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Maria Manuela da Silva Fases de um processo de Desenvolvimento Comunitário As técnicas clássicas de desenvolvimento não se mostraram eficientes para promover o crescimento de certas zonas, conhecidas por isso pela designação de «regiões-problema». A técnica de desenvolvimento comunitário, apresentando a vantagem de aproveitar da- dos da Economia e da Psicologia, procura vir ao encontro dessa dificuldade e baseia-se fundamentalmente na adesão das populações e sua participação efectiva em todas as fa- ses do processo de desenvolvimento. I —O DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO TÉCNICA DE ACELERAÇÃO DO PROGRESSO DAS «REGIÕES-PROBLEMA» 1. Noção de «regiões-problema» Todos os países, mesmo os que hoje são mais desenvolvidos do ponto de vista económico e social,, conheceram regiões que não acompanharam espontaneamente o fenómeno do crescimento ou expansão económica que entretanto se verificava em zonas vizi- nhas. Serve de exemplo o caso da Holanda, onde presentemente se registam taxas de capitação de rendimento das mais elevadas da Europa e onde a repartição do rendimento é das mais uniformes. Neste país, ainda hoje certas regiões são consideradas para efeito da política social e económica, como «regiões-problema», mere- cendo do Governo central ou provincial uma atenção particular. O fenómeno de uma diversidade grande de estádios econó- micos no interior de um mesmo país é, porém, mais típico e assume proporções mais alarmantes nos países que ainda têm de considerar-se apenas em vias de desenvolvimento. 538

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MariaManuela

daSilva

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As técnicas clássicas de desenvolvimentonão se mostraram eficientes para promovero crescimento de certas zonas, conhecidas porisso pela designação de «regiões-problema».A técnica de desenvolvimento comunitário,apresentando a vantagem de aproveitar da-dos da Economia e da Psicologia, procuravir ao encontro dessa dificuldade e baseia-sefundamentalmente na adesão das populaçõese sua participação efectiva em todas as fa-ses do processo de desenvolvimento.

I —O DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO — TÉCNICA DEACELERAÇÃO DO PROGRESSO DAS «REGIÕES-PROBLEMA»

1. Noção de «regiões-problema»

Todos os países, mesmo os que hoje são mais desenvolvidosdo ponto de vista económico e social,, conheceram regiões que nãoacompanharam espontaneamente o fenómeno do crescimento ouexpansão económica que entretanto se verificava em zonas vizi-nhas. Serve de exemplo o caso da Holanda, onde presentemente seregistam taxas de capitação de rendimento das mais elevadas daEuropa e onde a repartição do rendimento é das mais uniformes.Neste país, ainda hoje certas regiões são consideradas para efeitoda política social e económica, como «regiões-problema», mere-cendo do Governo central ou provincial uma atenção particular.

O fenómeno de uma diversidade grande de estádios econó-micos no interior de um mesmo país é, porém, mais típico eassume proporções mais alarmantes nos países que ainda têm deconsiderar-se apenas em vias de desenvolvimento.

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Com efeito, este tipo de países conhece, a par de algumascidades cujo grau de progresso se poderá comparar ao dos cen-tros urbanos de qualquer país de mais alto nível de desenvolvi-mento económico, vastas regiões onde as condições de vida sãomuito primitivas e onde o progresso não chega a penetrar, tama-nhas são as barreiras que isolam tais regiões dos restantes cen-tros de desenvolvimento.

Em todos os países da África, sobressaem cidades comoElizabethvitte, Accra, Leopoldville, de nível de vida comparávelao das principais capitais da Europa; e todavia as restantes zonasdesses países continuam a braços com problemas económicos debase, problemas de subsistência e expansão.

Mesmo na Europa não podem esquecer-se situações como asda Itália dividida em duas zonas, norte e sul (incluindo esta asilhas Sardenha e Sicília), uma rica e outra paupérrima.

Finalmente, um são realismo leva-nos a olhar para o nossopróprio país e a reparar no mesmo fenómeno: no continente, apar de dois grandes pólos — Lisboa e Porto — a que eventual-mente se podem associar aiguns outros centros urbanos, vastasregiões onde a população vive em condições muito primitivas eonde os esforços de progresso em curso não conseguem deixarmarca apreciável.

As causas de atraso de algumas regiões em relação ao con-junto são múltiplas, podendo distinguir-se, entre elas, razões deordem geográfica, económica, histórica e sócio-cultural e psi-cológica.

A — Razões de ordem geográfica

Há regiões mais e menos dotadas do ponto de vista de re-cursos naturais, dependendo esteis, por sua vez, do solo, do clima,da situação geográfica, etc.

Este conjunto de factores impressionou sempre os economis-tas a ponto de, ainda em época que não vai longe, quase se acei-tar, como uma faitalidfade, os condicionalismos de ordem geográ-fica. Hoje, pelo contrário, conhecem-se técnicas apropriadas paraos corrigir ou pelo menos para contrabalançar os seus efeitos.

B — Razões de ordem económica

As regiões atrasadas vivem, em regra, segundo um esquemade economia de autoconsumo que não favorece, antes entrava, odesenvolvimento económico. Por outro lado, a exiguidade de ca-pitais, a falta de instrução e qualificação profissional das suaspopulações, a ignorância em relação às técnicas mais produtivas,a falta de poder de compra interno, etc. somam um conjunto derazões que constituem outros tantos entraves ao desenvolvimento

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C — Razões de ordem histórica e sócio-cultural

Pesam igualmente em sentido desfavorável ao desenvolvi-mento certos condicionalismos de carácter histórico ou sócio-cul-tural. Entre estes, cabe mencionar preconceitos contra a técnicae o progresso (obra demoníaca, pensa-se em certos meios fecha-dos), fuga das classes mais abastadas das actividades industriaise comerciais (que se consideram indignas e desprestigiantes), sis-tema feudal, estrutura familiar vincadamente patriarcal, regimede propriedade latifundiária ou minifundiária, preconceitos rela-tivos à transmissão da propriedade da terra, etc.

D — Razões de ordem psicológica

Mencionamos em último lugar um tipo de factores que, decerto modo, resume e condensa os restantes — a atitude mentalda população em face do progresso.

A população quer ou não progredir? Acredita, duvida ounega a possibilidade de uma situação melhor? Está convencidade que o desenvoOvimento pode ser obra sua ou tudo espera daautoridade ?

Acontece que nas regiões atrasadas, regra geral, as popula-ções vivem fechadas sobre si mesmas e isoladas (de facto porfaíta de meios de comunicação ou pelo menos psicologicamentepor falta de diálogo e de comunicação entre as classes de dife-rente nível de vida). E, assim sendo, nem sempre são penetráveispelo sopro de progresso que anima as restantes populações.

As razões apontadas explicam sumariamente uma situaçãode atraso económico-social; abrem também caminho à compreen-são de que uma população atrasada entregue a si mesma não sónão tem possibilidades de progredir como está fortemente amea-çada de retrocesso. As causas anteriormente apontadas são, comefeito, factores de agravamento da situação porquanto geramnovas situações ainda mais fortemente contraditórias do desen-volvimento.

Como consequência — a menos que intervenha um factorexterno — a desiigualdade entre as regiões mais evoluídas e asmais atrasadas tenderá a agravar-se. Semelhante situação nãosó se reflecte sobre as regiões menos evoluídas — votadas à estag-nação e retrocesso como já dissemos — como tem repercussão nasregiões desenvolvidas, constituindo, a longo prazo, um obstáculoà sua expansão. Isto por múltiplas razões que podemos condensarnas seguinte®:

— Um desnivelamento muito acentuado de condições de vidaprovoca inevitavelmente migrações maciças dos centros

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menos desenvolvido® para os mais evoluídos. O êxodo ru-ral que assim se acelera só excepcionalmente poderá vira ser absorvido pelo ritmo da expansão dos centros urba-nos; mais provavelmente se constituirá um volume de de-semprego que, por seu turno, fará pressão no sentido dobaixo nível geral de salários além de que, por si só, consti-tui factor de instabilidade social e descontentamento.

— A necessidade de amplo mercado, típica de todos os pro-cessos de expansão, também é prejudicada pela failta depoder de compra das extensas camadas da população daszonas subdesenvolvidas.

— O baixo grau de instrução e qualificação das populaçõesmais subdesenvolvidas virá a ameaçar, a longo prazo, aexpansão da indústria quando esta necessitar de pessoalqualificado e especializado, bem como de quadros dirigen-tes e não encontrar onde (fazer o seu recrutamento.

— Por último, a existência nas grandes cidades de massashumanas desaidaptadas, sem trabailho, sem cuiltura, semrendimento adequado constitui, além de um encargo one-roso para a Assistência Pública uma ameaça constante eséria para a estabilidade e a paz social interna, de quenão pode abstrair-se.

A enumeratíão destes factores e a referência à situação dosubdesenvolvimento nos termos em que o fizemos não se propõeter cunho de uma análise desenvolvida; visa, tão-somente, mos-trar a relevância do problema em geral, a oportunidade de sereflectir sobre ele, relativamente ao caso português e, bem assim,abre caminho ao reconhecimento da necessidade de um processode expansão que seja verdadeiramente eficaz na promoção do bem--estar individual e colectivo nas áreas mais desfavorecidas. É sobreeste último assunto que faremos algumas considerações nas pá-ginas seguintes.

2. Insuficiência das medidas exclusivamente económicas

A situação atrás descrita torna clara a necessidade de umaacção concertada em ordem à aceleração do crescimento económicodas zonas subdesenvoVidas e sugere que tal acção tem de partirde um estímulo exterior, já que, nesse tipo de colectividades, asituação não é de molde a, por si só, espontaneamente fazer surgirum processo acelerado de desenvolvimento.

Este fenómeno passou despercebido à teoria clássica do de-senvolvimento. Para esta, a política de desenvolvimento equacio-nava-se em termos puramente económicos: investimento e pro-cura. Mais tarde, a noção de plano económico como técnica de

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ordenação funcional dos recursos potenciais existentes às necessi-dades assumiu aquele esquema de desenvolvimento e limitou-se,por seu turno, a prever fontes de investimentos e a criar merca-cados. Este esquema, que se mostrou válido para a aceleração doritmo de expansão de economias já evoluídas, revelou-se, porém,inteiramente inoperante e mesmo contraditório para os casos úegrande atraso sob o ponto de vista cultural, económico e social.

As experiências feitas demonstram, mais inequivocamente doque todas as argumentações, que o desenvolvimento das regiõesmuito atrasadas não é mera questão de novo equipamento, novasindústrias, habitações mais confortáveis, escolas novas, melhoresestradas ou transportes. Ainda que fosse possível obter todo esteconjunto de infraestruturas e estruturas para todas as colectivi-dades— o que certamente não acontecerá dada a escassez demeios que carateriza essas economias — tais melhoramentos depouco serviriam ao desenvolvimento se a população, que se supõevir a beneficiar deles, não sofresse, concomitantemente, uma trans-formação de mentalidade profunda.

O desenvolvimento não é um fenómeno meramente quanti-tativo, uma questão de — «mais ter»; é, igualmente, um fenómenoqualitativo — deve traduzir-se, portanto, por «mais ser» ou «me-lhor ser» (expressões do P.e Lebret e do Círculo de Economieet Humanisme). Só um processo que mergulhe as suas raízes namentalidade da população e seja capaz de operar nela uma trans-formação suficientemente profunda terá garantia de ser eficaz ede ter continuidade.

O facto de blocos habitacionais confortáveis e limpos ficaremdesertos por fadta de moradores que entretanto se acomodam emburacos ou bairros de lata (ex. da Itália meridional, do Marrocosfrancês, etc) é um exempJo, entre muitos, da carência de eficáciade medidas que não foram acompanhadas por um esforço paraleloda educação (tome-se a expressão no seu sentido lato, de trans-formação de atitude em face da vida).

Por outro lado, reconhece-se hoje que não pode dispensar-seo concurso das populações para o seu próprio desenvolvimentoem virtude da exiguidiade dos recursos em relação às necessidadesgerais que há para satisfazer. Nunca um plano, por maisi ambi-cioso que seja e por mais amplos que sejam os recursos de quedisponha, poderá prever e dar satisfação a todas as situaçõesparticulares a que, aliás, só os próprios muitas vezes são sensí-veis. Daqui, uma nova razão justificativa da importância das téc-nicas capazes de dinamizar as populações, de as tornar cons-cientes das suas necessidades e recursosi potenciais e de as habilitara unir os seus esforços num procesiso comum díe satisfação dassuas próprias necessidades. Com esite objectivo têm vindo a expe-rimentar-se algumas técnicas que se inspiram fundamentalmente

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nos conhecimentos da moderna psicologia, educação de base, ser-viço social de grupo e de comunidade, etc.

Estas técnicas não vêm disipensar a resolução dos problemaseconómicos de base a que têm de fazer face as economias subevo-luídas, mas vêm preparar as populações para desejar o desenvol-vimento, assimilá-lo sem desajustamentos excessivamente gravese torná-lo possível e duradouro.

O desenvolvimento comunitário situa-se no tipo de técnicasatrás referido; conquanto venha a ser praticado de há muito deforma empírica, a sua formulação científica é relativamente re-cente. Trata-se de uma conjugação de dois tipos de contributosao desenvolvimento: os específicos da análise económica e os dastécnicas psicológicas. Nisto consiste a sua originalidade1.

3. O desenvolvimento comunitário no quadro das técnicas de ace-leração do crescimento económico das «regiões-problema»

Não repetiremos aqui o que em outro trabalho tivemos oca-sião de escrever sobre a noção de desenvolvimento comunitário,seus princípios fundamentais e características mais relevantes.Limitamo-nos a recordar a definição adoptada pelas Nações Uni-das e hoje aceite comummente como ponto de partida.

O termo desenvolvimento comunitário entrou na linguageminternacional para designar «o conjunto dos processos pelos quaisuma população une os senis esforços aos dos poderes públicos como fim de melhorar a sua situação económica, cultural e social ebem assim integrar-se na vida da nação e contribuir para o pro-gresso nacional geral».

Não se ignara que nesta definição se contêm elementos con-traditórios. Que a população voluntariamente se associe e cooperepara alcançar um nível de vida superior afigura-se desde logoum objectivo de consecução certamente difícil mas talvez possível.

Mas como conseguir incutir nos governos o sentido dos inte-resses particulares das diferentes comunidades? Como despertarnestas a necessidade de equacionar os seus problemas específicosem termos de unidades regionais cada vez mais vastas e bem assimincutir-lhes o sentido do esforço comum com vista ao progressonacional gerai? Esta é uma meta que não se vê facilmente comoconseguir. A dificuldade é real e dá a alguns margem para duvi-dar do êxito do desenvolvimento comunitário, receando que ele setorne um processo demasiadamente longo, quando não puramenteutópico.

i Para maior conhecimento da técnica de desenvolvimento comunitá-rio, veja-se M. M. SILVA, Desenvolvimento comunitário — uma técnica deprogresso social, A. I. P., Lisboa^ 1961. Neste livro inclui-se uma referênciabibliográfica especializada por temas que poderá ajudar o leitor a iniciar-sena literatura produzida sobre o desenvolvimento comunitário.

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Os factos, porém, demonstram que, ao contrario, é possívelsuperar a aparente antinomia de interesses entre os governos cen-trais e as popullações locais justamente atravéSf da técnica dodesenvolvimento comunitário.

Quanto à possível lentidão do processo—haja em vista queele repousa numa base psicológica e está sujeito, portanto, aoritmo próprio da evolução dasi pessoas! e dos grupo® humanos —há que responder que, numa perspectiva de longo prazo, esta pos-sível lentidão d!o arranque é inteiramente compensada porquantoo desenvolvimento comunitário introduz na colectividade um ele-mento dinâmico que, a partir de certa aJtuira, é capaz de só porsi acelerar e dar continuidade ao processo de expansão.

Em favor do desenvolvimento comunitário diz-se ainda que,se o desenvolvimento opera sempre uma transformação profundados indivíduos e dos grupos humanos, devem ser estes os autoresdessa transformação — tomando consciência dela, escolhendo-a,assumindo-a, realizando-a, que o mesmo é dázer que o desenvolvi-mento deve processar-se por iniciativa, com a participação e soba responsabilidade daqueles a quem vai beneficiar, como é daíndole do desenvolvimento comunitário.

Tocamos aqui mm ponto importante o qual é o da relaçãoentre a iniciativa dos indivídiuosi e a dos governos em matéria dedesenvolvimento.

Numa planificação central de tipo autoritário, toda a inicia-tiva do desenvolvimento parte do Estado, sendo o governo centralresponsável pelia concepção, execução e revisão do plano. Mesmonos casos — hoje consentes— da planificação em sistemas nãototalitários, o plano não perde esta característica de instrumentoda política económica centrai, elaborado e conduzido segundo aresponsabilidade da Administração Pública.

O desenvolvimento comunitário, ao contrário, parte da base,das necessidades sentidas pela população e sobre elas constrói oplano de acção contando, desde o começo, com a iniciativa, a res-ponsabilidade e liberdade de escolha por parte dos interessados.

Seria errado deduzir daqui que o desenvolvimento comuni-tário é uma solução em si mesma completa para o problema dodesenvolvimento das áreas atrasadas, dispensando outras formasde actuação. Mas é inegável que ele vem preencher uma lacunamanifesta nas políticas tradicionais — a qual é a falta deintegração do povo no processo de desenvolvimento. Atravésde uma identificação psicológica entre a população e o plano,de uma mobilização geral dos recursos potenciais existentesao nível da colectividade, o desenvolvimente comunitário operatransformações substanciais no modo de viver dos povo® e pre-para uma mentailMade nova favorável ao progresso, capaz de oassimilar e apta á cooperaçãa Todavia,, esta técnica não serve para

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cobrir as necessidades de base a todo o processo de desenvolvi-mento, tais como reformas do regime de propriedade, alarga-mento e aperfeiçoamento da rede geral de comunicações no País,extensão e aperfeiçoamento do sistema de crédito, incremento dainvestigação, instalação das grandes indústrias, centrais eléctri-cas, obras de irrigação, etc.

Do que fica exposto, pode afirmar-se que a solução idealpara a aceleração do procesiso de desenvolvimento das regiõesatrasadas é a que permite combinar as vantagens de uma progra-mação global com os benefícios de uima participação voluntáriado povo no progresso, isto é, a conjugação do plano central quedefine as grandes dinhas da política de fomento com o desenvoívi-mento comunitário.

Podem existir experiências de desenvolvimento comunitárioaqui e além sem um apoio directo dos governos centrais ou regio-nais; toâavia, tais experiências ficarão isempre limitadas na suadimensão se não for possível, a certa altura, contar com o apoiotécnico e financeiro exterior à colectividade local, já aue aprópria evolução do processo de desenvolvimento comunitárioconduzirá a população a empreendimentos cada vez mais amplosque transcenderão, portanto, a capacidade humana, financeira etécnica locais.

Corre-se então o risco de estar a desencadear forças que,posteriormente, não encontrarão aplicação racional e ordenada aobem comum e virão possivelmente a dar origem a estados deinsatisfação piores do que a situação inicial de subdesenvolvi-mento.

Também pode acontecer — e os técnico® devem conduzir a suaacção nesse sentido —que o dinamismo interno criado nas peque-nas colectividades seja por si um factor que obrigue a romper asestruturas administrativas anquilosadas e retire dos serviçospúblicos ou privados existentes um rendimento e eficiência supe-riores aos tradicionais; operar-se-á, assim, nessas estruturas, oimareforma a partir de dentro, cujos resultados benéficos no conjuntoda vida económico-sociail de um país terão de tornar-se sensíveis.

II —FASES DE UM PLANO DE DESENVOLVIMENTOCOMUNITÁRIO

1. Da situação inicial ao enquadramento regional e nacional

Dissemos anteriormente que no desenvolvimento comunitárioexistem dois objectivos que sao contraditórios, ao menos aparen-temente; por um lado, o apelo à inicitiva local e a convergênciade esforços para a solução dos problemas de colectividade é, por

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outro, a integração <los projectos tocaia na perspectiva regionale nacionail.

Na primeira etapa, olha-se à situação concreta tal como elase apresenta. O fim de todos os esforços, nesta primeira fase doplano, não é outro senão tornar as pessoas da colectividade capa-zes de confiarem em si mesmas e de se reconhecerem aptas paraempreenderem uma acção comum eficaz em ordem a melhorar asua situação. Isto pode conseguir-se, empenhando, desde logo, a po-pulação na reajlização de algoim projecto comunitário simples e deutilidade sentida pela colectividade.

É só numa segunda fase — isto é, obtidos os primeiros resul-tados de um projecto qualquer de melhoria local — que se come-çará a preparar a população para entender a necessidade deenquadramento dos seus problemas em perspectivas mais amplasdo que a da sfua própria colectividade.

Deve dizer-se que,, maxitas vezes, etsta necessidade surge porsi e é reconhecida espontaneamente pela população2.

A dimensão regional e nacional vem no termo de uma aber-tura gradual da população a enquadramentos mais amplos, mastambém, como consequência de empreendimentos progressiva-mente mais vastos e, por conseguinte, exigindo que a cooperaçãoultrapasse as fronteiras da freguesia ou concelho.

Este caminho percorresse durante o desenrolar do processode desenvolvimento comunitário o qual por seoi turno pode servisto como uma sucessão de 5 etapas:

— l.a etapa: informação geral e dinamização da colectividade.— 2.a etapa: prospecção da® necessidades e recursos! poten-

ciais.— 3.a etapa: descoberta e formação dos líderes locais.— 4.a etapa: elaboração de um plano.—-5.a etapa: avaliação dos resuiltados.Estas etapas não se sucedem em compartimentos estanques

como o seu enunciado pode sugerir. A informação torna-se ne-cessária em todas as etapas do plano; analogamente, a descobertados líderes e a eiua formação deve ser uma preocupação desde osprimeiros contactos. Tem de existir, desde o início, um programade trabalho ainda que sumário e flexível; e também não pode fal-tar uma avaliação regular e diremos jnesmo contínua, em relaçãoa cada novo passo ou iniciativa tomada.

12 No projecto-piloto, em curso na freguesia da Benedita assim sucedeua propósito de uma campanha de vacinação realizada. No termo desta cam-panha, que teve a participação de toda a população, e, em particular, deum grupo de jovens, este® alvitraram a ideia de que se fizesse o mesmonas freguesias vizinhas e eles próprias se prontificaram a deslocar-se a essasaldeias para aí conduzirem e animarem a dita campanha.

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A justificação de uma enumeração distinta das cinco fasesdo desenvoívimento comunitário reside antes de mais numa exi-gência de análise — só diferenciando-as temos possibilidades deum entendimento mais profundo do que se pretende com cada uma— e, em segundo lugar, no facto de a atenção a dar a cada umdos aspectos mencionados se concentrar particailarmente num ououtro, segundo a escalonação feita.

É tendo presente esta observação que passamos à análise decada uma das fases atrás enumeradas.

2. Primeira fase — Informação geral e dinamização da colectivi-dade

O desenvolvimento comunitário pode ser desencadeado pordiferentes entidades: uma pessoa qualquer da região, um líder for-mal, um órgão da administração, uma associação de carácter so-cial, cultural ou humanitário, uma equipa de técnicos, um centrode investigação, etc.3.

Seja como for, há sempre um momento de arranque depen-dente da iniciativa de alguém ou de alguma entidade. O primeiropasso a dar na colectividade que se pretende desenvo'ver consisteem transmitir-lhe a ideia do desenvolvimento comunitário — a ne-cessidade de participação de todosi em ordem à consecução domelhor nível dje vida. Por outras palavras, é necessário informara colectividade sobre as possibilidades que o desenvolvimentocomunitário lhe poderá trazer.

O tipo de informação a transmitir varia muito com a situaçãoconcreta em que se encontra a colectividade e bem assim com arelação que a entidade responsável pelo arranque tem com essacolectividade.

Se estamos em face de uma popuJaçao que já possui um desejolatente de progredir, a informação incidirá sobretudo nas alter-nativas possíveis para um desenvolvimento efectivo.

Se estamos perante uma situação de absoluta indiferença,passividade ou mesmo cepticismo quanto à possibilidade de umatransformação de vida ,(o que será a situação mais) frequente),a informação procurará antes de mais despertar a iniciativa; criaro gosto por novas condições de vida, mostrando paralelamentecomo estas poderão tornar-se reais.

3 Há exemplos concretos de cada caso. No pequeno traballho M. M. SILVA«Experiências de desenvolvimento de áreas rurais atrazadas» — IndústriaPortuguesa, n>° 406, Dezembro 1961, encontram-se descritas experiênciasdos seguintes tipos: iniciativa governamental (Ghana); iniciativa de umaautoridade local (Aspère®); iniciativas de uma entidade particular estranhaà colectividade (a Shell italiana em Borgo-a-Mozzano); iniciativa governa-mental e de uma agência internacional (a Sardenha, com o apoio daCC. D. E.).

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No que diz respeito ao agente responsável pelo arranque doprocesso de desenvolvimento, a informação destinar-se-á principal-mente a tornar claros os intuitos que o animam a assumir talresponsabilidade e as condições em que dará a sua colaboração.Sobretudo qoiando se trata de agentes desconhecidos da colecti-vidade esta informação é extremamente importante e pode levarmuito tempo.

A população tem os seus esquemas apriorísticos segundo osquais estabelece os seus juízos quer sobre o projecto quer sobreos agentes que o animam. Só excepcionalmente os seus primeirosjuízos são correctos; daí a importância de que a informação inicialvá ao encontro djesses esquemas, procurando criar uma noção debase certa — este é o primeiro objectivo dia informação — criaruma atitude certa em relação ao projecto, em relação às pessoasque o desencadeiam, e aos móbeis por que o fazem, É O que pode-remos chamar uma fase de prè-informação que deve atingir todaa população da colectividade: — homens e mulheres, rapazes, e ra-parigas, sector industria;!, agrícola, comercial e serviços, as auto-ridades formais e informais, religiosas e civis, o pessoal -dia admi-nistração, etc.

O segundo objectivo da informação é provocar uma reacçãofavorável ao desenvolvimento por parte da população'. Importalevar a população a querer progredir, a acreditar na possibilidadede progresso, a comprometer-se no seu próprio processo de desen-volvimento. A prè-informação opera portanto desde logo uma di-namização da colectividade e cria o clima psicológico necessáriopara o êxito de qualquer política concreta posterior.

A importância da pré-informação no processo leva-nos a abor-dar uma questão bem concreta: como fazer a prè-informação?

Todos os meios de informação existentes são em princípiobons: a rádio, a televisão, os jornais, as reuniões ad hoc, etc. To-davia, importa saber quais desses meios têm real penetração nacolectividade e em que grau são assimilados; analogamente, háque descobrir os canais específicos de comunicação local (o adroda igreja, o lavadouro público, a taberna, etc.) e usá-los com efi-ciência. Não é de desprezar, por outro lado, a comunicação atra-vés das pessoas de prestígio local. A estas convém dar uma in-formação mais ampla e antecipada de sorte que elas possamcomp1etar e, eventualmente, corrigir erros díe interpretação deinformações dadas às massais.

Em qualqjuer caso, convirá usar diferentes meios, visto estarprovado que os indivíduos são desigualmente sensíveis a um eoutro meio de comunicação.

Entre os meios de informação colectiva, as reuniões de massaconstituem um meio de comunicação muito oportuno, porquantosão particularmente favoráveis à criação de uma consciência e

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responsabilidade comuns indispensáveis à continuidade do pro-cesso; estas assembleias, contudo, devem ser sempre acompanha-das de discussão posterior em pequenos grupos. Com efeito, aspessoas entendem sempre coisas diferentes diaqsuelas que realmentesão ditas, já porque filtram o que ouvem através dos seus inte-resses próprios, já por erros de interpretação de certas expressõesou imagens ou, mesmo por incapacidade de seguir um certotipo de raciocínio diferente do seu. O agente de desenvolvimentotem de contar com este facto como um dado e por isso procurar,através da discussão, esclarecer os pontos obscuros ou desfazeras confusões que se criaram. O ideal será que terminada a expo-sição cada um possa ter oportunidade de trocar ideias no seucírculo de amigos ou em família,, estando desde logo prevista apossibilidade de novo encontro para discussão de pontos concre-tos. A discussão imediatamente a seguir a /uma exposição rara-mente é fecunda, sobretudo quando se trata de meios intelectual-mente pouco evoluídos.

A demonstração é outra técnica de informação particular-mente eficaz em relação aos indivídiuos pouco evoluídos. Mais doque em discursos, o rural acredita naquilo que vê. Não só as ex-periências são para ele de mais fácil assimilação como tambémmais poderosas no que diz respeito às resistências que o rural temde vencer para se lançar em novos caminhos sejam os de novasproduções ou técnicas agrícolas, sejam os de novas condições paraa sua habitação ou outros. A demonstração, ao mesmo tempo queserve de meio de comunicação de uma ideia, é um instrumentode convicção mormente quando os próprios interessados são asso-ciados à experiência e eles mesmos têm ocasião de nela actuarem.

A primeira fase — a prè-informação — pode considerar-seterminada quando a população começa a compreender o desenvol-vimento comunitário e apresenta sinais de querer dar início a umou outro projecto concreto. Nesse momento (que a actuação dostécnicos visa fazer surgir o mais rapidamente possível), e só en-tão, se deve começar com algum projecto concreto.

A informação não cessa; em todas as etapas, ela é necessária,designadamente antes de cada nova iníiciativa. O que dissemosquanto a técnicas válidas para a prè-informação tem inteiro ca-bimento no que se refere à informação, em geral.

3. Segunda fase: Prospecção das necessidades e recursos potenciais

Todo o esforço ordenado ao desenvolvimento tem de basear-senuma gama de conhecimentos,, tão completa e exacta quanto pos-sível, acerca da situação em caoiísa no duplo aspecto: necessidadese recursos existentes e potenciais.

O desenvolvimento comunitário não ctispensa este conheci-

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mento, podendo dizer-se que uma das fases do processo é justa-mente a investigação feita com vista à recolha de dados inerentesà situação que se vai fazer evoluíir.

Esta investigação deve ser feita simultaneamente pelos técni-cos que intervêm no plano e pela própria população.

A prospecção das necessidades feita pela população tem comofim primário não tanto a recolha dos dados (que técnicas adequa-das permitiriam conhecer eventualmente com maior rigor), massobretudo a tomada de consciência da situação presente de umadada colectividade e a sua dinamização em ordem a tomar parteactiva no processo de desenvolvimento.

Está, com efeito, provado que, se um grupo ou uma colecti-vidade reflecte em conjunto sobre as suas necessidades e recursospotenciais, esta reflexão constitui, por si só, um factor de dina-mização. Ás pessoas que se envolvem na discussão sentem-se com-prometidas a fazer alguma coisa. Por exemplo,, se num grupo sediscute a necessidade de uma estraicía e, a certa altura, se verificaque ela vai passar por determinada propriedade de um do® pre-sentes, este não oferecerá tão grande resistência em ceder partedo seu terreno como porventura sucederia se esta hipótese lhetivesse sido apresentada fora do grupo de discussão. Pelo contrá-rio, ele próprio empenhado pessoalmente perante o grupo no êxitodo projecto procurará oferecer o maior número de facilidadespossíveis.

A prospecção feita pela população tem ainda duas outrasvantagens: primeiro, permite identificar as necessidades sentidas,isto é, aquelas que a população reconhece como taisi; segundo,proporciona a transmissão de um conjunto de conhecimentosmuito apreciáveis. A identificação dia® necessidades sentidas émuito importante, quer do ponto de vista de uma actuação ime-diata quer como base de reflexão das medidas adequadas parafazer evoluir essas mesmas necessidades.

Quanto à informação que é possível transmitir ao mesmotempo que se processa a auto-prospecção de necessidades e re-cursos feita pela colectividade, importa esclarecer que aquela temde ser feita com a colaboração de técnicos competentes. Isto dámargem a muitas explicações necessárias, à apresentação de múl-tiplas hipóteses possíveis, etc, o que tudo concorre para dar à co-lectividade novas alternativas, factor indispensável do seu processode desenvolvimento. Haja em vista, por exemplo, uma propecção afazer no domínio da saúde e higiene. O técnico que conduz a pros-pecção não podle deixar de dar algumas noções de padrões dehigiene, tipos de doenças, meios de prevenção, etc. Estes conheci-mentos são ministrados directamente em ordem ao inquérito masvão passando de maneira gradual e orgânica para a colectividade,contribuindo para uma transformação de mentalidade. Anàloga-

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mente, ao falar de equilíbrio agro-pecuário, é possível) fazer pas-sar noções certas cfce estabulaçao em condições económicas, oumedidas adequadas de combate à erosão; ao referir o baixo renrdimento per capita podem ser oportunas considerações sobre ra-cionalização do trabalho, mecanização ou dimensão mínima dasempresas; e assim por diante.

A vantagem das informações dadas por esta via é que elasentram gradualmente e de uma maneira bastante incarnada quetorna não só mais fácil a sua assimilação pelos interessados comosuscita mais facilmente a sua aplicação imediata.

Existem variados processos de condaizir à prospecção de ne-cessidades e recursos feita pela colectividade sobre a sua própriasituação. Entre esses vários processos ganha foros de maior cunhocientífico o chamado «auto-inquérito da colectividade» 4.

Como se estrutura este auto-inquérito?Pressupõe-se uma colectividade já informada sobre possibi-

lidades de desenvolvimento pelos seus próprios recursos e decididaa fazer essa experiência. Estamos portanto perante uma populaçãoque quer progredir comunitàoamente. O auto-inquérito ser-lhe-áapresentado como um meio necessário para conhecer o que existe(do ponto de vista de necessidades e recursos) em ordem à me-lhor ordenação dos recursos existentes para satisfação das neces-sidades identificadas.

O auto-inquérito deve ser da resiponsabilidacle de uma comis-são central na qual tenham assento os principais líderes formaise informais locais bem como os representantes dos diferentessectores e dos diferentes aglomerados de população.

O inquérito é previamente estudado por esta comissão, queo reparte depois em diferentes rubricas, cada uma das quais de-vendo ser tratada em sub-comissões adequadlas. Deste modo, todaa população é chamada a colaborar, pelo menos em algum aspectoparticular.

As diferentes comissões, tanto a central como as restantes,devem poder contar com a assistência não só do técnico do inqué-rito e discussão de grupo como também dos técnicos ligado® aosdiferentes sectores: do agrónomo para as questões die agricultura,do médico para as questões de saúde, etc.

Esta presença dos técnicos nas diferentes comissões tem, en-tre outras, a vantagem de permitir, desde logo, afastar pistas desolução falsas que, de contrário, poderiam converter-se em con-vicções colectivas mais difíceis de desfazeir.

A função dos técnicos nas comissões de inquérito não é nemdirigir as reuniões nem saibstituir-se aos demais componentes da

4 Sobre esta técnica, veja-se HENDRICKS — Auto-enquête en commu-nautéj policópia distribuída pelo Departamento da® questões sociais daHolanda.

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comissão (que aliás, diga-se de passagem, terão a tendência fácil dese demitirem), mas tão-somente de esclarecerem as questões eapresentarem as possíveis alternativas com os respectivos argu-mentos a favor e contra.

O inquérito deve conduzir a um conjunto de resultados que,regra geral, deverão ser publicados e ficar patentes a toda a popu-lação da colectividade. Escrevemos regra geral, porquanto caso®há em que a crueza da situação encontrada pode ser demasiada-mente humilhante para a população e não ter qualquer efeitobenéfico a sua exposição clara; em outros casos, poderá acontecerque determinaidlos! dados vão contra o «pudor» da colectividade(ex. numa população em que a tuberculose é considerada umavergonha social apresentar no inquérito um elevado índice de indi-víduos tuberculosos).

Outra característica deste tipo de prospecção é que ela deveconduzir ao esboço de soluções. Não é demais frisar que o aiuto--inquérito da colectividade não é um sucedâneo económico da aná-lise científica; trata-se de um esforço colectivo de conhecimentode situações e pesquisa dos caminhos mais acertados para lhesfazer face. Nesta ordem de ideias, o inquérito deverá conter, apropósito de cada questão, uma tríplice interrogação: o que há?o que deveria ser? como é possível melhorar a situação existente?

Para concluir, resta mencionar as vantagens deste método,aliás visíveis:

— consciencializa a colectividlade;— empenha os interessados na solução das siuas dificuldades;— cria elementos de solidariedade na colectividade e processa

pressões estimulantes de uns sobre os outros;— reduz eventuais tensões na colectividade pondo em condi-

ções ãe colaborar pessoas pertencentes a diferentes grupos.

Apesar de todas estas vantagens, o auto-inquérito nãopensa a análise científica, a qual é da competência dos técnicos.Esta análise processa-se em duas etapas:

l.a etapa: investigação prévia com vista à descoberta da tipo-logia própria da região onde se vai actuar.

Trata-se da identificação de aspectos gerais tais como: situa-ção geográfica, tipo de população, género de ocupação, grau dereligiosidade, etc. Como diz o Prof. Ponsioen, «trata-se de fazerviver dentro de si a fisionomia da região atravé® dos seus traçosmais característicos».

Esta investigação destina-se, basicamente, a desfazer o®preconceitos que todos teremos.

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2.a etapa: diagnóstico da situação em ordem à elaboração doplano geral de actuação.

Nesta, têm de intervir todos os factores que podem consti-tuir elementos a favor ou em desfavor do desenvolvimento. É umaanálise que tem por base oa trabalhos já existentes sobre a região,a informação estatística geral, a observação directa e indirectados técnicos sobre a região.

Este trabalho é obviamente moroso (de 6 meses a um ano,em regra) e deve ser feito paralelamente com algum projecto dedesenvolvimento. Com efeito, por um lado não são necessáriosestudos exaustivos para se detectarem, desde o início do projecto,alguns campos de actuação possíveis e, por outro, as populaçõesdificilmente suportarão grandes demoras no que se refere a resul-tados visíveis. Tal leva a aconselhar que, o mais cedo possível,se lance mão de uns tantos projectos de utilidade indiscutível eque vão de encontro a necessidades já sentidas pela população.O auto-inquérito e a análise feita a nível dos técnicos pode entãoprocessar-se concomitantemente.

4. Terceira fase: Descoberta e formação dos líderes locais

Toda a comunidade repousa sobre um conjunto de relaçõesque por sua vez se processam segundo uma base mais ou menosdefinida: a sua organização. Esta serve de meio de definição dagama de relações que se estabelecem entre os indivíduos e os gru-pos bem como de princípio de identificação de funções dos dife-rentes elementos na colectividade.

Quando se fala em organização, tem-se logo em mente os ser-viços existentes e a hierarquia com que dentro deles se estabelecemos diferentes quadros, os órgãos que ctetêm a autoridade civil,religiosa ou política dentro da colectividade, as instituições quedetêm funções bem delimitadas na colectividade. Estes quadrosporém identificam apenas um tipo de organização, a organizaçãovisível ou formal, facilmente detectável e susceptível de repre-sentação num organigrama mais ou menos complexo.

Paralelamente a este tipo dfe organização, desenvolve-se, po-rém, em toda a colectividade, um conjunto de forças nela actuan-te® que são, por seu turno, um novo sistema de definição defunções e de comportamentos adentro do todo social. A este tipode organização é corrente designar por organização informal. Nassituações concretas, são possíveis casos em qiue a organizaçãoformal e informal são mais ou menos coincidentes; uma coinci-dência absoluta é improvável.

Analogamente, é possível distinguir entre líderes formais einformais, consoante o seu papel se desempenha na organização

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formal ou informai Um. líder formal pode ou não ser um líderinformal e vice-versa.

Como é evidente, enquanto o líder formal facilmente se iden-tifica pela sua posição, na escala hierárquica do serviço ou insti-tuição a que pertence, a prospeção do «líder informal é uma tarefadelicada que exige o emprego de técnicas adequadas.

Ora, do ponto de vista do desenvolvimento comunitário, con-quanto a colaboração dos líderes formais seja muito desejável ésobretudo com os líderes informais que importa contar, pois estessão os líderes autênticos da colectividade enquanto os primeirospoderão sê-lo ou não.

Daqui que uma tarefa miuito concreta das técnicas* do desen-volvimento comunitário seja a pesquisa de tais líderes. Esta pres-supõe, em primeiro lugar, uma descoberta dos grupos informaisexistentes visto que os líderes se definem em função de deter-minado grupo ou formação sociail e depois a descoberta do líderou líderes de cada grupo. As entrevistas às notabilidade^ locais(padre, médico, professores, etc.) poderão ajudar a fazer estadescoberta mas não dispensarão nunca o contacto directo com apopulação e a intromissão do agente de desenvolvimento comuni-tário nos diferentes grupos.

Tanto os líderes formais como os informais carecem de serformados para o desenovlvimento comunitário. Nesta formação, oscontactos pessoais desempenham papel insubstituível pois permi-tirão estabelecer pontes sólidas entre as concepções tradicionaise os novos valores em jogo. A formação através da atribuição defunções sucessivamente de maior responsabilidade é igualmentebom método.

Designadamente, no que diz respeito aos líderes formais háaspectos que importa discutir com eles e ajudar a rever, comopor exemplo o conceito da sua própria função (noc?.o de serviçoda colectividade), da autoridíade (progresso no sentido de maiordemocratização), de colaboração entre os diferentes serviços(maior polarização pelos objectivos a atingir em vez da tradi-cional rivalidade), de maior atenção aos interesses e aspirações dacolectividade, da eficiência nas relações com o público, etc.

Cabe por último fazer referência a um tipo d*e agentes dedesenvolvimento comiunitário que recebem uma preparação ade-quada. Queremos referir-nos aos animadores locais ou, na expres-são anglo-saxónica, «front line workers».

Estes são agentes polivalentes que provêm da própria colec-tividade (ou colectividades de tipo semelhante) e receberam umaformação intensiva que os habilita a serem na colectividade ope-radores de pequenas transformações desejáveis na colectividadee bem assim a estabelecerem os contactos indispensáveis entre aspopulações e os técnicos ou serviços administrativos. Em regra,

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ministra-se-lhes uma formação polivalente nas técnicas mais úteisàs diferentes colectividades (enfermagem, agricultura, veteriná-ria, cooperativismo, desporto, ocupação de tempos livres e recrea-ção colectiva, etc).

Ainda estes animadores podem ser profissionais (ligados aosquadros dia administração) ofu trabalhadores benévolos queacumulem esta função com a sua ocupação tradicional. A primeirasolução foi a adoptada sobretudo pelos países em vias de desenvol-vimento com estruturas políticas de feição anglo-saxónica talcomo a Índia, o Ghana, etc. Nos demais países, preferiu-se a auto-nomia em relação à Administração Pública e que se mantivesseo carácter de voluntariado.

Noutros casos, também em vez de uma formação polivalente,se seguiu o critério de dar uma formação de base quanto aosprincípios e técnicas de desenvolvimento comunitário e uma pre-paração num domínio especializado — agricultura-para o jovemagricultor já mais evoluído, técnica de desporto para o líder darecreação local, etc.

5. Quarta fase: Elaboração de um plano

O desenvolvimento comainitário pode iniciar-se sem que seaguarde a elaboração de um plano geral de desenvolvimento dacolectividade; todavia, este é necessário a dada altura como ins-trumento capaz de dar maior eficácia à acção que se empreende.

O que normalmente sucede é, pois, o seguinte: começa-se comdois ou três projectos de utilidade indiscutível, d(e fácil conse-cução e de resultados visíveis a curto prazo. Estes projectos, alémde trazerem um acréscimo de rendimento muito necessário, pro-porcionarão outras vantagens, tais como dar à população confiançaem si própria, fazê-la acreditar nos seus recurso®, proporcionar--Ihe experiência de cooperação, suscitar maior dinamismo, etc.

A realização destes projectos dá margem,, por seu turno, aque se processem simultaneamente os inquéritos e estudos indis-pensáveis à elaboração de plianosi mais vasto® sem que a popu-lação se canse de esperar — fenómeno típico das populaçõesmenos evoluídas.

Esta é a lição de muitos projectos de desenvolvimento comu-nitário, designadamente da Sardenha, onde os técnicos começaramjustamente com dois projectos limitados — tratamento das olivei-ras e criação de pintos de raça — antes de se lançarem num planode desenvolvimento global5.

A própria evolução dos projectos limitados, se for bem con-duzida, abrirá caminho a que a população sinta a necessi-dade de uma coondíenação eficaz dos vários esforços e bem assim

Vd. M. M. SILVA — obra citada.

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de um plano de acção de conjunto que vá resolver as suas difi-culdades de base.

Quando se fala em plano em termos de desenvolvimento comu-nitário, tem-se presente um determinado conceito de plano, queimporta agora precisar, enumerando as suas principais caracte-rísticas:

— visa a satisfação das necessidiade® reais de uma dada co-lectividade (não importa a sua extensão: aldeia ou muni-cípio; região geográfica, país ou até região internacional);

— elabora-se a partir do reconhecimento feito pela populaçãodas suas necessidades e recursos potenciais;

— tem o acordo final da população, directa ou indirectamentemanifestado a partir dos seus representantes mais autên-ticos;

— e realizado, avaliado e controlado pela própria população.

Cabe aos técnicos um papel muito importante na estrutura-ção do plano mas também aqui eles não devem sobrepor-se à po-pulação. A função dos técnicos é apresentar as diferentes priori-dades e fundamentá-las tendo presente um quadro de necessidadese recursos. Todo o plano, com efeito, se reduz a estabelecer umconjunto de escolhas daquilo que se não fará no momento6.

Constitui também objectivo do piano determinar o pólo oupólos de desenvolvimento. É matéria aceite sem discussão que,para se atingir certo nível de desenvolvimento, torna-se necessáriauma gama de infra-estruturas e serviços que impõem uma dimen-são mínima aos centros de desenvolvimento, visto não ser viávelfazer uma total pulverização destes serviços. Deste modo, conce-be-se como solução aceitável a existência de pólos ou centros dedesenvolvimento desde que se assegure devidamente a comunica-ção do pólo ou centro com os demais lugares.

A escolha do pólo é, porém,, uma tarefa complexa uma vezque as diferentes colectividades sobre as quais recairá a escolhase sentem no direito de serem escolhidas para pólo na expectativade virem a gozar de benefícios especiais. Nestas condições), tor-na-se necessário, por um lado, proceder a um esforço de raciona-lização fazendo cair pela base os argumentos puramente emocio-nais e subjectivos e, por outro lado, estabelecer solidamente ascondições que assegurem a real comunicação do centro com a peri-feria, designadamente a representação de todos os lugares'nosgrupos que detêm a autoridade, estabelecimento de meios de co-municação fáceis, etc.

6 Existem vários critérios! de prioridade todos válidos dentro da suaóptica própria: prioridades lógicas, económicas, financeiras, políticas, psico-lógicas. Não existe contudo uma prioridade que seja síntese de todas estas.

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6. Quinta fase: A avaliação dos resultados

A avaliação dos resultados situa-se logicamente no termo dequalquer projecto, muito embora se possa igualmente fazer a ava-Mação no fim das diferentes (fases. No desenvolvimento comuni-tário, a avaliação deve incidir não só sobre os resultados materiaisobtidos como também sobre as transformações de mentalidadeoperadas.

Importa igualmente precisar que a avaliação deve fazer o con-fronto entre os resultados obtidos e os resultados previstos equanto aos efeitos não previsto®, fazer a análise dos resultadosbenéficos e das disfunções, procurando, em cada caso, conheceras possíveis causas.

A avaliação não <se destina a satisfazer a mera curiosidadedos estudiosos nem sequer a alargar o campo experimental deobservação do investigador. Não se nega a sua função de permitiro prosseguimento da investigação, sobretudo através da investi-gação das causas dos efeitos não previstos ou da análise das dis-funções. Mas, do ponto de vista do desenvolvimento comunitário,o que mais importa salientar na avaliação é a sua característica departe integrante do processo.

A avaliação bem conduzida permite, com efeito, introduzir,a tempo, as correcções necessárias (por ex., se se desenham dis>-f unções, há que corrigi-las); estabelece bases mais sólidas paraa elaboração de planos futuros (a notar o erro de uma acção pla-neada sobre a hipótese dos resultados esperados por uma acçãoanterior não correctamente avaliada); assegura a relação entreo ritmo gerai do desenvolvimento e o plano traçado (não bastaque se consigam resultados benéficos de uma dada acção, mas háque assegurar que tais resultados sejam aqueles que se projecta^vam; de contrário, como se poderá saber se se controla ou nãoo processo de desenvolvimento?

Mais uma vez no decorrer da análise de cada uma das fasesdo processo de desenvolvimento comunitário temos ocasião dedizer que também a avaliação deve ser feita pela população atravésdas suas comissões de sector e central.

Podem igualmente prever-se outras avaliações: as que os téc-nicos fazem sobre o projecto e sobre a sua actuação como técnicos;as que podem confiar-se a alguns peritos de tempos a tempos.Cada tipo de avaliação preenche um objectivo determinado. Ne-nhuma substitui a reflexão que a população tem de fazer sobre asua própria acção em proJ do desenvolvimento colectivo.

7. O desenvolvimento comunitário e o interesse nacional

A enumeração que fizemos das diferentes fases de um pro-cesso de desenvolvimento comunitário teve por fim não só faci-

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litar uma análise do conteúdo específico de cada etapa e bemassim das técnicas que a servem como ainda contribuir para oesboço da solução do problema enunciado logo no início destetrabalho: — possibilidade de harmonização entre o interesse daspequenas colectividades e o das colectividades regionais ou na-cionais.

Com efeito, à primeira vista aquela dificuldade parece insu-perável e apontam-na alguns como questão insolúvel dentro dodesenvolvimento comunitário e, consequentemente, razão de críticadeste. Uma reflexão mais profunda, porém, permite observar quejustamente à medida que uma pequena colectividade entra numprocesso de desenvolvimento comunitário o que se passa é queos seus horizontes se vão sucessivamente alargando pois gradual-mente a população vai-se dando conta de necessidades cuja satis-fação só se encontra em enquadramentos mais amplos do que osdefinidos pelos contornos da própria colectividade.

Cada uma das fases atrás enunciadas vai contribuir para oalargamento sucessivo de interesses da colectividade, até que aochegar-se à elaboração do plano tem de forçosamente estar pre-sente o interesse geral, não já como algo exterior à colectividadee a que ela terá de sacrificar o seu interesse particular, mas antescomo um interesse que se identifica com o próprio interesse local.

III — OBSERVAÇÃO FINAL

Não foi nossa intenção neste trabalho tratar do caso por-tuguês e das possibilidades que a técnica do desenvolvimento co-munitário poderia apresentar para a aceleração do ritmo do nossocrescimento económico e transformação sócio-cultural. Essa serámatéria para um novo estudo. Todavia, não queremos terminareste artigo sem uma referência à oportunidade que representariapara o processo socio-económico português a adopção dos prin-cípios e técnicas do desenvolvimento comunitário sobretudo noscasos das zonas rurais mais atrazadas, incapazes de acompanharo ritmo geral de crescimento económico do país sem uma acçãoparticularmente adequada e intensa de transformação mental dassuas populações.

Ao entrar-se agora na preparação do próximo Plano de Fo-mento (Plano de transição para 1965-1967 como foi definido peloGoverno) tem toda a oportunidade o estudo da possibilidade deensaio e generalização do desenvolvimento comunitário e bemassim da sua integração no plano geral de desenvolvimento econó-mico do País 7.

7 Sabemos que o Secretariado Técniica da Presidência do Conselhotem essa intenção.

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