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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA
PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE SANTO ANTÔNIO DO
DESCOBERTO-GO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS e o
MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS DO
ESTADO DE GOIÁS, pelos representantes signatários, vêm perante Vossa Excelência, com
fundamento nos permissivos inscritos nos artigos 127, caput, e 129, inciso II, ambos da
Constituição da República; no artigo 27, inciso I, da Lei nº 8.625/93; no artigo 46, inciso IV,
da Lei Complementar nº 25/98; e no inciso IV do artigo 1º, além dos artigos 3º e 5º, inciso I,
da Lei nº 7.347/85 propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE ATO
ADMINISTRATIVO E IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER
COM PEDIDO LIMINAR DE TUTELA DE URGÊNCIA
em face de
ESTADO DE GOIÁS, pessoa jurídica de direito público interno, com
endereço na Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, n° 26, Centro, Goiânia-
Goiás, CEP: 74.003-010, representado pelo Procurador-Geral do Estado,
Sr. Eduardo Felipe Tocantins, domiciliado na Praça Dr. Pedro Ludovico
Teixeira, nº 03, Centro, Goiânia-GO;
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RAQUEL FIGUEIREDO ALESSANDRI TEIXEIRA, SECRETÁRIA
DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, CULTURA E ESPORTE DE GOIÁS -
SEDUCE, brasileira, casada, professora, filha de Clovis Figueiredo e
Maria Antonieta Alessandri, nascida em 24/11/1946, CPF 101693421-15,
com domicílio profissional na Avenida Anhanguera, nº 7171, Setor Oeste,
Goiânia-GO,
em razão dos fatos e fundamentos a seguir expostos.
I - DOS FATOS
O Estado de Goiás, valendo-se da competência prevista no artigo 25, § 1º,
da Constituição Federal, editou a Lei 15.503/05, que dispõe sobre a qualificação de
entidades como organizações sociais estaduais, disciplina o procedimento de chamamento e
seleção públicos e dá outras providências.
Por intermédio dessa lei, o Estado de Goiás além de disciplinar a
qualificação de entidades privadas como organizações sociais, disciplinou uma forma de
parceria do poder público com a iniciativa privada, a ser efetivada por meio de contratos de
gestão, no âmbito da prestação de serviços públicos não exclusivos do Estado, como a
educação (artigo 2º da Lei 15.503/2005).
Fundado no referido diploma legal, delineou-se o projeto de
compartilhamento da gestão pedagógica, administrativa e estrutural de escolas públicas
estaduais para organizações sociais que estão sendo selecionadas por meio de editais de
chamamento público, para atuação em diversos municípios goianos.
No ano de 2016, foi publicado o Edital de Chamamento nº 01/2016,
destinado a transferir “a parceiro privado o gerenciamento, a operacionalização e a execução das
atividades administrativas, de apoio para implantação e implementação de políticas pedagógicas,
definidas pela SEDUCE, nas Unidades Educacionais da Rede Pública Estadual de Ensino,
Macrorregião IV – Anápolis”.
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Após a expedição da anexa recomendação conjunta, firmada por
representantes do Ministério Público de Goiás, Ministério Público de Contas de Goiás e
Ministério Público Federal, contendo, dentre outros, questionamentos sobre a
constitucionalidade da medida, o Estado de Goiás, no exercício da autotutela, revogou o ato
público.
Contudo, no mesmo ano, foi publicado o Edital de Chamamento nº
03/2016, com idêntico objeto, atualmente suspenso, por força de decisão liminar proferida
no bojo da ação civil pública nº 201603610957, proposta pelo Ministério Público do Estado
de Goiás, na 6ª Vara Cível da Comarca de Anápolis, Goiás. Cabe anotar que, em desfavor da
referida decisão, o Estado de Goiás ajuizou recurso de agravo de instrumento, ao qual foi
negado efeito suspensivo, decisão esta mantida em sede de agravo interno (IC n.
201700328219, fls. 166/183).
No dia 17 de julho de 2017, o Estado de Goiás publicou o Aviso de
Chamamento Público nº 01/2017, também destinado a transferir, para organizações sociais,
“o gerenciamento, a operacionalização e a execução das atividades administrativas, de apoio, para
a implantação e implementação de políticas pedagógicas, definidas pela SEDUCE, nas unidades
educacionais da rede pública estadual de ensino da Macrorregião VIII - Águas Lindas/Planaltina”,
incidindo sobre 11 (onze) escolas e 10.344 (dez mil, trezentos e quarenta e quatro alunos).
Tendo em conta que o referido aviso, na essência, mantém o mesmo
conteúdo dos antecedentes e que as poucas alterações promovidas pela SEDUCE não
supriram as irregularidades anteriormente constatadas, o Ministério Público do Estado de
Goiás, o Ministério Público Federal e o Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de
Contas do Estado de Goiás expediram nova recomendação conjunta, datada de 27/07/2017,
para que o ato público fosse anulado, no exercício da autotutela.
Desatendidos os termos da recomendação conjunta, imperioso o
ajuizamento da presente ação civil pública.
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II - DO DIREITO
A) DA LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A Carta Magna definiu o Ministério Público como instituição permanente,
essencial a função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127, CF).
Para esse escopo, foram estabelecidas, no artigo 129, suas funções institucionais:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (…)
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias à sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos; (…).
Na mesma esteira, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei nº
8.625, de 12 de fevereiro de 1993 – estabelece:
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei
Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público(...)
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio
ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico e a outros interesses difusos, coletivos e individuais
indisponíveis e homogêneos. (…)
b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio
público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas
administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que
participem; (...)
5
A Lei Complementar Estadual nº 25/98 – Lei Orgânica do Ministério
Público do Estado de Goiás – em seu artigo 46, também determina:
Art. 46. Além das funções previstas na Constituição Federal, na Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público, na Constituição Estadual e em outras leis,
incumbe, ainda, ao Ministério Público: (…).
IV – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados na Constituição Federal e em outras leis,
promovendo as medidas judiciais e administrativas necessárias à sua garantia;
(…).
VI - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei, para:
a) proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis
e homogêneos (…).
b) anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público
ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas
administrações direta, indireta ou fundacionais ou de entidades privadas de que
participem; (…).
A Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública
de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos
de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, modificada pela Lei 8.078/90,
estabelece:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as
ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação
dada pela Lei nº 12.529, de 2011).
I - ao meio-ambiente;
II - ao consumidor;
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III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. (Incluído pela Lei nº 8.078
de 1990)
V - por infração da ordem econômica; (Redação dada pela Leu nº 12.529, de
2011).
VI - à ordem urbanística. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001).
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
(Redação dada pela Lei n.º 11.448, de 2007)
I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei n.º 11.448, de 2007) […].
Em laudável preleção, Mazzill esclarece sobre o tema que:
“Com o advento do CDC, ficou estabelecido que, para a defesa dos direitos e
interesses protegidos por este Código, são admissíveis todas as espécies de ações
capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.
Assim, hoje, por força da remissão contida no art.21 da Lei n. 7.347/85, passaram
a caber quaisquer espécies de ações ou pedidos em defesa de interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos (…)
Cabem ações civis públicas condenatórias, cautelares, de execução por títulos
extrajudiciais, meramente declaratórias, constitutivos ou as chamadas
mandamentais. Como exemplos, afigure-se a necessidade de reparar ou impedir
um dano (ação condenatória ou cautelar satisfativa), ou declarar nulo (ação
declaratória) ou anular (ação constitutiva negativa) um ato lesivo ao patrimônio
público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente ou ao patrimônio
cultural”. (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo:
meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros
interesses. 25 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 267/268).
Os diplomas normativos ora mencionados, especialmente a Constituição
Federal, evidenciam a atribuição do Ministério Público para o exercício da ação civil pública
e assentam a adequação dessa via para a defesa de interesses difusos e coletivos, dentre estes
7
o direito à educação, por se tratar de direito de todos, dever da família e do Estado (artigos
205 e 227, da Constituição Federal).
Demais disso, a educação é direito humano e social reconhecido pelo
artigo 26, da Declaração Universal dos Direito Humanos, de 10/12/1948, e pelo artigo 6º, da
CRFB.
No mesmo sentido, o ensino educacional de qualidade também é
assegurado à criança e ao adolescente com prioridade absoluta, conforme dispõem o Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9.394/96).
Ainda, segundo entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal:
“(...) cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como
dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público
investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ‘ad causam’, quando
o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em
segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo,
recomenda-se o abrigo estatal”. (RE 163.231, Plenário, Rel. Maurício Corrêa, DJ
29.06.01)
Logo, revela-se inquestionável a legitimidade do Ministério Público do
Estado de Goiás para figurar no polo ativo da presente ação civil pública.
B) DA INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO DISPOSTO NO ARTIGO 4º, V,
VII E VIII, E NO ARTIGO 8º, II, DA LEI ESTADUAL Nº 15.503/05. DA
INCONSTITUCIONALIDADE DO MODELO DE GESTÃO COMPARTILHADA NA
EDUCAÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS
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O artigo 4º, incisos V, VII e VIII, da Lei 15.503/05, que dispõe sobre a
qualificação de entidades como organizações sociais no Estado de Goiás, prevê que as
organizações sociais fixarão, por seu Conselho de Administração, a remuneração dos
membros de sua diretoria, a estrutura de seus cargos e, por meio de regulamento, o
plano de cargos, salários e benefícios de seus empregados, nos seguintes termos:
Art. 4° Para os fins de atendimento dos requisitos de qualificação, devem ser
atribuições privativas do Conselho de Administração, dentre outras: (...)
V – fixar a remuneração dos membros da diretoria, em valores compatíveis com
os de mercado onde, no Estado de Goiás, atua a organização social, desde que
não superiores ao teto estabelecido pelo art. 92, XII, da Constituição Estadual;
Redação dada pela Lei nº 19.495, de 18-11-2016. (..)
VII- aprovar o regimento interno da entidade, que deve dispor, no mínimo, sobre
a estrutura, forma de gerenciamento, os cargos e respectivas competências;
VIII – aprovar por maioria, no mínimo, de 2/3 (dois terços) de seus membros, o
regulamento próprio contendo os procedimentos que deve adotar para a
contratação de obras, serviços, compras, alienações e admissão de pessoal, bem
como o plano de cargos, benefícios e remuneração dos empregados da entidade,
que
não poderá ultrapassar o limite de 90% (noventa por cento) da maior
remuneração paga aos membros da diretoria”.
Em adição, o artigo 8º, II, do mesmo diploma legal, prevê que o contrato
de gestão celebrado entre a organização social e o Estado de Goiás estabelecerá limites e
critérios para as despesas com pessoal, nos seguintes termos:
Art. 8º. Na elaboração do Contrato de Gestão, devem ser observados os
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência,
economicidade e, também, os seguintes preceitos:
9
II – a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e
vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e
empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções, observado,
em relação aos membros da diretoria, o disposto no inciso V, do art. 4º, desta Lei,
sendo vedada a remuneração de empregados e diretores, estatutários ou não, por
meio de interposta pessoa jurídica.
É cediço que, no julgamento da ADI nº 1923/DF, que conferiu
interpretação conforme a Constituição à Lei nº 9.637/98, o Supremo Tribunal Federal
pronunciou-se sobre o marco legal das organizações sociais, admitindo a possibilidade de
compartilhamento da gestão para prestação dos serviços sociais, inclusive na área da
educação.
Na oportunidade, a Suprema Corte entendeu que, no modelo de gestão
compartilhada, as organizações sociais podem contratar pessoal sob regime celetista,
sendo inaplicável a exigência de concurso público, prevista no artigo 37, II, da
Constituição Federal. Vejamos:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. TERCEIRO SETOR. MARCO LEGAL DAS
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS. LEI Nº 9.637/98 E NOVA REDAÇÃO,
CONFERIDA PELA LEI Nº 9.648/98, AO ART. 24, XXIV, DA LEI Nº
8.666/93. MOLDURA CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO
ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO E SOCIAL. SERVIÇOS PÚBLICOS
SOCIAIS. SAÚDE (ART. 199, CAPUT), EDUCAÇÃO (ART. 209, CAPUT),
CULTURA (ART. 215), DESPORTO E LAZER (ART. 217), CIÊNCIA E
TECNOLOGIA (ART. 218) E MEIO AMBIENTE (ART. 225). ATIVIDADES
CUJA TITULARIDADE É COMPARTILHADA ENTRE O PODER PÚBLICO
E A SOCIEDADE. DISCIPLINA DE INSTRUMENTO DE COLABORAÇÃO
PÚBLICO-PRIVADA. INTERVENÇÃO INDIRETA. ATIVIDADE DE
FOMENTO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE RENÚNCIA AOS DEVERES
10
ESTATAIS DE AGIR. MARGEM DE CONFORMAÇÃO
CONSTITUCIONALMENTE ATRIBUÍDA AOS AGENTES POLÍTICOS
DEMOCRATICAMENTE ELEITOS. PRINCÍPIOS DA CONSENSUALIDADE
E DA PARTICIPAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 175,
CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO. EXTINÇÃO PONTUAL DE ENTIDADES
PÚBLICAS QUE APENAS CONCRETIZA O NOVO MODELO.
INDIFERENÇA DO FATOR TEMPORAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO
AO DEVER CONSTITUCIONAL DE LICITAÇÃO (CF, ART. 37, XXI).
PROCEDIMENTO DE QUALIFICAÇÃO QUE CONFIGURA HIPÓTESE DE
CREDENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DISCRICIONÁRIA QUE DEVE SER
SUBMETIDA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PUBLICIDADE,
MORALIDADE, EFICIÊNCIA E IMPESSOALIDADE, À LUZ DE
CRITÉRIOS OBJETIVOS (CF, ART. 37, CAPUT). INEXISTÊNCIA DE
PERMISSIVO À ARBITRARIEDADE. CONTRATO DE GESTÃO.
NATUREZA DE CONVÊNIO. CELEBRAÇÃO NECESSARIAMENTE
SUBMETIDA A PROCEDIMENTO OBJETIVO E IMPESSOAL.
CONSTITUCIONALIDADE DA DISPENSA DE LICITAÇÃO INSTITUÍDA
PELA NOVA REDAÇÃO DO ART. 24, XXIV, DA LEI DE LICITAÇÕES E
PELO ART. 12, §3º, DA LEI Nº 9.637/98. FUNÇÃO REGULATÓRIA DA
LICITAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE,
DA PUBLICIDADE, DA EFICIÊNCIA E DA MOTIVAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE DE EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO PARA OS
CONTRATOS CELEBRADOS PELAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS COM
TERCEIROS. OBSERVÂNCIA DO NÚCLEO ESSENCIAL DOS PRINCÍPIOS
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (CF, ART. 37, CAPUT).
REGULAMENTO PRÓPRIO PARA CONTRATAÇÕES. INEXISTÊNCIA
DE DEVER DE REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO PARA
CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA IMPESSOALIDADE, ATRAVÉS DE
PROCEDIMENTO OBJETIVO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS
DIREITOS CONSTITUCIONAIS DOS SERVIDORES PÚBLICOS
CEDIDOS. PRESERVAÇÃO DO REGIME REMUNERATÓRIO DA
11
ORIGEM. AUSÊNCIA DE SUBMISSÃO AO PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE PARA O PAGAMENTO DE VERBAS, POR ENTIDADE
PRIVADA, A SERVIDORES. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 37, X, E
169, §1º, DA CONSTITUIÇÃO. CONTROLES PELO TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRESERVAÇÃO DO
ÂMBITO CONSTITUCIONALMENTE DEFINIDO PARA O EXERCÍCIO DO
CONTROLE EXTERNO (CF, ARTS. 70, 71, 74 E 127 E SEGUINTES).
INTERFERÊNCIA ESTATAL EM ASSOCIAÇÕES E FUNDAÇÕES
PRIVADAS (CF, ART. 5º, XVII E XVIII). CONDICIONAMENTO À ADESÃO
VOLUNTÁRIA DA ENTIDADE PRIVADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA
À CONSTITUIÇÃO. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE
PROCEDENTE PARA CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME
AOS DIPLOMAS IMPUGNADOS. (grifo nosso)
(ADI 1923, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-254 DIVULG 16-12-2015 PUBLIC 17-12-2015)
Assim fazendo, o referido acórdão deu tratamento similar à contratação de
pessoal para prestar os serviços públicos de saúde, educação, cultura, desporto, lazer,
ciência, tecnologia e meio ambiente, deixando de atentar para e de debater o fato de que, por
força do disposto no artigo 206, inciso V, da Carta Magna, com a redação dada pela EC
Nº 53/2006, os profissionais da educação escolar (professores, diretores, orientadores
pedagógicos etc) da rede pública de ensino devem ingressar exclusivamente por
concurso público.
É ver:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...)
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da
lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de
12
provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006)
É que, na ocasião da propositura da ADI 1923, a EC n.º 53/2006 ainda não
havia sido editada. Ademais, mesmo a ação tendo sido julgada em 2015, o STF não utilizou
como parâmetro na citada decisão a redação do artigo 206, V, da Constituição Federal,
com as alterações trazidas pela EC nº 53/06, não havendo menção nem sequer em obiter
dictum a esses novos preceitos da Constituição.
Amparado equivocadamente na decisão da Corte Maior, o Estado de
Goiás construiu, na área da educação, um modelo de gestão compartilhada que permite às
organizações sociais contratar, por meio de processo seletivo e do regime jurídico da
CLT, até 100% de todo o quadro de professores e servidores da unidade escolar por
ela gerida.
É o que se extrai do item 2.21, da minuta de contrato de gestão publicada
com o Aviso de Chamamento Público nº 01/2017:
CLÁUSULA SEGUNDA – DAS OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADES
DO PARCEIRO PRIVADO. (...)
2.21. Contratar, por meio de processo seletivo, sobre regime da CLT,
profissionais técnicos e administrativos em quantidade necessária e condizente
com o adequado cumprimento das atividades e dos serviços inerentes ao objeto
dessa parceria;
Ocorre que o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no
pertinente à constitucionalidade da contratação de pessoal pelo regime celetista, com o
devido respeito, não se aplica aos profissionais da educação escolar. É que ao tratar da
constitucionalidade da contratação de pessoal pelo regime celetista por parte das OSs, o
Supremo Tribunal Federal não desceu a detalhes com relação especificamente à educação
13
pública, tendo deixado de analisar e considerar que o regime celetista, por expressa
disposição constitucional,, não se aplica aos profissionais da educação escolar, que devem
ser admitidos de forma exclusiva por meio de concurso público. Mais ainda, o modelo
delineado pelo Estado de Goiás padece de inconstitucionalidade, pelos motivos a seguir
aduzidos.
B.1) Do não acolhimento da teoria da transcendência dos motivos determinantes pelo
Supremo Tribunal Federal
Nos termos do artigo 102, § 2º, da Constituição Federal, as decisões de
mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade
e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito
vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Diante disso, é pacífico que, no plano subjetivo, as decisões proferidas em
sede de ADI e ADC operam efeito erga omnes, oponível a todos.
Contrariamente, divergências surgem quanto ao alcance, no plano
objetivo, dos efeitos das decisões proferidas no controle abstrato de constitucionalidade.
Nesse ponto, duas correntes se delineiam. A teoria restritiva defende que somente o
dispositivo da decisão possui efeito vinculante e contra todos, ao passo que a teoria
extensiva ou teoria da transcendência dos motivos determinantes consigna que os
fundamentos determinantes da decisão também produzem os referidos efeitos.
14
Apesar de o Supremo Tribunal Federal já ter manifestado apreço pela
teoria da transcendência dos motivos determinantes, atualmente, pacificou o entendimento
no sentido de que ela não pode ser acolhida.
Com efeito, a Corte Maior acolhe a teoria restritiva e entende que
somente o dispositivo da decisão proferida no controle abstrato de constitucionalidade
produz efeito vinculante e contra todos, mas não os motivos invocados na fundamentação
do acórdão.
Diante disso, forçoso é convir que a semelhança entre os dispositivos da
Lei Estadual n. 15.503/2005 e os dispositivos da Lei Federal n. 9.637/1998, analisados na
ADI 1.923/DF, não impede seja questionada a constitucionalidade da norma estadual, nos
controles abstrato e difuso de constitucionalidade, nem tampouco vincula o Poder
Judiciário local.
Nesse sentido, seguem reiterados julgados do Supremo Tribunal Federal:
DECISÃO RECLAMAÇÃO. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DOS
MUNICÍPIOS DO CEARÁ QUE IMPUTA DÉBITO A EX-PREFEITO.
ALEGADA INCOMPETÊNCIA. INOBSERVÂNCIA DOS FUNDAMENTOS
DETERMINANTES ADOTADOS NO JULGAMENTO DAS AÇÕES
DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 3.715/TO, 1.779/PE e
849/MT. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL. RECLAMAÇÃO À
QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório (…) 4. A reclamação é instrumento
constitucional processual posto no sistema como dupla garantia formal da
jurisdição: primeiro, para o jurisdicionado que tenha recebido resposta a pleito
formulado judicialmente e que vê a decisão proferida afrontada, fragilizada e
despojada de seu vigor e de sua eficácia; segundo, para o Supremo Tribunal
Federal (art. 102, inc. I, alínea l, da Constituição da República) ou para o
Superior Tribunal de Justiça (art. 105, inc. I, alínea f, da Constituição), que
15
podem ter as suas respectivas competências enfrentadas e menosprezadas por
outros órgãos do Poder Judiciário e a autoridade de suas decisões mitigada diante
de atos reclamados. Busca-se, por ela, fazer com que a prestação jurisdicional
mantenha-se dotada de seu vigor jurídico próprio ou que o órgão judicial de
instância superior tenha a sua competência resguardada. Ela não se presta a
antecipar julgados, a atalhar julgamentos, a fazer sucumbir decisões sem que se
atenha à legislação processual específica qualquer discussão ou litígio a ser
solucionado juridicamente. É inegável a dificuldade que se põe, relativamente ao
cabimento da reclamação, quando se alega descumprimento de decisão proferida
em controle abstrato de constitucionalidade. A decisão judicial proferida em
controle difuso de constitucionalidade tem seus efeitos restritos às partes que
compõem a relação processual, pois somente em relação a elas a decisão torna-se
vinculante. O respeito à autoridade do julgado e à segurança jurídica dele
decorrente apenas pode ser exigido por aqueles que participaram do caso
concreto levado ao cuidado do Poder Judiciário. Isso não ocorre, no entanto,
quando a decisão é exarada em ação de controle concentrado de
constitucionalidade, pois a eficácia de que se revestem essas decisões atinge a
todos. Por isso, todos têm interesse jurídico legítimo em pretender a tutela judicial
que assegure o respeito à autoridade das decisões proferidas em controle abstrato
de constitucionalidade. Entretanto, o sistema brasileiro admite exclusivamente o
controle de constitucionalidade de leis ou normas específicas, não se aceitando
declaração de inconstitucionalidade de matéria ou tema. Daí porque não seria
correto concluir que a existência de julgado constitucional proferido em
ação de controle abstrato permita o uso da reclamação para se obter decisão
judicial em caso baseado em norma jurídica diversa, ainda que contemple
matéria análoga. O Reclamante aponta como paradigma as Ações Diretas de
Inconstitucionalidade 3.715/TO, 1.779/PE e 849/MT. Este Supremo Tribunal
deferiu, em 24.5.2006, a medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade
n. 3.715/TO para suspender a eficácia de dispositivos da Constituição do Estado
do Tocantins, com alteração da Emenda Constitucional n. 16/2006, que
“criava[m] a possibilidade de recurso, dotado de efeito suspensivo, para o
Plenário da Assembleia Legislativa, das decisões tomadas pelo Tribunal de
16
Contas do Estado com base em sua competência de julgamento de contas (...) e
atribu[íam] à Assembleia Legislativa a competência para sustar não apenas os
contratos, mas também as licitações e eventuais casos de dispensa e
inexigibilidade de licitação (art. 19, inciso XXVIII).” Foram fundamentos do
acórdão: “3. A Constituição Federal é clara ao determinar, em seu art. 75, que as
normas constitucionais que conformam o modelo federal de organização do
Tribunal de Contas da União são de observância compulsória pelas Constituições
dos Estados-membros. Precedentes. 4. No âmbito das competências
institucionais do Tribunal de Contas, o Supremo Tribunal Federal tem
reconhecido a clara distinção entre: 1) a competência para apreciar e emitir
parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder
Executivo, especificada no art. 71, inciso I, CF/88; 2) e a competência para julgar
as contas dos demais administradores e responsáveis, definida no art. 71, inciso
II, CF/88. Precedentes. 5. Na segunda hipótese, o exercício da competência de
julgamento pelo Tribunal de Contas não fica subordinado ao crivo posterior do
Poder Legislativo. Precedentes. 6. A Constituição Federal dispõe que apenas no
caso de contratos o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso
Nacional (art. 71, § 1º, CF/88)” (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 25.8.2006, grifos
nossos). Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.779/PE, o Supremo
Tribunal Federal declarou inconstitucionais os inc. VI e VII do art. 14 da
Constituição do Estado de Pernambuco assim como expressões contidas no inc.
III do § 1º e no § 2º do seu art. 86, que atribuíam competência exclusiva à
Assembleia Legislativa para julgar as contas do Poder Legislativo, do Tribunal
de Contas, do Tribunal de Justiça e das Mesas Diretoras das Câmaras
Municipais, afastando, assim, a competência dos Tribunais de Contas dos
Estados, em confronto com o art. 71, inc. I, da Constituição da República (Rel.
Min. Ilmar Galvão, DJ 14.9.2001). Em 11.2.1999, este Supremo Tribunal julgou
procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 849/MT para declarar a
inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 1/1991 do Estado de Mato
Grosso, que subtraía dos Tribunais de Contas dos Estados a competência para
julgar as contas da Mesa da Assembleia Legislativa. Nesse julgamento, o
Supremo Tribunal Federal assentou que, em razão do que dispõem os inc. I e II
17
do art. 71 da Constituição da República, “compete aos Tribunais de Contas dos
Estados apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas do Chefe do Poder
Executivo, a serem julgadas pelo Legislativo e (...) julgar as contas dos demais
administradores e responsáveis, entre eles, os dos órgãos do Poder Legislativo e
do Poder Judiciário” (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 23.4.1999). Na espécie
vertente, o Reclamante questiona as decisões proferidas no processo n.
9.627/2001 (Acórdãos n. 3.295/2009 e 6.324/2009) pelo Tribunal de Contas dos
Município do Ceará, que imputou a ele o débito de R$ 12.769,20 (doze mil
setecentos e sessenta e nove reais e vinte centavos). As leis objeto das Ações
Diretas de Inconstitucionalidade n. 3.715/TO, 1.779/PE e 849/MT não foram,
por óbvio, analisadas nos processos que tramitaram no Tribunal de Contas dos
Municípios do Ceará referentes às contas do ora Reclamante. Não há relação
entre os acórdãos tomados como paradigma e as decisões reclamadas,
patenteando-se, então, a ausência de atendimento aos requisitos constitucionais
da reclamação (art. 102, inc. I, alínea l, da Constituição da República). Oportuna
a transcrição de trecho da decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello na
Reclamação n. 4.003/RJ: “A jurisprudência desta Suprema Corte, para quem a
reclamação - quando promovida com o objetivo de fazer restaurar o ‘imperium’
inerente aos julgamentos emanados deste Tribunal - há de referir-se a situação
idêntica àquela que motivou a formulação do ato decisório invocado como
paradigma, sob pena de subverter-se a própria destinação constitucional do
instrumento reclamatório: ‘(...) Inexistindo identidade ou mesmo similitude de
objetos entre o ato impugnado e a decisão tomada por esta Corte (...), não há
falar em violação à autoridade desta, sendo incabível o uso da reclamação.’ (Rcl
1.852-AgR/RN, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - grifei) Impende enfatizar,
finalmente, considerada a estrita vocação a que se acha constitucionalmente
vinculado o instrumento da reclamação (RTJ 134/1033, v.g.), que tal remédio
constitucional não pode ser utilizado como um (inadmissível) atalho processual
destinado a permitir, por razões de caráter meramente pragmático, a submissão
imediata do litígio ao exame direto desta Suprema Corte. Torna-se evidente, pois,
presentes tais considerações, a inadequação do meio processual ora utilizado. É
que, como referido, a reclamação não se qualifica como sucedâneo recursal nem
18
configura instrumento viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado,
eis que tal finalidade revela-se estranha à destinação constitucional subjacente à
instituição dessa medida processual, consoante adverte a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal” (decisão monocrática, DJ 4.4.2006, grifos nossos). 5.
O que pretende o Reclamante é valer-se desse instituto para exigir respeito aos
fundamentos determinantes externados pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 3.715/TO, 1.779/PE e
849/MT, que não teriam sido observados pela autoridade reclamada. No entanto,
a questão referente à aplicação da teoria dos motivos determinantes não
está consolidada neste Supremo Tribunal, sendo exemplo disso: Rcl 2.475-
AgR/MG, Redator para o acórdão o Ministro Marco Aurélio, Plenário, DJe
31.1.2008; Rcl 5.365-MC/SC, Rel. Min. Ayres Britto, decisão monocrática,
DJ 15.8.2007; Rcl 5.087-MC/SE, Rel. Min. Ayres Britto, decisão monocrática,
DJ 18.5.2007; e Rcl 3.014/SP, Rel. Min. Ayres Britto, DJe 21.5.2010. 6. De se
registrar que, ao examinar casos análogos ao presente, nos quais se alegava
descumprimento das decisões proferidas nas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade n. 849/MT, 1.779/PE e 3715/TO por parte dos Tribunais de
Contas dos Municípios, os Ministros deste Supremo Tribunal negaram
seguimento às Reclamações. Nesse sentido, são precedentes as seguintes
decisões monocráticas: Rcl 10.550/CE, Rel. Min. Dias Toffolli, DJe
18.10.2010; Rcl 10.538/CE, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 30.9.2010; Rcl
10.547/CE, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 30.9.2010; Rcl 10.496/CE, Rel. Min.
Ellen Gracie, DJe 30.9.2010; Rcl 10.533/PB, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe
29.9.2010 e Rcl 10.499/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 27.9.2010. 7. Pelo
exposto, nego seguimento à presente reclamação, ficando prejudicado, por
óbvio, o pedido de medida liminar (art. 38 da Lei n. 8.038/1990 e art. 21, § 1°,
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 4 de
abril de 2011. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora (Rcl 11479,
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 04/04/2011, publicado em
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-072 DIVULG 14/04/2011 PUBLIC
15/04/2011)
19
AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. SUPRESSÃO PELA FIOCRUZ
DE ADICIONAL DE INSALUBRIDADE SEM OBSERVÂNCIA DO
CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO DA SÚMULA
VINCULANTE 3. NÃO OCORRÊNCIA. APLICABILIDADE DA TEORIA
DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES
REJEITADA PELO SUPREMO. AGRAVO DESPROVIDO. I – Só é possível
verificar se houve ou não descumprimento da Súmula Vinculante 3 nos
processos em curso no Tribunal de Contas da União, uma vez que o enunciado,
com força vinculante, apenas àquela Corte se dirige. II – Este Supremo
Tribunal, por ocasião do julgamento da Rcl 3.014/SP, Rel. Min. Ayres Britto,
rejeitou a aplicação da chamada “teoria da transcendência dos motivos
determinantes”. III – Agravo a que se nega provimento. (Rcl
9778 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno,
julgado em 26/10/2011, DJe-215 DIVULG 10-11-2011 PUBLIC 11-11- 2011
EMENT VOL-02624-01 PP-00019)
RECLAMAÇÃO. A reclamação pressupõe a usurpação da competência do
Supremo ou o desrespeito a decisão proferida. Descabe emprestar-lhe contornos
próprios ao incidente de uniformização, o que ocorreria caso admitida a teoria
da transcendência dos motivos determinantes. Precedente: Reclamação
nº3.014/SP, Pleno, relator ministro Ayres Britto, acórdão publicado no Diário da
Justiça eletrônico de 21 de maio de 2010. (Rcl
11478 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em
05/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-121 DIVULG 20-06- 2012
PUBLIC 21-06-2012).
Dessarte, se a própria Corte Maior afastou a aplicabilidade da teoria dos
motivos determinantes, evidente que o acórdão proferido na ADI 1.923/DF, que analisou
os dispositivos da Lei Federal n. 9637/1998, não impede que a constitucionalidade de
dispositivos da Lei Estadual n. 15.503/2005 seja ora questionada.
20
Além disso, se a própria Suprema Corte não admite a vinculação dos
motivos determinantes para fins de reclamação, evidente que cada norma, por mais
semelhante que seja a dispositivo já apreciado no controle abstrato, precisa ter sua
constitucionalidade individualmente analisada, o que certamente não se justifica por mera
formalidade, mas sim pela necessidade de o Poder Judiciário se debruçar sobre as
individualidades de cada caso, com total liberdade de convencimento.
B.2) Da aplicabilidade da teoria do distinguishing.
Em adição, afigura-se aplicável ao caso a teoria do distinguishing.
Dissertando sobre o tema, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael
Oliveira bem elucidam:
Nos casos em que o magistrado está vinculado a precedentes judiciais, a sua
primeira atitude é verificar se o caso em julgamento guarda alguma semelhança
com o (s) precedente (s). Para tanto, deve valer-se de um método de comparação:
à luz de um caso concreto, o magistrado deve analisar os elementos objetivos da
demanda, confrontando-os com os elementos caracterizadores de demandas
anteriores. Se houver aproximação, deve então dar um segundo passo, analisando
a ratio decidendi (tese jurídica) firmada nas decisões proferidas nessas demandas
anteriores.
Fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso
concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre
os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi
(tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma
aproximação entre eles, algumas peculiaridades no caso em julgamento afastam
a aplicação do precedente. (…)
(...) Notando, pois, o magistrado que há distinção (distinguishing) entre o caso
sub judice e aquele que ensejou o precedente, pode seguir um desses caminhos:
21
(i) dar à ratio decidendi uma interpretação restritiva, por entender que
peculiaridades do caso concreto impedem a aplicação da mesma tese jurídica
outrora firmada (restrictive distinguishing), caso em que julgará o processo
livremente, sem vinculação ao precedente; (ii) ou estender ao caso a mesma
solução conferida aos casos anteriores, por entender que, a despeito das
peculiaridades concretas, aquela tese jurídica lhe é aplicável (ampliative
distinguishing). 1
O Superior Tribunal de Justiça é receptivo à referida teoria. Vide a
jurisprudência:
“(...) 5. Assim, necessário se faz a técnica hermenêutica do distinguishing para
concluir pela inaplicabilidade do precedente consubstanciado no recurso
especial nº 1.159.189/RS, pois os fundamentos fáticos ali destacados, que foram
reconhecidos pelo Tribunal a quo, não estão presentes no acórdão ora recorrido.
6. Agravo regimental não provido”.
STJ, AARESP 201202262460, MAURO CAMPBELL MARQUES -
SEGUNDA TURMA, DJE DATA:13/05/2013.
Não bastasse, a aplicabilidade da teoria do distinguishig no Direito
Brasileiro encontra amparo, a contrario sensu, no artigo 489, VI, do Novo Código de
Processo Civil, in verbis:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...)
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente
invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento.
1 DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno & OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil:
teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos
da tutela. 4ª ed.,v. 2, Salvador: Juspodivm, 2009, pp. 392/393
22
Dessarte, consoante a teoria do distinguishing, reconhecida pela própria
legislação processual civil, mesmo nos casos em que o magistrado está vinculado a
precedentes judiciais, antes de proferir a sua decisão, ele deve analisar não apenas
eventual distinção/semelhança fática entre o caso em julgamento e o caso apreciado no
precedente, mas também a tese jurídica (ratio decidendi) firmada na decisão paradigma e
aquela suscitada no novo caso.
Logo, o trânsito em julgado do acórdão proferido na ADI 1.923/DF não
impede a discussão que se propõe.
Nesse ponto, mister frisar que não se nega semelhança entre os
dispositivos da Lei Federal nº 9.637/1998 e aqueles da Lei Estadual nº 15.503/2005 cuja
constitucionalidade ora se questiona.
O que se defende é a evidente distinção entre a ratio decidendi da ADI
1.923/DF e o fundamento que se pretende levar ao Poder Judiciário, consubstanciado no
206, V, da Constituição Federal, reproduzido pelo artigo 156, § 1º, V, da Constituição
Estadual, que veda a contratação dos profissionais da educação básica da rede pública de
ensino sem concurso público.
Com efeito, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter firmado
entendimento no sentido de que as organizações sociais, na gestão compartilhada dos
serviços sociais, podem contratar sob o regime celetista (ADI nº 1923/DF), o fez
analisando apenas a incidência do artigo 37, II, da Constituição Federal, aplicável ao
serviço público de forma geral.
Todavia, por força do disposto no artigo 206, V, da Constituição Federal
(reproduzido pelo artigo 156, § 1º, V, da Constituição Estadual), na rede pública estadual
de ensino, os professores, diretores, orientadores pedagógicos e todos os que se
23
enquadram na categoria de profissionais da educação escolar, conforme definição do artigo
61, da Lei nº 9.394/96 (LDB), devem, necessariamente, ser admitidos por concurso público
a ser realizado pelo Estado de Goiás, sendo incabível que sejam contratados pelas OSs,
sob o regime celetista.
Se o previsto no referido dispositivo constitucional não serviu de
fundamento no paradigma analisado pela Corte Maior, evidente que a aplicação da teoria do
distinguishig é cabível e necessária no presente caso.
Ademais, como o artigo 206, VIII, da Constituição Federal (reproduzido
pelo artigo 156, § 1º, IX, da Constituição do Estado de Goiás) dispõe que os profissionais
da educação escolar pública devem ser remunerados com base no piso salarial nacional,
regulamentado em lei federal, naturalmente não pode ser delegada ao conselho de
administração das OSs a fixação da remuneração dos profissionais contratados, “em
valores compatíveis com o de mercado”, nem tampouco ao contrato de gestão a previsão
dos “critérios para despesas com pessoal”.
Outrossim, tanto a exigência do concurso público, quanto a garantia do
plano de carreira e piso salarial nacional previstos em lei se referem apenas aos
profissionais da educação escolar pública, não atingindo os demais profissionais que
trabalham na unidade escolar.
Imperioso, pois, seja dada interpretação conforme a Constituição do
disposto nos artigos 4º, incisos V, VII e VIII e 8º, II, da Lei Estadual nº 15.503/05, para o
fim de se excluir a possibilidade de contratação pelas OSs, sob o regime celetista, dos
profissionais da educação escolar da rede pública, tendo em vista a incidência de norma
constitucional (federal e estadual) específica, que exige concurso público para a
contratação destes profissionais, garantindo-lhes ainda o piso salarial nacional e o plano de
24
carreira previstos em lei, conforme os artigos 206, V e VIII, da Constituição Federal e
156,, § 1º, V e IX, da Constituição do Estado de Goiás.
C) DA VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
Um dos pilares da Emenda à Constituição Federal n.º 53, de 19 de dezembro
de 2006, como visto, é a valorização dos profissionais da educação escolar.
Ademais, a EC n.º 53/2006 determinou que a contribuição social do salário-
educação é fonte adicional de financiamento da educação básica pública (CF, art. 212, § 5º) e
criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação - FUNDEB (ADCT-CF/88, art. 60).
Soma-se a isso a regra claramente traçada na meta 18.1 do Plano Nacional de
Educação, estabelecido pela Lei Federal n.º 13.005/14: “Estruturar as redes públicas de
Educação Básica de modo que, até o início do terceiro ano de vigência deste PNE, 90%
(noventa por cento), no mínimo, dos respectivos profissionais do magistério e 50%
(cinquenta por cento), no mínimo, dos respectivos profissionais de Educação não docentes
sejam ocupantes de cargos de provimento efetivo e estejam em exercício nas redes
escolares a que se encontrem vinculados (grifo nosso)”.
Por sua vez, e de forma ainda mais restritiva, o Plano Estadual de Educação
do Estado de Goiás aprovado pela Lei Estadual n. 18.969/15 prevê que uma das metas do
Estado de Goiás para a educação consiste em “estruturar as redes de Educação Básica de modo
que, até o início do 5º (quinto) ano de vigência deste Plano, 90% (noventa por cento), no mínimo,
dos respectivos profissionais do magistério e 70% (setenta por cento), no mínimo, dos respectivos
profissionais da educação não docentes, sejam ocupantes de cargos de provimento efetivo na rede
pública e estejam em exercício nas redes escolares a que se encontrem vinculados” (estratégia
19.1).
25
Portanto, de acordo com o Plano Nacional de Educação, até o início de 2017,
90%, no mínimo, dos profissionais do magistério e 50%, no mínimo, dos profissionais não
docentes deveriam ser ocupantes de cargos efetivos, acessíveis mediante concurso público.
Causa espécie o governo do Estado de Goiás propor parcerias com as
organizações sociais na educação básica, sem qualquer limite à contratação de pessoal pelo
regime celetista, em evidente afronta tanto ao art. 206, V, da Constituição Federal
(reproduzido pelo art. 156, § 1º, V, da Constituição Estadual), que exige acesso exclusivo por
concurso público aos profissionais da educação escolar, quanto violação dos Planos Nacional
e Estadual de Educação, colocando-se na contramão do que dispõem referidas leis,
amplamente debatidas em conferências municipais, estaduais e nacional de educação, bem
como pelos parlamentares federais e estaduais.
Todavia, contrariando referidas disposições constitucionais e legais, no
mencionado despacho n.º 596/2015, o Governador do Estado de Goiás deixou muito claro
que o preenchimento dos cargos vagos no magistério público estadual é muito dispendioso,
razão pela qual a transferência da gestão das escolas públicas para organizações sociais
atenderia à economicidade.
No mesmo documento o Governador aduziu que “o aumento do gasto por
aluno ou por professor não tem tido presentemente efeito direto nas notas das escolas no
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), fator este que reputo como
relevante para a adoção da presente política pública de emparceiramento”.
Ressalte-se que o Aviso de Chamamento Público n.º 01/2017 não prevê o
percentual máximo de professores e de servidores administrativos que poderão ser
contratados, sob regime celetista, nas escolas a serem geridas por OSs, ficando ao talante da
organização social valer-se de 0% a 100% desses servidores. Ademais, em seu anexo V
consta expressamente que “os salários dos professores regidos pela CLT deverão ficar em
26
patamares próximos aos do piso nacional”, o que demonstra, a contrario sensu, que não há
qualquer garantia de que estes profissionais serão adequadamente remunerados, pois poderão
receber menos que o piso nacional. Além disso, propor a inauguração de um novo modelo de
gestão e concomitantemente dispor que os salários dos professores regidos pela CLT deverão
ficar em patamares próximos aos do piso nacional seria, realmente, uma forma de atender ao
mandamento constitucional da valorização do professor? Parece evidente que a resposta é
negativa.
Como se vê, o legislador constituinte derivado pretende melhorar a educação
por meio da valorização dos profissionais, contemplando o ingresso exclusivamente por
meio de concurso público, elaborando planos de carreira, estabelecendo piso salarial e
incrementando fontes para custear uma real melhoria remuneratória para os professores da
rede pública de ensino.
Entretanto, o Estado de Goiás pretende melhorar a educação pública estadual
ao arrepio da vontade do legislador constituinte derivado, bem como dos legisladores federal
e estadual, porquanto reputa muito dispendioso realizar concursos públicos para professores
efetivos, bem como deixa às escâncaras que a melhoria salarial de professores não produz
resultados. Destarte, permite que até 100% dos professores e servidores administrativos das
escolas geridas por OSs sejam empregados privados.
Enfim, o caminho escolhido pelo Chefe do Poder Executivo estadual conflita
com a Emenda Constitucional n.º 53/2006, bem como com os Planos Nacional e Estadual de
Educação, e por isso não merece prosperar.
D) DA OBRIGATORIEDADE DA PRESTAÇÃO DIRETA PELO ESTADO DE
SERVIÇO EDUCACIONAL. VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ARTIGO 205, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DOS LIMITES DA GESTÃO COMPARTILHADA
27
Os artigos 205 e 211, da Constituição Federal, estabelecem:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em
regime de colaboração seus sistemas de ensino.
De outra parte, os artigos 2º e 3º, da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional) preceituam que:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...)
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação
dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade; (...)
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante
a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, organizada da seguinte forma: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
a) pré-escola; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
b) ensino fundamental; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
28
c) ensino médio; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade;
(Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades,
preferencialmente na rede regular de ensino; (Redação dada pela Lei nº
12.796, de 2013)
IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que
não os concluíram na idade própria; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de
2013)
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características
e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se
aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;
VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio
de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação
e assistência à saúde; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e
quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento
do processo de ensino-aprendizagem.
X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais
próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4
(quatro) anos de idade.
Verifica-se, pois, que os legisladores constituinte e ordinário determinaram
a implantação de uma rede pública de ensino, integrada por serviços e ações a cargo dos três
entes da federação (federal, estadual e municipal).
29
Ainda, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inclusive,
determina ao ente estatal o dever de organizar seu próprio sistema de ensino. Senão vejamos:
Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em
regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.
Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus
sistemas de ensino; (...)
VI - assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio a
todos que o demandarem, respeitado o disposto no art. 38 desta Lei;
Logo, em matéria de educação, o Estado, em suas três esferas, é o
protagonista e os serviços públicos constituem a essência do sistema, de modo que o ente
público possui o dever de prestar o serviço educacional direta e gratuitamente à população.
E assim o é, tendo em vista a natureza básica e essencial da educação para
o ser humano, uma vez que umbilicalmente ligado à dignidade da pessoa humana e ao
exercício da própria cidadania.
Nesse sentido, mencione-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do
Estado de Goiás:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. MENOR.
INSUFICIÊNCIA DE VAGAS EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA PRÓXIMA À
SUA RESIDÊNCIA. EFETIVIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO.
PONDERAÇÃO. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. DIREITOS INDISPONÍVEIS. BEM COMUM E
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. MATRÍCULA EM INSTITUIÇÃO DE
ENSINO PRIVADA ÀS EXPENSAS DA MUNICIPALIDADE E BLOQUEIO
DE VERBA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. 1. Conf. arts. 6º, 157, 207 e 208 da
30
Constituição Estadual, e arts. 53 e 54 do ECA, deve o Poder Público
providenciar meios para dar efetividade ao direito à educação. 2. A
obrigatoriedade de fornecimento de educação pública a todos, de forma
igualitária e isonômica, limita a discricionariedade político-administrativa
dos Municípios, que atuam, prioritariamente, na educação infantil e no
ensino fundamental, não sendo cabível alegar a “reserva do possível” ou a
vinculação ao regramento orçamentário para esquivar-se de dar efetividade
plena ao direito constitucional à educação, de caráter indisponível. 3. O
custeio de mensalidades em instituições particulares pelo Poder Público e
eventual bloqueio de verbas públicas, em caso de descumprimento, constituem-se
em meios legítimos e aptos a emprestar efetividade às decisões judiciais.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJGO, AGRAVO DE
INSTRUMENTO 192109-59.2016.8.09.0000, Rel. DES. OLAVO JUNQUEIRA
DE ANDRADE, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 10/11/2016, DJe 2154 de
23/11/2016) – grifo nosso
Em consonância, ainda, segue entendimento jurisprudencial do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios:
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL.
MATRÍCULA EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO ADEQUADO. DEVER
DO ESTADO. DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO. RECURSO
DESPROVIDO. I. O direito à educação infantil é tutelado
constitucionalmente e constitui direito fundamental que não pode ser
postergado em face de contingências orçamentárias ou administrativas e,
muito menos, da priorização das políticas públicas. II. Preenchido o critério
etário, exsurge para a criança direito subjetivo à matrícula em creche ou pré-
escola, independentemente de questões orçamentárias ou da política estatal para o
setor, sob pena de restar sonegado, em sua essência, o direito à educação infantil.
III. Dada a latitude e o gabarito constitucional do direito à educação infantil,
decreto judicial que determina a disponibilização de vaga em creche ou pré-
escola, por se apoiar diretamente na Lei Maior, não traduz qualquer tipo de
31
vulneração à independência dos Poderes ou aos primados da isonomia e
impessoalidade. IV. A existência de fila de espera não pode se sobrepor ao dever
constitucional de prestação universal da educação. V. O Estado não pode invocar
o seu próprio descaso com direito à educação infantil, que acaba criando o déficit
de vagas e estabelecendo o sistema de filas, para forjar uma fictícia ofensa ao
princípio da isonomia. VI. É insidiosa a lógica calcada no pressuposto de que, por
existirem várias crianças que não têm o seu direito respeitado, nenhuma outra
pode obter em juízo o reconhecimento do seu próprio direito subjetivo. VII.
Recurso conhecido e desprovido. (Acórdão n.997124, 20150110451289APC,
Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA 4ª TURMA CÍVEL, Data de
Julgamento: 08/02/2017, Publicado no DJE: 02/03/2017. Pág.: 697/710) – grifo
nosso
Por outro lado, a despeito da previsão geral de que o serviço educacional
seja prestado diretamente pelo ente público, o artigo 209 da Constituição Federal e o artigo
7º da Lei nº 9.394/96 admitem a oferta do ensino por instituições privadas:
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Art. 7º O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema
de ensino;
II - autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público;
III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da
Constituição Federal.
Ocorre que, nada obstante o ensino seja livre à iniciativa privada,
observadas as disposições legais, evidente que não há previsão de repasse da
responsabilidade constitucional do próprio Estado às pessoas jurídicas de direito privado, já
32
que, repita-se, cabe essencialmente ao Estado ofertar ensino público, obrigatório, gratuito e
de qualidade, por meio de estabelecimentos públicos oficiais.
Em reforço, o professor André Ramos Tavares, ao discorrer sobre o Direito
Fundamental à Educação, leciona:
“A Constituição brasileira assume expressamente o direito à educação como um
direito de matiz social. Ela o faz, inicialmente, no art. 6º, de maneira incisiva e
sintética, para posteriormente ratificar esse posicionamento especificando esse
direito e outros direitos e institutos correlatos, no seu Capítulo III do Título VIII,
exatamente a partir do art. 205.
Como típico direito social, o direito à educação obriga o Estado a oferecer o
acesso a todos interessados, especialmente àqueles que não possam custear uma
educação particular. Os direitos sociais ocupam-se, prioritariamente, dentro do
universo de cidadãos do Estado, daqueles mais carentes”2.
No modelo ora questionado, porém, o Estado de Goiás tenta se esquivar do
papel que lhe foi constitucionalmente determinado, transferindo totalmente a prestação
direta dos serviços de ensino de unidades escolares da Macrorregião de Águas Lindas/Santo
Antônio para organizações sociais, mediante contrato de gestão, com cessão dos
equipamentos públicos, de pessoal e repasse de vultuosas verbas públicas.
E, o que é pior, o faz buscando a flexibilização jurídica nas contratações,
baseado na própria ineficiência e invocando objetivos de ordem econômica, administrativa e
de resultados, com fundamento no artigo 6º, da Lei Estadual nº 15.503/05, que
regulamentou, no âmbito no Estado de Goiás, a parceria com entidades privadas qualificadas
como organizações sociais em todas as áreas. É ver:
2 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel – Coordenadores. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2010, p. 776.
33
Art. 6º Para os efeitos desta Lei, entende-se por contrato de gestão o ajuste de
natureza colaborativa celebrado pelo Poder Público com entidade qualificada como
organização social, com vistas à formação de parceria para o fomento e a execução
das atividades constantes das alíneas do inciso I do art. 2º desta Lei. Redação dada
pela Lei nº 18.843, de 10-06-2015.
Parágrafo único. Deverá ser fundamentada a decisão do Chefe do Executivo quanto à
celebração de contrato de gestão com organizações sociais para o desempenho de
atividade de relevância pública, mediante demonstração objetiva de que o vínculo
de parceria atende a objetivos de eficiência econômica, administrativa e de
resultados, com documentação de seu conteúdo nos autos do respectivo processo de
seleção e contratação.- Acrescido pela Lei nº 18.331, de 30-12-2013.
Com efeito, extrai-se do Despacho n.º 596/20153, da lavra do Sr. Governador
do Estado:
(…) As razões, estudos, documentos e justificativas contidas nos autos
convencem-me do acerto e da necessidade em o Estado de Goiás promover a
transferência da gestão de equipamentos públicos escolares da Educação Básica a
parceiros privados, aos quais competirá, seguindo a política pública para a
educação ditada pela Administração, executar a referida atividade de relevância
pública.
E são várias as razões que me levam a, como decisor governamental, adotar o
programa de parcerias de que aqui se cuida.(…)
Assim que, razões de gestão e de economicidade, somadas ao atual quadro de
constrangimentos orçamentário e financeiro por que passa o Estado – o que
não é apanágio exclusivo da realidade goiana – levam-me a buscar medida
alternativa à realização de tão elevada despesa pública por meio do integral
provimento dos quadros do magistério. A propósito disso, vale anotar que, com
base em estudo técnico carreado aos autos (f. 633-641), o aumento do gasto por
aluno ou por professor não tem tido presentemente efeito direto nas notas das
escolas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), fator este que
3 http://www.gabinetecivil.goias.gov.br/downloads/despacho_596.htm.
34
reputo como relevante para a adoção da presente política pública de
emparceiramento.
(…). Assim é que, à vista de tudo o que consta dos presentes autos, e em
atendimento ao que preceitua o parágrafo único do art. 6º da Lei estadual nº
15.503/05, com redação dada pela Lei estadual nº 18.331/13, tenho por bem, no
exercício de minha competência governamental, determinar a transferência
da gestão de escolas públicas estaduais a organizações sociais, por meio da
celebração de contratos de gestão, nos estritos termos do que estabelecem aquelas
leis de regência e nos limites do que ditado pelo Decreto nº 8.469/15, por concluir
que a medida mostra-se por tudo adequada ao atendimento do interesse público.
Ocorre que o direito à educação é tutelado constitucionalmente e constitui
direito fundamental que não pode ser postergado em face de contingências orçamentárias ou
administrativas e, muito menos, da priorização das políticas públicas, como já destacado
anteriormente.
Como o Estado possui os equipamentos públicos, assim entendidos toda a
estrutura material, composta de imóveis e móveis, para a prestação dos serviços de
educação, possui um quadro próprio de pessoal, em tese devidamente qualificado, porquanto
criteriosamente selecionado mediante concurso público e dispõe de recursos financeiros para
a prestação dos serviços, resulta claro que, embora possa, não quer desempenhar o ônus
constitucional de prestar diretamente os serviços de educação, colocar as unidades
escolares públicas sob a administração de organizações sociais.
Ademais, em troca, não haverá nem sequer aumento da capacidade
educacional, mas apenas mera transferência de imóveis e móveis, cessão de servidores e
delegação da responsabilidade pelo gerenciamento de recursos públicos, com dispensa de
licitação e sem nenhum mecanismo de controle efetivo dos gastos de tais recursos públicos.
35
É o verdadeiro desmonte do Estado em afronta à Constituição
Federal!
Di Pietro, ao comentar a possibilidade (aberta pela Lei nº 9.637/98) de o
Estado, paulatinamente, deixar de prestar alguns serviços públicos sociais para se limitar a
fomentar sua prestação por particulares, conclui:
“Em muitos casos, poderá esbarrar em óbices constitucionais, já que é a
Constituição que prevê os serviços sociais como dever do Estado e, portanto,
como serviço público. […] são inegáveis o conteúdo de imoralidade contido na
lei, os riscos para o patrimônio público e para os direitos dos cidadãos. Em
primeiro lugar, fica muito nítida a intenção do legislador de instituir um
mecanismo de fugir do regime jurídico de direito público a que se submete a
Administração Pública. O fato de a organização social absorver atividade
exercida por ente estatal e utilizar o patrimônio público e os servidores públicos
antes a serviço desse mesmo ente, que resulta extinto, não deixa dúvidas de que,
sob a roupagem de entidade privada, o real objetivo é mascarar uma situação que,
sob todos os aspectos, estaria sujeita ao direito público”. (DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão,
franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 8. ed. São Paulo:
Atlas, 2011)
Acrescente-se, em continuidade, que a extensão dos contratos de gestão a
serem celebrados, com a transferência total dos serviços de educação prestados nas unidades
escolares dos Municípios da Macrorregião de Águas Lindas/Planaltina, prevista no
instrumento público, está a configurar a inconstitucionalidade já apontada pelo Ministro
Ayres Brito, Relator da ADIn 1923/DF, quando proferiu seu voto pela inconstitucionalidade
dos artigos 18, 19, 20, 21 e 22, da Lei 9.637/98:
“[…] Fácil notar, então, que se trata mesmo é de um programa de privatização.
Privatização, cuja inconstitucionalidade, para mim, é manifesta. Conforme
36
concluí acima, a Constituição determina, quanto aos serviços estritamente
públicos, que o Estado os preste diretamente, ou, então, sob o regime de
concessão, permissão ou autorização. Isto por oposição ao regime jurídico das
atividades econômicas, área em que o Poder Público deve atuar, em regra, apenas
como agente indutor e fiscalizador. Não fosse assim, a Magna Carta não faria a
menor referência a serviços públicos de saúde (mescladamente públicos, entenda-
se), a estabelecimentos oficiais de ensino, a regime geral de previdência social,
etc. Ora, o que faz a Lei 9.637/98, em seus arts. 18, 19, 20, 21 e 22, é
estabelecer um mecanismo pelo qual o Estado pode transferir para a
iniciativa privada toda a prestação de serviços públicos de saúde, educação,
meio ambiente, cultura, ciência e tecnologia. A iniciativa privada a substituir
o Poder Público, e não simplesmente complementar a performance estatal. É
dizer, o Estado a, globalmente, terceirizar funções que lhe são típicas. O que
me parece juridicamente aberrante, pois não se pode forçar o Estado a
desaprender o fazimento daquilo que é da sua própria compostura
operacional: a prestação de serviços públicos. (grifo nosso)
Realmente, o problema não está no repasse de verbas públicas a particulares, nem
na utilização, por parte do Estado, do regime privado de gestão de pessoas, de
compras e contratações. A verdadeira questão é que ele, Estado, pelos arts. 18, 19,
20, 21 e 22 da Lei 9.637/98 (dispositivos que falam em 'absorção', por
organizações sociais, das atividades desempenhadas por entidades públicas a ser
extintas) ficou autorizado a abdicar da prestação de serviços de que,
constitucionalmente, não pode se demitir.
A se ter como válida a mencionada 'absorção', nada impediria que, num
curto espaço de tempo, deixássemos de ter estabelecimentos oficiais de
ensino, serviços públicos de saúde, etc. Isso, tendo em vista que a organização
social é pessoa não integrante da Administração Pública. Logo, o Estado
passaria a exercer, nos serviços públicos, o mesmo papel que desempenha na
atividade econômica: o de agente apenas indutor, fiscalizador e regulador, em
frontal descompasso com a vontade objetiva da Constituição Federal, o que
de pronto me leva a julgar inconstitucionais os arts. 18, 19, 20, 21 e 22 da Lei
9.637/98”. (grifo nosso)
37
No mesmo diapasão, Celso Antônio Bandeira de Mello entende que, ao
prever que a educação é dever do Estado, a Constituição da República de 1988 impede o
ente público de se esquivar dos correspondentes encargos de prestação, pelo processo de
transpassá-los a organizações sociais, porquanto tem o dever de prestá-los diretamente.
Ainda, segundo o autor:
“Não pode eximir-se de desempenhá-los, motivo pelo qual lhe é vedado esquivar-
se deles e, pois, dos deveres constitucionais aludidos pela via transversa de
'adjudicá-los' a organizações sociais. Segue-se que estas só poderiam existir
complementarmente, ou seja, sem que o Estado se demita de encargos que a
Constituição lhe irrogou” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de
direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2009)
Nesse passo, há que se estabelecer limites à transferência da prestação de
serviços de educação em unidades escolares estaduais às organizações sociais.
Primeiramente, resta bem claro que tal transferência somente pode ser feita
de forma complementar ao serviço público estatal de educação básica, e nunca
substitutiva, como pretende o Estado de Goiás. Portanto, a transferência total da prestação
do referido serviço público caracteriza inconstitucional substituição do Estado, pela
iniciativa privada, na prestação de serviços que a Constituição Federal outorgou, com
primazia, ao ente público.
Já teve o Supremo Tribunal Federal a oportunidade de se manifestar neste
sentido, posteriormente ao julgamento da ADI 1923, quando a Ministra Rosa Weber julgou
improcedente a Reclamação nº 15.733/RJ, destacando-se de sua decisão o seguinte trecho:
“A primeira premissa é no sentido de que a saúde, como dever
constitucionalmente imposto ao Estado e direito de todos, tal como
38
prescrito no art. 193 da Constituição Federal, traduz atividade típica e
essencial do Estado, de modo a competir a este a prestação de forma
eficiente e com qualidade. Nada obstante este dever, a Constituição e as
Leis Federais 8.080/90 e 9.637/98 autorizam a assistência da iniciativa
privada na prestação do serviço de saúde, desde que em caráter
complementar e sem retirar, de direito e de fato, a gerência do Estado
no dever constitucional de prestar serviço de saúde de qualidade.
Do mesmo modo, em seu voto na ADI 1923/DF, o Ministro Ayres Brito foi
categórico ao afirmar ser impossível ao Estado abdicar da prestação de serviços que a
Constituição lhe outorgou, com primazia.
Nesse ponto, então, é que os contratos de gestão, a serem celebrados pelo
Estado de Goiás com organizações sociais, para a prestação de serviços educacionais, são
inconstitucionais, por abarcarem uma transferência total (gestões pedagógica, administrativa,
de bens e financeira) da prestação de serviços de diversas escolas da macrorregião de Águas
Lindas/Planaltina à iniciativa privada, numa flagrante violação ao dever, imposto pela Carta
Magna, de prestação direta. Deve-se ressaltar que o governador do Estado de Goiás deixou
clara em seu decreto, não obstante o uso da expressão projeto piloto, a intenção de transferir
integralmente a gestão de grande parte das escolas da educação básica sob responsabilidade
do Estado, já tendo iniciado este processo em extensas macrorregiões (Anápolis, suspenso
por decisão judicial, no caso Águas Lindas/Planaltina, cuja suspensão ora se requer, havendo
ainda iniciado processo em relação à macrorregião de Luziânia).
Cabe salientar, ainda, que esta transferência se dá de forma no mínimo
temerária, uma vez que, conforme reconhecido pela própria Secretaria de Estado de
Educação, em resposta à recomendação encaminhada pelo Ministério Público, as
organizações sociais não têm experiência em exercer a atividade de educação básica
obrigatória e gratuita. Ora, não se pode “experimentar” com milhares de crianças,
adolescentes, jovens e adultos, sem qualquer garantia por parte das OSs, seja de capacidade
39
técnica, pedagógica, financeira, experiência prévia, de gestão pública, em relação aos
ensinos fundamental, médio e educação de jovens e adultos. Afinal, não se pode esquecer
que se trata de direito social fundamental, dever do Estado, que está totalmente
organizado neste sentido, com uma rede inteira de estabelecimentos oficiais, quadro de
servidores, móveis, imóveis, programas, sistemas de gestão, em efetivo funcionamento.
Vale anotar que, em reunião realizada no dia 28/09/2017, a Secretária
Estadual de Educação e sua equipe sustentaram que o objetivo do Estado era estender o
modelo de gestão ora discutido a 30% (trinta por cento) e não à integralidade das escolas
estaduais. Porém, se se trata de um modelo experimental, que envolve a transferência de
milhões de reais, por que motivo não se propôs a experimentação em uma escola ou em um
quantitativo muito mais reduzido do que o ora preconizado?
A transferência da gestão integral de 30% de toda a rede estadual de ensino
não é algo complementar. Equivale à substituição do Estado para todas as escolas
selecionadas, o que, no que tange à macrorregião de Águas lindas de Goiás, impactará sobre
o funcionamento 11 (onze) escolas e na vida escolar de 10.344 (dez mil, trezentos e quarenta
e quatro alunos) – fls. 32/33 do incluso inquérito civil. Ora, não se pode experimentar com
educação básica obrigatória, com o futuro de crianças e jovens, de forma completamente
aleatória, arbitrária, sem justificativa razoável e tampouco garantias fornecidas pelas Oss, já
que o instrumento contratual a ser firmado sequer exige a prestação de garantias para o
recebimento de tão vultosos recursos.
Como bem ressaltou o Ministro Aires Britto, o Estado não pode
desaprender a fazer o que sempre fez e, há de se acrescentar, não pode deixar de garantir
direitos fundamentais, que são ao final a verdadeira razão de existir e o que dá legitimidade
ao Estado.
40
O Estado de Goiás coloca em risco, repise-se, de forma temerária e em
desproveito do patrimônio público, sem qualquer tipo de garantia ou contrapartida por parte
das organizações sociais, grande parte da rede pública estadual de ensino nestas
macrorregiões e o direito à educação básica obrigatória de milhares de pessoas.
Deve-se atentar para o fato de que não existe uma justificativa fática
compatível com a realidade. A uma, o Estado de Goiás tem todo o pessoal, sistemas e
estrutura necessária para a boa execução do serviço público que garante o direito
fundamental à educação básica. Tem atingido as metas do IDEB neste sentido. Se existe a
possibilidade de melhoria (sempre há), que seja obtida através de investimentos na própria
rede pública, nos estabelecimentos oficiais de ensino pois o Estado não pode renunciar ao
seu dever constitucional fundamental em matéria de educação, que lhe dá legitimidade, e
transferi-lo para a iniciativa privada, sem qualquer garantia ou contrapartida.
Neste sentido, seguindo a decisão da Ministra Rosa Weber na Reclamação
nº 15.733/RJ, divulgada em 17 de novembro de 2016, referente à saúde, mas que se aplica
integralmente ao caso:
“A segunda premissa, consistente na análise específica das cláusulas do Edital de
Seleção 004/2012, e mesmo da motivação deste ato administrativo, deixou claro
que a ação da autoridade administrativa deve corresponder aos motivos alegados,
sob pena de nulidade. Nesse contexto, entendeu a Corte Estadual que os
motivos invocados para a edição do ato, como as dificuldades ordinárias na
administração de unidades de tratamento intensivo e semi-intensivo,
existentes em hospitais tradicionais e antigos do Estado, não podem servir como
justificativa para a transferência da gestão administrativa e a execução de
serviços típicos de saúde para a iniciativa privada, ainda que através de
organizações sociais. Isso porque as dificuldades relatadas na motivação do
ato apenas revelam a deficiência na gestão do serviço de saúde.
41
O raciocínio jurídico adotado foi no sentido de que, não obstante a possibilidade
de adoção do modelo de organizações sociais, na espécie, a motivação do Edital
de Seleção não logrou demonstrar a existência de fatos que autorizem a
contratação de entidade privada, sob qualquer forma, porque ausentes os
pressupostos legais e constitucionais. Desse modo, a transferência da gestão de
unidades de tratamento crítico, como a unidade intensiva e semi-intensiva, de
hospitais estaduais para a iniciativa privada, deve ocorrer apenas de forma
complementar e sem fins lucrativos, conforme dispõe a Lei 8.080/90, condições
que não ficaram demonstradas na motivação do Edital questionado.
Ao contrário: parte do dever constitucional imposto ao Estado de prestar serviço
público de saúde com eficiência e qualidade e do reconhecimento da participação
das instituições privadas na execução deste serviço, como forma de integrar o
sistema único de saúde, desde que sua atuação seja complementar e não uma
autêntica substituição da atividade estatal garantidora do direito à saúde a
todos.
Pelas razões expostas e pelos documentos acostados, verifica-se que o
Estado não logrou comprovar a insuficiência de disponibilidade ou mesmo a impossibilidade
de manutenção da rede pública de ensino, mas, ao contrário, demonstrou que possui
condições materiais e financeiras para tanto, assim como dispõe de profissionais da educação
aprovados em concurso público, razão pela qual não há como admitir que a administração de
escolas estaduais seja realizada por entidades privadas.
É evidente a inconstitucionalidade e ilegalidade que permeia os contratos de
gestão a serem celebrados com as organizações sociais para a gerência integral de
equipamentos públicos de educação, sendo impositivo que o Estado mantenha sob sua
responsabilidade a gerência de tais serviços, cuidando de observar todas as disposições
constitucionais e legais pertinentes.
Pondera-se, enfim, que as parcerias com a iniciativa privada na prestação de
serviços públicos, inclusive os de educação, somente poderiam ser levadas a cabo de forma
42
complementar, observando-se as disposições constitucionais e legais que disciplinam a
matéria, o que não foi feito pelo Estado de Goiás, no modelo ora questionado.
D.1) Dos limites da gestão compartilhada
O artigo 2º, I, “c”, combinado com o artigo 6º, parágrafo único, da Lei
Estadual nº 15.503/05, é expresso ao prever que a celebração da parceria com as
organizações sociais dependerá exclusivamente do atendimento aos objetivos de eficiência
econômica, administrativa e de resultados.
Com fulcro na referida lei, o Estado de Goiás, por meio do Aviso de
Chamamento Público nº 01/2017, pretende celebrar contratos de gestão com organizações
sociais para a execução de atividades na área da educação, de forma ampla e irrestrita,
num modelo de compartilhamento que transcende a esfera administrativa e estrutural
das unidades de ensino, para atingir a sua gestão pedagógica.
Contudo, o artigo 156, caput, da Constituição do Estado de Goiás,
determina que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
No julgamento da ADI nº 1923/DF, que conferiu interpretação conforme a
Constituição à Lei nº 9.637/98, o Supremo Tribunal Federal admitiu que os entes federados
podem pactuar com entidades privadas a gestão compartilhada dos serviços sociais, todavia,
a Corte Maior não fixou os limites da referida parceria.
A análise acurada dos dispositivos acima mencionados revela que, na área
da educação, a parceria a ser estabelecida com as organizações sociais não pode abranger
a gestão pedagógica da unidade de ensino.
43
Com efeito, os objetivos constitucionais da educação (artigo 156, caput, da
Constituição do Estado de Goiás), entendida como processo pedagógico de aprendizagem ou
acesso ao conhecimento, são incompatíveis com os objetivos da parceria com as
organizações sociais. De fato, o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho não podem se reduzir à lógica da
eficiência econômica, administrativa e de resultados (artigo 6º, parágrafo único, da Lei
Estadual nº 15.503/05).
Enquanto os recursos econômicos e administrativos podem ser geridos sob
a lógica da eficiência (alocação adequada de recursos escassos), o conhecimento é um
recurso infinito que deve ser garantido a todos em igualdade de condições. Em resumo, tratar
a gestão pedagógica com enfoque na “eficiência econômica e administrativa” pode gerar
prejuízos ao processo de aprendizagem e, por consequência, impedir o alcance dos objetivos
constitucionais da educação.
Ademais, o serviço educacional e, por consequência, o próprio direito
fundamental à educação, possui uma grande particularidade: a melhoria na sua prestação
depende quase que exclusivamente da melhora, desenvolvimento e valorização do quadro de
pessoal, da existência de carreiras para o magistério, o que é incompatível com o modelo
desenhado pelo Estado de Goiás.
Cabe ressaltar que por meio de recentíssima decisão do Ministro Ricardo
Lewandowski, datada de 31 de agosto de 2017, o Supremo Tribunal Federal deferiu medida
cautelar para suspender a eficácia dos artigos 2º e 3º da Emenda Constitucional n.º 86/2015,
nos autos da ADI n.º 5595/DF, que trata dos subpisos do financiamento do direito
fundamental à saúde, é baseada no princípio da vedação do retrocesso social, conforme se
extrai do seguinte trecho do julgado:
44
“Tal procedimento fere frontalmente o dever de progressividade inscrito no art. 5º,
§§ 1º e 2º e também a garantia de irredutibilidade a que se refere o art. 194,
parágrafo único, IV da Constituição, os quais se encontram lastreados no nuclear
comando de preservação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, caput e III) e
nos tratados internacionais sobre os direitos econômicos, sociais e culturais dos
quais o país é signatário”.
O princípio da proibição do retrocesso social é aplicável também ao caso
presente, em que, uma vez conquistada a valorização do quadro dos profissionais da
educação básica pública, com ingresso exclusivo mediante concurso público, garantia de
piso nacional e de planos de carreira, conforme normas constitucionais já destrinchadas, não
é permitido ao poder público diminuir o nível de garantia do direito fundamental à educação,
por meio da desvalorização dos seus profissionais.
Veja-se que não se questiona a possibilidade de o ente federado firmar
contratos de gestão com organizações sociais para a execução de serviços públicos sociais na
área da educação, posto que a questão já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal (ADI
1923/DF). Discute-se sim a extensão desta parceria, que, conforme visto, não pode atingir a
gestão pedagógica da unidade escolar, a seleção de professores e profissionais da educação
escolar, nada impedindo que se atenha à gestão puramente administrativa (manutenção,
merenda, biblioteca, limpeza etc).
Por esse motivo, afigura-se necessária a anulação do Aviso de
Chamamento Público nº 01/2017, para que o Estado de Goiás delineie novo modelo de
compartilhamento de gestão das unidades escolares públicas, nos termos da lei e da
Constituição Federal.
E) DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E DA AUSÊNCIA DE
ECONOMICIDADE NO MODELO A SER IMPLEMENTADO
45
Conforme já apontado, a opção do Estado de Goiás de transferir a gerência de
serviços e equipamentos públicos da educação para organizações sociais, por detrás da
retórica da eficiência, constitui, em verdade, um mecanismo para fugir ao regime jurídico de
direito público a que se submete a Administração Pública.
Por meio dos contratos de gestão, além de abdicar do dever imposto
constitucionalmente de prestação direta dos serviços públicos de ensino, o Estado de Goiás
transferirá às organizações sociais vultuosas quantias (estimadas em quase 35 milhões de
reais anuais, conforme anexo V), sem nenhum controle efetivo de controle de gastos e do
emprego de recursos públicos por tais organizações sociais, violando o princípio da
eficiência administrativa, previsto no artigo 37, caput, da Constituição Federal.
Para a publicação do aviso de chamamento público nº 01/2017, não foi
realizado nenhum estudo ou pesquisa que demonstrasse que o modelo de gerência privada,
em substituição ao modelo de gerência pública, é mais eficaz ou mais econômico aos cofres
públicos.
Paralelamente, a Secretaria de Estado da Educação não demonstrou que os
custos dos serviços a serem contratados, quando prestados pela iniciativa privada, são mais
reduzidos que os custos dos serviços prestados pelo Estado. Ao contrário, reconheceu na
reunião retro mencionada que a gestão das escolas pelas organizações sociais teria o mesmo
custo por aluno.
Ora, Excelência, onde está a demonstração objetiva, pelo Estado de Goiás, de
que a opção pelo modelo adotado é de superior qualidade diante da sua atuação isolada na
prestação de serviços de educação?
O que estamos a assistir, perplexos, é uma verdadeira “farra” com o dinheiro
público!!!
46
Tal implementação está sendo feita de forma autoritária, sem a participação
da sociedade e sem a demonstração objetiva de que, realmente, mais atende ao interesse
público, evidenciando a total falta de compromisso do administrador com a democracia. Por
outro lado, os argumentos “burocracia”, “morosidade”, “falta de qualificação profissional
para ações de gerenciamento” mais demonstram incompetência do administrador para o fim
ao qual se elegeu do que propriamente uma maior eficiência objetiva do novo modelo a ser
adotado, diante do outro.
Uma atuação governamental que, pela ineficiência, cause dano ao patrimônio
público pode ensejar, inclusive, a apenação do administrador público por improbidade
administrativa, nos termos do artigo 10, da Lei nº 8.429/92. Não pode se apresentar como
justificativa para aniquilar a Constituição da República e se esquivar de seu dever de prestar
diretamente educação básica obrigatória e gratuita, com a adoção de modelo flagrantemente
inconstitucional. Isso seria um grande absurdo!
Não logrou, o Estado de Goiás, até o presente momento, demonstrar que o
novo modelo de gestão adotado é, objetivamente, mais eficiente do que aquele em que o
Estado atua de forma solitária.
Ao contrário, pela análise dos contratos de gestão a serem celebrados,
constata-se que as “vantagens” tão amplamente “anunciadas” não compensam os custos e os
riscos para o patrimônio público e para os serviços de educação. Não se pode admitir que,
em nome de uma falsa observância a princípios, como a economicidade e a eficiência,
chancele o Poder Judiciário política pública flagrantemente inconstitucional.
Também, repise-se, os serviços serão pré-pagos, em parcelas mensais,
independentemente da sua efetiva prestação.
47
A contraprestação estatal não terá por base, portanto, serviços efetivamente
prestados, mas se constituirá em um valor mensal fixo, que será repassado à organização
social, independentemente do quantitativo de serviços prestados.
Cabe destacar alguns pontos do edital que demonstram o dano ao
patrimônio público.
No modelo de contrato de gestão constante do anexo V do edital de
chamamento, cláusulas 2.17 e 2.18, consta que a organização social deverá publicar até 90
(noventa) dias após a assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio para a
contratação de pessoal, compras, serviços e alienações, nos termos do art. 17 Lei Estadual
15.503/05.
Ocorre que este art. 17 Lei Estadual 15.503/05 viola a interpretação conforme
dada pelo STF no julgamento da ADI 1923, pois ali a Corte determinou que a organização
social deve contratar e selecionar pessoal de forma pública, objetiva e impessoal,
obedecendo aos princípios da administração pública (art. 37, caput, da CF). Ora, até por uma
questão lógica, para que o Estado tenha condições de avaliar a observância por parte das
OSs destes princípios da administração pública, o regulamento próprio deve existir antes da
assinatura do contrato de gestão. Ou seja, deve ser uma exigência do próprio edital de
chamamento público, e critério de avaliação.
Seguindo na análise das cláusulas violadoras do patrimônio público, a
cláusula 7.5 permite sem qualquer limitação o repasse de “outros recursos a título de
investimento”, pelo Estado à OSs. Ou seja, não há limite com relação aos valores do contrato
de gestão.
Na mesma senda, a cláusula 7.7 permite que as OSs apliquem recursos
públicos em qualquer entidade financeira, desde q tenha nota mínima “B” em “moeda local
de curto prazo”, o que deixa sem nenhuma garantia contra a perda destes recursos. Vide
48
exemplo de recente operação deflagrada em julho de 2017 pela Polícia Federal para apurar
crimes contra o sistema financeiro nacional, envolvendo a aquisição de papéis sem lastro
(também conhecidos por “moeda podre”) por institutos de previdência municipais. Outras
operações no mesmo sentido precederam esta última, para o combate a tais crimes que têm
como modus operandi exatamente “investimentos financeiros” em fundos “podres”, o que
não é impedido pelo edital.
A cláusula 9.7 permite que até 95% dos recursos públicos repassados sejam
utilizados com remuneração de pessoal, o que está em evidente afronta às regras da lei de
responsabilidade fiscal (LRF). Em outras palavras, permite-se a irresponsabilidade fiscal,
com gastos pela OS de quase a totalidade dos recursos públicos repassados, com pessoal.
Cabe ressaltar que o dinheiro repassado não deixa de ser público e deve haver
responsabilidade em seu gasto.
Some-se a esta burla à responsabilidade fiscal a cláusula 10.1, que prevê a
possibilidade ilimitada de aditivos quantitativo (valores) e qualitativos, e facilmente
chega-se à conclusão de que o edital permite o total descontrole e irresponsabilidade dos
repasses públicos e dos gastos respectivos.
Ademais, no anexo técnico I, consta previsão na cláusula 8.1 da possibilidade
de alienação de móveis públicos por parte da organização social, mediante autorização
expressa do poder público e aplicação dos recursos no contrato de gestão, porém sem
qualquer definição específica do uso de tais valores ou impedimento no sentido do uso com
despesas correntes, por exemplo, o que caracterizaria verdadeira dilapidação do patrimônio
público.
Em resumo, o Estado de Goiás quer entregar toda a sua infraestrutura,
pessoal, recursos públicos para entidades recém formadas ou qualificadas como
organização social, sem experiência prévia anterior com educação pública, sem
49
controles quanto aos recursos repassados, com possibilidade de burla à LRF, sem
qualquer garantia por parte da OS. Vê-se que não se trata de parceria, pois a OS não
assumirá nenhum risco, não dará nenhuma garantia e não aportará nada ao contrato.
Ora, qual o interesse do Estado em tal “parceria”? Na verdade trata-se de uma
transferência irresponsável e sem garantia a entidades privadas inexperientes.
Flagrante, portanto, o risco de dano ao patrimônio público.
O modelo adotado pelo Estado de Goiás constitui extensa violação aos
princípios da eficiência e da economicidade, bem como constitui patente vulneração à regra
específica do concurso público, de forma exclusiva, para a seleção de profissionais da
educação escolar, esculpida no artigo 206, inciso V, da Constituição Federal.
Em verdade, o objetivo da Administração Pública é, a longo prazo, com a
proliferação dos contratos de gestão nos moldes em que hoje pretende celebrar, extinguir a
carreira pública de profissionais da educação e de outras áreas em que já se acena, para a
substituição de servidores públicos por servidores contratados pela CLT, em total afronta à
regra esculpida no artigo 206, V, da Constituição Federal de 1988.
Assim, os contratos de gestão, ao preverem a possibilidade de contratação de
até 100% da mão-de-obra a ser utilizada na prestação dos serviços públicos objeto do
contrato, além de se apresentarem como artefato para a intermediação irregular de mão-de-
obra, denotam consequente violação à regra constitucional da obrigatoriedade do concurso
público, do mesmo modo que constituem flagrante violação ao princípio da eficiência
administrativa, pois oneram, desnecessariamente, os cofres públicos.
E.1) Do valor por aluno e da responsabilidade solidária pelas obrigações trabalhistas.
50
Um dos pontos cruciais para se aferir se o processo de transferência de gestão
de escolas da rede pública para organizações sociais se amolda ou não ao princípio da
economicidade é verificar o valor por aluno.
No despacho n.º 596/2015, o Governador do Estado de Goiás afirmou que há
estudos, no âmbito da Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Esportes, que apontam o
valor do aluno em R$ 388,00. Por outro lado, foi determinado, tanto no citado despacho do
Governador quanto no aviso de chamamento em tela, que o valor mínimo é de R$ 250,00 e o
máximo de R$ 350,00.
Os valores são muito díspares e podem dar margem a vários aditivos ao
contrato de gestão, de modo a frustrar a economicidade que o Estado de Goiás tanto
persegue nesse processo de terceirização.
A título de exemplo tem-se o valor estimado para despesas com água, previsto
no Aviso de Chamamento Público nº 003/2016, referente à Macrorregião de Anápolis. Em
relação a duas escolas no município de Anápolis, uma com 1.262 alunos e outra com 1.640,
enquanto para a primeira estima-se gastos com água no montante de R$ 9.555,00, para a
segunda o valor estimado é de R$ 261.550,00.
Ademais, a alardeada economicidade do modelo desconsidera, por completo,
os eventuais e sucessivos aditamentos de valores que certamente se consolidarão, a exemplo
do que já ocorre na área da saúde, onde já está instalado o modelo de gestão compartilhada.
Desconsidera, também, os riscos que, por força de lei, o Estado de Goiás
assumirá como responsável pelas obrigações trabalhistas que eventualmente não sejam
honradas pelas organizações sociais contratadas.
51
Não se trata, no ponto, de simples conjectura. A título de exemplo, na área da
saúde, onde o modelo já está implementado, após auditoria do Ministério do Trabalho e
Emprego em Goiás, constatou-se que três das OSs contratadas deixaram de recolher mais de
R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais) em FGTS, nos últimos cinco anos. Isto sem falar nas
diversas fraudes trabalhistas que, por força de lei, atraem a responsabilidade do Estado de
Goiás, conforme noticiado às fls. 396/397 do incluso inquérito civil.
E.2) Das restrições ao uso dos recursos do FUNDEB.
O capítulo VIII, do Aviso de Chamamento Público nº 01/32017 trata das
dotações orçamentárias que serão utilizadas para custear as despesas decorrentes da
celebração do contrato de gestão.
Em reunião realizada no dia 28/09/2017 na Procuradoria-Geral de Justiça,
a Secretária Estadual de Educação sustentou que recursos do FUNDEB serão utilizados para
pagar os concursados vinculados à SEDUCE e descontados dos valores que serão repassados
às OS. Ou seja, não vão transitar pelas contas das OSs. Somente foram consignados para
atender ao princípio da transparência, para evidenciar o custo real de cada escola. O mesmo
foi pontuado na resposta da Secretária Estadual de Educação à recomendação expedida no
incluso inquérito civil (fls. 334verso, item 15)
Contudo, o item 8.1 do Aviso de Chamamento Público n.º 01/2017 prevê
que as despesas com pessoal e encargos sociais (grupo de despesa 01) correrão à conta de
recursos advindos da fonte com o código 08, que corresponde ao Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação –
FUNDEB, conforme se extrai da anexa Lei Estadual nº 19.225/2016, que “Orça a receita e
fixa as despesas do Estado para o exercício de 2016”.
52
O artigo 22, da Lei Federal n° 11.494/2007, que regulamenta o FUNDEB,
estipula que “pelo menos 60% (sessenta por cento) dos recursos anuais totais dos Fundos
serão destinados ao pagamento da remuneração dos profissionais do magistério da
educação básica em efetivo exercício na rede pública” considerando “efetivo exercício:
atuação efetiva no desempenho das atividades de magistério previstas no inciso II deste
parágrafo associada à sua regular vinculação contratual, temporária ou estatutária, com o
ente governamental que o remunera (...)”
Logo, por força de lei, apenas pode ser contabilizada na parcela mínima de
60% (sessenta por cento) do FUNDEB a remuneração dos profissionais do magistério em
efetivo exercício na educação básica pública, com vínculo temporário ou permanente com
o ente governamental que os remunera, in casu, o Estado de Goiás.
A contrario sensu, a remuneração dos profissionais do magistério e dos
demais servidores que venham a ser contratados pelas organizações sociais, sob o regime
celetista, sem vínculo com o ente governamental, não poderá ser computada na referida
parcela.
Ademais, o que se observa é que o Estado de Goiás possui toda a estrutura
humana e material para a prestação do serviço educacional, mas pretende repassar a gestão
das unidades educacionais a empresas privadas, propondo-se a arcar com o ônus de todo o
processo, num verdadeiro ato de imprudência contábil e administrativa, tudo em busca de
uma arriscada flexibilização jurídica para aquisição de bens, serviços e contratação de
pessoal.
Aliás, consoante apurado pelo Ministério Público de Contas do Estado de
Goiás (representação anexa), no primeiro quadrimestre de 2017, o Poder Executivo Estadual
ultrapassou, em R$ 207.936.324,69 (duzentos e sete milhões, novecentos e trinta e seis mil,
trezentos e vinte e quatro reais e sessenta e nove centavos), o limite prudencial de gasto com
53
pessoal previsto no artigo 20, II, alínea “c”, da Lei de Responsabilidade Fiscal. O mesmo
cenário foi constatado nos três quadrimestres do ano de 2016, evidenciando que o Estado de
Goiás vem sucessivamente ultrapassando o limite prudencial de gastos com pessoal
determinado em lei.
Em representação protocolizada no Tribunal de Contas do Estado de Goiás,
no dia 27 de julho de 2017, o Ministério Público de Contas de Goiás pontuou que, conforme
publicado no Relatório de Gestão Fiscal do Poder Executivo Estadual referente ao I
quadrimestre de 2017, “(...)o valor total da despesa com pessoal representa 47,24% da
Receita Corrente Líquida, porcentagem esta que atinge o patamar de 97,2% do Limite
Máximo estabelecido pelos incisos I, II e III do art. 20 da LRF, superando, portanto, o
percentual de 95% estabelecido como limite prudencial na LC nº 101/2000.”
A seguir, o referido órgão de contas ponderou que, apesar de o Poder
Executivo Estadual vir, desde o 1º quadrimestre de 2016, ultrapassando o limite prudencial
de 95%, “inexiste qualquer evidência do cumprimento das vedações impostas pelo art. 23
da LC nº 101/2000. Pelo contrário (...), o Poder Executivo Estadual continua adotando
medidas que implicam o aumento de despesa com pessoal durante o segundo semestre de
2017”.
Nesse passo, a possibilidade de contratação, pelas OSs, de 0 a 100% dos
professores e servidores administrativos nas dezenas de escolas que serão transferidas para a
gestão das organizações sociais é mais uma medida que implicará inevitável aumento da
despesa com pessoal.
Logo, diante da ausência de indícios da economicidade do modelo e
considerando a cautela com que a administração pública deve lhe dar no trato da coisa
pública, imperioso que o Aviso de Chamamento Público em tela seja anulado.
54
F) DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO
PÚBLICO
O artigo 206, VI, da Constituição Federal de 1988 e o artigo 153, § 1º, da
Constituição do Estado de Goiás consagram a gestão democrática como um dos princípios
do ensino público.
O mesmo preceito está consagrado no artigo 14, da Lei Federal nº 9.394/1996
(que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional) e no artigo 106, da Lei
Complementar-GO nº 26/1998 (que estabelece as diretrizes e bases do sistema educativo no
Estado de Goiás), além de reforçado nos artigos 8º, 156, XV, e 204, § 1º, da Lei Estadual
13.909/2001.
Outrossim, a Lei Federal 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)
prevê que é direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como
participar da definição das propostas educacionais (artigo 53, parágrafo único).
A Lei Federal 12.852/2012 (Estatuto da Juventude, que considera jovens
pessoas entre 15 e 29 anos) também garante a participação efetiva da sociedade na gestão
democrática do ensino (artigos 2º, II, e 12).
Paralelamente, a meta 19, do Plano Nacional de Educação, previsto na Lei nº
13.005/2014 contempla a efetivação da gestão democrática da educação:
> Meta 19: assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a
efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios
técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade
escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico
da União para tanto.
55
- Estratégias: (…) 19.1) priorizar o repasse de transferências voluntárias
da União na área da educação para os entes federados que tenham
aprovado legislação específica que regulamente a matéria na área de sua
abrangência, respeitando-se a legislação nacional, e que considere,
conjuntamente, para a nomeação dos diretores e diretoras de escola,
critérios técnicos de mérito e desempenho, bem como a participação da
comunidade escolar; (...)
19.7) favorecer processos de autonomia pedagógica, administrativa e de
gestão financeira nos estabelecimentos de ensino.
Apesar de todo esse arcabouço normativo consagrando a gestão democrática
do ensino público, o que se tem verificado nesse processo de transferência de gestão de
escolas da rede pública estadual para organizações sociais é que a decisão já foi tomada pelo
Chefe do Poder Executivo Estadual.
Com efeito, ao ler o despacho n.º 596/20154, da lavra do Sr. Governador do
Estado, percebe-se que o atual procedimento da Secretaria de Estado da Educação, Cultura e
Esportes em ouvir representantes dos professores, dos alunos, do Ministério Público, etc., é
apenas uma tentativa de conferir legitimidade para uma decisão tomada há muito tempo, isto
é, foi estabelecido um contraditório meramente formal, pois os principais impactados pela
terceirização não poderão influenciar na decisão do Chefe do Poder Executivo e seus
prepostos, uma vez que já foi decretada.
Do citado despacho n.º 596/2015 lê-se:
(…) As razões, estudos, documentos e justificativas contidas nos autos
convencem-me do acerto e da necessidade em o Estado de Goiás promover
a transferência da gestão de equipamentos públicos escolares da Educação
4 http://www.gabinetecivil.goias.gov.br/downloads/despacho_596.htm.
56
Básica a parceiros privados, aos quais competirá, seguindo a política
pública para a educação ditada pela Administração, executar a referida
atividade de relevância pública.
E são várias as razões que me levam a, como decisor governamental,
adotar o programa de parcerias de que aqui se cuida.
(…)
Assim que, razões de gestão e de economicidade, somadas ao atual quadro
de constrangimentos orçamentário e financeiro por que passa o Estado – o
que não é apanágio exclusivo da realidade goiana – levam-me a buscar
medida alternativa à realização de tão elevada despesa pública por meio do
integral provimento dos quadros do magistério. A propósito disso, vale
anotar que, com base em estudo técnico carreado aos autos (f. 633-641), o
aumento do gasto por aluno ou por professor não tem tido presentemente
efeito direto nas notas das escolas no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB), fator este que reputo como relevante para a
adoção da presente política pública de emparceiramento.
Nesse particular, é importante assentar que a adoção do modelo de gestão
compartilhada de unidades escolares, que no Estado pretendo
implantar, não importará em precarização da carreira do magistério
público, já que toda escola pública haverá de contar sempre com um
determinado percentual mínimo de professores ocupantes de cargo de
provimento efetivo e que ali haverão de ter exercício funcional mediante
cessão do Poder Público aos parceiros privados (art. 14-B, Lei estadual nº
15.503/05).
(…)
Nesses termos, consagrando a Lei estadual nº 15.503/05 a “educação” (art.
2º, I, “c”) como atividade de fomento público viável por meio de contrato
de gestão com organizações sociais, deve preparar-se agora o ente político
para dar concretude à referida hipótese de provisão. Assim que, ciente da
57
necessidade de dar novos e modernos contornos à gestão da educação
pública no Estado de Goiás, a transferência de unidades da Educação
Básica para organizações sociais, por meio da celebração de contratos de
gestão com o Poder Público, consubstancia medida que realiza o interesse
público.
(…)
Assim é que, à vista de tudo o que consta dos presentes autos, e em
atendimento ao que preceitua o parágrafo único do art. 6º da Lei estadual
nº 15.503/05, com redação dada pela Lei estadual nº 18.331/13, tenho por
bem, no exercício de minha competência governamental, determinar a
transferência da gestão de escolas públicas estaduais a organizações
sociais, por meio da celebração de contratos de gestão, nos estritos termos
do que estabelecem aquelas leis de regência e nos limites do que ditado
pelo Decreto nº 8.469/15, por concluir que a medida mostra-se por tudo
adequada ao atendimento do interesse público.
(…)
Enfim, para que a atividade de fomento público tenha lugar, e em
prosseguimento às preliminares providências administrativas
documentadas às f. 4-5 e f. 503 e, bem assim, em atenção ao conteúdo do
Decreto nº 8.469/15, determino à titular da Secretaria de Estado de
Educação, Cultura e Esporte (SEDUCE) e à Comissão Especial de que
trata o inciso II do § 1º do art. 6º-B da Lei estadual nº 15.503/05, a adoção
de todas as medidas necessárias à condução do processo público,
objetivo e impessoal para a transferência da gestão de unidades
escolares da rede básica de ensino, principiando por aquelas da
Subsecretaria de Educação de Anápolis, a organizações sociais de
educação.
Determino ainda que, em atenção à política pública em causa, a Secretaria
de Estado de Educação, Cultura e Esporte (SEDUCE) promova junto aos
58
municípios envolvidos na transferência da gestão de escolas públicas
estaduais a oferta de um fluxo de informações transparente e constante à
comunidade escolar – diretores, professores, servidores administrativos,
alunos e pais de alunos –, de modo a participá-la ativamente da
implantação desse importante e inovador modelo de gestão de escolas
públicas. (sem destaques no original)
Demais disso, verificou-se que, mesmo após as audiências públicas
realizadas pela Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte de Goiás, nas
Macrorregiões de Macrorregiões de Águas Lindas/Planaltina e Luziânia/Novo Gama, nos
dias 25/04/2017 e 18/05/2017, apesar das incisivas manifestações dos órgãos e entidades
militantes na área da educação, o projeto original não foi alterado, evidenciando que a
construção democrática do modelo de fato não ocorreu.
Ora, é clarividente que a decisão de “emparceiramento” na gestão das escolas
da rede pública estadual está sacramentada, ficando claro, ainda, que os diretores,
professores, servidores administrativos, alunos e pais de alunos deverão ser convencidos
acerca da adoção do modelo. Enfim, não há nada de democrático nesse processo de
transferência de gestão para organizações sociais.
Não se nega, à evidência, que o Governador do Estado foi eleito para tomar
diversas decisões em nome de seus concidadãos, porquanto é um legítimo representante do
povo. Todavia, quando se trata de ensino público, a Constituição Federal, a Constituição de
Goiás, as Leis Federais 8.069/1990, 9.394/1996 e 12.852/2012, a Lei Complementar-GO n.º
26/1998 e a Lei Estadual 13.909/2001 mitigam esse poder dos mandatários de ocasião.
De fato, a gestão democrática do ensino público confere aos professores,
diretores, servidores administrativos, alunos e pais de alunos o poder de participarem
59
diretamente - isto é, sem intermédio de representantes eleitos - da gestão administrativa,
didática e pedagógica das escolas e demais instituições de ensino público.
Ora, o direito político de todo cidadão participar da direção dos assuntos
públicos de seu País, de seu Estado e de seu Município, inclusive diretamente, decorre tanto
do parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, quanto do art. 23, 1, “a”, da
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Bem por
isso, o cidadão goiano tem direito a um contraditório substancial no processo de
transferência da gestão de escolas públicas estaduais para organizações sociais e não ser um
mero destinatário de propaganda do Governo do Estado.
Esse o quadro, em razão do deficit democrático que tem marcado o processo
de transferência da gestão de escolas públicas estaduais para organizações sociais no âmbito
do Estado de Goiás, afigura-se salutar a anulação do Aviso de Chamamento Público nº
01/2017.
G) DAS FRAGILIDADES DO PROCESSO DE HABILITAÇÃO DAS
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS EM MATÉRIA DE EDUCAÇÃO:
As fragilidades do processo de habilitação das organizações sociais em
matéria de educação são assaz evidentes e já resultaram no ajuizamento de diversas ações
civis públicas em face de outras organizações sociais que celebraram contratos de gestão de
objetos análogos em outras macrorregiões do Estado de Goiás.
Até o presente momento, a SEDUCE não publicou o resultado do
credenciamento correlato ao Aviso de Chamamento Público n. 01/2017, sendo este o único
motivo pelo qual uma das organizações sociais não foi inserida no polo passivo da presente
ação.
60
De toda sorte, impende salientar a ocorrência de múltiplas falhas no processo
de habilitação que precedeu a publicação de todos os Avisos de Chamamento Público
destinado à seleção de organizações sociais qualificadas em educação no âmbito deste
Estado para a celebração de Contratos de Gestão objetivando o gerenciamento, a
operacionalização e a execução das atividades administrativas, de apoio, para a implantação
e implementação de políticas pedagógicas, definidas pela SEDUCE, nas Unidades
Educacionais da Rede Pública Estadual de Ensino de diferentes macrorregiões, inclusive na
Macrorregião VIII – Águas Lindas/Planaltina.
De início, cumpre realçar as diversas ações civis públicas ajuizadas na
capital goiana em desfavor do Centro de Soluções em Tecnologia e Educação (Centeduc),
Centro de Gestão em Educação Continuada (Cegecon), Instituto REGER de Educação,
Cultura e Tecnologia (REGER), FUNDAÇÃO ANTARES DE ENSINO SUPERIOR,
PÓSGRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO (FAESPE) e Instituto Brasileiro de
Cultura, Educação, Desporto e Saúde (IBRACEDS), conforme amplamente divulgado pela
imprensa deste Estado e ilustrado pelos documentos de fls. 184/200 do incluso inquérito
civil.
Até o momento, duas organizações sociais (Oss) foram inabilitadas na sessão
pública de abertura dos envelopes do Chamamento Público n. 01/2017 mas lhes foi
concedido um prazo de 8 (oito) dias úteis para a entrega de novos envelopes (fls. 325/326 do
anexo inquérito civil), sendo elas o Instituto Brasileiro de Cultura, Educação, Desporto e
Saúde (IBRACEDS) e Instituto Destra de Educação.
Acerca do Instituto IBRACEDS, cumpre tecer algumas considerações.
A bem da verdade, a qualificação do IBRACEDS como organização social na
área de educação do Estado de Goiás foi uma verdadeira ação entre amigos. Em fevereiro de
2015 o IBRACEDS passou por uma reformulação completa em seu quadro de associados,
chamando a atenção do ingresso de uma pessoa: Gustavo Paixão Faleiros.
61
Gustavo Paixão Faleiros é filho de Antônio Faleiros Filho, que à época da
qualificação do IBRACEDS como organização social ocupava o cargo de Secretário de
Estado Extraordinário, situação que configura nepotismo.
Além do nepotismo, observe-se que Antônio Faleiros Filho foi designado
pelo Governador do Estado de Goiás, por meio do Decreto nº 8.441, de 28 de agosto de
2015, coordenador do Grupo de Trabalho instituído com a finalidade de proceder às medidas
necessárias à celebração de contratos de gestão por organizações sociais na área de
educação.
Ora, Antônio Faleiros Filho chefiava o grupo responsável por ter qualificado
a instituição do filho Gustavo Paixão Faleiros como organização social. Trata-se de
clarividente violação aos princípios da impessoalidade e da moralidade.
Vale registrar, em obiter dictum, que em 2011/2012 Antônio Faleiros Filho
foi Secretário de Estado da Saúde e nessa época André Luiz Braga das Dores foi diretor do
Hospital Geral de Goiânia (cargo em comissão), ou seja, subordinado diretamente ao
Secretário. Portanto, qualificar a associação do filho (Gustavo) e do amigo (André) foi algo
realmente inconstitucional, violador dos princípios da administração pública.
Ainda em caráter obiter dictum, para se ter uma ideia da “ação entre amigos”
no âmbito do IBRACEDS, após se sagrar vencedor do lote nº 01 do chamamento público nº
005/2016-SED, a organização social realizou diversos chamamentos públicos, entre eles o
edital de chamamento nº 001-A/2017 para contratação de assessoria jurídica pelo prazo de
12 (doze) meses e previsão de valor global de R$ 240.000,00.
No site do IBRACEDS consta o edital datado de 24/05/2017 e o prazo para
inscrição de 25/05 a 01/06/2017. Não se sabe se houve publicação em jornal de grande
62
circulação ou algo parecido que assegurasse transparência ao chamamento. No dia
01/06/2017 foram abertas as propostas e somente acorreram 3 (três) interessados, o que
causa espécie para um contrato dessa magnitude. Ademais, sabe-se que o mercado
advocatício passa por momentos dramáticos no país e um contrato que garanta até R$
20.000,00 por mês é bastante atrativo.
De todo modo, sagrou-se vencedor o escritório Brzezinski Advogados
Associados S/S, pertencente a João Paulo Brzezinski da Cunha, advogado pessoal do
Governador do Estado de Goiás Marconi Ferreira Perillo Júnior e ex-Defensor Público Geral
no período em que Antônio Faleiros Filho foi Secretário de Saúde.
O art. 2º, II, “d”, da Lei Estadual 15.503/2005 exige idoneidade moral dos
dirigentes das organizações sociais. Contudo, no processo de qualificação do IBRACEDS
percebe-se que essa exigência não foi observada.
A fim de avaliar a idoneidade moral de candidatos em concursos públicos, é
usual a Administração Pública exigir certidões dos ofícios da Justiça Estadual de distribuição
de feitos criminais, cíveis, protestos de títulos, interdição e tutela das cidades em que o
candidato reside ou residiu nos últimos 5 (cinco) anos, bem como certidões da Justiça
Federal, Eleitoral Militar da União e folhas de antecedentes da Polícia Civil e da Polícia
Federal.
Com efeito, essas certidões acima referidas são o mínimo para se aferir a
idoneidade moral de alguém, todavia, nem essas esse mínimo de zelo foi exigido dos
dirigentes da IBRACEDS.
André Luiz Braga das Dores é réu de ação penal (protocolo nº 458551-
56.2011.8.09.0175) e de ação de improbidade administrativa (protocolo nº
257105.49.2012.8.09.0051) decorrentes da rumorosa operação “Fundo Corrosivo”,
63
deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – GAECO do
Ministério Público do Estado de Goiás, a qual descobriu desvio de verbas do fundo rotativo
de hospitais públicos estaduais, dentre eles o Hospital Geral de Goiânia, à época dos fatos
chefiado por André.
Além dessas ações, André Luiz Braga das Dores responde à ação de
improbidade administrativa nº 307230.50.2014.8.09.0051, que sindica um dano ao erário do
importe de R$ 15.180.000,00.
Leandro Rodrigues de Almeida é réu em ação civil de improbidade
administrativa na Comarca de São Simão (protocolo nº 5600-83.2016.8.09.0173), sendo que
a acusação pode ser assim resumida: a) fraude à Carta Convite nº 057/2013; b)
superfaturamento do contrato nº 03/2013; c) pagamento por livros não entregues, fatos
ocorridos entre abril e junho de 2013, com prejuízo ao FUNDEB de São Simão/GO no
montante de R$ 74.257,06.
Assim, vê-se que André Luiz Braga das Dores e Leandro Rodrigues de
Almeida não possuem idoneidade moral para dirigirem uma organização social, conforme
exige a legislação goiana.
Como se vê, não houve aferição mínima de idoneidade moral dos membros
do IBRACEDS, pois uma simples exigência de certidões judiciais seria suficiente para
desqualificá-los como dirigentes de uma organização social.
O art. 2º, II, “d”, da Lei Estadual 15.503/2005 exige notória capacidade
profissional dos dirigentes das organizações sociais. Contudo, no processo de qualificação
do IBRACEDS percebe-se que essa exigência não foi observada.
64
No âmbito da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Desporto não foi
exigido nada a respeito da notória capacidade profissional dos dirigentes do IBRACEDS,
porquanto não foi feita nenhuma entrevista com os interessados, não houve a juntada de um
currículo sequer no momento em que os autos tramitaram na SEDUCE, não se sabe qual a
capacidade profissional de qualquer membro do IBRACEDS na área de educação, muito
menos se é notória ou não.
Enfim, agentes públicos da SEDUCE qualificaram o IBRACEDS como
organização social da área de educação e cultura sem avaliar o requisito legal de notória
capacidade profissional (fls. 400 e 414 do incluso inquérito civil).
A situação correlata ao Instituto Destra de Educação não difere muito.
Para desacolher a recomendação conjunta expedida pelo Ministério Público
do Estado de Goiás, Ministério Público Federal e Ministério Público Especial junto ao
Tribunal de Contas do Estado de Goiás, a segunda ré informou esta Promotoria de Justiça
que foram adotadas medidas para arrostar uma possível inidoneidade das entidades
participantes. Para tanto "passou-se a prever, como exigência de habilitação do edital de
chamamento 003/2017, certidões cíveis e criminais de todos os dirigentes das entidades,
inclusive conselheiros, além de tornar expressas as vedações legais" – fls. 334v e 335 do
inquérito civil anexo).
Ora, não fosse bastante tudo que já foi pontuado acerca dos membros do
Instituto Brasileiro de Cultura, Educação, Desporto e Saúde (IBRACEDS), observa-se que
Karla Azeredo Ramos de Castro e Marcus Vinicius Rodrigues Lima, Gerente de
Controladoria e Prestação de Contas da Destra e membro do Conselho Fiscal do Instituto
Destra de Educação, respectivamente, respondem a uma ação civil pública por ato de
improbidade administrativa (autos PROJUDI n. 54931-12.2016.8.09.0051) em razão de
possíveis danos ao erário no tocante a despesas relativas à manutenção de equipamentos
médico-hospitalares no Hospital Geral de Goiânia-HGG.
65
Karla Azeredo Ramos de Castro responde a outra ação civil de
responsabilidade por ato de improbidade administrativa, na qual teve bens bloqueados por
suspeita de dano ao erário pois, na condição de chefe da Divisão de Manutenção do Hospital
de Urgências de Goiânia (HUGO), ela e outros três servidores teriam atestado notas fiscais
sem que houvesse prova fundada de que as manutenções contratadas foram executadas.
Anote-se que a decisão liminar foi agravada mas foi mantida pelo Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.
O grande trânsito de pessoas entre as organizações sociais qualificadas para a
atuação nas áreas da saúde e educação, por si só, já é um forte indicativo de que as
organizações sociais qualificadas pelo Estado de Goiás nesta última seara não preenchem o
requisito legal da notória capacidade profissional.
A SEDUCE contrapôs-se à recomendação conjunta, salientando em sua
resposta que a falta de prévia experiência das organizações sociais participantes em matéria
de gestão educacional seria natural, por se tratar de um “modelo inovador”, sem qualquer
paralelo no país (fl. 334v do inquérito civil).
Ao fazê-lo, porém, reconheceu expressamente que elas não possuem
experiência em matéria educacional.
Ademais, por ocasião das audiências públicas, representantes da SEDUCE
defendiam que a idoneidade e a capacidade de desempenho das organizações sociais seria
medida pela pessoa de seus gestores.
Verifica-se, portanto, que não fosse bastante a fragilidade do modelo
66
defendido, no caso em análise, a Secretaria de Educação do Estado de Goiás encontra-se em
vias de contratar organizações sociais constituídas às pressas para incursionar pela seara da
educação, cujos membros respondem a ações de improbidade administrativa inclusive por
atos lesivos ao erário, o que torna as suas inidoneidades inequívocas.
III - DA TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA EM CARÁTER LIMINAR
O Novo Código de Processo Civil cuidou da tutela provisória em seus arts.
294 a 311 e disciplinou a tutela provisória de urgência mais especificamente nos artigos 300
a 302. Sobre o tema, dispôs o art. 294:
Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou
evidência.
Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada,
pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.
Textualmente, dispôs o art. 300 do Novo Diploma Processual Civil que a
“tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”, com o
que o Novo Código conferiu a mesma disciplina basilar às tutelas provisórias de cunho
satisfativo e cautelar, sobretudo quanto aos pressupostos.
Como se vê, com a nova disciplina conferida ao tema, os dois clássicos
pressupostos da tutela de urgência, a saber, a “a fumaça do bom direito” e o “perigo da
demora” foram transformados em “probabilidade do direito” e “perigo de dano ou risco ao
resultado útil do processo” e já não se fala, tampouco, em demonstração da “prova
inequívoca” ou “verossimilhança do direito” para o deferimento de uma tutela provisória.
A tutela provisória de urgência destina-se a arrostar uma situação de risco ao
resultado colimado por intermédio da tutela jurisdicional, bastando, para tanto, a
67
demonstração da probabilidade do direito alegado e do perigo de dano ou risco ao resultado
do processo.
O quadro fático-jurídico até o momento analisado justifica a concessão
da tutela provisória de urgência para a suspensão do Aviso de Chamamento Público nº
01/2017, haja vista a probabilidade do direito alegado e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo.
Para as obrigações de fazer e não fazer, a concessão da tutela de urgência de
natureza satisfativa (antecipada) possui previsão nos artigos 300 a 304 do Novo Código de
Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), aplicável à Ação Civil Pública por
força do que dispõe o artigo 19 da Lei 7.347/855. Como bem salienta Lúcia Valle Figueiredo,
citada por Rodolfo de Camargo Mancuso (in Ação Civil Pública, 5ª edição, p. 145, Editora
Revista dos Tribunais):
“Deverá o magistrado pela prova trazida aos autos, no momento da concessão
da tutela, estar convencido de que, ao que tudo indica – o autor tem razão e a
procrastinação do feito ou sua delonga normal poderia pôr em risco o bem de
vida protegido – dano irreparável ou de difícil reparação. A irreparabilidade
do dano na ação civil pública é manifesta, na hipótese de procedência da
ação. A volta do ‘status quo ante’ é praticamente impossível e o ‘fluid
recovery’ não será suficiente a elidir o dano.
Mister também salientar que os valores envolvidos na ação civil pública
têm abrigo constitucional. A lesão a ditos valores será sempre irreparável
(danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valores
histórico, turístico e paisagístico)”.
5 Intepretação analógica do dispositivo legal, uma vez que que o artigo 19 da Lei 7.347/85 se refere ao
revogado Código de Processo Civil de 1973.
68
O art. 84, § 3°, do Código de Defesa do Consumidor, incidente no caso por
integrar o microssistema processual coletivo, autoriza a concessão de tutela liminarmente ou
após justificação prévia, quando for relevante o fundamento da demanda e houver justificado
receio de ineficácia do provimento final.
Por sua vez, a Lei 7.347/85, que disciplina a ação civil pública, contém
expresso preceito permissivo do deferimento de medida liminar, contido no artigo 12,
segundo o qual “poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia,
em decisão sujeita ao agravo”.
Em face da absoluta harmonia com o instituto regulado pelos artigos 303 e
304 do novel Código de Processo Civil, tem-se por inegável a natureza antecipatória da
medida liminar encartada no Código de Defesa do Consumidor e na Lei da Ação Civil
Pública.
A concessão da tutela de urgência antecipada, pois, possui os seguintes
requisitos essenciais: a apresentação no bojo do processo de elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
No caso em exame, dúvidas não restam quanto à probabilidade do direito
alegado, consoante se infere dos argumentos e dispositivos legais trabalhados
exaustivamente nos tópicos acima, sobretudo em virtude da afronta à regra específica que
dispõe sobre a necessidade de seleção dos profissionais da educação escolar por meio de
concurso público (art. 206, inciso V, da Constituição Federal) e da violação à meta 18.1 do
Plano Nacional de Educação, estabelecido pela Lei Federal n.º 13.005/14 e à estratégia 19.1
do Plano Estadual de Educação do Estado de Goiás, aprovado pela Lei Estadual n.
18.969/15.
A inconstitucionalidade e ilegalidade do projeto foi destacada para o Estado
de Goiás para a SEDUCE-GO por intermédio da recomendação conjunta expedida pelo
69
MPGO/MPF-GO/MPC-GO (fls. 303/324 do inquérito civil n. 201700328219), na qual, em
breve síntese, foram levantados os seguintes pontos:
a prestação do serviço educacional é obrigação direta e intransferível do Ente
Estadual e da respectiva Secretaria investida de atribuições para tal, nos termos da
CRFB e da legislação infraconstitucional pertinente;
não há elementos suficientes oferecidos pelo Estado de Goiás e pela SEDUCE-GO
no chamamento público que comprovem a economicidade do modelo a ser
implantado.
não existe um planejamento dos pólos passivos para conciliar uma gestão privada e
as atribuições históricas dos servidores eleitos pelas próprias comunidades escolares
para gerirem as unidades, fato que enseja verdadeira distorção do princípio da gestão
democrática, previsto na CRFB e nas LDB's nacional e estadual;
O Aviso e Chamamento Público nº 1/2017 não prevê um percentual máximo de
professores e servidores administrativos que poderão ser contratados sob regime
celetista, razão por que as Oss contratadas poderiam se valer de 0 a 100% desses
servidores.
Extrapolamento dos limites da gestão compartilhada, já que no aviso de chamamento
pretende-se celebrar contratos de gestão para a execução de atividades na área de
educação que extrapolam a esfera administrativa e estrutural das unidades de ensino,
de sorte a atingir a gestão pedagógica.
Os objetivos constitucionais da educação, assim entendida como processo
pedagógico de aprendizagem ou acesso ao conhecimento, são incompatíveis com os
objetivos da parceria com as OSs e a lógica do lucro.
A decisão do STF na ADI nº 1923 não se aplica integralmente ao caso analisado,
especialmente em virtude da Emenda Constitucional nº 53/09, que condicionou o
ingresso no magistério das redes públicas de ensino à aprovação em concurso
público.
70
Com efeito, a probabilidade do direito alegado está plenamente evidenciada
pela flagrante desobediência às normas constitucionais e infraconstitucionais já referidas. O
processo de transferência de gestão das unidades escolares da macrorregião Anápolis é
temerário e está repleto de indícios que poderá ensejar futuras irregularidades, além de
prejuízos ao erário e ao processo educacional dos discentes envolvidos, conforme a
documentação anexada.
O perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo não é menos
induvidoso.
A permissão da continuidade do processo iniciado no Chamamento Público nº
001/2017, por outro lado, poderá acarretar atos lesivos aos interesses tutelados nesta ação,
com prejuízos inestimáveis e irreversíveis à educação de milhares de crianças,
adolescentes e jovens decorrentes de uma mudança drástica de gestão, sem qualquer
garantia por parte das organizações sociais selecionadas.
A probabilidade de dano ao patrimônio público é manifesta, na medida
em que sequer serão exigidas garantias por parte das organizações para o recebimento
de tão vultosos recursos, na casa de milhões de reais. Ademais, diversos pontos já destacados
nesta ação demonstram a total falta de controle dos valores repassados e do modo de
utilização de tais recursos públicos, abrindo espaço para graves desvios de tais recursos
Com educação básica obrigatória e pública não se pode experimentar, ainda
mais em larga escala e sem garantias como quer o governo do Estado.
No ponto, vale efetuar um paralelo entre a situação ora analisada e a decisão
proferida pelo Tribunal de Justiça de Goiás nos autos nº 201203818275, referente ao repasse
da gestão de hospitais públicos estaduais a organizações sociais, cuja integralidade do texto
segue abaixo:
71
“DECISÃO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS propôs ação civil
pública, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, em desfavor do
ESTADO DE GOIÁS e outros.
Aduz que o Estado de Goiás decidiu por repassar a gerência de hospitais
estaduais, firmando contratos de gestão, para organizações sociais. Afirma
que o Estado não homologou a decisão do Conselho Estadual de Saúde que
teria se manifestado negativamente quanto a celebração de tais contratos.
Sustenta que o serviços repassados às organizações sociais são previamente
quantificados nos contratos e pagos, independente de sua efetiva execução.
Complementa que, caso não haja a efetiva execução do serviço em dado
período, o pagamento referente à parcela subsequente poderá sofrer redução
de 10 a 20% tão-somente, havendo contratos de gestão que não prevêem
redução alguma.
Verbera que, nesses contratos, as O.S.s poderão contratar até 50% dos
empregados de forma direta, sob o regime celetista, podendo despender,
dependendo do contrato, de 60% a 70% do valor do contrato para gastos
com pessoal. Ressalta que, em função de tais previsões contratuais, muitos
servidores concursados vêm sendo removidos e lotados onde as vagas já
foram preenchidas.
Ressalta o modelo de gerência adotado viola o princípio da
complementaridade da atuação da inciativa privada no SUS.
Alega que os contratos de gestão consomem vultosas quantias, o que
comprovaria a capacidade do Estado de prestar diretamente o serviço
público de saúde, sem ter que recorrer a contratos de gestão.
Requer, em sede de antecipação de tutela, a proibição ao Estado de Goiás de
renovar ou prorrogar os contratos já celebrados com as organizações
sociais, bem como proibir celebração de novos contratos de gestão; além
72
disso, requer a reassunção das ações e serviços de saúde nos hospitais
estaduais, para que o Estado preste diretamente o serviço público de saúde.
A inicial seguiu instruída dos documentos de fls. 65 a 1601.
Determinou-se que o Estado de Goiás se manifestasse quanto ao pedido
liminar à fl.1602.
O Estado de Goiás manifestou-se às fls. 1606 a 1613, ocasião em que
afirmou haver risco de dano irreparável de maneira reversa, pois, se
concedida a antecipação, o Estado não poderá voltar a prestar o serviço de
forma direta imediatamente.
Breve relato.
Decido.
O Código de Processo Civil ao tratar da antecipação de tutela estabelece:
Art. 273 - O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e :
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II -
fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu.
Vislumbra-se a ausência de risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
A suspensão imediata dos serviços prestados pelas OS ou a proibição de
renovação ou prorrogação, nos moldes propostos pelo Ministério Público
poderá acarretar perigo à saúde da população, uma vez que esta poderá
ficar privada desse serviço essencial. Conforme o Parquet bem relembrou
por diversas vezes, tais contratos implicaram em vultosos gastos por parte da
Administração para permitir a execução do objeto do contrato, qual seja a
prestação do serviço de saúde, de modo que sua imediata suspensão traria
mais prejuízos do benefícios. O perigo é inverso.
Ademais, o lapso temporal entre a cessão da atuação das organizações
sociais e a retomada da prestação do serviço por parte do Estado, por menor
73
que seja, é suficiente para gerar graves danos àqueles que dependem dos
hospitais estaduais para tratarem da saúde.
No que tange ao pedido liminar de não celebração de novos contratos de
gestão, considerando a gravidade das irregularidades apontadas pelo
Ministério Público no referidos contratos, quanto a sua forma de execução,
pagamento, metas, e à possibilidade de dispensa de 50% dos funcionários
para que sejam substituídos por celetistas, bem como pelo vultoso dispêndio
do erário para manter tais contratos, prudente evitar que novos contratos
sejam firmados, a fim de que se evite a perpetuação de tão severas
irregularidades.
Assim sendo, indefiro o pedido de antecipação da tutela para proibir a
renovação ou prorrogação dos contratos de gestão.
Defiro o pedido de proibição de celebração de novos contratos, com
organizações sociais, para gestão dos hospitais estaduais goianos.
Citem-se os réus.
Intimem-se
Goiânia, 13 de dezembro de 2012.
EDUARDO PIO MASCARENHAS DA SILVA
Juiz de Direito”
Infere-se, dessa maneira, que todos os requisitos do instituto da tutela de
urgência se fazem presentes, valendo destacar, na esteira da decisão acima transcrita, que a
concessão da liminar vindicada é “prudente evitar que novos contratos sejam firmados, a fim
de que se evite a perpetuação de tão severas irregularidades”. Impedir que os contratos na
área da educação se iniciem, de tal modo, está nas mãos do juízo competente para a presente
ação. Nesses termos, na linha da atualizada doutrina, o deferimento da tutela de urgência
passa a ser de rigor e não mais mera faculdade do Juiz.
74
Esse é o entendimento de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery,
que, embora ainda baseado no Código de Processo Civil de 1973, analisa o mesmo instituto
atualizado pela Lei nº 13.105/2015:
“Embora a expressão 'poderá', constante do CPC 273 caput, possa indicar
faculdade e discricionariedade do juiz, na verdade constitui obrigação, sendo
dever do magistrado conceder a tutela antecipatória, desde que preenchidos os
requisitos legais para tanto não sendo lícito concedê-la ou negá-la pura e
simplesmente. Para isto tem o juiz o livre convencimento motivado (CPC
131): convencendo-se da presença dos requisitos legais, deve o juiz conceder
a antecipação da tutela; caso as provas não o convençam dessa circunstância,
deve negar a medida. O que o sistema não admite é o fato de o juiz,
convencendo-se de que é necessária a medida e do preenchimento dos
pressupostos legais, ainda assim negue-a. A liminar pode ser concedida com
ou sem a ouvida da parte contrária. (apud in Código de Processo Civil
Comentado - 3ª edição - Ed. RT - pág. 547)”.
Vale dizer, se há nos autos provas cabais dos fatos e da subsunção dos fatos
ao direito alegado, como no presente caso existe e, ainda, comprovado risco de que a demora
pode gerar perigo de dano irreparável, os requisitos da tutela de urgência encontram-se
satisfeitos, impondo-se, por medida de absoluta Justiça, o deferimento do pedido.
Somem-se a isto os conflitos que têm ocorrido como consequência de
protestos sociais contra as medidas tomadas pelo Estado de Goiás e pela SEDUCE-GO no
processo de transferência de gestão, exemplificados pelas seguintes matérias jornalísticas
publicadas:
75
- 6PMs e estudantes ficam feridos em protesto contra OSs na Educação - Três militares
tiveram lesões; corporação diz que tentou coibir 'atos violentos'. Não há número confirmado
de jovens feridos; eles reclamam de agressões.
- 7PM aponta arma para estudante em ato contra OSs na Educação - Corporação
confirmou denúncias de que homem se trata de um policial. Fato aconteceu em protesto
contra terceirização de escolas estaduais, em GO.
- 8Alunos ocupam escola estadual em protesto contra terceirização, em GO - Eles
criticam medida de conceder gestão da Educação para Oss. Secretaria diz que colégio está
fechado e defende novo modelo: 'Parceria'.
Quanto mais tempo perdurar a vigência do Chamamento Público nº 001/2017 e
todas as consequências negativas dele decorrentes, maior a chance das graves violações apontadas
tornarem-se inviáveis e irreversíveis, sob pena de se forjar um problema crônico educacional, de
proporções e consequências sociais relevantes.
IV – DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, o Ministério Público do Estado de Goiás e o
Ministério Público de Contas Junto ao Tribunal de Contas do Estado de Goiás requerem:
1 - a concessão da tutela de urgência pleiteada liminarmente e especificada no capítulo III
desta inicial, inaudita altera parte e independentemente de justificação prévia, consistente
6 Disponível em: http://g1.globo.com/goias/noticia/2016/05/pms-e-estudantes-ficam-feridos-em-
protesto-contra-oss-na-educacao.html . Acesso em 04/10/2016, às 15h.
7 Disponível em: http://g1.globo.com/goias/noticia/2016/01/pm-aponta-arma-para-estudante-em-ato-
contra-oss-na-educacao-veja.html . Acesso em 04/10/2016, às 15:10h.
8 Disponível em: http://g1.globo.com/goias/noticia/2015/12/alunos-ocupam-colegio-publico-em-
protesto-contra-terceirizacao-em-go.html . Acesso em 04/10/2016, às 15:15h.
76
em obrigação de fazer no sentido de determinar que o Estado de Goiás e a SEDUCE-GO
suspendam imediatamente o Chamamento Público nº 001/2017;
1.2 - a fixação de astreintes no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia de
descumprimento da ordem, a incidir sobre o patrimônio pessoal da Secretária Municipal de
Educação, e de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia de descumprimento em desfavor
do Estado de Goiás, a ser revertida em favor do Fundo Estadual dos Direitos da Criança e
do Adolescente (art. 214 do ECA);
2 - seja determinado pelo Juízo remessa de planilha, por parte dos requeridos, com os custos
exatos que foram dispendidos nas propagandas, nos meios de comunicação privados diversos, em
defesa do modelo de gestão compartilhada proposto;
3 – uma vez recebida a inicial e concedida a liminar, a citação dos réus para, querendo,
oferecerem resposta no prazo legal;
4 - a juntada de documentos contidos nos autos extrajudiciais no 201700328219, bem como
a produção de todas as provas admitidas em direito;
5 – ao cabo, a procedência do pedido para que seja declarada a nulidade do edital de
Chamamento Público nº 001/2017 e o(s) contrato(s) de gestão dele decorrente(s), em virtude
de sua flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade, e, caso reste comprovada lesão ao
patrimônio público nas referidas divulgações em massa, sejam as pessoas físicas responsáveis
condenadas ao integral ressarcimento do dano, nos termos do artigo 5º da Lei nº 8.429/92;
6 - seja determinada obrigação de não fazer no sentido de que o Estado de Goiás e a SEDUCE-
GO se abstenham de lançar novos chamamentos com a mesma natureza e objeto similar ao
conteúdo da presente ação, ou seja, repasse de gestão de unidades escolares públicas a
organizações sociais;
77
7 - a condenação do réu ao pagamento das custas e demais ônus sucumbenciais e a dispensa
do adiantamento de custas, emolumentos e outros encargos, em face do previsto no art. 18 da
Lei n. 7.347/85 e do art. 87 da Lei n. 8.078/90.
Opta-se pela não realização audiência de conciliação ou de mediação, nos
termos do artigo 319, inciso VII, do novo Código de Processo Civil, haja vista os direitos
tutelados nesta ação se configurarem como indisponíveis.
Atribui-se à causa o valor de R$ 104.300.940,00, valor do desembolso
estimado ao longo de três anos definido pela SEDUCE para compor o Contrato de Gestão da
MACRORREGIÃO VIII – ÁGUAS LINDAS/PLANALTINA.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
Santo Antônio do Descoberto, 04 de setembro de 2017
ANA CAROLINA PORTELINHA FALCONI
AIRES Promotora de Justiça
FABIANA LEMES ZAMALLOA DO PRADO Promotora de Justiça
LUCRÉCIA CRISTINA GUIMARÃES Promotora de Justiça
DANIEL LIMA PESSOA Promotor de Justiça
FERNANDO AURVALLE DA SILVA KREBS Promotor de Justiça
MAÍSA DE CASTRO SOUSA BARBOSA Procuradora do Ministério Público de Contas junto ao
TCE
TARCILA SANTOS BRITTO GOMES
Promtora de Justiça