89
ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Belo Horizonte 2016

ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

  • Upload
    dangtu

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Mônica Perpétua Carlos

MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA

DE CRIME

Belo Horizonte

2016

Page 2: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

Mônica Perpétua Carlos

MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA

DE CRIME

Dissertação apresentada ao programa de

Pós-Graduação em Direito da Escola Superior Dom

Helder Câmara como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Gustavo Gonçalves

Ribeiro

Belo Horizonte

2016

Page 3: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

FICHA CATALOGRÁFICA

CARLOS, Mônica Perpétua. Meio ambiente urbano e sua influência para a prática de

crime. Local: Belo Horizonte. Minas Gerais – Brasil.

2016.

Número de Páginas: 88.

Dissertação apresentada à Escola Superior Dom Helder Câmara como requisito parcial para

obtenção do título de mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Gustavo Gonçalves. Ribeiro

Banca Examinadora: Professora Maraluce Maria Custódio e Professor Adilson de Oliveira

Nascimento.

Palavras-chave: Meio ambiente urbano; Direito Ambiental; Teoria das janelas quebradas.

Page 4: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Mônica Perpétua Carlos

MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA

DE CRIME

Dissertação apresentada ao programa de

Pós-Graduação em Direito da Escola Superior Dom

Helder Câmara como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Direito.

Aprovado em: _____/_____/_____

_______________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro (Orientador)

Escola Superior Dom Helder Câmara

________________________________________________________________

Professor Membro: Profa. Dra. Maraluce Maria Custódio

________________________________________________________________

Professor Membro: Prof. Dr. Adilson de Oliveira Nascimento

Nota: ____

Belo Horizonte

2016

Page 5: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

Dedico esta dissertação aos meus familiares, e

especial ao meu falecido irmão, JOÃO MARTINS

DE ABREU, pois sempre admirou e se orgulhou dos

meus estudos. E alertava, o orgulho e a arrogância

são os maiores defeitos do homem, cuide-se para

que o conhecimento não lhe torne desumana. (in

memoriam).

Page 6: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

AGRADECIMENTOS

Inicialmente, antes de qualquer agradecimento, trago os motivos que me fizeram continuar no

caminho jurídico, tanto acadêmico como profissional.

No ano de 2000, iniciei no meio acadêmico quando tive o prazer de conhecer o Professor Dr.

Adilson Oliveira, o qual ministrou aulas de Direito Penal para minha turma. A forma como

ele lecionava e o afinco de transmitir conhecimento para os jovens acadêmicos me

fascinaram, e desde então venho tentando traçar meus passos seguindo os dele.

Assim, agradeço ao professor Dr. Adilson Oliveira por ter me proporcionado aulas tão

maravilhosas, por ter sido uma pessoa que compartilhou seus conhecimentos; hoje tenho o

orgulho de dizer que você, Adilson, é minha fonte de inspiração.

Como se não bastasse a minha admiração pelo Professor Dr. Adilson, ele me recomendou o

melhor professor o qual eu tive a honra de ter como orientador, o Prof. Dr. Luiz Gustavo,

cujas recomendações em nada deixaram a desejar. Só tenho a agradecer ao Professor Dr. Luiz

Gustavo, que me guiou no momento em que eu já não mais me sentia competente, pois o dia a

dia do meu trabalho não contribuía para o meu desenvolvimento acadêmico, e mesmo assim

sentia que o Professor Luiz não desistia de mim.

A competência e dedicação do Prof. Luiz como meu orientador foi de suma importância para

o desenvolvimento deste trabalho. Você, professor, embora não saiba, com o seu auxílio

desde o início deste curso de mestrado, o qual perdurou dois longos anos, foi mais que um

orientador, também foi minha fonte de inspiração.

Agradeço aos meus familiares, principalmente na pessoa da minha irmã Eliana Lúcia Carlos e

meu cunhado Wagner Barros.

Finalizo com o agradecimento daqueles que de alguma forma contribuíram para a conclusão

do presente trabalho, como meus amigos que, por diversas vezes, entenderam minha ausência

nos eventos sociais devido à minha dedicação acadêmica coligada com o meu trabalho

profissional.

Page 7: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

“Aqueles que jamais subiram morros, favelas, ou

sequer conhecem de perto os antros frequentados

por marginais, e que se enclausuram comodamente

em seus gabinetes sem que nunca houvessem

participado de tiroteio no estrito cumprimento do

dever legal e também em legítima defesa, não se

devem apegar com antolhos ao texto gélido da lei,

distante do calor dos acontecimentos e a salvo de

gravíssimos riscos das atividades da Polícia

Judiciária, em toda plenitude legal.” (Mário

Portugal Fernandes Pinheiro, Procurador de Justiça)

Page 8: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – INVASÃO WILLIAM ROSA ..................................................................................................61

FIGURA 2 – CONSTRUÇÃO PREDIAL VERTICAL ................................................................................74

Page 9: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

Art. – Artigo

CDHU- Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano

CPB – Código Penal Brasileiro

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

EUA – Estados Unidos da América

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TJ – Tribunal de Justiça

Page 10: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo demonstrar que o meio ambiente artificial urbano deve

ser bem cuidado e planejado, adotando-se todos os instrumentos viabilizadores para se ter um

meio ambiente urbano saudável sem crimes, garantindo à população maior segurança.

Demonstrará que a superpopulação de uma cidade provoca o surgimento de favelas, devido a

fenômenos sociais como o êxodo rural e a imigração, uma vez que o campo não mais

comporta espaço para a nova geração, ocasionando o deslocamento para as cidades em busca

de emprego e de melhor qualidade de vida. Os novos anseios do ser humano no meio

ambiente urbano inviabilizam a repartição do espaço na cidade, fazendo com que o Estado

propicie moradias prediais verticais que muitas vezes provocam outros distúrbios na

população, porquanto interferem diretamente na parte psíquica do indivíduo, facilitando o

aparecimento da criminalidade. A pesquisa se desenvolveu pelo método qualitativo cujo

objetivo é analisar a efetividade do Direito Ambiental como ferramenta de política urbana

para a proteção ao ambiente em que vive o ser humano, e sua colaboração para a diminuição

de crimes urbanos. O marco teórico teve como referência a “teoria das janelas quebradas”,

escrita por Kelling e Wilson, os quais descrevem que em um lugar não cuidado e não

fiscalizado surgem crimes e criminosos. Utiliza-se da pesquisa feita por esses autores para

demonstrar que é possível haver um meio ambiente urbano artificial sem crimes, desde que

exista planejamento urbano, principalmente no tocante às moradias prediais.

Palavras-chave: Direito Ambiental; Meio ambiente urbano; Teoria das janelas quebradas.

Page 11: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

RESUMEN

La disertación en análisis tiene como objetivo demostrar que el medio ambiente artificial

urbano debe estar bien mantenido y planeado, y hay que adoptarse todos los instrumentos

capaces de proporcionar/crear un entorno urbano saludable y sin delincuencia, asegurando a la

población más seguridad. Se demonstrará que la superpoblación de una ciudad desencadena la

aparición de aglomeraciones, debido a fenomenos sociales tales como el éxodo rural y la

inmigración, dado que las zonas rurales ya no más tienem espacio para las nuevas

generaciones, lo que provoca el desplazamiento del exceso de población para las ciudades en

busca de empleo y mejores condiciones de vida. Las nuevas aspiraciones del ser humano en el

medio ambiente urbano hacen imposible la distribución de espacio en la ciudad, haciendo con

que el Estado oferte habitaciones verticales que muchas veces crean otras perturbaciones en la

población, puesto que influyen directamente en la parte mental del individuo, lo que facilita la

aparición del crimen. La investigación fue desarrollada por el método cualitativo, el cuál tiene

como objetivo analizar la eficacia del Derecho Ambiental como una herramienta de política

urbana para la protección al ambiente en que viven los seres humanos, y su contribución a

reducción de la delincuencia urbana. El marco teórico tuvo como referencia la “teoria de las

ventanas rotas”, escrita por por Kelling y Wilson, los cuáles describen que en un sitio que no

és cuidado o vigilado surgen delitos y delincuentes. Se utilizó de uma investigación hecha por

estos autores para demostrar que és posible haber un medio ambiente urbano artificial sín

crímenes, para lo que és indispensable que haya planeamiento urbano, especialmente con

relación a las habitaciones en edificio.

Palabras-clave: Derecho Ambiental; Medio ambiente urbano; Teoría de las ventanas rotas.

Page 12: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................................................14

2 MEIO AMBIENTE URBANO E DIREITO AMBIENTAL ......................................................................17

2.1 MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL .......................................................................................... 19

2.2 MEIO AMBIENTE NATURAL ........................................................................................................................... 22

2.3 MEIO AMBIENTE CULTURAL ......................................................................................................................... 22

2.4 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO ................................................................................................................... 22

2.5 MEIO AMBIENTE URBANO OU ARTIFICIAL ..................................................................................................... 23

2.5.1 Meio ambiente urbano como bem jurídico .......................................................................................... 25

2.6 DIREITO AMBIENTAL ................................................................................................................................... 30

2.6.1 Princípios do Direito Ambiental .......................................................................................................... 31 2.6.1.1 Princípio da prevenção e da precaução ...........................................................................................................33 2.6.1.2 Princípio do desenvolvimento sustentável ......................................................................................................36 2.6.1.3 Princípio da participação ................................................................................................................................37 2.6.1.4 Princípio do direito ao meio ambiente equilibrado e função social da cidade.................................................38

3 O FENÔMENO DO CRIME SOB A ÓTICA DA CRIMINOLOGIA ......................................................40

3.1 CRIMINOLOGIA: UMA ANÁLISE DA AÇÃO HUMANA NO AMBIENTE EM QUE HABITA ...................................... 40

3.2 TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS ............................................................................................................... 46

3.2.1 Tolerância zero ................................................................................................................................... 50

3.2.2 Crítica: os pobres e as minorias como alvo ........................................................................................ 53

3.2.3 A situação brasileira ............................................................................................................................ 55

4 A INFLUÊNCIA DO MEIO AMBIENTE URBANO NA PRÁTICA CRIMINOSA ................................59

4.1 DESENVOLVIMENTO URBANO ...................................................................................................................... 62 4.2 DIREITO URBANÍSTICO, RAMO DO DIREITO ATINENTE À POLÍTICA URBANA CONSTITUCIONAL: NA BUSCA DE

UMA CIDADE SUSTENTÁVEL ............................................................................................................................... 63

4.3 DO PLANEJAMENTO URBANO E SEGURANÇA PÚBLICA (LEI N.º 10.257/2001) ............................................... 67

4.4 VIOLÊNCIA URBANA: DESAFIO PARA O PLANEJAMENTO URBANO ................................................................. 71 4.5 CONSTRUÇÕES PREDIAIS VERTICAIS COMO SOLUÇÃO PARA A MORADIA URBANA, UM DESAFIO PARA A

SEGURANÇA PÚBLICA ......................................................................................................................................... 74

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................................80

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................83

Page 13: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

14

1 INTRODUÇÃO

Com o constante aumento da criminalidade, inicia-se a preocupação quanto à sua

origem, e surgem múltiplos questionamentos, com o objetivo de implementar ferramentas

para combatê-la. Diante de tal situação, o meio ambiente urbano é considerado uma das vias a

ser analisada como causa que impossibilita a criminalidade, podendo até mesmo diminuí-la.

A moradia é um dos direitos fundamentais do homem, antevisto constitucionalmente.

Não há que se falar em dignidade humana se o homem não vive em um ambiente saudável e

digno.

O homem procura seu espaço em um mundo onde a tecnologia impera (centros

urbanos), pois por diversas vezes as máquinas vêm o substituindo. Isso pode ser observado

nitidamente no campo (meio rural), em que cada vez mais a mão de obra humana é substituída

por máquinas, o que causa evasão do homem para a cidade. Além, é claro, de uma incessante

busca pelo desenvolvimento profissional e intelectual.

Diversos crimes existem devido ao desenho ou projeto do lugar em que ocorrem. O

conhecimento dos níveis dessa influência auxilia órgãos de segurança a apontar quais as

causas geradoras da criminalidade não decorrentes somente das falhas ou omissões da polícia.

Se as características determinantes da prática criminosa forem corretamente avaliadas,

elas poderão ser extirpadas, e novos ambientes poderão ser concebidos sem esses mesmos

erros, precavendo potenciais problemas. A industrialização torna o crescimento desordenado

das cidades um catalisador de novos fenômenos sociais, que transformam os costumes, a

economia, o espaço e a demografia. Grandes desigualdades apimentam essa realidade

favorável a desvios de conduta e crimes.

Desse modo, surgem os seguintes questionamentos: o meio ambiente urbano pode

contribuir para o cometimento de crime? Qual a efetividade da proteção do meio ambiente

urbano para o não cometimento de crime?

O meio ambiente urbano estabelecido com a observância das normas ambientais pode

ser uma forma de influenciar na redução do crime; a contrario sensu sua não observância

pode contribuir para que a pessoa venha a cometer crimes. Ambientes não amparados pelo

Estado encontram-se mais propícios à criminalidade por oferecer refúgio a delinquentes,

traficantes, usuários de drogas ou por facilitar a prostituição, por exemplo.

Page 14: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

15

Do estudo de normas ambientais, em conformidade com a Criminologia, Sociologia, e

regras de urbanização, nota-se a necessidade de um novo programa de habitação, com

edificações que viabilizem o policiamento, bem como facilitem a atuação dos órgãos sociais,

proporcionando maior segurança e uma vida digna aos habitantes. Muitas vezes, estes são

postos a coabitarem num mesmo ambiente físico com indivíduos com cultura e moral

diferentes. A redistribuição de familiares nesse ambiente físico retira-lhes uma das questões

sociais basilares que é a moradia digna.

O objetivo do presente estudo é analisar a efetividade do Direito Ambiental como

ferramenta de política urbana para a proteção ao ambiente em que vive o ser humano, e sua

colaboração para a diminuição de crimes urbanos.

Constantemente, as cidades têm sido geradoras de graves problemas urbanos,

resultados das migrações, do êxodo rural, do meio impróprio e desordenado de disposição do

espaço e, por conseguinte, da ausência de políticas públicas que podem colaborar para a

organização ambiental e concepção sociocultural do indivíduo. Nesse aspecto, a organização

dos municípios, a população que nele vive e o próprio ambiente podem contribuir à produção

criminal.

A maneira como o espaço urbano é projetado, construído e constituído pode diminuir

ou aumentar os indicadores de criminalidade de maneira drástica. Um espaço urbano

degradado, sem a prática de políticas públicas de favorecimento do cidadão e do ambiente, é

fator que contribui consideravelmente para a delinquência social.

A criminalidade surge em todas as sociedades, tanto nas grandes cidades, quanto nos

lugares mais afastados. Sendo o crime obra essencialmente humana, ciências como

sociologia, psicologia, psiquiatria, antropologia, entre outras, tomaram como campo de estudo

os aspectos da personalidade humana e os fenômenos criminosos advindos das características

sociais da criminalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, asseverou que

todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e ainda conferiu ao poder

público e ao cidadão a obrigação de preservá-lo para esta e as futuras gerações.

Concernente a isso não se pode esquecer de que algumas transformações urbanas

podem culminar em crimes, se não se aferir os discernimentos da Criminologia quanto ao

ambiente em que vive o homem, isto é, o meio em que este habita precisa ser considerado um

meio ambiente para se haver uma vida digna.

O Estado não pode se imiscuir de averiguar os aspectos criminais gerados pela

tentativa de resolver problemas de moradia, visto que a segurança pública é um dever do

Page 15: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

16

Estado, direito e responsabilidade de todos. A participação do Estado na segurança pública é

realizada diretamente pelas instituições policiais: Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de

Bombeiros Militar, por meio de atos e operações, segundo a Carta Magna. Essas instituições

apenas podem ser usadas quando os outros ramos da política pública fracassarem, isto é, o

Estado necessita prever casos não almejados pela sociedade.

A exclusão territorial é não apenas sintoma da desigualdade social, mas também

elemento mantenedor dela. É necessário um planejamento que viabilize o acesso de todos às

oportunidades do mercado cultural e laboral. A partir do momento em que a cidade tiver suas

partes integradas e os serviços públicos alcançarem todos os seus destinatários, a violência

massificada deixará de ter motivos para existir.

O presente trabalho é do tipo exploratório e descritivo. O aporte teórico advém de

pesquisas acadêmicas, obras literárias, livros, artigos, revistas e periódicos, entre outros. O

critério de análise de dados será qualitativo.

Segundo Bertucci (2008), as pesquisas exploratórias têm como objetivo principal

proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo exposto ou construir

hipóteses. Pode-se dizer que tais pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de

ideias ou a descoberta de intuições. Já as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a

descrição de características de determinada população ou fenômeno, ou então o

estabelecimento de relações entre variáveis.

O trabalho será dividido em seções. Na primeira seção, serão demonstrados os

conceitos de meio ambiente urbano e Direito Ambiental, apresentando o meio ambiente como

direito fundamental do ser humano, bem como os princípios do Direito Ambiental.

Na segunda seção, cujo ponto principal é a teoria das janelas quebradas, será

apresentado o fenômeno do crime sob os preceitos da Criminologia, analisando-se a situação

brasileira ante a criminalidade no meio urbano.

A terceira seção demonstrará a influência do meio ambiente para a criminalidade,

pautando-se sobre o desenvolvimento urbano, a falta de planejamento urbano e a violência

existente, abordando ainda os desafios da segurança pública com relação às construções

prediais verticais.

A última seção apresentará a conclusão do trabalho, demonstrando aspectos relevantes

do tema e apresentando soluções de melhoria para o problema e objetivos apresentados.

Page 16: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

17

2 MEIO AMBIENTE URBANO E DIREITO AMBIENTAL

O meio ambiente, local em que vive o homem, é uma das preocupações da

humanidade por ser direito de fundamental importância, o qual mereceu respaldo

constitucional quanto a sua preservação para as gerações presentes e futuras, imbuído no

espírito de se ter uma sadia qualidade de vida.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras

gerações (BRASIL, 1988).

Essa prescrição constitucional adveio das inquietudes frente ao meio ambiente, que

têm limitações naturais e sofre com a paulatina destruição e degradação perpetradas pelas

ações do homem. Segundo Thomé (2015, p. 118), “tais acontecimentos, estopins da crise

ambiental, foram fundamentais para a elaboração dos primeiros princípios de proteção

ambiental”.

Nesse contexto, há algumas décadas o meio ambiente mereceu atenção para além das

fronteiras nacionais, e até os dias de hoje, mundialmente, debatem-se os impactos ambientais

oriundos da conduta humana. E isso porque o meio ambiente sofre com atitudes provocadas

em qualquer parte do mundo; a degradação em um local provoca alterações no meio ambiente

de outras regiões.

E as preocupações e questionamentos internacionais justificam-se, pois o meio

ambiente é compartilhado por todos e local propício ao pleno desenvolvimento da

humanidade. José Afonso Silva (2003, p. 28) confirma que o meio ambiente é bem jurídico

merecedor de proteção por ser considerado essencial para a sobrevivência humana:

O problema da tutela jurídica do meio ambiente manifesta-se a partir do momento

em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar, mas a qualidade de vida

humana, se não a própria sobrevivência do ser humano.

Assim, a CRFB/88 traz a nova concepção protecionista, a qual diz que o meio

ambiente deve ser protegido, e ao mesmo tempo sustentável, em detrimento da teoria

utilitarista do meio ambiente, porquanto esta pressupõe que a natureza apenas serve aos seres

humanos. Em outras palavras, o meio ambiente é de fundamental importância para a

coexistência humana e dos demais seres.

Page 17: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

18

Segundo conceito trazido pela professora Beatriz Costa (2015, p. 55), o meio ambiente

ultrapassa os interesses concernentes somente aos humanos: “Meio ambiente é o conjunto de

elementos naturais e artificiais partilhados com seres humanos e não humanos, necessários ao

desenvolvimento e sobrevivência dessas espécies de forma harmônica e solidária”.

Importante salientar que a conceituação meio ambiente foi alterada no decorrer do

tempo, pois deixou de ser apenas um conceito natural, para abranger diversos outros fatores

atrelados à vida dos seres vivos.

Assim, o meio ambiente é o local onde a vida flui, tanto pelos elementos bióticos

como abióticos. Conforme bem descreveu Fabio Márcio Piló Silva (2015, p. 20), citando

Milaré, o meio ambiente é “constituído por seres bióticos e abióticos e suas relações e

interações”, não sendo um mero “espaço circunscrito, é realidade complexa e marcada por

múltiplas variáveis”.

Os novos conceitos que definem o meio ambiente levam em consideração diversos

aspectos como os avanços sociais e tecnológicos. Destarte, dentro do conceito do que vem a

ser meio ambiente, é necessário definir cada objeto de maneira que possa ser protegido pelo

ordenamento jurídico.

O meio ambiente pode ser classificado como meio ambiente natural, artificial, cultural

e do trabalho. O art. 3º da Lei n.º 6.938/1981 apenas se refere ao meio ambiente como

recursos naturais, deixando de mencionar as alterações feitas pelos humanos no meio

ambiente, como edificações urbanas, entre outros:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem

física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas

formas (BRASIL, 1981).

Já na Resolução Conama nº 306/2002, o conceito de meio ambiente foi expandido,

passando a ser composto também pela parte social, cultural e urbanística, consoante inciso

XII, do Anexo I:

Meio ambiente como conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem

física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a

vida em todas as suas formas (CONAMA, 2002).

Lado outro, Perazzoni (2011, p. 23), ao descrever meio ambiente urbano em seu livro,

definiu meio ambiente como meio ambiente bipartido em meio urbano e meio ambiente rural,

sendo que dentro de cada um deles coexistem os demais meios ambientes: o cultural, o do

Page 18: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

19

trabalho, o natural. Percebe-se, portanto, que a definição de meio ambiente ainda não é

solidificada na doutrina.

2.1 Meio ambiente como direito fundamental

Há doutrinadores para os quais o direito fundamental difere-se dos direitos humanos,

mas estão intrinsecamente conectados em dado momento.

Segundo Pereira (2006), compreende-se que os direitos fundamentais nasceram apenas

a partir do momento em que os princípios de direitos humanos consubstanciados nas

declarações de direitos passaram a ser constitucionalizados, ou seja, incorporados pelas

Constituições dos Estados que as condescenderam. Nota-se, portanto, que as normas de

direitos fundamentais têm descrições próprias que as caracterizam como normas de direitos

humanos. Tais atributos referem-se a três pontos basilares: a positivação, a titularidade e a

eficácia.

No que tange à positivação, confere-se que as normas de direitos fundamentais são

reconhecidas e positivadas no campo do Direito Constitucional positivo de certo Estado,

enquanto as normas de Direitos Humanos referem-se a posições jurídicas que distinguem o

ser humano como tal, involuntariamente de sua conexão com alguma ordem constitucional.

No tocante à titularidade, observa-se que, ao contrário das normas de Direitos

Humanos, que possuem como titulares todos os seres humanos, indistintamente, algumas

normas de direitos fundamentais têm como titulares exclusivamente os cidadãos de

determinado Estado. Por fim, no tocante à eficácia, verifica-se que as normas de Direitos

Humanos dependem do status jurídico atribuído a elas pelo ordenamento que as recepcionou,

ao passo que as normas de direitos fundamentais já têm, comumente, a sua aplicabilidade

garantida pelas Constituições que as consagram.

Direitos fundamentais são também reconhecidos como direitos humanos – homem

como o centro das preocupações; são valores que só se abrem ao homem e seu meio, tanto na

sua individualidade, como na sua transcendentalidade.

Como já se disse, um dos elementos de definição dos direitos fundamentais é a

constatação de que tais direitos são de exclusiva titularidade de indivíduos humanos.

Ora, o fato de o conteúdo de um direito ser supra-individual e, por tal razão,

indivisível, como é o caso dos chamados bens coletivos, não o exclui da definição de

direitos individuais. E, não o excluindo, permite identificá-lo como um direito

Page 19: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

20

fundamental, desde que seu conteúdo contemple prerrogativas imprescindíveis à

emancipação do homem (SILVA, 2007, p. 167).

Os princípios e as perspectivas do direito fundamental são utilizados para proteger o

meio ambiente como bem necessário ao homem. O meio ambiente é situado no campo do

direito de 3a geração, ou dimensão, como aquele contextualizado numa sociedade voltada para

práticas da transindividualidade:

Os direitos fundamentais desempenham funções múltiplas na sociedade e na ordem

jurídica. Essa diversidade de funções leva a que a própria estrutura dos direitos

fundamentais não seja unívoca e propicia algumas classificações, úteis para a melhor

compreensão do conteúdo e da eficácia dos vários direitos. Tem relevância conhecer

algumas tentativas mais notáveis de classificação conforme o papel desempenhado

pelos direitos fundamentais (MENDES, 2009, p. 139).

Os chamados direitos de terceira geração, também nominados de terceira dimensão,

dirigem-se à proteção da coletividade, de grupos de pessoas indeterminadas, sendo direitos

cuja titularidade é difusa ou coletiva, não mais do homem isoladamente. Por tal razão o meio

ambiente é de suma importância para a humanidade.

Assim, o meio ambiente é visto de forma coletiva, difusa. E pode ser situado, portanto,

como direitos fundamentais merecedores de proteção no ordenamento jurídico, amparados

constitucionalmente. Em outras palavras, Fabio Márcio Piló Silva também compreende que

meio ambiente é direito fundamental e indisponível previsto constitucionalmente:

O direito fundamental previsto no artigo recai especificamente sobre a expressão

“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (art. 225,

CRFB/88). Assim, como possuidor do status de direito fundamental, o direito de

todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é indisponível

(SILVA, 2015, p. 21).

Atinente a isso, o meio ambiente é bem jurídico de grande relevância para a sociedade,

e tem um valor tão grandioso, que é por isso elevado à categoria de direito fundamental pela

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Isso se verifica na medida em que a Constituição o considera como um bem de uso

comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, devendo o poder público e a

coletividade defendê-lo e preservá-lo, pois são verdadeiros direitos humanos.

E numa sociedade em que a transformação se dá de modo desenfreado, nascem

também novos interesses passíveis de proteção, como o meio ambiente em suas diversas

esferas. Por meio do Direito é de suma importância protegê-los, utilizando para tanto as vias

Page 20: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

21

legislativas, criando leis viabilizadoras e protetoras de direitos humanos, no caso aqueles

atinentes ao direito a ter um meio ambiente saudável.

Em um dos ensaios, "Direitos do homem e sociedade", destaco particularmente a

proliferação, obstaculizada por alguns, das exigências de novos reconhecimentos e

de novas proteções na passagem da consideração do homem abstrato para aquela do

homem em suas diversas fases devida e em seus diversos estágios. Os direitos de

terceira geração, como o de viver num ambiente não poluído, não poderiam ter sido

sequer imaginados quando foram propostos os de segunda geração, do mesmo modo

como estes últimos (por exemplo, o direito à instrução ou à assistência) não eram

sequer concebíveis quando foram promulgadas as primeiras Declarações

setecentistas. Essas exigências nascem somente quando nascem determinados

carecimentos. Novos carecimentos nascem em função da mudança das condições

sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los. Falar de direitos

naturais ou fundamentais, inalienáveis sou invioláveis, é usar fórmulas de uma

linguagem persuasiva, que podem ter uma função prática num documento político, a

de dar maior força exigência, mas não têm nenhum valor teórico, sendo portanto

completamente irrelevantes numa discussão de teoria do direito.

(BOBBIO, 1995, p. 6).

Para que o meio ambiente possa ser protegido, visto ser de grande importância para o

ser humano, erigido à categoria e proteção constitucional como direito fundamental,

necessário um bom planejamento urbano, e até mesmo leis repressivas de condutas lesivas ao

meio ambiente.

Assim, as condutas ameaçadoras do meio ambiente devem ser objeto de intervenção

estatal, por ameaçar bens jurídicos da mais elevada categoria. E diante da dimensão que vêm

se transformando essas ameaças, faz-se mais do que necessária a intervenção do Estado nas

condutas antiecológicas, tendo a própria Constituição Federal autorizado expressamente o uso

desse ramo do Direito, quando no art. 225, VII, § 3º, disse:

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os

infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,

independente da obrigação de reparar os danos causados (BRASIL, 1988).

Não basta apenas proteger o meio ambiente como direito fundamental ao ser humano,

com a finalidade de haver saudável qualidade de vida e resguardar o direito a um meio

ambiente conservado para as gerações futuras, deve-se também punir os contraventores da lei.

A proteção não pode ter como objeto o meio ambiente generalizado e amplo. A

doutrina, então, o divide para efetivar sua proteção de maneira sustentável e cumprir os

mandamentos da CRFB.

Page 21: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

22

2.2 Meio ambiente natural

É preciso apontar as diferenças entre meio ambiente natural, artificial, cultural e do

trabalho. O meio ambiente natural ou físico é composto pelos recursos naturais, como o solo,

a água, o ar, a flora e a fauna, e pela conexão mútua de cada um desses ambientes com os

demais.

Afinando o elucidado, tem-se por meio ambiente natural o composto por bens

propriamente naturais; é o próprio ambiente físico com suas propriedades naturais que

existem independentemente da ação humana e podem ser bióticos e abióticos. A atmosfera, o

solo, a flora, a fauna e as águas são exemplos de bens da natureza.

Acrescenta-se a necessidade do meio ambiente natural para a vida humana, sem o qual

esta seria extinta. Por tal razão, o direito ao meio ambiente natural é fundamental, elevado ao

grau máximo do bem jurídico, igualando-se ao bem jurídico “vida”, a qual é posta pela

doutrina ao lado do próprio conceito de meio ambiente.

2.3 Meio ambiente cultural

O meio ambiente cultural é o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, ecológico,

científico e turístico e constitui-se tanto de bens de natureza material, a exemplo dos lugares,

objetos e documentos de importância para a cultura, quanto dos de natureza imaterial, a

exemplo dos idiomas, das danças, dos cultos religiosos e dos costumes de maneira geral.

2.4 Meio ambiente do trabalho

O meio ambiente do trabalho, estimado ainda como uma extensão do julgamento de

meio ambiente artificial, é o conjunto de fatores que se relacionam às condições do ambiente

de trabalho, como o local de trabalho, as ferramentas, as máquinas, os agentes químicos,

biológicos e físicos, as operações, os processos, a relação entre trabalhador e meio físico.

Page 22: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

23

2.5 Meio ambiente urbano ou artificial

O meio ambiente urbano ou artificial é o arquitetado ou modificado pelo ser humano,

sendo composto pelos edifícios urbanos, que são os ambientes públicos fechados, e pelos

equipamentos comunitários, que são os ambientes públicos abertos, como as ruas, as praças e

as áreas verdes. Embora esteja mais relacionado ao conceito de cidade, o conceito de meio

ambiente artificial envolve também a zona rural, aludindo-se somente aos espaços habitáveis,

visto que neles os ambientes naturais resignam lugar ou se juntam às edificações urbanas

artificiais.

O principal objeto do Direito classificado como meio ambiente urbano são as cidades,

estas criadas e transformadas pelo ser humano como espaço ideal para se viver, onde habita

atualmente a maior parte da população mundial.

A Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,

adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972 e ratificada pelo Brasil em 16 de junho de

2004, aduz que o homem tem a capacidade de alterar o meio em que vive como forma de

torná-lo essencial para seu bem-estar.

O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual

lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual,

moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste

planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da

tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em

uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente

humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o

gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma

(ESTOCOLMO, 1972).1

Contudo, existem divergências a respeito de o meio ambiente urbano ser tratado como

sinônimo de meio ambiente artificial.

Para José Afonso da Silva (2000, p. 21), o aspecto artificial do meio ambiente é aquele

constituído pelo espaço urbano edificado, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço

urbano fechado) e dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em

geral: espaço urbano aberto).

Consuelo Yoshida (2010, p. 97 apud MARQUES) observa que a cidade é um bem

ambiental (bem de uso comum do povo e a necessidade de ser essencial à sadia qualidade de

1 http://www.apambiente.pt/_zdata/Politicas/DesenvolvimentoSustentavel/1972_Declaracao_Estocolmo.pdf

Page 23: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

24

vida), na medida em que constitui uma síntese do meio ambiente em todos os seus aspectos.

Ao mesmo tempo não entende a cidade como meio ambiente urbano sinônimo de meio

ambiente artificial, havendo diversos outros fatores propiciadores para a vida nas cidades que

se complementam com o meio ambiente artificial.

Seria o diverso do proposto por José Afonso da Silva, que leva em consideração as

relações sociais, a qualidade de vida e outros bens não visíveis aos olhos, mas presentes nas

interações do homem na cidade.

Com base nisso, podemos afirmar que a cidade como meio ambiente é bem de uso

comum do povo e deve corresponder às suas expectativas, ou seja, o ser humano tem que se

sentir seguro no meio ambiente em que vive. Não se pode mais pensar na cidade de forma

isolada; ela tem que ter múltiplas funcionalidades para qualidade de vida sadia dos indivíduos

que nela coabitam.

E é nesse contexto que cabe ao poder público diligenciar a fim de que todos os seres

humanos possam usufruir do acesso à infraestrutura urbana de qualidade, moradia, lazer,

serviços públicos, sob o manto da segurança para desempenhar quaisquer dessas atividades

tranquilamente.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 propõe em seus artigos 182

e 183, respectivamente:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público

municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o

pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus

habitantes.

§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com

mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento

e de expansão urbana.

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências

fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa

indenização em dinheiro.

§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área

incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo

urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado

aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão

previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos,

em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os

juros legais.

Page 24: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

25

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta

metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a

para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja

proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à

mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião (BRASIL, 1988).

Esses artigos são instrumentos viabilizadores de uma cidade sustentável. O Estatuto da

Cidade, Lei n.º 10.257/2001, foi elaborado com base em tais artigos, como norma geral a ser

observada pelos demais entes com relação às políticas públicas.

O mencionado Estatuto conceitua, em seu artigo 2º, inciso I, as diretrizes a serem

observadas:

Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana,

à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos

serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações

(BRASIL, 2001).

2.5.1 Meio ambiente urbano como bem jurídico

Em que pesem as modalidades doutrinárias de meio ambiente (natural, artificial,

cultural, do trabalho), não se pode esquecer seu caráter de indivisibilidade, pois é um

ecossistema que rege as vidas como um todo indistintamente, um uno envolvendo partes, um

coletivo transcendendo as singularidades.

Para compreensão inicial de bens jurídicos, segundo lição de Roxin,

Podem-se definir os bens jurídicos como circunstâncias reais dadas ou finalidades

necessárias para uma vida segura e livre, que garanta a todos os direitos humanos e

civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se

baseia nestes objetivos (ROXIN, 2009, p. 18-19).

A compreensão de bem jurídico remonta, fundamentalmente, à ideia de bem

existencial, imprescindível ao desenvolvimento social, o qual, consoante explicação de

Bianchini, Molina e Gomes,

É o bem relevante para o indivíduo ou para a comunidade (quando comunitário não

se pode perder de vista, mesmo assim, sua individualidade, ou seja, o bem

Page 25: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

26

comunitário deve ser também importante para o desenvolvimento da individualidade

da pessoa) que, quando apresenta grande significação social, pode e deve ser

protegido juridicamente. A vida, a honra, o patrimônio, a liberdade sexual, o meio-

ambiente etc. são bens existenciais de grande relevância para o indivíduo

(BIANCHINI; MOLINA; GOMES, 2009, p. 232).

Porém, para melhor compreensão dentro do Direito, a definição do que é meio

ambiente urbano é de grande valia para explicar a sua particularidade, pois ele passa a ter um

valor de fundamental importância e merece amparo, mas só se justifica quando o Estado o

protege a título de bem jurídico, posto ser relevante para a sociedade.

Consoante isso, para ter proteção no ordenamento jurídico, primeiramente deve ser

separado; em outras palavras, ele deve ser mais bem delimitado. No caso do meio ambiente

urbano, ele sai da esfera global do que seja meio ambiente e se torna objeto do Direito,

retirado do grande universo meio ambiente, para só então ser considerado bem jurídico.

A par de tal informação, no meio ambiente em que há um grande número de pessoas,

que se relacionam socialmente, é o meio ambiente urbano composto por diversos fatores

sociais, culturais, urbanos, com a intenção de que possa viabilizar uma vida saudável, com

qualidade de vida, o qual é chamado de cidade. Freitas, citando Park, trouxe o modelo de

ecologia social para explicar a cidade e demonstrou que ela é a unidade orgânica em que vive

o homem:

Park e seus contemporâneos usavam modelo da ecologia social para pesquisar a

cidade. Ele propôs uma analogia entre a distribuição da vida vegetal na natureza e

organização da vida humana em sociedades. Esta a razão pela qual este conceito se

tornou conhecido como ecologia humana. [...] via a cidade não apenas como um

fenômeno geográfico, mas como um tipo de “superorganismo” que tinha “unidade

orgânica” derivada das inter-relações simbióticas das pessoas que vivem nela

(PARK apud FREITAS, 2002, p.67/68).

Portanto, a cidade nada mais é que o meio ambiente urbano, um pedaço do meio

ambiente, que, como acima demonstrado, abrange diversos setores ambientais. Seu

desmembramento para fins acadêmicos e jurídicos é de suprema importância.

Verificado o valor da cidade para a humanidade, cabe ao Estado delimitar regras,

institucionalizar normas, todas gerenciais, para tornar viável a vida urbana, valoração

importante para delimitar o bem e o torná-lo jurídico.

Ademais, para assegurar a ordem social nas cidades, são necessárias normas de

regulamentação capazes de atuar como sistema eficaz e de controle social. Nas palavras de

Bobbio (1995, p. 230), “A ordem, de fato, é o resultado da conformidade de um conjunto de

acontecimentos a um sistema normativo [...]”.

Page 26: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

27

Assim, a cidade tem que ser considerada bem jurídico com valoração dada e

determinada por uma sociedade, que segundo ordenamento jurídico passa a merecer acolhida

em todos os escalonamentos da legislação.

E Prado (2009, p. 96) confirma que “o conceito material de bem jurídico reside, então,

na realidade social, sobre o qual incidem juízos de valor, primeiro do constituinte, depois do

legislador ordinário”.

Essa conceituação de bem jurídico advinda do ordenamento, segundo o autor, só

merece ser legítima a partir do momento em que é reconhecido, primeiramente, no âmbito

social; a isso se denomina valor social, que é o valor fruto das relações subjetivas, e que após

seu reconhecimento é levado para o mundo jurídico.

Afirma-se então que o bem jurídico é o valor social surgido primeiramente nas

entranhas de uma sociedade e que é utilizado pelo legislador como fundamento para sua

merecedora proteção dentro do ordenamento jurídico.

Portanto, o Estado, através de seu órgão legislativo, analisa que bem é tudo aquilo

considerado importante para o ser humano, podendo ser estimado em quantia (valor

patrimonial), bem como os bens naturais que de algum modo proporcionam ao indivíduo uma

comodidade.

Esses bens são fracionados em qualidade, segundo parâmetros definidos como mais

valiosos para a sociedade. Alguns bens aparecem até mesmo como imateriais, não poupáveis,

mas com um relevante reconhecimento existencial.

Na mesma esteira de pensamento, José Cirilo Vargas (2008, p. 2), ao tratar de bens

materiais, os considera não apenas como aqueles de valor econômico, pois não são os únicos

considerados bens jurídicos: pode haver bens imateriais elevados a patamares legais.

Para ele, “são bens jurídicos, antes de tudo, os bens de natureza patrimonial. Nesse

sentido, tudo que se pode integrar ao nosso patrimônio é um bem e, como tal, recebe tutela do

Direito. Mas não somente os bens patrimoniais que se erigiram em bem jurídico” (VARGAS,

2008, p. 2).

Na medida em que esses bens, através de juízos de valores de uma dada sociedade, são

considerados de suma importância para a vida humana, são merecedores de proteção pelo

ordenamento jurídico, e assim denominados, como outrora dito, bens jurídicos.

Frente ao disposto, ressalta-se que não se deve confundir “bem” com “valor”, em que

pese seu estreito relacionamento, uma vez que em sentido lato bem é tudo que é útil à vida do

Page 27: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

28

homem, e nem todos os bens são valorados pela sociedade a ponto de serem considerados

jurídicos, isso devido ao seu caráter individual e subjetivo.

Para tanto, o bem somente é plausível de se tornar bem normatizado, quando lhe forem

acrescidos valores determinados pela sociedade, e ainda relevado o momento de sua

concepção, ou seja, em um dado momento. Até porque os valores mudam segundo evolução

social, política, cultural etc., a isso se deve o seu caráter individual e subjetivo.

Nas palavras de José Cirilo Vargas, o valor é de difícil definição, mas afirma que há

diferenças entre valores, ou seja, têm-se valores jurídicos e valores sociais; segundo o autor,

“O valor tutelado por uma norma é um valor jurídico, na medida em que entra em contato

com o mundo do Direito. Mas isso não quer dizer que fora dessa relação ele não tenha

também um significado: antes de um valor jurídico é um valor social” (VARGAS, 2008, p. 4).

Nos dizeres de Reale Jr. (2001, p. 31), “O certo é que toda norma enuncia algo que

deve ser, em virtude de ter sido reconhecido um valor com razão determinante de um

comportamento declarado obrigatório.”

Além desses ilustres doutrinadores, Ferrajoli, numa linha mais restritiva, voltada para

uma análise penal, entende que bem jurídico deve ter conteúdo valorado e, para analisar uma

lesão, necessário também efetuar um juízo de valor: “Palavras como lesão e bem jurídico são

claramente valorativas. Dizer que um determinado objeto e interesse é um bem jurídico, e que

sua lesão é um dano é tanto como formular um juízo de valor sobre ele”.2 (FERRAJOLI,

1995, p. 467).

Consoante a isso, bem jurídico é tudo aquilo que proporciona uma satisfação ao

homem, são valores materiais ou imateriais. É tudo aquilo que representa uma significação

social ou individual, como a vida, a honra, o patrimônio, a liberdade sexual, o meio ambiente

etc.

Nota-se que é majoritário o fato de ser o bem jurídico oriundo de um valor, o que não

foi diferente nos escritos de Toledo (1994, p. 15), pois trouxe em seus escritos que “Bem, em

um sentido mais amplo, é tudo aquilo que nos apresenta como digno, útil, necessário valioso

[...] Os bens são, pois, coisas reais, ou objeto ideal dotado de ‘valor’, isto é, coisas materiais e

objetos imateriais que além de ser o que são ‘valem’”.

2 Palabras como «lesión», «daño» y «bien jurídico» son claramente valorativas. Decir que un determinado objeto

o interés es un «bien jurídico* y que su lesión es un .daño. es tanto como formular un juicio de valor sobre él. (FERRAJOLI, 1995, p. 467).

Page 28: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

29

Assim, não se pode elevar a patamares jurídicos quaisquer bens, eles devem ter sua

significação frente ao indivíduo e à sociedade, para somente após uma análise aprofundada

elevá-los à categoria da proteção jurídica.

Muitas coisas podem ser consideradas bem, mas somente aquelas de elevado valor

individual podem ser consideradas bem jurídico. Este deve ter elemento de grande interesse

ao homem em relação a um determinado bem existencial. Por exemplo, o bem “vida” pode ser

visto como bem jurídico no momento em que for confrontado pela morte ou pelo risco,

quando sua proteção será considerada de grande interesse.

Da mesma forma merece diferenciação o que seria objeto de interesse para o

ordenamento jurídico. Isso se deve ao fato de que alguns valores podem não ter interesse em

um determinado contexto social ou interesse político.

O Estado, portanto, acaba por qualificar um bem segundo interesses (políticos, sociais,

econômicos etc.), ou seja, por mais valorado que seja um determinado bem para uma

determinada sociedade, a depender das questões colocadas em “jogo”, não será elevado à

categoria do Direito.

A isso está atrelado o bem jurídico, como um bem devidamente valorado, mas apenas

posto no ordenamento jurídico, segundo interesses na sua proteção. Pode-se dizer que bem,

valor e interesse estão ligados entre si, mas nem tudo que é bem é protegido; da mesma forma

podemos afirmar quanto a valores, já que nem todos os valores são normatizados ou

censurados.

Observa-se que na seara cível diversos bens são considerados de grande valia, seja nas

relações sociais ou contratuais, mas apenas aqueles de valoração e interesse social são por

esse ordenamento protegidos. E isso se deve ao fato de não assoberbar todo o ordenamento

jurídico na proteção de bens irrelevantes; para tanto são utilizados princípios e regras

costumeiras.

Constata-se que a lei, portanto, é considerada parte importante no controle social; seria

o elemento substancial para prevenir, remediar ou castigar os desvios das regras prescritas.

Desse modo, a lei expressa a presença de normatização de bem jurídico e regulamenta essas

complexas relações sociais, e assim a coesão do grupo social é mantida.

Nos dizeres de Miguel Reale:

Reconhece-se em última análise, como uma conquista impostergável da civilização

o que técnica e tradicionalmente se denomina autonomia da vontade, isto é, o poder

que tem cada homem de ser, de agir e de omitir-se nos limites das leis em vigo,

tendo por fim alcançar algo de seu interesse e que, situado no âmbito da relação

Page 29: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

30

jurídica, se denomina bem jurídico. Pode este ser, quanto ao conteúdo de natureza

econômica, estética, religiosa, de comodidade social, de recreação etc., pois o

Direito é sincrônico com todas as formas de vida social (REALE JR., 2001, p. 170)

(grifos nossos).

Assim, bem jurídico nada mais é que valor atribuído por uma sociedade e que através

do interesse acerca de sua proteção é elevado à categoria de norma prescrita no ordenamento

jurídico. Para parte da doutrina antropocentrista, esse bem elevado à categoria do Direito só

pode ser considerado lesionado quando se tratar de um bem jurídico cuja integridade o

sistema normativo proteja, reconhecendo-o como um direito do indivíduo3.

Nesse sentido, o bem jurídico individual deve atuar, segundo Hassemer, como

orientador de toda a ratio legis, fornecendo elementos para a configuração de uma

política criminal justa. Colocar a teoria do bem jurídico nesses termos, contudo, não

responderia à questão de se o Direito Penal está realmente em condições de proteger

tais bens, ou se estes efetivamente significam um limite legítimo de intervenção do

Estado (OLIVEIRA, 2013, p. 56).

Portanto, o local onde habita o homem, como bem jurídico, merece amparo pelo

ordenamento jurídico, através de instrumentos viabilizadores. Meio ambiente urbano é a

cidade bem planejada que deve dar ao ser humano uma vida saudável, uma maior qualidade

de vida.

Por isso, o Direito Ambiental, através de métodos sistêmicos e dos instrumentos de

políticas públicas, pode colocar à disposição do homem um meio ambiente urbano (cidades)

bem planejado e saudável, viabilizando melhor qualidade de vida para as gerações presentes e

futuras.

2.6 Direito Ambiental

Direito Ambiental é a ciência que se preocupa com os interesses atinentes ao meio

ambiente, em quaisquer de suas subespécies, como o natural, o artificial, o do trabalho e o

cultural, de forma a equilibrar uma essencial e sadia qualidade de vida. E por isso busca

proteção de bens jurídicos de fundamental importância para a vida dos seres vivos e seu meio.

3 F. von Liszt, Tratado, cit., 32, t. 11, p. 337: *la lesión o riesgo de un bien jurídico sólo será materialmente contraria al

Derecho cuando esté en contradicción con los fines del orden jurídico que regula la vida común.. Cf. también A. de Marsico,

Diritto penale. Parte generale, Jovene, Nápoles, 1937, p. 143. Citados por (FERRAJOLI, Luigi. 1995, op. cit. p. 426)

Page 30: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

31

Numa sociedade moderna, faz-se necessário que o Direito Ambiental, juntamente com

os demais ramos da ciência, busque soluções sensíveis e ao mesmo tempo práticas, devido ao

aumento da complexidade de interesses e valores, pois os conflitos sociais se alastram para

além de respostas exatas e objetivas.

Assim, o Direito Ambiental pode ser visto como uma ciência multidisciplinar, que não

tem apenas direito material, mas processual, transindividual, metafísico, de interesse coletivo,

que até mesmo transpõe as fronteiras do Estado, sem assim ferir o princípio da soberania.

E isso se deve ao fato de que o interesse em comento trata de questões oriundas, para

alguns, do direito natural, que transpassa limites geográficos, por ser comum a todos.

Norberto Bobbio, ao tratar do direito natural, assevera que:

O direito natural é aquele que tem em toda parte (pantachoú) a mesma eficácia (o

filósofo emprega o exemplo do fogo que queima em qualquer parte), enquanto o

direito positivo tem eficácia apenas nas comunidades políticas singulares em que é

posto (BOBBIO, 1995, p. 17).

Em contrapartida aos seguidores do direito natural, Freitas (2012, p. 23) fala do

aspecto objetivo do Direito Ambiental e expõe que ele está estritamente ligado ao conjunto

das normas disciplinadoras da proteção da qualidade do meio ambiente.

2.6.1 Princípios do Direito Ambiental

Princípios são informadores de condutas e proporcionam, por meio de juízos de

valores abstratos, a interpretação e o fundamento do Direito.

Os doutrinadores Robert Alexy e Ronald Dworkin (apud COSTA, 2013, p. 19)

entendem que normas são gênero que tem como espécies princípios e regras.

Logo, o ordenamento jurídico contempla o arcabouço de normas ou padrões a serem

obedecidos; as normas são a tradução do almejado em uma sociedade, substrato de princípios;

e as regras são as conclusões destes. Assim, pode-se dizer que existem normas-princípios e

normas-regras.

Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da

interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se

constituem no objeto de interpretação; e as normas, no seu resultado. O importante é

que não existe correspondência entre norma e dispositivo, no sentido de que sempre

Page 31: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

32

que houver um dispositivo haverá uma norma, ou sempre que houver uma norma

deverá haver um dispositivo que lhe sirva de suporte (ÁVILA, 2005, p. 22).

A doutrina faz uma distinção entre regras e princípios e explica também como adotar

normas-princípios e normas-regras quando houver colisão entre elas. Alexy, em seus

ensinamentos, diferenciou num primeiro momento os princípios e as regras quanto à

generalidade. Considerou que, se mais ampla sua aplicabilidade, trata-se de princípio; as

regras para ele têm aplicação mais específica, não havendo a possibilidade de flexibilização.

Ocorre que a diferença tendo como critério o grau não foi a ideal escolhida por Alexy;

ele foi criterioso e entendeu que, para não haver problema na colisão das normas, o princípio

deve ser analisado pelo critério qualitativo; ao contrário, as regras devem ser analisadas pelo

critério da validade.

Para Alexy, os princípios seriam mandamentos de otimização (maximização), ou seja,

são normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida do possível de acordo com

as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Em contrapartida, a norma deve ser cumprida

segundo o critério de validade, o que leva a interpretar que os princípios devem ser cumpridos

na maior medida possível, utilizando-se das circunstâncias fáticas e jurídicas existentes. As

circunstâncias fáticas dizem respeito às circunstâncias no caso concreto, analisando-se cada

caso. E as jurídicas são os princípios e as regras que apontam no sentido oposto e que vão

determinar a medida de seu cumprimento; exemplo é o direito à privacidade e à liberdade de

informação (sentidos opostos).

Dworkin, ao desenvolver sua teoria da colisão de princípios e regras (espécie de

norma), entendeu que os princípios devem ser aplicados segundo o bom senso a ser dado em

um caso concreto; já as regras devem ser aplicadas na medida exata.

As regras são mandamentos de definição; regras impõem resultados e têm aplicação

automática, obedecem à lógica do tudo ou nada. Aqui se aplica a subsunção, e não a

ponderação como no princípio.

Entrementes, os princípios como espécie de normas são basilares para o Direito

Ambiental, e enfatiza-se que este tem princípios próprios que o inserem como ramo do Direito

com autonomia suficiente para proteção de bens jurídicos ambientais.

Celso Antônio Bandeira de Mello (apud THOMÉ, 2015, p. 57) considera o princípio

como basilar do Direito, sendo de suma importância para “orientar o desenvolvimento e a

aplicação de políticas públicas”.

Page 32: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

33

[...] é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,

disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o

espírito e servindo de critérios para a sua exata compreensão e inteligência,

exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe

confere a tônica e lhe dá sentido humano. É o conhecimento dos princípios que

preside a intelecção das diferentes partes componentes de todo unitário que há por

nome sistema jurídico positivo.

Portanto, é indiscutível a relevância da existência de diversos princípios ambientais

que fundamentam o Direito Ambiental, a conferir-lhe suporte de existência como ciência do

Direito e permitir a aplicação de suas normas da melhor maneira em um dado caso concreto.

A utilização de princípios é importante, uma vez que as normas do Direito Ambiental

estão dispersas em inúmeros textos de lei. Por intermédio dos princípios, consegue-se

organizá-las, ou seja, dar-lhes suporte para sopesar de forma criteriosa a melhor interpretação

em um caso concreto.

Ainda, o fato de o interesse ambiental, conforme mostrado acima, transpassar limites

geográficos, e como direito natural comum a todos os indivíduos, fomenta ainda mais conflito

entre as normas alienígenas, pois o Direito Ambiental é visto como ciência universal, que até

mesmo transpõe as fronteiras do Estado, sem contudo ferir o princípio da soberania.

E para que isso seja possível, o Direito Ambiental utiliza todo o sistema normativo e

pondera os princípios conflitantes na busca fundamental do direito ao meio ambiente saudável

para as presentes e as futuras gerações.

Acrescenta-se também que numa sociedade moderna faz-se necessário que o Direito

Ambiental, juntamente com os demais ramos da ciência, busque soluções sensíveis e ao

mesmo tempo práticas, devido ao aumento da complexidade de interesses e valores, pois os

conflitos sociais se alastram para além de respostas exatas e objetivas, ensejando a

flexibilização dos princípios proposta por Alexy.

2.6.1.1 Princípio da prevenção e da precaução

O Direito Ambiental, tal como os demais ramos do Direito, utiliza-se de princípios

como informadores de condutas ambientais, alicerce ou fundamento do Direito. Dentre os

princípios do Direito Ambiental, tem-se o princípio da prevenção e o princípio da precaução.

Alguns doutrinadores, como Figueiredo (2013), conceituam que o princípio da

prevenção é entendido como sinônimo do princípio da precaução, que deve ser observado

Page 33: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

34

como antecipador de danos ambientais, contra riscos conhecidos e previsíveis. Ele visa à

adoção de medidas cautelares antes de iniciar atividade passível de causar poluição ou

degradação ao meio ambiente.

Nas palavras de Canotilho e Leite (2011, p. 193), o princípio da precaução e o da

prevenção “são os dois lados de uma mesma moeda”, e citam “o adágio popular mais vale

prevenir do que remediar”, explicando a aplicação dos princípios como a finalidade de

prevenir riscos para as futuras gerações.

Para Edis Milaré, o princípio da prevenção é diferente do princípio da precaução. O

autor assevera que o princípio da prevenção deve ser aplicado aos casos em que o

empreendimento, atividade econômica, possa ocasionar perigo certo ao meio ambiente,

devendo as consequências do ato ser antecipadas, exigindo adoção de medidas suficientes ao

seu combate. Como se transcreve a seguir:

Aplica-se esse princípio, como se disse, quando o perigo é certo e quando se tem

elementos seguros para afirmar que uma determinada atividade é efetivamente

perigosa [...]

Na prática, o princípio da prevenção tem como objetivo impedir a ocorrência de

danos ao meio ambiente, através da imposição de medidas acautelatórias, antes da

implantação de empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou

potencialmente poluidoras (MILARÉ, 2011, p. 1070-1071).

Na mesma linha de pensamento, Paulo Affonso Leme Machado diferencia os

princípios da prevenção e da precaução:

No Brasil, quando a lei 6938/1981 diz, em seu art. 2º, que sua Política Nacional do

Meio Ambiente observará como princípios a “proteção dos ecossistemas, com a

preservação das áreas representativas”, e “a proteção de área ameaçadas de

degradação”, está indicando especificamente onde aplicar-se o princípio da

prevenção (MACHADO, 2014, p. 120).

Leme alerta também que o princípio da prevenção não é estático, ele deve ser

constantemente avaliado através de políticas públicas a depender de dados existentes em cada

momento, pois no tempo as medidas de aplicação do princípio da prevenção podem alterar

tanto na conformidade da evolução, quanto no desenvolvimento de cada país.

Já o princípio da precaução destina-se a evitar um perigo abstrato, ou seja, uma

situação de risco ou um potencial dano desconhecido em razão da imprevisibilidade das

consequências da atividade impactante. Relaciona-se sem sombra de dúvida à insuficiência do

conhecimento científico sobre determinado assunto, preocupando-se com um risco incerto,

possível de concretizar-se.

Page 34: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

35

Esse princípio destina-se à proteção ambiental em face da incerteza dos saberes

científicos, de modo que é frequente a sua invocação quando se discutem assuntos relativos ao

aquecimento global, à engenharia genética e à introdução de organismos geneticamente

modificados, entre outros.

E ainda, no ano de 1992, foi realizada na cidade do Rio de Janeiro a Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tendo-se reunidos para concretizar

e efetivar a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,

adotada em Estocolmo em 16 de junho de 1972 e ratificada pelo Brasil em 16 de junho de

2004, a qual trouxe o princípio da precaução, de número 15, colacionado abaixo:

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser

amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando

houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica

absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas

economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental (ONU, 1992).

É, portanto, dever jurídico evitar a consumação de danos ao meio ambiente, sob pena

de responder pelos atos praticados. Esses princípios são balizadores de quaisquer condutas

relacionadas ao meio ambiente; são as diretrizes para os demais princípios e normas

ambientais.

Tanto o princípio da prevenção quanto o da precaução visam a conscientizar não

apenas o Estado quanto à fiscalização e elaboração de políticas públicas, mas também o

homem em sua conduta social, de maneira a interagir com o seu meio e proteger seu habitat,

evitando danos irreparáveis.

Os avanços tecnológicos propiciam o exame dos princípios da prevenção e da

precaução, porque as consequências das atividades ou produtos podem ser danosas. Para tanto

os tribunais superiores aplicam tais princípios como guiador das atividades no mercado

econômico. Contudo, viabilizam a aplicação deles (prevenção e precaução) em conjunto com

o princípio do desenvolvimento sustentável, de maneira a não impactar o mercado econômico

e os avanços sociais necessários para o desenvolvimento.

[...] Ausência de eliminação total dos efeitos nocivos da destinação dos pneus

usados, com malefícios ao meio ambiente: demonstração pelos dados. 4. Princípios

constitucionais (art. 225) a) do desenvolvimento sustentável e b) da equidade e

responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente equilibrado:

preservação para a geração atual e para as gerações futuras. Desenvolvimento

sustentável: crescimento econômico com garantia paralela e superiormente

respeitada da saúde da população, cujos direitos devem ser observados em face das

necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e

respeito às gerações futuras. Atendimento ao princípio da precaução, acolhido

Page 35: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

36

constitucionalmente, harmonizado com os demais princípios da ordem social e

econômica. 5. Direito à saúde: o depósito de pneus ao ar livre, inexorável com a

falta de utilização dos pneus inservíveis, fomentado pela importação é fator de

disseminação de doenças tropicais. Legitimidade e razoabilidade da atuação estatal

preventiva, prudente e precavida, na adoção de políticas públicas que evitem causas

do aumento de doenças graves ou contagiosas. Direito à saúde: bem não patrimonial,

cuja tutela se impõe de forma inibitória, preventiva, impedindo-se atos de

importação de pneus usados, idêntico procedimento adotado pelos Estados

desenvolvidos, que deles se livram [...] (ADPF 101, Relatora: Min. Cármen Lúcia,

Tribunal Pleno, julgado em 24.6.2009, DJe-108 Divulg. 1º.6.2012. Publicação:

4.6.2012).

2.6.1.2 Princípio do desenvolvimento sustentável

É relevante mencionar que a comunidade internacional se preocupa com o

desenvolvimento acelerado da economia e o progresso social dos Estados soberanos. Isso

porque desde a década de 60 o planeta tem sofrido com diversos acidentes na esfera

ambiental.

Nesse contexto, foi realizada a Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo no

ano de 1972, que reuniu diversos representantes para discutir o futuro do planeta, assunto que

não se limita à esfera geográfica de um país.

Nas palavras de Paulo Affonso Leme (2014, p. 70), “não há qualquer país que não seja

sócio da ideia de desenvolvimento sustentável, mesmo e sobretudo os ricos”.

Em 1987, no Relatório intitulado por Brundtland, o presidente da Comissão Mundial

sobre o meio ambiente e o desenvolvimento Gro Harlem Brundtland definiu desenvolvimento

sustentável como aquele [desenvolvimento] que atende às necessidades do presente sem

comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades.

Também citado por Paulo Affonso Leme Machado (2014, p. 73), acerca do documento

apresentado na mencionada comissão, “para assegurar um desenvolvimento sustentável é

preciso, entretanto, promover valores que facilitarão um tipo de consumo nos limites do

possível ecológico e ao qual cada um possa razoavelmente pretender.”

No ano de 1992, no Brasil, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente, o que evidenciou ainda mais a preocupação de diversos países acerca do

desenvolvimento econômico frente às degradações ambientais provocadas pelo

desenvolvimento e o progresso econômico.

Nessa esteira, trouxe o princípio de número 1, enfatizando o desenvolvimento

sustentável nos seguintes dizeres: “Os seres humanos estão no centro das preocupações com o

Page 36: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

37

desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com

a natureza” (ONU, 1992).

A preocupação dos países quanto ao meio ambiente mostrou-se necessária, pois um

país não se desenvolve sem a exploração dos recursos naturais, mas precisa fazer essa

exploração sem agredir a natureza e o meio ambiente.

O princípio do desenvolvimento sustentável não está expressamente disposto na Carta

Magna de 1988, mas se encontra implícito no art. 225, no que tange à parte referente do dever

de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Assim, a alteração no meio ambiente pelo ser humano e em qualquer das esferas

ambientais, como a social, cultural, do trabalho, inclusive quanto à cidade, deve resguardar o

desenvolvimento com a observância da sustentabilidade. Principalmente quanto à parte de

preservar um meio ambiente sadio para as presentes e as futuras gerações, retirando dele tudo

que provoca inquietação no ser humano, inclusive a criminológica.

2.6.1.3 Princípio da participação

Já o princípio da participação demonstra claramente que a sociedade não é afastada do

papel de responsável pela preservação e proteção ambiental. Esse princípio, ao contrário,

traduz o envolvimento de toda a coletividade como parceira na preservação e proteção do

meio ambiente.

Para tanto, a Carta Maior trouxe instrumentos processuais, como ação popular, ação

civil pública, direito de petição, entre outros capazes de fazer valer o direito de todos de

usufruir um meio ambiente com qualidade.

Esse princípio focaliza na conscientização de todos os homens para uma efetiva

proteção do meio ambiente saudável, e ainda estende essa obrigação com viés futuro, para

proteção de interesses ainda não existentes, ou seja, para interesses além dessa geração, para

gerações vindouras, de forma que todos os seres humanos presentes e futuros possam gozar de

um meio ambiente saudável com qualidade de vida.

Page 37: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

38

2.6.1.4 Princípio do direito ao meio ambiente equilibrado e função social da cidade

O meio ambiente deve ser favorável para seres se desenvolverem, haja vista que é

onde a vida biótica e a abiótica acontecem. O direito do ser humano de ter o local em que vive

preservado e equilibrado nada mais é que o próprio direito fundamental do ser humano, e

confere ao sujeito de direito a possibilidade de reivindicá-lo.

Como salientado, o meio ambiente é considerado direito de terceira geração ou

dimensão, já que é bem jurídico de grande valor para a humanidade e incorporado no texto

constitucional do Estado Democrático de Direito.

Meio ambiente é a extensão da vida, na conformidade do escrito por Milaré:

O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade,

como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e

saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade dessa existência-

qualidade de vida-, que faz com que valha a pena viver (MILARÉ, 2011, p. 1.065).

Milaré considera ainda o meio ambiente como algo transcendental. Por ser direito

fundamental, está disposto no caput do art. 225 da CRFB, mesmo que fora do artigo 5º do

mesmo diploma, pois a Constituição Federal é analítica e sistêmica, decompõe-se em

múltiplos elementos e depois sistematiza cada elemento que compõe o todo. Por sua vez, os

direitos e as garantias encontram-se distribuídos por todo o texto constitucional.

Nas belas palavras do prof. Thomé (2015, p. 65), “O fato de não compor o título

próprio dos Direitos e Garantias Fundamentais, englobante dos art. 5o ao 17, não lhe retira

substância nem formalidade.” E explica:

Sem embargo da maior concentração dos direitos naquela topologia, a identificação

de outros direitos igualmente fundamentais obriga uma leitura sistemática das

disposições da Constituição, que leve em conta o sentido direto ou gramatical do

texto, mas também a sua referência aos eixos normativos- axiológicos da sociedade

e sua relação com a organização e funcionamento do Estado (THOMÉ, 2015, p. 65).

Para Paulo Affonso Machado (2014, p. 62), “O conceito equilíbrio não é estranho ao

Direito. Pelo contrário, a busca do equilíbrio nas relações pessoais e sociais tem sido um fim a

atingir nas legislações.” Assim, o direito ao meio ambiente equilibrado significa dizer que

toda relação social faz parte do meio ambiente, e elas devem ser equilibradas, monitoradas

pelo Estado, sob pena de não atingir o direito fundamental prescrito na CRFB/88.

Page 38: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

39

Atrelado ao princípio do direito ao meio ambiente equilibrado está o princípio da

função social da cidade, de maneira a se ter uma cidade sustentável. E para se efetivar esses

princípios, o Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257/01) é instrumento hábil e traz em seu art. 1o,

parágrafo único, o conceito do que vem a ser uma cidade sustentável, com a sua função social

respeitada, considerando o bem-estar coletivo dos cidadãos e o meio ambiente equilibrado:

Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas

de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em

prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do

equilíbrio ambiental (BRASIL, 2001).

Após apresentar os conceitos sobre o meio ambiente urbano e o direito fundamental, é

preciso realizar uma conexão entre a criminalidade e a influência do meio ambiente,

apresentando, ainda, questões sobre a teoria das janelas quebradas e a atual situação brasileira

no que tange aos crimes.

Page 39: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

40

3 O FENÔMENO DO CRIME SOB A ÓTICA DA CRIMINOLOGIA

Uma das maiores indagações que se apresentam sobre o surgimento do crime é a sua

causa. O que leva um indivíduo inserido na sociedade a praticar atos considerados não aceitos

pelos padrões morais, éticos e culturais dessa mesma sociedade?

A Criminologia é a ciência que tenta responder essas perguntas, capacitada a estudar

as condutas humanas e analisá-las em diversos aspectos, como ações do homem dentro de

uma sociedade composta de regras e valores.

Com os avanços sociais, a Criminologia foi-se diversificando e mudando o foco de seu

objeto. Segundo pesquisadores como Juarez Cirino, a Criminologia tomou outro rumo para

explicar o crime e o criminoso. Para ele a Criminologia parte da criminalidade para a

criminalização; não seria o tratamento anterior dado ao crime pela criminologia tradicional,

em que o indivíduo era analisado por suas características biológicas, psicológicas e

ambientais.

3.1 Criminologia: uma análise da ação humana no ambiente em que habita

A Criminologia é o instrumento que estuda as razões de determinados

comportamentos individuais, e até mesmo de um dado grupo situado em uma dada localidade.

Isso porque o ser humano é considerado no “reino animal” como ser racional. Em que

pese ter a racionalidade individual, ele deve agir na conformidade do agir do outro. E para que

ele promova esses atos, deve discernir o que é certo do que é errado, o bem do mal, o justo do

injusto; mas o indivíduo não é analisado como máquina, pois ele não está submetido a apenas

duas respostas, e por isso sua conduta é bastante complexa.

Para o direito natural, a capacidade de decisão na conduta humana é ditada pela

valoração dada pelo próprio indivíduo em torno de si mesmo, ou seja, ele age para satisfazer

apenas aos seus interesses pessoais, de acordo com sua natureza egoísta.

Segundo Juarez Cirino Santos, a ação do homem é analisada em sua naturalidade, em

conjunto com os fenômenos sociais.

As ciências naturais e as técnicas estatísticas desenvolvidas nas sociedades

industriais fazem nascer a criminologia, uma ciência explicativa da criminalidade

como fenômeno de massa. Este novo discurso de explicação da criminalidade,

construído pelo método positivista das ciências naturais, nas variantes biológica

Page 40: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

41

(LOMBROSO) e sociológica (FERRI), pretende substituir o direito penal como

discurso oficial de imputação de fatos antissociais (SANTOS, Juarez Cirino, 2013,

p. 41).

Em contrapartida ao direito natural, o direito positivado busca prescrever as ações

humanas na lei. Ou seja, para o direito positivado, as ações e as condutas humanas são

guiadas por regras impostas, e não decididas por instintos.

Definindo o direito natural como o direito que todo homem tem de obedecer apenas

à lei de que ele mesmo é legislador, Kant dava uma definição da liberdade como

autonomia, como poder de legislar para si mesmo. […] uma vez entendido o direito

como a faculdade moral de obrigar outros, o homem tem direitos inatos e

adquiridos; e o único direito inato, ou seja, transmitido ao homem pela natureza e

não por uma autoridade constituída, é a liberdade, isto é, a independência em face de

qualquer constrangimento imposto pela vontade do outro, ou, mais uma vez, a

liberdade como autonomia (BOBBIO, 1995, p. 49).

Utilizando o direito natural e o direito positivado, a Criminologia aprecia as condutas

do homem dentro de uma sociedade; a conduta individual e egoísta é sopesada, não deixando

de lado o fato de que, juntamente com os avanços do homem na sua evolução social, a

previsão e presença de crimes é perfeitamente natural.

O pressuposto de que parte a Criminologia etiológica [...] é que existe um meio

natural de comportamentos e indivíduos que possuem uma qualidade que os

distingue de todos os outros comportamentos e de todos os outros indivíduos: esse

meio natural seria a criminalidade. Esse modo de considerar a criminalidade está tão

profundamente enraizado no senso comum que uma concepção que dele se afasta

corre o risco de, a todo o momento, passar por uma renúncia a combater situações

socialmente negativas (BARATTA, 1999, p. 154).

Em tudo que envolve a conduta do indivíduo (essa intrigante disputa interna do ser

humano na sua origem versus sua interação com os demais seres dentro da sociedade), surgem

dúvidas sobre as condutas criminosas. E a Criminologia tenta desvendar os mistérios

existentes nos atos humanos, fazendo uma correlação entre o crime, o criminoso e o meio em

que vive, utilizando para tanto diversas ciências, o que se assemelha ao descrito como

criminologia segundo Gomes e Molina:

[...] Cabe definir a criminologia como ciência empírica e interdisciplinar, que se

ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do

comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida,

contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime- contemplado

este como problema individual e como problema social-, assim, como sobre os

programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no

homem delinquente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito.

(GOMES; MOLINA, 2012, p. 30).

Page 41: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

42

Assim, na atualidade, os crimes vêm tomando dimensões descomunais, inclusive com

o surgimento de novas práticas criminosas. Tais condutas vêm sendo consideradas normais, e

em contrapartida as regras positivadas são visivelmente desprezadas. Esse acontecimento, em

que o crime é considerado normal, nada mais é que a prospecção dos distúrbios sociais: as

práticas delitivas são respostas da transformação social.

O delito [...] possui um papel direto no desenvolvimento moral de uma sociedade.

Não somente deixa o caminho livre para as transformações necessárias, mas em

determinados casos as prepara diretamente. Ou seja, o criminoso não só permite a

manutenção do sentimento coletivo em uma situação suscetível de mudança, mas

antecipa o conteúdo mesmo da futura transformação. De fato, frequentemente o

delito é a antecipação da moral futura (BARATTA, 1999, p. 60-61).

Quando o Estado perde o comando direcionador do que é certo e do que é errado,

determinados crimes, até mesmo os mais graves, são banalizados, como o crime de roubo,

principalmente nas grandes capitais.

Não é raro as reportagens jornalísticas mostrarem indivíduos praticando assaltos nos

centros urbanos na frente de todos, e sem qualquer pudor, até mesmo sabendo que estão sendo

filmados. Em alguns casos, os criminosos se exibem para as câmeras.

“Vejo que as pessoas estão se acostumando com a violência cada vez mais, e

ficando, de modo geral, passivas”, avaliou o presidente do Conselho Comunitário de

Segurança, Cláudio Espiga. De acordo com ele, o fato de os crimes não terem

grande crescimento não significa que seja algo positivo. “A situação está péssima e

nós estamos pessimamente estáveis”, apontou Espiga4.

Diante da normalidade anormal, as transgressões às normas penais vêm tomando

espaço no ambiente urbano, o que preocupa o Estado. Essa é uma questão instigante para a

Criminologia, principalmente quanto aos crimes violentos ocorridos com frequência nas

cidades, surgindo novas criminologias, novas fórmulas e objetos a serem estudados. Nas

palavras de Garland:

As novas criminologias da vida cotidiana são um conjunto de enquadramentos

teóricos cognitivos, que incluem a teoria da atividade de rotina, o crime como

oportunidade, a análise do estilo de vida, a prevenção do crime situacional e

algumas versões da teoria da escolha racional. A característica marcante destas

várias criminologias é que cada uma delas parte da premissa de que o crime é um

aspecto normal, lugar-comum, da sociedade moderna (GARLAND, 2008, p. 274).

4 jornaldelondrina.com.br

Page 42: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

43

As cidades com sua urbanização desregular contribuem para o surgimento de crimes e

criminosos, evidência de que o crime está implicado nos avanços sociais, ou seja, causas

externas ao indivíduo que estimulam seu psicológico, ao lado do plano individual psíquico ou

biológico que tem grande influência para o cometimento de crimes, através do histórico

familiar de cada um, e até mesmo genético.

Conforme Jeffery, a conduta humana deriva tanto de variantes ambientais como

genéticas. A aprendizagem é um processo psicobiológico que inclui mudanças na

estrutura bioquímica e celular do cérebro. Trata-se de um sistema de informação que

flui do ambiente ao organismo, de acordo com a fórmula: código

genético+ambiente=código cerebral+ ambiente= conduta (GOMES; MOLINA,

2012, p. 232).

A Criminologia, nos dizeres de Juarez Cirino, busca averiguar o comportamento

criminológico dos indivíduos em desconformidade com a norma regida pelo seu meio, dentro

de um dado tempo histórico. Para ele, trata-se de uma nova criminologia, a Criminologia

crítica, em oposição à Criminologia tradicional, em que a criminalidade é vista como objeto

de criminalização e em que os métodos naturais de análise não são utilizados.

Em consequência dos transtornos urbanos, advindos do agrupamento de pessoas, a

violência como transgressão à norma está presente no meio social, nas relações entre as

pessoas, e sua censura é objeto de atenção em diversos setores principalmente pelo Estado

(representante da sociedade). Diante do contexto social em evolução, no qual o crime se torna

comum e natural, o Estado deve atuar como grande gestor, de modo preventivo e repressivo,

no intuito de minimizar o crime, consequentemente a violência.

Para atuar com primazia, o Estado, na busca de soluções dos crimes urbanos, não deve

desconsiderar os estudos da Criminologia que circundam as particularidades do indivíduo e

seu meio social ou cultural (meio ambiente). As distintas relações entre os homens devem ser

analisadas quanto ao tempo e espaço, isso sob o enfoque de que os indivíduos são substratos

de seu meio, de sua cultura.

O sociólogo Garland analisa através da Criminologia todos esses fatores e relaciona o

aumento da criminalidade ao índice econômico:

[...] O sistema penal criminaliza a pobreza e, como o neoliberalismo multiplica a

pobreza, o número de criminalizados cresce e crescerá na mesma proporção. [...]

Com um pouco de retardo, disseminou-se no seio da população urbana brasileira a

experiência do crime, cuja ocorrência estatística inequivocamente aumentou em

razão do desempenho da economia de consumo (maior disponibilidade de bens de

consumo em circulação) (GARLAND, 2008, p. 20).

Page 43: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

44

Assim, o adensamento e o agrupamento de pessoas e suas relações pessoais são

objetos de estudo e podem explicar as causas do surgimento de crimes e criminosos, num

determinado meio ambiente. Mendroni (apud PERAZZONI, 2011, p. 91) traz a existência de

diversos crimes na modalidade organizada como uma nova versão de crimes criados nos

centros urbanos, amoldadas às próprias necessidades e facilidades que encontram no âmbito

territorial em que atuam.

Em virtude dessa gama de fatores que contribuem para o aumento de crime, e até

mesmo surgimento de novos crimes, o Estado vem aplicando ações finalísticas para

minimizar as adversidades sociais, geradoras de crimes e criminosos, impondo aos setores

públicos cumprimentos de metas, tentando igualá-lo ao setor privado. A título de exemplos,

têm-se os estímulos para prisões, equacionadas em números, da mesma forma os números de

policiais ostensivos postos na rua.

Essa possibilidade em equilibrar o meio ambiente urbano, através de gestão pública,

frente às causas conturbadas nas relações humanas no seu meio, são substratos para a

Criminologia, assimiladas às ocorrências de fatores externos que dão causa ao surgimento de

crimes e criminosos. Nos dizeres de Garland, não basta reprimir o crime, tem que saber a

causa e tratá-la:

Investigar os novos parâmetros do controle do crime significa, portanto, investigar

ao mesmo tempo a reconstrução social e de suas instituições responsáveis por

produzir a ordem. Significa perguntar “qual é o novo problema de natureza criminal

e social para o qual o emergente sistema do controle do crime representa a

resposta?”, “De qual nova estratégia governamental este sistema emergente faz

parte?” “Quais as novas condições sociais que ajudaram este processo?” O caráter

das relações sociais é tão densamente inter-relacionados que a perquirição da

transformação de um campo institucional leva inexoravelmente a questionar os

campos contíguos, assim como as relações culturais, políticas e econômicas

existentes entre eles. [...] o resultado de escolhas políticas e de decisões

administrativas, ambas assentadas sobre uma nova estrutura de relações sociais e

informadas por um novo padrão de sensibilidades culturais

(GARLAND, 2008, p. 48).

Para tanto, a Criminologia circunda os fatores externos às condutas humanas

individuais e adentra as esferas estatais quanto à gestão pública, e o que ela influencia nas

relações humanas nos grandes centros urbanos. Diante do quadro social, necessário encontrar

novas respostas; Pissaia entendeu que diversos fatores sociais contribuem para a

Criminologia, e cita a Criminologia crítica como um novo estudo desses fatores:

Diversos outros autores ao longo de décadas continuaram a tentar explicar e

conceituar crime e criminoso, até que em meados da década de 1960 é criado o

Page 44: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

45

movimento da Criminologia Crítica, que visa entender o delito e o delinquente de

forma diversa das abordadas anteriormente: tal teoria surge em um contexto de

ebulição social onde novas respostas são necessárias.

Dentro da criminologia crítica desenvolve-se o estudo do labeling approach,

também chamado de teoria do etiquetamento social, que nasce em meados de 1960

nos Estados Unidos, buscando encontrar novos rumos para a análise do crime e

entendendo que este é apenas uma interpretação humana dos fatos observados,

objetivando também novos caminhos que esclareçam quais os critérios geradores da

criminalização (PISSAIA, 2013, p. 15).

Associado a essa perspectiva do estudo da Criminologia, o Estado deve buscar a causa

das diversas reações do homem, para melhor solucionar os conflitos, tudo para um melhor

viver em sociedade. Assim, na evolução social, o estudo e as pesquisas constantes são o

caminho para solucionar o problema que se agrava a cada dia. A ciência criminológica deve

ser utilizada pelo Estado de forma qualitativa, já que este, através de seus recursos de gestão,

pode tornar a vida nas cidades saudável.

Uma das possibilidades de alterar o quadro é a arquitetura urbana, pois esta tem

interferência direta no ser humano; a construção de uma cidade mal planejada influencia em

demasia as animosidades individuais, podendo causar distúrbios intrínsecos, como alteração

de humor, e provocar no indivíduo uma mentalidade criminosa, através de condutas

desviadas.

Na mesma linha de pensamento, Freitas (2002, p. 18) aduz que a “cidade submete o

indivíduo a constantes estímulos físicos e sociais, conduzindo à impessoalidade, mas também

propiciando liberdade e oportunidades.”

Gomes e Molina também consideram que os centros urbanos desorganizados, com

estrutura arquitetônica e urbanística mal feita, são espaços propícios a crimes e passíveis de

incidências criminosas, como em determinados locais, cujo espaço ambiental esteja em

desacordo com regras de políticas públicas:

Tendo em vista, assim, a significativa incidência dos fatores arquitetônicos,

urbanísticos e ambientais na delinquência ocasional, surge uma nova concepção

prevencionista que pretende intervir nos “cenários” criminógenos, nas edificações,

remodelando sob outros parâmetros a conveniência urbana (GOMES; MOLINA,

2012, p. 395).

Sob a análise sociológica, Freitas (2002) fala sobre a estrutura das cidades como fonte

de diversas ocorrências sociais; o autor trabalhou o enfoque criminógeno na estruturação de

uma cidade. Em que pese numa mesma cidade haver diversos espaços geográficos, como

gueto, espaços de imigrantes, bairros luxuosos, com suas alterações sociais, cada um exerce

influência direta nas ações humanas.

Page 45: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

46

Com base em tais estudos, foi verificado que há incidência de crimes em determinados

ambientes, e Freitas trabalhou com respostas positivas, ao afirmar que o espaço urbano deve

ser estruturado, planejado. Esse espaço urbano pode ser sim desenvolvido, ou seja, o aumento

populacional nas cidades não é algo ruim, mas deve ser planejado e solidificar uma sadia

qualidade de vida para o ser humano, de maneira tal que interfira diretamente no seu agir,

diminuindo crimes e não criando criminosos.

3.2 Teoria das janelas quebradas

Por que o vidro quebrado no carro abandonado em um bairro supostamente seguro é

capaz de iniciar todo um processo criminal? Não é a pobreza. É obviamente algo que tem a

ver com comportamento, psicologia humana e relações sociais. Cacos de vidro em um carro

abandonado transmitem uma ideia de decadência, indiferença, quebra de códigos e regras de

vida, ausência de lei, regras, normas. Cada novo ataque sofrido pelos automóveis multiplicava

essa ideia, até que a escalada de acontecimentos, cada vez pior, torna-se irresistível, levando a

uma violência irracional.

Kelling e Wilson asseveravam que uma sociedade estável, na qual as famílias cuidam

de suas residências, preocupam-se com as crianças dos outros e desconfiam de estranhos pode

transformar-se, em poucos anos, ou até mesmo meses, em um ambiente assustador. Uma casa

é abandonada. O mato cresce. Uma janela é quebrada. Adultos deixam de repreender crianças

e adolescentes desordeiros. Estas, encorajadas, tornam-se mais desordeiras. Então, famílias

mudam-se daquela comunidade. Adultos sem laços com a família mudam-se para aquela

comunidade. Adolescentes desordeiros começam a se reunir na frente da loja da esquina. O

comerciante pede que se retirem. Eles se recusam. Brigas ocorrem. O lixo se acumula.

Pessoas começam a embriagar-se em frente aos bares. Um bêbado deita na calçada e lá

permanece. A desordem se estabelece, preparando o terreno para a ascensão da criminalidade.

A teoria das janelas quebradas5 foi publicada em l982, na revista norte-americana The

Atlantic Monthly, no artigo intitulado “Making neighborhoods Safe”, de autoria do cientista

político James Q. Wilson conjuntamente com o psicólogo criminologista George Kelling.

Mas o pesquisador pioneiro a realizar tais experiências foi Philip Zimbardo em l969,

experiência esta que versava em deixar dois veículos semelhantes, sem placas, parados com o

5 The broken window teory

Page 46: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

47

capô aberto, permanecendo, um numa rua do Bronx/New York, que foi prontamente

depenado e em 24 horas a sucata passou a ser usada como entretenimento de crianças; e o

outro deixado em um bairro tranquilo de classe média alta em Palo Alto/Califórnia e

continuou intacto por duas semanas, até que Zimbardo quebrou algumas janelas e outros

componentes do automóvel. Desde então, em pouco tempo o veículo estava completamente

destruído.

Observou-se que, apesar da diferença social dos dois grupos, o ato destruidor ocorreu,

comprovando que propriedades sem dono e bens móveis e imóveis com marcas de degradação

são uma chamada para vândalos e até mesmo indivíduos ordeiros, todos fascinados pelo

abandono. A conclusão basilar da teoria das janelas quebradas é que o crime e a desordem

estão conexos, não permanecendo estima pela propriedade, já que bens em desordem simulam

abandono, gerando as primeiras ações para a violência e o vandalismo.

O artigo divulgado apresentava a desordem como motivo da criminalidade e a conexão

entre ela e episódios de crimes. Tal pesquisa ficou conhecida como broken windows, que

serviu de embasamento para a atual política criminal americana fixada em Nova Iorque

denominada “tolerância zero”.

Em 1990, o professor da Universidade Northwestern de Ciências Políticas Wesley

Skogan divulgou um estudo fundamentado em pesquisa na qual 13.000 pessoas residentes em

áreas residenciais de Atlanta, Chicago, Houston, Filadelfia, Newark e São Francisco haviam

sido entrevistadas. O estudo era intitulado “Disorder and decline: crime and the spiral of

decay in america neighborhoods” (“Desordem e declínio: o crime e a espiral de decadência

nas comunidades americanas”) e admitia os postulados da teoria das janelas quebradas.

Skogan afirmava que a relação de causalidade entre desordem e criminalidade era mais

intensa do que a relação entre criminalidade e outros atributos encontrados em certas

comunidades, tais como a pobreza ou o fato de a comunidade acolher uma minoria racial.

Essa conclusão é de suma importância, principalmente perante a afirmação, sempre frequente

e nunca comprovada, de que a causa principal da criminalidade vive nas injustiças sociais,

desemprego, pobreza, falta de oportunidades.

Kelling e Wilson usaram em suas pesquisas o exemplo de uma janela quebrada de uma

empresa. Se o indivíduo passa pela rua e se depara com a janela quebrada de uma empresa e

posteriormente a janela continua quebrada, existirá a impressão de que o imóvel está

abandonado. Seguidamente outro indivíduo irá quebrar mais uma janela, até que todas as

janelas estejam quebradas, comprovando que aquele patrimônio não tem nenhuma

Page 47: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

48

importância, ou seja, ninguém se importa com ele. Esse descaso provoca um efeito cascata.

Existirá o estrago total do imóvel com as janelas quebradas, com o imóvel do lado, as ruas

serão tomadas por desordeiros e marginais, a aparência do bairro modifica, de modo que os

indivíduos vão se mudando e a comunidade se transforma em “terra de ninguém”.

Como consequências, ocorre o descaso dos habitantes tranquilos, que se mudam, a

desvalorização dos imóveis; os bons comerciantes vão embora e são substituídos por

pequenas biroscas; uma “boca de fumo” se aloja, e o Estado deixa de proporcionar os serviços

principais; a polícia começa a ser barrada; água e luz são ligados de forma clandestina. A

degradação e a degeneração do local tornam-se um ciclo vicioso. Inicialmente ocorre a

mudança de moradores, as crianças passam a conviver com o crime desde pequenas e nasce a

probabilidade de serem os criminosos do futuro.

Durante três décadas, a criminalidade só fez aumentar nos EUA. O modelo americano

de combate à criminalidade falhara porque não reconhecia a relação de causa e efeito entre

desordem, medo, criminalidade violenta e decadência urbana. A conexão entre desordem e

criminalidade é mais intensa que a relação entre criminalidade e pobreza. Em 1991, Kelling e

Coles realizaram uma pesquisa e verificaram que mais de um terço da população evitava

determinados ambientes, como bares, restaurantes, avenidas públicas, lojas, e vivia com

medo, não obstante o medo de polícia, promotores e demais entes de controle social

ingressassem em ato para reparar a ordem nas ruas da cidade.

A obra de Kelling, George e Catherine Coles, realizada em 1996, é citada por Bezerra

(2008). A obra cita a teoria das janelas quebradas: “Fixing broken windows – restoring

orderand reducing crimes in our communities” (“Consertando as janelas quebradas –

restaurando a ordem e reduzindo o crime em nossas comunidades”). Os autores relatam na

obra a relação de causalidade entre a criminalidade violenta e a ausência de penalidade das

pequenas contravenções e crimes. Da mesma forma que a desordem culmina em

criminalidade, a tolerância com pequenos delitos e contravenções leva à criminalidade

violenta.

Kelling e Coles demonstram como, ao longo do século XX, a polícia americana foi,

aos poucos, abandonando suas tarefas na manutenção da ordem pública para dedicar-se,

exclusivamente, ao combate ao crime. A raiz do aumento da violência nos EUA na segunda

metade do século XX está, também, nesta mudança de estratégia da polícia. Originalmente, o

papel da polícia americana era o de manter a paz e prevenir o crime.

Page 48: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

49

A prevenção do crime era feita com a presença constante da polícia no seio da

comunidade. E aqui reside outro fundamento da broken windows theory. O policial deve fazer

parte da comunidade, entranhar-se na comunidade e lidar com as condições que criam o crime

(desordens de todo o tipo, embriaguez pública, jogos ilegais, etc.). Assim, ele conhece a

comunidade e é conhecido por ela. Cria-se um vínculo entre a comunidade e a autoridade

policial, e esse vínculo permite que ambos juntem forças para evitar o surgimento da

desordem e de pequenos delitos que, mais tarde, levarão à criminalidade violenta.

Assim, se algum traficante tenta imiscuir-se naquela comunidade, tanto a comunidade

como a polícia podem imediatamente identificá-lo e, unindo forças, expulsá-lo de lá ou

mesmo prendê-lo se ele for apanhado no exercício do tráfico. Mas para isso é preciso uma

comunidade organizada, que preze a manutenção da ordem, e uma relação de confiança entre

a comunidade e a polícia, de modo que ambos se auxiliem mutuamente.

Conforme Oliveira (2012), as correntes do positivismo criminológico, a política

criminal e a criminologia sociológica são a base doutrinária das janelas quebradas. Tais

teorias são fundadas no utilitarismo e prevencionismo. Partindo da hipótese de que não é

apenas a ausência de meios de subsistência, de educação e de justiça que induz ao crime, a

tolerância da sociedade e do estado com os pequenos delitos pode ser a maior causa.

A teoria das janelas quebradas representou um progresso para a Criminologia,

demonstrando a relação de causalidade entre a criminalidade e demais aspectos sociais, que

são menos relevantes do que a relação entre a desordem e a criminalidade.

A negligência e a desordem crescem junto com muitos males sociais e os ambientes

degenerados. Um exemplo a ser citado é o de um pai que deixa sua casa com algumas falhas,

incluindo a pintura nas paredes em mau estado, falta de hábitos de limpeza, maus hábitos

alimentares, palavrões, desrespeito entre os membros da família, etc.; gradualmente, as

relações interpessoais dos membros da família cairão em abandono, e a família começa a criar

más relações com a sociedade em geral.

Isso pode ser uma hipótese da decomposição da sociedade, a falta de adesão a valores

universais, a falta de respeito mútuo e pelas autoridades e vice-versa, a corrupção em todos os

níveis, falta de educação e formação da cultura urbana. A falta de oportunidades criou um país

com muitas janelas quebradas e ninguém parece disposto a corrigi-las.

O embasamento da teoria sobre as duas categorias – ordem e desordem – também diz

muito pouco. Aos criadores da broken windows, a desordem quer dizer que o bairro perdeu as

rédeas e que se não preocupa com o crime. Ela, porém, como se sabe, pode ter muitos

Page 49: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

50

significados, afora o pregado por Wilson e Kelling: uma greve, um evento artístico, um estilo

de vida alternativo, um local de vendas; ou pode significar somente pobreza, desemprego e

desespero.

3.2.1 Tolerância zero

A explosão de crescimento da cidade, que se expande em círculos do centro para a

periferia, cria graves problemas sociais, trabalhistas, familiares, morais e culturais que se

traduzem em um fermento conflituoso, potencializador da criminalidade. A inexistência de

mecanismos de controle social e cultural permite o surgimento de um meio social

desorganizado e criminógeno que se distribui diferenciadamente pela cidade.

A política de tolerância zero, símbolo maior da broken windows, é marcada pelo

excesso do soberano e desumanidade das penas; um funcionalismo bipolar, um tudo ou nada;

culpado ou inocente; um sistema binário, muito a gosto de uma pós-modernidade reducionista

e maniqueísta.

A teoria das janelas quebradas foi realizada na prática em Nova Iorque, que vivia entre

os anos 80 e início dos 90 uma decadência urbana iniciada em meados dos anos 70, perante a

tolerância com a desordem e os pequenos ilícitos. Nesse período os sem-teto tomavam

ambientes públicos como praças, parques e metrô, realizavam suas necessidades fisiológicas

nas calçadas e esmolavam de modo agressivo; as pichações, liberadas, tomavam conta da

paisagem urbana; gangues proliferavam livremente e tomavam conta das regiões que estavam

sendo abandonadas, tanto pelos seus habitantes, quanto pelos turistas.

Em Nova Iorque, a situação caótica iniciou com a crise das grandes empresas. Devido

ao aumento dos custos e aos problemas para o transporte dos produtos, decidiram mudar para

locais mais acessíveis. Com isso muitos imóveis foram abandonados, trazendo o desemprego,

a mendicância, a prostituição e a criminalidade.

O metrô era o local de estrangulamento em Nova Iorque, necessário para o transporte

de três milhões de indivíduos diariamente. Dentre seus problemas principais, destacava-se o

não pagamento das passagens por aqueles que saltavam as catracas, transformando-se em um

local perigoso e sujo, dominado por gangues, onde aconteciam assaltos e tráfico de drogas.

A desordem era crescente, pichações, mendicância invasiva e vandalismo indicavam

um ambiente favorável à criminalidade. Nessa época, Willian Bratton foi indicado à prefeitura

Page 50: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

51

da cidade, para que assumisse a chefia da polícia de trânsito, sendo designado o respaldo

intelectual imprescindível para resolver a concretização do policiamento.

A polícia de Nova Iorque tinha como inspiração a teoria das janelas quebradas, sob a

ideologia de que a polícia precisaria enfrentar de modo direto as ofensas menores que

induzem à desordem, culminando na diminuição dos crimes violentos.

Conforme Wilson e Kelling, a desordem e o crime estão na maioria das vezes

interligados e em constante desenvolvimento. O problema do novo chefe de polícia foi

colocar em prática a polícia criminal, já que os policiais estavam habituados a combater os

crimes violentos, sem dar muita ênfase aos crimes menores. Eles permaneciam distraídos à

segurança, pois auferiam tarefas sem sentido e portavam armamentos impróprios, estando

todos sem motivação. Branton reestruturou a polícia do metrô, empregando técnicas de

gerenciamento japonês, lideradas nas supervisões íntegras e descentralizadas. Inseriu o líder

“proativo”, intrínseco nos papéis de chefias de todo o departamento.

Os indivíduos que não se adaptaram à nova administração foram isolados, perderam o

cargo ou foram demitidos. Para Bratton era basilar reconquistar a autoestima dos policiais e

evidenciar a seriedade da função que exerciam na sociedade.

Então ele trocou os policiais mais antigos por um efetivo atual, com premiações,

deixando-os motivados com a função central a eles confiada. Elaborou ainda reuniões

semanais para troca de conhecimento entre a polícia e os chefes de delegacias, criando a

denominada “Compstat” (análise de estatísticas computadas). A Compstat versava em

gráficos estatísticos de criminalidade, com o progresso dos indicadores de criminalidade,

oferecendo chances de se debater táticas usadas e planejamento para lidar com os problemas.

Após resolver o problema com sua equipe de trabalho, Bratton começou a aplicar uma

tática de realizar pequenas prisões em massa, de estação em estação. Como não possuía

pessoal satisfatório, as “abordagens” no metrô foram realizadas em dias alternativos para cada

estação, colocando policiais à paisana para bloquear grupos de dez e prendê-los.

A população enaltecia e amparava; o número de pessoas que não pagavam passagem e

a desordem dentro dos trens foram diminuindo gradualmente e o que se notava era que grande

parte dos detidos por não pagarem passagem eram indivíduos que transportavam armas ou

sujeitos procurados com mandados de prisão expedidos.

O resultado do policiamento no metrô foi a diminuição dos roubos, assaltos,

assassinatos, desordem e uma maior calma para os usufrutuários do metrô. Bratton conseguiu

Page 51: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

52

comprovar na prática a analogia entre a desordem e a criminalidade, por meio da coibição à

desordem, e a prudência aos crimes graves.

Quando Rudolph Giuliani venceu as eleições para a Prefeitura de Nova Iorque,

descobriu que os principais problemas da cidade eram a violência acomodada pela desordem e

o medo; buscou, então, sociedades com empresários em troca de melhoramentos fiscais,

seguindo o plano de cidade segura e limpa.

Giuliani nomeou Bratton como novo comissário (tipo de Secretário de Segurança

Pública da cidade), que, possuindo mais poder, conseguiu concluir as mudanças

imprescindíveis no Departamento de Polícia de Nova Iorque, até mesmo acabar com os casos

de corrupção da polícia. Bratton passou a atuar contra outros grupos que também afligiam os

nova-iorquinos por anos, os vândalos e lavadores de para-brisas que extorquiam dinheiro dos

motoristas.

Esse comportamento era punido com serviços comunitários ou com a prisão para

aqueles que não acatavam as intimações. Depois de abolir o problema dos lavadores, Bratton

buscou resolver o problema dos sem-teto, que improvisavam moradias embaixo das pontes,

dos mendigos, dos pichadores de muros, da prostituição, da pornografia e especialmente dos

“gazeteiros” (alunos que não frequentavam aula). Estes com maior precaução, até mesmo com

o auxílio dos gestores escolares e da mídia, impedindo problemas maiores no futuro; dessa

forma, ao serem pegos, eram movidos para a delegacia e os pais e diretores eram notificados.

Outras pequenas vitórias contra pequenos ilícitos confirmavam a teoria de Kelling:

uma pessoa foi presa por urinar num parque; quando questionada sobre outros problemas, deu

informações à polícia que resultaram na localização de um esconderijo de armas; um

motociclista foi detido por andar sem capacete, revistado, descobriu-se que carregava duas

armas consigo e tinha várias outras em seu apartamento; uma pessoa vendendo mercadoria de

origem suspeita depois de questionada levou a polícia a um receptador de armas roubadas.

Nem todo aquele que pratica um delito menor pode ser considerado capaz de um

delito grave. No entanto, alguns serão, especialmente se não encontrarem nenhuma repressão

ao pequeno ilícito praticado. Além disso, podem ter informações sobre outras pessoas que são

criminosos perigosos.

O resultado da aplicação da broken windows theory pelo Departamento de Polícia de

Nova Iorque foi a diminuição, pela primeira vez em trinta anos, dos índices de criminalidade

naquela cidade. Desde 1994, tais índices vêm diminuindo. A história dessa estratégia vitoriosa

Page 52: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

53

é contada por William Bratton em seu livro Turnaround – how america’s top cop reversed

the crime epidemic (A reviravolta – como a polícia americana reverteu a epidemia de crime).

Essa política de segurança pública, a da aplicação da teoria de Kelling no combate à

criminalidade em Nova Iorque, é que veio a ser popularmente conhecida como "operação

tolerância zero". Muito distante, portanto, da caricatura que alguns desinformados, por vezes,

pintam, reduzindo a "operação tolerância zero" a uma mera "limpeza" das ruas centrais da

cidade, que, na sua equivocada visão, consistiria apenas na retirada de prostitutas, gigolôs,

bêbados e traficantes das ruas centrais de Nova Iorque.

O policiamento comunitário, portanto, é basilar na precaução do crime. A

apresentação corporal do agente policial na sociedade bloqueia a desordem e a criminalidade.

Nesse sentido, Kelling e Coles são defensores do "foot patrol", isto é, do patrulhamento a pé,

muito mais efetivo, no que tange à prevenção, do que dos agentes policiais motorizados, que

apenas circulam de carro. Aos desordeiros satisfaz, dessa forma, aguardar que passe o carro

da polícia, para permanecer a desordem, o que se torna muito mais difícil com o

patrulhamento a pé.

Nos EUA criou-se a ideia de que a polícia não devia mais zelar pela ordem pública,

mas investir todos os seus esforços apenas no combate ao crime. Assim, desordens e

pequenos ilícitos foram deixados de lado, para que se combatessem apenas os crimes mais

graves. Portanto, as pequenas janelas quebradas não mais eram reparadas, até que se chegou a

um ponto insustentável em que a criminalidade aumentou de tal forma nos centros urbanos,

que muitos deram conta do equívoco da estratégia adotada.

3.2.2 Crítica: os pobres e as minorias como alvo

Não obstante o admirável sucesso da "operação tolerância zero" na redução da

criminalidade em Nova Iorque, há fortes críticos dessa política criminal. Os críticos sustentam

que tal política oprime exclusivamente os pobres, os desprovidos e as minorias. Trata-se de

manifesto equívoco.

Kelling e Coles apontam que a finalidade de manter a ordem nada mais denotaria do

que um modo de abuso aos pobres e às minorias a decorrência de décadas do crescimento de

um individualismo sem limites. Produtos desse crescimento seriam a primazia da pessoa e o

seu direito de ser desigual; um destaque nas precisões e direitos particulares e a crença de que

Page 53: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

54

tais direitos seriam incondicionais; uma rejeição a uma moralidade média dos norte-

americanos; e, finalmente, a noção de que entender indivíduos como criminosos os

estigmatizaria e os tornaria verdadeiramente criminosos.

No campo jurídico, as cortes americanas desenvolveram um corpo de antecedentes

legais nos quais a assistência aos direitos fundamentais e às liberdades individuais aumentou e

foi elevada a posições muito acima de suas respectivas responsabilidades ou dos interesses da

sociedade.

Dessa forma, o procedimento de um indivíduo causador de desordem numa sociedade

necessitava ser resguardada, pois, em última análise, ele tem direito a ser desigual, e sua

liberdade de ser diferente deve ser resguardada pelo judiciário. Os interesses da comunidade

não podem sobrepor-se aos direitos e liberdades individuais de uma pessoa.

A desordem foi aceita porque potencialmente todas as formas de desvios de

comportamento não claramente violentos foram analisadas como sinônimos de expressão

individual, e, desse modo, supostamente resguardadas pela primeira emenda.

Porém, Kelling e Coles asseveram que a ação por ordem permeia todas as classes

sociais e grupos étnicos. Quando os usuários do metrô determinaram a restauração da ordem,

foram os trabalhadores, principais usuários do sistema, que determinaram o reparo da ordem e

da segurança.

Os que defendem o reparo da ordem não estão sugerindo algum modo de opressão da

maioria. Referem-se, assim, a condutas que infringem padrões amplamente aceitos pela

sociedade, e sobre os quais há um acordo, sem qualquer denotação racial, de classes ou étnica.

Ainda, a desordem tem implicações mais graves em sociedades pobres e, logo, estas

são exatamente as que mais carecem de ordem a fim de impedir a ampliação da criminalidade.

Uma sociedade rica tem adequadas condições de conservar um estado de ordem que uma

comunidade pobre não tem, como a contratação de segurança privada.

É mais fácil consertar uma janela quebrada em uma comunidade rica do que em uma

comunidade pobre. Destarte, antes de oprimir os pobres e minorias, a restauração e

manutenção da ordem, verdadeiramente, vêm em sua ajuda. Para o controle da criminalidade

nessas comunidades, a restauração da ordem é indispensável. Pobreza não deve

fundamentalmente denotar crime e desordem.

Punindo o desordeiro, estar-se-ia estabelecendo um padrão, uma norma social com o

recado do que é certo e do que é errado e de que este último não é aceitável numa sociedade

“normal”. Isso poderia ter, como argumento, alguma validade – mas não tem! – se houvesse

Page 54: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

55

perfeita transmissão e, nela, recepção, o que não ocorre nos EUA e muito menos no Brasil,

onde a estatística oficial garante a presença, para começar, de dezessete milhões de

analfabetos.

A política de tolerância zero, símbolo maior da broken windows, é marcada pelo

excesso do soberano e desumanidade das penas; um funcionalismo bipolar, um tudo ou nada;

culpado ou inocente; um sistema binário, muito a gosto de uma pós-modernidade reducionista

e maniqueísta. Basta lembrar que nos EUA diversas cortes e juízes têm aplicado penas mais

que vexaminosas.

3.2.3 A situação brasileira

É preciso salientar que não se intercede a fundação legítima e simples da teoria das

janelas quebradas à realidade brasileira. Não exclusivamente aspectos culturais e legais

evitariam isso, mas também a simples ausência de dinheiro para a prática de uma política

criminal nos padrões da que foi praticada em Nova Iorque é obstáculo quase intransponível

para que se reproduza aquela experiência precisamente como ocorreu.

O que realmente deve-se aprender com a experiência americana é a precisão inadiável

de coibição às infrações e aos pequenos delitos, como modo de manutenção da ordem e

cuidado aos crimes graves.

Antes do advento da Lei n.º 9.099/95, o que se compreendia, porém, era a virtual

interrupção do sistema quando se abordava a repressão de contravenções e pequenos crimes.

Isso se explica pela já aludida estratégia de prioridades. A polícia deve priorizar a

investigação de crimes graves, e não pode perder tempo com delitos de pouca seriedade.

Alguns comportamentos tipificados pela lei das contravenções penais há muito tempo

haviam deixado de ser reprimidos, como provocação de tumulto e conduta inconveniente (art.

40), perturbação do trabalho ou do sossego alheios (art. 42), mendicância ameaçadora (art. 60,

par. único, letra "a"), perturbação de tranquilidade (art. 65), embriaguez (art. 62, apresentar-se

publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a

segurança própria ou alheia), recusa de dados sobre a própria identidade ou qualificação (art.

68).

Page 55: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

56

É de se observar que os bens jurídicos protegidos por essas normas dizem respeito, em

maior ou menor grau, à manutenção da ordem na comunidade. O próprio ato de quebrar

janelas configura o crime de dano (art. 163 do Código Penal).

Igualmente a pichação configura o crime de dano, ambos potencialmente

ocasionadores de desordem e fundadores de condições ambientais favoráveis ao aumento da

criminalidade. No que tange à pichação, a incondicional carência de jurisprudência sobre o

tema, perante a extensão epidêmica com que essa forma de crime se faz contemporâneo nos

grandes centros urbanos, dá bem uma ideia da imaginária deficiência de repressão desse

delito.

Mas não é apenas a estratégia das prioridades policiais que levou à ausência de

repressão de tais contravenções e delitos em que não se verifica violência ou grave ameaça à

pessoa. Há que se reconhecer que uma visão equivocada do Direito Penal, em nosso entender,

nos últimos anos e décadas em muito contribuiu para isso.

A ordem, o sossego alheio e a tranquilidade são bens jurídicos que merecem a

proteção da norma penal não apenas pelo seu valor intrínseco, mas também porque os

protegendo, está-se evitando a ascensão da criminalidade violenta.

Quando as pequenas janelas estão quebradas, não adianta correr para tentar evitar que

as grandes janelas sejam quebradas. Elas inevitavelmente o serão. Ou seja, não adianta

invocar o Direito Penal para cuidar dos crimes violentos quando se desprezou seu poder de

coerção a crimes menores, invocando-se princípios como o da intervenção mínima. Isso

significa atuar apenas no resultado e não na prevenção. O resultado só pode ser o aumento da

criminalidade.

O princípio da fragmentariedade, a seu turno, corolário do princípio da intervenção

mínima, sustenta que apenas as ações ou omissões mais graves endereçadas contra bens

valiosos podem ser objeto de criminalização. Segundo Baratta (2002), o princípio apresenta-

se sob três aspectos: em primeiro lugar, defende o bem jurídico somente contra ataques de

especial gravidade, exigindo determinadas intenções e tendências, excluindo a punibilidade da

prática imprudente em alguns casos; em segundo lugar, tipificando somente parte das

condutas que outros ramos do direito consideram antijurídicas e, finalmente, deixando sem

punição condutas meramente imorais como a mentira.

Novamente aqui o problema está em considerar bens valiosos apenas a vida, a

integridade física, a liberdade sexual, a liberdade individual e o patrimônio, por exemplo. E

considerar a ordem, o sossego e a tranquilidade bens não suficientemente importantes para

Page 56: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

57

merecerem a proteção da norma penal. Uma vez que a ofensa a tais bens sem a devida

repressão penal levará inevitavelmente a uma criminalidade violenta, devem ser protegidos

pela norma penal, pois são as pequenas janelas cuja integridade garantirá a sobrevivência do

sistema de proteção social, evitando a proliferação da desordem e da criminalidade.

É válido registrar que não se advoga uma criminalização e/ou repressão de toda e

qualquer conduta que ofenda qualquer bem jurídico. Nem todo bem jurídico é passível de

proteção por uma norma penal. Há casos na legislação brasileira em que a criminalização de

determinadas condutas afigura-se como risível.

Tome-se como exemplo a Lei n° 7.643/87, que proíbe a pesca de cetáceos nas águas

jurisdicionais brasileiras, e cujo art. 1° determina:

Fica proibida a pesca, ou qualquer forma de molestamento intencional, de toda

espécie de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras (BRASIL, 1987).

A pena é de dois a cinco anos de reclusão. Sem contar o problema de definir o que

configura "molestamento intencional", fato é que o sossego de um cetáceo não é um bem

jurídico digno de proteção por uma norma penal, até porque pode ser muito bem protegido, e

até com mais eficácia, por regulamentos administrativos.

Aqui, nem o bem jurídico em si, e nem a possibilidade de a conduta ser causadora de

desordem (inexistente no caso) justifica uma proteção por uma norma penal. A saída não é tão

obscura quanto parece, ou quanto querem fazer parecer: um Direito Penal mínimo,

verdadeiramente subsidiário e que atenda à Constituição (que segue e deve seguir dirigente);

educação e saúde para todos: como exigir do mendigo que “seja educado, não atrapalhe e não

feda”, se não se dá a ele sequer ensino e saneamento básico? É hipócrita dizer, afinal, que

“todo mundo tem o direito de dormir embaixo da ponte”.

Abalou-se, na estrutura, a ética, sem a qual em perigo está a própria democracia.

Claro, tais propostas vão de encontro ao que existe de mais sagrado na política da terra

brasileira: o voto, símbolo maior da perpetuação das capitanias hereditárias e motor de

arranque de quase todas as ideias.

Enquanto os apóstolos da tolerância zero não entenderem que ela deve alcançar – isso

sim – a corrupção, a má-fé e o mau uso do dinheiro público, continuar-se-á vivendo nesta

terra encantada de valores e moral de imbróglio retórico. Isso eles não entendem, ou não

querem entender. Não querem perceber que quando alguém de dentro quebra as janelas,

pouco resta a fazer com os que estão lá fora.

Page 57: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

58

A teoria das janelas quebradas, portanto, é utilizada para demonstrar que o Estado

deve antever situações propícias a fabricar criminosos e, por meio de políticas públicas,

intervir. Na seção seguinte, será demonstrado que o meio ambiente urbano sem planejamento

pode originar cidades desorganizadas, como ausência de espaço digno para se morar,

interferindo diretamente no indivíduo. E as construções prediais como forma de acabar com o

problema de moradia podem aumentar os índices de crimes, já que seriam ambientes

propícios para desenvolver a criminalidade, isso acaso não for bem elaborada a estratégia do

planejamento, como estudos associados à Criminologia.

Page 58: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

59

4 A INFLUÊNCIA DO MEIO AMBIENTE URBANO NA PRÁTICA CRIMINOSA

O ambiente palco de interação humana deve ser fiscalizado, planejado e protegido

pelo ordenamento jurídico como forma de evitar crimes. O Estado, por meio de políticas

públicas, é o principal interlocutor dos problemas socioambientais relativos à segurança

pública.

Psicólogos por anos observaram o comportamento humano em determinadas

localidades e perceberam que, independentemente da classe social, basta apenas que o local

esteja abandonado ou deteriorado para que os indivíduos utilizem-se dele para práticas

criminosas.

Nos EUA, o prefeito Rudolph Giuliani utilizou a teoria das janelas quebradas na sua

estratégia para diminuir a criminalidade na cidade de Nova Iorque. Giuliani, em palestra feita

no dia 4 de setembro de 2013, na cidade de Belo Horizonte, no VI CONGRESSO

INTERNACIONAL DE DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA, asseverou que, se as ruas

não são cuidadas e bem policiadas, serão local propício a cometimentos de delitos. Assim,

deve-se retirar dela todos os delinquentes e puni-los, mantendo as ruas e praças limpas.

A teoria das janelas quebradas explica que o ambiente mal cuidado é passível de

transtornos sociais e afirma que o bairro, quando bem cuidado, nem mesmo necessita de

policiamento ostensivo: “Local movimentado como centro comercial ou um subúrbio

tranquilo, bem cuidado, pode precisar de quase nenhuma presença policial visível”

(WILSON; KELLING, 1982)6.

Essa teoria utilizada por Giuliani também se encaixa perfeitamente para explicar o

local degradado para as presentes e as futuras gerações como local passível de cometimento

de crimes contra o meio ambiente. Assim, confirma:

Philip Zimbardo, psicólogo de Stanford, relatou em 1969 em alguns experimentos

testando a teoria da janela quebrada. Ele providenciou para que um automóvel sem

placas estacionados com o seu capuz para cima em uma rua no Bronxand

comparável automóvel em uma rua em Palo Alto, Califórnia. O carro no Bronx foi

atacado por "vândalos" dentro de dez minutos de seu "abandono". O primeiro a

chegar foi um pai de família, mãe e filho, que removeu o radiador e bateria. Dentro

6 A busy bustling shopping center and a quiet, well-tended suburb may need almost no visible police presence.

<http://www.lantm.lth.se/fileadmin/fastighetsvetenskap/utbildning/Fastighetsvaerderingssystem/BrokenWindow

Theory.pdf.

Page 59: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

60

de 24 horas, praticamente tudo de valor havia sido removido. Então destruição

aleatória começou - janelas foram quebradas, partes arrancadas, estofados rasgados.

As crianças começaram a usar o carro como um parque infantil. A maioria dos

adultos "vândalos" estava bem vestida, aparentemente brancos de corte limpo. O

carro em Palo Alto ficou intocado por mais de uma semana. Então Zimbardo

quebrou parte dele com uma marreta. Em breve, os transeuntes foram juntando-se.

Dentro de algumas horas, o carro tinha sido virado de cabeça para baixo e totalmente

destruído. Mais uma vez, os "vândalos" pareciam ser brancos, principalmente

respeitáveis7.

Tal teoria leva a crer que a propriedade e o espaço habitado merecem proteção

enquanto ambiente passível de destruição social para as presentes e futuras gerações. O local

que é palco constante de crimes se torna infectado, ficando durante anos propício à

criminalidade, pois o crime passa a ser considerado normal para os que ali habitam. Assim, o

ambiente desorganizado leva ao surgimento de uma população desordeira no tempo e

consequentemente desagregada.

Giuliani baseou-se na teoria das janelas quebradas para justificar a crescente

criminalidade na cidade de Nova Iorque e utilizou políticas públicas atreladas à segurança

para se construir uma cidade sem crimes. Ele apostou no aumento do efetivo policial atuando

nas ruas. E para tanto trabalhou com a reformulação de toda a polícia, retirou os policiais

corruptos, instituiu melhores salários e trouxe o judiciário para julgar imediatamente os

delinquentes.

Deve ser utilizado não apenas o policiamento ostensivo, mas também diversas

políticas públicas sociais, culturais, educativas, administrativas e a própria segurança pública,

pois são diversos os contornos sociais atinentes ao meio ambiente (local) em que vive o ser

humano. Não se pode valer-se apenas de locais degradados, mas de toda uma cultura que

colaborou para a degradação e evitar novas ocupações humanas passíveis de degradação.

Tem-se como exemplo de local degradado no Brasil a invasão de terrenos alheios,

como o caso da invasão William Rosa, na cidade de Contagem. Diversas pessoas invadiram o

7 Philip Zimbardo, a Stanford psychologist, reported in 1969 on some experiments testing the broken-window

theory. He arranged to have an automobile without license plates parked with its hood up on a street in the

Bronxand a comparable automobile on a street in Palo Alto, California. The car in the Bronx was attacked by

"vandals" within ten minutes of its "abandonment." The first to arrive were a family—father, mother, and

young son—who removed the radiator and battery. Within twenty-four hours, virtually everything of value

had been removed. Then random destruction began—windows were smashed, parts torn off, upholstery

ripped. Children began to use the car as a playground. Most of the adult "vandals" were well-dressed,

apparently clean-cut whites. The car in Palo Alto sat untouched for more than a week. Then Zimbardo

smashed part of it with a sledgehammer. Soon, passersby were joining in. Within a few hours, the car had

been turned upside down and utterly destroyed. Again, the "vandals" appeared to be primarily respectable

whites.

http://www.lantm.lth.se/fileadmin/fastighetsvetenskap/utbildning/Fastighetsvaerderingssystem/BrokenWind

owTheory.pdf

Page 60: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

61

terreno de aproximadamente 210 mil metros quadrados, pertencente à CEASA (Centrais

Estaduais de Abastecimento de Minas Gerais). Calcula-se que cerca de centenas de famílias,

de forma desorganizada, adentraram esse imóvel e ali construíram suas residências. Tal

localidade, em menos de um ano, é cenário de diversas práticas criminosas, inclusive diversos

homicídios.

Figura 1 – Invasão William Rosa

Fonte: Luiz Costa/Hoje em Dia.

A cena ilustrada mostra um ambiente degradante para as presentes e as futuras

gerações, sem qualquer qualidade de vida. Trata-se de meio ambiente nocivo, que retira do ser

humano sua dignidade e seus valores.

Em que pese ser opção do indivíduo invadir locais para se assenhorar de propriedades

alheias, ele o faz na busca de uma vida melhor, e geralmente em lugares próximos às cidades

grandes. A ausência de fiscalização e de políticas públicas do Estado provoca naqueles que ali

vivem um sentimento de abandono.

Lugares como esse não são capazes de oferecer ao homem reais condições de vida

ambiental. A pessoa que ali reside coadjuva com o meio ambiente em condição desordenada,

em um cenário propício ao alto índice de criminalidade.

Page 61: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

62

Conectados à teoria das janelas quebradas, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e

Edward Rocha de Carvalho (2003) trazem o eixo da teoria, aduzindo que tudo o que se destrói

deve ser logo refeito, para que não haja novos crimes:

[...] se um criminoso pequeno não é punido, o criminoso maior se sentirá seguro

para atuar na região da desordem. Quando uma janela está quebrada e ninguém

conserta, é sinal de que ninguém liga para o local; logo, outras janelas serão

quebradas (COUTINHO; CARVALHO, 2003, p. 24).

Aqui é demonstrado claramente que o ambiente em que vive o homem deve ser

protegido, planejado, bem estruturado, pois pode exercer grande influência na criminalidade

local. Assim, o meio ambiente urbano, que compõe o ecossistema, deve ser objeto de proteção

pelo ordenamento jurídico. E diante da imensa concentração populacional em determinadas

localidades, deve ser visto também como questão de política pública, que tem o poder de

evitar sua deterioração por meio do planejamento urbano.

Áreas degradadas em que impera a cultura criminosa solidificada devem sofrer

intervenção estatal com instrumentos viáveis, e até mesmo com instrumentos penais

coercitivos se as respostas desejadas muitas vezes não forem obtidas pelos meios menos

severos.

4.1 Desenvolvimento urbano

O homem precisa do espaço para viver bem e ter qualidade de vida. A busca dele pelo

melhor espaço físico para viver e se desenvolver remonta à primeira civilização, originada no

Egito, quando conferia grande significado à natureza, que era inclusive vista como um Deus,

pelos seus mistérios e por ser indomada. Aos poucos, o homem começou a dominá-la e a se

organizar.

Denota-se que o surgimento do que veio a ser chamado de cidade ocorreu há

aproximadamente 3.500 a.C., mais precisamente na região entre os rios Tigre e Eufrates

(Mesopotâmia) (SILVA, 2000, p. 3). Foi quando se teve a primeira notícia de seres humanos

dividindo um pequeno espaço (em conjunto).

A revolução industrial fez aumentar o contingente populacional no entorno das

cidades, porém de forma desordenada, ocasionando a maior densidade demográfica

populacional daquele tempo (SARNO, 2004, p. 3).

Page 62: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

63

E com o crescente avanço das populações rurais para os centros urbanizados das

cidades surgem diversos problemas oriundos dessas transformações. Atinente a isso, fez-se

necessária a criação de normas com o fito de depurar e solucionar as consequências desse

crescimento desenfreado e resolver as incorreções das cidades que não comportam tal

crescimento populacional.

O Direito Urbanístico, cujo objeto é a questão social ambiental, surge sob esses

acontecimentos. Como ciência, tangencia tudo ligado ao desenvolvimento da cidade.

Portanto, Direito Urbanístico são normas descritas para orientar, planejar e instrumentalizar

meios de desenvolvimento para uma cidade sustentável.

O Direito Urbanístico é o ramo do Direito ainda debatido doutrinariamente, quanto à

sua autonomia, e se confunde com outros ramos, como Direito Administrativo, Econômico,

entre outros. No entanto essa divisão é necessária para melhor enquadrar os acontecimentos

urbanos de forma a levar ao legislador aquela parcela de bem merecedora de acolhimento em

textos normativos.

Assim, o Direito Urbanístico nada mais é que a preocupação normativa quanto à

cidade, no tocante ao seu desenvolvimento e interação entre os seres humanos. Notadamente,

é o ramo que se preocupa com segurança, saneamento básico, moradia, transporte, vias

públicas, trabalho, meio ambiente urbano.

Vale dizer que o Direito Urbanístico está também atrelado ao Direito Ambiental, por

tratar do meio ambiente urbano como sendo o meio ambiente artificial, com influência do

homem, transformado por este, através de edificações, ruas, praças. E tudo isso com

observância das normas e diretrizes do Direito Urbanístico.

Após o liberalismo, tais acontecimentos sociais fizeram com que os indivíduos

começassem a cobrar mais intervenções do Estado por causa do crescimento estarrecedor das

cidades. Surge assim o Estado mais interventor, que tem o Direito como instrumento

viabilizador de tal intervenção.

4.2 Direito Urbanístico, ramo do Direito atinente à política urbana constitucional: na

busca de uma cidade sustentável

Uma das incoerências da cidade é a criminalidade, que vem tomando espaço nas

relações sociais de forma assustadora. O consumo exacerbado e o desenvolvimento

Page 63: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

64

econômico têm grande influência nisso, pois provocam o êxodo rural, ocasionando o aumento

e o acúmulo de população nas cidades.

Segundo Bauman (2008), o consumismo levou à aglomeração de pessoas em busca de

um lugar ao sol e no mercado econômico e permitiu a marginalização e exclusão social dos

que ficam de fora do progresso e do crescimento econômico.

Concomitante com o crescente avanço das populações rurais para os centros

urbanizados das cidades, surgem diversos problemas, como o aumento de crimes e de

criminosos. Nesse contexto, normas instrumentadoras são necessárias com o fito de depurar e

solucionar as consequências do alarmante medo da população de ações criminosas.

Assim, o aumento populacional em determinados lugares ocasiona problema nas

relações sociais como o enfrentamento das consequências do crime e do criminoso. O Estado

deve se preocupar em como solucionar esses problemas, e uma das formas é estabelecer a

política de segurança pública.

Não se pode mais aguardar que os problemas ocasionados por esses fatores

transpassem a segurança individual; com base nisso, a cidade tende a se tornar alvo de análise

num planejamento urbano sustentável voltado para a segurança pública.

Para a existência de cidades plenamente saudáveis, é imperativa a concepção de uma

política de planejamento para a segurança da população. Consuelo Yoshida entende a cidade

como um bem ambiental, de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Salienta ainda que a cidade não se confunde com o meio ambiente artificial, pois se revela

uma integração de todos os aspectos do meio ambiental.

A forma da cidade, por sua estrutura gerada por uma justaposição de elementos

materiais, sociais e sensíveis, permite a aquisição de um valor estético e imaginário

que constitui sua força de atração em relação aos indivíduos e aos grupos que nela

habitam, criando espaços existenciais onde se concretiza a cidadania. É na forma da

cidade, na interação de suas três dimensões, que há uma distinção do paroxístico, do

excesso, pela acentuação, pela caricaturização, pelo sobressaimento do invisível e do

subterrâneo que constituem a sensibilidade existencial que desenvolvemos em

relação a estes espaços, e que, ao longo de nossas vidas, demonstram-se como

incontornavelmente vitais nos processos de atribuição de sentido aos seres humanos

(SANTOS, André Leonardo, 2013, p.75).

A cidade como bem seria muito além do disposto por José Afonso Leme, pois se

levam em consideração as relações sociais, qualidade de vida e outros bens não visíveis aos

olhos, mas presentes nas interações do homem na cidade.

Com base nisso, podemos afirmar que a cidade como bem de uso comum do povo

deve corresponder às suas expectativas, ou seja, o ser humano tem que se sentir seguro no

Page 64: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

65

meio ambiente em que vive. Não se pode mais pensar na cidade de forma isolada; ela tem que

ter múltiplas funcionalidades para sadia qualidade de vida dos indivíduos que nela coabitam.

Portanto, como preocupação do Direito, entendido como norma de conduta, que

através da moral e da ética são delimitadores das ações humanas em sociedade, surge o

Direito Urbanístico. Este aparece na seara dogmática como ramo do direito, pois quando da

elaboração da lei o legislador precisa observar critérios para fundamentar sua criação, alicerce

sem o qual não haveria base de sustentação. Destarte, as regras e os princípios devem ser

observados pelo legislador ao colocar no ordenamento jurídico normas a serem seguidas sob o

viés urbanístico.

O Direito Urbanístico é fundamentador de regras e princípios para o planejamento

urbano, tendo como principais diretrizes o disposto no artigo 182 e art. 183, da Constituição

Federal. Esses artigos, além de versarem sobre o planejamento urbano, trazem o plano diretor

como instrumento a ser viabilizado pelos municípios, ou seja, ele deve traçar metas de

execução e concretizar o planejamento urbano com a observância das diretrizes dispostas na

Constituição, tudo com a finalidade de se ter uma cidade sustentável.

Como forma de cumprir as diretrizes constitucionais, a União, por meio de sua

competência fiscalizadora, elaborou o Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257/2001) com regras e

princípios do Direito Urbanístico a serem seguidos pelos demais entes federados.

Essa obediência entre os entes federados deve-se ao fato de que estamos dentro de um

estado democrático de direito que tem como forma de Estado a federação, sendo esta a união

de todos os entes estatais, interligados entre si, em que pese cada um ter sua autonomia como:

I- Poder de autogoverno (capacidade de um povo escolher seus próprios

representantes políticos);

II- Capacidade legislativa (cada ente Estatal tem sua capacidade autônoma para

instituir sua ordem jurídica, sendo esta estabelecida pela Constituição);

III- Capacidade administrativa (cada Ente Estatal autônomo possui poder de

autoadministração e de administração dos interesses públicos da respectiva

sociedade);

IV- Capacidade financeira (é a capacidade que o ente possui de ter recursos

financeiros próprios e disponíveis); e

V- Capacidade tributária (é a capacidade que um ente Estatal possui de instituir e

arrecadar tributos da sua própria competência).

Page 65: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

66

E também a Constituição Federal prevê a forma de governo:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamentos:

[...]

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição

(BRASIL, 1988).

Tais previsões constitucionais autorizam de forma equânime e justa que haja uma

intervenção do Estado em outro (federalismo cooperador), como forma de se cumprir o

disposto na Constituição Federal. Para tanto, não iria deixar a critério de um só ente a

elaboração, fiscalização, execução de metas do planejamento urbano, considerando as

particularidades financeiras e econômicas de cada ente, sem contudo ferir o princípio da

federação.

O Direito Urbanístico é a ciência que tem como objetivo colaborar para o

desenvolvimento da cidade; é composto por normas descritas para orientar, planejar e

instrumentalizar meios para se ter uma cidade sustentável. Ao traçar critérios de

planejamento, envolve também a segurança pública, objeto do Direito Penal, a Criminologia

entre outros.

Assim, o Direito Urbanístico nada mais é que a preocupação normativa com o

desenvolvimento da cidade e da interação entre os seres humanos. É o ramo do Direito que se

preocupa com a segurança, o saneamento básico, a moradia, o transporte, as vias públicas, o

trabalho e os aspectos relacionados ao meio ambiente urbano.

A intenção do legislador ao traçar o planejamento urbano como norma constitucional

foi colocar os interesses da cidade como bem ambiental a ser equilibrado. E o Estatuto da

Cidade, em resposta, tenta viabilizar tudo o que se encontra dentro da cidade, ordenando-a em

favor da coletividade.

Para tanto, é necessária a regulação do solo, por meio de diversos instrumentos como

zoneamento, usucapião e outros. A finalidade da cidade é servir ao homem, e aqui se

demonstra claramente a teoria antropocêntrica, pois não existiria cidade sem o homem, ela foi

criada por ele e para ele.

Page 66: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

67

4.3 Do planejamento urbano e segurança pública (Lei n.º 10.257/2001)

O planejamento urbano está previsto na Constituição Federal de 1988, no TÍTULO

VII, Da Ordem Econômica e Financeira, CAPÍTULO II, art. 182 e 183, e tem o intuito de

viabilizar e ordenar, por meio de política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo

poder público na esfera municipal, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade,

prevendo a criação de normas gerais quanto às diretrizes a serem adotadas, de forma que a

cidade se torne sustentável, com uma sadia qualidade de vida para as presentes e futuras

gerações.

Planejamento significa, segundo a Lei n.º 11.445/08 em seu art. 2º, inciso I:

[...] as atividades atinentes à identificação, qualificação, quantificação, organização e

orientação de todas as ações, públicas e privadas, por meio das quais o serviço

público deve ser prestado ou colocado à disposição de forma adequada

(BRASIL, 2008).

Assim, o planejamento urbano visa a garantir o disposto na Constituição Federal, com

o fito de atingir a sustentabilidade. Um dos aspectos para garantir uma cidade sustentável é a

convivência harmoniosa entre os indivíduos, com o fim de obter maior segurança por meio da

implantação de ações públicas.

Tem-se como exemplo o oferecimento de serviço público para garantir a comodidade

populacional, por meio de maior policiamento, e outras ações públicas voltadas à segurança

pública, e colocadas à disposição dos cidadãos. Os transtornos gerados pela criminalidade e a

ausência de políticas de segurança tornam a vida nas cidades menos saudável.

Observa-se que os índices de criminalidade aumentam conforme aumenta também o

desenvolvimento econômico, acarretando a superpopulação que, segundo Bauman (2005),

tem como excesso os não aceitos, aqueles que não conseguiram entrar no progresso do

desenvolvimento.

Se o excesso populacional (ou seja, a parcela que não pode ser reassimilada aos

padrões de vida normais e reprocessada para a categoria dos membros “uteis” da

sociedade) pode ser removido e transportado de modo rotineiro para além das

fronteiras do recinto em que se busca o equilíbrio econômico e o harmônico social,

as pessoas que escapam à remoção e permanecem dentro do recinto, mesmo que

agora redundantes, são marcadas para reciclagem (BAUMAN, 2005, p. 90).

Page 67: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

68

Essa população excedente, com a falta de planejamento, provoca a desordem urbana,

tendo em vista que crescem a cada dia as favelas, paralelamente, os marginalizados. O

surgimento de guetos (favelas) com precária qualidade de vida não é comportado pelas

cidades sustentáveis, e também não é previsto pelo Estado, mas a ausência de planejamento

dificulta que a cidade, como bem comum de todos, ofereça qualidade de vida e

sustentabilidade para os seus habitantes.

Isso devido ao fato de as favelas apresentarem características peculiares como grande

número de pessoas na informalidade, que migraram para a cidade em busca de emprego, mas

se depararam com propriedades com preços bastante elevados. Isso conduz ao aparecimento

de aglomerados, pois a essas pessoas não resta alternativa a não ser residir em lugares

desordenados ou em propriedades alheias invadidas.

A industrialização torna o crescimento desordenado das cidades um catalisador de

novos fenômenos sociais, que alteram os costumes, a economia, o espaço e a

demografia. Grandes desigualdades temperam essa realidade propícia a desvios de

conduta e crimes (EVANGELISTA, 2012, p. 198).

Essa forma desordenada de crescimento traz junto consigo o aparecimento de

criminosos, com desvios de comportamento. Os lugares e sua arquitetura tornam-se local de

fácil contaminação criminal. Segundo Felipe Camelo de Freitas Evangelista (2012), em seu

artigo publicado na revista Veredas do Direito:

Em certa medida, vários delitos ocorrem devido ao desenho ou projeto do lugar que

os circunscreve. O conhecimento dos níveis dessa influência ajuda órgãos de

segurança a identificar quais as causas geradoras da criminalidade não decorrentes

apenas das falhas ou omissões da polícia (EVANGELISTA, 2012, p. 198).

Lado outro, a presença de crime é considerada um fenômeno social que sempre irá

existir, mas seu descontrole se mostra latente com a desordem e a ausência de um

planejamento urbano na cidade, provocando seu aumento.

Em outras palavras, não basta a individualidade separada da parte coletiva, a

coexistência dos dois gera fenômenos muitas vezes não desejados pelo próprio indivíduo.

A criminalidade é um fenômeno social, já identificado assim no final do século XIX

(DURKHEIN, 1897), como um fato próprio da existência humana, portanto fato

social. O fato social é distinto do livre arbítrio e consequência das forças coercitiva

da coletividade. É uma coisa mensurável e difere da vontade humana individual, a

qual encontra as estruturas sociais prontas, não é decisão do homem incorporar ou

participar destas formas de convívio, elas existem independente da vontade de cada

um e obrigatoriamente somos integrados a elas (GIDDENS, 1976)

(GOMES, 2005, p. 58).

Page 68: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

69

Nesse contexto, faz-se necessária a intervenção do Estado. Bauman (2005) traz, em

seu livro Vidas desperdiçadas, que o medo é algo inerente ao ser humano, e quem o controla

trazendo conforto é o líder; alguns buscam a religião para aplacar seus medos. O medo de ser

vítima de crime e do criminoso pode ser aproveitado pelo Estado, que por meio de políticas

públicas viáveis e funcionais garante a segurança.

A falta de planejamento público para extirpar ou diminuir a sensação de insegurança

confere à população a sensação de rejeição, a qual deixa de confiar no Estado. E o Estado,

para retomar a confiança da população, até mesmo como forma de controlá-la, deve buscar

alternativas solucionáveis do problema e manter a ordem; ao contrário, um Estado sem líder

vira caos.

Nesse contexto, o Estado deve voltar-se para a viabilidade econômica; o crescimento

de um país está atrelado a tudo, inclusive às questões das relações sociais. Uma população

infeliz não produz, não desenvolve, dando vazão ao aparecimento da desordem.

Por esse fato que o planejamento urbano se encontra no título referente à ordem

econômica; a cidade faz parte do ciclo de desenvolvimento econômico de um país, que

objetiva mais investimentos externos, maior produção de forma sustentável.

Uma cidade sem planejamento urbano empaca o crescimento esperado pelo progresso.

Afirma-se que as cidades possuem um papel fundamental no desenvolvimento, pois a partir

da concentração de pessoas com atitudes e atos controlados é que haverá o desenvolvimento

econômico e social.

O Estatuto da Cidade prevê que para se ter uma cidade sustentável e com boa

funcionalidade, o indivíduo tem que ser analisado no seu contexto, como um componente da

cidade. O que significa dizer que planejar urbanisticamente é analisar os interesses do ser

humano, analisar o que é viável para que este tenha uma vida digna, com moradia, trabalho,

transporte, saúde, e principalmente segurança, esta como forma de controlar o medo.

Em que pesem entendimentos contrários de que a lei viabiliza apenas questões

materiais da cidade, como estrutura, forma física, esta deve ser vista como um dos fatores que

contribui para que o indivíduo no seu íntimo efetive mudanças em seu caráter.

Um pequeno comentário sobre o Estatuto da Cidade, lei que aportou em nosso

sistema jurídico desde 2001, e pela qual se nutria uma grande esperança de inovação

política e legislativa. Esta lei nasceu com os olhos fechados para qualquer ideia de

cidade sensível. O controle social do Estado sobre as ações políticas direcionadas à

cidade, previsto no art. 2º, em seus 17 incisos, refere-se quase que exclusivamente a

questões relativas à materialidade do espaço urbano. O mais próximo que chegou da

Page 69: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

70

previsão de ações dirigidas ao plano sensível, espiritual, cultural foi no inciso I,

quando expressa que entre as diretrizes gerais consta o direito à cidade sustentável,

entendida, entre outras concepções, como o direito ao lazer. Também poderíamos

apontar, como outro elemento desta lei dirigido a ampliar os espaços sensíveis

urbanos, a previsão da gestão democrática da cidade, inserida no art. 2º, II e, mais

adiante, no Capítulo IV, com 3 artigos, cujas disposições, um tanto quanto

genéricas, jogam a responsabilidade de instrumentalização desses processos de

tomada de decisão coletiva para o âmbito público municipal. No mais, o Estatuto da

Cidade é uma legislação mais preocupada com a materialidade da urbe do que com

qualquer outro aspecto ou dimensão (SANTOS, André Leonardo, 2013, p. 75).

Uma cidade sustentável sem vida social por medo de ações criminosas de outrem não

tem funcionalidade alguma. Imagine uma praça com todos os seus encantos e preservações,

mas a qual não pode ser visitada pelo cidadão devido ao medo. Em breve o local se tornará

abandonado e esquecido, o Estado pararia de ali empreender recursos para o lazer, pois seria

despender recursos financeiros não necessários.

Assim, nos dizeres de Fiorillo (2012, p. 43), a política urbana fixada no art. 2º da Lei

10.257, de 2001, tem como objetivo regrar a cidade de acordo com a necessidade da pessoa

humana, observando-se o Piso Vital Mínimo.

Para San Juan, Bermejo e Ocáriz (2007) teorias ecológicas afirmam que o ambiente

pode ter influência decisiva sobre o comportamento humano e crime. Ecologia na

área criminológica representa a influência que o ambiente tem sobre o

comportamento do sujeito. Portanto, não é antissocial relação ao meio ambiente.

Destina-se nesse assunto personalidade antissocial tem sua formação em múltiplos

fatores e aspectos ambientais que o rodeiam e que uma vez favorecidas para o

fenômeno antissocial se desenvolve. Esta Criminologia específica é bem estudada e

há muito tempo já fez estudos como as influências climáticas para realizar certos

tipos de crimes, de Platão a Montesquieu, Quetelet e Parmelee para Werner Wolff

(1976), Leija Moreno (2004) teve Solis Quiroga (1985), Francisco Valencia (sf),

Maguire, Morgan e Reiner (2006) e todos aqueles que em tempo não teria enunciado

(HIKAL; WAEL, 2010, p. 5/6).8

Nesse passo, pode-se subsumir que o Estatuto da Cidade tem como um de seus

objetivos a busca pela segurança de seus habitantes, segurança pública, considerando a cidade

como meio ambiente urbano a ser protegido para os habitantes presentes e futuros.

Para tanto necessário ser um meio ambiente onde todos os indivíduos interagem entre

si, com qualidade de vida, sem criminalidade, conforme dispõe o já citado art. 225 da

Constituição Federal de 1988.

8 Para San Juan, Bermejo y Ocáriz (2007) las teorías ecológicas aseguran que el ambiente puede tener influencia decisiva en el comportamiento humano, así como de la criminalidad. La Ecología en el área criminológica representa la influencia que el ambiente ejerce

sobre la conducta del sujeto. Por lo tanto, existe la relación antisocial–ambiente. Es tendiente en cuanto a que la personalidad de un sujeto

antisocial tiene su formación en múltiples factores y aspectos ambientales que lo circundan y que en su momento favorecen para que se desarrolle el fenómeno antisocial. Esta Criminología Específica está bien estudiada y desde hace tiempo ya se había n hecho estudios de

cómo el clima influye para la realización de cierto tipo de delitos, desde Platón a Montesquieu, Quetelet y Parmelee hasta Werner Wolff

(1976), Leija Moreno (2004) Solís Quiroga (1985), Francisco Valencia (s.f.), Maguire, Morgan y Reiner (2006) y todos aquellos que de momento faltarían enunciar.

Page 70: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

71

4.4 Violência urbana: desafio para o planejamento urbano

As cidades trazem consigo alguns problemas frutos de seu desenvolvimento

econômico e as degradações urbanas são um deles. Podemos citar como exemplos a

degradação do solo, da água, do ar, a sonora e a violência. O índice de crimes nas grandes

cidades aumenta, surgem diversos tipos de condutas ilegítimas lesionando bens jurídicos

(alheios), sendo necessário haver novas tipificações penais para tais fatos.

Nesse contexto, a violência seria transgressão que pode ser chamada de degradação da

qualidade de vida, uma das preocupações do Direito Ambiental no que se refere ao espaço

urbano. As favelas seriam um tipo de arquitetura com enorme influência para o surgimento de

criminosos e de práticas de crimes violentos.

A população sitiada nesse espaço é excluída do quadro social, em sua maioria não tem

acesso à cidadania (direitos básicos do indivíduo), como emprego, lazer, segurança. Além do

ambiente física e estruturalmente favorecer a criminalidade, pois falta iluminação adequada,

há prevalência de terrenos baldios, praças abandonadas, ruas sem calçamento, e ainda com

acesso precário, locais geralmente não monitorados pelo Estado para garantir segurança.

Todos esses fatores somados contribuem para levar os indivíduos para a “vida do

crime”, mesmo aqueles que não pretendem trilhar esse caminho, já que muitas vezes são

“forçados” a isso.

Essa primeira auditoria verdadeiramente global da pobreza urbana, que segue as

famosas de Friedrich Engels, Henry Mayhew, Charles Booth e Jacob Riis, é o ponto

culminante de dois séculos de reconhecimento científico da vida favelada, que teve

início em 1805 com Survery of Poverty in Dublin [Estudo da pobreza em Dublin],

de James Whitelaw. É também a contrapartida empírica há muito esperada das

advertências do Banco Muncial na década de 1990 de que a pobreza urbana se

tornaria “o problema mais importante e politicamente explosivo do próximo século”

(DAVIS, 2006, p. 30).

Morar na favela, no entanto, não torna necessariamente a pessoa criminosa, motivo

pelo qual há que se ter cuidado com análises apressadas sobre o fenômeno da favelização da

cidade.

De fato, a favela seria um entrave para o crescimento econômico, e sua eliminação

pelo Estado é interessante para o progresso e embelezamento da cidade. A justificativa de que

em favelas só há criminosos, no entanto, é uma falácia do Estado para justificar sua conduta

Page 71: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

72

de eliminação social, pois na verdade o fator preponderante parece ser sua ausência dentro das

cidades sustentáveis.

Assim como no passado colonial, o regime hoje usou os argumentos da

criminalidade e da miséria urbana para “restaurar a ordem” nas cidades e, assim,

como as tentativas passadas, isso não resolverá o problema. [...] Afinal, a base dessa

pobreza urbana é a crise da reprodução do trabalho e o fracasso constante da atual

política econômica de estabilizar o meio de vida dos trabalhadores urbanos

(DAVIS, 2006, p. 120).

Em outras palavras, o Estado utiliza argumentos para consertar o que foi esquecido por

ele, ou seja, o surgimento desordenado das favelas ocorre justamente pela ausência de

fiscalização do Estado, o que demonstra que o planejamento urbano é de suma importância

para a cidade ser sustentável, e a manutenção da fiscalização é forma de prevenção desses

acontecimentos. No julgado de 2000, nos autos da apelação cível n. 888314/0, o voto do

Desembargador Ênio Santarelli Zulini, citado por Perazzoni (2011), trouxe tais informações

bem claras nos seguintes dizeres:

[...] todo o agrupamento depende de espaços livres para praças, empreendimentos de

recreação, do lazer e dos esportes, uma necessidade para aproximar as pessoas, patê

da política contra o ócio e a desesperança que revoltam e encaminham os deserdados

da fortuna para a violência (ZULINI apud PERAZZONI, 2011).

No entanto, a violência nas cidades em que há inúmeras favelas toma proporções não

mais controladas apenas pelo planejamento urbano, dando azo ao aparecimento do Estado

legislador, que cria normas penais mais severas contra novos crimes, como os praticados por

organizações criminosas. Na mesma esteira de pensamento, Mendroni (apud PERAZZONI,

2011, p. 90-91) afirma:

A evolução natural da humanidade, decorrente da modernização dos meios de

comunicação, equipamentos tecnológicos de toda natureza, dos meios de transporte

e de processamento de dados, trouxe também a reboque o incontrolável incremento

da criminalidade, mas, em especial, da criminalidade organizada.

E também Cárceles:

Nos últimos anos, o crescimento do número de ilícitos contra Planejamento

territorial tem sido motivo suficiente para incentivar o legislador a adotar uma

atitude de compromisso amparada na necessidade e urgência modificação

legislativa. É uma questão que tem se refletido no fortalecimento de alguns dos

preceitos do Código Penal vigente 9 (CÁRCELES, 2013, p. 575).

9 En los últimos años el crecimiento del número de ilícitos contra la ordenación del territorio ha sido motivo suficiente para

incentivar al legislador a la adopción de una actitud de compromiso amparada en la necesaria y urgente modificación

Page 72: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

73

Dessa forma, não há que esperar que uma sociedade que se agiganta e se aglomera em

pequeno espaço territorial, com um grande número de pessoas, não seja vítima da

criminalidade; ao passo que o planejamento urbano merece maior atenção no que se refere aos

cuidados com a segurança pública, com uma gestão pautada em prevenção, fiscalização, com

mais policiamento nas ruas, e com policiais mais bem equipados e preparados.

O aumento populacional nas cidades é fruto do crescimento econômico que tem como

meta o progresso. O Estado é um grande coadjuvante para que a cidade seja o melhor lugar

para se viver; deve fomentar estudos voltados para um planejamento da segurança pública,

garantindo a sensação de felicidade e segurança na população. A ausência do controle do

Estado pode reverberar no descrédito, levando o cidadão a clamar por ações de autodefesa em

substituição do Estado.

O Direito Urbanístico é o corretor das incorreções, do desequilíbrio, da desordem nas

cidades. Ele visa dar sustentáculo para o planejamento urbano previsto na Constituição

Federal de 1988, pois esta dá diretrizes e estimula através do princípio da função social a

viabilidade de uma cidade sustentável, colocando o planejamento urbano nas mãos dos entes

federados como instrumento, como seus executores, ou como fiscalizadores para sua

implementação. Tudo na busca de uma cidade sustentável.

Não tenho dúvidas de que estão cobertos de razão Lévi-Strauss, Pesavento e Flusser

quando apontam a existência de uma imaterialidade cultural como elemento

constituinte da cidade. Há espaços que são mais do que prédios ou esquinas, luzes

ou sombras, verde ou concreto. Os mesmos espaços materiais são os espaços de

sociabilidade, de atribuição de sentidos e valores a um mundo que chamamos

cidade. Sobre a materialidade e sobre a sociabilidade, a partir das emoções e

sentimentos produzidos existencialmente, criamos imagens e discursos, produzimos

pensamento, e por ele construímos, uma cidade imaginária, uma cidade sensível que

é, conforme as palavras de Pesavento “aquela responsável pela atribuição de

sentidos e significados ao espaço e ao tempo que se realizam na e por causa da

cidade (SANTOS, André Leonardo, 2013, p.74).

Portanto, as cidades provocam o surgimento de favelas, estas indesejadas pela cidade

sustentável, pois consigo trazem fatores sociais prejudiciais, aumentando o número de crimes

e de criminosos. Tal alteração no quadro das cidades deve ser prevista, o que demonstra que a

ausência de planejamento e fiscalização acaba por ocasionar distúrbio nos cidadãos, como

estresse, sensação de insegurança, isolamento.

legislativa. Se trata de una cuestión que ha visto su reflejo en el refuerzo de algunos de los preceptos del actual Código Penal.

(CÁRCELES, 2013, p. 575).

Page 73: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

74

A violência foi demonstrada como um fator social dentro do espaço urbano

desorganizado, não planejado e esquecido pelo Estado, e que fomenta até mesmo o

surgimento de novos crimes por meio de organizações criminosas. E como forma de prevenir

e também extirpar o crime é necessário o planejamento urbano voltado para a correção dessa

desordem, bem como elaboração de normas contentoras da violência e do criminoso.

4.5 Construções prediais verticais como solução para a moradia urbana, um desafio

para a segurança pública

Figura 2 – Construção predial vertical

Fonte: Fernando Quevedo / Agência O Globo.

Não basta ter um planejamento urbano, ele tem que ser projetado com eficácia e sob

diversos critérios e fatores; o local deve ser analisado e uma boa estrutura física, planejada.

Talvez o maior exemplo dessa nova lógica que guiou as construções dos espaços

urbanos contemporâneos seja Brasília. Aparentemente, uma cidade com inúmeros

requisitos para o exercício da cidadania no espaço urbano, mas, essencialmente, uma

cidade com blocos imóveis isolados, largas avenidas destinadas aos fluxos de

automóveis e outros veículos, amplas áreas verdes, um lago artificial enorme, mas,

por outro lado, uma cidade desumana, com espaços de convivialidade restritos às

classes abastadas que transitam pelos corredores do poder ou dos altos escalões do

serviço público, enquanto a periferia trafega por espaços sem qualquer planejamento

Page 74: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

75

e sem qualquer possibilidade de construir uma identidade cultural que a ligue

visceralmente a um espaço existencial urbano

(SANTOS, André Leonardo, 2013, p.76).

Devido ao avanço social nas grandes cidades, com as novas tecnologias e

desenvolvimento econômico, a sociedade rural tem-se evadido para os grandes centros

urbanos, o que provoca o aumento do número de cidadãos em busca de moradia. A procura

pelo espaço físico para morar se torna disputa, e pela lei da oferta e procura faz com que haja

um elevado preço de mercado dos imóveis. Nas palavras da professora Maraluce Maria

Custódio, em conjunto com Douglerson Santos:

O mesmo se passa com a incrementação imobiliária de regiões de entorno dos

centros urbanos. A partir da década de 70 nos EUA e Europa e década de 80 no

Brasil, os habitantes vêm buscando sair dos grandes centros barulhentos, cinzentos e

poluídos e procurando um entorno, mas com um pouco de qualidade de vida:

natureza, ar mais puro, tranquilidade, bela paisagem (BRANCO, 1991). Surgindo a

cultura dos subúrbios, hoje chamados de periurbanos

(SANTOS; CUSTÓDIO, 2013) 10.

Em razão desse efeito, aqueles com parcos recursos para ter sua moradia acabam

invadindo terrenos alheios; no mesmo contexto, o Estado não está preparado para atender essa

demanda, surgindo a cada dia mais pessoas dispostas a invadir terrenos e imóveis alheios.

Há uma hipertrofia urbana que nos países do sul agrava-se, comparada aos países do

norte, em função da velocidade e da amplitude do processo, com um crescimento

acelerado da pobreza e um rápido desenvolvimento de periferias empobrecidas. Esse

crescimento urbano é caracterizado, essencialmente, pelo afluxo de populações

pobres oriundas de migrações rurais para a cidade, repetindo o fenômeno medieval.

Favelas nascem e crescem sem planejamento urbano, sendo quase sempre resultado

de ocupações ou invasões ilegais de terrenos ainda disponíveis. Com frequência

bastante alta, são lugares por excelência de insalubridade, violências urbanas,

criminalidade, desigualdades etc. (SANTOS, 2013, p.70).

Ocorre que, na localidade invadida, há ausência do Estado; falta planejamento urbano,

saneamento básico, iluminação pública, ruas pavimentas, entre outras necessidades primárias

do ser humano, provocando uma microssociologia, com regras e critérios próprios.

O Estado, para solucionar o déficit de pessoas sem teto e no intuito de viabilizar o

disposto constitucional da moradia (art. 6º, CF) 11, cria em 2009 o projeto para efetivar esse

direito fundamental, intitulado programa de moradia "Minha Casa, Minha Vida".

10 http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=831 11 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Page 75: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

76

O programa referido tinha o condão de beneficiar a família com baixa renda a ter

acesso a uma moradia digna. Na maioria dos casos, tratava-se de imóveis verticais, prédios.

O programa beneficiou também pessoas que moravam em situações irregulares, como

invasões advindas da carência por moradia. O Estado tentou com isso eliminar as favelas

horizontais, uma vez que estas frequentemente não são planejadas, e oferecer moradia digna

às pessoas de baixa renda.

Esse programa aumentou em demasia o número de prédios, locais estes com grande

quantidade de pessoas. Contrapondo a esse cenário perfeito pela busca de um lugar adequado

para se viver, as experiências da polícia judiciária mostram que esse planejamento urbano

muitas vezes não é suficiente para diminuir o crime, podendo até mesmo ser fomentador dele.

Esse tipo de estrutura física, mesmo que planejada, em que pese ser um atrativo

econômico para o Estado, pois ocupa espaço territorial pequeno, torna-se um escudo protetor

de indivíduos mal intencionados. No Rio de Janeiro, bem como em São Paulo e em Minas

Gerais, houve grande crescimento de crimes propiciados por esse tipo de construção, pois

inviabilizam a fiscalização e o monitoramento da segurança pública, que é um dos

instrumentos do Estado para impedir crimes e controlar a criminalidade.

Nem a polícia preventiva nem a repressiva conseguem, mesmo através das vias

judiciais, como mandados de busca e de prisão, repreender ou retirar indivíduos infratores

desses prédios.

Estima-se que condomínios de prédios construídos para efetivar o programa "Minha

Casa, Minha Vida" acabam tendo a mesma população equivalente à existente em um bairro,

porém com muros altos, e muitas vezes com um único acesso.

Essa estrutura vertical inviabiliza as atividades da polícia e funciona como

escamoteador dos crimes praticados dentro desses prédios, que são em sua maioria uso de

drogas, tráfico de drogas, armazenamento de armas, abrigo de foragidos, e até mesmo prática

de homicídios.

A polícia tem enorme dificuldade em adentrar esses prédios, que recebem apelidos

como “prédio do Carandiru”, referindo-se à casa de detenção da cidade de São Paulo, a qual

ficou conhecida pelo desastre ocorrido em 2 de outubro de 1992; “prédio do alemão”,

referindo-se à temida favela situada no Estado do Rio de Janeiro, etc.

Em alguns casos, policiais em suas investigações, e por inúmeras vezes, descobrem

que suspeitos de crimes adentraram apartamentos alheios para se esconderem, e

consequentemente não terem suas prisões efetivadas.

Page 76: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

77

Nem mesmo assistentes sociais e membros do Conselho Tutelar têm a entrada

permitida nesses prédios; quando o fazem para cumprir requisição ministerial, ou por ordem

judicial, pedem apoio à segurança pública com a consequente presença de policiais.

Isso se deve ao fato de os marginais que ali habitam se apropriarem do prédio,

principalmente da área comum, e darem ordens para as forças do estado não entrar no prédio.

Dentro desses prédios, inclusive nos corredores, é possível visualizar pichações, e até

mesmo ausência de iluminação, pois eles depredam o interior e quebram as lâmpadas. Tudo

para dificultar a fiscalização interna de condutas indesejadas pelos demais moradores e como

forma de impor o comando.

Em uma incursão policial, houve moradores que solicitaram, às escondidas, proteção

por suas vidas e afirmaram que naquele local eles não têm a mínima condição de segurança.

Os infratores que ali habitam proíbem acesso de pessoas estranhas no local, como visitas, etc.

Alguns moradores escondem suas identidades profissionais, pois a depender do que fazem são

frequentemente ameaçados.

Quando a polícia é autorizada a adentrar no prédio para efetuar busca e apreensão em

uma das unidades, como apartamento, sua finalidade é muitas vezes infrutífera, pois os

suspeitos os visualizam com primazia ao chegarem ao local, devido à estrutura do prédio,

permitindo a retirada pelos infratores dos produtos ilícitos e das armas de dentro do

apartamento no qual será efetuada a busca, transferindo-os para outro apartamento no qual

não recai nenhuma suspeita.

Em outras palavras, a estrutura predial vertical é uma arma, um reino onde se

protegem marginais, equivalente àquelas cidades antigas em que os muros altos eram feitos

para inviabilizar os invasores, protegendo-os das guerras. Previsto na Bíblia Sagrada, 2012, p.

797, “Como cidade derrubada, que não tem muros, assim é o homem que não pode controlar

seu espírito” (Provérbios 25:28). E ainda,

Houve um tempo em que a cidade do Rio Grande buscava proteção atrás de muros

que lhe garantiriam a defesa contra invasões terrestres. Certamente, a memória

daqueles que viveram os conflitos com uruguaios, argentinos e paraguaios, em

meados do século 19, ainda estava repleta de relatos da invasão terrestre espanhola

de 1763 e do pânico que se apoderou da população. Posição de difícil defesa, a

localidade sofreu outro sobressalto em 1777, com nova tentativa de invasão

espanhola por D. Pedro de Cevallos (TORRES, 2006)12.

12 seer.furg.br/biblos/article/view/255/68

Page 77: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

78

O cidadão que ali mora o qual não tem participação na vida criminosa é prejudicado,

pois não pode usufruir sua moradia como gostaria. Da mesma forma, quando os policiais

estão em serviço e têm que entrar nesses prédios, colocam suas vidas inteiramente nas mãos

dos malfeitores, pois a situação é de plena exposição física, considerando que o local em sua

maioria só tem um acesso, que é pelo portão principal.

Lado outro, os suspeitos estão nas partes superiores dos prédios, e através das janelas

têm a visão privilegiada, pois propicia a visualização de tudo, com muito maior visibilidade;

em contrapartida, os policiais ficam encurralados, totalmente desprotegidos.

Os delinquentes que ali residem percebem claramente quando há policiais

investigando, estes percebem as cortinas das janelas mexerem, indicando que estão sendo

espiados e monitorados. Assim os investigadores por vezes tocam a companhia de algum

apartamento, mas como esperado não são atendidos, nem mesmo pelos moradores

considerados do bem, pois os moradores se escondem, evitam qualquer contato com policiais,

pois têm medo.

Os malfeitores que ali residem muitas vezes afugentam famílias honestas, que mesmo

com o sonho da moradia, deparam-se com esse pesadelo em não poderem usufruir seu bem.

Assim, o programa de planejar melhor o espaço físico e reestruturar a cidade com a

retirada e remanejamento de pessoas merece estudos em diversos setores da política pública,

principalmente quanto à segurança, considerando o fato de que a criminalidade vem

aumentando, e essas estruturas não permitem a presença estatal.

E ainda, o sistema penal é extremamente garantista, protegendo não apenas os

cidadãos de bem, mas em maior grau aqueles que utilizam a lei para se beneficiarem de seus

crimes, isso porque não se é permitido dentro das leis penais o adentramento nas residências

sem expedição do mandado de busca e apreensão.

O garantismo focado no controle da legalidade não permite análise de questão social

ou política; nas palavras de Adilson de Oliveira Nascimento (2008, p. 123), “No modelo

garantista, a busca da verdade processual é controlada, só podendo ser obtida com a

obediência à normatividade constitucional de limitação do poder estatal penal, procurando

excluir no máximo possível, valorações”.

Não pode haver expedição de mandado de busca e apreensão coletivo, o que facilita

que bandidos residentes nos prédios utilizem os apartamentos alheios como esconderijo de

suas armas, produtos ilícitos e refúgios.

Page 78: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

79

O aumento de crimes em prédios verticais se justifica primeiramente pelo aumento

populacional nas cidades, fazendo necessário programas governamentais para retirada de

famílias e pessoas dos lugares não planejados para esses prédios verticais.

Esses lugares acondicionam pessoas não conhecidas, que vêm de diversas localidades

e meios sociais. E ainda, os que ali habitam e não têm condições de irem morar em outro local

acabam por vezes entrando na criminalidade, pela interferência do meio ambiente em que

vive.

A ausência do Estado nesses prédios provoca senso de abandono e desespero. Jovens

se relacionam no pequeno espaço comum depredado, e ali se inicia o começo de uma vida

criminosa, demonstrando que o espaço comum dos prédios onde o Estado não está presente é

propiciador da prática de crimes e do surgimento de criminosos.

Page 79: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

80

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aumento populacional nas cidades contribui para o surgimento de espaços e ações

não organizados, como favelas e invasões, desencadeando fatores não desejados em uma

cidade sustentável, como o aumento de crimes e de criminosos.

Demonstrou-se que o meio ambiente é de grande importância para o ser humano, e por

isso foi elevado à categoria constitucional, sendo necessário situar o meio ambiente urbano,

diferenciando-o dos demais meios ambientes divididos pela doutrina, como o meio ambiente

do trabalho, meio ambiente cultural, o meio ambiente natural, mas não deixando de

mencionar a sua conectividade, pois meio ambiente na verdade é um só, mesmo que

transformado pelo homem.

A CRFB traz diversos artigos protetores do meio ambiente, este como sendo direito

fundamental, já que transpassa os interesses únicos do ser humano; para tanto foi necessário

explicar a diferença e até mesmo a semelhança entre os direitos fundamentais e os direitos

humanos, razão por que este protege apenas interesses próprios ao homem.

O meio ambiente urbano e a cidade foram tratados no presente trabalho como

sinônimos, sendo bem jurídico fundamental e consequentemente protegido pelo Direito

Ambiental, que utiliza seus princípios para fundamentá-lo. A par disso, trouxe o princípio da

precaução e o princípio da prevenção, que tem como principal objeto a não ocorrência de

danos ao meio ambiente, de forma a prevenir e se evitar ocorrências futuras e desastrosas

frente aos anseios sociais, pois meio ambiente urbano é aquele local onde vive o homem, onde

este interage sócio e ambientalmente com seu meio.

Tratou-se de igual modo o princípio do desenvolvimento sustentável como essencial

para o desenvolvimento das cidades, e cuja base de sustento é progredir de forma sustentável.

Aclarou-se que uma cidade, meio ambiente urbano, pode ser evoluída e ao mesmo tempo

populosa, sem contudo perder a essência do respeito ao ser humano. Isso no que tange aos

respeitos recíprocos entre os indivíduos, respeitando a integridade deles acerca de seus bens

jurídicos, como o direito de viver bem, sem crimes, com segurança e liberdade.

Para tanto foi demonstrado que acaso o meio ambiente seja desequilibrado, pela

ausência de planejamento e fiscalização, surgem distúrbios, como estresse, sensação de

insegurança, isolamento.

Outro princípio fomentador do Direito Ambiental no que tange ao meio ambiente

urbano é o princípio da participação, relevante para que os indivíduos participem ativamente

Page 80: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

81

das decisões políticas e conheçam seus reais direitos. Tudo para poder cobrar do Estado

políticas públicas viáveis no espaço em que habita, como esgoto, policiamento, saúde,

educação.

O Direito Urbanístico, ramo do Direito capacitado a elevar o meio ambiente urbano a

bem jurídico a ser protegido dentro do ordenamento, demonstrou ser necessário para se retirar

as incorreções, o desequilíbrio, a desordem surgidas nas cidades, pois ele visa dar

sustentáculo para o planejamento urbano previsto na Constituição Federal de 1988. As

normas instrumentadoras previstas constitucionalmente colocaram o planejamento urbano nas

mãos dos entes federados, como seus executores, ou como fiscalizadores para sua

implementação. Tudo na busca de um melhor lugar para se viver.

Assim, o local habitado pelo homem, visto como uma espécie de meio ambiente e que

compõe o ecossistema, se torna um fragmento dentro das preocupações do Direito Ambiental.

A proteção do local habitado pelo homem e propício à criminalidade é tratada tanto na ciência

penal como na Criminologia; atualmente, diante da imensa concentração populacional em

determinadas localidades, deve ser visto também como uma das questões circundantes ao

Direito Urbanístico.

Por meio da teoria das janelas quebradas foi possível demonstrar que um local

contaminado, poluído, degradado e esquecido pelo Estado é mais susceptível a crimes, fato

explicado também pela ciência da Criminologia.

Trouxemos à baila a existência de áreas isoladas degradadas, local habitado por

homens, a qual perdera a essência do que deveria ser o verdadeiro meio ambiente saudável,

aquele previsto constitucionalmente. O direito entra aqui na preocupação de que o local em

que alguns indivíduos vivem deve ser conservado de forma organizada, protegida, cuidada,

para que não prospere a criminalidade e a sensação de normalidade ante a prática de crimes.

O presente trabalho tem o condão de viabilizar discussões acerca do ambiente urbano

em que a criminalidade aumenta a cada dia. E alguns instrumentos a ser utilizados para

diminuir o crime passam pela análise do local habitado pelos indivíduos, sua cultura, sua

educação, que em conjunto com o local degradado são fatores que contribuem para o

aparecimento de novos crimes e criminosos.

Tentou-se demonstrar que o meio ambiente urbano, nas palavras de Consuelo

Yoshida, citada por José Roberto Marques, é a cidade; que há outros fatores propiciadores

para se ter uma vida saudável, ou seja, não são apenas os objetos materiais, mas tudo que

envolve uma cidade, como as relações humanas, seus valores e culturas.

Page 81: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

82

A viabilidade quanto ao Estado tentar solucionar o problema de moradia, através de

construção predial vertical, acaba sendo ao mesmo tempo empecilho para o Estado no que se

refere à segurança pública. Tais construções prediais são utilizadas pelos malfeitores como

muralhas intransponíveis, de modo a praticar seus crimes, retendo provas e dificultando

prisões.

Não se pretendeu condenar o uso das construções prediais verticais, já que a tendência

de uso dessas construções é algo impossível de conter, pois são mais baratas e demandam

espaço geográfico menor, mas sim demonstrar que o ordenamento jurídico penal atual não

viabiliza ao Estado adentrar nesse espaço, no qual a criminalidade e o criminoso vêm

imperando.

Page 82: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

83

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios

jurídicos. 4.ed. Rev. 3ª tiragem. São Paulo: Editora Malheiros, 2005.

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à

sociologia do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1999.

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Tradução Juarez

Cirino dos Santos. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

BAUMAN, Zigmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editora, 2001.

BAUMAN, Zigmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria.

Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião

Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010.

BERTUCCI, J. K. de Oliveira. Metodologia básica para elaboração de Trabalhos de

Conclusão de Curso (TCC): ênfase na elaboração de TCC de pós-graduação lato sensu.

São Paulo: Atlas, 2008.

BEZERRA, Jorge Luiz. Segurança pública, uma perspectiva político criminal à luz da

teoria das janelas quebradas. São Paulo: Blucher Acadêmico, 2008.

BIANCHINI, Alice; MOLINA, Antônio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Direito

penal. Introdução e princípios fundamentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2009. Coleção Ciência Criminais, v.1.

BÍBLIA Sagrada extragigante. Tradução João Ferreira de Almeida. 13.ed. Edição revista e

corrigida. São Paulo, 2012.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Apresentação

Celso Lafer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Nello Morra

(Comp.). Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1995.

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013.

Page 83: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

84

BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução Conama nº 306, de 5 de julho de

2002. Diário Oficial da União, n. 138, 19 jul. 2002, Seção 1, p. 75-76. Disponível em:

<http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=306>. Acesso em: 13 jan. 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/

ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 21 abr. 2016.

BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da

União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em: 13 jan. 2016.

BRASIL. Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da

Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

Diário Oficial da União, Brasília, 11 jul. 2001. Disponível em:

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 13 jan.

2016.

BRASIL. Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais

Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez.

1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em:

24 abr. 2016.

BRASIL. Lei n° 7.643, de 18 de dezembro de 1987. Proíbe a pesca de cetáceo nas águas

jurisdicionais brasileiras, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 21 dez.

1987. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7643.htm>. Acesso em:

13 jan. 2016.

BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o

saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio

de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei

no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,

8 jan. 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-

2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 13 jan. 2016.

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.

Diário Oficial da União. Brasília, 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/

ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em: 21 abr. 2016.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1842 / RJ - Rio de Janeiro. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Relator: Min. Luiz Fux. Relator p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes.

Julgamento: 6 mar. 2013. Tribunal Pleno. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/

paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630026>. Acesso em: 23 set. 2015.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

101. Relatora: Min. Cármen Lúcia. Tribunal Pleno. julgado em 24.6.2009. Diário do

Judiciário Eletrônico, 4 jun. 2012.

Page 84: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

85

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de

Inconstitucionalidade n.º 3.540/DF. Rel. Min. Celso de Mello. Tribunal Pleno. Diário do

Judiciário Eletrônico, 1º set. 2005.

BRATTON, William. Turnaround – how america’s top cop reversed the crime epidemic.

Random House, 1998.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.) Direito

constitucional ambiental brasileiro. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CÁRCELES, Marta María Aguilar. Perfil criminológico en los delitos sobre la ordenación del

territorio y el urbanismo. In: Urbanismo y corrupción política (Una visión penal, civil y

administrativa). Madrid: ed. Dykinson, 2013. p. 575-632.

CERQUEIRA, Daniel Ricardo de Castro. Causas e consequências do crime no Brasil.

CIPRIANI, Mário Luís Lírio. Ensaio sobre a legitimidade da intervenção do direito penal e a

função da pena no direito penal ecológico à luz do bem jurídico. Direito e Democracia, v. 8,

n. 2, p. 330-340, Canoas, jul./dez. 2007.

COSTA, Beatriz Souza (Org.) A cidade do futuro sem poluição: você faz parte do projeto.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

COSTA, Beatriz Souza. Meio ambiente como direito à vida: Brasil, Portugal e Espanha.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

COSTA, Beatriz Souza; REIS, Émilien Vilas Boas; RIOS, Mariza; CARVALHO, Newton

Teixeira (Coord.). Direitos fundamentais ambientais aplicados à cidade. 2.ed.

Belo Horizonte: Del Rey, 2015.

COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade, efetividade, tutela

por outros ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010.

COUTINHO, Jacinto; CARVALHO, Edward. Teoria das janelas quebradas: e se a pedra vem

de dentro? Revista de Estudos Criminais, ano 3, n. 11. Porto Alegre, 2003, p. 25 a 29.

CRIMINALIDADE estável pode revelar população acostumada com violência. Gazeta do

Povo. Disponível em: <http://www.jornaldelondrina.com.br/online/conteudo

.phtml?tl=1&id=1026370&tit=Criminalidade-estavel-pode-revelar-populacao-acostumada-

com-violencia>. Acesso em: 1º dez. 2015.

CUSTÓDIO, Maraluce Maria; SANTOS, Douglerson. Valoração econômica da paisagem:

proposição de discussão. Revista Eletrônica de Direito, n. 19, mar. 2013. Disponível em

<http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=831>. Acesso em: 2 abr. 2016.

DAVIS, Mike. Planeta favela. Tradução Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo Editorial,

2006.

Page 85: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

86

DIAS, Jorge de Figueiredo. O direito penal na “sociedade de risco”. Temas básicos da

doutrina penal – sobre os fundamentos da doutrina penal; sobre a doutrina geral do crime.

Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 155-185.

DIAS, Jorge de Figueiredo. O papel do direito penal na protecção das gerações futuras.

Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – volume comemorativo do

75º Volume, Coimbra, 2003, p. 21-34.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Sobre o papel do direito penal na protecção do ambiente. Revista

de Direito e Economia, ano IV, n. 1, Coimbra: Coimbra Editora, jan./jun., 1978, p. 3-23.

EVANGELISTA, Felipe Camelo de Freitas. A criminalidade e o planejamento ambiental

urbano. Disponível em http://www.domhelder.edu.br/revista/

index.php/veredas/article/download/245/215:Acesso em: 12 jun. 2015.

EVANGELISTA, Felipe Camelo de Freitas. A criminalidade e o planejamento ambiental

urbano. Revista Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.9, n.17, p.197-211, jan./jun. 2012.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón teoría del garantismo penal. Prólogo de Norberto

Bobbio. Madrid: Ed. Trotta, 1995.

FIGUEIREDO, Guilherme Gouvêa de. Crimes ambientais e bem jurídico penal:

(des)criminalização, redação típica e (in)ofensividade. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2013.

FIGUEIREDO, Guilherme Gouvêa. Crimes ambientais à luz do conceito de bem jurídico-

penal: (des)criminalização, redação típica e (in)ofensividade. São Paulo: IBCCRIM, 2008.

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Curso de direito ambiental. 6. ed. rev., atual. e

ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 14.ed. São

Paulo: Saraiva, 2013.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Estatuto da cidade comentado: Lei nº 10.257/01, Lei

do meio ambiente artificial. 5.ed. São Paulo: RT, 2012.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. O “Princípio” da precaução e a necessidade de se

prevenir e evitar situações que se mostrem efetivamente aptas à causação do dano ambiental

em face do direito ambiental constitucional brasileiro. Revista Brasileira de Direito

Ambiental. São Paulo, Fiuza, ano 7, n. 28, p. 33-38, out./dez. 2011.

FREITAS, Vladimir Passos; PASSOS, Gilberto. Crimes contra a natureza. 9. ed. Rev.

Atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

FREITAS, Wagner Cinelli de Paula. Espaço urbano e criminalidade: lições da Escola de

Chicago. São Paulo: IBCCRIM, 2002.

GARLAND, David. Cultura do controle. Tradução, apresentação e notas André Nascimento.

Rio de Janeiro: Revan, 2008, 1ª reemp. Janeiro de 2014.

Page 86: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

87

GOMES, Carlos Alberto Costa. Espaço urbano e criminalidade: uma breve visão do

problema. Revista de Desenvolvimento Econômico, ano VII, n. 11, p. 57-68, Salvador, jan.

2005. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/

rde/article/view/97>. Acesso em: 13 jun. 2015.

GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais: volume 1 . São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. A teoria da "ratio cognoscendi" e a dúvida do

juiz sobre as excludentes de ilicitude. Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/

article.php?story=2009030915201770>. Acesso em: 10 abr. 2015.

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antônio Garcia-Pablos de. Criminologia. Tradução Luiz

Flávio Gomes, Yellbin Morote Garcia, Davi Tangerino. 8. ed. Reform. Atual. e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. (coleção ciências criminais; v. 5/coordenaçãoo

Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha).

HIKAL, Wael. La necesidad de adoptar el modelo europeo en la criminología mexicana.

Revista Electrónica del Instituto Latinoamericano de Estudios en Ciencias Penales y

Criminología, n. 005-05, 2010. Disponível em http://app.vlex.com/#WW/search/*/

criminologia+ambiental/WW/vid/366401033>. Acesso em: 18 nov. 2015.

LUZ, Yuri Corrêa da. Entre bens jurídicos e deveres normativos: um estudo sobre os

fundamentos do direito penal contemporâneo. São Paulo: IBCCRIM, 2013.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 22.ed. Rev. Ampl. e Atual.

São Paulo: Malheiros Editora, 2014.

MARQUES, José Roberto. Meio ambiente urbano. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2010.

MATEO, Ramón Martín. Tratado de derecho ambiental. v. I. Madrid: Trivium, 1991.

MENDES, Gilmar Ferreira et al. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.

Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2009.

MENDES, Paulo de Souza. Vale a pena o direito penal do ambiente? Lisboa: A.A.F.D.L.,

2000.

MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência,

glossário. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito

urbanístico: instrumentos jurídicos para um futuro melhor. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

NASCIMENTO, Adilson de Oliveira. Dos pressupostos processuais penais.

Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.

Page 87: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

88

OKADA, Denise Setsuko. A constitucionalização da matéria ambiental - o direito às cidades

sustentáveis em jogo. In: COUTINHO, Ronaldo; ROCCO, Rogério (Orgs.). O direito

ambiental das cidades. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2013.

OLIVEIRA, Ana Carolina Carlos de. Hassemer e o direito penal brasileiro: direito de

intervenção, sanção penal e administrativa. São Paulo: IBCCRIM, 2013.

OLIVEIRA, Aparecida do Carmo Prezotti. Teoria das janelas quebradas: sua aplicação nas

unidades de polícia pacificadoras. 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação em

Direito). Faculdade Vianna Junior – Juiz de Fora, MG.

ONU – Organização das Nações Unidas. Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, Brasil, 1992.

ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração da Conferência das Nações Unidas

sobre o Meio Ambiente Humano. Estocolmo, 1972. Disponível em:

<http://www.apambiente.pt/_zdata/Politicas/DesenvolvimentoSustentavel/1972_Declaracao_

Estocolmo.pdf>. Acesso em: 23 out. 2015.

OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 4.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011.

OST, François. A natureza à margem da lei. Tradução Joana Chaves. Lisboa: Instituto

Piaget, 1995.

PERAZZONI, Franco. A tutela penal do meio ambiente urbano. São Paulo: Braunas, 2011.

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais:

uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria

dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

PISSAIA, Pollyana Elizabethe. Criminologia crítica e etiquetamento social. Revista

Boneiuris, n. 593, abr. 2013, p. 15-25.

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 6.ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2013.

PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente. 2.ed. Rev. Atual. e ampl. São Paulo: Ed.

Revista dos Tribunais, 2009.

PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2012.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do

sistema penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25.ed. 22a tiragem. São Paulo: Saraiva,

2001.

Page 88: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

89

RIBEIRO, Luiz Gustavo Gonçalves; BALEEIRO NETO, Diógenes. Medidas

despenalizadoras e proteção penal do ambiente. In: SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes

de; FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato (Org.).

Direito ambiental II. Florianópolis: FUNJAB, 2014. p. 442-462.

RIBEIRO, Luiz Gustavo Gonçalves; CASTRO, Paulo Antônio Grahl Monteiro de. Reparação

do dano nos crimes ambientais: terceira via como excesso de permissividade ou avanço rumo

a um direito penal de intervenção mínima? In: SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna;

BORGES, Paulo César Corrêa; SOUZA, Cláudio Macedo de (Org.). Direito penal, processo

penal e constituição. Florianópolis: Conpedi, 2014, p. 71-94.

RIBEIRO, Luiz Gustavo Gonçalves; FREITAS, Flávio Avellar Silva. O crivo da

proporcionalidade e a colisão entre o princípio constitucional da precaução sob a perspectiva

da tipificação de delitos de perigo abstrato na Lei n. 9605/98 e o princípio constitucional da

ofensividade. In: COSTA, Beatriz Souza; REZENDE, Elcio Nacur (Org.). Temas essenciais

em direito ambiental: um diálogo internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 243-

277. Rio de Janeiro: BNDES, 2014.

ROBERTI, Maura. A intervenção mínima como princípio no direito penal brasileiro.

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001.

ROXIN, Claus, A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. Org. e trad.

André Luis Callegari, Neureu José Giacomolli. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado

Editora, 2009.

ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general, tomo I fundamentos. La estructura de la teoria

del delito. Guaflex, 1994, 1997.

SANTOS, André Leonardo Copetti. Os orixás contemporâneos e a cidade invisível. Potências

da cidadania pelo desenvolvimento de uma sensibilidade urbana. Revista Direito e Justiça, n.

21, nov. 2013, p. 61-78.

SANTOS, Douglerson; CUSTÓDIO, Maraluce Maria. Valoração econômica da paisagem: proposição

de discussão. Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, n. 19,

mar. 2013. Disponível em: <http://npa.newtonpaiva.br/direito/?p=831>. Acesso em: 24 out.

2015.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Os discursos sobre crime e criminalidade. Revista Judiciária

do Paraná, ano VIII, n. 6, nov. 2013.

SARNO, Daniela Campos Liborio. Elementos de direito urbanístico. Barueri: Manole,

2004.

SILVA, Fabio Márcio Piló. A realidade do meio ambiente carcerário: uma análise da

capacidade de punir e (re)socializar do estado brasileiro no século XXI. 2015. 132f.

Dissertação (Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável) - Escola

Superior Dom Hélder Câmara, Belo Horizonte, 2015.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003.

Page 89: ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA · Mônica Perpétua Carlos MEIO AMBIENTE URBANO E SUA INFLUÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIME Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação

90

SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000.

SILVA, Reinaldo Pereira. A teoria dos direitos fundamentais e o ambiente natural como

prerrogativa humana individual. Revista de Direito Ambiental, 46, 2007, p. 164-190.

SILVA, Solange Teles da. Direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado: avanços e desafios. Revista de Direito Ambiental, 48, 2007, p. 225-245.

THOMÉ, Romeu. Manual de direito ambiental. 5.ed. rev. ampl. atual. Salvador: Editora Jus

Podium, 2015.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a

lei 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

TORRES, Luiz Henrique. Os muros da cidade antiga: as trincheiras. Biblos, Revista do

Instituto de Ciêncvias Humanas e da Informação, v. 19, 2006, Rio Grande, Brasil. Disponível

em: <http//www.seer.furg.br/biblos/article/view/255/68>. Acesso em: 24 out. 2015.

VARGAS, José Cirilo. Do tipo penal. 3.ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2008.

WILSON, James Q.; KELLING, George L. Broken windows. The Atlantic Online, mar.

1982. Disponível em: <http://www.lantm.lth.se/fileadmin/fastighetsvetenskap/

utbildning/Fastighetsvaerderingssystem/BrokenWindowTheory.pdf>. Acesso em: 24 out.

2015.