Upload
others
View
3
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
FATORES ASSOCIADOS À OCORRÊNCIA DE TERAPIAS APROPRIADAS EM DOENTES COM MIOCARDIOPATIA
ISQUÉMICA QUE IMPLANTARAM CARDIOVERSOR DESFIBRILHADOR EM PREVENÇÃO PRIMÁRIA
– ARTIGO CIENTÍFICO –
Helena Cristina Fernandes Neves Leonardo Rodrigues Aluna do 6º ano do Mestrado Integrado em Medicina Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Email: [email protected] Orientadora: Professora Doutora Natália Sofia Cláudio António Coorientadora: Dra. Joana Delgado Silva Área científica de Cardiologia Serviço de Cardiologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra Praceta Mota Pinto 3000–059 Coimbra
Coimbra, Outubro de 2015
2
ÍNDICE
RESUMO 3
LISTA DE ABREVIATURAS 5
INTRODUÇÃO 6
MÉTODOS 8
Seleção da amostra 8
Análise Estatística 10
RESULTADOS 11
Caracterização geral da população 11
Comparação entre os grupos com e sem terapias apropriadas 15
DISCUSSÃO 18
Incidência de terapias apropriadas 18
Fatores associados à ocorrência de terapias apropriadas 19
Associações expectáveis 21
Limitações do estudo 22
CONCLUSÃO 23
AGRADECIMENTOS 24
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 25
3
RESUMO
Introdução e objetivos: As atuais recomendações para a implantação de Cardioversor
Desfibrilhador Implantável (CDI), em prevenção primária, nos doentes com miocardiopatia
isquémica, são muito abrangentes e incluem doentes que nunca irão beneficiar desta estratégia
de tratamento invasiva. O objetivo deste estudo consistiu em analisar uma amostra de doentes
com miocardiopatia isquémica, submetidos a implantação de CDI em prevenção primária, e
procurar identificar preditores de terapias apropriadas.
Métodos: Foi realizado um estudo retrospetivo de 126 doentes com miocardiopatia
isquémica, que implantaram um CDI por prevenção primária, procurando analisar associação
da ocorrência de terapias apropriadas (choques apropriados e pacing anti-taquicardia) com os
parâmetros clínicos, laboratoriais e relativos à interrogação do dispositivo.
Resultados: Durante um período médio de follow-up de 6,62 ± 2,95 anos, 47 doentes (28,8%)
sofreram terapias apropriadas. O tempo médio até à primeira terapia foi de 4,6 ± 3,1 anos.
Verificou-se uma associação estatisticamente significativa entre a ocorrência de terapias
apropriadas e alguns dos parâmetros avaliados: sexo masculino (p=0,04), creatinina sérica
(p=0,007) e taquicardias ventriculares não mantidas (p=0,008). Foi calculado o valor de cut-
off a partir do qual a relação entre a elevação da creatinina e a ocorrência de terapias
apropriadas foi mais notória (Cut-off Creatinina = 1,055mg/dl). A análise de Kaplan-Meier
demonstrou uma sobrevida livre de terapias apropriadas significativamente pior nos doentes
com creatinina superior a 1,055 mg/dl. No entanto, pela análise multivariada não foi
identificado nenhum preditor independente de terapias apropriadas.
4
Conclusão: A baixa incidência de terapias apropriadas nesta população comprova a
necessidade de aperfeiçoar as atuais recomendações de modo a selecionar melhor os
candidatos a CDI. A avaliação prévia da função renal é um método simples e acessível que
poderia vir a ser considerada na seleção desses candidatos. No entanto, a realização de
estudos prospetivos multicêntricos, randomizados continua a ser necessária para a
identificação de fortes preditores de benefício do CDI.
Palavras-chave: Cardioversor Desfibrilhador Implantável (CDI); Miocardiopatia isquémica;
Prevenção primária; Terapias apropriadas; Creatinina.
5
LISTA DE ABREVIATURAS
AAS Ácido acetilsalicilico
ALT Alanina transaminase
ARA Antagonistas dos receptores da angiotensina
AST Aspartato transaminase
ATP Pacing anti-taquicardia
AVC Acidente Vascular Cerebral
CABG Cirurgia de revascularização coronária
CDI Cardioversor Desfibrilhador Implantável
DAP Doença arterial periférica
DC Doença coronária
DM Diabetes Mellitus
DPOC Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica
DRC Doença Renal Crónica
EAM Enfarte Agudo do Miocárdio
FA Fibrilhação auricular
FEVE Fração de ejeção do ventrículo esquerdo
GGT Gama glutamil transpeptidase
HTA Hipertensão arterial
IECA Inibidores da enzima de conversão da angiotensina
IMC Índice de massa corporal
NYHA New York Heart Association
PCR Proteína C-reativa
ROC Receiver operating characteristics curves
TVNM Taquicardia ventricular não mantida
6
INTRODUÇÃO
As doenças cardiovasculares constituem a maior causa de morte a nível mundial,
sendo responsáveis por cerca de 17,3 milhões de mortes por ano. Destas, cerca de 40% são
devidas a Doença Coronária (DC). (1)
A DC é uma doença caracterizada pelo estreitamento do lúmen das artérias coronárias,
geralmente causado pela aterosclerose. Este estreitamento condiciona uma redução do fluxo
sanguíneo ao coração e desequilíbrios na oferta/demanda de oxigénio, podendo originar um
Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM).(2)
A isquémia miocárdica produz alterações iónicas e bioquímicas que criam um
substrato elétrico instável com capacidade de iniciar e suster arritmias. Por outro lado, o
enfarte cria áreas de inatividade elétrica, bloqueando a condução dos impulsos elétricos, o que
contribui para a arritmogénese.(3) Esses eventos arrítmicos, traduzidos geralmente por
taquicardias ventriculares mantidas e fibrilhações ventriculares, podem ser responsáveis pela
morte súbita dos doentes após um EAM.
Diversos estudos demonstraram que os doentes com DC e disfunção sistólica do
ventrículo esquerdo apresentam uma melhoria da sobrevida com a implantação profilática de
um Cardioversor Desfibrilhador Implantável (CDI).(4) Estes dispositivos monitorizam o ritmo
cardíaco e emitem terapias antitaquicardia e/ou choques elétricos quando são detetadas
arritmias potencialmente fatais, de forma a restaurar o ritmo cardíaco normal.
Deste modo, as atuais recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia
preconizam a implantação de CDI para redução do risco de morte súbita, em doentes com
insuficiência cardíaca sintomática (Classe II ou III da New York Heart Association) de causa
isquémica, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) igual ou inferior a 35%, que
7
tenham uma expectativa de sobrevida igual ou superior a 1 ano, no mínimo 40 dias após o
evento agudo.(5)
No entanto, estes critérios são bastante abrangentes e incluem doentes que nunca irão
desenvolver eventos arritmogénicos e portanto, beneficiar deste dispositivo. Os CDIs
previnem a morte súbita cardíaca e melhoram a sobrevida dos doentes, mas também
apresentam alguns inconvenientes, tais como: elevado custo, risco de infeções relacionadas
com a implantação do dispositivo, choques inapropriados e falha na transmissão de choques.
Muitos estudos randomizados foram já desenvolvidos com o intuito de identificar
variáveis clínicas, eletrocardiográficas e ecocardiográficas que pudessem estratificar os
doentes com risco de morte súbita cardíaca, de modo a limitar os critérios para a implantação
do CDI. No entanto, os resultados destes estudos não são consensuais pelo que ainda não foi
possível encontrar um conjunto de critérios que identificassem os candidatos ideais que
beneficiariam desta terapêutica, de modo a alterar os critérios vigentes.
O objetivo deste trabalho foi analisar uma amostra de doentes com cardiopatia
isquémica submetidos a implantação de CDI em prevenção primária, e procurar identificar
preditores de terapias apropriadas, de forma a selecionar os doentes que mais beneficiam da
implantação destes dispositivos.
8
MÉTODOS
Seleção da amostra De uma base de dados inicial composta por 1265 doentes submetidos a implantação de
CDI no Serviço de Cardiologia A do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC)
entre 1996 e 2014, foram selecionados os 570 doentes com miocardiopatia isquémica que
receberam CDI em prevenção primária.
Destes foram excluídos 57 doentes por terem falecido durante o período decorrido
desde a implantação até à realização deste estudo; 267 doentes por não estarem a ser seguidos
em consulta no Serviço de Cardiologia dos CHUC, não existindo dados sobre a sua evolução;
e 83 doentes por não possuírem avaliação analítica na altura da implantação do CDI. Foram
então incluídos neste estudo retrospetivo 163 doentes, sendo reunida informação relativa a:
peso e altura à data da implantação, história familiar de morte súbita, presença de
comorbilidades (diabetes mellitus (DM), hipertensão arterial (HTA), hipercolesterolemia,
doença renal crónica (DRC), doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), doença arterial
periférica (DAP), outros), hábitos tabágicos e alcoólicos, consumo de café, hábitos
farmacológicos e antecedentes pessoais cardiovasculares (EAM prévio, acidente vascular
cerebral (AVC) prévio, cirurgia de revascularização coronária (CABG) e outros
internamentos de causa cardíaca). Foram recolhidos dados relativos à interrogação e
seguimento do CDI, nomeadamente: necessidade de substituição do dispositivo, ocorrência e
número de episódios de fibrilhação auricular (FA) e de Flutter auricular, ocorrência de
taquicardia ventricular não mantida (TVNM), episódios de tempestade arrítmica, número de
terapias apropriadas (choque apropriado e Pacing anti-taquicardia - ATP) e data do primeiro
episódio. Foram ainda examinadas as análises relativas à avaliação bioquímica peri-
procedimento e registados os valores de: azoto ureico, creatinina, sódio, potássio, cloro,
9
cálcio, alanina transaminase (ALT) e aspartato transaminase (AST), gama glutamil
transpeptidase (GGT) e proteína C- reativa (PCR).
Figura 1: Diagrama de seleção da amostra
1265 Doentes submetidos a implantação de CDI entre 1996 e 2014
570 Doentes com Miocardiopatia isquémica com implantação de CDI em prevenção primária
163 Doentes incluídos no estudo
Excluídos 407 doentes: - 57 Doentes faleceram - 267 Doentes sem seguimento no
serviço de Cardiologia dos CHUC - 83 Doentes sem informação relativa
à avaliação laboratorial peri-procedimento/implantação
10
Análise Estatística
O tratamento estatístico desta amostra foi realizado através do programa IBM SPSS
Statistics 22®.
Realizou-se uma análise descritiva das diferentes variáveis. As variáveis contínuas são
apresentadas como média e desvio padrão e as variáveis qualitativas como frequência relativa.
A normalidade de todas as variáveis contínuas foi testada com o teste Kolmogorov-
Smirnov. Para avaliar a associação entre as variáveis contínuas e a presença de terapias
apropriadas foi utilizado o teste T de Student’s (para as variáveis com distribuição normal e o
teste de Mann-Whitney para as restantes). O teste Qui-quadrado foi utilizado para analisar
variáveis dicotómicas. Para otimizar a sensibilidade e especificidade nos testes foram
utilizadas Curvas ROC (receiver operating characteristics curves) de modo a obter pontos de
corte em algumas variáveis quantitativas.
Foram ainda utilizados testes de regressão multivariada para tentar identificar
preditores clínicos e analíticos independentes de terapias apropriadas. A probabilidade
cumulativa livre de terapias apropriadas do CDI foi calculada com base no método de Kaplan-
Meier, comparando as curvas com o teste Log-rank, medido desde a data de implantação.
Para todos os testes foi considerado um valor de p <0,05 como sendo estatisticamente
significativo.
11
RESULTADOS
Caracterização geral da população
Durante um período de follow-up médio de 6,62 ± 2,95 anos, foram estudados 163
doentes com miocardiopatia isquémica submetidos a implantação de CDI em prevenção
primária. Destes, 143 eram do sexo masculino (87,7%) e 20 do sexo feminino (12,3%).
Apresentavam uma média de idades de 65,9 ± 10,5 anos. Na população em estudo, apenas 47
doentes (28,8%) sofreram terapias apropriadas (7,36% choques apropriados, 9,82% ATP,
11,65% ATP e choques apropriados). O tempo médio até à primeira terapia apropriada foi de
4,6 ± 3,1 anos.
As características clínicas e demográficas dos doentes estudados são apresentadas na
tabela 1.
Esta amostra é constituída por doentes com índice de massa corporal (IMC) médio de
26,7 ± 3,9, a maioria encontrava-se em classe II da classificação funcional da New York
Heart Association (NYHA) no momento da implantação do CDI (Figura 2) e apresentava uma
fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) média de 27,6 ± 7,0%.
As comorbilidades mais prevalentes nesta população foram DM (40,8%), HTA
(47,8%) e Hipercolesterolemia (78,9%). A maioria dos doentes referia hábitos tabágicos,
alcoólicos e consumo de café.
Quanto aos antecedentes pessoais cardiovasculares, todos os doentes tiveram pelo
menos um EAM, 10% dos doentes tiveram um AVC prévio à implantação do CDI e 28,4%
tinha DAP. Aproximadamente metade dos doentes (47%) referia pelo menos um
internamento por causa cardíaca, 68% dos quais por descompensação de insuficiência
cardíaca.
12
A população em estudo era constituída por doentes poli-medicados com estatinas
(90,0%), beta-bloqueantes (84,4%), furosemida (76,6%), inibidores da enzima de conversão
da angiotensina – IECA (61,1%), entre outros. (Figura 3).
Tabela 1: Características clínicas e demográficas da população estudada
Total
(n=163)
Sem terapias
(n=116)
Terapias
Apropriadas
(n=47)
p
Idade 65,91 ± 10,52 65,58 ± 9,98 66,72 ± 11,83 0,53
Sexo Masculino (%) 87,7 84,5 95,7 0,04
IMC (Kg/m2) 26,72 ± 3,86 26,50 ± 3,80 27,34 ± 4,01 0,18
FEVE (%) 27,6 ± 7 27,4 ± 7 27,8 ± 8 0,83
Idade à data da Implantação 59,31 ± 10,5 59,32 ± 10,04 59,30 ± 11,67 0,89
Substituição do CDI 38% 36,2% 42,6% 0,48
HF de morte súbita 22,2% 25,0% 13,6% 0,43
Diabetes mellitus 40,8% 44,1% 27,3% 0,42
Hipertensão Arterial 47,8% 51,5% 36,4% 0,16
Hipercolesterolemia 78,9% 79,4% 77,3% 0,62
DRC 12,2% 8,8% 22,7% 0,05
AVC prévio 10% 11,8% 4,5% 0,79
DPOC 12,2% 10,3% 18,2% 0,44
D. Arterial Periférica 28,4% 31,8% 18,2% 0,49
CABG prévia 22,5% 24,3% 17,9% 0,45
Hábitos tabágicos prévios 68,9% 67,6% 72,7% 0,41
Hábitos alcoólicos prévios 68,9% 67,6% 72,7% 0,96 IMC - Índice de massa corporal; FEVE - fração de ejeção do ventrículo esquerdo; HF - História familiar; DRC - Doença renal crónica; AVC - Acidente vascular cerebral; DPOC – Doença pulmonar obstrutiva crónica; CABG - Coronary artery bypass grafting.
13
Figura 2: Proporção de doentes das diferentes classes funcionais da New York Heart
Association no grupo sem terapias e no grupo com terapias apropriadas.
Figura 3: Medicação habitual na população estudada.
Total Sem terapias Terapias apropriadas
IECA 61,10% 61,80% 59,10% ARA 21,00% 22,10% 18,20% Beta-‐bloq. 84,40% 83,80% 86,40% Nitratos 8,90% 8,80% 9,10% Estatinas 90,00% 92,60% 81,80% AAS 53,30% 52,90% 54,50% Ant. Aldosterona 51,10% 52,90% 45,50% Furosemida 76,70% 75,00% 81,80% Antiarrítmicos 46,70% 45,60% 50,00%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Medicação Habitual
IECA
ARA
Beta-‐bloq.
Nitratos
Estatinas
AAS
Ant. Aldosterona
Furosemida
Antiarrítmicos
15%
50%
33%
2%
Sem terapias I II III IV
15%
52%
30%
3%
T.apropriadas I II III IV
14
Tabela 3: Parâmetros laboratoriais.
Total
(n=163)
Sem terapias apropriadas
(n=116)
T. Apropriadas
(n=47)
p
Azoto ureico
(mg/dl)
23,17 ± 12,83 22,51 ± 12,88 24,79 ± 12,70 0,21
Creatinina (mg/dl) 1,10 ± 0,48 1,06 ± 0,49 1,20 ± 0,45 0,007
Sódio (mmol/L) 138,67 ± 2,59 138,74 ± 2,52 138, 49 ± 2,76 0,93
Potássio (mmol/L) 4,35 ± 0,47 4,34 ± 0,44 4,36 ± 0,54 0,84
Cloro (mmol/L) 103,69 ± 3,13 103,84 ± 3,13 103,31 ± 3,14 0,66
Cálcio (mg/dl) 9,34 ± 0,50 9,30 ± 0,49 9,45 ± 0,50 0,08
AST (U/L) 75,58 ± 559,02 95,70 ± 668,55 28,94 ± 20,982 0,76
ALT (U/L) 59,30 ± 199,70 69,75 ± 237,50 35,00 ± 31,39 0,70
GGT (U/L) 62,09 ± 68,23 58,96 ± 62,49 69,45 ± 80,52 0,28
PCR (mg/dl) 1,70 ± 2,20 1,83 ± 2,32 1,44 ± 1,93 0,45 AST: Aspartato transaminase; ALT: Alanina Transaminase; GGT: Gama glutamil transpetidase;
PCR: proteína C-reativa
Tabela 4: Disritmias durante o follow-up (dados da interrogação do CDI)
Total (n=163)
Sem terapias
apropriadas
(n=116)
T. Apropriados
(n=47) p
FA 18,4% 19,0% 17,0% 0,77
Flutter 1,8% 1,7% 2,1% 0,86
TVNM 45,4% 38,8% 61,7% 0,008
Tempestade
arrítmica 1,2% 0% 4,3% 0,025
15
Comparação entre os grupos com e sem terapias apropriadas
No que toca às características clínicas e demográficas dos doentes, verificámos que os
doentes que sofreram terapias apropriadas eram maioritariamente do sexo masculino, havendo
uma diferença estatisticamente significativa entre a ocorrência de terapias apropriadas
conforme o sexo dos doentes (p=0,04). Não verificámos diferenças significativas na idade,
classe funcional NYHA, FEVE ou comorbilidades. No entanto, a proporção de doentes com
doença renal crónica era significativamente superior no grupo dos doentes com terapias
apropriadas (Tabela 1).
A terapêutica farmacológica habitual era semelhante nos dois grupos de doentes.
(Figura 3)
As informações obtidas pela interrogação do CDI revelaram que os doentes com
terapias apropriadas apresentam uma maior percentagem de TVNM, verificando-se a
ocorrência de episódios de tempestade arrítmica apenas neste grupo. (Tabela 3) As diferenças
encontradas nos dois grupos no que toca a estas variáveis foram estatisticamente
significativas. (Tabela 4)
Quanto aos parâmetros laboratoriais verificou-se uma associação entre valores de
creatinina e o desenvolvimento de terapias apropriadas (p=0,007). Foi feita uma curva de
ROC (Figura 4) para determinar o cut-off a partir do qual esta relação era mais notória,
identificando valores de creatinina superiores ou iguais a 1,055 mg/dl (sensibilidade de 59,6%
e especificidade de 65% para a identificação da probabilidade de ocorrência de terapias
apropriadas). A análise de Kaplan-Meier demonstrou uma sobrevida livre de terapias
apropriadas significativamente melhor nos doentes com creatinina inferior a 1,055 mg/dl (Log
Rank: p = 0,024). Aos 6 anos após a implantação do CDI cerca de 41,8% dos doentes com
valores mais altos de creatinina sofreram uma primeira terapia apropriada em contraste com
24,3% nos restantes doentes. (Figura 5)
16
Não foram encontradas outras associações estatisticamente significativas entre a
ocorrência de terapias apropriadas e os restantes parâmetros laboratoriais.
Foi também realizada análise multivariada (regressão logística) cujos resultados não
identificaram nenhum dos parâmetros descritos como preditores independentes de terapias
apropriadas.
Figura 4: Curva ROC para otimizar a sensibilidade e especificidade do parâmetro Creatinina.
Cut off 1,055 AUC 0,64 95% CI p = 0,005
17
Figura 5: Curvas de Kaplan-Meier representando o tempo até à primeira terapia apropriada
durante o follow-up dos doentes, estratificando os doentes pelo valor de creatinina sérica.
18
DISCUSSÃO
Incidência de terapias apropriadas
Neste estudo, realizado a partir de uma amostra de uma população real de doentes com
miocardiopatia isquémica que implantaram um CDI por prevenção primária, foi observada
uma taxa de terapias apropriadas de 28,8% num tempo médio de follow-up de 6,62 ± 2,9 anos.
Esta incidência, ligeiramente superior à verificada noutros estudos multicêntricos
internacionais (6–10), pode ser explicada pelo facto do tempo de follow-up ser mais prolongado
no nosso estudo, o que permitiu o registo de um maior número de eventos. Por outro lado,
nalguns destes estudos previamente realizados os ATPs não foram considerados dentro das
terapias apropriadas o que também pode contribuir para as diferenças observadas.
Pode-se constatar, pela análise efetuada, que apenas uma pequena parcela de todos os
doentes que são submetidos a implantação de CDI em prevenção primária vão realmente
necessitar deste dispositivo, confirmando a necessidade de aperfeiçoar os critérios de seleção
dos doentes de modo a triar melhor os candidatos a esta terapêutica invasiva.
As atuais recomendações Europeias são baseadas no grande estudo multicêntrico
MADIT II, que demonstrou uma melhoria da sobrevida com a implantação do CDI em
doentes com EAM prévio e FEVE ≤ 30%. Neste estudo o uso de CDI associou-se a uma
redução do risco de morte súbita de 31%.(11) No entanto, o facto de utilizar este parâmetro,
não muito eficaz ou reprodutível, como critério de implantação do CDI, faz com que haja um
grande número de doentes elegíveis para a implantação que poderão nunca vir a beneficiar
desta terapêutica. Contrariamente aos resultados encontrados noutros estudos(9) e ao que era
expectável, não encontrámos uma relação entre a diminuição da FEVE e a ocorrência de
terapias apropriadas, pelo que fica em dúvida se este será um critério muito útil na seleção dos
doentes.
19
Como já foi referido anteriormente, estes dispositivos apresentam certos
inconvenientes que não devem ser desvalorizados. Para além das possíveis complicações
associadas à sua implantação, há ainda a considerar o risco de falha na transmissão de
choques, a necessidade de substituições periódicas devido à duração limitada da bateria, os
elevados custos implicados em todo o processo e, sobretudo, o grande impacto negativo
associado à ocorrência de choques inapropriados e de choques apropriados frequentes. Estes
doentes estão mais suscetíveis a problemas de ansiedade e depressão, e vêem a sua vida
quotidiana claramente afetada, seja pelo prejuízo na qualidade do sono, nas relações íntimas,
na imagem corporal, na participação de desportos coletivos ou na condução de veículos, entre
outros.(12)
Fatores associados à ocorrência de terapias apropriadas
Este estudo demonstrou uma relação significativa entre a ocorrência de terapias
apropriadas e alguns dos parâmetros avaliados: sexo masculino, presença de TVNM e doença
renal crónica. No entanto, nenhum destes parâmetros foi identificado como preditor
independente de terapias apropriadas.
Relativamente à relação estabelecida com o sexo masculino, apesar de ter sido
demonstrada uma diferença significativa entre o grupo com terapias apropriadas e o grupo
sem terapias, não podemos tirar conclusões claras acerca deste achado, uma vez que não
conseguimos ter um número representativo de doentes do sexo feminino. (Tabela 1) Esta
diferença em termos numéricos é encontrada na grande maioria dos estudos e é explicada pela
maior incidência de EAM no sexo masculino.
No nosso estudo verificámos também uma nítida associação entre a presença de
TVNM na interrogação do CDI e a ocorrência de terapias apropriadas (p = 0,008). De uma
20
forma semelhante, Verma et al demonstraram que a presença de TVNM pré-implantação do
CDI era um dos preditores mais importantes de terapias apropriadas na sua população.(10) Este
facto é curioso, uma vez que este parâmetro era um importante critério de inclusão nos
primeiros estudos sobre o uso de CDI em prevenção primária(13), porém, não é considerado
um critério para a implantação de CDI nas recomendações atuais.(5) De notar que no nosso
estudo apenas avaliámos a ocorrência deste tipo de arritmias após a implantação do CDI. No
entanto é compreensível que estes doentes ao apresentarem uma maior tendência
arritmogénica, demonstrado pelo aumento das TVNM, tenham também uma maior
probabilidade de vir a desenvolver disritmias ventriculares mantidas e, consequentemente,
terapias apropriadas.
No nosso estudo valores mais elevados de creatinina sérica associaram-se a maior
probabilidade de ocorrência de terapias apropriadas durante o follow-up (Tabela 3),
verificando-se também uma associação entre a elevação da creatinina sérica e a precocidade
na ocorrência de uma primeira terapia apropriada. (Figura 5)
Estes resultados são semelhantes aos encontrados no estudo de Hreybe et al, onde foi
demonstrado que os doentes com disfunção renal têm um risco mais elevado de sofrer terapias
apropriadas, incluindo choques e ATP.(14) Encontraram também uma relação entre o
aumento dos níveis de creatinina e a ocorrência mais precoce de eventos arrítmicos a requerer
terapias apropriadas. Noutro estudo, Kreuz et al demonstraram que uma função renal
comprometida à data da implantação do CDI representa um poderoso preditor independente
para a incidência de arrimtias ventriculares potencialmente fatais.(15) Deste modo, podemos
concluir que a medição dos valores de creatinina antes da implantação do CDI pode ser uma
ferramenta muito útil para a seleção dos candidatos ideais. No entanto, mais estudos
multicêntricos randomizados serão necessários para comprovar estes resultados.
21
Associações expectáveis
A maioria dos estudos realizados com o objetivo de identificar preditores de choques
apropriados utilizaram populações com diferentes patologias (cardiopatia isquémica,
cardiopatia dilatada) em que o CDI foi implantado quer em prevenção primária quer
secundária.
Este estudo tem como mais-valia analisar uma população constituída exclusivamente
por doentes com cardiopatia isquémica que implantaram CDI em prevenção primária,
permitindo-nos ter uma noção mais concreta desta população específica.
Há ainda certos parâmetros previamente estudados que têm sido associados à
ocorrência de terapias apropriadas e que merecem ser discutidos.
A classificação funcional da NYHA é um método simples para classificar a gravidade
da insuficiência cardíaca, categorizando os doentes em uma de quatro categorias baseada na
limitação da atividade física. Doentes com classe NYHA superior a II parecem apresentar
maior probabilidade de vir a desenvolver eventos arritmogénicos e, portanto, de beneficiar da
implantação de um CDI. Esta associação foi já demonstrada em diversos estudos, dos quais
destacamos o estudo de Singh et al que analisou a população incluída no grande estudo
multicêntrico MADIT-II e demonstrou um aumento da ocorrência de choques apropriados em
doentes com classe NYHA superior a II. (13)
Certos hábitos podem também contribuir para a ocorrência de terapias apropriadas. O
estudo de Verhagen et al revelou que doentes com hábitos tabágicos prévios tinham uma
maior probabilidade de vir a sofrer choques apropriados.(6) Este facto pode ser explicado pela
maior incidência de aterosclerose nestes indivíduos, o que aumenta o risco de eventos
isquémicos, com consequentes processos cicatriciais no miocárdio que podem induzir a
formação de arritmias potencialmente malignas. Na nossa população, 68,9% dos doentes tinha
22
hábitos tabágicos prévios à implantação do CDI, no entanto não foi encontrada nenhuma
relação estatisticamente significativa entre o tabagismo e o despoletar de terapias apropriadas.
Diversas classes de fármacos foram também associadas à prevenção de terapias
apropriadas. No estudo de Obeyesekere et al, a ausência de tratamento com inibidores do
sistema renina-angiotensina-aldosterona foi considerado um preditor independente de choques
apropriados.(9) Por outro lado, Singh et al demonstraram uma relação inversa entre o uso de
beta-bloqueantes e terapias apropriadas.(13) Esta associação, entre a toma destes fármacos e a
menor incidência de choques apropriados, pode ser explicada pela ação que apresentam na
inibição da remodelagem cardíaca, com melhorias na função do ventrículo esquerdo e com
efeitos neurohormonais que reduzem o risco de taquicardia ventricular.(16) Não foi possível
encontrar no nosso estudo diferenças significativas entre o uso destes medicamentos e a
ocorrência de terapias apropriadas, o que pode estar relacionado com o facto de a grande
maioria dos doentes incluídos no estudo estarem medicados com estes fármacos.
Limitações do estudo
Os resultados deste estudo são limitados pelo facto de se tratar de uma análise
unicêntrica e baseada nos dados de uma amostra com dimensões reduzidas.
Por outro lado, foi realizado de forma retrospetiva o que condiciona a recolha dos
dados e não permite identificar atividades diárias, emoções ou estados psicológicos que
pudessem influenciar a necessidade do choque.
23
CONCLUSÃO
As atuais recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia para a implantação de
CDI em prevenção primária na miocardiopatia isquémica são muito amplas, utilizando apenas
como critérios a FEVE e a classe de NYHA, pelo que incluem uma proporção significativa de
doentes que nunca irão necessitar do dispositivo.
Neste estudo encontrou-se uma clara associação entre a existência de valores mais
elevados de creatinina sérica à data da implantação do CDI e a ocorrência de terapias
apropriadas. Verificou-se também que nestes doentes a ocorrência de terapias era mais
precoce. Deste modo, podemos concluir que este poderia ser um critério muito útil a
considerar, de modo a aperfeiçoar a seleção dos candidatos a CDI.
No entanto, a realização de estudos multicêntricos prospetivos seria necessária para
comprovar estes resultados e identificar os melhores preditores de terapias apropriadas, com o
objetivo de aperfeiçoar as indicações para implantação do CDI e alocar esta tecnologia salva-
vidas aos doentes que realmente dela poderiam beneficiar.
24
AGRADECIMENTOS
Este trabalho necessitou de muito esforço e dedicação e a sua conclusão não teria sido
possível sem o apoio de um conjunto de pessoas que, de uma forma direta ou indireta
contribuíram para a sua realização, nomeadamente:
Ao Excelentíssimo Sr. Dr. Mariano Pego pela oportunidade que me concedeu de
realizar a Tese de Mestrado no Serviço de Cardiologia dos CHUC.
À Professora Doutora Natália António pelo interesse e dedicação demonstrados ao
longo dos dois anos que durou este projeto, pela incondicional ajuda e disponibilidade e por
ter contribuído para o meu crescimento pessoal e profissional.
À Dra. Joana Delgado Silva pelo apoio, orientação, partilha do seu saber e
imprescindíveis sugestões.
A todos os técnicos do Serviço de Cardiologia, em particular aos Técnicos João e
Maria João, pela ajuda na recolha dos dados relativos à interrogação do CDI.
Ao Laboratório de Bioestatística, particularmente à Professora Doutora Bárbara
Oliveiros, pela disponibilidade e ajuda no tratamento estatístico.
A todos os doentes com quem tive oportunidade de contatar e pela sua disponibilidade
em participar neste projeto.
À minha família e amigas por estarem sempre presentes, com o carinho, afecto e
atenção que me demonstraram constantemente.
Ao João por todo o apoio, incentivo, atenção e compreensão, sem os quais não seria
possível concluir esta tarefa.
25
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Organization WH. Global atlas on cardiovascular disease prevention and control. 2011;
2. Aparecida R, Muzzi L, Aparecida G, Santos B. Infarto do Miocárdio : Alterações Morfológicas e Breve Abordagem da Influência do Exercício Físico. Rev Bras Cardiol. 2014;27(5):349–55.
3. Ghuran a V, Camm a J. Ischaemic heart disease presenting as arrhythmias. Br Med Bull. 2001;(59):193–210.
4. Moss AJ, Hall WJ, Cannom DS, Daubert JP, Higgins SL, Klein H, et al. Improved Survival with an Implanted Defibrillator in patients with coronary disease at high risk for ventricular arrhytmia. N Engl J Med. 1996;335(26):1933–40.
5. Priori S, Lundqvist CB, Mazzanti A, Blom N, Borggrefe M, Camm J, et al. 2015 ESC Guidelines for management of patients with ventricular arrhythmias and the prevention of sudden cardiac death. Eur Heart J. 2015;17–30.
6. Verhagen MP, van Boven N, Ruiter JH, Kimman G-JP, Tahapary GJ, Umans V a. Follow-up of implantable cardioverter-defibrillator therapy: comparison of coronary artery disease and dilated cardiomyopathy. Netherlands Hear J [Internet]. 2014;22(10):431–7. Available from: http://link.springer.com/10.1007/s12471-014-0595-z
7. Alsheikh-Ali A a., Homer M, Maddukuri P V., Kalsmith B, Estes N a M, Link MS. Time-dependence of appropriate implantable defibrillator therapy in patients with ischemic cardiomyopathy. J Cardiovasc Electrophysiol. 2008;19(8):784–9.
8. Ng ACT, Bertini M, Borleffs CJW, Delgado V, Boersma E, Piers SRD, et al. Predictors of death and occurrence of appropriate implantable defibrillator therapies in patients with ischemic cardiomyopathy. Am J Cardiol [Internet]. Elsevier Inc.; 2010;106(11):1566–73. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.amjcard.2010.07.029
9. Obeyesekere MN, Chan W, Stub D, Prabhu S, Teo EP, Toogood G, et al. Left ventricular ejection fraction and absence of ACE inhibitor/angiotensin II receptor blocker predicts appropriate defibrillator therapy in the primary prevention population. PACE - Pacing Clin Electrophysiol. 2010;33(6):696–704.
10. Verma A, Sarak B, Kaplan AJ, Oosthuizen R, Beardsall M, Wulffhart Z, et al. Predictors of appropriate implantable cardioverter defibrillator (ICD) therapy in primary prevention patients with ischemic and nonischemic cardiomyopathy. PACE - Pacing Clin Electrophysiol. 2010;33(3):320–9.
11. England TN. Numb Er 12 Prophylactic Implantation of a Defibrillator in Patients With Myocardial Infarction and Reduced Ejection Fraction. 2008;346(12):877–83.
26
12. Schron EB, Exner D V., Yao Q, Jenkins LS, Steinberg JS, Cook JR, et al. Quality of life in the antiarrhythmics versus implantable defibrillators trial: Impact of therapy and influence of adverse symptoms and defibrillator shocks. Circulation. 2002;105(5):589–94.
13. Singh JP, Hall WJ, McNitt S, Wang H, Daubert JP, Zareba W, et al. Factors Influencing Appropriate Firing of the Implanted Defibrillator for Ventricular Tachycardia/Fibrillation. J Am Coll Cardiol [Internet]. 2005;46(9):1712–20. Available from: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0735109705017845
14. Hreybe H, Ezzeddine R, Bedi M, Barrington W, Bazaz R, Ganz L, et al. Renal insufficiency predicts the time to first appropriate defibrillator shock. Am Hear J [Internet]. 2006;151(4):852–6. Available from: papers2://publication/uuid/FDC69B7E-05A9-4A95-A561-35301538197F
15. Kreuz J, Balta O, Linhart M, Fimmers R, Lickfett L, Mellert F, et al. An impaired renal function and advanced heart failure represent independent predictors of the incidence of malignant ventricular arrhythmias in patients with an implantable cardioverter/defibrillator for primary prevention. Europace [Internet]. 2010;12(10):1439–45. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20817721
16. Lelakowski J, Piekarz J, Rydlewska A, Majewski J, Senderek T, Za̧bek A, et al. Factors predisposing to ventricular tachyarrhythmia leading to appropriate ICD intervention in patients with coronary artery disease or non-ischaemic dilated cardiomyopathy. Kardiol Pol. 2012;70(12):1264–75.