las, todas as origens que a devoo popular d a idia dosdeuses, a vista dos meteoros e a ordem do mundo, a conscincia das foras teis ou

    prejudiciais ao homem, e que nos ultrapassam, a nossas foras interiores que nos

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    dirigem, como a paixo do amor ou o desejo de justia, e, finalmente, os mitos dospoetas e a recordao dos heris benfeitores? As provas da existncia dos deuses que seapiam na necessidade de admitir um arquiteto do mundo, de razo anloga, pormsuperior a dos homens, entram na mesma linha. Toda essa teologia popular implica emrelaes diretas e especiais entre Deus e os homens, ao passo que a teologia aristotlicaou platnica no concerce seno relao geral de Deus com a ordem do mundo, sem

    referncia particular aos homens. O mundo , sobretudo, "a morada dos deuses e doshomens e das coisas feitas em vista dos deuses e dso homens". Sobre este ltimo ponto,se sabe at que ridculos extremos levaram os esticos a afirmao de uma finalidadeexterna, atribuindo, por exemplo, s pulgas a funo de nos despertar de um sono muitolongo e aos ratos o feliz efeito de nos forar vigilar em boa ordem nossos assuntos[40] .

    Crisipo, sobre a crtica de um de seus adversrios, foi obrigado a criar umateodicia, desde o incio bastante dbil, para explicar a presena do mal no universo.Dois argumentos mostram o mal indispensvel estrutura do universo: "nada maistolo do que crer - diz Crisispo - que poderia haver existido bem se ao mesmo tempo notivesse havido males, j que o bem o contrrio do mal e no h contrrio que notenha seu contrrio". De acordo com um segundo argumento, Deus quer naturalmente o

    bem e nisto consiste seu principal desgnio; mas, para chegar a ele, se v obrigado aempregar meios, que, tomados em si mesmo, so inconvenientes. A delicada espessurados ossos do crnio, necessria ao organismo humano, no deixa de apresentar risco

    para a sade. O mal , ento, acompanhamento necessrio (parakolouthesis) do bem.Enfim, como disse Cleanto dirigindo-se a Zeus: "Nada acontece sem ti, exceto os atosque acompanham os malvados em sua loucura". Neste terceiro argumento o mal moralou vcio se deve liberdade do homem que se ergue contra a lei divina, ao passo que, no

    primeiro devido necessidade de um equlibrio harmnico: duas explicaescontraditrias entre as quais os esticos jamais foram capazes de escolher[41] .

    VIII - Psicologia do Antigo Estoicismo

    Para os esticos a teoria da alma individual racionalista, dinamista,espiritualista, como a teoria da alma do mundo. Negam a existncia da alma nas plantase atribuem-na somente aos animais. Por outro lado, recusam completamente a razo nas

    bestas, salvando assim a eminente dignidade do homem. Em primeiro lugar, s h almaali onde h movimento espontneo derivado de uma inclinao movimentada por umarepresentao. Representao e inclinao so as duas faculdades unidas em um todo,que as plantas no possuem, somente os animais.

    Em compensao, os animais no tem razo alguma: seus atos instintivos,aparentemente inteligentes, que reconhecem os curiosos observadores (como se v notratado estico de Filon de Alexandria, e no tratado de Plutarco Sobre a Sutileza dosAnimais), seus traos de amizade, de hostilidade, de poltica, no supem nelesqualquer razo, mas derivam da razo universal, estendida por toda parte pela natureza.

    A razo, particular alma humana, consiste num assentimento que introduzentre a representao e a tendncia ou inclinao; o carter prprio da alma racional, ,com efeito, que a atividade da tendncia no engendrada diretamente pelarepresentao, mas somente depois que a alma lhe doou voluntariamente sua adeso ouassentimento. Toda recusa da alma impede a ao.

    Os esticos chamam parte hegemnica, ou diretriz da alma, ou ainda reflexo,esta parte onde se produz a representao, o assentimento e a inclinao; e a

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    representao como um sopro gneo localizado no corao. Dela emana sete soprosgneos; cinco se estendem at os orgos de onde recebem as impresses sensveis quetransmitem ao centro, o sexto o sopro da voz, que se propaga nos orgos vocais; ostimo, o sopro gerador que transmite ao engendrado uma parcela da alma do pai. Estascinco faculdades, so, alm disso, menos partes subordinadas do que a prpria almadiretriz se propagando atravs do corpo.[42]

    Com respeito origem desta alma, os antigos esticos pensam que o sopro gneotransmitido pelo pai no era, de incio, uma alma, mas faz viver o embrio como umaplanta; depois, no momento do nascimento, o sopro gneo, esfriado pelo ar (os esticossupunham que uma parte do ar que entra no pulmo pela respirao recebido peloventrculo), se endurecia com ferro soldado e se convertia na alma de um animal[43] .

    Os esticos parecem, ento, ter acertado esta doutrina que foi chamada maistarde de traducionismo. difcil de saber at quem remonta o princpio da doutrinainversa da origem da alma, considerada como fragmento de ter divino, que,encontramos nos esticos da poca imperial, e que acentua o privilgio do homem. Aalma humana , em todo caso, pura razo, e ser difcil de ver como se introduz o vcioe a desrazo.

    IX - Moral do Antigo Estoicismo

    A esta concepo do destino, de Deus e da alma, se ligam as regras da condutado sbio.

    Ns seguimos, para expor esta moral, o plano indicado por Digenes Larcio(VII, 84), como pertencente a Crisipo e seus sucessores at Posidnio.

    O moralista parte da observao das inclinaes (ormi), tal como as constata nohomem desde o seu nascimento, ou na medida de sua apario. Estas inclinaes no

    podem ser ms, no estado em que vm da natureza. A primeira inclinao nosimpulsiona a nos conservar como se a natureza nos tivesse confiado a ns mesmos, nosdando, desde o princpio, o sentimento ou conscincia de ns, pois esta inclinao

    inseparvel da conscincia de si e no anterior a ela.O ser vivo tem, pois, desde o comeo, o meio de distinguir o que conforme

    com a natureza e o que contrrio, e se chamam primeiras coisas conforme a natureza(prta kat physis) os objetos destas primeiras inclinaes: sade, bem-estar e tudo aque a isso pode servir. Portanto, estes objetos no merecem ainda o nome de bens;

    porque o bem absoluto por natureza, o que basta a si mesmo, e pode ser chamadotil. Os esticos no aceitavam um bem relativo, como Aristteles, que distingue o bemdo mdico, do arquiteto etc. As coisas conforme a natureza, de que temos falado, sorelativas ao ser vivo que as deseja, e por isso no so bens. por uma elaboraoracional que se chegar a conceber o bem[44] . refletindo sobre a razo comum denosso assentimento espontneo s nossas inclinaes e comparando-os entre si, quecaptaremos a noo de bem. Nosso assentimeto espontneo, na aurora da vida, era j umassentimento fundado na razo, e mesmo um assentimento da razo, pois visavaconservar um ser produzido pela natureza, ou seja, pelo destino ou razo universal. Masa noo de bem vem, de alguma forma, de uma razo de segundo grau que capta omotivo profundo da nossa ligao com ns mesmos, na vontade que a natureza total, daqual somos parte, tem de se conservar. Esse bem, que se refere natureza universal, temum valor incomparvel com o dos objetos primitivos de nossas inclinaes, os quais nose referem mais do que nossa natureza particular. No pode ser obtido pelo simplesaumento dos fins primitivos, como, por exemplo, a sade, a riqueza e outros fins deste

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    gnero levados ao seu mximo; este bem de uma outra espcie, no de uma grandezasuperior.

    A prova que o elogio no se dirige nem sade, nem riqueza, mas estreservado para o bem. Nem todo o mundo admite, verdade, que o bem digno deelogio por si mesmo, e Aristteles, por exemplo, distingue o ato virtuoso, o nicolouvvel, do bem ou felicidade, para o qual se realiza; mas, na verdade, a reflexo nos

    diz o contrrio; porque "o bem objeto da vontade; este objeto o que em si secompraz, e o que se compraz louvvel"[45] . verdade que Aristteles tinha razo aodizer, com o senso comum, que a ao honesta bela, louvvel por si; mas istoequivale a dizer, complementando o raciocnio feito antes: "o louvvel o honesto(kaln, honestum); portanto s o honesto um bem". Sob esta dialtica to seca, sesente esta modificao profunda da moral, que consiste em no admitir como bem senoo que realizvel pela nossa prpria vontade, abandonando como indiferente o que objeto de nossas inclinaes.

    Virtude e bem esto, pois, identificados: uma e o outro so preciosos, louvveis,teis e mesmo indispensveis; o bem ou a felicidade no mais como um dom divinoque se apega virtude. Esta no tem, pois, nenhum objeto exterior para o qual tender;ela se detm em si mesma, desejvel por si mesma; ela no ter seu valor do fim que

    deve alcanar, pois ela mesma este fim. Ela no , como as outras artes, envolta porum fim externo, mas toda envolta em si prpria (in se tota conversa) [46] . Emcompensao ela no , como as outras artes, suscetvel de progresso; ela perfeitadesde o princpio, completa em todas as suas partes.

    por isto que uma disposio estvel, completamente interna e de acordo comsi. por esta constncia e firmeza anlogas razo - que est, sobretudo, de acordo comsi - que Zeno lhe dava o nome de prudncia (phrnesis). Se h outras virtudes, elas noso para ele mais do que aspectos da virtude fundamental; a coragem ser prudncia noque se deve enfrentar, a temperana a prudncia na escolha das coisas, a justia a

    prudncia nas atribuies de partes. Se v como [47] Zeno est longe de separar e dedissociar as virtudes, como fazia Aristteles, que disntinguia no somente as virtudes dohomem e da mulher, mas tambm as do rico e do pobre. Nenhuma distino deste

    gnero h aqui, j que se v na virtude apenas a razo universal. Deus mesmo no temuma virtude diferente da dos homens. Cleanto mistura, um pouco mais que seu mestre,sobre o aspecto ativo desta razo, quando definia a virtude principal como uma tenso(tnos) que coragem quando se trata de enfrentar, justia quando se trata de distribuir.Crisipo volta ao intelectualismo de Zeno e recusa ver na tenso outra coisa que oacompanhamento das virtudes que, em si mesmas, so cincias, sendo a prudncia acincia de fazer ou evitar coisas, a coragem, a cincia de escolher ou no enfrentar ascoisas e assim com as demais. Mas ele admite a multiplicidade de virtudes, em umsentido bem diferente, verdade, que o de Aristteles, pois estas virtudes estoindissoluvelmente ligadas, e quem tem uma virtude tem todas; mas no menos certoque cada uma se exera em apenas uma esfera de ao distinta e deve ser aprendendidaseparadamente[48] .

    A passagem do estado primitivo de inocncia, em que todas as inclinaes soboas, ao estado onde as inclinaes so substitudas pela vontade reflexiva e a virtudeno se faz de uma maneira to fcil como faz crer nossa exposio. Os aspirantes vidavirtuosa no so inocentes, mas pervertidos; suas inclinaes primitivas no

    permaneceram, mas deformando-se exagerando-se, em particular sobre a influncia omeio social que deprava a criana, elas se tornam em paixes, desgosto, medo, desejo,

    prazer, que turvam a alma e impedem a virtude e a felicidade [49] . A existncia dapaixo oferece psicologia estica um problema muito difcil. Se toda a substncia da

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    alma razo, como pode haver nela o irracional? Porque as paixes vo realmentecontra a razo, j que nos levam a desejar como bem ou a rechaar como maus atos que,

    para o homem reflexivo, no so realmente bons nem maus. Plato e Aristteles nohaviam podido evitar a dificuldade, seno admitindo na alma uma ou mais partesracionais; mas esta tese, alm de chocar o racionalismo integral dos esticos, no dconta de certos elementos racionais da paixo. Com efeito, de se recordar que, em um

    ser racional como o homem, a inclinao no possvel se ele no d seu assentimentoou adeso; o que verdade, da inclinao geral, esta inclinao exagerada edesmesurada que a paixo; e no h desgostos, por exemplo, que se a alma adere ao

    juzo de que h para ns um mal presente; e toda paixo implica tambm num juzoacerca de um bem, presente no prazer, futuro no desejo, ou acerca de um mal, presentena dor, futuro no temor. No s depende do assentimento a origem da paixo, mastambm seu desenvolvimento. Por exemplo, por crer na convenincia de se entregar aodesgosto, se geme e se adota o luto. O assentimento ato do ser racional, e somentedele; outra coisa sentir a dor fsica (algos), outra coisa experimentar a dor (lyp), quedepende do juzo de que so ms. No se pode ento explicar a paixo atribuda umafaculdade desprovida de razo[50] .

    A paixo , pois, uma razo, um juzo, como diz Crisipo, mas uma "razo

    irracional" e desobediente razo, o que paradoxal e leva de igual modo a procurarum elemento irredutvel razo. Crisipo procura atribuir a este elemento uma origemexterna: so os costumes que ensinam s crianas a evitar o frio, a tosse, a dor que lhes

    persuade de que toda dor um mal, e o mesmo quanto s opinies que ouvimos aonosso redor durante toda a educao, desde as expressadas pelas amas-de-leite at asdos poetas e pintores, todas elogiosas do prazer e das riquezas[51] .

    bom, portanto, que estes juzos se introduzam na alma: e quando Crisipoexplica o exagero da tendncia por uma fenmeno anlogo ao impulso do corredor queno pode deter-se, indica que os aumentos ou diminuies de uma paixo como odesgosto so, at certo ponto, independentes do juzo que se emite sobre seu objeto, jque o desgosto mais intenso quando o juzo recente; o que faz intervir fatoresirracionais totalmente inferiores alma. Mas ainda h mais: a causa inicial da paixo

    uma "debilidade da alma", e a paixo uma "crena dbil". Ademais, as paixesoriginam fatos impossveis de se assimilar a juzos, por exemplo, o aspecto da alma nosofrimento e a sua expanso na alegria; enfim, as paixes, que so de natureza

    passageira e instvel, se transformam em mal da alma, tais como a ambio, amisantropia e chegam a se fixar e se tornar inextirpveis[52] .

    Sem negar a existncia da desrazo, os esticos insistiram, portanto, naimportncia do juzo para fazer ver como a paixo depende de ns. Crisipo,especialmente, declarou o papel dos juzos de convenincia, tais como o preconceitoque nos faz crer que bom e justo nos entregarmos ao sofrimento quando morre um

    parente, e os esticos esperam separar-nos das paixes no por uma resistncia direta paixo desencadeada, mas por uma meditao preventina acerca de tais juzos, mediantemximas racionais.

    Vimos como a razo humana separa das inclinaes espontneas o bem e avirtude. pela mesma elaborao racional que o homem descobre o fim em vista doqual so feitas todas as aes que convm serem feitas. A base da vida moral essaespcie de escolha espontnea que nossas inclinaes nos induzem a fazer entre ascoisas teis a nossa conservao; o fim viver, escolhendo com uma escolha reflexiva evoluntria as coisas conforme a natureza universal[53] . , sem dvida, o que propunhaZeno, ao definir o objetivo: viver de acordo ou viver com consequncia(omologoumnos)[54] . Viver assim viver segundo a razo, que no encontra ante si

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    qualquer oposio. Isto , sem dvida, o que quiseram dizer Cleanto e Crisipo ao proporcomo fim o viver conforme a natureza (omologoumnos ten physei), ou seja,empregando, segundo Crisipo, o conhecimento cientfico das coisas que se medem deacordo com a natureza. Este conhecimento cientfico o que nos d a fsica: tudoacontece segundo a razo universal, a vontade de Deus e o destino. Portanto, o fimconsistir unicamente numa atitude interior da vontade, j que todo ser obedece

    necessariamente ao destino, mas a razo extraviada tenta resistir a ele e lhe opor ao bemuniversal o fantasma de um bem prprio: sade, riqueza, honra; o sbio, ao contrrio,aceita com reflexo os fatos que resultam do destino; l onde o desgraado vai pelafora, ele vai voluntariamente, e se sabe que o destino lhe quer mutilado ou pobre, eleaceita tal mutilao ou pobreza. "Non pareo Deo sed assentior", disse Sneca (Carta97); no obedeo a Deus, mas consinto ao que ele decide. A resignao estica no um "deixa estar", mas uma complacncia positiva e prazeirosa no mundo tal como ele ."Devemos pr nossa vontade de acordo com os fatos, de modo que os que sobrevenhamestejam ao nosso gosto[55] . Seguir a natureza, seguir a razo, seguir Deus, esse umtriplo ideal que veremos se dissociar mais tarde pelo esticos, no seno uma coisa.

    Deve-se explicar tambm como esta disposio no permanece interna, mas, aocontrrio, convida ao. Este um ponto de muita importncia com o qual chegamos

    essncia mesma do estoicismo. A moral estica conduz ao; seus fundadoresaconselham a seus alunos, antes de tudo, o cumprimento de suas funes de cidados[56]. Muito mais tarde, Epiteto considera seus ensinamentos como uma verdadeira

    preparao para as carreiras pblicas e condena aos jovens que querem estar muitotempo sombra da escola, pois o nome do homem sua vida de esposo, de cidado, demagistrado etc. No h nenhuma separao entre a vida contemplativa e a vida prtica,como o que ameaava se estabelecer, e que efetivamente se estabeleceu, comoconsequncia das doutrinas de Aristteles e de Plato; o conhecimento da natureza

    preparao para a ao.Mas h que se ver em que sentido: em primeiro lugar, parece haver na moral

    estica uma dificuldade insupervel que a obrigaria em terminar no quietismo dohomem perfeito, que, de bom ou mau grado, assiste impassvel a todos os

    acontecimentos. Todos os esticos esto de acordo em reconhecer que tudo indiferente, fora esta disposio interna que a sabedoria, e que no h nem bem nemmal para ns, no que nos acontece: ou seja, no h razo alguma para querer umcontrrio mais do que outro, a riqueza mais que a pobreza, a doena mais que a sade.Mas levemos mais longe a anlise: se considerarmos o estado do homem imperfeito, ariqueza e a sade tem, para ele, mais apreo do que a doena e a pobreza, porque estomais de acordo com a natureza ou satisfazem melhor as inclinaes. Para o homem

    perfeito, a sade e a enfermidade no so da mesma ordem do que aquilo que eleprocura, isto , a vontade reta ou conforme a natureza; esta vontade reta totalmenteindependente de um ou de outro e persiste nos dois. Tem, pois, um valor incomparvel.Mas no se deduz disso que, para o homem perfeito, um no tenha mais valor que ooutro se os compara conjuntamente. O que distingue o homem perfeito que no temmais apreo a um do que a outro e, sobretudo, que no tem apreo incondicional;escolher a enfermidade, por exemplo, se sabe que desejada pelo destino: mas em casode igualdade, escolher preferencialmente a sade. De modo geral, sem quere-loscompletamente como quer o bem, considera como preferveis (proegmena) os objetosconforme a natureza: sade, riqueza, e como no-preferveis (apopronenmena) as coisascontrrias natureza.

    Os esticos podem, portanto, apresentar uma lista de aes convincentes(kathekonta, officia), que so como as funes ou deveres do ser racional, capaz de

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    salvaguardar sua prpria vida e a de seus semelhantes: cuidados do corpo, exerccios deamizade e de beneficncia, deveres de famlia, funes polticas. O cumprimento destasfunes, que no nem um bem nem um mal, pode existir em todos os homens, enascer assim uma moral secundria, uma moral de imperfeitos vlidas para todos. Estamoral prtica (moral de conselhos ou parentica) vai ter depois um grandedesenvolvimento e mediante ela o estoicismo se introduziu na vida comum. O sbio e o

    imperfeito tem exatamente os mesmos deveres, at o ponto de que o sbio, por perfeitoe feliz que seja, dever abandonar a vida pelo suicdio, se sofre em excesso de coisascontrrias natureza. Portanto sua conduta no a mesma em aparncia eexternamente: ali onde o imperfeito cumpre um simples dever (kathekon), o sbiocumpre um dever perfeito (kathekon tleion) ou ao reta (katortama), graas a seuacordo consciente com a natureza universal; ademais, ele sabe que este dever no temmais que um valor de semelhana, e que h casos em que melhor renunciar a seusdeveres de famlia ou de magistrado[57] .

    O dever ou funo no tem, pois, jamais uma forma categrica; da, odesenvolvimento de toda uma literatura de conselhos (parentica) que, deixando de ladoos princpios abstratos, examina e pesa os casos individuais e origina, s vezes, umaverdadeira casustica. A liberdade de esprito dos primeiros esticos a respeito dos

    deveres sociais, por exemplo, , de fato, muito grande, e podemos observar nela traosque recordam o cinismo mais radical, preconizando, por exemplo, a comunidade demulheres[58] .Tal a teoria estica da ao, to contraditria em aparncia; bom lembrar que aindiferena a respeito das coisas exprime no a fraqueza, mas o vigor da vontade queconsente em se manifestar pela escolha de uma ao, mas que no quer nem restringir-se nem fixar-se a ela.

    A moral estica no abandona jamais desde o seu princpio a descrio dohomem atuante: ela no procura nenhum bem fora da disposio voluntria: se v queno pode se realizar inteiramente seno pela descrio do ser que possui a virtude, osbio. O sbio o ser que no guarda na alma mais nada que no seja inteiramenteracional, sendo ele mesmo uma razo ou um verbo; portanto ele no cometer nenhum

    erro: tudo o que ele far, at mesmo a ao mais insignificante que fizer, ser bem feita,e o menor de seus atos conter tanta sabedoria quanto sua conduta inteira. Ele noconhecer nem arrependimento, nem tristeza, nem temor, nem nenhum problema destegnero; ele ter felicidade perfeita; somente ele possuir a liberdade, a verdadeirariqueza, a verdadeira beleza; somente ele conhecer os deuses e ser seu verdadeirosacerdote; til a si mesmo e aos demais, saber governar uma casa ou uma cidade e teramigos. So bem conhecidos todos estes paradoxos, cuja lista poderia prolongar-se, queacumula todas as perfeies sobre a pessoa do sbio [59] . Para compreender seusentido, h que se acrescentar que quem no sbio imperfeito, e que, com respeito sabedoria, todas as imperfeies so iguais; todos os no-sbios so igualmente loucos,insensatos, cados em completa desgraa, verdadeiros exilados sem famlia nem cidade.Que eles tenham mais ou menos sabedoria no os torna menos insensatos, pois a retidodo sbio no admite nem nuances nem gradao; assim o afogado no est menosasfixiado se est quase na superfcie da gua ou no fundo, como o arqueiro no erramais ou menos quando a flecha, errando o alvo, erra por pouco ou por muito.

    natural e condizente com o que aprendemos do estoicismo admitir que asabedoria no pode dar-se seno em bloco; no , como tampouco a sua filosofia inteira,suscetvel de progresso. O que queriam os esticos antigos no precisamente o

    progresso moral, mas como disse Clemente de Alexandria, uma espcie detransmutao ntima que transforma todo o homem em pura razo[60] , ao cidado de

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    uma cidade em cidado do mundo, transmutao anloga, na ordem do esprito, a queAlexandre tinha feito sofrer os povos.

    "Zeno - disse Plutarco [61] - escreveu uma Repblica muito admirada, cujoprincpio : que os homens no devem separa-se em cidades e povos que tenham leisparticulares, porque todos os homens so concidados, j que h para eles um scaminho, uma s ordem das coisas (cosmos), como para um rebanho unido sob a regra

    de uma lei comum. O que Zeno escreveu como se tivesse sonhando, Alexandrerealizou; ... Reunindo como em uma cratera todos os povos do mundo inteiro; ... eordenou que todos considerassem a Terra como sua ptria, a seu exrcito como aacrpole de todos, as pessoas de bem como parentes e as de mal como estrangeiros".

    No se pode dizer melhor que a moral estica a de tempos novos em que, sobrecidades deslocadas e desde ento incapazes de ser fonte e suporte na vida moral, seelevam agora grandes monarquias que aspiram governar a humanidade.

    A razo, lei universal ou natureza, se faz de algum modo monrquica, emAristteles, partia de realidades psicolgicas os sociais - paixes, costumes, leis, quetencionava moderar e organizar simplesmente, como por em cima; aqui ocupa a tudo eexpulsa a tudo que no ela mesma. "A virtude est colocada unicamente na razo"[62] .

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    em Mesures, 15 de abril de 1939.GANTER, "Das stoische System der aisthesis", Philologus, vol. LIII. "Zur Psychologieder Stoa", ibid, vol. LIV.GUILLERMIT, L. e VUILLEMIN, J., Le sens du destin, Neuchtel, 1948.PRZYLUSKI, "Les Mages et les Mdes", Revue d'Histoire des Religions, set.-out.,1940, p. 94.SAMBURSKY, S., The Physics of the Stoics, Londres, 1959.SCHUHL, P-M., Le dominateur et les possibles, Paris, 1960.SIMON, H. e M., Die alte Stoa ind ihr Natubegriff, Berlim, 1956.STEIN, Psychologie der Stoa, Berlim, 1886.

    IX.BONHOEFFER, A., Epiktet und die Stoa, 1890.CCERO, Des Fins, livros III e IV.DENIS, Histoire des ides et des thories morales dans l'antiquit, Paris, 1856.DYROFF, Die Ethik der alten Stoa, 1890.JAGU, A., Znon de Cittium, son rle dans l'tablissement de la morale stocienne,Paris, 1946.MILTON VALENTE, P., L'thique stocienne chez Cicron. - Les sources de l'tiquestocienne chez Cicron, Paris, 1956.

  • 8/12/2019 mile Brhier - O Antigo Estoicismo

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    RODIER, G., "La cohrence de la morale stocienne" (tudes, pp. 270-308).

    Notas

    [1] DIGENES LARCIO, Vida dos Filsofos Ilustres, VII, 31.[2] PLUTARCO, Contradies dos Esticos, cap. IV (Arnim, I, n26).[3] DIGENES LARCIO, VII, 169, 15-24.[4] Index Stocorum herculanensis, col XIII (Arnim, I, n 44.1); ATENEU,Deipnosophiste, VI, 251 b (Arnim, I, n 342); PAUSNIAS, Descrio da Grcia, II, 8,4; DIOGNES LARCIO, VII, 143.[5] PLUTARCO, Vida de Clemenes, cap. I.[6] Conhecido por Digenes Larcio, VII, 2; cf. VII, 16[7] ESTOBEO, Florilgio, 108, 33.[8] CCERO, Tusculanas, V, 18, 51.

    [9] Alegoria das Leis, II, 6; Leis Especiais, III, cap. II, Problemas sobre o Gnesis, II,cap XIV.[10] DIGENES LARCIO, VIII, 46.[11] LUCRCIO, Da Natureza das Coisas, II, 102-3; 124-5.[12] PLUTARCO, As Contradies do Esticos, cap. IX (Arnim, n 42).[13] FILN DE ALEXANDRIA, em Arnim, II, n 95.[14] CCERO, Primeiros Acadmicos, II, 144 (Arnim, I, n 66).[15] CCERO, Dos Fins, III, cap X.[16] DIOCLES, em Digenes Larcio, VII, 54 (Arnim, II, n105); Epiteto, Dissertaes,I, 6, 10.[17] SEXTO EMPRICO, Contra os Matemticos, VIII, 409 (Arnim, II, n85).[18] ARNIM, II, n181 a 269; exposio da lgica, sobretudo por Galeno e Diocles.[19] DIGENES LARCIO, VII, 79.[20] SEXTO EMPRICO, Contra os Matemticos, VIII, 177.[21] CCERO, Primeiros Acadmicos, II, 98.[22] SIMPLICIUS, Comentrio s Categorias, 78 b (Arnim, II, n499).[23] DIGENES LARCIO, VII, 139 (Arnim, II, n300).[24] ALEXANDRE DE AFRODISAS, Sobre a Mistura, ed. I. Bruns, pg 216 eseguintes.(Arnim, II. N473).[25] ARNIM, II, n 596 a 632, sobretudo ALEXANDRE - Comentrios sobre osPrimeiros Analticos de Aristteles, ed. Wallies, pg 180, 31.[26] Comentrio ao Timeu, 138 e.[27] PROCLO, Comentrio Repblica, II, pg 258, ed. Kroll.

    [28] AQUILES, Isagoge 13 (Arnim, II, 68