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Eurípedes - As Bacantes

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  • EURPIDES

    A. / IFIGENIA EM AULIS AS FENCIAS

    AS BACANTES

    Traduo do grego, introduo e notas de MARIO DA GAMA KURY

    4 edio

    Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro

  • INTRODUO

    Eurpides nasceu em Salamina (ilha situada nas proximidades de Atenas) provavelmente em 485 a.C. Educou-se em Atenas, onde viveu a maior parte de sua vida. Entre a poca de sua estria nos concursos trgicos atenienses ( 455 a.C.) e a data provvel de sua morte (406 a.C. ) Eurpides escreveu no mnimo 74 peas, sendo 67 tragdias e 7 dramas satricos. Algumas fontes, entretanto, atribuem-lhe 92 peas.

    Dessa produo chegaram at nossos dias um drama satrico, O Cclope, e 18 tragdias: Alceste, representada pela primeira vez em Atenas em 438 a.C., Media (43 1), Hiplito (428), As Troianas (415), Helena (412), Orestes (408), Ifignia em ulis (405), As Bacantes (provavelmente 405), e em data incerta Andrmaca, Os Herclidas, Hbuca, As Suplicantes, Electra, Heracls Furioso, Ifignia em Turis, on, As Fencias, O Cclope e Resas (esta ltima de autenticidade contestada) .

    As geraes subseqentes mostraram sensvel preferncia por Eurpides em comparao com squilo e Sfocles. Tanto foi assim que das 74 ou 92 peas que escreveu, 19 sobreviveram, enquanto das 94 de squilo e das 123 (ou mais) de Sfocles apenas 7 de cada um chegaram at ns.

    1. IFIGNIA EM uus

    1.1. Enredo da pea. A cena mostra a tenda de Agammnon no acampamento dos gregos em ulis. O exrcito estava pronto para partir, mas as naus se mantinham imveis espera de ventos favorveis. Calcas, o adivinho da expedio, profetizou que, para os gregos poderem largar em direo a Tria, Ifignia, uma das filhas de Agammnon, rei e comandante do exrcito, teria de ser sacrificada deusa rtemis. O rei enviou sua mulher, Clitemnestra, uma mensagem por um velho escravo para mandar a ulis sua filha, a pretexto de cas-la com Aquiles antes da partida. V-se Agammnon no fim da noite, consternado e decidido a mandar uma segunda mensagem tornando sem efeito a primeira. Entra em cena o Coro, composto de mulheres de Clcis, e descreve os passatempos dos diversos heris para amenizax a inatividade prolongada. Menelau, irmo de Agammnon, intercepta a carta e acusa o

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  • 8 lfignia em ulis, As Fencias, As Bacantes

    irmo de traio. Depois de uma discusso spera, chega a notcia da chegada de Clitemnestra, de Ifignia e de Orestes, ainda criana. Menelau muda de idia, mas os irmos chegam concluso de que o sacrifcio deve realizar-se. O Coro manifesta-se novamente, cantando o poder de Afrodite, a deusa do amor, e o julgamento de Pris, raptor de Helena, a mulher de Menelau. Agammnon sada sua famlia com malcontido constrangimento e tenta em vo mandar de volta sua mulher. O Coro se refere ao destino ruinoso que espera Tria. Aquiles, que procurava Agammnon, encontra-se com Clitemnestra; esta, para estupefao do heri, sada-o como seu futuro genro. Diante do espanto de ambos, o velho escravo interfere e revela a inteno de Agammnon. A rainha, desalentada, faz um veemente apelo a Aquiles, que promete defender Ifignia. O Coro canta as npcias de Peleu e Ttis, pais de Aquiles. A me e a filha imploram pateticamente a Agammnon que renuncie sua idia, mas o comandante dos gregos, embora desarvorado, est decidido a realizar o sacrifcio. Ifignia se lamenta, levando Aquiles a queixar-se da reao do exrcito contra ele pelo fato de defend-la. H um dilogo entre Aquiles e a rainha; Ifignia declara que est disposta a morrer pela causa da Grcia e parte para o local do sacrifcio despedindo-se da vida. Algum tempo depois chega um mensageiro para descrever o sacrifcio, dizendo que no ltimo instante a princesa desaparecera milagrosamente, surgindo no lugar dela uma cora enviada por rtemis para ser imolada. Agammnon reaparece e se despede de Clitemnestra, pois as naus estavam prestes a partir graas volta dos ventos favorveis.

    1.2. A pea. Ifignia em ulis, cujo enredo pertence ao chamado Ciclo Troiano, foi representada pela primeira vez aps a morte de Eurpides (provavelmente em 405 a.C. ) , e parece ter sido terminada por um filho ou sobrinho homnimo do poeta. Alguns estudiosos da obra euripidiana pretendem que esta circunstncia explica a verso muito discutida de que Ifignia teria sido substituda no altar do sacrifcio por uma cora e levada para Turis, s margens do mar Negro, pela prpria rtemis, arrependida de sua crueldade para com a herona. Essa verso, j adotada pelo poeta na Ifignia em Turis, mais recente e menos cruel que a consumao do sacrifcio de Ifignia, e condiz melhor com o esprito inovador de Eurpides em sua fase mais madura, fosse ou no uma contribuio do descendente ao dramaturgo. Deve-se aduzir, a propsito do suposto acrscimo, que a parte da tragdia em questo -a descrio do sacrifcio pelo mensageiro - apresenta no texto que chegou at ns defeitos de redao e at de mtrica, salientados pelos comentadores antigos e modernos. Alguns fillogos, a partir de Boeckh, defendem a hiptese de duas verses: uma do prprio Eurpides, na qual Ifignia teria sido realmente sacrificada, e outra do filho ou sobrinho de Eurpides, em que teria havido a substituio, como dissemos acima. At por uma questo de coern-

  • Introduo 9

    eia, todavia, o prprio Eurpides teria adotado esta ltima verso, que a Ifignia em Turis faz pressupor.

    A propsito dessas hipteses talvez valha a pena lembrar que, depois da tragdia real vivida pelos atenienses no estgio final da guerra do Peloponeso, eles necessitavam de entretenimento menos trgico para evitar a superposio de tragdias na vida real e no teatro. No apogeu do gnero, com squilo, Sfocles e as obras mais antigas de Eurpides, na poca gloriosa de Pricles, as tragdias puras no teatro ateniense no turbavam a euforia dos gregos aps a guerra e a vitria contra os persas. Note-se que, no estgio final da atividade de Eurpides, As Bacantes, encenadas no mesmo ano da Ifignia em Aulis, estrearam em igai, na Macednia ainda semibrbara, para onde comeava a deslocar-se a preponderncia militar na Grcia. A adio da parte final da pea pelo Eurpides mais novo ou pelo prprio dramaturgo, pode ter sido devida a mudanas de gosto e de estado de esprito decorrentes das derrotas irremediveis e da conseqente decadncia de Atenas, na poca sob governos tirnicos. Essa decadncia levaria ao ocaso da tragdia e da Comdia Antiga e ao surgimento da Comdia Nova e de Menandro.

    Essas circunstncias, entretanto, no comprometem a qualidade literria da Ifignia em Aulis, com seus conflitos morais e afetivos, com as hesitaes angustiadas de Agammnon, seu debate com Menelau, afinal convencido pelo irmo a ponto de as posies se inverterem depois, o dilogo comovente entre Ifignia e seu pai, a revelao da trama a Aquiles, as rplicas inteis de Clitemnestra e de sua filha a Agammnon, as gestes de Clitemnestra junto a Aquiles, a exasperao deste ltimo e finalmente a deciso herica da virgem e a descrio do sacrifcio, com seus detalhes comoventes (a descrio lembra a do sacrifcio de Polixena na Hcuba). Toda a pea uma profunda anlise da natureza humana em suas diversas facetas, feita com a genialidade e a arte j soberanamente demonstradas por Eurpides em suas tragdias anteriores. Em sntese, a Ifignia em Aulis uma obra-prima.

    Fica-se imaginando uma supertrilogia de tragdias gregas sobre a mesma lenda e em perfeita seqncia cronolgica, e naturalmente nos ocorre uma que seria um deleite para o leitor contemporneo: a Ifignia em Aulis, de Eurpides, o Agammnon, de squilo, e a Electra de Sfocles, nesta ordem. A leitura seguida dessas trs obras-primas nos eleva a alturas dificilmente superveis em termos de beleza trgica.

    1.3. A traduo. Usamos geralmente para a traduo o texto estabelecido por Gilbert Murray e publicado pela Clarendon Press (primeira edio em 1909, reimpresso de 1943 ), na coleo Scriptorum Classicorum Bibliotheca Oxoniensis. Valemo-nos tambm do texto estabelecido por Henri Weil em Sept Tragdies d'Euripide, com introduo e comentrio (Paris, Hachette, 1879).

  • 10 lfignia em ulis, As Fencias, As Sacantes

    2. AS FENCIAS

    2.1. Enredo da pea. A tragdia inicia-se diante do palcio real de Tebas. Jocasta explica num monlogo que dipo, j cego, mantido como se fosse prisioneiro no palcio por seus filhos Etocles e Polinices, que por isso foram amaldioados pelo pai, numa prece aos deuses para que os dois dividissem a herana com suas espadas em punho. Os irmos combinaram que se revezariam a cada ano no trono, mas Etocles, decorrido o seu primeiro perodo, recusou-se a cumprir a palavra; Polinices exilou-se em Argos, de onde voltou mais tarde com um exrcito contra Tebas. Jocasta conseguiu marcar um encontro dos dois irmos antes do incio da luta. Quando ela se retira, um servidor de Antgona lhe mostra o exrcito argivo do terrao do palcio, enumerando os chefes das foras atacantes. Em seguida aparece o Coro, composto de virgens fencias que falavam de sua viagem e de Delfos, para onde vieram de sua ptria distante. Polinices entra cautelosamente na cidade, onde acolhido com carinho por sua me; em seguida aparece Etocles e os irmos travam um dilogo spero e final. O Coro canta os feitos de Cadmo, que plantou os dentes do drago dos quais nasceriam guerreiros armados. Etocles aconselhado por Creonte a pr um guerreiro distinguido em cada uma das sete portas de Tebas. Ele concorda e confirma o casamento de Hmon, filho de Creonte, com Antgona, e manda consultar o adivinho Tirsias quanto s possibilidades de vitria na batalha iminente; se Polinices fosse morto, seu cadver no poderia ser sepultado em solo tebano. O Coro canta um hino a Ares, que trouxe para a cidade a guerra em vez do culto agradvel de Diniso. Tirsias entra com Meneceu, um dos filhos de Creonte, e declara que a vitria s seria possvel se o jovem fosse sacrificado. Creonte resolve mandar seu filho embora a fim de salvar-lhe a vida, mas Meneceu toma a deciso de matar-se pelo bem da ptria. O Coro se refere em seguida Esfinge e canta a histria trgica de dipo e a nobreza de sentimentos de Meneceu. Um mensageiro traz a Jocasta a notcia de que seus filhos iriam enfrentar-se num duelo; ela sai precipitadamente com Antgona para o local do combate singular. Aps uma breve interveno do Coro ela aparece lamentando a desgraa de seus filhos, e outro mensageiro descreve detalhadamente a morte de Etocles e de Polinices, seguida pela morte da prpria Jocasta sobre os cadveres de ambos. Tebas obtm uma vitria total. Os corpos so levados para o interior das muralhas, seguidos por Antgona, que chama dipo. O pai e sua filha choram os mortos at a chegada de Creonte, para decretar que Antgona deveria casar-se com Hmon (outro filho de Creonte ), que dipo teria de ir para o exlio, e finalmente que Polinices permaneceria insepulto. Antgona desafia Creonte, dizendo que sepultaria o irmo, no se casaria com Hmon e seguiria com o pai para o exlio. Ao partir, conduzido pela filha, dipo relembra sua grandeza passada como vencedor da Esfinge.

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    2.2. A pea. As Fencias, a tragdia da ambio poltica, foram representadas pela primeira vez em Atenas em 406 a.C. (ano da morte de Eurpides) ; a exemplo das Bacantes esta tragdia se enquadra no Ciclo Tebano, fonte inesgotvel de lendas, como a de dipo, generosamente aproveitadas pelos poetas trgicos: por squilo, nos Sete contra Tebas, por Sfocles no dipo Rei, na Antgona e no dipo em Colono e por Eurpides nas duas tragdias mencionadas acima e nas Suplicantes. O enredo o dos Sete contra Tebas; os aportes de Eurpides so o papel de Jocasta e a apario de dipo, j velho, no final da pea, partindo para o exlio com Antgona.

    As Fencias so a mais longa das tragdias conservadas de Eurpides, suplantada ligeiramente, em termos de extenso, apenas pelo dipo em Colono de Sfocles. A multiplicidade de episdios e de personagens de importncia considervel torna a tragdia complexa, a ponto de D. J. Conacher, em sua obra Euripidean Drama, dizer: "As Fencias so, sob certos aspectos, a mais tradicional, sob outros a mais original, e de um modo geral a mais desconcertante das tragdias de Eurpides" (pgina 227). Essa complexidade levou alguns estudiosos a suspeitarem de enxertos introduzidos por autores posteriores. Essas peculiaridades, todavia, no diminuem as qualidades literrias da pea e suas conotaes polticas, apreciadas pelas geraes subseqentes, de tal maneira que As Fencias, juntamente com Hcuba e Orestes, foram as tragdias mais lidas at a poca bizantina.

    interessante notar, a respeito dos eventuais enxertos, que os versos 1558 e 1559 das Fencias (no original) so praticamente iguais aos versos 1524 e 1525 do dipo Rei de Sfocles ( tambm no original) .

    2.3. A traduo. Nossa traduo baseou-se no texto estabelecido por Gilbert Murray (veja-se o pargrafo 1.3 acima). Consultamos tambm o texto estabelecido por Henri Grgoire e Louis Mridier na edio da "Les Belles Lettres" (Paris, 1950).

    3. As BACANTES

    3.1. Enredo da pea. Diante do palcio real de Tebas o deus Diniso conta como, disfarado em profeta, trouxe sua religio para a Grcia. Sua inteno em Tebas punir Agave e Autnoe, irms de sua me Semeie, por terem dito que esta se unira a algum mortal, e no a Zeus, no gerando portanto outro deus, e eliminar o jovem Penteu, rei de Tebas e filho de Agave, que se opunha ao culto do deus. As mulheres de Tebas esto reunidas no monte Citron, em seus cortejos, possudas pelo entusiasmo bquico. Diniso pretende juntar-se a elas, e o Coro de devotas frgias entoa um elogio delirante de fervor religioso. Em seguida aparecem Tirsias, o adivinho, e Cadmo, pai de Agave, preparan-

  • 1 2 lfignia e m ulis, A s Fencias, A s Bacantes

    do-se para ir juntar-se s devotas de Diniso - as Bacantes - no monte Citron; Penteu aproxima-se deles e os censura. As respostas dos dois velhos deixam-no ainda mais irado e ele ordena que seja preso o profeta estrangeiro. As mulheres do Coro, ansiosas por juntar-se s Bacantes, fazem um apelo a Penteu para no efetuar a priso, cantando a divindade de Diniso e os males decorrentes do orgulho. Penteu interroga e insulta Diniso, mandando finalmente que o prendam nas cocheiras do palcio real. O Coro expressa sua indignao e invoca a ajuda de Diniso, enquanto este provoca incndios e terremotos; as mulheres do Coro festejam o desabamento do palcio. O deus reaparece e conta as tentativas de Penteu de acorrent-lo e como reduziu o palcio a runas. Penteu aparece enfurecido, mas encontra um pastor de bois que relata as celebraes e milagres das Bacantes de Diniso no Citron. Esse relato irrita ainda mais o rei, mas o profeta o convence a no usar a fora e a ir disfarado de mulher para presenciar as festas das Bacantes. Penteu entra no que resta do palcio com o deus, que revela depois ao Coro o fim prximo do rei de Tebas; as mulheres do Coro alegram-se com a sua futura liberdade de culto e com o destino do rei mpio. Penteu reaparece vestido de Bacante e submisso a Diniso. Os dois partem para o Citron, estando o rei completamente mudado e mentalmente confuso. O Coro clama energicamente por vingana contra ele, enquanto louva a busca de tudo que belo na vida. Pouco tempo depois outro mensageiro chega apressadamente frente do palcio, vindo do Citron, para relatar a morte de Penteu, que fora esquartejado e degolado por sua me Agave e por suas irms e companheiras. Em seguida Agave chega triunfalmente frente do palcio com a cabea do filho nas mos, pensando que se trata de um filhote de leo; algum tempo depois chega Cadmo, que traz os restos irreconhecveis do corpo do rei, e consegue aos poucos restaurar a lucidez de Agave, enquanto lamenta o destino de Penteu, que era o apoio de sua velhice. Diniso aparece suspenso no ar, prediz o destino de Cadmo e de sua mulher, e esclarece que a amargura daqueles momentos resultava da vontade de Zeus. Agave retira-se consternada, renegando a devoo ao deus.

    3.2. A pea. As Bacantes so um hino de louvor a um novo deus no panteo grego - Diniso, ou Baco, ou Bquio, introdutor do vinho na Grcia - e um elogio fervoroso ao prprio vinho e ao delrio mstico. Nelas Eurpides trata de um episdio da lenda de Diniso, j dramatizada por squilo em sua tragdia Penteu, de que nos restam escassos fragmentos. No fundo, trata-se de um conflito entre o equilbrio racional e a exaltao religiosa, esta apresentada com a legtima sabedoria. De certo modo As Bacantes so uma palindia de Eurpides, retratando-se no fim de sua carreira do racionalismo manifestado em muitas de suas tragdias, num retorno natureza e ao primitivismo. Se pensarmos que a pea foi escrita, juntamente com a Ifignia em ulis e o

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    Alcmion (do qual nos restam apenas fragmentos), para ser encenada na Macednia (na corte do rei Arquelau, em igai) ainda semibrbara na poca e privilegiada pela natureza exuberante, cercada de montanhas que a protegiam da aproximao dos gregos mais civilizados, compreenderemos melhor essa retratao do poeta, desiludido talvez com a vida intelectual de Atenas na poca melanclica subseqente derrota catastrfica na guerra do Peloponeso e ressentido com as crticas contundentes de Aristfanes em suas comdias. Alguns estudiosos tm razo quando dizem que As Bacantes so a tragdia de Eurpides mais prxima das de squilo, ainda envolto em religiosidade.

    As Bacantes foram uma das tragdias preferidas pelos espectadores gregos, e h testemunhos de que a pea era representada pelo menos at o sculo IV d.C.; essa preferncia se estendeu aos poetas latinos (nio e cio escreveram tambm peas com o ttulo e o enredo das Bacantes), e entre todas as tragdias gregas ela foi a mais citada na Antigidade. Em um drama sacro elaborado provavelmente por Gregrio Nazianzeno no sculo IV d.C. (ou, segundo outros estudiosos, por outro religioso do sculo IX), chamado Christus Patiens e constitudo de versos de vrias tragdias gregas, cerca de trezentos versos provm das Bacantes, que foram copiadas por Demtrio Triclnio no sculo XIV. Na poca moderna essa preferncia no regra geral. Os clssicos franceses, como seria de esperar de seu formalismo, no a apreciaram tanto quanto os antigos, e aparentemente Racine no a leu at o fim (suas anotaes na edio aldina do poeta, conservada na Biblioteca Nacional de Paris, vo somente at o fim da primeira cena). Os estudiosos mais recentes no lhe poupam elogios; alguns a consideram "uma das maiores tragdias gregas" (A. E. Haigh, The Tragic Drama of the Greeks, Oxford, Clarendon Press, 1896).

    Nos palcos europeus so freqentes as encenaes da pea, j representada tambm no Rio.

    Na parte final das Bacantes o texto dos manuscritos apresenta numerosas lacunas, preenchidas em grande parte com versos de Eurpides enxertados no drama religioso Christus Patiens, mencionado acima.

    3.3. A traduo. Consultamos geralmente, para nossa traduo, o texto estabelecido por Gilbert Murray (veja-se o pargrafo 1.3 acima). Recorremos tambm edio abundantemente comentada de Jeanne Roux (Paris, "Les Belles Lettres", 1970, 2 volumes) .

    Rio, novembro de 1992 MRIO DA GAMA KURY

  • AS BACANTES

  • poca da ao: idade herica da Grcia. Local: Tebas. Primeira representao: provavelmente em 405 a.C., na Macednia.

    PERSONAGENS

    o deus INISO. CORO das SACANTES. TIRSIAS, adivinho. CADMO, fundador e antigo rei de Tebas. PENTEU, rei de Tebas na poca da ao. GUARDA de Penteu. 1 - MENSAGEIRO. 2- MENSAGEIRO. AGAVE, me de Penteu.

  • Cenrio Ao fundo o palcio real de Tebas. Vem-se alguns escombros diante do palcio, no meio dos quais destaca-se o tmulo de Semeie, me de DiNISO e irm de AGAVE. Entra em cena DtNISO, cuja condio divina ainda ignorada at por seus fiis; o deus est disfarado em Bacante e vai at o tmulo de Semeie, diante do qual permanece reverentemente.

    DINISO

    Estou aqui, chegando terra dos tebanos, eu, o prprio Diniso, filho de Zeus, que h muitos anos a filha do antigo Cadmo, Semele, trouxe ao mundo graas ao fulgor de um divino relmpago vindo das nuvens. Tomei a forma humana para freqentar as nascentes de Dirce e as guas do Ismeno. J posso ver junto ao palcio a sepultura de minha me - pobre Semeie! - fulminada por um raio e as runas de sua morada ainda fumegantes do fogo de Zeus, testemunho perene da vingana de Hera e um violento insulto minha amada me. meu dever tambm agradecer a Cadmo por haver feito deste solo, inviolvel aos passos dos mortais, o altar de sua filha, que vim cercar de videiras cheias de uvas. Cruzei a Ldia1 e sua terra aurfera e as plancies da Frgia e viajei para os ensolarados planaltos da Prsia, e a Bactriana2 com suas muitas cidades bem defendidas por muralhas altaneiras, e a Mdia, gelada durante o inverno, e at o extremo da Arbia Feliz, e toda a sia, enfim, cujo limite so as ondas salgadas, com suas cidades

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    cercadas por belas muralhas, onde os gregos se misturaram com diversas raas brbaras. A primeira cidade grega que visito esta aqui. Em muitas regies distantes organizei meus coros, implantei meus ritos, para manifestar-me aos homens como um deus. A minha preferida entre as cidades gregas Tebas, onde j se ouviram meus clamores. As mulheres tebanas, mais fiis a mim, j se dispem a vestir peles de coras, e pus em suas mos o tirso, este dardo ornado com ramos de hera sempre verdes. De fato, as irms de minha querida me, que em primeiro lugar deveriam poupar-me de tal insulto, declararam que eu, Diniso, no sou filho do grande Zeus e que Semeie, ludibriada por um amante mortal e mal aconselhada pelo prprio Cadmo, havia atribudo seu pecado ao deus. Em altos brados elas proclamavam que, se Zeus a fulminou, foi para castig-la por ter tido a idia de vangloriar-se de amores com um deus. Por isso compeli todas as mulheres de Tebas a deixarem seus lares sob o aguilho de meu delrio. E agora, vtimas da mente transtornada, elas passaram a morar nos altos montes, usando apenas a roupagem orgistica. Longe de suas casas e como dementes, elas misturam-se com as filhas de Cadmo em cima dos rochedos e sob os pinheiros perenemente verdes. Mesmo constrangida, esta cidade ter de reconhecer a grande falta que lhe fazem minhas danas e meus mistrios, para que eu possa vingar a honra de Semeie, minha amada me, aparecendo aqui a todos os mortais como o deus que ela um dia concebeu e teve, depois de unir-se a Zeus. E Cadmo transmitiu suas reais prerrogativas a Penteu, filho de sua filha, que faz contra mim guerra constante minha condio divina.

  • As Bacantes 207

    Ele sempre me exclui de suas libaes e nunca diz meu santo nome em suas preces. 70 Mas poderei provar-lhe e provar aos tebanos que fui realmente gerado por um deus. Depois de acertar tudo como quero aqui, dirigirei meus passos a outros lugares e me darei a conhecer em toda parte. 75 Mas se a cidade dos tebanos, tresloucada, tentar trazer do cume dos montes mais altos minhas Bacantes recorrendo fora bruta e s armas, ento marcharei com minhas tropas de Mnades enfurecidas contra Tebas. 80 Com esta inteno apareci aqui como se fosse um dos mortais e transformei em corpo humano minha condio divina. Vamos, vs, que preferistes deixar o Tmolo3, a muralha da Ldia, vs, componentes 85 de meu cortejo, minhas queridas mulheres que me acompanham sempre desde as terras brbaras, vs todas que morais e caminhais comigo, vs que agitais os tamborins feitos na Frgia (uma inveno de Ra, a Grande Me, e minha) . 90 Vinde e ficai junto ao palcio de Penteu, tocando-os para atrair sobre vs mesmas a curiosidade de Tebas Cadmia, enquanto, sempre ao lado de nossas Bacantes, conduzirei seus coros at o sop 95 do altssimo Citron4, onde ficaremos.

    Sai DiNISO. Entra o CORO, constitudo de Bacantes, com serpentes em volta do corpo, coroadas de ramos de hera, agitando os tirsos e tocando os tamborins e flautas, e danando

    CORO

    Viemos apressadas l da sia e do sagrado Tmolo - doce esforo gostoso de sofrer, pois por Brmio. Cantamos Bquio com nossos gritos5 de Evo5. Quem vai andando a? Quem est em nosso caminho? Afaste-se! Seja quem for, mantenha-se em silncio

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    religioso! Obedecendo aos ritos, glorifiquemos nosso deus, Diniso! 105 Feliz o mortal que, consciente da divindade de nossos mistrios, santificando sempre sua vida, sente que tem a alma de um devoto, e na montanha, entregue s bacanais, 110 celebra, depois de purificado como se fosse um santo, a sacra orgia da Grande Me Cibele, e enquanto o tirso se enfeita com o diadema de hera para servir apenas a Diniso ! 115 Vamos, Bacantes! Vamos! Celebrai! Tu, Brmio, deus e filho de deus, desce, Diniso, dos altos montes da Frgia distante para c, para as cidades gregas onde os coros 120 te acolhem com total intimidade! Vem logo, Brmio, tu, que nos transes

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    das dores naturais durante o parto, quando caiu o raio fulminante vindo de Zeus, saste antes do tempo 125 do ventre de Semele, tua me, pois ela, em sua infelicidade, perdeu a vida transformada em cinzas! Naquele instante Zeus, filho de Cronos, proporcionou-te um abrigo seguro 130 ,, de onde nascerias: ele mesmo te ps num talho feito em tua coxa valendo-se de grampos feitos de ouro e te escondeu da ciumenta Hera. Quando chegou a hora prefixada 135 pelo destino, Zeus te deu luz, a ti, um deus cornudo como os touros. Ele te trouxe uma coroa estranha, composta de serpentes, e depois as Mnades, muito amigas das feras 140 puseram entre seus longos cabelos cheios de cachos serpentes iguais. Ah! Tebas! Tu, que nutriste Semele, coroa-te de hera, manda, ordena que se colham os frutos das videiras 145

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    verdes de belos bagos, e conduze a festa bquica portando ramos tirados de carvalhos ou com galhos recm-cortados de qualquer pinheiro!

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    Bordai com crespos plos brancos, Mnades, 150 vossas peles de coras pintalgadas! Levai contrita e firmemente os tirsos! Tebas inteira vai participar das danas consagradas quando Brmio sair guiando os coros das devotas 155 em direo aos montes altaneiros onde o esperam muitas celebrantes que abandonaram os seus afazeres - principalmente suas lanadeiras -, tangidas pelos aguilhes de Bquio. 160 Ah! Grutas dos Curetes6, antros sacros de Creta, bero de Zeus inda infante! Nas profundezas de vossos refgios os Coribantes7 com seus gorros triplos criaram para ns estes tambores 165 feitos de fino couro distendido; depois, acrescentando a seu delrio o sopro mais doce das flautas frgias, eles os colocaram entre as mos de Rea-Me para fazerem eco 170 aos gritos estridentes das Bacantes. E os Stiras de mente pervertida, tirando-os de nossa me divina fizeram deles o instrumento nico das danas chamadas de trienais, 175 delcia preferida por Diniso! doce para ns nos altos montes, quando samos da corrida bquica, ficar deitadas na relva abundante sob a pele de cora, e capturar 180 um bode para ser sacrificado e devorar a sua carne crua, extasiadas, enquanto corremos pelos montes da Frgia, ou ento nos montes ldios levadas por Brmio! 185 Gritemos todas Evo! O cho regurgita de leite e regurgita

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    de vinho embriagador e, mais ainda, satura-se do nctar das abelhas ! Desse cho impregnado tambm sobe, como um vapor, o raro incenso srio. E Baco, erguendo a tocha flamejante feita de pinho e amarrada ao tirso, corre e se agita e traz de volta aos coros inmeras devotas desgarradas. Seus gritos aceleram a corrida enquanto sua bela cabeleira flutua ao vento quando agitada. Ao som de muitos gritos de Evo estronda sua voz: "Vamos, Bacantes! Vamos, Bacantes! Vamos! Cintilando como as guas do Tmolo8, cheias de ouro, cantai unssonas vosso Diniso ao som dos ruidosos tamborins - Evo, Evo -, vosso deus bquico, reiterando seus apelos frgios, seus gritos, enquanto a flauta sonora, a flauta sacrossanta, entoa em solo a ria consagrada, impondo o ritmo tresloucada carreira das Mnades em direo aos montes!" Parecendo uma potrinha alegre junto me nos verdes prados, a Bacante pula e corre sem deter os ps ligeiros.

    Entra com seu guia o adivinho TIRSIAS, velho e cego, e bate porta do palcio real. CADMO aparece porta

    Ti RS IAS

    Quem o guarda do palcio? Chama Cadmo, o filho de Agenor, que vindo l de Sdon h muitos anos, protegeu nossa cidade com as muralhas existentes at hoje! Manda dizer-lhe que Tirsias quer v-lo para falar com ele ! Cadmo saber por que estou aqui e o que minha velhice comprometeu-se a revelar agora dele. O assunto adornar com hera nossos tirsos, usar coroas verdes e peles de coras.

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  • CAD MO

    As Bacantes 21 1

    Saindo do palcio com uma coroa de hera e com uma pele de cora sobre os ombros

    Reconheci, amigo meu, a tua voz, a voz repleta do saber de um grande sbio8; j saio do palcio com as santas vestes. De nossa parte tempo de exaltar Diniso, o deus nascido de minha filha Semeie, que j provou aos homens sua divindade. Onde conveniente dar incio s danas? Em que lugar? Onde teremos de agitar nossa cabea encanecida? Instrui, Tirsias, minha idade avanada com a sapincia haurida ao longo do curso de tua vida, pois quero de agora em diante, noite e dia, ferir o cho a todo instante com meu tirso. Sinto-me to feliz esquecendo a velhice! . ..

    TI RS IAS

    Teu pensamento igual ao meu, e como tu volto a ser jovem e quero juntar-me aos coros.

    CAD MO

    No possvel ir de carro at os montes?

    TI RS IAS

    Se fssemos, teriam um valor menor as nossas homenagens a Baco9 divino.

    CAD MO

    Serei ento um velho guiando outro velho?

    TI RS IAS

    O deus nos levar ao topo sem cansao.

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  • 21 2 Eurpides

    CAD MO

    Somente ns entre os tebanos numerosos estaremos danando para Bquio ver?

    TI RS IAS

    Temos de nosso lado a lmpida verdade; quem no fizer o mesmo ser um demente.

    CAD MO

    No demoremos. Vamos! D-me tua mo!

    TI RSIAS

    Ei-la; trata de segur-la com a tua.

    CAD MO

    Respeito os deuses, pois sou um simples mortal.

    TI RS IAS

    No temos pretenses quanto ao conhecimento de tudo que divino. Nenhum pensamento afetar as tradies que recebemos de nossos ancestrais, antigas como o tempo e resistentes aos sutis raciocnios dos crebros sofsticos. Muitos diro - sei muito bem - que estou faltando com o respeito aos meus cabelos brancos, eu, velho decrpito, danando coroado de ramos de hera. O deus, porm, no faz a menor distino entre as idades; so iguais jovens e velhos em seus sagrados coros; ele quer apenas receber homenagens de todos os crentes, pois em seu culto no h discriminaes.

    CAD MO

    J que no vs a luz do sol, velho Tirsias,

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  • minhas palavras supriro tua carncia. Distingo agora mesmo, vindo para c,

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    Penteu, filho de Equon, sucessor legtimo 270 em meu trono e meu cetro; ele vem apressado em nossa direo e parece agitado. Que vir ele anunciar a esta hora?

    Entra PENTEU em trajes rgios e muito agitado

    PENTEU

    Estive ausente da cidade e me falaram sobre o novo flagelo que perturba Tebas: a desero dos lares por nossas mulheres, sua partida sbita para aderirem a pretensos mistrios, sua permanncia na floresta sombria s para exaltarem com suas danas uma nova divindade - um tal Diniso, seja ele quem for. Taas cheias de vinho, segundo os relatos, circulam incessantemente entre esses grupos. Vindas de todos os lugares, as mulheres procuram os recantos menos acessveis para proporcionarem prazeres aos homens. So esses os chamados rituais das Mnades, mas antes de Diniso todas cultuam Afrodite divina 10 Eu mesmo, muitas vezes surpreendi-as e ordenei que fossem presas, com suas mos atadas, em cadeias pblicas sempre guardadas por subordinados meus; quanto s restantes, vou persegui-las nos montes. Em minhas redes de finas malhas de ferro manterei presas Ino, Agave (minha me, mulher de Equon) e Autnoe, me de Action; elas tero de renegar o culto srdido. Disseram-me que um forasteiro - um impostor e sedutor vindo da Ldia distante -com seus cabelos louros cheios de perfume arranjados em cachos cuidadosamente, a tez corada e os olhos cheios do encanto que emana de Afrodite, introduziu-se aqui e se mistura dia e noite multido

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  • 214 Eurpides

    de suas seguidoras. Ele est tentando as nossas virgens com um timo atrativo: o furor de seus ritos! Se eu tiver a sorte de o encontrar um dia em meu real palcio, garanto que ele nunca mais ir bater com seu tirso no cho tebano e ostentar os seus longos cabelos flutuando ao vento: seu corpo lnguido ficar sem cabea! Ele diz sem parar: "Diniso um deus! Ele foi enxertado na coxa de Zeus !" Mas, na realidade, o fogo fulgurante o consumiu no ventre da pobre Semele - de sua me -, que mentia quando falava pretensiosamente em sua condio de esposa de Zeus poderoso! Quanta audcia! No merece ser enforcado ignobilmente para expiar como convm a sua audcia esse impostor que nos afronta e desafia? Mas eis outro portento! Estou vendo Tirsias com a pele de cora! Como ridculo! Ao lado dele vem o pai de minha me - de Agave delirante! - portando nas mos o tirso das Bacantes! Meu av! Renego-te, velho insensato! No vs que deves jogar para longe de ti este ramo de hera e o tirso que seguras, pai de minha me? E tu, Tirsias, converteste meu pai, pois queres ser bem pago pela observao dos vaticnios trazidos pelos pssaros e das entranhas dos animais imolados, e impor a todos ns o deus desconhecido! Se teus cabelos brancos no te protegessem irias j sentar entre as muitas Bacantes, coberto de correntes, como punio por tua tentativa de impingir a Tebas um culto infame! Digo que no h pureza em festas onde o vinho servido s mulheres!

    CORIFEU

    Quanta profanao! No temes, estrangeiro, os deuses da cidade, nem o prprio Cadmo que dispersou no solo as clebres sementes1 1?

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  • TI RS IAS

    Quando algum homem sbio em suas falas trata de assuntos elevados, sem esforo sua linguagem naturalmente bela. Tu, ao contrrio, embora fales bem e ds a impresso de ser de boa ndole, no tens razo alguma em tudo que disseste. Um orador capaz e muito audacioso, se lhe falta bom senso um grande flagelo para sua cidade. Com que argumentos poderei expressar a singular grandeza que atingir em nossa terra o novo deus, alvo de teu escrnio? Pois saibas, filho, que para todos ns, simples seres humanos, h dois conceitos realmente essenciais: primeiro o de Demter, a deusa maior ou, se preferes, simplesmente a Terra-Me (podemos invoc-la por um destes nomes); ela nos nutre com seus alimentos slidos; depois da deusa veio o filho de Semele, seu mulo, que descobriu e revelou o leve suco produzido pelas uvas para curar de suas muitas amarguras a triste raa humana; a simples ingesto do nctar tirado das uvas, nos concede o esquecimento dos males cotidianos, graas paz do sono, nico remdio para nossos padecimentos. Sendo deus11', Diniso dado a outras divindades e lhe devemos todo o bem que elas nos fazem. Escarneces de um deus por ter sido enxertado na coxa de seu pai - de Zeus? Ento, Penteu, vou instruir-te demonstrando como tudo se explica e maravilhosamente claro. Quando Zeus extinguiu o fogo de seu raio e transportou para o Olimpo o deus-menino, Hera tentou precipit-lo das alturas celestiais; Zeus, como grande deus que , ops inteno da deusa um artifcio condizente com sua condio divina: tirou do ter sobreposto terra-me

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  • 216 Eurpides

    uma poro suficiente e fez com ela um simulacro igual imagem de Diniso e o entregou a Hera como seu refm, suavizando assim o cime da esposa. Mais tarde pensou-se que o deus recm-nascido tinha sido enxertado na coxa de Zeus por causa de um mal-entendido com palavras12 A circunstncia de o deus ter sido um refm nas mos de Hera, embora s em aparncia, foi a origem da verso mais divulgada. Alm disso, Diniso um profeta, e assim os seus delrios so divinatrios; por isso, quando ele penetra fortemente em nosso corpo, embriagando-nos, revela o que ainda est por vir. Em alguns casos ele de certo modo age como Ares13 Em outra ocasio viram-no dispersar, sem que tivesse havido um embate de lanas, um grande exrcito pronto para atacar, vencido s pelo terror, porque Diniso tirou de todos os inmeros soldados o uso da razo. Poders v-lo ainda ao longo dos rochedos em volta de Delfos, portando uma tocha acesa em cada mo, correr pelas partes mais altas dos dois cumes e transformar-se finalmente num dos deuses mais poderosos cultuados pelos gregos. Escuta-me, Penteu! No sejas arrogante! No imagines que teu cetro tudo pode diante de todos os seres! No confundas uma iluso de teu esprito doente com a sabedoria humana! Acolhe aqui o deus recm-chegado e nunca mais o esqueas em tuas libaes! Adere a meu delrio! Coroa-te de hera! No compete a Baco forar suas devotas a ser moderadas no culto de Afrodite. o temperamento de cada uma que a incita castidade em todos os momentos de sua existncia. Ouve-me: os arrebatamentos orgisticos jamais corrompem a mulher de fato pura! Por certo sabes o quanto ficas feliz

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  • quando teus sditos porta do palcio se agrupam para te aclamar e todos juntos exaltam o teu nome, o nome de Penteu! Pois este deus se emociona como tu quando lhe prestam homenagens espontneas. Em concluso, Cadmo e eu, indiferentes s tuas zombarias, apesar da idade iremos, coroados com ramos de hera, juntar-nos aos demais fiis para danar, para danar - repito! -, a despeito de tudo! Jamais me persuadiro os teus discursos a combater os deuses, eu simples mortal! louco, irremediavelmente louco, quem corrompeu a tua alma desta forma!

    CORIFEU

    Dirigindo-se a TIRSIAS

    s sbio, ancio; sem ultrajar Apolo, tuas palavras honram um deus grande - Brmio.

    CAD M O

    Tirsias exortou-te com razo, Penteu. Junta-te a mim e a ele! No deves pensar em renegar agora nossas tradies. Afasta-se do bom caminho teu esprito e tua mente est pensando no vazio. Ainda que Diniso no fosse um deus, como imaginas, deverias, mesmo assim, dar-lhe este nome e admitir devotamente a inveno de que ele filho de Semeie, para que ela desfrute a fama de ser me, ela, mortal, de um deus, e esta distino se estenda sobre todos os nossos parentes. Sem dvida conheces o destino horrvel de Action, devorado pelos ces ferozes que ele criara, quando foi caar nos campos, apenas por estar sempre vangloriando-se de ser um caador muito melhor que rtemis. No tens receios de um castigo semelhante?

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  • 218 Eurpides

    Vem c! Deixa-me coroar a tua fronte com estes ramos frescos de hera verdejante! Vem homenagear conosco o novo deus!

    PENTEU

    No toques em meu corpo! Afasta estas mos! Vai embora daqui para outro lugar e se quiseres fica l com as Bacantes! No me transmitas a loucura de que sofres! Mas este mau profeta e mestre de tolices ter de ser punido imediatamente!

    Dirigindo-se a seus guardas

    Ide depressa at onde estiver a trpode da qual este velho interpreta os geis pssaros! Valei-vos de uma picareta ou de um tridente! Ide! Arrancai! Virai de pernas para o ar seu trono e lanai tudo em todos os sentidos! Deixai que os ventos furiosos esfarrapem as suas faixas coloridas! Tal castigo ser sem dvida o pior para Tirsias! Ide em seguida percorrer nossa cidade procura de pistas desse efeminado, nncio de novo mal para nossas mulheres, capaz de corromp-las nos lares tebanos! E depois de prend-lo e de o acorrentar trazei-o logo a mim para que eu o condene a ser apedrejado at perder a vida! Ser demais amargo o fim da grande festa que ele queria oferecer a todos ns!

    Saem os guardas de PENTEU

    TI RS IAS

    Dirigindo-se a PENTEU

    Ah! Infeliz! No sabes o que nos disseste! De incio estavas simplesmente perturbado, mas a tua loucura agora evidente!

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  • Dirigindo-se a CADMO

    hora de fazermos preces, tu e eu, por um demente, embora seja to feroz, preces pela cidade, e conjurar o deus a no lhe trazer males nunca imaginados. Agora segue-me. Segura teu basto coberto de ramos de hera. Trata, amigo, de orientar meus passos enquanto me amparo, pois seria ridculo para dois velhos carem juntos. Siga-nos quem tiver nimo, pois temos de servir a Bquio, o deus filho de Zeus. Mas deves ter cuidado, Cadmo, para que o rei Penteu no faa entrar o luto em tua casa (no me inspira o dom proftico; os fatos falam e so bastante eloqentes) . Estando louco, ele procede loucamente.

    Saem TIRSIAS e CADMO

    CORO

    Divina Devoo, deusa querida pelos augustos deuses! Devoo - sim, tu que pairas sobre nossa terra graas ao mpeto de tuas asas-, ouviste bem as falas de Penteu? Escutaste no cu o insulto hertico lanado h pouco tempo contra Brmio, o filho de Semele, o santo prncipe das criaturas bem-aventuradas, senhor das festas cheias de alegria, ornadas de coroas? Seu encargo conduzir os coros sempre dceis ao som das flautas, para adormecer nossos cuidados e acordar o riso, quando comea a cintilar o vinho durante as comemoraes sagradas, e enquanto nos cortejos adornamo-nos com ramos de hera a taa serve o sono aos convidados! As falas sem freios, os exageros mpios nos conduzem

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  • 220 Eurpides

    inevitavelmente ao infortnio. Somente uma existncia sossegada e a s razo preservam nossas casas dos golpes do destino inexorvel. Embora morem nos confins do ter, muito longe do mundo em que vivemos, os deuses vem as aes dos homens. Aparentar grande fora de esprito no sabedoria, nem tampouco pensar alm da condio humana. A vida breve e aqueles que investigam alturas fora do alcance dos olhos deixaro escapar os bens terrenos. Viver dessa maneira imprpria aos homens revela as almas s quais falta o senso e os coraes sempre desnorteados. Ah! Como gostaramos de ir l para Chipre, a ilha de Afrodite, onde os amores reinam absolutos para nosso maior contentamento, ou para Faros, sempre fecundada pelas guas do grande rio brbaro14 que chega ao mar atravs de cem bocas e no pelas chuvas vindas do cu, ou para o lugar mais belo do mundo - a Pieria, onde as Musas moram nas vertentes do Olimpo muito alto! Leva-nos para l, deus poderoso, Diniso, Diniso, Evo, guia seguro para as Bacanais! L residem as Graas e o Desejo, e l as fidelssimas Bacantes podero celebrar condignamente seus indizveis, divinos mistrios. O deus filho de Zeus desfruta as festas deliciosas; ele adora a Paz, deusa nutriz e salvao dos jovens, que nos proporciona a opulncia. Ao pobre e igualmente ao abastado ele oferece em dose igual o vinho que encanta e alivia. Ele detesta aqueles cujo desejo constante

  • -------------

    no seja, na claridade do dia

    As Bacantes 221

    e na doura da noite sombria, 565 saborear a ventura e a vida, tendo, como convm a quem sbio, o corao e a mente bem distantes de todos os mortais muito sutis. Nosso desejo adotar tambm 570 a f que a maioria das pessoas mais simples recebeu e pe em prtica.

    Entram os guardas de PENTEU trazendo DiNISO acorrentado

    GUARDA

    Eis-nos aqui, Penteu; trazemos esta presa que nos mandaste capturar h pouco tempo. Cumprimos tuas ordens rigorosamente; a fera comportou-se com docilidade; ele no fez esforo algum para livrar-se de nossas fortes mos e voluntariamente nos estendeu os punhos. Mostrando-se manso, sem empalidecer e sem que se alterasse o brilho de seus olhos, e at sorridente, nos convidou a carreg-lo de correntes para traz-lo assim at o teu palcio. Enquanto ainda estvamos onde o prendemos ele cooperou conosco e eu lhe disse atnito: "Ouve, estrangeiro; no te levo por minha prpria deciso; recebi ordens do rei Penteu; foi ele quem me encarregou desta misso." Quanto s Bacantes que prendeste e acorrentaste no crcere da cidade, elas esto saltando em plena liberdade nos campos prximos e invocando Brmio; todos os laos dos ps delas desfizeram-se sem que ningum as ajudasse, e os ferrolhos soltaram-se e deixaram que as portas se abrissem independentemente das mos de mortais. Ah! Este homem veio encher de justo espanto toda a cidade! Agora dize: que faremos?

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  • 222 Eurpides

    PENTEU

    Podeis solt-lo, pois colhido em minhas malhas por mais hbil que seja no se livrar.

    Dirigindo-se a DrNISO

    Mas, para o gosto das mulheres, estrangeiro, no s malfeito, e confiando apenas nisto vieste para Tebas; teus longos cabelos bem arranjados nesses cachos sobre a face em nada se assemelham aos de um lutador; eles lembram amor. A tua pele clara; v-se que ficas cuidadosamente sombra, sem a expor ao sol, preocupado apenas com a conquista dos favores de Afrodite. Agora dize-me qual a tua origem.

    DINISO

    fcil; responder-te-ei sem subterfgios. J viste em Tmolo, a montanha cheia de flores?

    PENTEU

    Conheo-o; como um enorme anfiteatro, ele parece estar dando um abrao em Sardes15

    DINISO

    Venho de l; nasci na celebrada Ldia.

    PENTEU

    De onde trouxeste para c estes mistrios?

    DINISO

    Meu mestre foi Diniso, filho de Zeus.

    PENTEU

    Existe l um Zeus que pai de novos deuses?

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  • DINISO

    No! O nico Zeus amou Semele aqui.

    PENTEU

    O deus falou-te em sonho, ou foi luz do dia?

    DINISO

    Vi-o de frente e recebi dele os mistrios.

    PENTEU

    Dize: qual a natureza dos mistrios?

    DINISO

    Somente iniciados podem conhec-los.

    PENTEU

    Qual o proveito para aqueles que os celebram?

    DINISO

    muito grande, mas no podes perceb-lo.

    PENTEU

    A sada sutil e tende a me enganar.

    DINISO

    Nossos mistrios tm horror ao sacrilgio.

    PENTEU

    Se viste mesmo o deus, qual sua aparncia?

    DINISO

    A que lhe apraz; alm disso, nada direi.

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  • 224 Eurpides

    PENTEU

    Mais uma sada sutil para calar.

    INISO

    O rude achar tola uma linguagem sbia.

    PENTEU

    Trazes contigo o deus pela primeira vez?

    INISO

    Todos os brbaros celebram seus mistrios.

    PENTEU

    Mas nisto eles so menos cultos que ns, gregos.

    INISO

    A diferena talvez seja nos costumes; em termos de esclarecimento eles vos vencem.

    PENTEU

    Celebram-se esses ritos noite ou de dia?

    INISO

    Principalmente noite; as trevas so sagradas.

    PENTEU

    Nessa armadilha cairo nossas mulheres.

    INISO

    O dia tambm v aes indecorosas.

    PENTEU

    Pagars por estes sofismas de mau gosto!

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    __________ ._ .................. _ ....

  • INISO

    E tu, Penteu, por tua impiedade estpida e pelo sacrilgio contra o novo deus.

    PENTEU

    Ah! Quanta audcia deste adorador de Baco! Ele no to ignorante quando fala.

    INISO

    Que suplcio me espera? Que mal me fars?

    PENTEU

    Primeiro cortarei teus cachos bem tratados.

    INISO

    Dediquei a meu deus estes santos cabelos.

    PENTEU

    E solta logo o tirso que trazes na mo!

    INISO

    Vem tir-lo de Baco, a quem ele pertence!

    PENTEU

    Depois te prenderemos em nossas masmorras.

    INISO

    O deus vir soltar-me quando eu desejar.

    PENTEU

    Deixando ss suas Bacantes fervorosas?

    As Bacantes 225

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  • 226 Eurpides

    DINISO

    Neste preciso instante ele se encontra aqui e v com os prprios olhos como tu me tratas.

    PENTEU

    Onde est ele, ento? Meus olhos no o vem.

    DINISO

    Onde eu estou, mas a falta de f te cega.

    PENTEU

    Dirigindo-se a seus guardas

    Prendei-o! Ele nos ultraja, a mim e a Tebas!

    DINISO

    Dirigindo-se tambm aos guardas

    Probo-vos de pr vossos grilhes em mim! Dirijo a loucos a minha mensagem sbia!

    PENTEU

    Tenho o direito de prender-te; sou mais forte.

    DINISO

    No sabes o que dizes, quem s e o que fazes!

    PENTEU

    Eu sou Penteu, filho de Equon e de Agave.

    DINISO

    Teu nome te predestinou desventura16

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  • PENTEU

    Avante! Acorrentai-o, guardas, aqui perto, no fundo das cocheiras, para que seus olhos vejam apenas as trevas impenetrveis! L poders danar quando for teu desejo. Quanto a essas mulheres que antes arrastavas atrs de ti, irei vend-las a bom preo ou, arrancando das mos ruidosas delas o instrumento estrepitoso recoberto de couro fino retesado, impor-lhes-ei o ofcio de tecer como minhas escravas.

    INISO

    Irei sem medo, pois no quero suportar a humilhao destes insultos que me dizes. Mas de uma coisa podes ter plena certeza: Diniso, meu vingador, embora o negues, te punir. teu desejo castigar-me, mas quem est sendo amarrado agora ele!

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    Os guardas levam DiNISO acorrentado para as dependncias do palcio

    (ORO

    Ah! Filha do Aquelo17, santa Dirce, formosa Ninfa! Em tua nascente h muito tempo deste as boas-vindas ao filho de Zeus todo-poderoso, quando seu pai o salvou de morrer por causa do fogo imortal de um raio para acolh-lo em sua prpria coxa, gritando ao filho ainda em gestao: "Vem, Ditirambo! Vem para viver no corpo de teu pai muito viril! Desde este instante chamo-te de Bquio e determino que a partir de agora os habitantes da famosa Tebas te chamem pelo nome que te dou!" Ento s tu, Dirce muito feliz,

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  • 228 Eurpides

    que nos repeles quando conseguimos aproximar-nos com nosso cortejo enfeitadas de folhas e de flores? Dize: por que nos repudias? Dize: por que foges de ns? Juramos todas pelos cachos carregados de uvas, ddiva de Diniso divino, que ainda pensars, e muito, em Brmio! Ah! Que furor! Ah! Que rancor exala este neto da Terra - sim, Penteu! -, o filho do drago assustador, gerado por Equon, monstro horrvel de olhar feroz e em nada parecido com a raa das criaturas humanas, que tal como um gigante sanguinrio em luta contra os deuses vai prender-nos em suas malhas, ns, servas de Baco! Em algum canto oculto do palcio ele confina em crcere nojento onde sem dvida nem a luz entra o condutor do cortejo divino! S testemunha, tu, filho de Zeus, Diniso! Vs tuas profetisas lutando aqui contra a fatalidade? Vem logo, prncipe dos cachos ureos, brandindo o tirso! Desce do alto Olimpo, reprime a arrogncia do tirano pronto a fazer jorrar o nosso sangue! Para que plagas levas teu cortejo, deus venerado, portador do tirso? L para Nisa, repleta de feras, ou para os picos dos montes Corcios18? Ou talvez para os vales abismais do Olimpo cheio de bosques espessos, onde o famoso Orfeu com os acordes de sua ctara h muito tempo enfeitiava as rvores e as feras? vio19 venera-te, feliz Piria20; ele dirigir aqui seus coros e as Bacanais; seguido pelas Mnades participantes do cortejo bquico, ele atravessar o veloz xio

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  • e logo aps o Ldias21 fecundante, pai da abundncia e distribuidor dos bens e de toda a prosperidade,

    As Sacantes 229

    que, segundo se diz, com suas guas 740 irriga a terra das guas mais belas.

    Ouvem-se os brados de DiNISO nas dependncias do palcio

    INISO

    Do interior do palcio

    Ouvi-me! Ouvi a minha voz, Bacantes minhas!

    CORIFEU

    Quem grita? De onde vem este apelo de vio?

    INISO

    Chamo-vos novamente, eu, filho de Semeie e de Zeus poderoso! Ouvi, minhas Bacantes!

    CORIFEU

    Senhor! Senhor! Vem afinal juntar-te a ns! Vem j para nosso cortejo! Vem, Diniso!

    INISO

    Divino terremoto! Abala esta cidade!

    Ouvem-se rudos de desmoronamentos

    CORIFEU

    Ah! Dentro de poucos instantes o palcio do rei Penteu vai abalar-se, vai ruir! Est em seu interior o deus Diniso! Sim! Adoremo-lo! Ns todas o adoramos! Vedes a pedra da arquitrave deslocar-se estrepitosamente no alto das colunas?

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  • 230 Eurpides

    Ouve-se o estrondo da queda do teto no interior do palcio

    Estou ouvindo Brmio gritar l dentro!

    DINISO

    Acenda-se o fulgor dos raios infalveis para queimar todo o palcio de Penteu!

    Eleva-se uma chama no tmulo de Semeie

    CORIFEU

    Ah! Ah! No vedes uma chama sobre o tmulo da tebana Semele? Este o mesmo fogo aceso pelo raio mandado por Zeus que outrora a fulminou e agora est de volta! Ah! Mnades! Cobri o cho com vossos corpos inevitavelmente trmulos! Diniso, o deus filho de Zeus, reduzir a runas o palcio real que est desmoronando!

    As Bacantes do CORO prosternam-se e DiNISO sai do palcio semidestrudo

    DINISO

    Por certo enorme espanto encheu vossos espritos, mulheres brbaras, e vos compele agora a prosternar-vos desta maneira no cho. Sentistes todas de maneira convincente que Baco transformou em runas o palcio onde estava Penteu. Mas basta. Levantai-vos, acalmai vossos corpos expulsando deles o habitual tremor causado pelo medo.

    CORIFEU

    Ah! Luz suprema que nos trazes afinal o xtase dionisaco! Sentimos imenso jbilo por ver-te aparecer a nossos frgeis coraes desarvorados!

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  • DINISO

    J no havia em vs a mnima esperana quando Penteu, o rei, mandou que me prendessem nas cocheiras sombrias do real palcio?

    CORIFEU

    No era natural o nosso desespero? Que proteo nos restaria quando vamos acontecer a ltima calamidade? Como escapaste da perseguio do incrdulo?

    DINISO

    Livrei-me dela sem qualquer dificuldade, sem esforo maior e sem ajuda alheia.

    CORIFEU

    Ele no mandou amarrar as tuas mos?

    DINISO

    Mandou, e este foi o seu maior engano. De fato, imaginando que me acorrentava, ele no quis tocar em mim, sequer de leve, to grande era a certeza que em seu corao lhe garantia que eu estava preso ali. Ele encontrou um touro na cocheira escura onde me aprisionara e fez um grande esforo para imobilizar seus cascos e joelhos, resfolegando sem parar, desatinado, molhado de suor e mordendo seus lbios; eu estava sentado, calmo, perto dele, como se fosse apenas um espectador. No mesmo instante Baco invadiu o palcio abalando as paredes, depois de acender sobre o sepulcro de Semele, sua me, chamas brilhantes. Quando o viu, o rei Penteu, imaginando que o fogo j devorava o palcio real, ps-se a pular, frentico,

    As Bacantes 231

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  • 232 Eurpides

    de um lado para o outro, dando ordens aos guardas para jogarem gua incessantemente no lugar onde estvamos; seus homens todos puseram mos obra sem perda de tempo, tentando dedicar-se tarefa ilusria. Depois, detendo-se e pensando que eu fugira, ele saltou, brandindo em todos os sentidos uma espada de ferro negro. Baco, ento

    - ao menos imagino que era ele mesmo -, fez surgir um fantasma no meio do ptio; avanando sobre a brilhante apario, Penteu a atacou usando sua arma, tendo a impresso de que acabara de matar-me. Mas isto no foi tudo; Baco preparou-lhe outro desastre, provocando num instante o desmoronamento do real palcio estrepitosamente! Custou muito caro ao mpio Penteu o meu confinamento. Vencido por uma fadiga irresistvel e soltando a espada, ele caiu no cho, este mortal que, levado pela insolncia, quis enfrentar um deus. Eu mesmo abandonei silenciosamente as runas do palcio e vim juntar-me a vs sem pensar neste herege.

    Aps alguns momentos de silncio

    Mas tenho a impresso de ouvir l dentro o som de botas, como se Penteu viesse andando em direo porta, prestes a sair. Que ter ele para nos contar agora? Por mais feroz que seja seu ressentimento quero enfrent-lo calmamente, pois o sbio deve conter a irritao de sua alma.

    PENTEU sai das runas do palcio, completamente transtornado

    PENTEU

    Fui atingido por um golpe insuportvel: fugiu o estrangeiro, embora acorrentado !

    Vendo DiNISO

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  • As Bacantes 233

    Aqui est o homem! Como ele livrou-se?

    Como fugiste e ests frente do palcio? 840

    INISO

    Contm-te e acalma este rancor desatinado.

    PENTEU

    Como saste, escapando de teus grilhes?

    INISO

    Disse-te, ou no, Penteu, que me libertariam?

    PENTEU

    Quem foi? Ters coisas estranhas a contar-me?

    INISO

    Soltou-me quem produz as uvas para os homens. 845

    PENTEU

    Graas ao vinho ele quer ser o rei de Tebas.

    INISO

    No possvel censurar Baco por isso.

    PENTEU

    Ordeno o fechamento das portas de Tebas!

    INISO

    Por qu? Um deus no retido por muralhas.

    PENTEU

    s sbio, estrangeiro, extremamente sbio, mas no no momento em que deverias ser.

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  • 234 Eurpides

    DINISO

    Discordo; principalmente nessas horas que sobressai minha razo; mas ouve antes o homem que veio correndo da montanha em tua direo, trazendo uma mensagem cujo destinatrio s tu. Fica tranqilo, de forma alguma tentarei fugir daqui.

    Entra precipitadamente um pastor (ll! MENSAGEIRO)

    1 2 MENSAGEIRO

    Penteu, senhor de Tebas! Venho do Citron, onde jamais a alva neve perde o brilho.

    PENTEU

    Que novidades trazes com to grande pressa?

    1 2 MENSAGEIRO

    Vi as Bacantes l no alto da montanha, mulheres respeitveis que, sempre descalas e como se estivessem todas incitadas por algum aguilho, fugiram da cidade precipitadamente. Venho anunciar-te sua conduta estranha, meu senhor e rei, pois o que fazem essas damas na verdade um milagre, ou mais. Eu gostaria muito de saber antes se seria prefervel contar-te tudo sem rodeios, ou ento impor limites minha lngua ansiosa. Receio a exaltao de tua alma, rei, o teu rancor exacerbado e repentino e as manifestaes de teu humor tirnico

    PENTEU

    Podes falar; nada tens a temer de mim; no se deve punir quem cumpre seu dever. Quanto mais me contares sobre essas Bacantes,

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  • mais rigorosa h de ser a punio daquele que veio insuflar o desvario

    As Bacantes 235

    em grande nmero de mulheres tebanas. 880

    1 2 M ENSAGEIRO

    Eu acabava de deixar na parte plana do alto monte as reses de meu bom rebanho e prosseguia em direo ao cume alvo, na hora em que o sol j se aqueceu e solta seus raios como se fossem dardos de luz. Meus olhos viram num instante trs cortejos, trs coros de mulheres; o primeiro deles tinha frente Autnoe; j o segundo, Agave, tua me; finalmente o terceiro era levado por In. Naquela hora todas dormiam com os corpos relaxados; algumas delas reclinavam-se nos ramos de viosos p inheiros e se aproveitavam da sombra que essas rvores ofereciam; outras deitavam-se sobre folhas cadas de frondosos carvalhos, mantendo a cabea em atitude casta, e postas em repouso no solo coberto de folhas, ao acaso e no como as descreves em tuas conversas, completamente embriagadas pelo vinho e pelo som das flautas doces, procurando discretamente a bela Cpris na floresta. Mas eis que tua me, erguendo-se no meio das Bacantes adormecidas, deu um grito para acord-las, logo depois de escutar os bois carnudos que mugiam mansamente. Aps afugentar dos olhos descansados o sono antes profundo, atentas decncia todas p useram-se a compor as suas roupas, as jovens, as idosas e tambm as virgens ainda alheias aos deveres conjugais; primeiro elas deixaram cair os cabelos em ondas sobre os ombros alvos; em seguida, cuidaram de ajustar ao corpo as mantas feitas da pele de coras malhadas, cujos laos estavam frouxos, mas usando em vez de cinto

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  • 236 Eurpides

    vboras geis que lhes lambiam o rosto; outras punham no colo filhotes de coras e at de lobos, dando-lhes os seios trgidos do leite que lhes veio com a maternidade - mes descuidosas dos filhos recm-nascidos. Todas elas ornavam cuidadosamente a fronte com coroas de folhas de hera ou com belas flores silvestres; uma delas bateu com o tirso numa rocha e fez jorrar da mesma, num instante, um jato de gua lmpida; outra, ferindo o cho com a sua varinha22 viu esguichar da terra por obra do deus uma fonte de vinho. As que sentiam falta do alvo leite, esfregavam no solo os dedos e o recolhiam de repente em abundncia. Do tirso recoberto de folhas de hera pingava o mel mais doce. Ah! Meu senhor e rei! Por que no estavas presente para ver o espetculo? Gostarias sem dvida de dirigir tu mesmo preces fervorosas ao deus que aqui blasfemas! Ns, simples pastores, nos reunimos para trocar impresses e discutir e chegamos concluso de sermos todos testemunhas de prodgios dignos de admirao. Um de nossos colegas, que ia com maior freqncia cidade e conhecia bem a arte de falar, nos dirigiu ento as seguintes palavras: "Vs, que viveis aqui nas alturas sagradas destas montanhas, estareis decididos a me seguir na caa soberana Agave, me de Penteu? Ele nos agradecer se pudermos tir-la deste coro bquico." Ns concordamos e ficamos emboscados no denso emaranhado da vegetao dos bosques verdes. O momento era propcio; os cortejos estavam em preparativos para participar de uma corrida bquica, e todas as mulheres em competio faziam em unssono a invocao a aco23, a Brmio, filho de Zeus; o alto monte, tendo frente as suas feras,

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  • -participava de uma festa delirante

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    durante a qual tudo corria e se agitava. 960 De repente passou por mim saltando Agave; na nsia de agarr-la eu tambm saltei para fora da moita onde estava emboscado. Mas ela urrava: "Estamos sendo perseguidas, minhas cadelas lpidas! Vedes os homens? 965 Segui-me, acompanhai-me, armai-vos todas vs! Empunhai vossos tirsos !" Sem hesitao pusemo-nos em fuga para nos livrarmos daquele bando de Bacantes furiosas, querendo estraalhar-nos de qualquer maneira. 970 Frustradas, elas se lanaram loucamente sobre os bois que pastavam nos lugares planos; sem ter nas mos sequer o ferro de uma arma

    - que vimos? - uma, com seus braos afastados levantou uma vaca com o ubre trgido, 975 mugindo sem parar; outras, usando as mos, esquartejavam as novilhas indefesas; por toda parte era possvel descobrir, dispersos nas pastagens e mesmo nas rvores, costelas, cascos bifurcados, que, suspensos 980 nos ramos dos pinheiros, gotejavam sangue. Touros enfurecidos que as ameaavam com os seus chifres agressivos, num instante tombavam e mil mos de mulheres desciam sobre seus corpos retalhando toda a carne 985 que lhes cobria os ossos, mais depressa, rei, do que tu mesmo baixarias tuas plpebras sobre as pupilas. E como voam as aves, impetuosamente elas precipitavam-se em direo aos campos planos que se estendem 990 ao longo das margens do caudaloso Asopo, onde se colhe muito trigo para Tebas. Apoderando-se das aldeias de Eritras e de Hisis, bem perto do monte Citron, como uma horda delirante se lanavam 995 em massa contra elas, devastando tudo e apoderando-se de todas as crianas. Nada do que elas tinham nos ombros caa, nem mesmo objetos feitos de ferro ou de bronze, embora nada segurasse coisa alguma. 1 000

  • 238 Eurpides

    O prprio fogo, permeando seus cabelos, no os queimava. Os habitantes das aldeias, desesperados com tantas barbaridades, armaram-se e lanaram-se contra as Bacantes. Ah! Nosso rei! Vimos ali naquela hora fatos prodigiosos! O ferro das lanas no provocava sangramento em suas carnes e com um simples arremesso de seus tirsos elas cobriam de feridas hemorrgicas seus inimigos. Aquelas frgeis mulheres punham em fuga sua frente os homens todos, prova cabal de que algum deus as ajudava. Depois desses prodgios vimo-las voltarem ao lugar onde comeou sua corrida, s fontes que seu deus criara para elas, lavando ali as mos ainda ensagentadas enquanto suas vboras lambiam vidas todos os traos do sangue que inda corria em suas faces. Meu senhor! Acolhe agora em tua Tebas este deus, seja qual for, pois ele poderoso em todos os sentidos e, alm disso, pelo que nos foi contado, ofereceu-nos, a ns, os simples mortais, a vinha que nos livra de nossos pesares. De fato, sem o vinho onde haveria amor? Que encanto restaria aos homens infelizes?

    Sai o J!! MENSAGEIRO

    CORIFEU

    Tenho receio de externar meu pensamento com a mxima franqueza, mas de qualquer modo devo diz-lo: o deus Diniso no tem menos poderes que qualquer dos outros deuses.

    PENTEU

    Como uma chama que se eleva e nos envolve, o despudor dessas Bacantes nos desonra aos olhos de todos os gregos. Vamos logo! No possvel adiar nossa partida!

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  • Dirigindo-se a um de seus guardas

    Corre porta de Electra24! Leva minhas ordens: os cavaleiros que montam em meus corcis e aqueles cujas mos fazem vibrar as cordas dos arcos retesados, devem aprontar-se! Chegou a hora de lutar contra as Bacantes! Seria realmente passar dos limites da tolerncia consentir que essas mulheres nos envergonhem com o seu procedimento!

    DINISO

    No queres escutar minhas palavras, nobre Penteu; embora tenhas-me ultrajado, declaro-te que no devemos empunhar em tempo algum as armas contra as divindades, e sim viver constantemente em paz com elas. Jamais Baco permitir a expulso do cortejo sagrado de suas Bacantes dos montes onde ecoam gritos de Evo.

    PENTEU

    Pois basta de lies! No ests satisfeito com tua fuga da priso em que te pus? Queres ser levado de volta para l?

    DINISO

    Em vez de escoicear contra quem te aguilhoa - um simples mortal rebelado contra um deus -, por que no lhe ofereces santos sacrifcios?

    PENTEU

    Vou dedicar-lhe o sacrifcio merecido: ondas de sangue sero derramadas hoje nos flancos do Citron por essas mulheres!

    DINISO

    Fugireis todos! Que vergonha! As Bacantes vencendo os escudos de bronze com seus tirsos!

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  • 240 Eurpides

    PENTEU

    Quer se sujeite minha lei, quer nos ataque, esse estrangeiro, um adversrio invencvel, jamais h de fechar a boca concordando!

    INISO

    Podemos entender-nos, meu caro Penteu . . .

    PENTEU

    E que ser de mim? Um servo de meus servos?

    INISO

    Posso trazer essas mulheres para ti sem recorrer s armas ou violncia.

    PENTEU

    Ai! Ai de mim! Isto um golpe de esperteza! Preparas mais uma de tuas armadilhas!

    INISO

    Mas como, se me esforo para te salvar?

    PENTEU

    Sem dvida tramaste com tuas Bacantes ardis para perpetuar vossos cortejos!

    INISO

    No nego que conspiro, mas s com o deus.

    PENTEU

    Dirigindo-se primeiro a seus guardas e depois a DlNISO

    Trazei as minhas armas! Tu, fica em silncio!

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  • INISO

    Gostarias de v-las soltas nas montanhas?

    PENTEU

    Por certo, mesmo que custasse muito ouro.

    OINISO

    De onde te veio este desejo violento?

    PENTEU

    Devo dizer que ficaria compungido ao v-las nessas condies constrangedoras.

    INISO

    Ento sentes vontades de presenciar um espetculo que te causa desgosto?

    PENTEU

    Sinto, mas escondido entre os altos pinheiros.

    INISO

    Elas te estripariam onde te ocultasses.

    PENTEU

    Dou-te razo; mas vou de rosto descoberto!

    INISO

    De acordo. Queres que te guie? Ests pronto?

    PENTEU

    Leva-me sem delongas; no quero esperar.

    As Bacantes 241

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  • 242 Eurpides

    DINISO

    Antes cobre teu corpo com roupas de linho24.

    PENTEU

    Como? De homem que sou transformas-me em mulher?

    DINISO

    Matar-te-iam se te vissem como homem.

    PENTEU

    Falaste bem; j te mostraste sbio antes . . .

    DINISO

    Porque Diniso me inspira quanto a isto . . .

    PENTEU

    _ C9mo posso seguir teus timos conselhos?

    DINISO

    Entremos no palcio; l te vestirei.

    PENTEU

    Mas, com que trajes? De mulher? Eu coraria!

    DINISO

    J no tens pressa de surpreender as Mnades?

    PENTEU

    Descreve os trajes com que pretendes vestir-me.

    DINISO

    Ters uma longa peruca na cabea.

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  • PENTEU

    Qual seria a segunda pea do disfarce?

    INISO

    Um manto pregueado; na cabea, a mitra.

    PENTEU

    Inda haver mais peas alm dessas trs?

    INISO

    Na mo, um tirso; a pele de cora malhada . .

    PENTEU

    No me decido a me vestir como mulher.

    INISO

    Correr sangue se quiseres atac-las.

    PENTEU

    Bem dito; cuidarei primeiro de observ-las.

    INISO

    Pior ser ferido querendo ferir.

    PENTEU

    Ser possvel cruzar Tebas sem ser visto?

    INISO

    Levar-te-ei pelos caminhos mais desertos.

    PENTEU

    Tudo, menos provocar risos das Bacantes! Entremos no palcio e deliberemos.

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  • 244 Eurpides

    INISO

    Assim ser, o meu desejo ajudar-te.

    PENTEU

    No ficarei parado aqui; vou comandar os meus soldados, ou seguirei teus conselhos?

    PENTEU entra nos restos do palcio

    INISO

    Dirigindo-se ao CORO

    Mulheres! O homem caiu em nossas redes e a morte ser seu castigo por ousar essa visita s Bacantes nas montanhas. Chegou a hora de Diniso atuar! No est longe a presa. Devemos puni-lo, primeiro instilando agora em seu esprito uma loucura irresistvel que o transtorne; se ele mantiver o seu bom-senso intacto no querer usar as roupas femininas, mas se o perdeu as vestir sem objees. Quero fazer os bons tebanos rirem dele acompanhando-o pela cidade inteira disfarado em mulher, ele, que era temido at agora por amea-las sempre. Mas devo ir at onde Penteu est para ajustar as roupas que ele vai usar quando descer ao Hades25, morto pela me. Ele hoje reconhecer, embora tarde, a fora de Diniso, filho de Zeus, clemente com os homens, mas que tambm sabe mostrar-se quando quer um deus dos mais temveis!

    DrNISO entra no palcio em runas

    CORO

    Vamos enfim juntar nossos ps nus

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  • aos cortejos noturnos de Diniso, lanando para trs nossas cabeas no ar umedecido pelo orvalho,

    As Bacantes 245

    como coras saltando satisfeitas 1140 nos verdes prados depois de escaparem das redes escondidas nas veredas. Mas de repente o caador incita com gritos a corrida de seus ces; mais rpidas que as tempestades sbitas 1145 elas saltam ao longo dos riachos pelas campinas, procurando, aflitas, bem longe dos homens desnaturados a paz e a sombra da floresta escura. Que cincia, que glria mxima, 1150 presentes dos bons deuses, seno ter nas mos vitoriosas o inimigo? O que bom sempre desejvel. Move-se lentamente a onipotncia das divindades, mas infalvel. 1155 Elas do o castigo s criaturas condescendentes com a iniqidade e cuja mente devotada ao mal tira dos deuses justas homenagens. Graas a mil ardis elas ignoram 1160 o perpassar do tempo e implacveis seguem at o fim as suas presas. Mas nada ns devemos conceber, nada devemos praticar na vida, que esteja acima das divinas leis. 1165 No difcil realmente crer na onipotncia de um poder supremo, seja qual for a verdadeira origem das divindades que desde os primrdios e ao longo dos tempos imemorveis 1170 tm a fora de lei entre os mortais, pois vem da natureza sua origem. Que cincia, que glria mxima, presentes dos bons deuses, seno ter nas mos vitoriosas o inimigo? 1175 O que bom sempre desejvel25'. Feliz quem pode escapar morte em pleno mar e chega vivo ao porto!

  • 246 Eurpides

    Feliz quem consegue superar as provaes ao longo desta vida! Alguns seres humanos vencem outros em ventura e poder. So incntveis os mseros mortais, e incontveis as esperanas que eles acalentam. Alguns chegam sem dvida riqueza, mas para a maioria nada resta! Consideramos bem-aventuradas as criaturas que sabem gozar toda a satisfao de cada dia!

    DINISO

    Saindo do palcio em runas e dirigindo-se a PENTEU, que ainda estava no interior, disfarado em mulher e parecendo embriagado

    Tu, que tiveste tanta pressa para ver o que teus olhos nunca deviam ter visto, Penteu, tu, que persegues insistentemente aquelas coisas de que se deve fugir, sai do palcio e aparece nossa frente em trajes feminis, vestido de Bacante, de Mnade! Espio de tua prpria me e de todas as suas fiis companheiras, serias confundido com as filhas de Cadmo!

    PENTEU

    Tenho a impresso de ver dois sis e duas Tebas com suas sete portas. Tu, que me conduzes, agora te assemelhas a um touro bravo, pois aos meus olhos aparecem grandes chifres em tua fronte. Eras antes uma fera? Vejo-te como se fosses de fato um touro.

    DINISO

    O deus, at h pouco tempo revoltado, hoje nos acompanha como nosso amigo. Neste momento vs o que deve ser visto.

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  • PENTEU

    E eu, com quem pareo? Dou a impresso de ser In26 ou a minha prpria me, Agave?

    DINISO

    Vendo-te assim como se eu tivesse ambas diante de meus olhos. Mas houve descuido em teu arranjo, pois est desfeito um cacho de teus cabelos; deves p-lo sob a mitra.

    PENTEU

    Eu a tirei de seu lugar h pouco tempo em meu delrio bquico l no palcio.

    DINISO

    Sendo eu o responsvel por tua aparncia, devo rep-la em sua posio correta. Vamos, Penteu! Apruma-te! Ergue a cabea!

    PENTEU

    Agora ergu-la-ei como convm; penteia-me mais a teu gosto, pois estou em tuas mos.

    DINISO

    Cuidando de PENTEU

    O cinto est frouxo demais e tua roupa no cai, como devia, em pregas regulares desde a parte de cima at os tornozelos.

    PENTEU

    Estou de acordo, ao menos quanto ao p direito, mas deste lado o vu deve descer um pouco, para chegar ao calcanhar e encobri-lo.

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  • 248 Eurpides

    DINISO

    Considerar-me-s o teu melhor amigo quando notares, contra a tua expectativa, a castidade com que vivem as Bacantes.

    PENTEU

    Devo empunhar o tirso assim, com a mo direita, ou com a esquerda como se eu fosse uma Mnade?

    DINISO

    Convm mov-lo com a tua mo direita e levantar o p direito ao mesmo tempo. Assim! Mudou incrivelmente o teu esprito!

    PENTEU

    Em tua opinio posso levar nos ombros todo o monte Citron e mais as Bacantes?

    DINISO

    Se desejares, poders; h pouco tempo estavas perturbado, mas agora no.

    PENTEU

    Achas que eu deveria usar uma alavanca para mover com minhas prprias mos o monte, erguendo-o at os ombros com meus braos?

    DINISO

    Toma cuidado, pois assim destruirias os santurios onde as graciosas Ninfas costumam reunir-se e os abrigos de Pan27!

    PENTEU

    Falaste bem. No devemos usar a fora contra mulheres; ficarei entre os pinheiros.

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  • DINISO

    Poders esconder-te onde te convier para observar as Mnades sem que elas notem.

    PENTEU

    J me vejo nos bosques para surpreend-las em seus rsticos leitos e at imagino-as cativas como pssaros em minhas redes!

    DINISO

    No com este intuito que vais espreit-las? Podes prend-las, se no fores preso antes . . .

    PENTEU

    Conduze-me atravs de Tebas sem demora! Ningum aqui to ousado como eu.

    DINISO

    Apenas tu te arriscas por esta cidade. Esperam-te lutas dignas de ti, Penteu. Segue-me. Levo-te como amistoso guia, mas no regresso te trar outra pessoa . . .

    PENTEU

    Sim; minha me.

    DINISO

    Diante dos olhos de todos . . .

    PENTEU

    Por isso vou partir.

    DINISO

    . . . regressars nos braos . . .

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  • 250 Eurpides

    PENTEU

    Serei to frgil?

    INISO

    . . . de tua bondosa me.

    PENTEU

    Deixas-me ufano!

    INISO

    A tua ufania justa!. . .

    PENTEU

    Irei tentar um feito digno de meu nome!

    PENTEU afasta-se, seguido por um guarda (o 2!! MENSAGEIRO)

    INISO

    Deplorvel heri! Destino deplorvel! Escalars o cu ao encontro da glria. Estende-lhe teus braos maternais, Agave! E vs tambm, filhas de Cadmo, estendei, solcitas, os braos para vosso irmo que vai travar este combate portentoso, a ser vencido hoje por mim mesmo e Brmio! Os acontecimentos diro os detalhes.

    Sai DiNISO na mesma direo de PENTEU e do guarda

    CORO

    Ide, cadelas cleres da raiva27, ide para onde as filhas de Cadmo renem seus cortejos na montanha! Enfurecei-as contra este homem dissimulado em roupas de mulher,

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  • que, alucinado, quer espionar as Mnades em seus acampamentos!

    As Bacantes 251

    frente das demais a prpria me 1280 desse profanador vai querer v-lo do alto de um penedo desolado, como se se tratasse no de me mas de assaltante atento na tocaia. Ela disse o seguinte s outras Mnades: 1285 "Quem o homem que chegou aqui para acuar as filhas do rei Cadmo em suas correrias na montanha? Quem ousa aparecer nestas alturas, a ns, Bacantes? Quem o deu luz? 1290 Um monstro assim no pode ter sado do ventre de uma mulher como ns, mas de alguma leoa, ou pior, das entranhas das Grgonas da Lbia!28" Venha a justia fulgurante, armada 1295 com sua espada e corte mortalmente o pescoo do criminoso mpio e insensvel que nasceu de Equon29, um vmito da terra generosa! Para quem, motivado por maldade 1300 e pelo seu furor desenfreado, veio atacar teu culto agora, Baco, e a devoo de tua me, Semeie, no desespero de seu corao e na insnia de sua audcia, 1305 como se dominasse o Invencvel, existe apenas um poder capaz de refrear seus mpetos: a Morte impaciente. Quem apenas pensa como uma frgil criatura efmera 1310 leva uma vida isenta de tormentos. No aspiramos sabedoria; preferimos lutar por outros bens materiais e de maior valor. Queiram os cus que toda a nossa vida transcorra em comunho com a beleza, e dia e noite, puras e devotas, adoremos os deuses, desprezando as prticas contrrias justia!

    1315

  • 252 Eurpides

    Venha a justia fulgurante armada com sua espada e corte mortalmente o pescoo do criminoso mpio e insensvel que nasceu de Equon, um vmito da terra generosa! Mostra-te a ns sob a forma de um touro ou de um drago de mltiplas cabeas, ou de um leo fogoso e belo, Baco ! Vai e com um sorriso aprisiona com tua rede que provoca a morte o mpio caador destas Bacantes e deixa seu cadver entre as Mnades que o levaro em seu cortejo estrdulo!

    Entra o 2Q MENSAGEIRO

    2ll M ENSAGEIRO

    Ah! Casa outrora florescente em nossa Tebas do ancio de Sdon30 que lanou aqui os dentes do drago filho da terra! Choro! Choro por ti, embora seja um mero escravo, mas os bons servidores sempre participam de todas as adversidades de seus donos.

    CORIFEU

    Que h? Que novidades trazes das Bacantes?

    22 MENSAGEIRO

    Penteu, filho de Equon , no existe mais!

    CORIFEU

    Mostras que s um deus grande e poderoso, Brmio!

    22 MENSAGEIRO

    Que dizes? De que falas? Ento possvel que a desventura de meu rei cause alegria?

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  • CORIFEU

    Iremos demonstrar nosso contentamento com hinos brbaros; no nos causa temor a perspectiva de sermos acorrentadas.

    22 MENSAGEIRO

    Pensas que em Tebas haja tanta covardia?

    CORIFEU

    No manda em ns esta cidade; s Diniso tem o poder para dar ordens s Bacantes!

    22 MENSAGEIRO

    Posso at desculpar-vos, mas o vosso jbilo diante desta desventura odioso.

    CORIFEU

    Explica-nos! Descreve logo a morte dele, desse arteso injusto de tanta injustia!

    22 MENSAGEIRO

    Quando deixamos Tebas em nossa jornada e cruzamos o sopo31 (eu e Penteu), iniciamos a escalada do Citron pelas encostas ngremes do alto monte, guiados por Diniso. Paramos logo num vale atapetado de ervas que abafavam o som de nossos passos e de nossas vozes, a fim de vermos sem ser vistos. Esse vale de acessos escarpados e fundo banhado por torrentes correndo sombra dos pinheiros, era o esconderijo de incontveis Mnades. Algumas delas coroavam novamente com ramos de hera seus tirsos desguarnecidos; outras, como se fossem potras que acabavam de livrar-se afinal dos freios, entoavam

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  • 254 Eurpides

    e repetiam hinos de louvor a Baco semelhana do eco. Penteu, nesse instante, sem perceber tantas mulheres no cortejo - ah, infeliz! - gritou: "Ests vendo, estrangeiro, deste lugar a que acabamos de chegar as Mnades em seus folguedos imorais? Subamos ao rochedo e do alto de um pinheiro dos mais frondosos, verei com meus prprios olhos todas as atitudes indecentes delas!" Desde aquele momento vi o estrangeiro32 fazer milagres sucessivos; de repente ele pegou pela parte mais saliente um galho de pinheiro erecto em pleno ar, baixando-o at tocar no solo negro. Ento, como se distendesse um grande arco, ou como um timo ferreiro quando curva o arco de uma roda para compeli-lo a seguir fielmente o risco do compasso, assim vergou o galho a mo desse estrangeiro at o cho, num gesto que excedia a fora de qualquer criatura humana. Logo aps ele prendeu Penteu no galho, e sem solt-lo deixou-o retornar posio normal, tendo o cuidado de evitar que a montaria no se livrasse logo de seu cavaleiro. O galho retesou-se em direo ao cu, levando meu senhor com ele para o alto. Penteu foi descoberto e no pde escapar aos olhares das Mnades. Naquele ponto j no o vamos, e uma voz nas alturas - Diniso, sem qualquer dvida - gritou: "Entrego-vos, filhas queridas, este homem que riu de vs, de mim e de meus sacros ritos. Agora vossa vez! Agi! Vingai-vos dele!" Enquanto ele falava uma chama divina brilhou a certa altura unindo a terra ao cu. Depois o ar silenciou e a folhagem do vale coberto de bosques se calou e ningum mais ouvia gritos de animais. As Mnades no entenderam no momento a instigao do deus; elas se levantaram voltando os olhos para todos os recantos,

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  • As Bacantes 255

    e o deus teve de repetir a sua ordem; 1410 tomando conscincia do comando bquico, as filhas do vivido Cadmo, num impulso no menos repentino que o das alvas pombas, puseram-se a saltar, e a nsia de correr apoderou-se da me de Penteu - Agave -, 1415 e de suas irms e das Bacantes todas. De um salto elas atravessaram num instante a torrente do vale, graas ao furor que o deus lhes transmitia. Repentinamente puderam enxergar o meu senhor - coitado! -vociferando nas alturas do pinheiro. De sbito, subindo num rochedo prximo, em frente rvore, elas deram incio a uma verdadeira chuva de calhaus; depois lanaram contra ele, como dardos, galhos sem conta destacados de pinheiros; outras arremessaram de qualquer maneira seus tirsos para o alto visando Penteu - alvo pungente! -; o infeliz, paralisado pela estupefao, estava pendurado a uma altura desmedidamente grande para que qualquer delas pudesse atingi-lo com toda a sua raiva. Afinal, partindo estrepitosamente galhos de carvalho elas cavaram e com essas picaretas sem ferro revolveram as duras razes. Mas, como esse esforo no dava resultados, Agave esbravejou: "Vamos! Fazei a volta, Mnades, minhas companheiras! Destru o tronco para finalmente capturarmos a fera que est l em cima, pois assusta-nos a possibilidade de ela revelar as danas e os mistrios de nosso deus!" E mil mos atacaram sem perda de tempo a rvore e a arrancaram da me-terra! Penteu, que estava montado num galho alto, caiu vertiginosamente em pleno cho, gritando e lamentando-se, pois intuiu a aproximao da hora de morrer. Agave, sua me, frente das Bacantes, iniciando a imolao sanguinolenta

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  • 256 Eurpides

    da qual ela seria a sacerdotisa, pulou sobre seu filho; este, arrancando a mitra a custo de sua cabea e ansioso por ser reconhecido logo pela me e salvo assim da morte a que ela a condenara, disse-lhe enquanto lhe acariciava o rosto: "Sou eu, querida me! Sou teu filho Penteu, que deste luz no palcio do antigo Equon! Ah! Me! Apieda-te de mim! No sacrifiques teu filho para castigar as suas faltas!" Agave, pondo muita espuma pela boca e revirando os olhos desvairadamente, como se Baco a possusse, no o ouviu. Ela prendeu com suas mos o brao esquerdo do filho, e com um p premindo um de seus flancos deslocou-lhe a espdua e arrancou-a, sem dvida no com as suas prprias foras mas com aquelas que lhe transmitia o deus. In fez sobre o outro flanco a mesma coisa e lacerou as carnes do pobre Penteu enquanto Autnoe e as outras mulheres vinham trazer-lhe mais ajuda. S se ouviam lamentaes confusas e Penteu gemia nos momentos finais da luta contra a morte; ao mesmo tempo as trs irms, gritando unssonas, aceleraram o esquartejamento; uma logo arrancou do moribundo um de seus braos; outra um dos ps inda calado na sandlia, e as trs tiraram de seus flancos lacerados as carnes palpitantes. Com as mos sangrentas, como se disputassem um jogo de bola elas lanavam em todas as direes restos do corpo de Penteu; pedaos dele jaziam em vrios lugares entre as rochas e at nos galhos altos de rvores frondosas, de onde seria dificlimo tir-los. Quanto cabea do desventurado, Agave tomou-a entre as mos e conseguiu finc-la sobre seu tirso; ela - coitada! - imaginava que era a cabea de um leo, mostrando s Mnades pelos caminhos do Citron seu trofu. Ela incumbiu suas irms de organizarem

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  • as danas dos cortejos sacros e orgulhava-se de sua presa deplorvel; em seguida iniciou a marcha em direo a Tebas, chamando Baco, seu parceiro e companheiro de expedies de caa, o belo vencedor a quem ela queria oferecer, contrita, um condigno trofu cheio de suas lgrimas. Minha inteno vos dizer agora adeus, pois vou fugir em face desses infortnios e no desejo ver a inditosa Agave chegando a seu palcio em tais condies. A conduta mais bela e sbia - penso eu -e a mais segura para todos os mortais respeitar os deuses e ser moderado.

    Sai o 2Q MENSAGEIRO

    CORO

    Dancemos todas em honra de Baco! Celebremos aos gritos a derrota, a desgraa do filho do drago, o rei Penteu, que usando ousadamente os trajes femininos e empunhando o santo tirso e at a varinha - pressgio de morte inevitvel -e precedido pelo touro sacro, chegou aqui para ser imolado. Ah! Numerosas Mnades cadmias! Vosso exaltado canto triunfal chega a seu termo com pranto e lamentos! Nobre combate aquele em que no fim se enlaa o corpo de um filho querido com os braos mergulhados em seu sangue!

    CORIFEU

    Vejo correndo em direo s nossas portas Agave, me do rei Penteu; tambm observo o seu olhar esgazeado. Acolhamos aqui em Tebas o cortejo de Diniso!

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  • 258 Eurpides

    Entra AGAVE, ensangentada, com as roupas em desordem e tendo nas mos a cabea de PENTEU, pensando que trazia um filhote de leo; em uma das mos ela traz um ramo de hera

    AGAVE

    Bacantes l da sia!

    CORO

    Por que gritas?

    AGAVE

    Trago para o palcio um ramo de hera recm-cortado. um trofu de caa.

    CORO

    Vemo-lo e te acolhemos neste grupo.

    AGAVE

    Sem redes e sem armas apanhei este filhote de leo; olhai-o!

    CORO

    Dize-nos logo de onde ests chegando!

    AGAVE

    O Citron . . .

    CORO

    Por que nos falas dele?

    AGAVE

    . . . viu claramente quando ele morreu.

    1530

  • CORO

    Quem o feriu, causando a sua morte?

    AGAVE

    Coube-me a honra em primeiro lugar, a mim, a muito venturosa Agave (assim me chamam nos cortejos bquicos).

    CORO

    E a quem ela coube depois de ti?

    AGAVE

    A Cadmo . . .

    CORO

    A Cadmo? Mas, dize-me como?

    AGAVE

    s duas filhas do vivido Cadmo, mas antes delas eu feri a presa . . . Bela caada! Festejai tambm!

    CORO

    Como