2
E M P R E S A C I D A D Ã 48 por Patricia Mariuzzo Expedição Vaga-Lume: iluminando a Amazônia com literatura Há sete anos, três jovens morado- ras da cidade de São Paulo, sensibili- zadas com o difícil acesso à leitura pelas comunidades rurais na região Norte do país, lançaram-se em um desafio inco- mum para mulheres da sua idade: levar livros para escolas rurais da Amazônia. O projeto foi batizado de Expedição Vaga-Lume: expedição, por trabalhar em lugares remotos e vaga-lume por- que elas queriam iluminar as comuni- dades com as luzes dos livros, como faz o inseto. Para viabilizar a empreitada criaram a Associação Vaga-Lume e, fir- madas as primeiras parcerias para pro- dução de material de divulgação, com- pra de livros, design e produção de estan- tes, a Expedição Vaga-Lume iniciou suas atividades em campo, com um pro- jeto piloto em duas comunidades no estado do Pará. O registro das primeiras interven- ções foi a principal ferramenta para cap- tar recursos que possibilitariam avan- çar por toda a Amazônia Legal brasilei- ra que compreende nove estados: Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão e Tocantins. Após contabilizar na primeira fase, 84 bibliotecas, mil mediadores capa- citados e alguns prêmios, Sylvia Guimarães, Maria Teresa Meinberg e Laís Fleury coordenam a segunda fase da Expedição que inclui visitas às comu- nidades beneficiadas, dando continui- dade ao trabalho e profissionalizando sua estrutura. A associação conta com uma importante rede apoiadora forma- da por empresas como a multinacional espanhola Guascor, a Votorantim, o BNDES, os Correios e a Gol Linhas Aéreas. O Banco da Amazônia, por exem- plo, patrocina o projeto, desde 2004, por meio da Lei Rouanet. Segundo Ricardo Merícias, coordenador de marketing do banco, participar desse tipo de projetos agrega valor às ações de responsabili- dade social da empresa. "É importante que a comunidade reconheça uma empre- sa socialmente responsável. Com isso podemos fortalecer nossa marca, hoje, o maior ativo da empresa e chave do sucesso comercial", afirma ele. O contingente de leitores no Brasil ainda é muito pequeno em relação à sua população. Segundo o Centro Regional para Fomento do Livro na América Latina (Cerlalc), apenas 10% dos brasileiros compraram pelo menos um livro no últi- mo ano. A média anual de leitura é outro índice preocupante: 1,8 contra 7 na França, 5,1 dos Estados Unidos, 5 da Itália e 4,9 da Inglaterra. A familiaridade com a leitura não é adquirida de forma espon- tânea. Dados do Ministério da Cultura indicam que as nações desenvolvidas produzem seus leitores em larga escala e que em todas elas há um fator em comum: o estímulo à leitura na família e na escola. Para Sylvia Guimarães, atual presi- dente da Associação, a falta de permanên- cia dos projetos educacionais do poder público atrapalha a democratização da leitura no país. Assim como a alta rota- tividade das pessoas à frente da área de educação. "Tem lugares onde trabalha- mos há muito tempo, mas todo ano temos que nos apresentar para a secretaria de educação", lamenta. A maioria das biblio- tecas montadas pela Expedição na região amazônica fica dentro de escolas. Questionada sobre a razão de ir tão lon- ge quando escolas da periferia de São Paulo também sofrem com a falta de livros, ela diz que apesar de existirem muitas escolas sem biblioteca na capi- tal paulistana, existem mais recursos para acesso à leitura, defende. Segundo ela, a idéia é fazer com que a biblioteca possa funcionar como um elo de ligação entre a escola e a comunidade. "Quando a biblioteca e a escola contam com a par- ticipação dos pais, dos alunos e de outras pessoas não necessariamente ligadas ao ambiente escolar, elas tornam-se espa- ços verdadeiramente comunitários", diz. COM APOIO DE EMPRESAS, PROJETO JÁ CRIOU 84 BIBLIOTECAS E CAPACITOU MAIS DE MIL MEDIADORES, AMPLIANDO, ASSIM, O NÚMERO DE LEITORES MIRINS NO BRASIL

EMPRESA CIDADÃ Expedição Vaga-Lume: iluminando a …inovacao.scielo.br/pdf/inov/v3n5/a28v03n5.pdf · Vaga-Lume: expedição, por trabalhar em lugares remotos e vaga-lume por-que

  • Upload
    ngominh

  • View
    229

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: EMPRESA CIDADÃ Expedição Vaga-Lume: iluminando a …inovacao.scielo.br/pdf/inov/v3n5/a28v03n5.pdf · Vaga-Lume: expedição, por trabalhar em lugares remotos e vaga-lume por-que

E M P R E S A C I D A D Ã

4 8

por Patricia Mariuzzo

Expedição Vaga-Lume: iluminando aAmazônia com literatura

Há sete anos, três jovens morado-ras da cidade de São Paulo, sensibili-zadas com o difícil acesso à leitura pelascomunidades rurais na região Norte dopaís, lançaram-se em um desafio inco-mum para mulheres da sua idade: levarlivros para escolas rurais da Amazônia.O projeto foi batizado de ExpediçãoVaga-Lume: expedição, por trabalharem lugares remotos e vaga-lume por-que elas queriam iluminar as comuni-dades com as luzes dos livros, como fazo inseto. Para viabilizar a empreitadacriaram a Associação Vaga-Lume e, fir-madas as primeiras parcerias para pro-dução de material de divulgação, com-pra de livros, design e produção de estan-tes, a Expedição Vaga-Lume iniciousuas atividades em campo, com um pro-jeto piloto em duas comunidades noestado do Pará.

O registro das primeiras interven-ções foi a principal ferramenta para cap-tar recursos que possibilitariam avan-çar por toda a Amazônia Legal brasilei-ra que compreende nove estados: MatoGrosso, Rondônia, Acre, Amazonas,Roraima, Pará, Amapá, Maranhão eTocantins. Após contabilizar na primeirafase, 84 bibliotecas, mil mediadores capa-citados e alguns prêmios, SylviaGuimarães, Maria Teresa Meinberg eLaís Fleury coordenam a segunda faseda Expedição que inclui visitas às comu-nidades beneficiadas, dando continui-dade ao trabalho e profissionalizando

sua estrutura. A associação conta comuma importante rede apoiadora forma-da por empresas como a multinacionalespanhola Guascor, a Votorantim, oBNDES, os Correios e a Gol LinhasAéreas. O Banco da Amazônia, por exem-plo, patrocina o projeto, desde 2004, pormeio da Lei Rouanet. Segundo RicardoMerícias, coordenador de marketing dobanco, participar desse tipo de projetosagrega valor às ações de responsabili-dade social da empresa. "É importanteque a comunidade reconheça uma empre-sa socialmente responsável. Com issopodemos fortalecer nossa marca, hoje,o maior ativo da empresa e chave dosucesso comercial", afirma ele.

O contingente de leitores no Brasilainda é muito pequeno em relação à suapopulação. Segundo o Centro Regionalpara Fomento do Livro na América Latina(Cerlalc), apenas 10% dos brasileiroscompraram pelo menos um livro no últi-mo ano. A média anual de leitura é outroíndice preocupante: 1,8 contra 7 na

França, 5,1 dos Estados Unidos, 5 da Itáliae 4,9 da Inglaterra. A familiaridade coma leitura não é adquirida de forma espon-tânea. Dados do Ministério da Culturaindicam que as nações desenvolvidasproduzem seus leitores em larga escalae que em todas elas há um fator emcomum: o estímulo à leitura na famíliae na escola.

Para Sylvia Guimarães, atual presi-dente da Associação, a falta de permanên-cia dos projetos educacionais do poderpúblico atrapalha a democratização daleitura no país. Assim como a alta rota-tividade das pessoas à frente da área deeducação. "Tem lugares onde trabalha-mos há muito tempo, mas todo ano temosque nos apresentar para a secretaria deeducação", lamenta. A maioria das biblio-tecas montadas pela Expedição na regiãoamazônica fica dentro de escolas.Questionada sobre a razão de ir tão lon-ge quando escolas da periferia de SãoPaulo também sofrem com a falta delivros, ela diz que apesar de existiremmuitas escolas sem biblioteca na capi-tal paulistana, existem mais recursospara acesso à leitura, defende. Segundoela, a idéia é fazer com que a bibliotecapossa funcionar como um elo de ligaçãoentre a escola e a comunidade. "Quandoa biblioteca e a escola contam com a par-ticipação dos pais, dos alunos e de outraspessoas não necessariamente ligadasao ambiente escolar, elas tornam-se espa-ços verdadeiramente comunitários", diz.

COM APOIO DE EMPRESAS,PROJETO JÁ CRIOU 84 BIBLIOTECAS E

CAPACITOU MAIS DE MILMEDIADORES, AMPLIANDO,

ASSIM, O NÚMERO DE LEITORES MIRINS NO BRASIL

inova48-49cidada.qxd 9/12/2007 3:23 PM Page 2

Page 2: EMPRESA CIDADÃ Expedição Vaga-Lume: iluminando a …inovacao.scielo.br/pdf/inov/v3n5/a28v03n5.pdf · Vaga-Lume: expedição, por trabalhar em lugares remotos e vaga-lume por-que

4 9

implantação e fortalecimento das açõesde acesso ao livro e à leitura. A área deatuação da Expedição Vaga-Lume, aAmazônia Legal Brasileira, é um vastoterritório com paisagens e característi-cas bem diferentes. Em seus nove esta-dos há comunidades ribeirinhas, garim-peiras, agrícolas, pesqueiras e missõesreligiosas. Éfeito o planejamento do tra-balho para formar professores e pessoasda comunidade como mediadores de lei-tura, estimular a gestão comunitária debibliotecas, facilitar o envio de livrospara a região e monitorar as ações desen-volvidas nas bibliotecas implantadas.

"O projeto só funciona se estiver conec-tado com a realidade local. Quanto maisnos misturamos com a comunidade, maisa Expedição dá certo", explica Sylvia. Osmediadores trabalham principalmentecom as crianças, oferecendo livros, len-do com elas. "É uma ação simples, porémmuito importante para a formação dosleitores, como a da mãe que lê para o filhoà noite", conta Sylvia. A expedição pro-move também a capacitação de multipli-cadores nas comunidades para dar cur-sos e fazer acompanhamento, diagnós-tico e avaliação e disseminar o projetoem outras comunidades.

Certamente a conquista de novos lei-tores passa sempre pelo interesse e curio-sidade que os livros podem despertar.Por isso a Expedição Vaga-Lume montaacervos com livros novos, de 150 a 300exemplares, conforme o tamanho dacomunidade. Como o foco são as crian-ças, a ênfase é dada à literatura infantile infanto-juvenil. A fim de resgatar e valo-rizar narrativas, o passado dessas comu-nidades e seus contadores de histórias,são organizadas rodas para ouvir osmoradores mais antigos. A partir des-sas oficinas de história oral são criadoslivros artesanais. Alguns deles chegamaté estudantes de escolas paulistanaspor meio da Rede dos Vaga -Lumes, outroprograma da Associação, que promoveo intercâmbio entre alunos e professo-res de escolas da Amazônia e de escolasda cidade de São Paulo, onde fica a sededa ONG.

Além disso elas buscam agora com-partilhar sua vivência com a sociedade.A realização do "Congresso sobre incen-tivo à leitura na Amazônia", em julho des-te ano, integra o conjunto de ações comessa finalidade. Na ocasião 74 pessoas —técnicos de secretarias de eduação, pro-fessores e lideranças comunitárias — de19 municípios da Amazônia, estiveramna cidade de São Paulo para formar equi-pes para atuar na Expedição.

E defende que "Uma biblioteca é um patri-mônio coletivo, e deve ser administradoe zelado pela comunidade".

CONHECIMENTO LOCALPara incentivar essa postura parti-

cipativa a metodologia desenvolvida pelaExpedição Vaga-Lume está fundada naconcepção de que a entrega de recursosmateriais deve vir acompanhada da capa-citação de pessoas para utilizá-los e doestabelecimento de rotinas para suainserção no cotidiano. O trabalho nascomunidades se inicia com uma visitade diagnóstico das condições locais para

Divulgação

CAPACITAÇÃO E EMPREENDEDORISMOSegundo a presidente da Associação, Sylvia Guimarães, a abrangência do trabalho da ONG

cresceu na medida em que os recursos aumentaram. "Buscamos sempre novos parceiros que quei-ram investir no desenvolvimento do país e não fazer ações pontuais de caridade. As empresasque nos apóiam querem fazer uma contribuição mais duradoura", diz ela. Além de contar com oapoio de grandes instituições para viabilização do seus projetos, a Associação Vaga-Lume contacom a ajuda de várias empresas menores que, ao invés de dar apoio financeiro, prestam serviçosem cobrar. Um escritório de advocacia realiza serviços pro bono e uma consultoria de recursoshumanos faz o treinamento dos funcionários. A ONG conta ainda com assessoria de comunica-ção e com uma empresa de auditoria que faz análise das contas da Associação. "Esse tipo deapoio é tão importante quanto o apoio financeiro direto, porque é um serviço de qualidade quenão poderíamos pagar", completa Sylvia.

Participantedo projeto se debruça

sobre o livro

inova48-49cidada.qxd 9/12/2007 3:23 PM Page 3