16
Alfredo Cunha Operação Fim de Regime Operação Fim de Regime O relatório de Salgueiro Maia sobre a operação militar do 25 de Abril O relatório de Salgueiro Maia sobre a operação militar do 25 de Abril

Especial 25 de Abril_2009

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Revista fac similada do relatório de Salgueiro Maia da operação "Fim do regime"

Citation preview

Alfr

edo

Cun

ha

Operação Fim de RegimeOperação Fim de RegimeO relatório de Salgueiro Maia sobre a operação militar do 25 de AbrilO relatório de Salgueiro Maia sobre a operação militar do 25 de Abril

Operação Fim de Regime | Relatório de Salgueiro Maia2

Este Relatório da Operação “FIM-REGIME”, escrito e assi-nado em 29 de Abril de 1974 por Fernando Salgueiro Maia, Capi-tão de Cavalaria e Comandante das Forças que da Escola Práti-ca de Santarém se deslocaram a Lisboa para depor o regime e restaurar a democracia em Portugal, é um documento fas-cinante. Fascinante em todos os aspectos e em todas as leituras que dele possam fazer-se.

Muitas vezes acontece que as coisas essencias, autênticas e puras são remetidas para de-trás dos biombos da História. E por lá fi cam esquecidas.

Este Relatório de 14 extraor-dinárias páginas chegou-me às mãos há 15 anos quando Santa-rém foi o palco da Homenagem Nacional a Salgueiro Maia e eu tive a honra de presidir à comis-são organizadora. Foi nessa al-

tura, já 20 anos passados sobre o 25 de Abril de 1974, que o li pela primeira vez. E espanta-me que hoje, 35 anos depois, este documento continue a ser desconhecido da esmagadora maioria dos Portugueses. Na verdade é como se se tratasse de um texto inédito e esquecido, encontrado num qualquer ar-mário da Escola Prática, agora vazia de heróis e de memórias.

O fascínio desta extraordinária história reside, antes de mais, na simplicidade objectiva e fria com que Salgueiro Maia relata os acontecimentos. Uma sim-plicidade tão simples que torna banal, rotineira e quase sem importância uma operação de enorme risco que podia ter cus-tado a vida a muitos militares.

Outra vertente desta fasci-nante descrição reside no facto de Salgueiro Maia ser comple-

tamente omisso em relação a qualquer tipo de abordagem po-lítica ou ideológica. O momento supremo da operação, que con-sistiu na rendição e abdicação de Marcelo Caetano, Presidente do Conselho de Ministros, é re-latada por Salgueiro Maia desta forma: “Pedi audiência ao Prof. Marcelo Caetano no que fui atendido. A conversa decorreu a sós e com grande dignidade. Nela o Professor Caetano so-licitou que um ofi cial General fosse receber a transmissão e poderes para que o Governo não caísse na rua”.

Ponto fi nal. Em três linhas de texto e quarenta e duas pala-vras, Salgueiro Maia – protago-nista e testemunha de si próprio – conta como as coisas se pas-saram. E anote-se o respeito pelo inimigo derrotado.

Ficamos também a saber, um

a um, os nomes dos 160 heróis. Heróis anónimos quase todos eles, uma espécie de soldados desconhecidos aos quais o Por-tugal de hoje tudo deve.

A divulgação deste Relatório, sobretudo para os mais novos, para os que nasceram depois do 25 de Abril de 1974, é um imperativo patriótico que agora se cumpre.

Viva Salgueiro Maia!Viva o 25 de Abril!Viva Portugal!

José Niza

Um Relatório Militar

O documento que aqui se publica faz parte do conjunto de fontes históricas directas que explicam o 25 de Abril de 1974. Um fonte decisiva e que nenhum historiador pode negligenciar ao abordar a Revolução dos Cravos. Por outro lado, é um testemunho de um comandante militar, de um herói cujas qualidades o tornaram em mito. E seguramente o Capitão mais amado do país.O José Niza explica, de seguida, de forma certa esta fonte da História, da nossa memória recente, dos nossos afectos.Agora, trinta e cinco anos depois do 25 de Abril, no ano em que a Escola Prática de Cavalaria é entregue ao povo de Santarém, este Testemunho Directo é uma bela maneira de evocar, de presentifi car aquilo que sobre Abril não se disse. Enquanto Presidente da Câmara desta luminosa cidade e cidadão que rememora emocionado esses dias de esperança límpida, sinto uma alegria extrema por deixar esta edilidade associada a este importante documento.

Francisco Moita Flores

O testemunho directo

Relatório de Salgueiro Maia | Operação Fim de Regime 3

Operação Fim de Regime | Relatório de Salgueiro Maia4

Relatório de Salgueiro Maia | Operação Fim de Regime 5

Operação Fim de Regime | Relatório de Salgueiro Maia6

Relatório de Salgueiro Maia | Operação Fim de Regime 7

Operação Fim de Regime | Relatório de Salgueiro Maia8

Relatório de Salgueiro Maia | Operação Fim de Regime 9

Operação Fim de Regime | Relatório de Salgueiro Maia10

Relatório de Salgueiro Maia | Operação Fim de Regime 11

Operação Fim de Regime | Relatório de Salgueiro Maia12

Relatório de Salgueiro Maia | Operação Fim de Regime 13

14 Operação Fim de Regime | Relatório de Salgueiro Maia

1. Situaçãoa. Forças IN– Conforme ordem de operações MOFA 23 Abr 74b. Forças amigas– Idemc. Reforços– Nada

2. Missão- Instalar em Lisboa controlando os acessos ao Banco de Portugal, Companhia Portuguesa Rádio Marconi e Ter-reiro do Paço; estabelecer ligação com o PC na rede de ligação Fox Trot 2.

3. Execuçãoa. Conceito da operação

– Deslocar na madrugada de 25 Abr 74 um esq. rec. a 10 viaturas blin dadas e um esq. de atiradores a 160 homens com 12 viaturas de trans porte pessoal, 2 ambulâncias e 1 jipe. Estas forças deviam iniciar o mo vimento pelas 3h e deslocar-se rapidamente, a fi m de entrar em posi ção ainda de noite.

b. Constituição da força

Comandante – cap. Cav. Salgueiro MaiaCmdt. esq. atir. autotransporta-do – cap. Cav. Tavares de AlmeidaCmdt. esq. rec. – ten. Cav. Santos Silva

1º pel. atir. – alf. grad. Cav. Marcelino – 1º cabo mil. Azevedo 4 COM – 1º cabo mil. Mata 8 CSM – 1º cabo mil. Tomás 4 praças

2º pel. atir. – alf mil. Cav. David – Furriel mil. Oliveira 4 COM – Furriel mil. L. Carvalho 8 CSM – Furriel mil. S. Sousa 4 praças

3º pel. atir. – alf. mil. Cav. Ribeiro – Furriel mil. Costa – Furriel mil. Sena 4 COM – Furriel mil. Duarte 12 CSM

4º pel. atir. – alf. grad. Cav. Medeiros – Furriel mil. Marques 4 COM – Furriel mil. Neto 8 CSM – 1º cabo mil. Simões 4 praças

5º pel. atir. – alf. QEO Cav. Graça – Furriel mil. Santos 4 COM – Furriel mil. Mendes 8 CSM – Furriel mil. C. Rodrigues 4 praças

6º pel. atir. – alf mil. Cav. Beato – Furriel mil. Rodrigues 4 COM – Furriel mil. N. Cardoso 8 CSM – 1º cabo mil. Alexandre 4 praças7º pel. atir. – alf grad. Cav. Rodrigues – Furriel mil. Guerreiro 4 COM – 1º cabo mil. Vasconcelos 13 CSM

8º pel. atir. – ten. mil. Cav. Sousa e Silva – Furriel mil. Correia 4 COM – Furriel mil. Constantino 8 CSM – Furriel mil. R. Carvalho 4 praças

1º pel. rec. – EBR 1ª – alf. mil. Cav. Maia Loureiro – Furriel mil. Lutas 1 praça – lº cabo mil. Rolo 2ª – alf. mil. Cav. Clímaco Pereira – Furriel mil. Gonçalves 2 praças 3ª – asp. mil. Cav. Sampaio – Furriel mil. Henrique Silva 2 praças – ETT

– Furriel mil. Sebastião Silva 4 cabos 5 praças2º pel. rec. – AML – Chaimite 1ª – ten. Cav. Santos Silva – Furriel mil. Carmona 1 praça 2ª – alf. Cav. Cardoso 2 praças 1ª – asp. Ricciardi – Furriel mil. Correia da Silva 9 praças 2ª – furriel mil. Cabral – Furriel mil. Raposeiro 8 praças

3º pel. rec. misto – Humber – alf mil. Cav. Pedrosa de Oliveira – Furriel mil. Pimenta 1 praça – Fox – farriel mil. O. Matos 1 praça

Comando – Ten. Cav. Correia Assunção – Furriel mil. Ilharco – lº cabo mil. Lebreiro 1 praça

Em viatura civil à frente da coluna – asp. mil. Cav. Laranjeira – asp. mil. Cav. Calado de Oliveira – asp. mil. Cav. Mota de Oliveira

c. Desenrolar da acçãoPelas 23h30 de 23 Abr 74, fui informado pelos tens. Cav. Santos Silva e Sardinha que um contacto do movimento se encontrava na Pastelaria Bijou. Tendo-me deslocado ao referido local, encontrei o capitão Cav. Valente e o ca-pitão Adm. Mil. Torres, que conduzi ao meu carro, tendo posteriormente estacionado em frente ao portão Chaimite na rua que conduz ao liceu. Nessa altura, recebi a ordem de operações assim como outras directivas. Durante o es-paço de tempo que durou o contacto, fui vigiado e poste-riormente seguido por 2 homens que se deslocavam num Toyota Corola novo, de cor amarela e matrícula LA-90-83.

No dia 24 pela manhã, foram contactados os primeiros furriéis milicia nos, visto que a ideia de manobra era só de conhecimento de cerca de 6 ofi ciais do QP e 3 ofi ciais mili-cianos. Os furriéis mils. contactados mos traram-se total-mente colaborantes e prontos a contactar outro pessoal.A adesão dos graduados milicianos foi total e dedica-ram-se todo o dia com afi nco a organizar e a aprontar o material.Como a escola estava vigiada pela DGS, e a fi m de não se notar algo di ferente no movimento normal, os graduados aliciados entraram no quartel à civil e individualmente até ao fechar da porta de armas pelas 21h30, dirigindo-se imediatamente aos quartos, onde se combinaram em por-menor as operações a desenrolar e o dispositivo a adoptar, ao mesmo tempo que se escutavam as emissões dos EAL e Rádio Renas cença, a fi m de ouvir o sinal de execução.

Pelas 00h45, os major Cav. Costa Ferreira, capitães Cav. Garcia Correia, Bernardo e Aguiar tentaram aliciar o 2º comandante da EPC ten. cor. Sanches, único ofi cial supe-rior que permanecia no quartel.Posteriormente, foram ao gabinete todos os ofi ciais para informar que o apoio ao movimento era total, mas não houve adesão do 2º coman dante.

Pela 1h30, deu-se ordem para acordar todo o pessoal e formarem na parada, onde cada comandante de esqua-drão pôs ao corrente da situa ção o pessoal sob as suas ordens e da parte destes a adesão foi total, ao ponto de a quase totalidade querer marchar sobre Lisboa.

Pelas 3h20, o pessoal encontrava-se equipado, armado e municiado e com 2 rações de combate por homem.

Pelas 3h30, saiu-se da EPC com destino ao Terreiro do Paço, que foi al cançado sem difi culdades de maior.

Pelas 5h30, no itinerário para o Terreiro do Paço passá-mos por viatu ras da Polícia Segurança Pública, no Campo Grande, e Polícia de Cho que na Avenida Fontes Pereira de Melo. As referidas forças não se mani festaram.Antes de alcançar Entrecampos, fomos contactados pelo major Arruda, que se deslocava num Austin Mini creme. Na altura da entrada em dis positivo no Terreiro do Paço, a PSP que cercava a zona não interferiu na nossa acção e colaborou no isolar da mesma da população. Ao mesmo tempo, entrava na zona um pelotão reforçado AML/Chai-mite do RC7, comandado pelo alferes mil. David e Silva, que aderiu de imediato ao movimento.O Ministério do Exército era guardado por 2 pelotões PM comandados pelos aspirantes Saldida e... que também de imediato se colocaram sob as minhas ordens e foram ocu-par o lado oposto ao edifício do minis tério, conforme lhes ordenei. Deste pessoal, sete homens permanece ram den-tro do ministério por as portas se encontrarem fechadas, ten do sido a estes homens que o ministro do Exército deu ordens para abrir um buraco na parede de ligação com o Ministério da Marinha, por onde fugiu.

Pelas 7h da manhã, surgiu do lado da Ribeira das Naus um pelotão de rec. Panhard do RC7 comandado pelo ten.-cor. Ferrando de Almeida, que, posto perante o dilema de ter que disparar ou se render, optou pelo segundo.A prisão do referido ofi cial foi efectuada debaixo da jane-la do ministé rio com os ex-ministros a assistirem, tendo um deles várias vezes cha mado o referido ofi cial, que lhes respondeu não poder ir por se encon trar preso. Pouco de-pois, surgiram forças da GNR do lado do Campo das Ce-bolas. Tendo chegado à fala com o comando destas forças, aconselhei-o a abandonar a zona visto não ter potencial para se bater comigo, no que fui obedecido; pouco depois de ocupar posições na zona, apresen tou-se-me às ordens o cmdt. da lª Divisão da PSP cap. Maltez Soares, a quem ordenei que o pessoal da referida corporação não se devia mani festar, mas sim contribuir para descongestionar o trânsito na zona.Entretanto, pelas 9h, foi pedido um reforço pelo BC5 para o QG/RML: mandei seguir para o local uma AML e uma ETT comandadas, respec tivamente, pelo alferes graduado de Cavalaria Marcelino e asp. mil. Cav. Ricciardi; chegados ao QG, a força apresentou-se ao cap. Inf. Bicho Bea triz, cmdt. da CCAC que ocupava a zona. Por ordem do cmdt. da CCAC, foi colocada a AML no cruzamento da Avenida António Augusto de Aguiar com a Avenida Marquês Sá da Bandeira, mantendo-se nessas po sições até às 19h, hora a que foi mandada regressar para junto do meu comando.

Pelas 10h, surgiu uma força comandada pelo brigadeiro Junqueira Reis e constituída por 4 CCM/47, 1 companhia de caç. do RI1 e alguns pe lotões de PM.O referido brigadeiro dividiu as suas forças em 2 núcleos que progre diam respectivamente pela Avenida Ribeira das Naus e Rua do Arsenal. No 1º, junto às viaturas blindadas comandadas pelo alferes mil. Souto Mayor, acompanha-do pelo major de Cav. Pato Anselmo, que depois de várias negociações se considerou prisioneiro. Antes disso, tentei dialo gar com o referido brigadeiro no lado da Ribeira das Naus, mas o mes mo exigia que eu fosse ter com ele atrás das forças que comandava, e eu que ele viesse a meio do espaço que nos separava. Ordenou ao alfe res mil. de Cav. Souto Mayor para abrir fogo sobre mim com as peças do CCM/47, mas não foi obedecido, tendo de imediato orde-nado pri são do referido ofi cial declarando-lhe: “Você já estragou a sua vida.”Deu ordens aos apontadores dos CCM/47 e aos atiradores que progre diam atrás dos blindados também para abrir fogo, mas não foi obede cido. Nesta altura, o referido ofi -cial-general disparou alguns tiros para o ar, tentando que as NT lhes respondessem. Não houve troca de tiros.

As negociações com o major Pato Anselmo foram orien-tadas pelos ma jor Inf com. Neves, cap. Cav. Tavares de Al-meida e alferes mil. Cav. Maia Loureiro. Logo que o major Pato Anselmo se rendeu, mandou-se voltar as torres dos CCM/47 avançar na nossa direcção, no que fomos obe-decidos. Os AT e PM que progrediam atrás dos CCM/47

Transcrição do Relatório da Operação Fim de Regime

15Relatório de Salgueiro Maia | Operação Fim de Regime

e outros que se encontravam no mirante antes do Cais do Sodré vieram entregar-se.

Na Rua do Arsenal as negociações fora feitas pelos tens. Cav. Santos Sil va e Assunção e furriel mil. Cav. J. Nunes do RC7, que se tinha passado para o nosso lado. O furriel mil. J. Nunes iniciou um movimento até junto dos CCM/47, a fi m informar o brigadeiro Reis de que devia vir a meio caminho estabelecer conversações. Tendo andado cerca de 5 me tros precedido pelo ten. Cav. Santos Silva, o briga-deiro Reis abriu fogo na nossa direcção, pelo que ambos se viram na contingência de ocupar as anteriores posições de defesa. Nessa altura, o ten. Cav. Santos Silva voltou à Praça do Comércio informando dos acontecimentos.Na mesma altura em que o ten. Santos Silva regressava à Praça do Co mércio, o ten. Cav. Assunção, alheio aos incidentes verifi cados, dirigiu -se à Rua do Arsenal e pro-curou entabular conversações, tendo-se diri gido ao outro lado, pedindo a vinda ao meio do caminho do brig. Reis, o que não lhe foi concedido; prosseguiu por isso até jun-to dos CCM/47. Nessa altura, o brig. Reis mandou abrir fogo sobre o ten. Cav. Assunção, não tendo sido obede-cido pelos soldados, tendo-se o cor. Romeiras interposto entre as armas e o referido tenente, aconselhando calma ao brig. Reis, que nessa altura agrediu o ten. Assunção com 3 murros.Devido ao insucesso das conversações, o ten. Assunção voltou às suas li nhas. Depois das 9h começou a circular na nossa frente a fragata F-743. Dei ordem para que o pri-meiro ofi cial superior da Marinha que che gasse junto ao cerco fosse conduzido à minha presença. Tendo-me sur-gido um ofi cial superior da Marinha cuja identifi cação não recordo, pu-lo ao corrente da situação, pois necessitava de saber se devia abrir fogo contra o barco ou não, pois que isso obrigava a alterar o disposi tivo e a colocar as EBR em frente ao referido barco. O ofi cial da Mari nha declarou-me que ia saber o que se passava e posteriormente fui in-formado de que o barco se encontrava ali por ordem do Governo, mas que não disparava contra nós.

Pelas 10h, surgiu um grupo de Comandos comandado pelo major Ne ves, levando sob as suas ordens vários ofi -ciais, alguns dos quais à civil; o major Neves entrou no ministério a fi m de prender os ministros e passou revista aos mesmos. Também por esta altura surgiu o ten.-cor. Cav. Correia Campos, que passou a comandar as opera-ções no Terreiro do Paço.

Posteriormente, chegou à civil à zona de operações o cor. Cav. Francis co de Morais, que manifestou a sua total adesão ao movimento e nos deu os parabéns. Tendo-se constatado a fuga dos ministros e a não exis tência na zona ocupada de objectivos remuneradores, o coronel Correia de Campos propôs ao PC a escolha de outros objectivos, no que foi atendido. Propus a divisão do nosso efectivo em duas forças, sendo uma formada pelo pessoal da EPC e outra pelos aderentes RC7, RL2 e RI1 comandados pelos tenentes de Cavalaria Cadete e Balula Cid, tendo-se es-tes dirigido para o QG da Legião Portuguesa na Penha de França. A minha coluna progrediu pela Rua Augusta em direcção ao Rossio, sen do aclamada em apoteose pela população durante todo o trajecto até ao Carmo.

Ao chegar ao Largo do Rossio, encontrei uma coluna autotransportan do uma companhia de atiradores do RI1, cujo comandante, cap. Inf. Fernandes, me declarou estar ali por ordem do Governo para me não deixar passar, mas estava às minhas ordens. Disse-lhe para seguir atrás de minha coluna até ao Carmo, no que fui obedecido.

Pelo meio-dia e trinta, cerquei o quartel da GNR do Car-mo. Foi bas tante importante o apoio dado pela população no realizar destas opera ções, pois que além de me indi-carem todos os locais que dominavam o quartel e as por-tas de saída deste, abriram portas, varandas e acessos a telhados para que a nossa posição fosse mais dominante e efi caz. Tam bém nesta altura começaram a surgir po-pulares com alimentos e comi da, que distribuíram pelos soldados.

Passei novamente a comandar as forças, pela ausência do coronel Cor reia de Campos, que foi receber ordens ao PC.

Pouco depois, populares vieram-me informar que estáva-

mos a ser cer cados por 2 companhias da GNR e outra da Polícia de Choque; como não tinham viaturas blindadas não me preocupei com o assunto. Poste riormente, fui informado que o brigadeiro Junqueira dos Reis, coman-dando viaturas blindadas e outra companhia do RI1, se encontrava tam bém a cercar as NT. Pelas 14h, surgiu-me um sargento do RI1 a dizer que o pessoal se encontrava disposto a passar para o nosso lado. Res pondi-lhe que poderiam vir e indiquei-lhe o caminho. O pessoal do RI1 pôs a arma em bandoleira, misturou-se com a população e passou se para o nosso lado. Tive também notícias que a tripulação de um CC tinha abandonado o mesmo.

Para complicar mais a situação das tropas fi éis ao Gover-no, surgiu um esquadrão do RC3, comandado pelo cap. Cav. Ferreira, que cercou o que restava das tropas do brig. Junqueira dos Reis. Entretanto, recebi or dem para obrigar à rendição do Quartel do Carmo. A ordem foi escri ta pelo major Otelo Saraiva de Carvalho e transportada pelo cap. Art. Rosado da Luz e dizia:Salgueiro Maia:Tentámos fazer um ultimato ao QG/GNR para entrega do presidente do Conse lho sem grandes resultados. Os tipos desligam o telefone ou retardam a chamada, dizendo que vão ver se as pessoas estão.Com o megafone tento entrar em comunicações e fa-zer um aviso-ultimato para a rendição. Eu já ameacei o cor. Ferrari, mas ele parece não ter acreditado. Com au-tometralhadora rebenta fechaduras do portão para verem que é a sério. Julgo que não reagirão. Felicidades. Um abraço.

Otelo

Pelas 15h10, com megafone solicitei a rendição do Car-mo em 10 mi nutos. Como não fui atendido passados que foram 15 minutos, orde nei ao ten. Cav. Santos Silva para fazer uma rajada da torre da Chaimite que comandava so-bre as mais altas janelas do Quartel do Carmo.Depois das rajadas, solicitei a rendição do quartel, mas, como surgiu junto a mim o cor. Cav. Abrantes da Silva, solicitei ao mesmo que fosse ao Quartel do Carmo dialo-gar, para que quem lá estava não pensasse que a guerra era feita por um simples capitão. Quando o referido ofi -cial entrou no quartel, fi cou junto a nós um major da GNR como re fém. Como as negociações demorassem e a or-dem para a rendição era imperativa, passados que foram 15 minutos ordenei nova abertura de fogo só com armas automáticas sobre a frontaria do quartel; continua vam sem responder às minhas solicitações de rendição; quan-do já tinha perdido as esperanças de resolver o problema sem utilização de armas pesadas, surgiram 2 civis com credencial do general António Spínola, que entraram no quartel para dialogar com o presidente do Conselho. De-moraram cerca de 15 minutos e saíram dizendo-me que se tinham de deslocar à residência do referido ofi cial-ge-neral. Em face da situação, ordenei ao ten. Cav. Assunção para se deslocar no meu jipe e transpor tar os referidos civis. Entretanto, desloquei-me ao quartel, onde verifi quei que a disposição do pessoal era de se render. Falei cerca de 15 mi nutos com o general comandante do QG da GNR e outros ofi ciais su periores. Pedi audiência ao prof. Marcelo Caetano, no que fui atendido. A conversa decorreu a sós e com grande dignidade; nela o professor Caetano solicitou que um ofi cial-general fosse receber a transmissão de poderes, para que o Governo não caísse na rua.Pelas 18h, chegou ao Quartel do Carmo o general António de Spínola acompanhado pelo ten.-cor. Dias de Lima. En-tretanto, havia viaturas com combustível quase esgotado e necessidades de óleo para os moto res e sistemas hidráu-licos. O senhor José Francisco, agente comercial morador na Rua Serpa Pinto nº 8-5º esq. - Odivelas, que desde os pri meiros momentos se colocara à disposição das NT e passara a servir de elemento de ligação, orientou uma via-tura nossa no deslocamento até à zona da estação de San-ta Apolónia, onde em estações de serviço re quisitámos combustível e os óleos necessários.

Pelas 19h, levantámos cerco ao Carmo para nos dirigir-mos ao Quartel da Pontinha, tendo fi cado na zona somen-te as forças do RI1.

O professor Caetano e os outros elementos do Governo foram condu zidos na autometralhadora Chaimite “Bula”, que ao mesmo tempo deu escolta à viatura civil onde se deslocava o general Spínola também em direcção à Pon-

tinha.

Na Rua António Maria Cardoso, pelas 15h, agentes da DGS instalados na sede abriram fogo sobre a multidão que se aglomerava na referida rua, tendo causado 1 morto e 2 fe-ridos, que foram transportados nas nossas ambulâncias.

Pelas 21h, atingimos a Pontinha e, por não ter instalações disponíveis, tive mos que nos deslocar para o Colégio Mili-tar, onde o brigadeiro Ramires pôs as instalações à nossa disposição e forneceu terceira refeição a todo o pessoal.

Pelas 22h, comandando 6 viaturas blindadas segui para o RL2, às or dens do major de Cav. Monge com vista à rendi-ção dos RL2 e RC7 e prisão dos respectivos comandantes. Esta acção terminou pela 1h30 do dia 2 6 de Abril de 1974, pelo que fi cámos instalados no RC7.

Dia D+ 1

Pelas 8h30, seguimos em patrulhamento para o centro da cidade e pe las 11h tomamos conta do edifício da Defesa Nacional, a fi m de garan tir a segurança das individualida-des que lá foram tomar posse.

Recolhemos ao RC7 pelas 19h e durante todo o tempo em que estive mos na Cova da Moura foi extraordinário o apoio da população às nos sas tropas, ao ponto de, no pré-dio em frente à Defesa Nacional, várias senhoras terem cozinhado o almoço para todo o pessoal. As forças que permaneceram no Colégio Militar fi caram sob o comando do cap. Cav. Tavares de Almeida, pelas 00h30 escoltaram o general António de Spí nola à RTP-Lumiar, tendo regres-sado pelas 2h30. Pelas 3h, seguiram pa ra a Pontinha a fi m de defender o PC.

Pelas 5h, o ten. Cav. Santos Silva deslocou-se para a Rua do Alecrim a fi m de cercar o comando da DGS, tendo re-gressado pelas 19h.

Também pelas 19h30, o cap. Cav. Tavares de Almeida recebeu ordem de regresso a Santarém, atendendo ao desgaste físico do pessoal sob o seu comando; chegaram ao seu destino tendo a quase totalidade da popu lação de Santarém a recebê-los.

Dia D+2

Cerca das 00h30, o ten. Cav. Santos Silva recebeu ordens para, com 2 viaturas blindadas, escoltar a Tomar o coro-nel de Cav. Francisco Morais, cmdt. da Região Militar de Tomar; chegaram a Santarém pelas 4h e a es colta para Tomar foi efectuada sob o comando do cap. Cav. Cadavez.

Pelas 9h30, efectuámos um patrulhamento pelo centro da cidade que se encontrava calma, tendo regressado cerca das 13h; para voltar a sair pelas 14h a fi m de escoltar os arquivos existentes na Escola Prática da DGS. Às 19h, che-gou ao RC7 pessoal sob o comando do cap. Cav. Ca davez a fi m de substituir todo aquele que se encontrava sob o meu co mando, substituindo o mesmo nas 4 guarnições das 4 viaturas blindadas que continuaram no RC7.

Pelas 20h, regressei com as 3 EBR, uma ETT e o pessoal rendido, ten do atingido Santarém às 22h30.

4. Administração e logísticaa) Distribuídas a cada homem rações de combate para os dias 25 e 26 Abr 74 b) Serviços de saúde - 2 equipas constituídas por um en-fermeiro e 1 maqueiro cada, a deslocar nas duas ambu-lâncias.

5. Comando e transmissõesPosto comando em jipeRede de comando, ver anexo Ordem Operações MOFA

6. DiversosFui depois informado por ofi ciais da GNR do Quartel do Carmo que o prof Marcelo Caetano desde as 8h30 do dia 25 que declarava que se rendia, se fosse um ofi cial-ge-neral a receber a rendição. Este facto não foi comunicado pelo comandante do Quartel do Carmo e deste modo a rendição só se efectuou depois das 15h.

Operação Fim de Regime | Relatório de Salgueiro Maia16

EDIÇÃO PATROCÍNIO